Revista Olhares Sociais / PPGCS / UFRB, Vol. 03. Nº. 02 – 2014/ pág. 103
POR UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA REPRODUÇÃO:
CONTRIBUTO DO PENSAMENTO DE PIERRE
BOURDIEU
Nadjane Gonçalves de Oliveira1 ; Maily dos Santos Santana2 ; Edson Luís
Gonçalves de Oliveira3
RESUMO: O presente artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica e tem como
objetivo refletir e discutir o contributo que os estudos de Pierre Bourdieu oferecem para
compreendermos qual o lugar da educação no campo da organização social do Estado.
Para este teórico as culturas e as práticas sociais, com seus mecanismos de produção e
manutenção; as relações de força e a produção simbólica, existentes em cada campo na
luta por poder e reconhecimento, são preocupações centrais. Concluímos através deste
estudo que a escola reproduz a dominação de uma classe que impõe a sua própria cultura,
dando-lhe um valor incontestável, configurando o arbitrário cultural dominante,
concretizando o papel que a escola desempenha de marginalizar os alunos das classes
populares. Dessa forma, concordamos que Bourdieu nos apresenta uma importante
contribuição quando afirma que o enfrentamento a essa dominação simbólica, se inicia
por levantar essa discussão, seguido de uma tomada de atitude frente a essa inquietante
problemática social, sobretudo por acreditarmos que a tarefa fundamental da escola é
capacitar os estudantes a compreenderem a natureza do mundo material e social, visando
agir sobre ele para alcance dos objetivos individuais e coletivos.
Palavras-chave: Bourdieu. Educação. Escola.
Abstract: This article is the result of a bibliographical search and aims to reflect and
discuss the contribution that Pierre Bourdieu studies offer to understand what is the place
of education in the field of State’s social organization field. For this theorist the cultures
and social practices, with its mechanisms of production and maintenance; power relations
and symbolic production, in each field of the struggle for power and recognition are the
author central concern. We conclude through this study that the school reproduces the
domination of a class that imposes its own culture, giving it an undeniable value by
setting the dominant cultural arbitrary, fulfilling the role that the school plays to
marginalize students from the popular classes. Thus, we agree that Bourdieu presents an
important contribution when he says that facing this symbolic domination begins by
raising this discussion, followed by an attitude of taking this disturbing social problem,
especially because we believe that the fundamental task of school it is to enable students
to understand the nature of the material and social world, aiming to act on it to reach the
individual and collective goals.
Key-words: Bourdieu, School, Education
1 Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS 2 Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS 3 Universidade do Estado da Bahia – UNEB – CAMPUS V
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INTRODUÇÃO
É inegável a valiosa contribuição que o renomado sociólogo francês4, Pierre Bourdieu,
nos apresenta. Suas obras versam sobre variados temas, conseguindo assim, produzir
conhecimentos extremamente importantes à sociedade e para as gerações vindouras. A
sua teoria, desenvolvida ao longo de décadas de pesquisa, e com elevado grau de
complexidade, nos traz instrumentos teóricos preciosos que nos permitem analisar e
compreender a realidade social. Bourdieu nos apresenta importantes conceitos que
compõem toda sua teoria, como conceito de habitus, de campo, de capital, de dominação,
de distinção e de violência simbólica. E esse vasto campo de objetos de estudos se
constitui em uma característica específica da teoria bourdiana.
Ao apropriar-se de Marx 5 , Bourdieu demarca uma forte presença do paradigma da
dominação e das relações de força e conflitos sociais daí gerados, enfatiza rupturas e
questionamentos para melhor compreender a luta de classes BOURDIEU, Pierre,
2001.Ele não reconhece a classe teórica como real e efetivamente mobilizada e considera
o economicismo reducionismo grave da realidade. Dessa forma, Bourdieu não se propõe
a romper com o objetivismo, que ignora as lutas simbólicas que ocorrem nos diferentes
campos, adotando a noção de capital, que amplia para outros âmbitos, além do
econômico, como o social, o cultural e o simbólico.
Bourdieu amplia a concepção marxista de capital, entendendo que este termo não traduz
apenas o acúmulo de bens e riquezas econômicas, mas sim, todo recurso ou poder que se
manifesta em uma atividade social. Assim, além do capital econômico é decisiva para o
sociólogo a compreensão de capital cultural, compreendido naqueles saberes e
conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos; Ocapital social, configurado através
das relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação. Em resumo,
4 A década de 1960 marcou, principalmente na França, uma insatisfação geral com a escola. O caráter
autoritário e elitista do sistema educacional e o baixo retorno social e econômico, advindo dos certificados
escolares, frustravam a expectativa das classes subalternas francesas que buscavam obter mobilidade social
e econômica a partir da formação escolar (Nogueira & Nogueira, 2004).
5 Karl Heinrich Marx foi um filósofo, cientista político, e socialista revolucionário muito influente em sua
época, até os dias atuais.
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refere-se a um capital simbólico(aquilo que chamamos prestígio ou honra e que permite
identificar os agentes no espaço social). Ou seja, desigualdades sociais não decorreriam
somente de desigualdades econômicas, mas também dos entraves causados, por exemplo,
pelo déficit de capital cultural no acesso a bens simbólicos.
Quando se apropria dos estudos de Weber6 ele nos traz a noção de representação, em
relação ao sentido conferido pelos agentes para suas ações (dimensão simbólica)
BOURDIEU op. cit. 2001. E nos apresenta também a noção de legitimidade, ou a
qualidade de adesão, aceitação e reconhecimento de algo pelos agentes. São aplicadas
para a compreensão dos mecanismos de dominação e de seu processo de produção,
transmissão e manutenção, na sociedade.
Ao apreender os estudos de Durkheim, Bourdieu retoma a discussão de defesa da
constituição da Sociologia como ciência, buscando identificar as “leis objetivas” que
orientam a realidade social e atribuindo uma explicação e ordem ao aparente caos da
sociedade7. BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas, 2004
Como a educação é objeto de discussão neste artigo, vale ressaltarmos que o processo
educacional não está isento de intenções e motivações, e nesse processo cabe considerar o
papel do Estado representado na escola através das ações dos agentes presentes nas
6 Maximilian Weber É muito conhecido por seus estudos sobre as causas sociais. Teve enorme importância
para a política europeia, ao escrever o Manifesto Comunista, juntamente com Friedrich Engels, que deu
origem ao “Marxismo”, citado adiante. Foi um ativista do movimento operário europeu, no
chamadoInternational Workingmen‟s Association(IWA), também conhecido como First International.
<http://www.infoescola.com/sociologia/ karl-marx-e-o-marxismo/>. foi um economista e sociólogo
alemão, e é considerado atualmente um dos fundadores do estudo moderno da sociologia e administração
pública. Começou sua carreira na Universidade de Berlin, e depois passou para várias outras instituições.
Teve grande influência política na Alemanha, sendo um dos negociadores de seu país no Tratado de
Versalhes, e membro da comissão que criou a Weimar Constitution, a Constituição do Estado Alemão. Ele
foi o responsável pela inserção do Artigo 48 nesta constituição, que mais tarde foi usado por Adolf Hitler
para reprimir a oposição e conseguir poderes ditatoriais. Até hoje as contribuições de Weber para a política
alemã continuam controversas. <http://www.infoescola.com/sociologia/max-weber- maximilian-weber/>.
7 Émile Durkheim foi um dos responsáveis por tornar a sociologia uma matéria acadêmica, sendo aceita
como ciência social. Durante sua vida, publicou centenas de estudos sociais, sobre educação, crimes,
religião, e até suicídio. Um dos focos de Durkheim era em como as sociedades poderiam manter a sua
integridade e coerência na era moderna, quando as coisas como religião e etnia estavam tão dispersas e
misturadas. A partir disto, ele procurou criar uma aproximação científica para os fenômenos sociais.
Descobriu a existência e a qualidade de diferentes partes da sociedade, divididas pelas funções que
exercem, mantendo o meio balanceado. Isto ficou conhecido como a teoria do Funcionalismo. <
http://www.infoescola.com/sociologia/emile-durkheim/>.
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dimensões administrativas e pedagógicas e neste ensaio, procuramos refletir a
importância da teoria bourdiana para a compreensão do Estado, no que tange a educação,
discutindo o papel da escola enquanto reprodutora de uma estrutura coercitiva e
dominante, considerando os mecanismos pelos quais a violência simbólica é exercida
pela instituição escolar e pelos seus agentes, que infelizmente contribuem para essa
legitimação social e para a conservação das estruturas sociais.
CONTRIBUTO TEÓRICO E CONCEITUAL
Tentaremos aqui apresentar de maneira sistematizada, alguns conceitos importantes para
a compreensão do legado teórico deixado por Pierre Bourdieu, sem a pretensão de
considerar que apenas esse recorte teórico será suficiente para a compreensão de sua
importante obra.
Iniciaremos abordando o espaço social, que para Bourdieu pode ser compreendido como
um sistema de posições sociais que se definem umas em relação às outras, que se faz em
determinado espaço e tempo físicos, e que tendencialmente se reproduz pela conformação
consensual, em geral inconsciente, de seus agentes. Dessa forma, os espaços sociais
podem abranger campos distintos, que se inter-relacionam, e assim, cada elemento do
campo é considerado um agente, que pertencente a determinado campo partilha de um
conjunto de interesses e de capital comum, sem, no entanto, deixarmos de considerar que
nesse mesmo campo existem lutas e concorrências oriundas das relações de poder
existentes no interior deste campo.
Vale destacar que todos os campos caracterizam-se por possuírem características
próprias, com dinâmicas, regras e capitais específicos e por um grupo dominante e outro
dominado, com possíveis gradações intermediárias e conflitos constantes, e definidos de
acordo com seus valores internos.
Segundo Bourdieu (2008, p. 21), “O habitus é esse princípio gerador e unificador que
retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida
unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas”.
Ressaltamos que o habitus é ao mesmo tempo coletivo e individual, sobretudo, porque a
dominação ocorre nos agentes e nos espaços coletivos, representados pelas instituições.
Interessante perceber a ênfase que Bourdieu atribui a característica de incorporação do
habitus no agente, e segundo ele, essa incorporação dá-se de tal maneira que se torna o
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próprio agente, tendo em vista que ocorre em um processo de interiorização,
reproduzindo, no plano interno do agente, as estruturas externas do
O espaço é relacional: “(...) conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas
às outras por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, vizinhança ou de
distanciamento e, também, por relações de ordem, como acima, abaixo e entre”.
(BOURDIEU, 1996, p. 18)
O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência
transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou
as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo , de um
campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo quanto a ação desse mundo.
(BOURDIEU, 1996, p. 144)
mundo. Essa lógica contribui para a reprodução da ordem social, na medida em que esta
não pode se dar sem a adesão, o reconhecimento e mesmo a ação dos agentes e
instituições envolvidas; porém, este processo se dá de forma sutil, em geral inconsciente
por parte dos agentes. E para esclarecer esse pressuposto Bourdieu afirma que
A lógica especifica de um campo se institui em estado incorporado sob a forma de um
habitus especifico, ou melhor, de um sentido do jogo, ordinariamente designado como
um "espírito" ou um "sentido" (“filosófico „literário‟; “artístico” etc.”.), que praticamente
jamais e posto ou imposto de maneira explicita. Pelo fato de operar de modo insensível,
ou seja, gradual, progressiva e imperceptível, a conversão mais ou menos radical
(conforme a distância) do habitus originário requerido pela entrada no jogo e
consequentemente aquisição do habitus específico acaba passando despercebida quanta
ao essencial. (BOUDIEU, 2001, p. 21).
De acordo com o referido teórico é preciso conhecer a história, a gênese e as estruturas
vigentes na sociedade e em determinado campo em especial, para compreender a
constituição do habitus. Em contra partida, compreende-se também que as funções
sociais são verdadeiras ficções, tendo em vista que a imagem social é forjada pelo Estado,
por meio da representação, e institui-se assim, as funções sociais que, para serem
cumpridas, necessitam de adesão do agente ao jogo social.
Dessa forma, compreendemos que a constituição do habitus implica em uma dialética
entre ele e as significações prováveis percebidas pelo agente, no sentido de que este
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tenderá a observar na realidade elementos que reconhece e pensa compreender,
resultando em práticas que reforçam essa visão de mundo. E para uma melhor
compreensão deste conceito, Bourdieu propõe a seguinte fórmula: [(habitus) (capital)] +
campo = prática (BOURDIEU, 2007, p.97). Esta formula é compreendida como resultado
da relação dialética entre as estruturas e a conjuntura em que elas estão inseridas, sendo
intermediada pelo habitus, que se constituí nessa relação dialética, configurando um
movimento entre as estruturas e a conjuntura, e entre o habitus e estas estruturas e
conjuntura, levando à prática.
Nessa dinâmica a prática fundamenta a noção de estratégia, que também pode ser
individual ou coletiva, e visa à manutenção, apropriação ou expansão do capital
disponível e desejado, sobretudo porque dependem do capital disponível e de seu valor
em determinado campo e conjuntura. Entretanto, as estratégias dependem e recorrem aos
diferentes tipos de capital. Na teoria bourdiana os campos organizam-se hierarquicamente
no interior do campo de poder a partir do capital que se subdividem em capital social,
capital cultural, capital econômico e o capital simbólico acrescentado por Bourdieu como
sendo “um crédito, é o poder atribuído àqueles que obtiveram reconhecimento suficiente
para ter condição de impor o reconhecimento [...].” (BOURDIEU, 2004, p.166). Para o
autor o capital simbólico confere poder (simbólico) ou legitimidade ao agente ou grupo
que o detém, considerando o reconhecimento dentro de um campo determinado.
Todo esse processo desencadeia o que Bourdieu denomina de violência simbólica, que
para o teórico é “uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem
e também, com frequência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são
inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la” (BOURDIEU, 1997, p. 22), sendo exercida por
agentes dominantes ou instituições, que estabelecem o que é reconhecido como legítimo
dentro do campo.
Bourdieu e Passeron (2002, p. 27), ao tratarem do princípio de que a cultura, ou o sistema
simbólico, é arbitrário, uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural,
afirmam que se trata de uma construção social e que a sua manutenção é fundamental
para a perpetuação de uma determinada sociedade, através da interiorização da cultura
por todos os membros da mesma.
Nessa perspectiva, a violência simbólica se expressa na imposição legitimada e
dissimulada, através da interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do
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mundo do trabalho. Na prática os dominados não se opõem ao seu opressor, considerando
que não possuem formação crítica para se perceberem como vítima do processo de
dominação, em contra partida, envolvido nesse campo, o oprimido considera a situação
natural e inevitável.
Corroborando com essa discussão a professora Lúcia Bruno ao estudar o Poder Político e
Sociedade BRUNO, Lúcia. Poder Político e Sociedade: Qual objeto? Disponível em
<www.usp.br/prolam/downloads/nespi_023ok.pdf.> , questiona De onde vem este
sentimento hoje tão presente nas consciências, da impossibilidade de engendrarmos a
partir de nós mesmos o político? O político aqui entendido como a capacidade de
tomarmos decisões, apoiados no sentimento de pertencimento a um grupo, a uma
comunidade que não seja apenas decorrente de um ou mais aspectos isolados de nossas
práticas, mas de um conjunto integrado, ainda que contraditoriamente, de aspectos de
práticas compartilhados e que nos definem como humanos? (BRUNO, 1993, p.3).
A citada autora pontua que a racionalidade anunciada ou esperada do Estado, carrega
consigo o resíduo inevitável da violência e da usurpação que acabou por converter-se em
irracionalidade e esta minou as suas bases possíveis de legitimação. Para Bruno (1993, p.
5), atualmente só a manutenção da preeminência da massa pode sustentar esta situação,
na qual o Estado, apesar do grau de ilegitimidade que o caracteriza, continua a ser visto
como inevitável, quando não, como solução.
SISTEMA EDUCATIVO: A ESCOLA E AÇÕES PEDAGÓGICAS
Podemos perceber a importância dos estudos de Bourdieu para pensarmos a educação
brasileira quando refletimos a cerca da realidade das nossas escolas. Infelizmente ainda
temos uma escola a serviço dos interesses de um Estado dominante que não prioriza um
projeto social com amplitude para suprir as reais necessidades sociais. A escola efetivada
pelos seus agentes não compreende a enorme responsabilidade que possui através da sua
função social, sobretudo por não pertencer a um sistema de educação que se proponha
formar e capacitar os filhos e filhas das camadas populares, continuando assim por
perpetrar as desigualdades sociais que separam a classe dominante das classes
dominadas.
Podemos comprovar essa perpetuação do poderio do Estado na fala de Carlos Nelson
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Coutinho quando nos diz que
Menos consensual é a constatação de que muitos dos traços dessa formação estatal
brasileira ora em crise têm raízes já no início da nossa história. Isso significa que o Brasil
se caracterizou até recentemente pela presença de um Estado extremamente forte,
autoritário, em contraposição a uma sociedade civil débil, primitiva, amorfa
(COUTINHO, 2006, p. 173).
Ao traçarmos uma ligação dessa afirmativa com os fundamentos teóricos bourdianos,
percebemos que a dinâmica da dominação simbólica é trazida para dentro da escola que
dissimuladamente contribui para que essa cultura dominante continue transmitida como
tal e dessa forma acaba favorecendo alguns alunos em detrimento de outros. As crianças
e adolescentes desfavorecidos são justamente aqueles que não tiveram contato, através da
família, com o capital cultural, seja este representado na falta de livros, representações
concretas e por não terem ido a lugares e recebido informações facilmente acessíveis aos
mais ricos.
Considerando esse pressuposto, ao tratarem da ação pedagógica, Bourdieu e Passeron
(2013), explicitam que as relações de força presentes na ação pedagógica são
consideradas como sendo simultaneamente autônomas e dependentes, e para os autores
dependem das relações de força presentes na estrutura social e conseguem constituir-se
como instituição autónoma para a reprodução dessa mesma estrutura. A ação pedagógica
é exercida pelos membros educados de um grupo social, podendo ser exercida pelas
famílias, ou por quaisquer outros agentes mandatados para o efeito. A ação pedagógica
reproduz a cultura dominante, reproduzindo também as relações de poder de um
determinado grupo social (BOURDIEU e PASSERON, 2013).
Dessa forma, os autores chamam a atenção para o fato de a Ação Pedagógica perpetuar a
violência simbólica através de duas dimensões arbitrárias: o conteúdo da mensagem
transmitida e o poder que instaura a relação pedagógica exercendo-o por autoritarismo. A
autoridade pedagógica que visasse destruir a violência simbólica destruiria a si própria,
pois se trata do poder que legitima a violência simbólica.
Nesse sentido, Nogueira e Nogueira (2004), ao estudarem a obra de Bourdieu destacam
que este teórico preocupava-se com os alunos e chamava a atenção para a forma como
estes eram vistos pelo sistema educativo
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Uma das teses centrais da Sociologia da Educação de Bourdieu é a de que os alunos não
são indivíduos abstratos que competem em condições relativamente igualitárias na
escola, mas atores socialmente constituídos que trazem, em larga medida, incorporada
uma bagagem social e cultural diferenciada e mais ou menos rentável no mercado escolar
(NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004, p. 18).
Assim, pensando a ação pedagógica, Bourdieu e Passeron (2013), afirmam que e trata de
“força pura e pura razão” que recorre a meios diretos de constrangimento na imposição
de significações, pois, segundo eles pelas relações de força e sua reprodução, o arbítrio
cultural dominante tende a ficar sempre em posição dominante, o que origina a ação
pedagógica dominante (classes superiores) que tende a impor e a definir o valor do
mercado econômico e simbólico à ação pedagógica dominada (classes inferiores).
Bourdieu destaca que paradoxalmente só recuperam sua necessidade se os recolocarmos
na lógica, puramente sociológica, do campo onde foram gerados e onde funcionaram
enquanto estratégias simbólicas nas lutas pela dominação simbólica, ou seja, pelo poder
sobre um uso particular de uma categoria particular de signos e, desse modo, sobre a
visão do mundo natural e social (BOURDIEU, 2004, p. 174).
Nessa perspectiva, os professores constituem uma autoridade frente aos alunos e se
tornam legitimadores das mensagens que transmitem, fazendo com que seus alunos
recebam e interiorizem as informações, configurando assim, uma reprodução cultural e
social da classe dominante. Ressaltamos com isso, que os próprios professores pertencem
a esta classe, mesmo sendo também, manipulados pelo sistema de dominação simbólica,
tendo em vista que a violência simbólica é estabelecida a partir do momento em que se
hierarquizam os cargos na escola, e do mesmo jeito que essa dominação não é natural,
esta relação hierárquica de poder também se constitui arbitrária.
Segundo Bourdieu e Passeron (2013), toda a ação pedagógica produz uma autoridade
pedagógica, operação pela qual concretiza a sua verdade objetiva de exercício de
violência. Sem autoridade pedagógica não é possível levar-se a cabo a ação pedagógica,
pois estas detêm o direito de imposição legítima de significações. Dessa forma, as
representações de legitimidade da ação pedagógica variaram ao longo da história. Assim,
toda a ação pedagógica deverá ter como pressuposto a autoridade pedagógica que
exercerá um trabalho de inculcação de um arbítrio cultural. Este trabalho de inculcação
implica sempre o exercício de violência simbólica por parte da autoridade pedagógica.
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Sendo a escola o espaço de formação intelectual e social dos sujeitos, citamos Mendes
(1983), quando este nos apresenta questionamentos extremamente importantes para
refletirmos sobre a função social da educação
“Se se pode promover uma sociedade com cem ou mil pessoas exercendo o papel
ditatorial, por que educar dez milhões ou cem milhões, para exercer a democracia? Se o
“desengrossamento” do povo, até a limpidez é tão dispendioso e “incerto”, por que não
admitirmos a meia-educação?” (MENDES 1983, p. 58).
A escola é um dos importantes lugares onde o conhecimento deve ser transmitido de
forma democrática para todos, entretanto, infelizmente termina por enfatizar as diferenças
e reforçando o sentimento de incapacidade nas crianças e adolescentes que não detêm
capital cultural equivalente aos dos filhos e filhas pertencentes à elite dominante. Dessa
forma, mesmo não se lançando diretamente a estudar o universo da escola, uma vez que
seu foco de estudo era a análise do social e dos aspectos relacionais da vida em
sociedade, os conceitos de Bourdieu 8 nos auxiliam a refletir sobre as instituições
educacionais e sobre as experiências dos agentes sociais quanto aos fatores
influenciadores para o êxito escolar, sobretudo porque a escola não se encontra neutra em
relação à configuração social preexistente.
BREVES CONSIDERAÇÕES
Somos cientes quanto ao fato dos estudos de Bourdieu corresponderem a um sistema de
ensino francês, com especificidades culturais, históricas e políticas diferenciadas do
contexto brasileiro, entretanto, identifica-se claramente em seus estudos a existência de
elementos em comum com a realidade educacional em nosso país, considerando também
a pertinência teórica dos seus estudos, uma vez que a sociologia da educação crítica
elaborada por Bourdieu atribui à escola papel destacado como dispositivo a serviço da
manutenção e legitimação de privilégios sociais.
Infelizmente na sociedade brasileira, o conteúdo transmitido nas escolas é aquele que
interessa à perpetuação da hegemonia cultural da classe dominante, ainda hoje a realidade
do sujeito branco, urbano e economicamente bem sucedido é transmitida de
forma natural e nessa perspectiva, Bourdieu considera os agentes do campo educacional
8 A reprodução (BOURDIEU & PASSERON, 2013); Escritos de Educação (BOURDIEU, 2014).
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de extrema importância para a efetivação da democracia, entretanto, para este estudioso,
essa efetivação só poderá acontecer através da ação de um contra poder reivindicado
pelos intelectuais, os quais o autor considera de “primeira grandeza”.
Através dos estudos de Bourdieu apreendemos que a violência simbólica pode ser
exercida por diferentes instituições da sociedade, a exemplo do Estado, da igreja, da
mídia e da própria escola, etc. Nessa perspectiva, importante se faz perceber que a
educação, no entanto, está no centro desta discussão e que é através da educação que o
indivíduo poderá ser capaz de perceber a violência simbólica que o envolve e poderá
oportunizar o protagonismo de tornar-se um ator social que contraponha a sua
legitimação.
Em meio a toda essa complexidade a escola configura-se como o principal agente
educacional da sociedade contemporânea e, de maneira lamentável continua enfrentando
barreiras histórico-politica e social, no que diz respeito a contribuir com a formação
crítica de sujeitos que sejam autônomos na construção de suas identidades e que
promovam ações emancipatórias, sendo agentes de uma realidade que se contraponha ao
que está imposto por um Estado dominador e coercitivo, que impõe padrões e controle
através dos seus aparelhos.
Os estudos de Bourdieu são imprescindíveis para pensarmos um processo de mudança no
papel das instituições, e assim, discutirmos a ruptura de uma escola que não esteja a favor
da manutenção do poder do Estado e da legitimação da sua violência simbólica,
favorecendo a disseminação de agentes ideologicamente dominados, e sim, que haja um
investimento na construção de uma escola a favor das classes menos favorecidas, uma
escola que esteja para além da reprodução. Ele defende um tratamento igualitário para
aqueles que são diferentes e enfatiza que a educação deve possibilitar a todos as mesmas
oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, tendo em vista que a escola não pode
ignorar as desigualdades existentes na escola, considerando que agindo dessa forma
poderá favorecer ainda mais os já favorecidos.
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