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Cultura Língua e Comunicação Manuel Pinto e Clotilde Monteiro Biografia de José Saramago José Saramago nasceu na vila de Azinhaga, no concelho da Golegã, de uma família de pais e avós agricultores. A sua vida é passada grande parte em Lisboa, para onde a família se muda em 1924 era um menino de apenas dois anos de idade. Dificuldades económicas impedem-no de entrar na universidade. Demonstra desde cedo interesse pelos estudos e pela cultura, sendo que esta curiosidade perante o Mundo o acompanhou até à morte. Formou-se numa escola técnica. O seu primeiro emprego foi de serralheiro mecânico. Fascinado pelos livros, visitava, à noite, com grande frequência, a Biblioteca Municipal Central Palácio Galveias. Aos 25 anos, publica o primeiro romance Terra do Pecado (1947), no mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante, fruto do primeiro casamento com Ilda Reis com quem se casou em 1944 e com quem permaneceu até 1970. Nessa época, Saramago era funcionário público. Em 1988, casar-se-ia com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que conheceu em 1986 e ao lado da qual viveu até à morte. Depois de Terra do Pecado, Saramago apresentou ao seu editor o livro Clarabóia que, depois de rejeitado, permanece inédito até à data de hoje. Persiste, contudo, nos esforços literários e, dezanove anos depois, funcionário, então, da Editorial Estudos Cor, troca a prosa pela poesia, lançando Os Poemas Possíveis. Num espaço de cinco anos, pública, sem alarde, mais dois livros de poesia: Provavelmente Alegria (1970) e O Ano de 1993 (1975). É quando troca também de emprego, abandonando a Estudos Cor para trabalhar no Diário de Notícias (DN) e, depois, no Diário de Lisboa. Em 1975, retorna ao DN como Director-Adjunto, onde permanece por dez meses, até 25 de Novembro do mesmo ano, quando os militares portugueses intervêm na publicação (reagindo ao que consideravam os excessos da Revolução dos Cravos) demitindo vários funcionários. É, hoje, controverso o modo ditatorial como saneou jornalistas do DN. Demitido, Saramago resolve dedicar-se apenas à literatura, substituindo de vez o jornalista pelo ficcionista. Da experiência vivida nos jornais, restaram quatro crónicas: Deste Mundo e do Outro, 1971, A Bagagem do Viajante, 1973, As Opiniões que o DL Teve,

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Cultura Língua e Comunicação

Manuel Pinto e Clotilde Monteiro

Biografia de José Saramago

José Saramago nasceu na vila de

Azinhaga, no concelho da Golegã, de uma

família de pais e avós agricultores. A sua vida

é passada grande parte em Lisboa, para onde

a família se muda em 1924 – era um menino

de apenas dois anos de idade. Dificuldades

económicas impedem-no de entrar na

universidade. Demonstra desde cedo

interesse pelos estudos e pela cultura, sendo

que esta curiosidade perante o Mundo o

acompanhou até à morte. Formou-se numa

escola técnica. O seu primeiro emprego foi de

serralheiro mecânico. Fascinado pelos livros,

visitava, à noite, com grande frequência, a

Biblioteca Municipal Central — Palácio Galveias.

Aos 25 anos, publica o primeiro romance Terra do Pecado (1947), no

mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante, fruto do primeiro casamento

com Ilda Reis – com quem se casou em 1944 e com quem permaneceu até

1970. Nessa época, Saramago era funcionário público. Em 1988, casar-se-ia

com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que

conheceu em 1986 e ao lado da qual viveu até à morte.

Depois de Terra do Pecado, Saramago apresentou ao seu editor o livro

Clarabóia que, depois de rejeitado, permanece inédito até à data de hoje.

Persiste, contudo, nos esforços literários e, dezanove anos depois, funcionário,

então, da Editorial Estudos Cor, troca a prosa pela poesia, lançando Os

Poemas Possíveis. Num espaço de cinco anos, pública, sem alarde, mais dois

livros de poesia: Provavelmente Alegria (1970) e O Ano de 1993 (1975). É

quando troca também de emprego, abandonando a Estudos Cor para trabalhar

no Diário de Notícias (DN) e, depois, no Diário de Lisboa. Em 1975, retorna ao

DN como Director-Adjunto, onde permanece por dez meses, até 25 de

Novembro do mesmo ano, quando os militares portugueses intervêm na

publicação (reagindo ao que consideravam os excessos da Revolução dos

Cravos) demitindo vários funcionários. É, hoje, controverso o modo ditatorial

como saneou jornalistas do DN. Demitido, Saramago resolve dedicar-se

apenas à literatura, substituindo de vez o jornalista pelo ficcionista.

Da experiência vivida nos jornais, restaram quatro crónicas: Deste Mundo e

do Outro, 1971, A Bagagem do Viajante, 1973, As Opiniões que o DL Teve,

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1974 e Os Apontamentos, 1976. Mas não são as crónicas, nem os contos, nem

o teatro o responsável por fazer de Saramago um dos autores portugueses de

maior destaque - esta missão está reservada aos seus romances, género a que

retorna em 1977.

Três décadas depois de publicado Terra do Pecado, Saramago retornou ao

mundo da prosa ficcional com Manual de Pintura e Caligrafia. Mas ainda não

foi aí que o autor definiu o seu estilo. As marcas características do estilo

Saramaguiano só apareceriam com Levantado do Chão (1980), livro no qual o

autor retrata a vida de privações da população pobre do Alentejo.

Dois anos depois de Levantado do Chão (1982), surge o romance Memorial

do Convento, livro que conquista definitivamente a atenção de leitores e

críticos. Nele, Saramago misturou factos reais com personagens inventados.

De 1980 a 1991, o autor trouxe a lume mais quatro romances que remetem

a factos da realidade material, problematizando a interpretação da "história"

oficial: O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984) - sobre as andanças do

heterónimo de Fernando Pessoa por Lisboa; A Jangada de Pedra (1986) - em

que se questiona o papel Ibérico na então CEE através da metáfora da

Península Ibérica soltando-se da Europa e encontrando o seu lugar entre a

velha Europa e a nova América; História do Cerco de Lisboa (1989) - onde um

revisor é tentado a introduzir um "não" no texto histórico que corrige, mudando-

lhe o sentido; e O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) - onde Saramago

reescreve o livro sagrado sob a óptica de um Cristo que não é Deus e se

revolta contra o seu destino e onde, a fundo, questiona o lugar de Deus, do

cristianismo, do sofrimento e da morte. (sendo esta a sua obra mais

controversa).

Nos anos seguintes, entre 1995 e 2005, Saramago publicou mais seis

romances, dando início a uma nova fase em que os enredos não se

desenrolam mais em locais ou épocas determinados e personagens dos anais

da história se ausentam: Ensaio Sobre a Cegueira (1995); Todos os Nomes

(1997); A Caverna (2001); O Homem Duplicado (2002); Ensaio Sobre a

Lucidez (2004); e As Intermitências da Morte (2005). Nessa fase, Saramago

penetrou de maneira mais investigadora os caminhos da sociedade

contemporânea, questionando a sociedade capitalista e o papel da existência

humana condenada à morte.

Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na

sua casa em Lanzarote onde residia com a mulher Pilar del Rio, vítima de

leucemia crónica. O escritor estava doente havia algum tempo e o seu estado

de saúde agravou-se na sua última semana de vida.

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O seu funeral teve Honras de Estado, tendo o seu corpo sido cremado no

Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

A Sua Obra

Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores. (…) Basta

pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os

acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às

necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e

outras não menos arriscadas acrobacias.

Obras publicadas

Romances

Terra do Pecado, 1947

Manual de Pintura e Caligrafia, 1977

Levantado do Chão, 1980

Memorial do Convento, 1982

O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984

A Jangada de Pedra, 1986

História do Cerco de Lisboa, 1989

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991

Ensaio Sobre a Cegueira, 1995

Todos os Nomes, 1997

A Caverna, 2000

O Homem Duplicado, 2002

Ensaio Sobre a Lucidez, 2004

As Intermitências da Morte, 2005

A Viagem do Elefante, 2008

Caim, 2009

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Prémios

De entre as premiações destacam-se o Prémio Camões (1995) -

distinção máxima oferecida aos escritores de língua portuguesa; o

Nobel de Literatura (1998) - o primeiro concedido a um escritor de

língua portuguesa, pela obra Memorial do Convento.

Polémicas

A carreira de Saramago foi acompanhada de diversas polémicas. As suas

opiniões pessoais sobre religião ou sobre a luta internacional contra o

terrorismo são muito discutidas e algumas resultam mesmo em acusações de

diversos quadrantes.

Entre os vários textos que escreveu nunca escondeu que acreditava na

instauração de regime socialista recorrendo à força das armas. São dele as

afirmações: ―Ou esta Revolução se suicida (...) ou se recupera pela única via

que lhe deixam aqueles que a querem liquidar‖, "a violência revolucionária é

uma legítima defesa quando está em causa a vida e o futuro de um povo

inteiro" e "O regresso aos quartéis, que alguns teimam em preconizar, nada

resolveria as Forças Armadas, tendo sido MFA no seu sector progressista, não

podem recuperar neutralidades utópicas: mais vale, portanto, que, mesmo em

conflito, continuem no primeiro plano da acção política. Mas cuidado, o tempo

não espera". Estas afirmações consistiam num apelo implícito ao golpe militar,

que poderia mergulhar o país na guerra civil. De facto, no dia seguinte à

publicação destas afirmações, 25 de Novembro de 1974, sectores da esquerda

radical levam a cabo uma tentativa de golpe de estado falhado, assinalando

também o fim da influência de Saramago no DN.

Integração de Portugal numa Federação Ibérica

Em entrevista ao jornal Diário de Notícias em 15 de Julho de 2007,

Saramago afirmou que a integração entre Espanha e Portugal é uma forte

probabilidade e que os portugueses só teriam a ganhar se Portugal fosse

integrado na Espanha, país no qual se auto-exilou (na ilha de Lanzarote) e que

viu como seu a atribuição do Nobel da Literatura.

A ida para Lanzarote conta mais sobre o escritor do que deixa transparecer

a justificativa corrente (a medida censória portuguesa). A decisão tem um

carácter revelador, tanto mais se se levar em conta que, neste caso, "mais

oriental" significa dizer mais próximo de Portugal e do continente europeu.

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O seu sentido Crítico Críticas a Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI)

Na sua passagem por Roma em 14 de Outubro de 2009, Saramago

chamou Joseph Alois Ratzinger, actualmente conhecido como Papa Bento XVI,

de "cínico", dizendo que a "insolência reaccionária" da Igreja Católica precisa

ser combatida com a "insolência da inteligência viva"

De entre as suas principais declarações, estavam a de que Ratzinger tenha

a coragem de invocar Deus para reforçar o seu neomedievalismo universal, um

Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café,

mostra apenas o absoluto cinismo intelectual" dele. Disse também que " [a]s

insolências reaccionárias da Igreja Católica precisam de ser combatidas com a

insolência da inteligência viva, do bom senso, da palavra responsável. Não

podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos

representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só têm interesse no

poder".

Afirmando ainda que a Igreja não se importa com o destino das almas e que

sempre procurou apenas controlar os seus corpos, e que o pouco compromisso

dos escritores e intelectuais poderia ser uma das causas da crise da

democracia, o escritor alertou que o fascismo está a crescer na Europa e

mostrou-se convencido de que, nos próximos anos "atacará com força". Por

isso, ressaltou, "temos que nos preparar para enfrentar o ódio e a sede de

vingança que os fascistas estão a alimentar".

Oposição da Igreja Católica

Saramago encontrou sempre fortes críticas e oposição na

Igreja Católica, que não aceita o exercício dessa liberdade

democrática de Saramago (daí o facto de ele se referir a esta

como "fascista" com frequência). Os protestantes (ou evangélicos)

já declararam publicamente apoiar a liberdade de expressão do

autor. E essa relação de tensão com a Igreja Católica é agravada

devido à origem portuguesa de Saramago, local onde o catolicismo ainda é

muito forte e discuti-lo ainda é um tabu.

A interpretação que Saramago faz da Bíblia é a de que ela é um "manual de

maus costumes", cheio de "um catálogo de crueldade e do pior da natureza

humana", e que para uma pessoa comum a decifrar, precisaria de ter "um

teólogo ao lado". E cita para sustentar isso o episódio de violência relatados na

Bíblia, como sacrifício de Isaac, a destruição de Sodoma ou a vida de Job, por

exemplo. Para Saramago, todos eles revelam que "Deus não é de fiar".. Muito

pelo contrário, ele até mesmo estimula a leitura bíblica: "Sobre o livro sagrado,

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eu costumo dizer: lê a Bíblia e perde a fé!", diz Saramago. Na verdade, ele

apenas quer ter o direito de expressar a sua opinião.

Porém, Saramago não deixa de reconhecer que a "Bíblia tem coisas

admiráveis do ponto de vista literário" e "muita coisa que vale a pena ler",

estando, entre elas, os Salmos, com páginas "belíssimas", o Cântico dos

Cânticos, e a parábola do semeador contada por Jesus.

A relação de tensão de Saramago com a Igreja Católica cresceu fortemente

após a publicação do livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" em 1991, que

foi adaptado para o teatro em 2001. O livro foi motivo de fortes críticas por

parte de católicos que se consideraram ofendidos pela leitura secular que

Saramago faz da personagem Jesus.

A Igreja Católica não gostou da atribuição do Prémio Nobel a Saramago

Romano: ―Saramago é, ideologicamente, um comunista inveterado.‖

O lançamento do livro Caim (2009) voltou a suscitar "incompreensões,

resistência, ódios velhos", conforme Saramago. "Desperto muitos anticorpos

em certas pessoas", acrescenta, acusando várias vezes responsáveis da Igreja

Católica (mas não protestantes ou judeus) de terem comentado o livro que

ainda não leram – de facto, as pessoas foram instadas a comentar as

declarações sobre a Bíblia, feitas por Saramago.

E, realmente, após o lançamento de Caim, várias vozes católicas se

insurgiram contra Saramago. Ele foi acusado (como se ele fosse um "herege",

e não um escritor) pelo padre José Tolentino Mendonça, director do

Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, de fazer uma leitura ingénua,

ideológica e manipuladora da Bíblia.

Sobre tais opiniões, Saramago, com sarcasmo, disse: "Dizem que li a Bíblia

com ingenuidade porque é necessário fazer uma interpretação simbólica, ou

seja, aquilo que ali está escrito não tem sentido por si. E levou mil anos a ser

escrito‖. Ainda sobre a alegação de "ingenuidade", respondeu: "Abençoada

ingenuidade que me permitiu ler o que lá está e não qualquer operação de

prestidigitação, dessas em que a exegese é pródiga, forçando as palavras a

dizerem apenas o que interessa à igreja. Leio e falo sobre o que leio‖.

Após a morte de Saramago, o jornal oficial do Vaticano chamou o escritor

de "populista extremista" e "ideólogo anti-religioso‖.

Perseguição religiosa de católicos a Saramago

Após ter enfrentado forte perseguição religiosa com o lançamento do livro

"O Evangelho Segundo Jesus Cristo" em 1991, o que culminou com a sua

mudança de Portugal para a Espanha pouco depois o lançamento de Caim em

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2009, mesmo em pleno século XXI, voltou a render-lhe mais perseguição

religiosa.

O poeta Manuel Alegre, sobre tais acontecimentos, declarou: "Isto é uma

história portuguesa cheia de preconceitos e fantasmas. Em primeiro lugar é

preciso ler o livro de José Saramago. Ele é um grande escritor, mas parece que

não se perdoa a Saramago, ser um grande escritor da língua portuguesa, ser

um Prémio Nobel e não ser um homem religioso". "Ele escreveu um livro, mas

não vejo ninguém discutir o livro. Só vejo discutir as opiniões que com todo o

direito ele expressou sobre a Bíblia". Conforme questiona Alegre, "As pessoas

podem não estar de acordo com aquilo que ele diz, mas como é que se pode

pôr em causa a seriedade de um homem que diz aquilo que pensa". Ele

considera tais acontecimentos como "um preconceito" e "resquícios de

dogmatismo".