2 0 1 4
2014 Tribunal Superior Eleitoral proibida a reproduo total ou parcial desta obra sem a autorizao expressa dos autores.
Secretaria de Gesto da InformaoSetor de Administrao Federal Sul (SAFS), Quadra 7, Lotes 1/2, 1 andar70070-600 Braslia/DFTelefone: (61) 3030-9225
Secretria-Geral da Presidncia: Claudia Dantas Ferreira da Silva
Diretor-Geral da Secretaria: Athayde Fontoura Filho
Secretria de Gesto da Informao: Bianca do Prado Pagotto
Concepo do projeto: Ane Ferrari Ramos Cajado (Seo de Acervos Especiais)
Pesquisa histrica e elaborao de textos: Ane Ferrari Ramos Cajado Thiago Dornelles Amanda Camylla Pereira
Reviso de contedo histrico: Ministro Costa Porto
Editorao e reviso editorial: Coordenadoria de Editorao e Publicaes (Cedip/SGI)
Editorao: Seo de Editorao e Programao Visual (Seprov/Cedip/SGI)
Capa e projeto grfico: Clinton Anderson
Reviso editorial: Seo de Preparao e Reviso de Originais (Seprev/Cedip/SGI)
Reviso e padronizao: Emanuelly Arajo
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
(Tribunal Superior Eleitoral Biblioteca Professor Alysson Darowish Mitraud)
B823 Brasil. Tribunal Superior Eleitoral.
Eleies no Brasil : uma histria de 500 anos / Ane Ferrari Ramos Cajado, Thiago Dornelles, Amanda Camylla Pereira. Braslia : Tribunal Superior Eleitoral, 2014. 100 p. ; il.
1. Eleies - histria. 2. Imprio (1822-1989). 3. Repblica (1989-). 4. Quinta Repblica. 5. Democratizao. I. Cajado, Ane Ferrari Ramos. II. Dornelles, Thiago. III. Pereira, Amanda Camylla. IV. Ttulo.
CDD 324.981
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Presidente
Ministro Marco Aurlio
Vice-Presidente
Ministro Dias Toffoli
Ministros
Ministro Gilmar Mendes
Ministra Laurita Vaz
Ministro Joo Otvio de Noronha
Ministro Henrique Neves
Ministra Luciana Lssio
Procurador-Geral Eleitoral
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
SECRETARIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Diretor-Geral
Athayde Fontoura Filho
Secretria de Administrao
Adriana Novais Teixeira
Secretria de Controle Interno e Auditoria
Mrcia Giselle dos Santos Oliveira
Secretria de Gesto da Informao
Bianca do Prado Pagotto
Secretria de Gesto de Pessoas
Zlia Oliveira de Miranda
Secretrio de Planejamento, Oramento,
Finanas e Contabilidade
Eduardo Demtrio Bechara
Secretrio de Tecnologia da Informao
Giuseppe Dutra Janino
Secretrio Judicirio
Marcio Fernando dos Santos Valado
ApresentAo
Eis o mvel desta obra: quase cinco sculos de eleies, desde 1532. Em quinhentos anos de histria, houve disputas, conquistas de direitos, momentos de autoritarismo e de gritos por liberdade.
Foram muitos os obstculos e os sujeitos atuantes nos processos eleitorais desenvolvidos no decorrer desse perodo. O ato de votar j foi visto como indcio de superioridade e instrumento do controle exercido pelos poderosos. Noutros tempos, nobreza, renda, gnero e letramento foram alguns dos critrios de excluso do seleto grupo de eleitores de outrora.
Com o advento da Constituio Federal de 1988, o direito ao voto ampliou-se, revelando-se como poder soberano, esteio da comunidade poltica e o maior indicativo de estgio democrtico vivenciado por uma nao.
O voto no surge apenas como direito estabelecido pela Lei Maior, mas instrumento de manifestao do povo, genuinamente livre, decorrente de convices e expectativas sobre o futuro do pas.
Justia Eleitoral atribui-se papel da maior importncia: garantir ao eleitor o exerccio amplo e irrestrito dos ideais democrticos. No se limita a viabilizar as eleies, a realizar a contagem de votos e a proclamar o vencedor. Mantm-se atenta aos desvios de conduta de candidatos e ocupantes de cargos pblicos eletivos, trabalhando ininterruptamente, e no apenas no perodo das eleies. Incumbe-lhe, a partir do Direito posto, zelar pela correo dos procedimentos anteriores disputa e afastar os que, mesmo tendo obtido o mandato, transgrediram a ordem jurdica.
Avanando-se na leitura do texto, notar-se- que a democracia no nasceu pronta e acabada, mas foi construda
a partir dos clamores por justia. Novos contedos foram-lhe acrescidos a cada gerao. A Justia Eleitoral contribui aprimorando, continuadamente, os instrumentos para garantir eleies transparentes, seguras e rpidas. Ao eleitor, figura central do processo de escolha, cabe aperfeioar a democracia por meio de prtica cidad, aprovando ou rejeitando a atuao do parlamentar ou do administrador anteriormente eleito. Compete-lhe sinalizar ao poltico o necessrio agir com fidelidade de propsito.
Este livro materializa o esforo da Justia Eleitoral direcionado ao resgate da memria. A equipe responsvel pelo Museu do Tribunal Superior Eleitoral, ao realizar este trabalho, reconstri parte importante da histria eleitoral brasileira, reforando a vocao desta Justia Especializada de estar a servio dos cidados brasileiros.
Ministro MARCO AURLIOPresidente
7prefcio
Durante nossa histria, o direito de votar e de ser votado foi garantido e vetado, ampliado e restringido, alm de ter sido instrumento de exerccio da cidadania e meio de coero de alguns setores sociais sobre camadas da populao. A mudana de Colnia para Imprio e depois de Imprio para Repblica no necessariamente representou um avano no exerccio pleno dos direitos polticos. Somente com a criao da Justia Eleitoral, em 1932, iniciou-se a construo das bases para o exerccio pleno desses direitos.
Nas ltimas dcadas, a urna eletrnica tornou-se smbolo de democracia e transparncia. A informatizao do voto o coroamento do esforo histrico da Justia Eleitoral de possibilitar ao cidado os meios necessrios plena manifestao da vontade popular, conferindo segurana, celeridade e confiabilidade ao processo eleitoral.
A urna, o ttulo e a cdula so cones da prtica do voto que, no Brasil, tem quase 500 anos. Voc poder conhecer melhor a trajetria histrica desses objetos e das eleies no Brasil nas pginas seguintes. Percorreremos os caminhos do voto atravs do Brasil Colnia, do Imprio, passando pelos primeiros anos da Repblica at chegar aos dias de hoje. No deixe de conferir as Informaes adicionais ao final de cada texto das sees Colnia, Imprio e Repblica. Esperamos que aprecie essa jornada!
Ane Ferrari Ramos Cajado
Thiago Dornelles
Amanda Camylla Pereira
9sumrio
Marcos Histricos ...................................................................................................................................................................11
Colnia ................................................................................................................ 11
Eleies das vilas ....................................................................................................................................11
Primeiras eleies gerais do Brasil ..................................................................................................15
Imprio ............................................................................................................... 17
O voto nos tempos do imperador .................................................................................................17
Repblica ........................................................................................................... 27
Vrias repblicas .....................................................................................................................................27
Primeira Repblica (1889-1930) ......................................................................................................27
Refundao da Repblica (1930-1937) ........................................................................................35
A Repblica democrtica (1945-1964) .........................................................................................43
Regime Militar (1964-1985) ...............................................................................................................49
Nova Repblica (1985 at os dias atuais) ....................................................................................59
Texto complementar: Voto das mulheres ...................................................................................71
Referncias ............................................................................................................................................................................77
Stios eletrnicos ............................................................................................... 77
Livros e artigos .................................................................................................. 79
Anexos ................................................................................................................................................................................... 83
Urnas ................................................................................................................... 83
Ttulos ................................................................................................................. 87
Cdulas ............................................................................................................... 93
11
mArcos Histricos
Colnia
Eleies das vilas
Uma tradio portuguesa...
Os colonizadores portugueses mal pisavam o territrio americano, logo
realizavam votaes para eleger os que iriam governar as vilas e cidades que fundavam,
obedecendo tradio portuguesa de escolher os administradores de seus povoados.
Vrios cargos eram preenchidos nestes pleitos, dentre eles: vereador, juiz ordinrio,
procurador e outros oficiais.
A primeira eleio de que se tem notcia definiu os membros do Conselho
Municipal da Vila de So Vicente1 atual So Paulo em 1532 e ocorreu conforme
as determinaes das Ordenaes do Reino(A).
Quem podia votar?
S os homens bons tinham o direito de poder escolher os administradores das
vilas. Na poca do Brasil Colnia, eram homens bons os nobres de linhagem, os senhores
de engenho, e os membros da alta burocracia militar, a esses se acrescentando os
homens novos, burgueses enriquecidos pelo comrcio.
1 Para mais informaes sobre a histria da Vila de So Vicente, acesse o stio: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=355100.
Col
nia
Tr ibunal Super ior E le i tora l
12
O pelouro(B) guarda os resultados da eleio.
Os homens bons escolhiam, indiretamente, os nomes que exerceriam os cargos
das vilas nos trs anos seguintes. O processo era cheio de detalhes e obedecia s
seguintes etapas:
Homens bons e povo diziam 6 nomes ao p do ouvido do escrivo.
Os 6 mais votados seriam os eleitores.
O juiz mais velho da comarca dividia os 6 eleitores em 3 duplas.
Nessa formao, procurava-se separar os parentes e era proibida a comunicao entre as duplas.
Cada dupla elaborava 3 listas contendo: nomes dos vereadores, dos procuradores e dos juzes.
ESCOLHA DOS ELE ITORES
FORMAO DAS DUPLAS
ELABOR AO DE 9 L ISTAS
13
REDUO DE 9 L ISTAS A 3
PELOUR OS
O juiz mais velho rearranjava as 9 listas de forma a definir as composies da Cmara para cada um dos 3 anos subsequentes.
Eram formadas 3 listas contendo em cada uma os nomes dos vereadores, procuradores e juzes que exerceriam os cargos durante um ano.
O juiz mais velho inseria em cada um dos pelouros uma lista contendo o nome daqueles que exerceriam os cargos da Cmara em um ano.
Uma sacola com 4 compartimentos acondicionava os 3 pelouros e a lista contendo o nome de todos os eleitos.
A sacola era guardada em uma arca com 3 fechaduras, cada chave ficava sob a guarda de um vereador que exercia o cargo naquele ano.
SOR TE IO
No incio do ano, numa reunio chamada Janeirinha, a arca era aberta pelos vereadores e um menino de at sete anos sorteava o pelouro que continha o nome dos oficiais que iriam exercer as atividades na Cmara naquele ano.
Col
nia
Tr ibunal Super ior E le i tora l
14
Informaes adicionais
(A) Ordenaes do Reino: refere-se compilao de leis em Portugal durante o
perodo de algum rei. Assim, afonsinas, em funo de Dom Afonso V (1448-1481);
manuelinas, sob o reinado de Dom Manuel I (1495-1521); filipinas, na poca de Dom
Felipe I (1581-1598).
No Brasil, as Ordenaes Filipinas foram paulatinamente derrogadas medida em que se
elaboravam leis brasileiras. S em 1917 foram excludas inteiramente do ordenamento
jurdico nacional, quando entrou em vigor o primeiro Cdigo Civil.
(B) Pelouro: bola destinada a guardar a lista dos candidatos escolhidos nas eleies
das vilas.
15
Primeiras eleies gerais do Brasil
Portugal para os portugueses
Como resultado da transferncia da famlia real para o Rio de Janeiro, em 1808,
em funo da invaso francesa a Portugal, o Brasil foi elevado, em 1815, de colnia a
Reino do Imprio Portugus, oficialmente denominado de Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves. Com a libertao de Portugal da ocupao napolenica, em 1815,
iniciou-se um movimento que culminou com a Revoluo Liberal do Porto, em 1820.
Entre as reivindicaes do movimento estavam: a convocao das cortes para elaborar
uma constituio para o pas, o imediato retorno da Corte para Portugal e a restaurao
do monoplio comercial com o Brasil.
As eleies para as cortes no Brasil
D. Joo VI(A), ainda no Brasil, decretou, em 1821, a convocao dos brasileiros
para escolha dos deputados s cortes de Lisboa. A Constituio espanhola de 1812
adotada para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves determinou a realizao
do pleito em quatro graus:
Cidados das freguesias nomeavam compromissrios
Compromissrios escolhiameleitores de parquia
1 GRAU
2 GRAU
4 GRAUEleitores de comarca elegiam os deputados
Eleitores de parquia designavam os eleitores de comarca3 GRAU
Col
nia
Tr ibunal Super ior E le i tora l
16
Font
e: W
ikip
ediaInformaes adicionais
(A) D. Joo VI: Joo Maria Jos Francisco Xavier de Paula Lus Antnio Domingos Rafael nasceu em 13 de maio de 1767. Chegou ao Brasil em janeiro de 1808, em decorrncia da invaso de Portugal por tropas francesas. Em 1815, elevou o Brasil condio de Reino. A Revoluo do Porto, movimento constitucionalista, obrigou-o a voltar para Portugal. Deixou o Brasil em abril de 1821. Em 1825, reconheceu a independncia do Brasil. Faleceu em 10 de maro de 1826.
D. Joo VI
17
Imprio
O voto nos tempos do imperador
Uma Constituio para o Brasil independente
Aps a declarao de independncia, em 1822,
D. Pedro I(A) convocou eleies para a Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa. O sistema utilizado
foi o de dois graus: no votavam em primeiro grau
os que recebessem salrios e soldos; para a eleio
de segundo grau, exigia-se decente subsistncia por
emprego, indstria ou bens. O clculo do nmero
de eleitores era feito a partir do nmero de fogos(B) da freguesia.
Para votar e ser votado no Imprio
Durante quase todo o perodo imperial, as eleies eram indiretas, ou seja, os cidados
escolhiam os eleitores dos deputados e senadores. Nessas eleies, podiam votar homens
com mais de 25 anos(C) que atendessem aos critrios censitrios legalmente definidos.
O analfabeto pde votar quase que livremente
nesse perodo. Ocorreu apenas alguma limitao quando
foi instituda a obrigatoriedade de assinatura da cdula
eleitoral(D). S com a Lei Saraiva, em 1881, que foi
proibido o voto daqueles que no soubessem ler nem
escrever, inaugurando o chamado censo literrio,
responsvel pelo decrscimo no eleitorado poca(E).
Tendo em vista a concepo restritiva de cidadania
(s era cidado quem tivesse certos atributos econmicos
e morais), os critrios estabelecidos para exerccio dos
direitos polticos foram objeto de grande detalhamento
por parte dos textos legais.
Primeira bandeira do Imprio
O parmetro censitrio definia o eleitorado durante o perodo do Brasil Imperial. Este um exemplo de cdula monetria poca do Imprio.
Font
e: W
ikip
edia
Font
e: B
anco
Cen
tral
/Mus
eu d
e Va
lore
s
Imp
rio
Tr ibunal Super ior E le i tora l
18
Para conhecer esses critrios, explore o infogrfico a seguir, que condensa,
informalmente, alguns personagens envolvidos nas eleies imperiais.
Personagem 1: (eleitor 1 grau)
A grande massa que constitua os eleitores de primeiro
grau, ou votantes, era formada pelos cidados brasileiros do sexo
masculino que tivessem mais de vinte e cinco anos e uma renda
anual de cem mil ris. Em rigor, esse limite de renda no era to alto
poca, o que possibilitava o direito de votar a considervel parcela
da populao livre.
19
Personagem 2: (eleitor 1 grau liberto)
Os libertos, ex-escravos que adquiriram a liberdade, podiam
votar apenas como eleitores de primeiro grau. A situao dos libertos
e dos ingnuos os nascidos do ventre livre da me escrava era
controversa e fez correr muita tinta nas discusses da poca.
Como a Constituio de 1824 restringiu apenas o direito de
voto dos libertos nada mencionando sobre os ingnuos , seria
possvel entender que os ingnuos no estavam excludos do rol
dos eleitores de segundo grau, tampouco proibidos de serem
eleitos. Essa interpretao no era unnime, razo pela qual muitas
discusses ocorreram sobre a situao tanto de uns quanto de
outros, principalmente com a proximidade da promulgao da
Lei do Ventre Livre(F), em 1871.
Se a legislao permitia mltiplas interpretaes, a realidade
era ainda mais complexa, ocorrendo situaes inusitadas, como
a do fazendeiro Joo Jos da Costa, juiz de paz da freguesia de
Jurujuba, que teve sua eleio contestada sob suspeita de ser
um liberto.
Personagem 3: (eleitor 1 grau criminoso)
Aqueles que tivessem sido pronunciados em querela
ou devassa, ou seja, os que estivessem passando por uma
disputa na justia ou estivessem sendo investigados, definidos
como criminosos pela Constituio de 1824, teriam o poder
de voto na primeira instncia das eleies. J a primeira
lei eleitoral elaborada pelo Legislativo, em 1846, deixa de
qualificar esses indivduos como criminosos, definindo-os
como Os pronunciados em queixa, denuncia, ou summario,
estando a pronuncia competentemente sustentada.
(Decreto n 387, de 19 de agosto de1846, art. 53, 3).
Imp
rio
Tr ibunal Super ior E le i tora l
20
Personagem 4: (eleitor 1 e 2 graus estrangeiro)
De acordo com a Constituio de 1824, os estrangeiros que fossem
naturalizados, independentemente de sua religio, podiam votar na
primeira e na segunda instncia das eleies, mas no podiam ser eleitos
deputados e senadores, alm de no poderem succeder na Cora do
Imperio do Brazil (Constituio de 1824, art. 119).
Personagem 5: (eleitor 2 grau)
A Constituio de 1824 estabelecia a renda mnima de 200 mil
ris para se ser qualificado como eleitor de segundo grau, devendo
cumprir tambm as exigncias para ser votante. O mesmo texto legal
exclua libertos e criminosos do rol de eleitores de segundo grau.
Personagem 6: (condio para ser deputado)
Alm de estar habilitado para ser eleitor de segundo grau
e ter renda mnima de 400 mil ris, outro requisito era imposto a
quem quisesse ser deputado: professar a religio do Estado, ou
seja, ser catlico.
Personagem 7: (condio para ser senador)
Para poder ser senador, de acordo com a Constituio de 1824,
era necessrio preencher alguns requisitos: ter renda mnima de 800
mil ris anuais, ser cidado brasileiro, ter 40 anos de idade ou mais
(com exceo para os prncipes da Casa Imperial, que ganhavam
assento no Senado aos 25 anos). Tambm deveria ser pessoa de
saber, capacidade e virtudes, com preferencia os que tiverem feito
servios Patria (Constituio de 1824, art. 45, III).
21
De todo o modo, o texto da Constituio no exigia, expressamente,
que o senador professasse a religio do Estado, o que diferia dos
requisitos para ser deputado, mas restava a condio de, ao tomar
posse, prestar juramento de manter a religio catlica apostlica romana.
A escolha dos senadores era feita de um modo particular. Os
eleitores votavam em trs vezes a quantidade de cargos de senadores
disponveis para a respectiva provncia, e, ento, o imperador
designava o tero dessa lista que tomaria posse do cargo vitalcio.
Inovaes importantes
Durante o Imprio, foram muitas as alteraes na legislao que regulamentava
as eleies, ocorridas, dentre outros motivos, para garantir maioria ao partido que estava
no poder. Somente em relao aos sistemas eleitorais, tivemos sistemas majoritrios de
listas completas por provncias, voto distrital com um deputado por provncia, com trs
deputados por provncia e voto limitado ou de lista incompleta.1
Outras modificaes importantes foram
introduzidas com a Lei Saraiva: as eleies
passaram a ser diretas, as juntas paroquiais de
qualificao foram extintas, o alistamento foi
entregue magistratura, o ttulo de eleitor foi
institudo, substituindo o ttulo de qualificao
criado em 1875, e o analfabeto foi proibido
de votar.(G)
1 Para a definio desses sistemas, consulte o glossrio eleitoral no Portal TSE.
Imp
rio
Font
e: W
ikip
edia
Conselheiro Saraiva
Tr ibunal Super ior E le i tora l
22
A seguir, quadro ilustra como o sistema eleitoral foi modificado, em relao s
eleies para deputados:
1855 Lei dos Crculos
1822 Deciso n 57A Deciso n 57, de 19 de junho de 1822, regulamentou
a eleio para a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa,
a ser realizada em dois graus: os cidados de cada freguesia
escolhiam os eleitores de parquia, que por sua vez escolhiam
os deputados. A eleio indireta seria a regra durante quase
todo o perodo imperial, s sendo introduzido o voto direto
em 1881, por meio da Lei Saraiva.
O sistema eleitoral utilizado era o majoritrio(H), mas
com especificidades para cada um dos graus. Os cidados da
freguesia votavam em listas de eleitores, sendo eleitos aqueles
que figurassem na lista que obtivesse a maioria simples dos
votos. Os eleitores, por sua vez, votavam nos deputados por
meio de cdulas que eram repetidas tantas vezes quantos
fossem os deputados a serem eleitos.
O Decreto n 842, conhecido como a Lei dos Crculos,
inaugurou no Brasil o voto distrital(I). Por meio de decretos, as
provncias(J) foram divididas em crculos (distritos), devendo
ser eleito um deputado por cada distrito. O deputado que
obtivesse a maioria absoluta de votos no distrito era eleito,
sendo possvel se eleger por mais de um distrito, caso em que
escolheria o distrito que queria representar.
O Decreto n 1.082, tambm conhecido como a Segunda
Lei dos Crculos, manteve basicamente todas as disposies da
lei anterior, realizando duas importantes alteraes: ampliao
do nmero de deputados por crculo, que passou a ser trs;
1860 2 Lei dos Crculos
23
exigncia de desincompatibilizao das autoridades de seus
cargos seis meses antes dos pleitos.
A Segunda Lei dos Crculos foi substituda pela Lei do Tero
(Decreto n 2.675), que aboliu o voto por crculos, determinando
que as eleies fossem realizadas por provncias. A finalidade
dessa lei foi a de possibilitar maior representatividade das
minorias, tema recorrente nos debates parlamentares. A soluo
encontrada foi limitar o voto(K) de cada eleitor a dois teros do
nmero total de cadeiras em disputa.
Outra mudana importante trazida pela Lei do Tero foi
a criao do ttulo de qualificao do eleitor e a participao da
justia comum no processo eleitoral.
A Lei Saraiva(L) (Decreto n 3.029), publicada em 9 de
janeiro de 1881, decorreu dos anseios da sociedade brasileira
por mudanas na legislao eleitoral. Um dos principais pontos
de inovao foi a introduo do voto direto, reivindicao
constante nos jornais, nas ruas e nos debates parlamentares.
Alm do voto direto, a Lei Saraiva estabeleceu o voto
secreto, confiou o alistamento magistratura e instituiu o
ttulo de eleitor, em substituio ao ttulo de qualificao
criado em 1875.
Imp
rio
1875 Lei do Tero
1881 Lei Saraiva
Tr ibunal Super ior E le i tora l
24
Informaes adicionais
(A) D. Pedro I: Pedro de Alcntara Francisco Antnio Joo Carlos Xavier
de Paula Miguel Rafael Joaquim Jos Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de
Bragana e Bourbon nasceu em 12 de outubro de 1798. Em 26 de abril de 1821,
assumiu a regncia do Reino do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, proclamou a
independncia. Em 12 de outubro de 1822, foi aclamado imperador e abdicou
em 7 de abril de 1831. Faleceu em 24 de setembro de 1834.
(B) Fogos: o Decreto n 1571, de 4 de maio de 1842, em seu art. 6, assim
definia fogo: Por fogo entende-se a casa, ou parte dela, em que habita
independentemente uma pessoa ou famlia; de maneira que um mesmo edifcio
pode ter dois ou mais fogos.
(C) 25 anos: podiam votar tambm homens com mais de 21 anos, se fossem
casados ou oficiais militares e, independentemente da idade, clrigos ou
bacharis.
(D) Cdula eleitoral: em rigor, no havia cdula eleitoral. No dia da votao,
os eleitores traziam os nomes escolhidos em uma relao que era assinada e
depositada na urna.
1 Para acessar o inteiro teor desse decreto e dos demais decretos, leis e cdigos eleitorais que aparecerem ao longo do texto, entre no stio do TSE: http://www.tse.jus.br/internet/legislacao/eleitoral_blank.htm.
importante ressaltar que a lei no aboliu o voto censitrio, ao
contrrio, estipulou rgidos critrios para a comprovao da renda e
instituiu a vedao ao voto do analfabeto.
25
(E) Decrscimo no eleitorado poca: a vedao imposta em 1881, que
s foi extinta em 1985, teve grande impacto no exerccio da cidadania poltica
no Brasil. Para se ter uma ideia do contingente atingido por essa vedao, em
1880, na parquia de Iraj, provncia do Rio de Janeiro, 44% dos votantes eram
analfabetos. de Jos Murilo de Carvalho a informao de que Em 1872 havia
mais de um milho de votantes, correspondentes a 13% da populao livre.
Em 1886, votaram nas eleies parlamentares pouco mais de 100 mil eleitores,
ou 0,8% da populao total. (CARVALHO, 2007, p.39).
(F) Lei do Ventre Livre: lei publicada em 28 de setembro de 1871, que
declarou, a partir daquela data, ingnuos e livres os filhos das mulheres
escravizadas.
(G) Vedao ao voto do analfabeto: a Constituio de 1824 no proibiu o
voto do analfabeto que foi, no mximo, dificultado durante um breve perodo,
quando o eleitor era obrigado a assinar as listas de seus candidatos. A Lei
Saraiva foi o que realmente imps vedao expressa ao voto do analfabeto,
inaugurando o chamado censo literrio, responsvel pelo decrscimo no
eleitorado.
(H) Voto majoritrio: aquele no qual se considera eleito o candidato que
receber, na respectiva circunscrio pas, estado, municpio , a maioria
absoluta ou relativa, conforme o caso, dos votos vlidos (descontados os nulos
e os em branco). Fonte: glossrio eleitoral, disponvel no Portal TSE.
(I) Voto distrital: no voto distrital cada partido poltico apresenta um
candidato por circunscrio eleitoral e o mais votado o eleito. Fonte: glossrio
eleitoral, disponvel no Portal TSE.
Tr ibunal Super ior E le i tora l
26
(J) Provncias: no perodo imperial, era essa a denominao dada a cada
uma das divises administrativas que compunham o Imprio, as quais, com
a Repblica, passaram a ser denominadas estados.
(K) Voto limitado: quando o eleitor, em uma escolha plurinominal, no tem
o direito de votar na totalidade das cadeiras a preencher. Fonte: glossrio
eleitoral, disponvel no Portal TSE.
(L) Lei Saraiva: o Conselheiro Jos Antnio Saraiva foi o responsvel pela
reforma eleitoral que se materializou na Lei Saraiva, mas a redao coube a
Ruy Barbosa.
27
Repblica
Vrias repblicas
O perodo que vai de 1889 at os dias atuais foi marcado por inmeros contextos
polticos, sociais e econmicos. Nesse perodo, democracias alternaram-se com
ditaduras, o que contribuiu para que o direito de votar e ser votado fosse garantido
em alguns momentos e vetado em outros.
Primeira Repblica (1889-1930)
Formao e consolidao da Repblica
Os primeiros anos que se seguiram
Proclamao da Repblica foram de grandes
incertezas quanto aos trilhos que a nova forma de
governo deveria seguir. Numa rpida olhada, se
identificam dois grupos que defendiam diferentes
formas de se exercer o poder da Repblica: os
civis e os militares. Os civis, representados pelas
elites das principais provncias So Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul ,
queriam uma Repblica Federativa que desse muita autonomia s unidades regionais. Os
militares, por outro lado, defendiam um Poder Executivo forte e se opunham autonomia
buscada pelos civis. Isso sem mencionar as acirradas disputas internas de cada grupo.
Esse era um quadro que demonstrava a grande instabilidade sentida pelos cidados que
viveram naqueles anos. Mas havia cidados?
Formalmente, a Constituio de 1891 definia como cidados os brasileiros
natos e, em regra, os naturalizados. Podiam votar os cidados maiores de 21 anos que
tivessem se alistado conforme determinao legal. Mas o que, exatamente, significava
isso? Em 1894, na primeira eleio para presidente da Repblica, votaram 2,2% da
Primeira bandeira republicana, criada por Ruy Barbosa, usada entre 15 e 19 de novembro de 1889.
Rep
blic
a
Font
e: W
ikim
edia
Com
mon
s
Tr ibunal Super ior E le i tora l
28
populao. Tudo indica que, apesar de a Repblica ter abolido o critrio censitrio e
adotado o voto direto, a participao popular continuou sendo muito baixa em virtude,
principalmente, da proibio do voto do analfabeto e das mulheres.
No que se refere legislao eleitoral, alguns instrumentos legais vieram a pblico,
mas nenhum deles alterou profundamente o processo eleitoral da poca. As principais
alteraes promovidas foram o fim do voto censitrio e a continuidade do voto direto.
Essas modificaes, embora importantes, tiveram pouca repercusso prtica, j que o
voto ainda era restrito analfabetos e mulheres(A) no votavam e o processo eleitoral
continuava permeado por toda sorte de fraudes.
Para conhecer mais detalhes dessa legislao, explore o infogrfico seguinte.
O Decreto n 200-A promulgou o regulamento para
a eleio do Congresso Nacional Constituinte, manteve o
voto direto e determinou a incluso de todos os eleitores j
qualificados pela Lei Saraiva.
A qualificao de outros eleitores, ao contrrio do que
previa a Lei Saraiva, no era feita pelas autoridades judicirias,
ficando sob a responsabilidade de comisses distritais, que
iniciavam a elaborao das listas de eleitores, e de comisses
municipais, que finalizavam a qualificao. As comisses
distritais eram formadas por um juiz de paz, um eleitor e
o subdelegado da parquia; as municipais, por um juiz
municipal, o presidente da cmara de vereadores e o delegado
de polcia. O eleitor insatisfeito com as decises tomadas por
essa comisso podia recorrer ao juiz de direito da comarca.
Todos os que eram qualificados recebiam ttulo de eleitor.
V-se que a estrutura concebida dificultava a realizao
de eleies transparentes, posto que o processo de alistamento
e qualificao de eleitores era de total responsabilidade das
autoridades locais.
1890 Decreton 200-A
29
O Decreto n 511, de 23 de junho de 1890, conhecido
como Regulamento Alvim, regulamentou a eleio para o
Congresso Nacional Constituinte. Assim, foram definidas
as seguintes condies de elegibilidade: para o cargo de
deputado, a condio de ter mais de sete anos de cidadania
brasileira; para o de senador, ter mais de nove anos de cidadania
brasileira e ter mais de 35 anos de idade. As imposies
referentes a tempo de nacionalidade justificam-se em razo
da Grande Naturalizao, ocorrida em 1889, quando todos os
estrangeiros que residiam no Brasil foram naturalizados, a no
ser que se recusassem oficialmente.
Alm disso, revogou o voto distrital e restabeleceu o voto
de lista completa por estado, sendo eleito quem obtivesse a
maioria relativa de votos.
Se pelo Decreto n 200-A a qualificao dos eleitores era
feita pelas autoridades locais, o Regulamento Alvim conferiu
mais dispositivos para o controle dos resultados eleitorais: as
mesas eleitorais ficaram responsveis por receber e apurar os
votos, alm de lavrar as atas.
Sem surpresas, o Governo Provisrio garantiu maioria
no Congresso Nacional, que elaborou a primeira constituio
republicana.
1890 Regulamento Alvim
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
30
A primeira constituio republicana criou o sistema
presidencialista, em que o presidente e o vice-presidente
deveriam ser eleitos pelo sufrgio direto da nao, por maioria
absoluta de votos.
Alm disso, atribuiu ao Congresso Nacional a
competncia de legislar sobre o processo eleitoral para
os cargos federais em todo o pas, deixando aos estados a
responsabilidade para regulamentar as eleies estaduais e
municipais. Em decorrncia dessa autonomia, houve variao nas regras eleitorais entre os estados, consolidando-se, assim,
a descentralizao da dinmica eleitoral.
A Lei n 35, de 26 de janeiro de 1892, foi a primeira Lei Eleitoral da Repblica e estabeleceu o processo para as
eleies federais.
Ela instituiu o voto limitado e o voto distrital de trs
deputados por distrito. A justificativa, ao estabelecer o voto
limitado, era a mesma desde os tempos do Imprio: garantir
representao s minorias. Pelos instrumentos legais anteriores,
v-se que a efetividade dessa medida era no mnimo duvidosa,
tendo em vista os procedimentos eleitorais que asseguravam a
vitria dos candidatos do governo.
Foi a primeira lei que estabeleceu as condies de
elegibilidade para o cargo de presidente, quais sejam: ser
brasileiro nato com mais de 35 anos de idade e estar na posse
dos direitos polticos.
1891
1892
Constituio
Lei n 35
31
O alistamento continuava sendo feito em duas etapas:
as comisses secionais preparavam a lista que era finalizada
por uma comisso municipal. Os integrantes das comisses
secionais eram eleitos pelos membros do governo municipal,
sendo a comisso municipal formada pelo presidente do
governo municipal e um representante de cada uma das
comisses secionais.
A Lei n 426, de 7 de dezembro de 1896, introduziu a possibilidade do voto a descoberto. O interessante que essa
lei (formalmente) no eliminou o voto secreto, mas permitia,
caso o eleitor quisesse, votar a descoberto. Alm de declarar seu
voto em pblico, a lei previa um dispositivo pelo qual o eleitor
recebia uma segunda via do voto devidamente certificada
pela mesa atestando em quem o eleitor tinha votado. Vale a
pena ler o trecho da lei:
Art. 8 Ser licito a qualquer eleitor votar por voto
descoberto, no podendo a Mesa recusar-se a acceital-o.
Paragrapho unico. O voto descoberto ser dado,
apresentando o eleitor duas cedulas, que assignar perante
a Mesa, uma das quaes ser depositada na urna e a outra
lhe ser restituida depois de datada e rubricada pela Mesa e
pelos fiscaes.
Essa alterao funcionou como uma estratgia legal
para facilitar a articulao do que ficou conhecido como voto
de cabresto, j que o voto a descoberto abria espao para o
exerccio de prticas polticas de controle eleitoral.
1896 Lei n 426
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
32
A Lei n 1.269, de 15 de novembro de 1904, conhecida
como Lei Rosa e Silva, reformou a legislao eleitoral,
revogando toda a anterior. Manteve o voto limitado e o
distrital agora com cinco deputados por distrito , alm de
introduzir o voto cumulativo(B).
Embora a influncia poltica no tenha sido mitigada,
a lei mudou a composio das comisses de alistamento
que passaram a ser assim formadas: juiz de direito, dois dos
maiores contribuintes de imposto predial, dois dos maiores
contribuintes sobre a propriedade rural e trs cidados eleitos
pelo governo municipal. Para ser eleito, o cidado deveria
saber escrever e ler, fazendo prova disso apondo em livro
especial as seguintes informaes pessoais: nome, filiao,
idade, profisso e residncia.
O voto continuava secreto moda da Lei n 426, de 1896,
ou seja, era possvel tambm o voto a descoberto nos mesmos
termos daquela lei.
A Lei n 3.139, de 2 de agosto de 1916, confiou o alistamento
dos eleitores exclusivamente ao Poder Judicirio. Alm disso,
aumentou o rigor quanto comprovao da documentao
exigida para a qualificao, devendo o eleitor provar: idade,
capacidade de assegurar sua subsistncia, residncia por mais de
dois meses no municpio e demonstrao de saber ler e escrever.
1904
1916
Lei Rosa e Silva
Lei n 3.139
33
Memria sobre as eleies na Primeira Repblica
A memria de um acontecimento passado sempre construda a partir da
nossa situao no presente. possvel que lembremos um fato de uma forma hoje e
de outra dez anos depois. Com a histria parecido. A memria construda sobre as
eleies na Primeira Repblica foi muito marcada pelo projeto de homens e mulheres
engajados no movimento conhecido como Revoluo de 1930. Vejamos.
Essa imagem do voto como instrumento de controle dos coronis deve-se, em
parte, memria que se construiu sobre a Primeira Repblica a partir da Revoluo de
1930, nos fazendo enxergar somente uma parte da histria da poca. Assim, as eleies,
os parlamentos, os partidos polticos e os variados tipos de associativismo desse perodo
foram quase sempre desqualificados ou considerados ineficientes e desnecessrios. Dessa
forma, a Revoluo de 1930 tornava-se o smbolo da modernizao em contraposio a
uma Repblica atrasada e dominada pelas oligarquias.
Assim, durante muito tempo, esse perodo foi visto como uma espcie de idade
das trevas eleitoral. As eleies eram consideradas nada mais do que mera legitimao,
por meio de artifcios fraudulentos, do poder de elites tradicionais. A expresso voto
de cabresto, com suas inmeras ilustraes, recorrente ainda hoje para explicar o
perodo. Entretanto, bom lembrar que essa imagem eleitores conduzidos fora
s sees eleitorais pelos jagunos de poderosos coronis no pode ser vista como
uma fotografia da experincia eleitoral do perodo. claro que fraudes e violncia
eram elementos recorrentes, mas as eleies no se reduziam a isso. Elas tinham um
papel estratgico, permitindo uma relativa circulao de elites, estabelecendo um
mnimo de competio e renovao no mundo poltico. Elas tambm eram capazes
de mobilizar mesmo que de forma incipiente os eleitores, fundamentando um
aprendizado poltico.
Alm disso, preciso reconhecer que a atuao poltica maior do que a
experincia eleitoral. E o perodo conhecido como Primeira Repblica foi palco de
diversas manifestaes de atuao popular, dentre as quais: Revolta da Chibata,
Revolta da Vacina, Guerra de Canudos, Contestado, Greve de 1917, para citar algumas.
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
34
Informaes adicionais
(A) Mulheres: o exerccio do voto foi associado aos papis sociais atribudos s
mulheres. Isso significa que, durante boa parte de nossa histria, as mulheres
no puderam votar, conquistando esse direito somente a partir de 1932. Antes,
contudo pelo menos desde 1890 , j se discutia sobre a extenso desse direito
s mulheres, e durante as prvias da primeira constituio republicana muita tinta
correu sobre o assunto. As primeiras eleitoras a se alistarem no Brasil eram mulheres
do Estado do Rio Grande do Norte, que, aps processo judicial, conseguiram realizar
o registro para a eleio que ocorreria em 1928. Ainda que os votos delas tenham
sido descontados por inapurveis, eles marcam a maior movimentao que essas
questes causavam na sociedade. Para saber mais sobre o voto da mulher, leia o
texto complementar Voto das mulheres.
(B) Voto cumulativo: aquele em que o eleitor ou votante dispe de mais de um
voto, podendo dar ao mesmo candidato o nmero de votos que lhe possam ser
atribudos, nele cumulando os votos que poderiam ser distribudos entre vrios
candidatos. Fonte: glossrio eleitoral, disponvel no Portal TSE.
35
Refundao da Repblica (1930-1937)
O fim dos anos 1920 representou uma ruptura institucional, com grandes
consequncias para a vida nacional, cujos marcos orientadores foram: maior
participao de novos atores sociais no jogo poltico e modernizao do pas por
meio do desenvolvimento industrial. No que interessa histria da Justia Eleitoral, a
principal bandeira levantada pelo movimento de 1930 foi a moralizao das eleies.
Foi nesse contexto que nasceu a Justia Eleitoral.
Nascimento da Justia Eleitoral
A ideia de criar um rgo independente para cuidar exclusivamente das eleies
bem razovel, especialmente quando se tem como tradio a prtica de fraudes eleitorais
desde o Imprio. Mas que razes levaram criao de um ramo especializado dentro do
Poder Judicirio para administrar as eleies e julgar questes relativas matria eleitoral?
Mesmo antes da criao da Justia
Eleitoral, havia a sinalizao de que a moralizao
das eleies passava pela perda de ingerncia do
Executivo e do Legislativo e pelo aumento das
atribuies do Judicirio no processo eleitoral.
Tanto isso verdade que, em 1916, o Presidente
Wenceslau Brs, preocupado com a seriedade
do processo eleitoral, sancionou a Lei n 3.139,
que entregou ao Poder Judicirio o preparo do
alistamento eleitoral.
Em 1932 concretizada a ideia
de centralizar no Poder Judicirio(A)
o gerenciamento das eleies. A partir dessa data, a Justia Eleitoral tornou-se
responsvel por todos os trabalhos eleitorais: alistamento, organizao das mesas de
votao, apurao dos votos, reconhecimento e proclamao dos eleitos, bem como
o julgamento de questes que envolviam matria eleitoral.
Primeiro prdio a sediar as sesses do Tribunal Superior de Justia Eleitoral.
Rep
blic
a
Font
e: a
cerv
o do
Mus
eu d
o TS
E
Tr ibunal Super ior E le i tora l
36
O primeiro Cdigo Eleitoral
A demanda social por eleies limpas e confiveis era tamanha que um dos
primeiros atos do Governo Provisrio foi a criao de uma comisso de reforma da
legislao eleitoral, cujo trabalho resultou na elaborao do primeiro Cdigo Eleitoral
do Brasil.
As principais inovaes trazidas pelo cdigo foram o voto feminino facultativo,
a fixao definitiva do voto secreto(B), a instituio do sistema representativo
proporcional(C) e a regulao em todo pas das eleies federais, estaduais e municipais.
Apesar de continuar sendo possvel a eleio de candidatos sem partido, pela primeira
vez os partidos polticos foram mencionados em legislao eleitoral, sendo obrigatrio
o registro prvio de todas as candidaturas. O Cdigo de 1932 no ficou isento de crticas,
especialmente no que se refere ao processo de qualificao(D). Alm disso, vale
ressaltar que permaneciam restries ao pleno exerccio da cidadania, dentre as quais
a impossibilidade de votarem os analfabetos, mendigos e praas de pr.
Cdigo Eleitoral de 1932 Foto: Carlos Humberto
Font
e: a
cerv
o do
Mus
eu d
o TS
E
37
A Lei n 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, criou a
Justia Eleitoral para que ela fosse a nica responsvel por
todo o processo eleitoral: do alistamento proclamao
dos eleitos.
Alm disso, o cdigo possibilitou, pela primeira vez
no pas, s mulheres o direito a votar, mas, por outro lado,
manteve grave obstculo universalizao do voto ao
continuar proibindo o voto do analfabeto.
Um aspecto interessante do cdigo diz respeito
qualificao eleitoral, que podia ocorrer por iniciativa do
eleitor ou de ofcio.
Apesar de ainda ser possvel a candidatura avulsa, o
cdigo j mencionava a possibilidade de os partidos polticos
registrarem seus candidatos para concorrerem ao pleito. Em
todo caso, era sempre obrigatrio o registro prvio de quem
desejava concorrer a cargos eletivos.
O Decreto n 22.621, de 5 de abril de 1933,
convocou a populao a votar em seus representantes
para a Assembleia Nacional Constituinte e fixou o nmero
de deputados em 251, que deveriam ser eleitos de forma
mista: 214 segundo as normas do Cdigo Eleitoral e 40
representantes de categorias profissionais, o que ficou
conhecido como representao classista(E).
Explore o infogrfico para conhecer mais sobre a legislao eleitoral do perodo.
1932
1933
Cdigo Eleitoral
Decreto n 22.621
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
38
A Constituio de 1934, de 16 de julho, manteve a Justia
Eleitoral e estabeleceu o voto secreto e universal, embora a
vedao ao voto do analfabeto fosse mantida.
A Lei n 48, de 4 de maio de 1935, reformou o Cdigo
Eleitoral de 1932. As principais alteraes foram: reduo da
idade mnima para votar de 21 para 18 anos; obrigatoriedade
de voto das mulheres que exerciam funo pblica remunerada
e a limitao candidatura avulsa: s podia se candidatar sem
partido poltico quem registrasse sua candidatura mediante
requerimento de um nmero mnimo de eleitores.
Esse Cdigo Eleitoral nunca foi aplicado, em funo da
interrupo da ordem democrtica, em 1937, com o golpe
do Estado Novo.
1934
1935
Constituio
Cdigo Eleitoral
39
Extino e recriao da Justia Eleitoral
Em 10 de novembro de 1937, sustentado por setores
sociais conservadores, Getlio Vargas anuncia, pelo rdio, a
Nova Ordem do pas. Outorgada nesse mesmo dia, a polaca,
como ficou conhecida a Constituio de 1937, extinguiu
a Justia Eleitoral, aboliu os partidos polticos existentes,
suspendeu as eleies livres e estabeleceu eleio indireta
para presidente da Repblica, com mandato de seis anos.
Durante o perodo de 1937 a 1945, conhecido como Estado
Novo, no houve eleies no Brasil. As casas legislativas
foram dissolvidas e a ditadura governou com interventores
nos estados.
A exacerbao da contradio vivenciada pelo regime varguista que
impunha, internamente, uma ditadura aos brasileiros, mas, externamente, apoiava
as democracias ocidentais na luta contra o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial
gerou manifestaes de descontentamento com o regime.
Sem conseguir prolongar a ditadura, em 1945, Getlio anuncia eleies gerais e
lana como seu candidato Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra. Desconfiados das
reais intenes de Vargas, oposio e cpula militar se articulam e do o golpe, em 29
de outubro de 1945, destituindo Getlio. Como na Constituio de 1937 no havia a
figura do vice-presidente, a Presidncia da Repblica foi ocupada pelo ento presidente
do Supremo Tribunal Federal1, Jos Linhares, at eleio e posse do novo presidente da
Repblica, que viria a ser o general Dutra, em janeiro de 1946. Era o fim do Estado Novo.
1 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfInstitucional.
Jos Linhares. Em maio de 1945 passou a presidir o Tribunal Su-perior Eleitoral. Providenciou a instalao desse Tribunal no an-tigo Palcio Monroe, no Rio de Janeiro, em 1 de junho de 1945.
Rep
blic
a
Font
e: a
cerv
o do
Mus
eu d
o TS
E
Tr ibunal Super ior E le i tora l
40
A volta da Justia Eleitoral
Foi nesse cenrio poltico que
a Justia Eleitoral foi reinstalada
definitivamente. O Cdigo Eleitoral
de 1945, conhecido como Lei
Agamenon, restabeleceu a Justia
Eleitoral, regulando em todo o
pas o alistamento eleitoral e as
eleies. Sua principal novidade foi
a obrigatoriedade de os candidatos
estarem vinculados a partidos polticos.
Esse cdigo orientou a eleio para a Assembleia Nacional Constituinte de 1945 e as
eleies diretas para todos os cargos nos trs nveis de governo.
O trabalho que vinha pela frente era grande. Afinal, da data em que foi publicado
o Cdigo Eleitoral (28.5.1945) at o dia do pleito para cargos federais (2.12.1945) eram
menos de 200 dias, pouco mais de seis meses. Alm disso, a Resoluo-TSE n 1 fixava
o dia 2.7.1945 como incio do alistamento dos eleitores, para o que recomendava que
todos os tribunais regionais estivessem instalados at o dia 16.6.1945. Essa ordem
comeou a ser cumprida e os tribunais regionais comearam a ser instalados: em
So Paulo, em 6.6.1945; na Bahia, em 8.6.1945; no Par, em 6.6.1945; e no Rio Grande
do Sul, em 8.6.1945.
Promulgada a Constituio, em 18 de setembro de 1946, a Cmara dos
Deputados e o Senado Federal passaram a funcionar como Poder Legislativo ordinrio.
A Constituio, a exemplo da de 1934, consagrou a Justia Eleitoral entre os rgos do
Poder Judicirio e proibiu a inscrio de um mesmo candidato por mais de um estado.
O Palcio Monroe foi a primeira sede do Tribunal Superior Elei-toral aps a reinstalao da Justia Eleitoral em 1945.
Font
e: a
cerv
o do
Arq
uivo
do
Sena
do F
eder
al
41
Informaes adicionais
(A) Poder Judicirio: voc sabia que o Brasil no foi o primeiro pas a confiar
as eleies ao Poder Judicirio? As eleies estavam relacionadas ao Judicirio
tambm em outros pases, como Inglaterra (desde 1868), Portugal (por lei de
1896), Alemanha, Prssia, ustria, Grcia, Polnia, Tchecoslovquia, Uruguai
e Argentina. Exemplos internacionais foram lembrados inclusive durante as
discusses para elaborao do Cdigo Eleitoral, como inspirao para o modelo
a ser adotado no Brasil.
(B) Voto secreto: os anos 1920 foram marcados no Brasil pela tentativa de
disciplinarizao da vida urbana, com nfase na investigao e higienizao
dos corpos. Foi a poca da destruio das moradias coletivas (cortios) por
serem consideradas locais sujos, focos de proliferao de doenas fsicas e de
comportamentos moralmente inadequados. O Estado tinha o objetivo de formar um
homem novo: saudvel, trabalhador, cumpridor dos seus compromissos como chefe
de famlia e como cidado virtuoso. A nova tica eleitoral inaugurada pelo Cdigo
de 1932 concorria para formar esse novo homem. Um exemplo disso foi o novo
carter do voto secreto, formado a partir de duas estratgias: o envelope uniforme
oficial, que no poderia ter marcas que o identificasse, dentro do qual seria inserida
a cdula; e o gabinete indevassvel, uma cabine que isolaria o cidado no momento
do envelopamento da cdula. Tais estratgias foram responsveis pela construo
de um simbolismo em torno do individualismo do voto.
O eleitor de massa, sem vontade prpria, que servia apenas aos interesses
dos poderosos da Primeira Repblica, passa a ser um cidado que deveria ser
protegido de qualquer investida externa que maculasse o exerccio de expresso
da sua vontade. Alm do gabinete indevassvel e dos envelopes oficiais, a
previso no Cdigo de 1932 do uso da mquina de votar aparece como o pice
desse processo de modelao do cidado eleitor.
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
42
(C) Sistema representativo proporcional: o sistema eleitoral proporcional,
segundo a Constituio, utilizado para a composio do Poder Legislativo,
com exceo do Senado Federal. Assim, as vagas nas cmaras de vereadores,
assembleias legislativas dos estados, Cmara Legislativa do Distrito Federal e na
Cmara dos Deputados sero distribudas em proporo aos votos obtidos pelos
partidos ou coligaes partidrias.
A partir dos votos apurados para determinada legenda, as vagas nas casas legislativas
sero preenchidas pelos candidatos mais votados da lista do partido ou coligao, at
o limite das vagas obtidas, segundo o clculo do quociente partidrio e distribuio
das sobras. Fonte: glossrio eleitoral, disponvel no Portal TSE.
(D) Qualificao: a qualificao dos eleitores podia ocorrer de duas formas:
por iniciativa do prprio eleitor ou ex officio, por iniciativa dos rgos pblicos.
A segunda forma podia ocorrer sempre que os eleitores fossem magistrados,
militares ou servidores pblicos civis. A justificativa utilizada para esse modelo de
qualificao era a necessidade de ampliao do eleitorado brasileiro. Na ltima
eleio da Primeira Repblica, o eleitorado correspondia a 5,6 % da populao
brasileira. (CARVALHO, 2007, p. 40). Por outro lado, a crtica qualificao ex officio
se baseava na desconfiana de que os rgos pudessem exercer influncia sobre a
vontade dos eleitores. Para corrigir essa falha, dentre outras, que foi promulgada
a Lei n 48, de 4 de maio de 1935, o segundo Cdigo Eleitoral brasileiro, que
manteve as vrias conquistas do Cdigo de 1932.
(E) Representao classista: voc sabia que a Constituio de 1934 foi
elaborada por representantes de diversas classes sociais? Atendendo s
presses de diversos segmentos sociais, o Governo Provisrio, por meio do
Decreto n 22.621/1933, disps sobre a convocao da Assembleia Nacional
Constituinte que, alm de elaborar a nova Constituio, teria poderes para
aprovar os atos do Governo Provisrio e eleger o presidente da Repblica.
A eleio dos constituintes era hbrida: dos 254 deputados que deveriam
ser eleitos, 214 seriam escolhidos de acordo com o que determinava
o Cdigo Eleitoral e 40 seriam eleitos pelos sindicatos legalmente
reconhecidos, pelas associaes de profissionais liberais e de funcionrios
pblicos. Inaugurava-se a chamada representao classista.
43
A Repblica democrtica (1945-1964)
Era das campanhas eleitorais
Entre o fim do Estado Novo, em 1945, e o golpe militar, em 1964, o Brasil teve
nove presidentes entre titulares, interinos e vices que sucederam a presidentes
e passou por alguns episdios que poderiam desembocar em interrupo da
ordem democrtica. De forma bem simples, pode-se dizer que o movimento que
conduziu ao golpe de estado ocorrido em 1964 foi tentado antes em 1951(A),
1954(B), 1956(C) e 1961(D). Durante esse perodo, a legislao eleitoral continuou
a trazer novos elementos cena poltica.
A exclusividade dos partidos polticos na apresentao das candidaturas,
somada obrigatoriedade do voto(E) em sufrgio universal, levou ao
estabelecimento de novas relaes entre candidatos e eleitores. Antes limitada ao
convencimento de uma restrita parcela da populao que detinha direito ao voto, as
campanhas passaram a ganhar, nesse perodo, cada vez mais importncia. Isso ocorreu
num cenrio em que, por um lado, o eleitorado se ampliava(F) para incluir novos
atores sociais e, por outro, os partidos polticos(G) se defrontavam com a necessidade
de convencer os eleitores.
Abriu-se ento um leque de novas prticas relacionadas a essas necessidades.
Por exemplo, os panfletos de manifestos polticos passaram a ser panfletos de
propaganda, os comcios microfonados se tornaram parte do cenrio urbano, os
candidatos comearam a distribuir apertos de mo e sorrisos. Nesse aspecto, nota-se
uma preocupao cada vez maior dos candidatos com suas imagens.
O cidado-eleitor
A obrigatoriedade do voto, nesse perodo, fez parte da tentativa de engajar uma
populao ainda muito distanciada das estruturas e identidades nacionais a um
projeto de nao. Mas como convencer tal populao de que ela deveria integrar um
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
44
todo maior, uma comunidade imaginria, ou seja, um Estado nacional? Para isso, seria
necessrio persuadi-la sobre a ideia de que, na qualidade de cidados e cidads, todos
precisavam participar do jogo poltico necessrio construo de um pas democrtico.
Ser cidado, nessa poca, era o poder-dever de escolher seus representantes. A
superposio desses dois personagens o eleitor e o cidado num nico indivduo
acarretou a disciplinarizao das expresses polticas em torno do calendrio eleitoral.
Em outras palavras, buscava-se direcionar as expresses polticas para os aparatos
eleitorais, tornando cada vez mais distante do iderio do Estado daquela poca a
possibilidade de entender como cidads outras prticas polticas (grandes comoes
populares, barricadas) que no aquelas abrigadas pelo sistema eleitoral oficial.
Explore o infogrfico a seguir para conhecer mais sobre a legislao do perodo.
O Cdigo de 1945, tambm conhecido como Lei
Agamenon, mantinha a possibilidade de qualificao e
inscrio do eleitor ex officio, ou seja, estavam autorizados
a realiz-las os chefes de reparties pblicas mesmo de
entidades autrquicas, paraestatais ou de economia mista
e os titulares das sees da Ordem dos Advogados e dos
conselhos regionais de engenharia e arquitetura.
Alm disso, o Cdigo de 1945 trouxe disposies
especficas que visavam garantir o sigilo do voto, dentre as
quais est o emprego de sobrecartas oficiais, uniformes e
opacas. No mesmo sentido de moralizar os pleitos, o cdigo
determinava que o cidado, caso se inscrevesse mais de uma
vez com vistas a burlar o processo eleitoral, seria submetido
pena de deteno de trs meses a um ano; se tentasse votar
mais de uma vez ou votar no lugar de outro eleitor, a pena
seria de deteno de seis meses a um ano.
1945 Decreto-Lei n 7.586
45
No que se refere aos partidos polticos, o cdigo trouxe
duas inovaes importantes: a exclusividade da candidatura por
meio dos partidos polticos (foi proibida a candidatura avulsa) e a
exigncia de que os partidos tivessem carter nacional.
Na dcada de 1950, algumas inovaes legais foram
introduzidas. O Cdigo de 1950 inseriu critrios para a
padronizao de cdulas e acabou com o alistamento ex officio.
Em 1955, a Lei n 2.250 criou a folha individual de votao,
que fixou o eleitor na mesma seo eleitoral e aboliu, entre outras,
a fraude do uso de ttulo falso ou de segunda via obtida de modo
doloso. No mesmo ano, a Lei n 2.582 criou a cdula de votao
oficial, embora fosse facultado aos partidos polticos fabricar e
distribuir cdulas de acordo com o modelo enunciado pela lei.
A cdula oficial guardou a liberdade e o sigilo do voto, facilitou a
apurao dos pleitos e contribuiu para combater a influncia do
poder econmico, liberando os candidatos de vultosos gastos
com a impresso e a distribuio de cdulas.
1950
1955
Lei n 1.164
Lei n 2.250
Informaes adicionais
(A) 1951: em 1950, aps a proclamao da vitria de Vargas, seus adversrios
tentaram impedir a sua posse utilizando-se do argumento de que ele no
arregimentara metade mais um dos votos o que, alis, a Constituio em vigor
no estabelecera.
(B) 1954: no final de agosto de 1954, oficiais da Aeronutica exigiram, por
meio de um manifesto, a sada do Presidente Vargas. Logo depois, seria a vez
do Exrcito. Sem sustentao poltica e progressivamente isolado, Vargas no
admitiria renunciar, optando pelo suicdio no dia 24 daquele ms.
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
46
(C) 1956: com a vitria de Juscelino Kubitschek e Joo Goulart, foi iniciada uma
campanha para impedir-lhes a posse. Com o intuito de garantir a posse dos eleitos,
foi organizado o Movimento de 11 de Novembro, no qual se destacou o General
Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra, que se posicionou a favor da legalidade,
ou seja, pela posse dos eleitos. Em janeiro de 1956, a chapa vitoriosa foi empossada.
(D) 1961: em 1961, com a renncia de Jnio Quadros Presidncia, Joo Goulart,
vice-presidente eleito, deveria assumi-la, porm os militares iniciaram um
movimento para impedir sua posse. Apesar de terem perdido a batalha, pois Jango
assumiu a Presidncia em 7 de setembro de 1961, os militares garantiram que o
presidente governaria com poderes reduzidos, em virtude de o sistema de governo
ter passado de presidencialista a parlamentarista, tendo assim permanecido at
1963, quando, aps plebiscito, retornou ao sistema presidencialista. Seu governo
foi marcado pela abertura s organizaes sociais, o que levou grande parte da
sociedade brasileira desconfiando que pudesse estar presenciando o incio da
instalao de um estado socialista no Brasil a apoiar a movimentao militar que
redundaria no Golpe de 1964.
(E) Exclusividade dos partidos e obrigatoriedade de voto: a exclusividade
dos partidos polticos inovao do Cdigo Eleitoral de 1945, j a obrigatoriedade
do voto consta desde 1935. Nenhuma eleio, porm, ocorreu sob a vigncia
do Cdigo de 1935. Em 1945, a obrigatoriedade foi resgatada no texto da Lei
n 7.586. Doravante, todos os que fossem aptos para o exerccio do voto seriam
obrigados a exercer esse direito, fossem homens ou mulheres (a menos que
fossem mendigos, alguns tipos especficos de militares, invlidos, maiores de
65 anos, magistrados, funcionrios pblicos que estivessem viajando de frias
ou mulheres que no possussem profisso lucrativa art. 4).
(F) Ampliao do eleitorado: a ampliao do eleitorado se deveu, principalmente,
reduo da idade mnima para votar, de 21 para 18 anos, e imposio da
obrigatoriedade do voto. Apesar disso, o eleitorado que compareceu s urnas em
1945 para escolher o presidente da Repblica ainda era pequeno (apenas 15 %
da populao total), o que talvez fosse explicado pela manuteno da vedao ao
voto do analfabeto1.
1 Para mais informaes sobre a estatstica do eleitorado entre 1910 e 1986, acesse: http://seculoxx.ibge.gov.br.
47
(G) Partidos polticos: nessas novas circunstncias, nas quais os meios de
comunicao de massa sobressaem na articulao do relacionamento entre
candidato e eleitor, importante falar do papel dos partidos polticos, que
tambm se modifica em razo das novas regras. Assim, os partidos passam a
adquirir progressivamente uma maior participao nas mobilizaes poltico-
eleitorais, tendo em vista que as campanhas trouxeram as questes do momento
para serem discutidas pela sociedade. Alm disso, em razo da exclusividade
partidria, seriam os partidos aqueles a promover a aglutinao da movimentao
poltica em funo das plataformas e projetos de cada grupo. Algo interessante
decorreu a partir da. Essa aglutinao de parcelas da populao formou um
verdadeiro universo de identidades sociais, relacionadas s associaes poltico-
partidrias e seus smbolos. Quer dizer, com base nessa formao de identidades
que possvel, nos tempos mais recentes, pessoas se declararem petistas,
peemedebistas, tucanas, entre outras coisas, e que elas se movam dentro dessas
significaes compartilhadas, adotando posturas e prticas de acordo com o seu
alinhamento poltico-partidrio.
Rep
blic
a
49
Regime Militar (1964-1985)
O perodo que vai de 1964 a 1985 foi marcado, no Brasil, por uma combinao
entre expanso dos direitos sociais(A), reduo drstica dos direitos civis(B) e
restries aos direitos polticos(C). Embora os direitos sociais tenham sido tratados
como concesses por parte do governo, na prtica, tais direitos tinham sido resultado
de reivindicaes populares.
DireitosSociais
Direitos Civis
Direitos Polticos
Voto no laboratrio: as eleies no Regime Militar
Durante o Regime Militar foram realizadas, para todos os cargos, eleies
diretas e indiretas, conforme as hipteses legais(D). A existncia de eleies durante
esse perodo especialmente para o Congresso Nacional tinha uma dupla funo:
legitimar as decises do governo, j que, pelo menos formalmente, existia oposio;
e servir como uma espcie de laboratrio eleitoral(E), no qual a populao podia
exercer controladamente o direito de votar.
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
50
Vale ressaltar, no entanto,
que a tentativa do Regime
em dar legitimidade s suas
decises por meio da ampliao
do eleitorado esbarrou no alto
nmero de abstenes, votos
nulos e brancos(G). Isso pode ter
significado, de algum modo, certo
descrdito por parte dos eleitores
em relao utilidade prtica de
seu voto. Esse comportamento
eleitoral seria um reflexo do papel
imposto ao parlamento poca? Qual era esse papel?
O Congresso Nacional deveria, por um lado, legitimar as decises tomadas
pelo governo e, por outro, ser um espao onde alguns direitos polticos podiam
ser exercitados, mas sempre dentro dos limites definidos previamente. Para
sustentar esse experimento, um instrumento polt ico foi fabricado:
o bipartidarismo. Por meio dele, o Movimento Democrtico Brasileiro (MDB) (H), a quem
cabia exercer uma oposio controlada, se opunha Aliana Renovadora Nacional (Arena),
cujo papel era o de referendar as decises tomadas pela cpula militar.
Tentaremos explicar o experimento eleitoral de que falamos h pouco por meio
da anlise de dois ingredientes: a ampliao do eleitorado e o papel desempenhado
pelo Congresso Nacional.
Entre os anos de 1966 e 1982, o eleitorado brasileiro aumentou 163%, o
que no pode ser bem compreendido apenas luz das sanes impostas a quem
no se alistasse, tampouco tendo como referncia o crescimento vegetativo da
populao(F). Esse aumento, aliado s restries dos direitos polticos no perodo,
pode ser entendido como uma estratgia de criao de um ambiente onde o ato de
votar pudesse ser exercido de forma controlada.
Quarta sede do TSE. Esplanada dos Ministrios, de 1960 a 1971.
Font
e: a
cerv
o do
Mus
eu d
o TS
E
51
Sesso ordinria da Cmara dos Deputados que apro-vou o AI-1.
Font
e: C
mar
a do
s D
eput
ados
Processo encaminhado pelo TRE da Guanabara ao TSE em 1968, com sugestes relativas mquina Puntel de votao. Ver mquina de votar ao final do livro (Anexos).
Font
e: a
cerv
o do
Mus
eu d
o TS
E
Explore o infogrfico abaixo para conhecer mais sobre a legislao eleitoral no
perodo.
1964 AI-1O Ato Institucional n 1, de 9 de abril de 1964, instituiu
alteraes Constituio de 1946. Estabeleceu a eleio
indireta para presidente da Repblica pelo Congresso Nacional.
Determinou a aprovao de projetos por decurso de prazo:
projeto de lei enviado pelo presidente ao Congresso deveria ser
aprovado em 60 dias (30 dias na Cmara e 30 dias no Senado),
caso contrrio seria considerado aprovado tacitamente. Fixou
a suspenso de garantias de vitaliciedade dos magistrados e
estabilidade dos servidores pblicos por seis meses. Tambm
A efetiva realizao de oposio era, entretanto, muito dificultada pelas
constantes alteraes na legislao, especialmente relativa matria eleitoral.
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
52
1965
1966 AI-3
AI-2
autorizou o Comando Supremo da Revoluo a cassar mandatos
em qualquer nvel e suspender direitos polticos pelo prazo de dez
anos, vedada a apreciao judicial. O AI n 1 teve vigncia at 31
de janeiro de 1966.
O Ato Institucional n 2, de 17 de outubro de 1965,
disciplinou as formas de emenda Constituio. Manteve
a aprovao por decurso de prazo, dilatando para 45 dias
os prazos para os projetos serem aprovados na Cmara e
Senado. Estabeleceu definitivamente a eleio indireta para
presidente e vice-presidente da Repblica, que deveria ocorrer
em votao nominal. Tambm estabeleceu a extino dos
partidos polticos existentes e o cancelamento dos respectivos
registros para a organizao de novos partidos, devendo ser
obedecidas as determinaes da Lei n 4.740/1965. Permitiu
decretar recesso parlamentar (em todos os nveis) em estado
de stio ou fora dele, ficando o Poder Executivo responsvel
por legislar sobre todas as matrias previstas na Constituio
ou nas leis orgnicas durante o tempo que durasse o recesso.
O AI n 2 teve vigncia at 15 de maro de 1967.
O Ato Institucional n 3, de 5 de fevereiro de 1966,
estabeleceu que os governadores fossem eleitos indiretamente
pelas assembleias legislativas estaduais e que eles nomeassem os
prefeitos das capitais, aps aprovao das respectivas assembleias
legislativas. Sendo assim, apenas nas cidades que no fossem
capitais os prefeitos seriam eleitos diretamente. No determinou
limite de vigncia como os atos institucionais anteriores.
53
O Ato Institucional n 4, de 7 de dezembro de 1966,
determinou a convocao do Congresso Nacional, que havia
sido fechado, para votar e promulgar a nova Constituio.
Embora o 1 do primeiro artigo fale em discusso, votao
e promulgao, a inteno era mesmo aprovar a Constituio
sem muitas discusses. o que dispe o art. 8 ao afirmar
que a Constituio ser promulgada em 24 de janeiro, tendo
sido apresentadas e aprovadas emendas ou tendo sido
apresentadas e reprovadas ou se no tiver sido encerrada a
votao at dia 21 de janeiro.
O Ato Institucional n 5, de 13 de dezembro de 1968,
significou o ponto alto da severidade no Regime Militar.
Determinou a possibilidade de o presidente da Repblica decretar
o recesso parlamentar, s voltando o Congresso a funcionar
quando convocado pelo prprio presidente da Repblica.
Manteve a possibilidade da cassao de direitos polticos e
de mandatos por at 10 anos. Quem tivesse sido alvo dessas
cassaes, alm de no exercer seus direitos polticos, poderia
ter liberdade vigiada, ser proibido de frequentar determinados
lugares, e possuir domiclio determinado. Suspendeu a garantia
do habeas corpus para os acusados de crimes contra a segurana
nacional e das infraes contra a ordem econmica e a economia
popular. Alm disso, excluiu a apreciao judicial de todos os
atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus atos
complementares, bem como os respectivos efeitos.
1966
1968
AI-4
AI-5
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
54
O Ato Institucional n 14, de 5 de setembro de 1969,
alterou a Constituio de 1967 para possibilitar a pena de
morte para os casos de guerra externa, psicolgica adversa ou
revolucionria ou subversiva.
A Lei n 4.740, de 15 de julho de 1965, tambm
conhecida como Lei Orgnica dos Partidos Polticos,
regulamentou diversos aspectos relativos ao registro e
funcionamento dos partidos polticos. A personalidade jurdica
do partido era de direito pblico interno, a ser adquirida por
meio de registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral, ficando
vedada a existncia de qualquer entidade com fim poltico
ou eleitoral que no fosse um partido registrado. Limitou a
participao nos quadros dos partidos aos brasileiros que
estivessem no exerccio de seus direitos polticos. A ingerncia
nas atividades partidrias era tamanha que a lei normatizava
a estrutura dos rgos internos, as condies para a expulso
dos filiados e, inclusive, a forma de eleio dos diretrios (voto
direto e secreto).
Quinta sede do TSE. Praa dos Tribunais Superiores, de 1971 a 2012.
Foto
: Nel
son
Jr. F
onte
: Asi
cs/T
SE
1969
1965
AI-14
Lei Orgnica dos Partidos Polticos
55
Abertura lenta e gradual
Os militares no eram um grupo homogneo, havendo tendncias diferentes
dentro da corporao. Com a posse do Presidente Geisel, em 1974, foi iniciada a
distenso poltica definida como lenta, gradual e segura. Esse processo de abertura
foi cheio de idas e vindas.
Havia um embate entre os segmentos sociais de oposio, que vinham se
unificando na luta contra as arbitrariedades do regime, e a linha dura dos militares que
no queriam a abertura. A meio caminho estava o Presidente Geisel que planejava a
distenso poltica, sem a imediata tomada do poder pela oposio.
Para atingir essa abertura gradual, foram tomadas algumas medidas:
Fim do AI-5
Fim da censura prvia
Restabelecimento do habeas corpus para crimes polticos
Atenuao da Lei de Segurana Nacional
Permisso da volta de 120 exilados polticos
Essas medidas de abertura, aliadas vitria da oposio nas eleies para
governador em 1982 e ao prprio esgotamento do Regime Militar culminaram na
eleio, em 1985, do primeiro presidente civil desde 1964. O prximo texto conta
como ocorreu o processo de transio para a democracia. Antes de chegarmos a ele,
explore as leis do perodo por meio do infogrfico a seguir.
A Lei n 6.339, de 1 de julho de 1976, barrou o acesso
dos candidatos ao rdio e televiso. Os partidos s poderiam
apresentar o nome, nmero, currculo dos candidatos e uma
fotografia, no caso da TV.
1976 LeiFalco
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
56
A Emenda Constitucional n 11, de 13 de outubro de
1978, foi responsvel pela revogao do AI-5, ficando proibido o
Executivo de determinar recesso parlamentar, cassar mandatos,
demitir servidores pblicos e privar os cidados dos direitos
polticos. Restaurou em sua plenitude o direito a manejar habeas
corpus e representou um abrandamento das restries impostas
pelo regime. Apesar disso, criou a figura das salvaguardas, pelas
quais o Poder Executivo poderia decretar estado de emergncia
e tomar medidas para restabelecer a paz e a ordem em locais
atingidos por calamidades e fortes perturbaes.
O pacote foi um conjunto de medidas baixadas em abril
de 1977 depois de Geisel ter fechado o Congresso por no
ter conseguido aprovar algumas alteraes constitucionais.
Dentre elas, estava a criao do senador binico com objetivo
de impedir que o MDB conseguisse ter maioria no Senado.
Os senadores binicos foram eleitos indiretamente por um
colgio eleitoral composto de forma a dificultar a vitria da
oposio. Alm disso, o critrio de representao foi alterado,
fazendo com que os estados do nordeste elegessem maior
nmero de deputados do que os do centro-sul. Tambm
estendeu as restries da Lei Falco s eleies para os
legislativos Municipal e Estadual, alterando o mandato do
presidente de cinco para seis anos.
1978
1977
Emenda Constitucional n 11
Pacote de Abril
57
A Lei n 6.767, de 20 de dezembro de 1979, modificou
a LOPP anterior (Lei n 5.682 de 21.7.1971). Extinguiu o MDB
e a Arena, e permitiu o surgimento de novos partidos, que
deveriam incluir a palavra partido em suas denominaes. A
designao de partido no poderia ser utilizada com base em
crenas religiosas ou sentimentos de raa ou classe. Tambm
prescreveu os requisitos para a formao desses partidos,
bem como regulou as estruturas internas de funcionamento.
1979 Lei Orgnica dos Partidos Polticos
Rep
blic
a
Informaes adicionais
(A) Direitos sociais: os militares foram responsveis pela universalizao da
previdncia social por meio da criao, em 1971, do Fundo de Assistncia Rural
(Funrural). A partir dessa data, os trabalhadores rurais passaram a ter direito
a aposentadoria, penso e assistncia mdica. Embora os valores pagos pela
previdncia no fossem altos, eram iguais ou maiores aos recebidos pelo trabalho
no campo. Alm disso, foram incorporadas duas categorias profissionais
previdncia: empregadas domsticas e trabalhadores autnomos. Sem dvida,
a universalizao da previdncia representou importante avano para incluso
social de grupos que, at ento, no recebiam ateno do Estado. Por outro
lado, registram-se limitaes a alguns direitos, como a proibio de greves e a
possibilidade de interveno nos sindicatos.
(B) Direitos civis: por meio de uma ordem jurdica instalada durante todo o
perodo do Regime Militar os atos do governo foram revestidos de aspecto legal,
por meio dos atos institucionais , muitas garantias civis foram violadas, dentre
as quais: liberdade de expresso, limitao ao direito de ir e vir, e direito ampla
defesa e ao contraditrio.
(C) Direitos polticos: a realizao de eleies como mtodo para escolha dos
governantes e representantes no exclusividade da democracia, tendo ocorrido
em regimes autoritrios. Sendo assim, as eleies ocorridas durante o Regime
Militar no devem significar o pleno exerccio dos direitos polticos, j que muitos
deles foram cerceados, dentre os quais o de votar e ser votado; o de reunir-se;
o de manifestar livremente o pensamento; e o de organizar partidos polticos.
Tr ibunal Super ior E le i tora l
58
(D) Hipteses legais: no perodo do Regime Militar, conviveram eleies diretas
e indiretas. A escolha do presidente da Repblica e governadores dos estados era
realizada pelos membros do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas, com
votao aberta. Eram diretas as eleies para o Legislativo Federal, Estadual e Municipal.
As eleies tambm eram diretas para a escolha dos prefeitos, exceto na capital dos
estados e nas cidades consideradas de segurana nacional. Para conhecer a cronologia
eleitoral no perodo, acesse http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores e clique
em Cronologia das eleies.
(E) Laboratrio eleitoral: essa noo de laboratrio eleitoral reflete uma ideia, h
muito presente no pensamento poltico brasileiro, segundo a qual a cidadania algo
a ser ensinado a uma populao ainda despreparada que s poder exerc-la ao final
da sua jornada de alfabetizao cidad. Com isso no se quer afirmar que o objetivo
final dos militares tenha sido o de preparar a populao para a democracia, mas sim
que o perodo entre 1964 e 1985 foi marcado pela ideologia de que o povo no estaria
preparado para o pleno exerccio dos direitos polticos, como se a aprendizagem da
cidadania pudesse, de fato, ocorrer sem prtica democrtica.
(F) Crescimento da populao: o incremento populacional no acompanhou o
aumento do contingente eleitoral. Segundo o IBGE, entre as dcadas de 1960 e 1970
a taxa mdia geomtrica de incremento anual da populao foi de 2,89% e entre
1970 e 1980 o patamar foi de 2,49%. Ver http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/
arquivos_download/populacao/1981/populacao_m_1981aeb_037.xls.
(G) Absteno: nas eleies para o Congresso Nacional a absteno foi 21% de votos
nulos/brancos em 1966 e 30% em 1970.
(H) MDB: impunha-se um dilema ao MDB: atuar politicamente ou retirar-se da cena
poltica. Ao escolher existir, ocuparia o nico espao de oposio permitida pela ordem
jurdica instituda, mas teria o inconveniente de legitimar as decises governamentais,
reforando o discurso oficial de que no existiam imposies. Se, ao contrrio, optasse
por se retirar do jogo poltico, poderia desmantelar a legitimao do governo, mas
retiraria qualquer obstculo s decises militares. Enfrentando o dilema, o MDB optou
por permanecer na cena poltica, atuando no espao a ele destinado para oferecer
alguma oposio ao regime.
59
Nova Repblica (1985 at os dias atuais)
Diretas j!
O processo da transio democrtica no fim do Regime Militar envolveu a
abertura gradual idealizada pelas elites polticas autoritrias. A transio se tornava
inevitvel medida que engrossava o nmero daqueles que pressionavam e ansiavam
pela mudana. Trs foras atuavam nesse momento: a crise no reconhecimento
da legitimidade do regime (em decorrncia da crise econmica); a eleio de
governadores oposicionistas em 1982; e a maior manifestao de massas no Brasil:
as campanhas pelas Diretas.
Diretas J! foi um movimento em favor de eleio direta para o cargo de
presidente. Foram feitas manifestaes pblicas (comcios e passeatas) em vrias
cidades brasileiras ao longo do ano de 1983 e 1984, que mobilizaram mais de 5
milhes de pessoas.
Um dos objetivos pontuais era pressionar a aprovao da Emenda Dante de
Oliveira pelo Congresso. A emenda acabou sendo refutada em abril de 1984, mas o
impacto se fez sentir. Em 1985 Tancredo Neves, candidato do partido de oposio
ao governo, foi eleito com a ajuda de desertores do partido governista. Isso acabou
ocasionando um processo de denncia de infidelidade partidria(A) junto ao TSE,
que a julgou improcedente.
A situao poltica era tensa e Tancredo escondia estar doente. Temia que
oportunistas e militares linhas-duras no passassem o poder ao vice que havia sido
eleito. Na vspera da posse, a doena se torna insuportvel e Tancredo internado.
Isso gerou a primeira crise constitucional aps o Regime Militar: estando o presidente
eleito, mas no empossado, quem o substituiria? O vice, Jos Sarney, ou o presidente
da Cmara, Ulysses Guimares?
A soluo foi encontrada em Sarney, que era dissidente do partido governista,
e assumiu a Presidncia no momento da transio democrtica.
Rep
blic
a
Tr ibunal Super ior E le i tora l
60
Durao do mandato presidencial
A durao do mandato presidencial j passou por muitas variaes desde que
o cargo foi criado. Considerando somente o perodo mais recente, ele foi definido
em quatro anos na Constituio de 1967 (Art. 77, 3). Essa durao se manteve at
1977, quando a Emenda Constitucional n 8 (de 14.4.1977) alterou para seis anos o
tempo de permanncia do presidente no cargo.
Sarney foi eleito em 1985 e durante seu mandato foi promulgada a nova
Constituio, que estabeleceu o perodo de cinco anos para os prximos mandatos.1
Entretanto, apenas o governo de Collor-Itamar durou cinco anos, pois em 1994 a
Emenda Constitucional de Reviso n 5 alterou para quatro anos a durao do mandato
presidencial, tendo sido autorizada a reeleio em 1997 pela Emenda Constitucional
n 16. De modo que o governo dos presidentes posteriores (FHC e Lula) durou oito
anos cada, devido reeleio de ambos.
Constituinte de 1988
Uma constituio o documento fundador de uma comunidade poltica
dentro do Estado de direito. O seu texto abrange a regulao da autoridade pblica,
a proposio de instituies com a finalidade de bem organizar a sociedade e tudo
o mais que for considerado relevante constar nesse documento. Nesse sentido, a
Constituio desponta como um projeto poltico da sociedade e reflete o conflito de
valores e poderes que caracteriza esta.
Foi para formular uma nova espinha dorsal para a Repblica Federativa do Brasil
que a Assembleia Nacional Constituinte comeou a se reunir em 1 de fevereiro de
1987. O Brasil vivia, sob a Presidncia de Sarney, um perodo de transio formal para
um Estado democrtico que no se sabia como seria.
1 De fato, o mandato de Sarney durou 6 anos conforme previa o art. 4 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias.
61
Ela ficou conhecida como a Constituio Cidad, pelo fato de ampliar o rol dos
direitos sociais e polticos. Assegurou a liberdade de expresso, de reunio, garantiu
o direito privacidade, inviolabilidade do domiclio e da correspondncia, proibiu a
priso sem deciso judicial: tudo isso em contraponto a prticas do regime anterior,
das quais se buscava o distanciamento.
Entre as alteraes que a Constituio trouxe figuram o reconhecimento da existncia
de direitos e deveres coletivos, alm dos individuais; a equiparao dos filhos, vedada
qualquer discriminao; a diminuio da idade para a faculdade do voto; a permisso de
voto ao analfabeto; a reduo da jornada de trabalho e a afirmao de muitos outros direitos
trabalhistas.
Promulgada em 5 de outubro de 1988, ela previu um plebiscito para a definio da
forma e sistema de governo. A populao foi consultada em 21 de abril de 1993 para decidir
entre Repblica e Monarquia, e entre presidencialismo e parlamentarismo. O resultado fixou