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A PSICANÁLISE E O EDUCADOR RELAÇÃO E POSSIBILIDADES Maria Cristina Vitoria Tavares Bertinetti 1 Instituto Superior de Educação e Teologia [email protected] RESUMO Este artigo é um esboço de pesquisa e leituras de alguns textos sobre a importância da psicanálise na educação, no tocante aos subsídios que pode fornecer aos educadores, para entender melhor o desenvolvimento humano, no seu fazer profissional. Situar historicamente a sua importância e trajetória junto à educação, tendo como objetivo entender o conhecimento psicanalítico e a relação que pode ter com a educação. A psicanálise nos apresenta bases de tratamento e o funcionamento humano em termos de estudo do comportamento, na busca de mediar diversas situações de conflito, ligadas à família, à escola e a sociedade. Nesta pesquisa bibliográfica, observam-se através dos relatos de alguns estudos de casos, as relações importantes que podem advir entre a psicanálise e a educação, na administração dos problemas que surgem na escola e que podem ter origem familiar, social, política, econômica e cultural. O presente trabalho se sustenta em algumas contribuições teóricas de Freud, Vygotsky e Piaget, os quais abordam a relação de conhecimento educacional e psicanalítico, sob os aspectos emocional e mental, tendo em vista que o ser humano é em sua essência razão e emoção. No decurso deste estudo deduziu-se que a educação estando articulada com a psicanálise, tem melhores chances de superar muitas situações de conflito que acontecem nas escolas, caminhando assim para uma educação mais promissora para todos. Palavraschave: Psicanálise. Educação. Conflito. Desenvolvimento Humano. 1 Mestranda do INSET, em Psicanálise, Educação e Sociedade. Graduada em Ciências Contábeis, Ciências Naturais e Matemática: Matemática e em Pedagogia e pós-graduada em Didática do Ensino Superior. Professora efetiva da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso/SEDUC/MT e exerce atualmente a função de professora formadora no CEFAPRO de Matupá.

A psicanalise e o educador

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Page 1: A psicanalise e o educador

A PSICANÁLISE E O EDUCADOR – RELAÇÃO E POSSIBILIDADES

Maria Cristina Vitoria Tavares Bertinetti1

Instituto Superior de Educação e Teologia

[email protected]

RESUMO

Este artigo é um esboço de pesquisa e leituras de alguns textos sobre a importância da

psicanálise na educação, no tocante aos subsídios que pode fornecer aos educadores, para

entender melhor o desenvolvimento humano, no seu fazer profissional. Situar historicamente

a sua importância e trajetória junto à educação, tendo como objetivo entender o conhecimento

psicanalítico e a relação que pode ter com a educação. A psicanálise nos apresenta bases de

tratamento e o funcionamento humano em termos de estudo do comportamento, na busca de

mediar diversas situações de conflito, ligadas à família, à escola e a sociedade. Nesta pesquisa

bibliográfica, observam-se através dos relatos de alguns estudos de casos, as relações

importantes que podem advir entre a psicanálise e a educação, na administração dos

problemas que surgem na escola e que podem ter origem familiar, social, política, econômica

e cultural. O presente trabalho se sustenta em algumas contribuições teóricas de Freud,

Vygotsky e Piaget, os quais abordam a relação de conhecimento educacional e psicanalítico,

sob os aspectos emocional e mental, tendo em vista que o ser humano é em sua essência razão

e emoção. No decurso deste estudo deduziu-se que a educação estando articulada com a

psicanálise, tem melhores chances de superar muitas situações de conflito que acontecem nas

escolas, caminhando assim para uma educação mais promissora para todos.

Palavras–chave: Psicanálise. Educação. Conflito. Desenvolvimento Humano.

1 Mestranda do INSET, em Psicanálise, Educação e Sociedade. Graduada em Ciências Contábeis, Ciências

Naturais e Matemática: Matemática e em Pedagogia e pós-graduada em Didática do Ensino Superior. Professora

efetiva da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso/SEDUC/MT e exerce atualmente a função de

professora formadora no CEFAPRO de Matupá.

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1 INTRODUÇÃO

Qual a importância da Psicanalise para o educador? Que diferença pode fazer, quanto

a sua postura profissional? Para responder estas perguntas precisamos entender a relação que

a Psicanálise e a educação podem desenvolver, e para isso, necessariamente olhamos a obra

de Sigmund Freud (1856-1939) grande nome da psicanálise, que foi o responsável pela

revolução no estudo da mente humana, ele instituiu uma nova teoria onde estabelecia que as

pessoas que ficavam com a mente doente eram aquelas que não colocavam seus

sentimentos para fora.

A partir de sua teoria, este grande psicanalista resolveu tratar seus casos através da

interpretação dos sonhos dos seus pacientes e também através do método da associação livre. Com

este método ele era capaz de desvendar os sentimentos “reprimidos", ou seja, aqueles

sentimentos que seus pacientes guardavam somente para si, dessa forma ele conseguiu curar

muitas doenças mentais. Sua obra no principio estava focada na terapia das doenças

emocionais, mas influenciou deveras varias áreas, sendo uma delas a pedagogia,

concomitantemente a educação. A psicanálise trouxe novas formas de ver o homem, a cultura

e o mundo. Trouxe também, a possibilidade do ser humano mudar partindo do entendimento

do seu passado, para dar uma significação a suas memórias e através disso, poder transformar

o presente com mais confiança no futuro.

Segundo Freud2 os estudos psicanalíticos devem direcionar-se mais em auxiliar o

educador na difícil tarefa de educar, missão quase impossível de ser realizada plenamente,

pois o ser humano vive numa constante luta entre suas forças internas e externas. A ação de

educar deve trabalhar o sujeito como autor de mudança, integrado a sociedade e não adaptá-

lo, pois comprometeria assim a sua subjetividade. Isso mostra a difícil que uma das tarefas do

educador é proporcionar situações que possibilitem ao educando a busca do equilíbrio entre

id, ego e superego, para que haja uma aprendizagem significativa.

A importância da criação de laços afetivos na relação professor-aluno influencia

deveras a sua aprendizagem, contribuindo para o seu desenvolvimento e para a sua

autonomia, que hoje a educação oferecida na escola não corrobora.

Outra grande contribuição da psicanalise à educação é proporcionar um

conhecimento melhor das características de quem é esse jovem, adolescente, criança de hoje,

2 Fuck, 1994, p.14-15

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que frequenta os bancos escolares e vem de uma multiplicidade cultural, carregando uma

diversificada carga de experiências passadas.

Muitas vezes o educador que precisa desenvolver o papel de mediador de

aprendizagens e conflitos inerentes à interação entre os seres humanos, está despreparado

principalmente no tocante à parte de resolver relações conflituosas que surgem a partir das

ligações afetivas, carências e demandas, que na escola tem um campo profícuo para sua

expressão nas relações interpessoais que ali se desenvolvem.

A pedagogia sendo a ciência que tem por objeto de estudo a educação, também

estuda o desenvolvimento humano3, na interação entre a biologia da espécie e a cultura, não

tem como objeto de estudo direto, o desenvolvimento da mente e das emoções, área de estudo

da psicanalise que vem trilhando um longo caminho e expondo como se dá esse

desenvolvimento tanto mental como emocional do ser humano, podendo, a partir desse

conhecimento, dar um sentido e direção ao trabalho pedagógico dos profissionais da educação

na escola, onde se defende não ser mais um lugar de transmissão de conhecimento, mas

também um espaço de interação e crescimento onde os alunos vivenciam suas experiências,

sensações e emoções.

Na psicanalise, entre outros representantes, temos Freud e na educação, dois

estudiosos do desenvolvimento cognitivo do ser humano, que são Piaget e Vygotsky, o

primeiro afirma em sua obra4, o homem é um ser essencialmente social, impossível, portanto

de ser pensado fora do contexto da sociedade em que nasce e vive. Vygotsky tem como um

dos seus pressupostos básicos a ideia de que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua

relação com o outro social. A cultura torna-se parte da natureza humana num processo

histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do individuo, molda o

funcionamento psicológico do homem.

A partir destes estudiosos, o objetivo deste estudo é investigar a importância da

Psicanalise para o educador e, mais amplamente para a educação, visto que o objeto de seu

estudo é o desenvolvimento graduado das capacidades psicológicas e intelectuais do ser

humano.

Os procedimentos metodológicos caracterizam uma abordagem mais abrangente com

a finalidade de confirmar a importância da psicanálise na educação, segundo as teorias dos

3 LIMA, Elvira de Souza. Desenvolvimento Cultural do Professor. São Paulo: Editora Inter Alia, 2007.

4 PIAGET, Jean. Biologie et Connaissance apud LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon:

Teorias Psicogenéticas em Discussão. São Paulo: Summus, 1992.

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autores anteriormente citados. No intuito de aprofundar o tema, também foram consultados

vários artigos e livros que abordam assuntos referentes a psicanálise na educação.

1.1 Psicanálise, educação, um recorte sobre Freud, Vygotsky, Piaget e Dupas

A psicanálise está alicerçada num movimento de oscilação entre os conflitos e a

intermediação através de várias situações, neste estudo, com relatos de casos relativos a

situações vivenciadas e problemas ligados a família, a escola e ao comportamento humano

nas relações que desenvolvem entre si. Segundo Dupas5, os estímulos tanto internos como

externos que afetam a criança e nesta mistura de sentimentos – amor, ódio, ciúme, inveja,

agressão, etc. - que há na família ou na escola, precisam ser trabalhados e percebe-se que estes

sentimentos devem ser tratados de uma forma coerente e que favoreça o desenvolvimento do

ser humano. Nesta parte a autora nos proporciona uma reflexão através de situações ou

estudos de casos onde e como os instrumentos da Psicanálise podem ser utilizados pela

Educação.

A autora tem como fundamento a concepção de ser humano, como ser ambíguo, em

sua essência, natural e na sua formação como ser social. Seus estudos se baseiam em Freud

quando cita que a escola está no centro entre o individuo e a cultura, contrariando a ideia de

que a civilização se constitui em objeto de interesse humano, e nos aponta que as condutas

humanas são determinadas por forças muito poderosas que podem ser destrutivas, antissociais

e anticulturais, em permanente conflito entre o ser que aspira algo e o ser cultural.

O desenvolvimento psicológico das funções superiores na infância é a percepção,

memória, pensamento, imaginação e a vontade. Nas concepções de Vygotsky6 “o substrato

biológico do funcionamento psicológico evidenciam a forte ligação entre os processos

psicológicos humanos e a inserção do individuo num contexto sócio histórico especifico”. Ela

se dá no contexto dos relacionamentos entre os adultos e as crianças, na convivência

cotidiana, nas brincadeiras compartilhadas, nos bate-papos e entre outros. A utilização da

linguagem ajuda na progressão da abstração e generalização. Vygotsky7 (1998) pensa na

existência de diferentes processos simultaneamente. A criança se aprofunda num universo

5 DUPAS, Margarida Azevedo. Psicanálise e educação - Construção do vínculo e desenvolvimento do

pensamento. Araraquara, São Paulo: Unesp FcL, 2008. 6 OLIVEIRA, Marta Kohl. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão. São Paulo:

Summus, 1992. 7 VYGOTSKY, Lev. O desenvolvimento psicológico na infância. Tradução: Claudia Berlinar. – São

Paulo: Martins Fontes, 1998.

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simbólico e na linguagem desde que nasce se familiarizando aos poucos nesse universo em

que se insere.

Dupas (2008) nos diz que há muitos distúrbios decorrentes do ambiente e que

interferem no desenvolvimento de uma criança que o externa através de reações que nossa

cultura não aceita como corretas, como roubo, mentira, rebeldia, apetite voraz ou sua

ausência, dificuldade na aprendizagem, atos perversos e cruéis. Essas ações são

desencadeadas pela criança ou individuo para chamar a atenção. A criança que apresenta

esses sintomas e se encontra nessa situação está sendo privada de algo e usa destes artifícios

para reclamar e apontar buscando através destas reações egocêntricas esse algo que deseja.

É importante que o adulto, muitas vezes, o educador, que está diretamente ligado a

esta criança em formação tenha o conhecimento e a atenção para estas ocasiões que

acontecem e para as bases que a psicanalise pode lhe trazer. A criança é dependente para

sobreviver e um ambiente sólido, agradável onde à criança sente-se constantemente acolhida

contribui para lhe proporcionar um desenvolvimento salutar. Essa situação lhe proverá

melhores condições para enfrentar suas angústias, seus conflitos e administrará isso muito

bem de acordo com as situações problemas que vão acontecendo na sua trajetória de vida.

Escreve Piaget, o homem normal não é social da mesma maneira aos seis meses ou aos

vinte anos de idade, e, por conseguinte, não pode ser da mesma qualidade nesses dois

diferentes níveis. Portanto, o educador deve estar preparado e conhecer os processos do

desenvolvimento mental, cognitivo e das emoções, para poder lidar melhor com esse ser

humano em construção.

Na adolescência, talvez, o período mais melindroso, o indivíduo ainda não é adulto, e

já superou a fase de criança, numa idade instável muitas vezes inconsequente, eles se julgam

capazes de administrar seus problemas, buscando a sua identidade. Este período impulsivo e

instável é necessário para se firmarem e caminharem para a maturidade. Os atores que fazem

parte de seu convívio precisam ter conhecimento de como ocorrem psicologicamente essas

mudanças, para fazerem o que Vygotsky chama de mediação.

Quando essa mediação, esse entendimento, sobre todo esse processo, falha, acarretará

em reflexos comportamentais e atitudes desajustadas que são demonstradas com os colegas,

professores, familiares. Portanto, a escola, e o educador, também têm um papel importante na

construção dos indivíduos e a psicanalise pode ajuda-los a lidar melhor com essas situações

que são cotidianas.

Isso se reflete também nos escritos de Dupas (2008), que referenciam aos professores

que por desconhecimento dessas bases teóricas, que eles deveriam ter uma formação mais

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psicológica para compreender o comportamento dos alunos, pois esse comportamento é a base

para um trabalho de boa qualidade. Através dessa menção se percebe a importância da

formação docente e a responsabilidade deste profissional na recuperação da confiança, das

oportunidades igualitárias e do sucesso escolar para todos, respeitando as diversidades e as

qualidades particulares do indivíduo.

A psicanálise e a formação continuada do educador são caminhos citados na relação

da escola, com o educando e com as famílias. É preciso estabelecer relações e o educador

precisa estar preparado para mediar parte da trajetória da criança. O educador é um ser,

supõem-se, já formado, pensante e com maturidade, por isso deveria estar apto para

intermediar todo esse processo, mas na maioria das vezes desconhece essas bases

psicanalíticas que podem lhes dar sustentação.

Conclusão

Ao concluir este artigo, percebe-se que a psicanalise é forte aliada da educação, se

estiver presente na formação dos professores, pois pode dar-lhes sustentação e base nas

relações que permeiam a vida escolar.

Na Educação tanto quanto na Psicanálise o objeto de estudo e interesse é o ser

humano. A primeira constitui um elo essencial no desenvolvimento da sociedade, pois é

através da educação escolar que se têm contato com os conhecimentos construídos

historicamente e a segunda como um método ou modelo terapêutico, pode dar suporte para

que as ações pedagógicas contribuam na formação de um sujeito equilibrado, com condições

de desenvolver todo o seu potencial, favorecido pelas ações docentes que lhe dão condições

de apreender.

Portanto, os educadores devem conhecer os processos que permeiam a formação

psíquica da criança, do adolescente e do jovem, suas implicações, as relações que se

desenvolvem nos diversos ambientes que transitam, pois assim, melhor instrumentalizados,

esses profissionais, podem promover a mediação nos processos de aprendizagem e contribuir

na formação equilibrada desse ser social.

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Referências:

DUPAS, Margarida Azevedo. Psicanálise e educação - Construção do vínculo e

desenvolvimento do pensamento. Araraquara, São Paulo: Unesp FcL, 2008.

FREUD, S. Além do princípio do prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1920/1969.

________. O Humor. In: Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.

1927/1996.

FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas para o Trabalho Científico: Explicitação

das Normas da ABNT. 15ª Ed. Porto Alegre: 2010.

LAKATOS, Eva. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa

bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos/ Maria de A.

LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão. São

Paulo: Summus, 1992.

LIMA, Elvira de Souza. Desenvolvimento Cultural do Professor. São Paulo: Editora Inter

Alia, 2007.

VIGOTSKY, Lev S. Pensamento e Linguagem. 4ª ed. – São Paulo: Martins Fontes. 2008.

___________ .O desenvolvimento psicológico na infância. Tradução: Claudia Berlinar. – São

Paulo: Martins Fontes, 1998.