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TERRORISMO DE ESTADO
NA RSSIA:
a guerra na Tchetchnia nos descaminhos
da indstria da violncia
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SUMRIO
Apresentao
7
A
regio da Tchetchnia: aspectos socioculturais
11
I. Dados geogrficos e demogrficos / 11
- Tchetchnia /
11
- Tchetchenos / 11
- Organizao social e econmica / 11
- Idioma tchetcheno / 13
lI. Moradia tradicional dos tchetchenos / 13
- Arquitetura medieval da Tchetchnia e da Inguchtia / 14
IlI. Apontamentos cronolgicos das relaes entre a Rssia e a
Tchetchnia(sculos 16-19)/16
Estado totalitrio na Unio Sovitica e seu legado na Rssia
contempornea
19
I. Nota sobre a formao do Estado moscovita na Rssia czarista / 19
lI. Levantes populares e revolues no incio do sculo 20 /19
III. Poder estatal bolchevique e a elaborao do discurso ideolgico
comunista (centralizao e expansionismo do poder) / 24
IV O Estado totalitrio na Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
(URSS): militarizao, represso e russificao / 28
V O fim da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas e a formao
da atual Federao Russa/29
VI. A ascenso de Vladimir Putin ao poder presidencial da Rssia / 31
Terrorismo deEstado e a guerra na Tchetchnia
35
I. Introduo / 35
lI. Deportao do povo tchetcheno em 1944/ 36
Ill.A retomada dos movimentos pela autonomia poltica da Tchetchnia
e os antecedentes da guerra (1990-94) / 37
IV Conflito armado (1994-1996) - 1a fase da guerra /41
- Crimes de guerra na vila Samchki / 48
V Conflito armado (1999- ????) - 2
a
fase da guerra / 50
- Situao na regio de Stavropol em 1999/ 50
- Daguesto -1999/ 52
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VI. Perdas da populao civil durante as guerras na Tchetchnia/ 53
VII. Perdas do exrcito da Federao Russa durante as guerras na
Tchetchnia / 54
VIII. Depoimento de um oficial do exrcito russo / 55
IX. As condies sociais na Tchetchnia na atualidade: Tchetchnia e
gueto / 56 .
Refugiados tchetchenos 59
I. Introduo / 59
lI. Migrao forada na regio da Inguchtia / 59
m.
Discriminao de tchetchenos em Moscou /61
IV. Crescimento da xenofobia na Rssia. Discriminao de minorias
tnicas / 62
Palavras no silncio 67
Psfcio
73
Anexos 75
L Cronologia das relaes en tre a R ssia e a Tchetchn ia sculos 20-21 /7 7
lI. As Tchekas: decretos, artigos e documentos oficiais / 84
m. Perseguio dos camponeses na Unio Sovitica /88
IV. In memoriam deAnna Politkvskaia /98
V.Pierm e a luta antimilitarista na Rssia contempornea /
108
VI. Poesia popular tchetchena / 111
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APRESENTAO
- Sabe o que que eu digo s pessoas quando me dizem que esto
escrevendo livros contra a guerra?
- No sei. Que que voc diz, Harrison Starr?
- Eu digo, por que que, em vez disso, voc no escreve um livro
contra geleiras?
(Matadouro n 5 ou A Cruzada das Crianas. Kurt Vonnegut Jr.)
Pero con todo, nunca, en n ingn perodo de Ia vida de Ia humanidad,
Ias gueras fueron Ia condicin normal de Ia vida. Mientras los guereros se
destruan entre s, y los sacerdotes glorificaban estos homicidios, Ias masas
populares proseguan llevando Ia vida cotidiana y haciendo su trabajo
habitual de cada da. Y seguir esta vida de Ia masa, estudiar los mtodos
con cuya ayuda mantuvieron su organizacin social, basada en sus
concepciones de Ia igualdad, de Ia ayuda mutua y deI apoyo mutuo - es
decir, su derecho comn -, aun entonces, cuando estaban sometidos a Ia
teocracia o aristocracia ms brutal en el gobierno, estudiar esta faz deI
desarrollo de Ia humanidad es muy importante actualmente para una
verdadera ciencia de Ia vida.
l Apoyo Mutuo. Pedro Kropotkin)
Fico cientfica e guerra so os temas principais do livro Matadouro n
5 ou A Cruzada das Crianas, do escritor Kurt Vonnegut. Testemunha do
massacre de milhares de pessoas no bombardeio sobre a cidade de Dresden,
durante a Segunda Guerra Mundial, o personagem Bi11yPilgrim percorre
diversas falhas no espao-tempo sideral aps ser abduzido pelos tralfa-
madorianos - aliengenas que, dentre outras singularidades, no compreendem
o significado de livre-arbtrio. Para aqueles estranhos seres, no se prestam
explicaes ou advertncias sobre acontecimentos que podem ser realizados
ou evitados: os acontecimentos simplesmente existem. Dessa maneira, Billy
Pilgrim passa
aceitar passivamente todas as mazelas de sua existncia e do
mundo ao seu redor, reduzidas numa espcie de predestinao csmica ou
ainda, em suas palavras, coisas da vida.
Mas a fico cientfica desta concepo de histria no reside apenas
no romance do escritor. A provocativa interrogao de Harrison Starr
corresponde ao sentimento de apatia e alienao generalizada observada na
sociedade russa neste incio de sculo 21, no contexto em que o genocdio
do povo tchetcheno toma-se algo comum, coisas da vida.
A principal motivao deste trabalho, intitulado TERRORISMO DE
ESTADO NA RSSIA: a guerra na Tchetchnia nos descaminhos da
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indstria da violncia, a tentativa de desfazer o silncio de uma guerra
que j vitimou centenas demilhares de pessoas, provocou uma das maiores
ondas contemporneas de refugiados na regio e instaurou uma poltica de
medo cotidiano de escala continental. E as dificuldades para constru-lo no
foram poucas, uma vez que a perspectiva de anlise autnoma e independente
da questo exigiu uma atividade depesquisa, incessante, realizada nas brechas
de nosso tempo cotidiano e sem qualquer auxlio financeiro.
Assim, entre o final do ano de 2004 e o incio de 2006, reunimos e sinte-
tizamos os diversos materiais recolhidos (livros, fotos, fanzines,jornais,
revistas, documentos etc.) e as impresses subjetivas em ocasio davivncia
de dois meses nas cidades de Moscou e So Petersburgo, alm da vila rural
de Priamukhino (I1P5IM)TXHHO).ambm traduzimos diversos artigos e textos
disponveis em stios eletrnicos, devidamente indicados nas notas de
referncia.
Ao mesmo tempo, contamos com a colaborao de Lida Iussupova,
representante da ONG Memorial na cidade de Grozny (Tposnsr), capital
da Tchetchnia (lIeqH5I),reconhecida ativista na luta em defesa dos direitos
humanos de seu povo. Convidada pela Federao Internacional de Direitos
Humanos a participar do IV Frum Social Mundial, realizado no Brasil em
janeiro de2005, Lida nos relatou as atuais condies de vida dos tchetchenos,
a histria das guerras, aresistncia de seu povo contra a violenta ditadura do
Estado sovitico e, atualmente, contra os crimes de guerra das tropas militares
russas.
Enfocamos basicamente quatro pontos cruciais do tema em questo.
Primeiramente, compilamos alguns dados elementares sobre a regio do
Cucaso setentrional e o povo tchetcheno: geografia, demografia, economia,
sociedade, arquitetura e outros aspectos bsicos para compreendermos um
povo que incorpora em sua histria a luta pelo direito ao autogoverno local e
a resistncia contra tentativas de dominao. Nesse sentido, citamos tambm
os principais focos de conflito entre a Rssia e a Tchetchnia entre os sculos
16 e 19.
Em seguida, buscando apresentar um ponto de vista sobre a atual
situao poltica na Rssia e a origem da guerra na regio da Tchetchnia em
1994, refazemos a trajetria de formao do Estado totalitrio da Unio
Sovitica: os levantes populares russos do incio do sculo 20 e sua
apropriao ideolgica pela ascenso do Partido Bolchevique ao poder aps
a Revoluo de 1917; a militarizao proveniente da industrializao blica
conjugada ao desmantelamento da vida campesina; a opo do Partido
Comunista sovitico pela economia capitalista de Estado, traduzi da pela
diviso do trabalho social; o processo de russificao e sufocamento das
habilidades de auto-subsistncia dos povos e comunidades tradicionais
espalhados pelo continente. Salientamos a importncia dessa abordagem
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devido herana latino-americana da mitificao da ideologia comunista,
propagandeada intensificadamente durante a poca da Guerra Fria (sob a
gide falaciosa em que, para combater a poltica imperialista estadunidense,
o inimigo do meu inimigo meu amigo ), e cujas conseqncias serevelam,
ainda que anacronicamente, na tolerncia e cumplicidade de alguns setores
da sociedade em estabelecer vnculos polticos e econmicos com outras
formas de imperialismos contemporneos (como, por exemplo, o russo ou o
chins). Descrevemos, ao final desta parte, um breve panorama do fim da
URSS e da atual ascenso de Vladimir Putin ao poder presidencial da Rssia.
Na terceira parte do trabalho, apresentamos a evoluo do conflito na
regio da Tchetchnia, principalmente a partir do advento da imploso da
Unio Sovitica, em 1991, e os conseqentes movimentos emancipatrios
observados em suas ex-Repblicas, Procuramos caracterizar as diferenas
fundamentais entre o primeiro perodo da guerra na Tchetchnia (1994-1996)
- fundada na luta pela independncia local e pela possibilidade denegociaes
entre representantes da Federao Russa e da Tchetchnia - e o segundo
perodo da guerra (reiniciada em 1999) - dentro da perspectiva das aes
terroristas de rebeldes tchetchenos e das medidas de controle e represso
da sociedade russa. Por outro lado, ambos os momentos do conflito res-
guardam semelhanas fundamentais: a populao civil tomada como refm
pelas foras militares, o aumento das dificuldades sociais na Tchetchnia e na
Rssia, os horrores da guerra. importante notar que a designao de
atentados ter roristas v incula-se a uma construo poltico-ideolgica do
governo russo, procurando deslegitimar as reivindicaes de independncia
poltica da Tchetchnia. Por outro lado, as operaes militares do exrcito
russo naTchetchnia, que causam amorte de civis, assim comoo s seqestros,
estupros, e outras formas de violncia psicolgica e torturas, no so
considerados crimes de guerra, nem atos terroristas.
Em decorrncia direta de tal panorama, colocamos em seguida a
problemtica dos refugiados tchetchenos nas regies da Federao Russa,
principalmente nos territrios vizinhos (como a Inguchtia) e nas grandes
cidades (como Moscou e So Petersburgo). Nesse sentido, o fortalecimento
do nacionalismo russo aliado a discursos e prticas preconceituosas ou
xenfobas (muitas vezes servindo de base ideolgica para agresses fisicas e
psicolgicas, linchamentos e assassinatos de indivduos pertencentes amino-
rias tnicas) acentuam o genocdio em curso do povo tchetcheno.
Colocamos nas consideraes finais uma sntese do panorama da
sociedade na Rssia contempornea, centrada na poltica de medo cotidiano
implementada pelo governo russo atravs da atualizao dos mecanismos de
represso social e no papel crucial dos servios e produtos da indstria da
violncia, objetivando o revigoramento de uma economia decadente: poltica
e objetivos, alis, absolutamente condizentes com asjustificativas de guerra
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propagadas pelos Estados Unidos na luta global contra o terrorismo. Por
outro lado, destacamos movimentos organizados de resistncia contra a guerra
na Tchetchnia e contra a xenofobia.
Nos anexos desta obra sistematizamos a cronologia das relaes polticas
e principais conflitos entre a Rssia e a Tchetchnia durante os sculos 20 e
21; traduzimos um texto referente
perseguio dos camponeses e outro
sobre a criao da Tcheka l. JK : tcherezvytchinaia komssiia), polcia
bolchevique, e seus desdobramentos no desenvolvimento dos mecanismos
de represso estatal; relatamos a campanha antimilitarista em curso na cidade
de Pierm; inclumos algumas fotos que integraram a exposio
Guerra e
Paz na Rssia: cultura e resistncia no sculo
21 ,
organizada em algumas
cidades do Brasil durante o ano de 2005. Traduzimos um artigo de Anna
Politkvskaia.jomalista assassinada h um ms. Ao final, uma poesia popular
tchetchena.
Ressaltamos que este trabalho dedicado a todos os que no conside-
ram a guerra como algo inerente
Histria, nem se conformam passivamente
perante violaes de direitos humanos fundamentais e que, contrariamente a
qualquer concepo de predestinao, acreditam nas atitudes individuais,
aes coletivas, movimentos sociais e outras formas de manifestaes para
resistirmos aos fundamentalismos religiosos e doutrinas ideolgicas, supe-
rando com lucidez nossa condio humana - e que isso no sej ajamais visto
como algo aliengena
nossa espcie.
Ao Literria pela Autodeterminao dos Povos
Novembro 2006
Protesto em Moscou contra a guerra na Tchetchnia
10
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]7/22/2019 Terrorismo de Estado na Russia: a guerra na Tchetchenia nos descaminhos da indstria da violncia
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ARegio
da chetchnia
aspectos socioculturais
I Dados geogrficos e
demogrfcos
Tchetchnia
Territrio: 19300 km/.
Diviso administrativa:
12
regies; seis cidades, quatro vilas urba-
nizadas,
165
vilas.
Capital: cidade de Grozny (210.700 habitantest .
Cidades principais: Chali (Lllanu) (40.350 habitantes), Urus-Martan
(Ypyc-Mapman)
(39.980 habitantes), Gudermes
(Tyepuec)
(33.750
habitantes), Argun (ApZyH) (25.700 habitantes).
Tcltetcltenos
Autodenominao: notchkhiy
Religio predominante: muulmanos sunitas.
Os povos vainatckhi , que significa nosso povo , autodenominao dos
tchetchenos, assim como de seus irmos inguches, so moradores enrai-
zados do Cucaso Setentrional. So mencionados nas fontes arrnnias do sculo
7, sob o nome de nakhtchamat-ian.
No Casaquisto, regio para qual os tchetchenos e inguches foram depor-
tados em 1944, ainda moram aproximadamente 32.000 tchetchenos. H dis-
poras na
J
ordnia (5. 000 pessoas) e nos Emirados rabes (1. 000 pessoas).
Organizao social e econmica
A estrutura social das comunidades tradicionais na regio da Tchetchnia
e do Cucaso Setentrional era formada por teipes, compostas por diversas
famlias. Alm disso, as
teipes
aceitavam outros agregados em sua com-
posio social, provindos de outras regies.
1. Fonte: www.kavkaz.memo.ru/regionstext/chechnya (acessado em 10 de junho de 2006).
2. Dados demogrficos referentes ao ano de 2002.
3. Dados de 1999. Fonte: idem.
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Nas teipes, constitudas por uma vila ou por um conjunto de vilas, as
questes cotidianas referentes aos seus habitantes eram decididas nos
conselhos, compostos pelos ancios e, em alguns casos especficos, por
outros representantes da comunidade. O Conselho dos conselhos legislava
sobre questes que envolviam o coletivo das teipes. Formava-se, ainda, o
Conselho Maior, congregando todos os povos das montanhas. No caso de
guerra, escolhia-se um lder, a quem todos os habitantes juravam lealdade
militar.
A terra, as guas e os bosques pertenciam aos habitantes das vilas. As
tarefas de subsistncia eram realizadas pela prpria comunidade, baseadas
essencialmente na plantao de batata, milho e trigo, alm das atividades
pastoris. Pelas torres de pedra, a segurana da comunidade garantia-se atra-
vs de atenta observao do territrio.
Essa forma de organizao social dos povos das montanhas se contra-
punha s tentativas de estabelecimento de um Estado ou outras formas de
hierarquizao institucional. Tais caractersticas permaneceram, em parte,
at o incio da recente guerra na Tchetchnia .
Na plancie do Cucaso Setentrional, as ocupaes tradicionais so
agricultura (milho, trigo, cevada, milho-mido) e criao de gado; nas regies
montanhosas - pastos e agricultura nos terraos.
Indstria artesanal: confeco de burkas (roupa tradicional de pele),
curtume, cermica, produo de armas e de jias, trabalhos com madeira e
pedra, minerao.
Roupa tradicional masculina: tcherkesska, bechmet, charovary, burka
e bachlyk. Cobertura para cabea - papakha (gorro alto de pele), chapu de
feltro, solidu bordado. Mulheres vestiam camisas longas - vermelhas, ama-
relas, verdes ou azuis e charovary, bechmet no inverno. Para cobrir a cabea
usavam leno de seda ou de l; calavam -
tchuviaki,
botas, sapatos. Atual-
mente os moradores idosos preservam alguns elementos dos trajes na-
CIOnaIS.
Comida tradicional: pratos de farinha de milho ou trigo - galuchki, sopas
e mingaus variados, panquecas sem sal. Pratos lcteos populares - tvorog
(espcie de ricota) com smetana e tvorog com manteiga derretida.
Folclore: lendas, estrias, contos de fadas, canes. Tradies antigas
de dana e msica. Os instrumentos musicais mais comuns so tchondyrk
4 . A autoridade dos ancios, por exemplo, est presente at os dias atuais, porm foi en fra quecida
pelas operaes militares - conforme Lida Iussupova, da ONG Memorial.
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(tipo de violino bilateral), detchigpondar (tipo de balalaika montanhesa),
zurna,
pandeiro e tambor .
dioma
tchetcheno
o
idioma tchetcheno uma das lnguas
nakhsko-daguests
(do Cucaso
oeste).
difundida principalmente na Tchetchnia e nas regies de Khasav-
Iurt (XacaB-IOpT) eNovolkski (Hosonaxcx) do Daguesto, etambm, na
Inguchtia e na Gergia; alm disso, em menor grau, na Sria, na Jordnia e
na Turquia. H vrios dialetos. A fontica da lngua tchetchena possui um
vocalismo complexo e um grande nmero de ditongos e tritongos.
A lngua literria tchetchena formou-se no sculo 20 na base do dialeto
da regio plancie. A escrita em tchetcheno at 1925 funcionava com a grafia
rabe, em 1925-1938 com grafia latina, e apartir de 1938 com grafia cirlica,
usando um smbolo auxiliar: a letra I, e alguns dgrafos:
K X , as,
TIetc.) e
trgrafos
ys ,
Apartir de 1991 houve tentativas de retomo grafia latina.
11 Moradia tradicional dos tchetchenos
A natureza influenciou na formao dos povoados e das moradias na
regio da Tchetchnia. H diferena entre os povoados das montanhas e da
plancie. Desde antigamente, o principal material de construo a pedra, e
os materiais secundrios so madeira, barro e palha. Construindo as mora-
dias nas fendas entre as montanhas, as pessoas erguiam as construes de
tal maneira que permitisse a melhor defesa. Alm disso, a escolha do lugar
para o povoado foi influenciada pela proximidade dos pastos, da gua e da
boa terra. A terra era muito valorizada, por isso as casas foram construdas
em cima das pedras, muitas vezes de difcil acesso. O tipo de moradia mais
comum nos povoados montanhosos eram as casas de um andar com telhado
chapado. Tambm existiam casas de dois andares e torres de defesa de trs
a cinco andares. Estas construes - casas para morar, torre e instalaes
auxiliares - formavam a fazenda. Dependendo do relevo das montanhas,
estas fazendas tinham ocupao horizontalouvertical.O povoadomontanhoso
parecia um conjunto desorganizado de construes. No existiam ruas retas.
A terra escassa era dividida entre as
teipes.
A
teipe
de muitas famlias tinha
mais terra, e a de poucas famlias menos. Assim surgiam os quarteires:
geralmente, os moradores que tinham parentesco ocupavam determinado
quarteiro. Cada povoado tinha invariavelmente uma praa onde o povo se
5. Fonte: kavkaz.memo.ru/encyclopediatextlencyclopedia/id/407566.htm (acessado em
10de junho de 2006).
6. Fonte: kavkaz.memo.ru/encyclopediatextlencyclopedia/id/591052.htm (acessado em
10 de junho de 2006).
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reunia e onde construam amesquita. O mesmo tipo de planejamento, pos-
teriormente, foi transferido para os povoados da plancie, que se estendiam
ao longo dos rios ou das estradas, sendo mais populosos. Se os povoados
das montanhas contavam, em mdia, 20 a 25 quintais, osdaplancie tinham
400 ou mais moradias.
Nas plancies utilizavam outros materiais para a construo das casas.
As paredes tranadas de galhos, eram rebocadas com barro e esterco fresco.
Os telhados faziam com varas de madeira e com cascas de rvores por
cima, cobertos com barro espremido por u m instrumento especial para que
no crescesse grama.
A casa dividia-se em duas partes (quartos) que no se correspondiam
entre si. Cada uma tinha sua sada para a rua. Um quarto pertencia ao dono
da casa. Nele tambm eram recebidos os hspedes. Outra parte pertencia
dona da casa e s crianas. A casa s e aquecia com uma lareira especfica
que tambm servia de fomo. Uma chamin tranada, rebocada com barro,
ficava um metro acima do cho. Embaixo da chamin, em um suporte de
barro, o fogo estava sempre acesso. Na chamin penduravam uma corrente
com gancho para as panelas. Havia poucos mveis: poltrona do dono da
casa, mesa para refeio, bancos baixos. Dormiam geralmente no cho,
usando colches, esteiras, tapetes e cobertores guardados nas largas pra-
teleiras ao longo do quarto. Ali tambm estavam bas e loua. No havia
janelas, mas ao cho faziam-se buracos quadrados que, noite, eram fecha-
dos com madeira.
Casas tipicamente russas feitas de tijolos ou troncos de madeira, com
janelas e portas de entrada, com fomos de ferro e telhados de telha, aparecem
na Tchetchnia no sculo 19, assim como as fbricas de produo de tijolos
e telhas.
rquitetura medieval da Tchetchnia e da Inguchtia
A arquitetura medieval da Tchetchnia e da Inguchtia considerada um
fenmeno peculiar e pouco estudado. Entre osmonumentos arquitetnicos
destacam-se altares pagos, catedrais crists, criptas de famlias e, fmalmente,
as torres de defesa e de moradia. Durante muitos sculos os tchetchenos e
os inguches viviam como vizinhos muito prximos nos territrios ao longo da
principal cadeia de montanhas do Cucaso, entre os atuais territrios da
Osstia e do Daguesto.
A regio do Cucaso sempre foi uma encruzilhada da grande migrao
de povos, que se dirigiam do leste para oeste e do sul para o norte. Quando
no baixo das montanhas passava uma onda de nmades, pelas montanhas
subiam vrias tribos. Os contatos culturais entre os povos das montanhas e o
mundo exterior foram determinados por vrios fatores, tais como as cara-
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vanas da grande rota da seda, ou a chegada dos missionrios cristos. So-
brevivendo em condies extremamente dificeis, os vainakhi conseguiram
criar uma arquitetura que, atualmente, nos impressiona com sua funcionali-
dade e expresso artstica. Os vainakhi moravam em torres. Ao lado da
torre da moradia construam a torre de defesa - uma casa-fortaleza, to
comum no cotidiano dos homens livres na Europa medieval. Nas paredes de
pedra tambm enterravam os mortos, pois a terra era escassa e a melhor
terra servia para a agricultura. Assim, as torres e as criptas eram construdas
em cima da parede. Para as criptas iam os doentes durante as epidemias
peridicas. Os sobreviventes voltavam para casa.
Nas principais trilhas colocavam os altares. Durante as festas, para estes
lugares se dirigiam os habitantes vestidos de branco. Aqui pediam ao deus a
colheita e a boa procriao. Aps a reza, faziam-se sacrificios e comilanas.
Os pesquisadores enfocam duas ondas de construo ativa. O primeiro
perodo - sculos 9 at 13 - se deve
chegada de missionrios cristos ao
Cucaso Setentrional. Exatamente nesse perodo aparecem as catedrais e
as primeiras torres de defesa. No sculo 14 so constru das as torres para as
criptas. Os arquelogos datam da mesma poca os altares preservados. O
segundo perodo refere-se ao sculo 17,marcado pela proliferao da arma
de fogo. As torres de defesa foram desmontadas e, do mesmo material,
foram construdas as novas torres com as estreitas janelas para armas de
fogo, ao invs de largas, prprias para o uso de arco e flecha. Isto foi
provocado pelo apogeu do comrcio de escravos promovido pelo Imprio
Otomano ao longo de todo o Cucaso Setentrional.
Na Inguchtia foram preservadas trs catedrais crists, no h mesqui-
tas. Na Tchetchnia, pelo contrrio, no h catedrais crists, mas foram pre-
servadas as mesquitas. Somente no territrio tchetcheno podemos encon-
trar torres de defesa muito curiosas: a fenda vertical entre asmontanhas co-
berta com uma parede com janelas para atirar; a entrada, muito alta, s era
acessvel por uma escada mvel guardada dentro da fortaleza.
A engenhosa torre de defesa uma edificao nica.Abase relativamente
pequena um quadrado (4,5m
2,
enquanto a altura das torres chega a ser
de 25m a 30m. A'Sparedes so ngremes. O topo da torre coberto com um
telhado em degraus, que por fora parece uma pirmide. Dentro da torre,
sobre seu segundo nvel, arcos internos entrelaados formam um telhado,
cujos alapes permitiam acesso aos nveis superiores, divididos por uma
coberta de troncos de madeira.
Os vainakhi no tinham escrita e, portanto, a histria dessa arquitetura
reconstruda atravs da comparao com outros monumentos histricos de
todo Cucaso.
Infelizmente, a preservao dos monumentos arquitetnicos medievais
dos vainakhi encontra-se sob sria ameaa. Os povoados montanhosos fo-
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ram abandonados pelos seus moradores h muito tempo. Sem reparo, as
paredes esto sendo destru das pelas chuvas ou enxurradas d' gua, e parte
das torres desabou. Hoje os pastores utilizam as torres para abrigo do re-
banho. Ultimamente, somam-se s destruies causadas pelo tempo, as
destruies causadas pela guerra. Por exemplo, as torres de defesa nos
povoados Dere e Charoi, e a c ripta no vale Targmskoe, foram destru das
por msseis. Os tmulos das criptas foram vasculhados procura de tesouros.
No existem dados exatos sobre o nmero de monumentos preserva-
dos. Estimativas de pesquisadores? apontam para aproximadamente 1.500
construes na Tchetchnia e na Inguchtia.
IH. Apontamentos cronolgicos das relaes entre a Rssia e a
Tchetchnia sculos 16-19 8
Na segunda metade do sculo 16, a dominao de Ivan, o Terrvel, se
expande at a plancie caucasiana, onde seus sditos encontram os
tchetchenos - moradores da regio - no leito do rio Sunja (Cynzca), perto
do povoado Tchetchen-aul (Hesea-ayn). Da a origem do nome atribudo ao
povo tchetcheno pelos russos.
Durante o sculo 17, perodo histrico tambm conhecido como Tem-
pos Tumultuosos, no Cucaso se estabelece o confronto entre os cossacos,
homens livres fugidos da servido e deslocados ao norte do rio Terek
(Tepex), e os tchetchenos, situados nas plancies montanhosas.
Os cossacos tomam-se homens do Estado, conquistando novos
territrios para o Imprio Russo. Em 1739, a linha fortalecidade Kizliar
estabelecida, iniciando a luta do Imprio Russo contra os montanheses pelo
controle das plancies montanhosas.
Segundo Nikolai I, o czarismo objetivava dominar os povos das
montanhas ou o extermnio dos desobedientes' . Aps a conquista, os
7. Kuzmin, Valentin Aleksandrovitch - arquiteto; arquiteto-chefe da Repblica Inguchtia e
Karatchaievo- Therkessia. Atualmente trabalha com a restaurao da catedral do sculo 13 em
Tkhabo- Ierdy na Inguchtia e da catedral do sculo 10 em Karatchaievo- Tcherkessia. H mais
de 20 anos trabalha com pesquisa e documentao sobre os monumentos arquitetnicos do
Cucaso setentrional.
Il iasov, Latcha Makhmudovitch - fillogo; publicou artigos sobre os monumentos antigos da
Tchetchnia, que pesquisa e fotografa. Fez vrias exposies fotogrficas com apoio do Centro
de pesquisa e popularizao da cultura tchetchena LAM (Grozny).
8. Fonte: kavkaz.memo.ru/bookstextlbooks/id/6I 2069.htm (acessado em 10 de junho de
2006).
9. Durante a tal chamada pacificao do Cucaso muitos dos povos autctones foram
exterminados pelo Imprio Russo. Um dos exemplos o extermnio e a deportao dos povos
ubykhi
e
abzakh
(que habitavam a costa do Mar Negro), cuja trgica histria descrita por
Georges Dumzil em Documents anatoliens sur les langues et les traditions du Caucase. lI
Nouvelles tudes Oubykh.
Paris: Institut d 'Ethnologie: 1965.
16
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17/117
tchetchenos foram expulsos das terras frteis para as montanhas, fugiram
para aTurquia, e suas moradias foram destrudas. Aatual capital, Grozny, foi
ergui da sobre os escombros de antigas aldeias tchetchenas.
Entre 1780 e 1859 os montanheses lutaram contra os colonizadores. O
apogeu desta luta armada foi a guerra de Cucaso (1817-1859). Contra os
montanheses, comandados pelo im Chamil, os russos mobilizaram mais
tropas que contra Napoleo. Mesmo assim os moradores da Tchetchnia
resistiam ao Imprio. Um correspondente militar escrevia para urnjornal
moscovita: Na Tchetchnia s aquele lugar nosso, onde estamos
deslocados. Assim que a unidade militar se move, o lugar volta a ser dos
rebeldes . Muitos soldados russos, no querendo participar da colonizao,
desertavam e fugiam para a Tchetchnia, livre da servido. No exrcito de
Chamil eles at fundaram um regimento russo. Mas as foras nesta guerra
foram demasiadamente desiguais. Aps dcadas de guerra sangrenta, o
czarismo conseguiu conquistar os povos do Cucaso e inclu-los no Imprio.
1739
Estabelecimento da linha fortalecida de Kizliar .
1785-1791
Levante dos montanheses sob comando do cheque tchetcheno Mansur
(Uchurma), que uniu as tribos dosmontanheses na luta contrao Imprio Russo.
1817
Avano do exrcito russo para a parte montanhosa da Tchetchnia. Incio
da Guerra do Cucaso (1817-1864).
1818
Fundao da fortaleza Grozny.
1834-1859
Guerra da Rssia contra o im Chamil, que uniu vrias tribos dos
montanheses contra a interveno dos russos.
26 de agosto de 1859
Tomada da ltima residncia de Chamil, vila Gunib, pelo exrcito russo.
Chamil toma-se prisioneiro. Fim daluta dosmontanheses pela independncia.
21 de maio de 1864
Data oficial do fim da Guerra do Cucaso. O exrcito russo apaga o
ltimo foco da resistncia no Cucaso Oeste.
1869
A fortaleza Grozny renomeada como cidade Grozny.
1877-1878
Levantes dos montanheses. Levante popular no Daguesto e na
Tchetchnia contra o Imprio Russo em apoio aos fiis turcos durante a
guerra entre a Rssia e a Turquia.
17
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Torre medieval na Tchetchnia
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Estado Totalitrio na Unio Sovitica
e seu Legado na Rssia
Contempornea
I. Nota sobre formao do Estado moscovita na Rssia czarista
A rgida e hierarquizada sociedade feudal czarista russa foi consolidada
atravs da articulao dos diversos principados desde meados do sculo 15,
aps a vitria de Ivan III sobre as hordas de trtaros-mongis que assolaram
e dominaram o territrio russo durante mais de um sculo. Aps perodos de
instabilidade e agudas disputas pelo poder, as estruturas poltico-admi-
nistrativas czaristas modernas foram desenvolvidas durante o sculo 18,
principalmente atravs das aes de Pedro I, o Grande, e Catarina lI, a
Grande.
O primeiro censo demogrfico realizado no Imprio Russo, em 1897,
registrou quase 129milhes de habitantes, dos quais 44,6% se declaravam
russos. Aparte europia da Rssia era habitada por 93,4 milhes de pessoas,
sendo quase 10milhes no Reino da Polnia' , e 2,6 milhes no principado
da Finlndia. Concentravam-se cerca de 9,3 milhes na regio do Cucaso,
5,8 milhes na Sibria e 7,6 milhes nas regies da sia Central. Todos os
habitantes do imprio foram divididos em classes: nobres (fidalgos), clero,
comerciantes, pequenos-burgueses e camponeses, e cada uma dessas
classes possua seus direitos e obrigaes fixados com exatido'.
11. Levantes populares e revolues no incio do sculo 20
Entre o final do sculo 19 e incio d o sculo 20 diversas movimentaes
populares ocupavam o contexto social do governo do Czar Nikolai lI. A
incapacidade e passividade do czarismo na resoluo da situao poltica e a
profunda crise econmica em que mergulhara a Rssia ocasionavam
10.
A Polnia integ ra va o te rr itrio do Imp rio Russo desde
1812.
11.
Bexa A .B . I1CTOplUIPOCCIIH.M H.:
Xapsecr,
M .: ACT
2003. N.663
V EKA A.v.
Histria
da Rssia.
M oscou: Ast
2003).
19
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20/117
descontentamento social generalizado. Os camponeses, ao lado de
trabalhadores concentrados nas grandes cidades e em Petersburgo (antiga
capital do Imprio Russo), ocupavam papel central em tais movimentaes.
A situao de convulso social aumentava vertiginosamente.
Crculos e associaes estudantis pregavam abertamente o anti-
czarismo, incitando sublevaes e desobedincia aos monarcas. Neste caso,
a resposta da monarquia czarista russa foi proibir o funcionamento de tais
organizaes, atravs de decreto governamental (1884). Alm disso, o
governo passou a incorporar os estudantes insurrectos ao Exrcito Czarista
- fato que agravou ainda mais os conflitos e culminou no assassinato do
Ministro da Educao Bogolopov, em 1901.
Aps a crise da indstria txtil, em 1899, e com o desencadeamento das
lutas por melhorias das condies de trabalho nas regies petrolferas de
Baku e Batum, em 1903 (com direta ressonncia em outras lutas populares,
como na Ucrnia), trabalhadores russos passam a se auto-organizar
localmente e, pouco a pouco, grupos de oposio poltico-ideolgica se
fortaleciam: social-democratas, social-revolucionrios, comunistas e
anarquistas estendiam suas atividades, principalmente nas grandes cidades.
A derrota da Rssia em guerra travada contra o Japo (1904) tambm
colaborou para enfraquecer a legitimidade da monarquia.
Com a inteno de desestruturar a oposio poltica, o governo czarista
passa a criar organizaes operrias, legalizadas para amenizar os protestos
populares e demonstrar interesse e preocupao com as reivindicaes dos
trabalhadores. Nessas Sees Operrias infiltravam-se agentes gover-
namentais, como Zubatov, em Moscou - rapidamente descoberto pelos ope-
rrios que interromperam suas atividades -, ou padre Gapn, em So Pe-
tersburgo - cuja dissimulao propiciou duradouro convvio com traba-
lhadores naquelas organizaes (proibidas a membros de partidos ou agrupa-
mentos revolucionrios). Gapn chegou a liderar as mobilizaes na fbrica
Putilov, inclusive conduzindo uma grandiosa marcha de trabalhadores ao
Palcio do czar, russo Nikolai II (em janeiro de 1905), para entregar
pacificamente um manifesto com reivindicaes trabalhistas: na emboscada,
os soldados abrem fogo contra os manifestantes, indefensavelmente
massacrados 12.
O ano de 1905, em especial, foi marcado por diversas lutas populares,
como o nascimento do Soviet (Conselho) de Trabalhadores em So
Petersburgo. Concebido por diversos trabalhadores que freqentavam a casa
deVsevolod Mikhilovich (Volin),aidiaeracriarum organismo permanente
de reunio, uma espcie de comit que acompanharia o desenrolar das
12. Aps o massacre, padre Gapn deixa a Rssia e aps seu retorno, anos depois, descoberto
por trabalhadores e executado como traidor.
20
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movimentaes populares na Rssia, servindo de vnculo entre os operrios,
e possibilitando a troca de informaes sobre a situao geral, reunindo for-
as revolucionrias.
Nomeado
Soviet de Delegados Operrios
foi presidido por Georgi
Nossar, considerado um sem partido pelos bolcheviques. Segundo os bol-
cheviques, o Conselho duplicava as tarefas da organizao partidria,
configurando-se como um agrupamento rival politicamente institudo pelos
trabalhadores russos. Todavia, a motivao para a formao dos
soviets
pelos trabalhadores foi o desejo de agrupar e dirigir sua luta dispersa pelo
territrio russo, e em nenhum caso a tomada do poder poltico. A trans-
formao do carter apartidrio e autnomo da organizao e dos objetivos
do Conselho d-se com a ascenso de Trotski presidncia do organismo
que, enquanto menchevique e membro do POSDR (Partido Operrio
Social-democrata da Rssia), passa a vincular as aes polticas do Conse-
lho s diretrizes de seu Partido.
Outros Conselhos de Trabalhadores tambm organizavam-se pela Rs-
sia, alguns at anteriores ao Conselho de Delegados Operrios de So
Petersburgo, como o caso dos Soviets de Ivanovo- Voznesensk (regio in-
dustrial de Moscou). Criados a partir das greves de trabalhadores da inds-
tria txtil, suas reivindicaes acerca do papel desses Conselhos no controle
da gesto da produo fabril, bem como da forma autnoma de organizao
da luta operria, influenciaram outras mobilizaes populares.
Os ferrovirios de Odessa, por exemplo, incorporaram os princpios
polticos dos Conselhos, desencadeando uma srie de greves na regio. Com
o intuito de aplacar tais movimentaes, o ministro Trepov envia o navio
encouraado Potemkin (IToTeMKIIH)para reprimir os movimentos
revolucionrios na cidade porturia de Odessa. No entanto, uma repentina
sublevao dos marinheiros do encouraado, impulsionada pelas pssimas
condies de trabalho, ocasiona a tomada do navio e o fuzilamento dos
comandantes - e osmarinheiros se solidarizam com os trabalhadores daquela
cidade, estimulando e fortalecendo os protestos na regio, ao invs de reprimi-
los. O encouraado Potemkim navega at o porto romeno de Constanta,
evitando assim asviolentas represlias das autoridades czaristas,porm ainda
insuflando outras rebelies de marinheiros, como nos encouraados Ochakov
e Rostilov.
Ao mesmo tempo, soldados tambm descontentes com suas condies
de trabalho se confraternizavam com movimentos grevistas em diversas
cidades, como em Sevastopol.
Pressionadas pela evoluo das movimentaes e levantes populares, as
autoridades czaristas anunciam a criao da Duma (parlamento), no final de
13. Tendncia minoritria no Partido Comunista.
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1905, visando assegurar alguma legitimidade do poder monrquico e
enfraquecer a intensidade das lutas dos trabalhadores. Por um lado, a criao
do parlamento ofereceu mais tempo de poder ao governo czarista e, pelo
outro, possibilitou a organizao de novas associaes profissionais,
agrupamentos polticos e partidos - muitas vezes clandestinos. No vero de
1906 a Duma dissolvida pelo Czar Nicolai 11.Muitos deputados deixam a
Rssia, e novos parlamentos so institudos e dissolvidos seqencialmente,
at tornar-se um organismo do governo.
Greves e motins ainda ecoaram na Rssia entre 1906 e 1916, assim
como outras movimentaes populares anticzaristas. Em 1907 criada a
Cruz Vermelha Anarquista (atual Cruz Negra), em apoio aos presos russos.
Atravs de permanentes discusses e produes de jornais, indivduos e
grupos revolucionrios multiplicavam suas atuaes dentro e fora da Rssia.
Pouco a pouco, a monarquia agonizava seu poder secular.
Em 1917, novo estopim da revolta popular: trabalhadores em Petrogra-
do (ex-So Petersburgo) iniciam uma greve que, ultrapassando as rei-
vindicaes trabalhistas, exigem a sada imediata do czar (fevereiro de
1917)15.O Czar Nicolai II finalmente renuncia ao poder, e um governo
temporrio formado pelos representantes dos partidos da burguesia at as
eleies para aAssemblia Constituinte programadas para novembro.
Os principais problemas observados em 1917 eram os conflitos da
Primeira Guerra Mundial (iniciada em 1914), a pssima situao econmica
da Rssia, a pobreza do povo eaurgncia das reformas - principalmente da
reforma agrria.
Nas reas rurais surgiam os conselhos e as unies camponesas. Os
conselhos se formavam segundo o princpio de delegao: as organizaes
de base enviavam seus delegados para o conselho maior, podendo revogar
seus mandatos ou reeleg-los. Esse princpio funcionou sem regras fixas, e
em acordo com cada especificidade local, at o final de 1917 (quando os
bolcheviques comearam a impedir a reeleio dos delegados e passaram a
reprimir os conselhos contrrios sua poltica).
Os conselhos camponeses, apoiados pelos partidos de esquerda, insis-
tiam na socializao da propriedade. Os camponeses organizados em
14. Informaes extradas e sintetizadas a partir da revista
Tierra y Libertad.
Peridico
Anarquista, n? 205, ago. 2005. Nmero monogrfico: Ciem Afios de Ia Revolucin Rusa de
1905.
15. O texto a seguir
um breve resumo do ensaio
Socialistas na Revoluo Russa de 1917-
1921. Autor: Aleksandr Chbin. Moscou, 1999.
16. Ao contrrio do programa de nacionalizao realizado pelos bolcheviques aps a tomada de
poder, quando a terra passou a ser do Estado.
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obschinas e grupos de autogesto deveriam descobrir, criar e inventar
novas formas coletivas de uso da terra, dependendo das especificidades
locais: a terra passava a pertencer aos trabalhadores que nela viviam e
trabalhavam; essas pessoas decidiriam as formas de explorao do solo e
de organizao da produo, da gesto, da diviso do trabalho etc. O mesmo
deveria ocorrer com a indstria: as fbricas deveriam ser socializadas, e a
distribuio dos produtos realizada pelas organizaes de trabalhadores, e
no pelo sistema estatal-burocrtico.
Estas questes foram discutidas e encaminhadas em forma de projetos
de leis para o governo temporrio no I Congresso dos Conselhos dos
Deputados Camponeses (maio de 1917), o frum mais representativo deste
perodo
18.
Os participantes votaram a favor da transferncia das terras dos
latifundirios pomieschiki) aos comits de camponeses (comits de terra)
eleitos localmente; estes deveriam determinar as leis de uso do solo. Os
camponeses, contrrios comercializao, exigiam aproibio dos negcios
com a terra (compra/venda) at o fim de distribuio. Essa exigncia virou
medida temporria do governo em 17de maio e foi aprovada definitivamente
emjulho.
Outra importante mobilizao foi a reunio do Congresso Pan-Russo
de Deputados Operrios e Soldados, em junho . Foi decretado o direito s
greves e dia de trabalho de oito horas (que na prtica funcionava desde
maro).
As eleies para a Assemblia Constituinte (AC) se aproximavam e
podiam descarregar a tensa situao social que teve seu pice emjulho - em
So Petersburgo, os operrios, soldados e marinheiros saram s ruas
clamando Todo poder aos conselhos .
Em setembro, o ponto de vista de Lenin sobre a urgncia da tomada
armada do poder vence entre os dirigentes dos bolcheviques. Em outubro
foi preparado o golpe. Era importante realiz-lo antes das eleies para a
AC e apoiar-se na ala radical dos conselhos que se reuniam para o II
Congresso.
No II Congresso dos Deputados Camponeses, Operrios e Soldados
participaram cerca de metade dos conselhos que compuseram o I Congresso.
Estavam representadas duas tendncias principais: uma radical (bo1chevi-
ques e anarquistas) e outra moderada (bolcheviques moderados, socialistas-
revolucionrios de esquerda, mencheviques internacionalistas, lderes dos
sindicatos de ferrovirios Vikjel- Bmoxerrs). Lenin e seus correligionrios
exigiam a tomada do poder pelo partido bo1chevique, porm a maioria dos
17. Forma tradicional de organizao dos camponeses russos.
18. Participaram 1.353 deputados, mais da metade foram eleitos pelo exrcito.
19. 1.080 deputados de 336 conselhos e 23 unidades militares.
23
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delegados considerava a proposta unipartidria uma ameaa de guerra civil
e uma atitude reacionria. Para os deputados, o golpe de outubro deveria
enveredar-se para a criao de um governo socialista multipartidrio res-
ponsvel perante os conselhos. Um dia antes do golpe foram proclamados
os decretos sobre a paz (fim da guerra) e a terra (socializao).
Em 24 de outubro, o governo temporrio fecha a imprensa bolchevique
e comea a mobilizao militar. Os bo1cheviques, que at ento s aguar-
davam um pretexto para o golpe, iniciaram o levante.Apopulao apoiou os
bolcheviques considerando a atitude do governo uma ameaa revoluo e
ao congresso que encontrava-se em funcionamento durante aqueles dias.
Em 12 de novembro acontecem as eleies para a Assemblia Cons-
tituinte, representando grande decepo para os bolcheviques, que obtiveram
apenas 22,5% dos votos (outros partidos socialistas obtiveram 57,2%;
socialistas-revolucionrios - 50,5%). Nesse contexto, os bolcheviques
iniciaram as perseguies aos deputados logo aps as eleies. Em Kaluga,
cidade prxima a Moscou, uma manifestao em apoio Assemblia foi
atacada com tiros de fuzil.
Em dezembro de 1917 promulgado o decreto - mantido em segredo
por sete anos - criando a Tcheka (polcia secreta bolchevique, futura
NKVD eKGB).
IH. Poder estatal bolchevique e a elaborao do discurso ideolgico
comunista centralizao e expansionismo do poder
Em 05 de janeiro de 1918, no dia de abertura da Assemblia Cons-
tituinte, o Exrcito Vermelho dos bo1cheviquesmassacra a manifestao dos
operrios e da intelligentsia que apoiava a reunio, causando a morte de 12
pessoas.
AAssemblia Constituinte funcionou durante a noite inteira. A Rssia
foi proclamada Repblica Democrtica Federal. Foi promulgado o Decreto
sobre a paz C,n:eKpeT MHpe)estabelecendo a retirada das tropas russas
dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, e condenando as
negociaes unilaterais entre os bolcheviques e o governo daAlemanha. No
dia seguinte, quando os deputados voltaram reunio, as portas estavam
trancadas: os bo1cheviques haviam declarado a dissoluo daAssemblia
Constituinte e tomado o controle do prdio. Aps isso, todos os outros
partidos, anarquistas e grupos polticos autnomos foram excludos do novo
projeto de poder.
20. Ao incluir no ANEXO II desta obra a traduo de alguns documentos da Tcheka, objetivamos
a desmistificao de JosefStalin como nico responsvel pelas estruturas totalitrias do Estado
Sovitico, assinalando o perodo leninista como precursor do terrorismo de Estado na URSS.
24
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o governo bolchevique congela a transferncia das fbricas aos operrios
e elabora sua prpria lei de uso das terras. Lenin exige a incluso de par-
grafo que concebe as fazendas estatais: kolkhoz
KOJIX03 -
sonho agrrio
dos marxistas. Os camponeses foram massacrados pela fome, pois o Esta-
do proibia a troca direta dos produtos entre o campo e a cidade (uma das
excees foi a organizao econmica estruturada por camponeses na
Ucrnia, burlando as leis bolcheviques). Os operrios perderam o controle
sobre a gesto da produo nas fbricas, dirigidas agora obrigatoriamente
pelos comissrios dopovo (uapozmsre xosraccapst) do Partido Comunista
bolchevique.
Em maro foi assinado o acordo de paz com a Alemanha nas condies
exigidas pela Alemanha: a Rssia perdia os territrios da Polnia, parte do
Cucaso, pases Blticos e parte da Ucrnia, e alm disso pagava indeni-
zaes. NaU crnia comea a guerra de guerrilha contra a ocupao alem.
As greves de trabalhadores continuavam na Rssia em 1918. Para
cont-Ias, bolcheviques ocuparam as direes de sindicatos e conselhos,
proibindo novas eleies. Contrariados, os operrios recriam o sistema de
representao, elegendo delegados aos conselhos e construindo forte opo-
sio ingerncia estatal que abarcava todas as grandes fbricas de
Petrogrado (cerca de 56 unidades), e que rapidamente se expandiu para
outras cidades, Entre os meses de maio a julho, o movimento de delegados
operrios organizou dezenas de greves e protestos contra o governo, muitos
destes reprimidos violentamente - como os fuzilamentos de manifestantes
nas periferias de Petrogrado, na cidade de Tula e na regio dos Urais.
Em 13 de maio de 1918 foram implementadas medidas para controlar a
produo e distribuio de gneros alimentcios, anulando a atuao dos
conselhos: os rgos locais de gesto popular foram transferidos para o
controle dos comissariados do povo (vinculados ao Estado), e a auto gesto
foi substituda pela ditadura dos rgos burocrticos.
Nesse contexto eclode a guerra civil (1918-1922), repercutindo na
formao dos p11meiros elementos do processo de russificao do territrio.
Diversas alianas entre bolcheviques e lideranas locais foram estabelecidas,
uma vez que as tropas do Exrcito Vermelho (dirigido pelos bolcheviques,
21. Os operrios faziam uma avaliao severa do Estado operrio: Em 25 de outubro de
1917 o Partido Bolchevique apoiando-se em soldados e marinheiros armados derrubou o
governo temporrio e tomou o poder. Ns, operrios de Petrogrado, em sua maioria aceitamos
esse golpe promovido em nosso nome, mas sem nos consultar e sem nossa participao ...
Usando nosso nome executavam todos assinalados pelo novo poder como inimigos; ns
aceitvamos a reduo de nossas liberdades e nossos direitos, esperando a realizao das
promessas dadas pelo poder. Mas j se passaram quatro meses e vemos nossa f humilhada,
nossas esperanas esmagadas (citado em Utopia no Poder. Histria da Unio Sovitica Desde
19 7 at Nossos Dias. Gueller M. Nekritch A L., 1986. p.56).
25
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apoiado por socialistas) no cobririam toda a enorme extenso territorial nos
combates contra o Exrcito Branco (dirigido por antigos generais das foras
imperiais russas ). Uma das mais clebres alianas neste processo realiza-
se com as comunidades camponesas livres do comandante Nestor Makhno,
na Ucrnia. Apesar das sucessivas vitrias das tropas de Makhno contra as
foras do Exrcito Branco, resguardando assim a defesa de uma das mais
estratgicas regies soviticas, o desenrolar dos acontecimentos no
acompanha o mesmo triunfo: exigindo autonomia poltica local, e portanto, -~
chocando-se violentamente contra ospropsitos expansionistas bolcheviques,
o exrcito de Makhno atacado e sufocado pelo Exrcito Vermelho, aps
longa resistncia ,
A poltica de comunismo militar repercutiu em todo o continente.
Paralelamente guerra civil travada entre os exrcitos Branco eVermelho,
seguiu-se ento a represso de movimentos populares contrrios
monopolizao e centralizao do poder poltico na Rssia. Em 1919, o
jornal
Pravda,
convertia a mxima Todo poder aos Sovietes a Todo
poder s Tcheks , indicando outro futuro para revoluo popular russa de
1917. Continuava a guerra civil no Cucaso Setentrional, no Turquisto e no
Extremo Oriente. Em janeiro de 1921 explodiu o levante campons na Sib-
ria Ocidental, influenciando extenso territrio. Em todos os lugares a popula-
o exigia o fim da expropriao dos produtos, a liberdade de comrcio, o
fim da ditadura bolchevique, a permisso da pequena propriedade.
O levante dos marinheiros e operrios em Kronstadt (KpOHIlITa.z:I:T
2 5
foi
pico desse perodo de lutas. Tudo comeou em Petrogrado com as ma-
nifestaes operrias nos meses de fevereiro e maro, apoiadas pelos ma-
rinheiros e soldados. A multido libertou os operrios grevistas que haviam
sido presos. Em resposta, o Comit de Petrogrado do Partido Comunista
ordenou o fuzilamento dos manifestantes e proibiu todas as aglomeraes de
populao sem prvia autorizao. Essas notcias chegaram em Kronstadt e
comearam os protestos. A maioria dos comunistas desta cidade apoiou a
seguinte resoluo da manifestao dos marinheiros e da populao de 1
0
de
maro de 1921: Devido ao fato de que os conselhos atuais no representam
a vontade dos operrios e dos camponeses, exigimos imediatamente eleger
novos conselhos por voto secreto, e antes das eleies promover debates
polticos entre todos os operrios e camponeses . A resoluo exigia a liber-
22.
o
Exrcito Branco tambm foi apoiado pelas principais potncias europias preocupadas
com a possvel influncia da Revoluo Russa em seus territrios.
23. Para aprofundar o assunto, ver
Anarquia e Organizao: plataforma de organizao e
outros escritos,
coletnea de textos de Nestor Makhno, editada pelo Coletivo Editorial Anarquista
Luta Libertria, em 200 I.
24. Em russo, Verdade.
25. Cidade ao lado de Petrogrado, situada no Golfo da Finlndia, porto e base militar.
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dade de expresso para os partidos de esquerda e os anarquistas, a restituio
de outras liberdades civis, a libertao dos presos polticos socialistas, a
anulao dos privilgios dos comunistas e das estruturasdaditaduraeconmica
dos bolcheviques. O governo declara o levante em Kronstadt ilegal, e logo
aps a fortaleza se rebela. Foi eleito um comit militar-revolucionrio, cuja
maioria dos membros era apartidria. Aprincipal idia era estabelecer uma
forma de poder baseada nos conselhos, porm sem a ditadura dos
bolcheviques: Todopoder aos conselhos eno aos partidos . Em Petrogrado
e outras cidades continuavam as greves, e os operrios declaravam seu apoio
a Kronstadt. A ampliao do movimento at Petrogrado na ocasio do degelo
de primavera podia transformar radicalmente a situao no pas. Os
insurgentes contavam com o avano dos exrcitos camponeses de Makhno
(Ucrnia) e de Antonov (lder do levante campons na Sibria). No entanto,
no dia 18 de maro, o Exrcito Vermelho liderado por Leon Trotsky tomou
a fortaleza e massacrou os insurgentes.
Aps o sufocamento dos levantes de 1921 foram proibidas as tendn-
cias polticas dentro do prprio Partido Comunista, como a Oposio Ope-
rria deAleksandra Kollontai. As cooperativas e os conselhos dos operrios
e camponeses passam a ser dirigidos obrigatoriamente pelos bolcheviques.
Inicia-se a perseguio sistemtica demembros de outros partidos socialistas
e anarquistas, com prises em massa, exlios e assassinatos.
Naquela conjuntura, povos de outras regies tambm enfrentavam o
processo de russificao e de estatizao do territrio, cujo objetivo primor-
dial consistia na reconquista dos territrios tomados independentes durante
a guerra civil, tais como a Ucrnia, a Gergia, a Armnia, e outros. Se
inicialmente eram celebradas alianas bilaterais entre as lideranas regionais
e o Exrcito Vermelho, posteriormente foram proibidas pelo governo central
russo a independncia diplomtica e a autonomia militar dessas regies,
processos concludos em 1923-24, antes, por conseguinte, da poca de
Stalin. (...) Quanto a outras nacionalidades, procedeu-se liquidao vio-
lenta das instncias hostis reunificao no quadro da URSS: socialismo
pan-islmico de Sultan Galiev, Poale Zion etc. Na realidade, os bolchevi-
ques no tinham imaginado que, livres graas Revoluo, houvesse naes
que renascessem como entidades prprias para, s foradas, aceitaremjun-
tar-se Repblica dos Sovietes
26.
Dessa maneira, a poltica leninista referente s etnias e naes privava os
povos de quaisquer formas de desenvolvimento autnomo. Alm disso,
implementa-se uma poltica intervencionista e policialesca de dimenses
continentais, semeando muitas vezes conflitos internos duradouros entre os
26. Ferro, Marc. A Poltica das Nacionalidades do Regime Sovitico. In: Naes e Nacionalismos.
Cordellier, Serge (coord.). Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1995. p. 150.
27
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povos. A populao russa observa o rpido enrijecimento das estruturas
polticas. Com o monoplio do poder centralizado no Partido Comunista,
os bolcheviques, vitoriosos na guerra civil e no combate a outras formas de
oposio interna, iniciam o regime ditatorial sobre proletrios e camponeses.
Para isso, as tchekas assumiam cada vez mais as incumbncias de vigilncia,
controle e punio cotidianas. E o Estado policial sovitico inicia vertiginoso
descaminho para a emoldurao do Estado comunista blico, ou seja, o
impulso desenfreado produo industrial de armamentos - que encontrar
seu apogeu no perodo ps-Segunda Guerra Mundial.
IV. O Estado totalitrio na Unio das Repblicas Socialistas
Soviticas URSS : militarizao, represso e russificao
Aps a criao da URSS em 30 de dezembro 1922, o processo de
russificao e militarizao no continente continuou abrupto e violento.
Abrupto por interromper e subjugar povos e comunidades que, por sculos,
desenvolviam suas diversas formas de autogovernos. Em poucos anos, esse
exerccio de autonomia social foi substitudo pela heteronomia estatal sovi-
tica (tal processo no fora exclusividade das aes do Partido Comunista
Sovitico: em outros continentes, a formao e o desenvolvimento do Es-
tado-nao caracterizou-se, essencialmente, pela usurpao das habilida-
des de auto governo de comunidades tradicionais). Violento porque tais co-
munidades, descentralizadas e espalhadas pelo continente, experimentaram
a fora dos modernos mecanismos de represso militar combinados com a
fora de persuaso dos modernos mecanismos de propaganda e marketing.
A sobrevivncia do modo de vida comunitrio autnomo fora encurralado.
A ingerncia e dominao pelo Estado das atividades comunitrias
essenciais ao autogoverno social, tradicionalmente exercidas pela prpria
comunidade e ncleos familiares, se materializou atravs do surgimento de
especialistas do Partido Comunista: estes passaram a apontar a melhor
maneira para administrar a sociedade, gerir a economia, educar, remediar
pequenas enfermidades, fazer sexo, lavar roupas, praticar esportes, parir
crianas e enterrar os mortos. Indicavam tambm a msica da moda,
explicavam os motivos das grandes guerras e das catstrofes humanas, en-
fim, retiravam da populao civil as habilidades humanas de agir e emitir
opinies sobre a prpria vida.
Aos especialistas doEstado foirepassada a incumbncia de gesto social.
E a especializao da gesto social, por sua vez, nada mais do que a
radicalizao da diviso do trabalho, processo capitalista iniciado com a
Revoluo Industrial, na Inglaterra, e globalizado atravs das grandes em-
presas transnacionais, na atualidade.
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No caso do Estado sovitico, a diviso do trabalho configurou-se na
formao de uma classe social de gestores (dirigentes), empenhados em
submeter a classe trabalhadora de camponeses e operrios nova ordem
dita
comunista.
Aoperacionalizao e implementao socialdos mecanismos
de lealdade aos dirigentes foram criados logo a partir das primeiras medidas
de Lenin, principalmente na concepo da Tcheka - os administradores,
policiais e funcionrios do Partido cuidavam para que toda e qualquer
deslealdade significasse ato contra-revolucionrio. No que se refere aopapel
dos professores, estes j contavam inicialmente com amplo apoio do aparato
estatal escolar para universalizar o ensino obrigatrio do idioma russo em
todas as regies da Unio Sovitica. A nova ordem bolchevique procurava
uniformizar, disciplinar e controlar a totalidade de centenas de povos que
habitavam o extenso continente euro-asitico.
Os conflitos decorrentes desse processo, acentuados pela morte de
milhes de pessoas com as represses stalinistas (como a deportao de
tchetchenos e outros povos ordenada em 1944), esto na origem das recentes
guerras travadas entre o governo russo e os povos de ex-repblicas sovi-
ticas em tomo da questo da autonomia poltica. Assim, para compreender-
mos os conflitos atuais na Rssia provenientes da desintegrao da URSS -
como a guerra na Tchetchnia - percebemos que o processo de russificao,
militarizao e represso constituiu a base das violaes dos direitos huma-
nos cometidos na poca do governo imperialista da URSS.
V. O fim da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
e a
formao da atual Federao Russa
Apesar da longa durao do regime poltico totalitrio da Unio Sovi-
tica, diversas lutas autnomas e autogestionrias colocavam em xeque o
discurso ideolgico comunista e a legitimidade do poder da burocracia esta-
tal sovitica. Foi principalmente atravs dessas lutas que os mitos da revo-
luo russa e da inevitabilidade do Estado para a gesto da sociedade - to
propagandeado e alardeado pelos meios de comunicao da URSS e pelos
representantes dos Partidos Comunistas - foram desmascarados. Destacam-
se os Conselhos Operrios na Alemanha (1953) e na Hungria (1956); as
Comunas de Shangai (1966), Praga (1968) e Gdansk (1980); a Gesto
Operria na Itlia (1968); a Guerra Civil Espanhola (1936) e as Comisiones
Obreras na Espanha (1969); a Revoluo dos Cravos e as Comisses de
Trabalhadores em Portugal (1974); os processos de auto gesto naArglia
(1962) e no Chile (incio da dcada de 70); o controle operrio da minas na
Bolvia (anos 50); as ocupaes de fbrica na Argentina (1973 2 7
27. Para um estudo mais aprofundado sobre tais lutas, ver As Lutas Autnomas e
Autogestionrias,
de Cludio Nascimento (1986).
29
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Tais lutas objetivavam o autogoverno, e negavam a ingerncia do Es-
tado nas decises polticas que pudessem interferir na organizao social e
econmica do cotidiano. Esses movimentos organizavam-se, essencialmente,
atravs de assemblias populares e rotatividade de liderana, e no reconhe-
ciam a legitimidade dos chefes ou burocratas do Estado e dos sindicatos.
Logo, a relao entre esses movimentos populares e a URSS foi inva-
riavelmente tensa. O exrcito comunista sovitico realizava constantes
incurses contrrias a esta forma de organizao das lutas, que pregavam o
autogoverno local em detrimento da lealdade aos funcionrios dos partidos
comunistas.
No governo de Mikhail Gorbatchev (1984-1991), o capitalismo de
Estado russo agonizava e seu sistema concorrente, o capitalismo de livre
mercado, demonstrava-se mais eficaz. Em tal contexto, Gorbatchev inicia
reformas polticas e econmicas, conhecidas mundialmente por Glasnost e
Perestroika. Tais reformas redimensionavam ospoderes poltico eeconmico
no pas, visando a reestruturao e realocao dos gestores do Partido Co-
munista em esferas de poder do capital de livre mercado que comeava a
ocupar o cenrio econmico.
Paralelamente ao enfraquecimento do poder centralizado no Kremlin,
diversas repblicas soviticas iniciaram movimentos pela independncia
poltica, brutalmente reprimidos por Gorbatchev. Na Gergia uma ma-
nifestao popular foi massacrada pelo exrcito da URSS, causando a morte
de 20 pessoas. As Repblicas Blticas (Letnia, Litunia e Estnia)
conquistam independncia em 1991. Conflitos tnicos ressurgem em diver-
sas regies, como em Nagorny Karabakh, entre armnios e azeri. Em agosto
de 1991, membros proeminentes do Comit Central do Partido Comunista
tentam derrubar Gorbatchev: o golpe fracassa aps trs dias, mas suscita
manifestaes populares e o fortalecimento de lideranas locais, como Bris
Ieltsin.
Em dezembro-aps a renncia de M. Gorbatchev, Ieltsin assume o po-
der e anuncia a dissoluo da URSS. A partir disso, diversos Estados Na-
cionais e Repblicas autnomas so criados no territrio da antiga URSS,
assim como a Federao Russa. Tal reestruturao poltica d origem a uma
srie de incidentes e complicaes.
Em primeiro lugar, a populao da URSS foi dividida entre 15 novos
Estados e teve que optar pela nova cidadania. Assim, nem todo cidado
sovitico obrigatoriamente tornar-se-ia cidado da Federao Russa. Po-
deria optar pela cidadania relacionada sua origem tnica, ou ainda, optar
pela cidadania relacionada ao seu atual pas de moradia ou trabalho. Nessa
30
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diviso, russos no seriam necessariamente cidados da Federao Russa,
assim como ucranianos, uzbeques, letes e todos os povos pertencentes a
naes titulares de novos Estados. A anulao da antiga categoria cidado
sovitico propiciou o crescimento de sentimentos e identidades naciona-
listas submersos na poca da URSS.
Paralelamente tal reestruturao poltica, o governo de Ieltsin apresen-
tou populao o pacote de reformas democrticas que incluia os direitos e
as liberdades civis (como, por exemplo, a liberdade de expresso e de reli-
gio), mas tambm a liberao de preos antigamente controlados pelo Es-
tado. Com o surgimento da Federao Russa, uma parte da propriedade
estatal foi privatizada, surgindo oligarcas. As pessoas rapidamente em-
pobreceram e se sentiram livres de antiga presso ideolgica. Apareceram
novos e importantes segmentos de economia - com o das drogas (a herona
foi rapidamente introduzida no mercado e a populao jovem induzida ao
consumo em massa). Este cenrio permaneceu durante primeiros dois ou
trs anos aps o nascimento da Federao Russa, mediado por formaes
armadas mafiosas que controlavam o mercado catico.
VI. A ascenso de Vladimir Putin ao poder presidencial da Rssia
No.vero de 1999, Vladmir Putin - funcionrio do governo pouco
conhecido pela populao russa, mesmo ocupando importante posto na
hierarquia da FSB
29
(ex- KGB) - foi nomeado primeiro-ministro da Rssia.
Durante os primeiros meses de seu mandato, a popularidade de Putin
continuava completamente inexpressiva.
Essa porcentagem aumentou com a retomada do conflito armado entre a
Rssia e a Tchetchnia. A guerra se popularizou novamente aps as
inexplicveis exploses de prdios residenciais em Buinaisk (Eynacx),
Moscou (Mocxsa) e Volgodonsk (BOJIro.n:oHcK),no final de 1999. Antes
das exploses, a populao russa no demonstrava interesse com a nova
onda de campanhas militares no Cucaso, pois as notcias alarmantes desta
regio h tempo viraram rotina - a partir do outono de 1994 e do inverno de
1994-95, quando comeou a primeira fase da atual guerra entre a Rssia e a
Tchetchnia.
As exploses dos prdios de moradia nas cidades russas indicavam para
a populao que, ao contrrio da primeira fase do conflito, a guerra na
Tchetchnia no estaria restrita ao Cucaso setentrional, mas se estenderia a
outras regies da Rssia, inclusive s residncias dos cidados comuns.
28. Fonte: www.volia.nm.ru/read.htm (acessado em 10 de junho de 2006). Novembro
2004, n 21. Periodico libertrio.
29. Servio Federal de Segurana.
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Nessa situao, o ento primeiro ministro Putin passou a desempenhar o
papel de defensor absoluto da nao, chegando ao poder com o discurso de
vencer o separatismo e o terrorismo. Porm, a partir desse momento, Putin
passa a promover diversas medidas pouco relacionadas com a represso ao
separatismo e ao terrorismo, e muito mais diretamente vinculadas com a
preparao de um regime rgido e autoritrio.
Os oligarcas que exerciam uma forte influncia no governo de Ieltsin
foram expulsos do pas (Berezvski, Gusnski, Abramvitch) ou presos (como
Khodorkvski, ex -proprietrio da grande companhia petrolfera Yukos).
Os meios de comunicao - outrora vinculados exclusivamente
burocracia do :PC sovitico e que por um breve perodo conquistaram certa
autonorriia durante o governo de Ieltsin - sofreram nova interveno estatal:
jornalistas independentes do principal canal da televiso (NTV) foram
demitidos, e perseguidos posteriormente em outros canais (como na TV 6 e
TVC). As aes da NTV foram adquiridas pela companhia parcialmente
estatal
Gazprom
e por outras instituies do Estado. A censura na imprensa
foi restabelecida, principalmente aps o incio da onda dos chamados
atentados terroristas (exploses e tomadas de refns) nas grandes cida-
des russas. Com as medidas governamentais voltadas para o controle dos
meios de comunicao, poucos jornais e estaes de rdio ainda conse-
guem veicular uma programao crtica ao governo.
Aps a tragdia na escola de Beslan (EeCJIaH 3 0 o governo aproveitou
para anunciar uma urgente reforma nas estruturas polticas da Rssia apre-
sentada como indispensvel ao combate do terrorismo. Foi anunciada a
mudana no sistema eleitoral, no qual foram proibidas candidaturas autnomas
(ou apoiadas por um grupo independente de pessoas de certa localidade)
para o Parlamento. As eleies para governadores foram anuladas - agora
estes sero nomeados diretamente pelo Kremlin.
Alm disso, em 2004, o governo preparou um pacote de mais de 100
leis anti-sociais que, dentre outros aspectos, prevem: a anulao de
transporte gratuito para os aposentados; o cancelamento de distribuio
gratuita de remdios para os doentes crnicos (por exemplo, para aqueles
que sofrem de diabetes); a anulao de subsdios para as vtimas das represses
polticas, para prtadores de necessidades especiais e para vtimas de ca-
tstrofes - inclusive para a populao exposta
radiao na ocasio da ex-
ploso da usina nuclear de Tchernbyl (Hepnosim.); a anulao de indexa-
o
de salrios para aqueles que trabalham na regio Setentrional da Rssia
(costa do Oceano do Norte); a anulao de bolsas para os estudantes etc.
30. No dia 1
de setembro de 2004, em uma escola pblica em Beslan, capital da Osstia do
Norte, supostos terroristas tchetchenos fizeram refns centenas de pessoas, na maioria crianas.
O governo russo rejeitou qualquer possibilidade de negociao e no dia 3 de setembro o exrcito
invadiu a escola: 335 pessoas morreram.
32
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Utilizando o discurso propagandista sobre a necessidade da unio na-
cional contra o terrorismo tchetcheno, o Kremlin reassumiu omonoplio do
espao pblico de discusso poltica na Rssia. Ao encontrar oposio po-
ltica em qualquer esfera social, repentinamente surgia o terrorismo tchet-
cheno. No outono de 1999, quando o Kremlin objetivava eleger um fim-
cionrio desconhecido no pas para o cargo da presidncia, aconteceram as
exploses dos prdios residenciais. Em 2002, por ocasio da tomada dos
refns durante o espetculo teatral Nordost em Moscou, o governo aprovei-
tou para asfixiar determinadamente os canais de televiso e restabelecer a
censura. Antes da segunda eleio de Putin houve a exploso no metr em
Moscou. Aps a tragdia em Beslan, houve a promulgao de leis e medi-
das anti-sociais.
Aparentemente, o Kremlin no tem interesse em terminar a guerra na
Tchetchnia, As operaes militares revigoram a economia blica e toda a
indstria da violncia na Rssia. As foras especiais da polcia (OMON) e
os membros da FSB fazem estgio nas regies de conflito, obtendo
experincia incomparvel: experincia para forjar falsas acusaes, para
seqestrar, para torturar. E a guerra continua servindo de pretexto para a
anulao das liberdades polticas e dos direitos econmicos da populao,
tambm camuflando a corrupo dos rgos de segurana nacional. A guerra
na Tchetchnia toma-se, assim, um mecanismo comum para o exerccio e
para a reproduo do poder.
Sold ad os d o e x rc ito fe de ra l d a Rssia em G ro zn y
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Terrorismo de stado
e a uerra na T chetchnia
I. Introduo
Os povos das montanhas do Cucaso Setentrional - tchetchenos,
inguches, ossetas, kabardinos, balkaros, karatchai, tcherkesse e outros -
sempre representaram entraves para as tentativas imperialistas curo-asiticas:
resistiram aos expansionismos trtaro-mongol, turco-otornano, russo e
sovitico. A geografia auxilia nas estratgias de resistncia. A regio
montanhosa dificulta o acesso para as tropas dos invasores, enquanto as
formas seculares de auto-subsistncia das comunidades tradicionais cola-
boram para a sobrevivncia.
Pastores nmades e agricultores, estes povos organizavam-se atravs
de conselhos das comunidades e foram vistos como brbaros e atrasados
no s pelo Imprio Russo que tentou domin-los durante a longa e san-
grenta Guerra do Cucaso (1817-1864), mas tambm pelos dirigentes da
Unio Sovitica que se opuseram criao de uma Repblica Autnoma
dos Montanheses, logo aps a revoluo de 1917.
Com a desintegrao da URSS, a Tchetchnia novamente proclama a
independncia. Mas o poder imperial somente trocou de nome porque, em
1994, as tropas russas invadem a Tchetchnia. Comea a guerra, que dura
at hoje - vitimando centenas de milhares pessoas e fazendo cerca de
500.000 refugiados.
31. Folha de So Paulo,
27/06/2005.
Rssia. Vice-premi tchetcheno diz que guerra matou
300.000. O vice-prerni tchetcheno Dukvakha Abdurakhmanov disse que cerca de 300.000
pessoas morreram na repblica separatista tchetchena na ltima dcada, nas duas guerras por
que passou a regio. A declarao foi no Daguesto, onde tentava convencer refugiados tchetchenos
a voltar ao pas. Vale notar que segundo as ONO's de defesa de direitos humanos no existem
dados exatos sobre o nmero de mortos durante as duas guerras na Tchetchnia, Segundo os
dados da ONO Memorial, durante a primeira guerra (1994-1996) morreram, no mximo, 50.000
pessoas civis; o Comit Estatal de Estatstica da Federao Russa calcula 30.000 a 40.000.
A
ONO Human Rights Watch estima que durante os primeiros nove meses da segunda guerra
(1999-2000) morreram entre 6.500 e 10.400 civis. Estes so os nicos dados existentes e
confiveis, segundo a ONO Memorial (www.memo.ru).AleksandrTcherkassov. membro dessa
ONo, escreveu sobre a questo em artigo
Livro dos Nmeros: Demografia, perdas entre a
populao civil efluxos de migrao em zona do conflito armado na Repblica da Tchetchnia.
Crtica das fontes,
que pode ser encontrado no site.
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11.Deportao do povo tchetcheno em 1944
Aps a derrocada do Imprio Czarista Russo, os povos do Cucaso Se-
tentrional se auto-organizam e criam a Repblica dos Montanheses (1917-
1918)32,governada pelo Conselho de representantes locais. Inicialmente, a
Repblica dos Montanheses apia arevoluo de 1917.No entanto, em 1920
ocorre o primeiro levante contra os bolcheviques - que procuravam instalar
seu prprio governo na regio emudar aorganizao social dos montanheses.
Cerca de 10.000 insurgentes (homens livrese sufistas,conhecidos como sect-
rios de uma seita mstica, pantesta, maometana) que proclamaram aLiberta-
o Nacional e o Estado Charia charia: justia islmica; leis e normas),
declarando gazawat (guerra santa) so massacrados pelos 40.000 solda-
dos do Exrcito Vermelho.
De acordo com a poltica nacional da URSS de russificao do conti-
nente, novas delimitaes das fronteiras territoriais foram estabelecidas no
Cucaso. Em 1922, a Repblica dos Montanheses dissolvida pelo poder
bolchevique, e so criadas repblicas autnomas bitnicas ou monotnicas.
Os tchetchenos continuaram resistindo poltica nacional da URSS, e as
revoltas no cessavam. Em 1923, 10.000 montanheses so expulsos para a
plancie pelo Exrcito Vermelho. Aps dois anos, Stalin ordena o desar-
mamento dos chefes da contra-revoluo e do banditismo, realizando ope-
raes de limpeza e bombardeios areos nas vilas tchetchenas.
Ao mesmo tempo, a coletivizao das terras, implantada na Tchetchnia
em 1929, trouxe conseqncias desastrosas para os povoados: devido
inexistncia da propriedade privada (as terras, os bosques, as guas per-
tenciam s comunidades), a coletivizao traduziu-se, na prtica, pela
desapropriao e estatizao dos recursos naturais da regio. Nas mon-
tanhas, o pastoreio, principal atividade de subsistncia, foi condenado pela
ideologia sovitica devido ao nomadismo.
Com a apropriao estatal das bases econmicas das comunidades e
com a ingerncia sobre o modo de vida tradicional, os tchetchenos se
rebelaram novamente: ocuparam os centros de administrao bolchevique
nas cidades e Qasvilas, queimando arquivos e prendendo chefes e repre-
sentantes dos rgos do governo. Estas aes foram qualificadas como
terroristaspelo governo da URSS34.O Exrcito Vermelho invade a Tchet-
chnia e realiza grande campanha de represso, seqestrando e assassinan-
do os lderes da resistncia. A coletivizao forada ocasionou levantes
32. Faziam parte da Repblica: Tchetchnia, Inguchtia, Osstia, Kabarda, Balkar e Karatchai.
33. Aps este levante, Stalin, poca comissrio do povo para as questes das nacionalidades,
prometeu autonomia, soberania interna e independncia para a Repblica dos Montanheses
que aceitou integrar a URSS nestas condies.
34. Os rebeldes exigiam do poder sovitico: 1. Parar o confisco ilegal da propriedade campesina,
ou seja, parar a coletivizao, 2. Parar as prises ilegais de camponeses. 3. Destituir os
representantes da OGPU na Tchetchnia, substituindo-os por representantes tchetchenos da
sociedade civil local. 4. Cancelar os julgamentos populares implementados por ordem do
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populares entre os anos de 1929 e 1932, sufocados atravs de violenta
represso do exrcito e do terror stalinista ,
Mas as tradies de luta pela liberdade estavam bem vivas entre os
tchetchenos, e a indignao popular cada vez mais forte resultou em outra
revolta (1939). Desta vez os rebeldes no lutavam sob os dogmas islmicos:
a ideologia do movimento, liderado pelos representantes da
intelligentsia,
formados aps revoluo de 1917 (escritor Kh. Israilov,jurista M.Cheripov,
irmo do perseguido lder dos bolcheviques tchetchenos, e outros), foi
combater o imperialismo vermelho para uma libertao nacional. Os rebel-
des expulsaram os representantes do stalinismo na maior parte das regies
montanhosas e proclamaram a criao do
governo temporrio popular-
revolucionrio da Tchetcheno-Inguchtia. A luta armada durou trs anos,
e somente em 1942, aps diversos bombardeios areos, as tropas doNKVD
conseguiram dominar o levante.
Em 1944, o povo tchetcheno foi acusado de colaborao em massa
com as tropas nazistas. A inverossmil colaborao foi, na realidade, um
pretexto para a violenta represso da luta armada dos tchetchenos contra o
poder imperialista de Stalin. Tchetchenos e outros povos insubmissos foram
deportados para a Sibria e o Casaquisto , e as Repblicas da Tchetchnia
e Inguchtia apagadas do mapa da URSS.
Os povos massacrados comearam a recuperar seus direitos aps amorte
de Stalin, em 1954. No entanto, o retomo para a terra natal e a reabilitao
das comunidades caucasianas encontraram diversos obstculos, como uma
economia local desestruturada, desemprego crnico e um territrio ocupado
por moradores provindos de outras regies. Mesmo assim, tchetchenos,
inguches e outros povos do Cucaso passaram a reconstruir suas formas eco-
nmicas tradicionais de subsistncia e a sereorganizar social e politicamente.
IH. A retomada dos movimentos pela autonomia poltica da
Tchetchnia e os antecedentes da guerra (1990-94)37
Diversos fatores colaboraram para o processo de intensificao dos
movimentos pr-independncia daTchetchnia no final dos anos 80 e incio
governo da URSS e restaurar os orgos
charia
de justia. 5. Restabelecer as decises polticas
do conselho tchetcheno de 1917-1918 e no permitir as interferncias do poder central nas
questes internas da Tchetchnia, ou seja, cumprir os acordos estabelecidos entre Stalin e os
montanheses em 1921.
35. Somente no ano de 1932 foram reprimidas cerca de 35.000 pessoas.
36. Por ordem de Stalin, acusados de traio, foram deportados: tchetchenos, inguches, karatchai,
kalmyks, balkary e trtaros da Crimia. Oficialmente, foram deportados 500.000 tchetchenos
e inguches.
37. Texto baseado no artigo
Apontamentos sobre as Relaes Polticas entre a Federao
Russa
e
a Repblica Tchetchena.
Fonte: www.memo.ru/hr/hotpoints/CHECHEN/
ITOGIIlndex2.htm; em ingls: memo.ru/hr/hotpoints/chechen/chechenglczecz.htm
(acessado em 10 de junho de 2006).
37
7/22/2019 Terrorismo de Estado na Russia: a guerra na Tchetchenia nos descaminhos da indstria da violncia
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dos anos 90. Primeiramente, para os tchetchenos, a questo de uma
associao tnico-territorial possui significado histrico: amemria da guer-
ra contra o Imprio Russo, a represso stalinista e as deportaes em massa
so recordaes de vrias geraes. Por outro lado, tal processo foi faci-
litado pela eleio de Ieltsin para a presidncia do Conselho Supremo da
Federao Russa (FR), emjunho de 1990, e o conseqente enfraquecimen-
to do poder sovitico central representado por Gorbatchev.
Ao utilizar os mesmos argumentos de Ieltsin, foras de oposio locais
advogavam em favor da autonomia poltica dos territrios vizinhos FR.
O colapso e a desintegrao da Unio das Repblicas Socialistas So-
viticas (URSS), acentuados pelo despreparo do governo central de
Gorbatchev em solucionar as demandas regionais pela autonomia dos
territrios e repblicas soviticas, resultou em uma srie de trgicos conflitos.
Ie1tsinempenhava-se em consolidar alianas com lderes locais, visando
a integridade territorial da Rssia em contraposio integridade territorial
da Unio Sovitica , em acordo com a teoria desenvolvida por seu principal
assessor poltico Chakhrai , Em outras palavras, a Unio Sovitica estava
fadada ao colapso poltico, porm tal colapso poderia ser utilizado para o
fortalecimento da integridade e expanso territorial da Federao Russa.
Esta teoria encontrou forte oposio em diversos locais. O Tatarst