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Entero b ius uermicuIaris David Pereira Neves 33 A família Oxyuridae possui várias espécies de interesse veierinário (Oxyuris equi, Heterakis gallinae etc.) e uma - Enterobius vermicularis - que ocorre no ser humano. (Na literatura existe relato de uma outra espécie - E. gregorii - cuja tendência atual é considerá-la como forma jovem de E. vermicularis). Conforme mostraremos em seguida, o nome dessa espécie foi alterado várias vezes. Foi descrito pela primeira vez por Linneu, em 1758, como Ascaris vennicularis. Rudolphi, em 1803, criou o gênero Oxyuris e Larnarck, em 1816, passou a denominá-lo Oxyuris vermicu- laris. Leach, em 1853, reestudando esse helminto verificou que ele pertencia a um gênero distinto, denominando-o Enterobius. Dessa forma, segundo as regras internacionais de nomenclatura zoológica, o nome correto desse verme é: E. vermicularis (Limeu, 1758) Leach, 1853. Em vista da denominação anterior, largamente difundida - Oxyuris vermicularis - esse helminto é popularmente conhecido como "oxiúros". O gênero Enterobius apresenta sete espécies que, são parasitos de vários macacos em diferentes regiões (Asia, Atiica, América), mas que não atingem o ser humano. A es- pécie que realmente nos interessa é o E. vermicularis, que possui distribuição geográfica mundial, mas tem incidência maior nas regiões de clima temperado. E muito comum em nosso meio, atingindo principalmente a faixa etária de 5 a 15 anos, apesar de ser encontrado em adultos também. Interessantes estudos sobre a paleoparasitologia têm in- dicado através de exames de coprólitos (fezes petriíicadas) que o E. vennicularb (e outros helmintos) parasitam o ser humano milhares de anos. Nos EUA, foram encontrados ovos em qrólitos humanos datados de 10.000anos; no Chile, foram vis- tos ovos de E. vermicularb, com datação de apmxunadamente 1.000 anos a.C., onde vivia uma população sedentária, com ati- vidades appasioris e conhecimentos de metalurgia e tecelagem. MORFOLOGIA O E. vermicularis apresenta nítido dimorfismo sexual, en- tretanto, alguns caracteres são comuns aos dois sexos: cor branca, filiformes. Na extremidade anterior, latadhente à boca, notam-se expansões vesiculosas muito típicas, chamadas "asas cefálicas". A boca é pequena, seguida de um esôfago também típico: é claviforme, terminando em um bulbo cardíaco. Os ca- racteres específicos de cada forma são os que se seguem: Mede cerca de Icm de comprimento, por 0,4mm de diâ- metro. Cauda pontiaguda e longa. A vulva abre-se na por- ção média anterior, a qual é seguida por uma curta vagina que se comunica com dois úteros; cada ramo uterino se con- tinua com o oviduto e ovário (Fig. 33.1). Fig. 33.1 - Enterobius vermicularis. A) Macho; 6) férnea repleta de ovos; C) ovo característico. Capitulo 33

Enterobius vermicularis - cap. 33

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Page 1: Enterobius vermicularis - cap. 33

Entero b ius uermicuIaris David Pereira Neves 33

A família Oxyuridae possui várias espécies de interesse veierinário (Oxyuris equi, Heterakis gallinae etc.) e uma - Enterobius vermicularis - que ocorre no ser humano. (Na literatura existe relato de uma outra espécie - E. gregorii - cuja tendência atual é considerá-la como forma jovem de E. vermicularis). Conforme mostraremos em seguida, o nome dessa espécie foi alterado várias vezes. Foi descrito pela primeira vez por Linneu, em 1758, como Ascaris vennicularis. Rudolphi, em 1803, criou o gênero Oxyuris e Larnarck, em 18 16, passou a denominá-lo Oxyuris vermicu- laris. Leach, em 1853, reestudando esse helminto verificou que ele pertencia a um gênero distinto, denominando-o Enterobius. Dessa forma, segundo as regras internacionais de nomenclatura zoológica, o nome correto desse verme é: E. vermicularis (Limeu, 1758) Leach, 1853.

Em vista da denominação anterior, largamente difundida - Oxyuris vermicularis - esse helminto é popularmente conhecido como "oxiúros".

O gênero Enterobius apresenta sete espécies que, são parasitos de vários macacos em diferentes regiões (Asia, Atiica, América), mas que não atingem o ser humano. A es- pécie que realmente nos interessa é o E. vermicularis, que possui distribuição geográfica mundial, mas tem incidência maior nas regiões de clima temperado. E muito comum em nosso meio, atingindo principalmente a faixa etária de 5 a 15 anos, apesar de ser encontrado em adultos também.

Interessantes estudos sobre a paleoparasitologia têm in- dicado através de exames de coprólitos (fezes petriíicadas) que o E. vennicularb (e outros helmintos) parasitam o ser humano há milhares de anos. Nos EUA, foram encontrados ovos em qrólitos humanos datados de 10.000 anos; no Chile, foram vis- tos ovos de E. vermicularb, com datação de apmxunadamente 1.000 anos a.C., onde vivia uma população sedentária, com ati- vidades appasioris e conhecimentos de metalurgia e tecelagem.

MORFOLOGIA O E. vermicularis apresenta nítido dimorfismo sexual, en-

tretanto, alguns caracteres são comuns aos dois sexos: cor

branca, filiformes. Na extremidade anterior, latadhente à boca, notam-se expansões vesiculosas muito típicas, chamadas "asas cefálicas". A boca é pequena, seguida de um esôfago também típico: é claviforme, terminando em um bulbo cardíaco. Os ca- racteres específicos de cada forma são os que se seguem:

Mede cerca de Icm de comprimento, por 0,4mm de diâ- metro. Cauda pontiaguda e longa. A vulva abre-se na por- ção média anterior, a qual é seguida por uma curta vagina que se comunica com dois úteros; cada ramo uterino se con- tinua com o oviduto e ovário (Fig. 33.1).

Fig. 33.1 - Enterobius vermicularis. A) Macho; 6) férnea repleta de ovos; C) ovo característico.

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Mede cerca de 5mm de comprimento, por 0,2rnm de diâ- metro. Cauda fortemente recuwada em sentido ventral, com um espículo presente; apresenta um único testículo (Fig. 33.1).

Ovo Mede cerca de 50pn de comprimento por 20pm de largu-

ra. Apresenta o aspecto grosseiro de um D, pois um dos la- dos é sensivelmente achatado e o outro é convexo. Possui membrana dupla, lisa e transparente. No momento em que sai da fêmea, já apresenta no seu interior uma larva (Fig. 33.1).

BIOLOGIA

Machos e Emeas vivem no ceco e apêndice. As Eme- as, repletas de ovos (5 a 16 mil ovos), são encontradas na região perianal.

Em mulheres, as vezes pode-se encontrar esse parasito na vagina, útero e bexiga.

É do tipo monoxênico; após a cópula, os machos são eliminados com as fezes e morrem. As Emeas, repletas de ovos, se desprendem do ceco e dirigem-se para o ânus (prin- cipalmente à noite). Alguns autores suspeitam que elas rea- lizam oviposição na região penanal, mas a maioria afirma que a Emea não é capaz de fazer postura dos ovos; os mesmos seriam eliminados por rompimento da Emea, devido a algum traumatismo ou dissecamento. Como ela se assemelha a um "saco de ovos", com a cutícula extremamente distendida, pa- rece que o rompimento da mesma se toma fácil.

Os ovos eliminados, já embrionados, se tomam infectan- tes em poucas horas e são ingeridos pelo hospedeiro. No intestino delgado, as larvas rabditóides eclodem e sofrem duas mudas no trajeto intestinal até o ceco. Aí chegando, transformam-se em vermes adultos. Um a dois meses depois as fêmeas são encontradas na região perianal. Não haven- do reinfecção, o parasitismo extingue-se aí (Fig. 33.2).

Fig. 33.2 - Ciclo do Enterobius vermicularis. a) Machos e fémeas no ceco. I ) Ovos depositados na região perianal; 2) ovos no meio exterior, contaminen- do alimentos; 3) ovos da região perianal levados A boca pelas mãos; 4) ingestão de ovos embrionados; eclosão de larvas no intestino delgado; migraçáo de larvas até o ceco; vermes adultos. Cerca de 30 a 40 dias após a infecção, as fémeas já estão repletas de ovos.

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Os mecanismos de transmissão que podem ocorrer são: heteroinfecção: quando ovos presentes na poeira ou alimentos atingem novo hospedeiro (é também co- nhecida como primoinfecção); indireta: quando ovos presentes na poeira ou alimen- tos atingem o mesmo hospedeiro que os eliminou; auto-infecção externa ou direta: a criança (fiequente- mente) ou o adulto (raramente) levam os ovos da re- gião perianal a boca. E o principal mecanismo res- ponsável pela cronicidade dessa verminose; auto-infecção interna: parece ser um processo raro no qual as larvas ecloduiam ainda dentro do reto e depois mi- grariam até o ceco, transformando-se em vermes adultos; retroinfecção: as larvas eclodem na região perianal (externamente), penetram pelo ânus e migram pelo intestino grosso chegando até o ceco, onde se trans- formam em vermes adultos.

PATOGENIA Na maioria dos casos, o parasitismo passa despercebido

pelo paciente. Este só nota que alberga o verme quando sente ligeiro prurido anal (a noite, principalmente) ou quan- do vê o verme (chamado popularmente de "lagartinha") nas fezes. Em infecções maiores, pode provocar enterite catar- ral por ação mecânica e imtativa. O ceco apresenta-se infla- mado e, as vezes, o apêndice também é atingido.

A alteração mais intensa e mais fiequente é o prurido anal. A mucosa local mostra-se congesta, recoberta de muco contendo ovo e, h vezes, fêmeas inteiras. O ato de coçar a re- gião anal pode lesar ainda mais o local, possibilitando infecção bacteriana secundária. O prurido ainda provoca perda de sono, nervosismo e, devido a proximidade dos órgãos genitais, pode levar à masturbação e erotismo, principalmente em meninas.

A presença de vermes nos órgãos genitais femininos pode levar a vaginite, metrite, salpingite e ovarite.

Fora do Brasil, alguns raros casos de granulomas por ovos de E. vermicularis já foram assinalados, sendo dois no figado, um no rim e um na próstata. No primeiro, os ver- mes chegaram ao figado perfurando a parede cecal e cain- do no sistema porta, atingindo aquele órgão; nos dois últi- mos casos, o caminho foi pela uretra. A perfuração do íleo, pelo parasito, apesar de rara, tem sido relatada.

O prurido anal noturno e continuado pode levar a uma suspeita clínica de enterobiose.

O exame de fezes não funciona para essa verminose intestinal. O melhor método é o da fita adesiva (trans- parente) ou método de Graham, que é descrito a seguir:

corta-se um pedaço de 8 a 10cm de fita adesiva trans- parente; coloca-se a mesma com a parte adesiva para fora, so- bre um tubo de ensaio ou dedo indicador (nesse últi-

mo caso, é perigoso pela possível contaminação do executor do método); apõe-se várias vezes a fita na região perianal; coloca-se a fita (como se fosse uma lamínula) sobre uma lâmina de vidro; leva-se ao microscópio e examina-se com aumento de 10 e 40x.

Essa técnica deve ser feita ao amanhecer, antes de a pes- soa banhar-se, e repetida em dias sucessivos, caso dê ne- gativo. Caso a lâmina não possa ser examinada no mesmo dia, a mesma deverá ser conservada em geladeira, devida- mente embalada em papel-alumínio.

EPIDEMIOLOGIA Essa helmintose tem alta prevalência nas crianças em

idade escolar. E de transmissão eminentemente doméstica ou de ambientes coletivos fechados (creches, asilos, enfer- marias infantis etc.). Os fatores responsáveis por essas si- tuações são:

somente a espécie humana alberga o E. vermicularis; fêmeas eliminam grande quantidade de ovcis na região perianal; os ovos em poucas horas se tornam infectantes, podendo atingir os hospedeiros por vários mecanis- mos (direto, indireto, retroinfecção); os ovos podem resistir até três semanas em ambiente domésticos, contaminando alimentos e "poeira";

Fig. 33.3 - Esquema do método de Graham ou da fita gomada para o diagnóstico do E . vermicularis: 1 - preparar 4cm de fita adesiva trans- parente, colando uma tira de papel de 5cm (numa das extremidades colo- car a identificação do paciente); 2 - colocar a fita adesiva (com a parte colante para fora) sobre um tubo de ensaio, firmando-se a fita pelas tiras de papel; 3 - apor o tubo com a fita na região perianal; preferencialmente pela manhã; 4 - aderir a fita adesiva sobre uma lâmina de vidro, comprimindo bem (para evitar muita bolha de ar) e levar ao microscópio para exame (caso não possa examinar no mesmo dia, a limina assim montada deve ser conservada em geladeira).

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X Papel ___ - - -- - -- - --

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Fita adesiva transparente

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Identificação papel

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o hábito de, pela manhã, se sacudir roupas de cama ou de dormir pode disseminar os ovos no domicílio.

PROFILAXIA Devido ao comportamento especial desse helminto, os

métodos profiláticos recomendados, mais ou menos es- pecíficos, são os seguintes:

a roupa de dormir e de cama usada pelo hospedeiro não deve ser "sacudida" pela manhã, e sim enrolada e lavada em água fervente, diariamente; tratamento de todas as pessoas parasitadas da famí- lia (ou outra coletividade) e repetir o medicamento duas ou três vezes, com intervalo de 20 dias, até que nenhuma pessoa se apresente parasitada; corte rente das unhas, aplicação de pomada mercurial na região perianal ao deitar-se, banho de chuveiro ao levantar-se e limpeza doméstica com aspirador de pós, são medidas complementares de utilidade.

TRATAMENTO Os medicamentos mais utilizados são os mesmos emEe-

gados contra o A. lumbricoides (ver Cap. 29). Pamoato de Pirantel (Combantrin, Piranver); o medica-

mento é apresentado sob a forma líquida e comprimidos; a dose indicada é de l0mgkg em dose única, com eficácia de 80-100% de cura. Os efeitos colaterais são náuseas e vômi- tos, cefaléias, sonolência e erupção cutânea; contra-in- dicação: gravidez e disfunção hepática.

Albendazol (Zentel): o medicamento é apresentado sob a forma líquida (suspensão contendo 40mglml e com- primidos 200mg); a dose indicada para tratamento da

enterobiose, em crianças acima de 2 anos, é de 100mg em dose única, com eficácia próxima a 100% de cura. Os efei- tos colaterais são náuseas, vômitos, cefaléias, podendo ou não estar associados a desconforto gastrintestinais. Atualmente, tem sido utilizado como droga de escolha, na terapêutica de algumas helmintoses humanas. Entretanto, por ser um derivado benzilmidazólico, em estudos expe- rimentais, foi comprovada sua ação teratogênica e embriotóxica. Não deve ser administrada durante a gravi- dez.

Ivermectina (Revectina): o medicamento é apresentado sob a forma de comprimidos de 6mg; a dose indicada é de 200pgk em dose única, para pacientes com mais de 15kg de peso corporal, com eficácia acima de 85% de cura; entretan- to, há uma tendência de se utilizar o fánnaco em dois dias consecutivos, aumentando assim o porcentual de cura. Como é uma nova formulação para uso humano, os efeitos coletarais ainda são pouco conhecidos, mas existem relatos de náuseas, vômitos, cefaléias, pruridos, tonturas e astenia, podendo o paciente apresentá-los concomitantemente. Deve-se ressaltar que a ivermectina, por atuar primariamen- te em receptores GABAérgicos, é contra-indicada em pa- cientes com alterações do SNC (principalmente meningite que afeta a barreira hematoencefálica), durante a gravidez e amamentação.

Nota: Syphacia obvelata (Rudolphi, 1802): é um pequeno Oxyuroidea de camundongos e ratos, muito freqüente entre nós. O macho mede 1,3mrn e a Fmea cerca de 4,5rnrn. Tem uma morfolo$a geral e o ciclo semelhante ao Enterobius vermi- cularis. E um helminto cosmopolita, tendo sido encontrado parasitando o ser humano em várias partes do mundo. Em ge- ral não é patogênico, sendo eliminado espontaneamente nas f e zes, quando então é percebida a sua presença no ser humano.

a Alta prevalência

Média prevalência

Baixa prevalência

Fig. 33.4 - Distribuição geogrdfica do Enterobius vermicularis (Fonte: SUCAM, 1975).

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