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Revista de Geografía Norte Grande

ISSN: 0379-8682

[email protected]

Pontificia Universidad Católica de Chile

Chile

Costa Trindade Amorim, Margarete Cristiane de; Lima Sant´Anna Neto, João; Dubreuil, Vincent

Estrutura térmica identificada por transectos móveis e canal termal do Landsat 7 EM cidade tropical

Revista de Geografía Norte Grande, núm. 43, septiembre, 2009, pp. 65-80

Pontificia Universidad Católica de Chile

Santiago, Chile

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30011632004

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65ESTRUTURA TÉRMICA IDENTIFICADA POR TRANSECTOS MÓVEIS

E CANAL TERMAL DO LANDSAT 7 EM CIDADE TROP ICAL

Revista de Geografía Norte Grande, 43: 65-80 (2009)Tema central: medio ambiente urbano

Estrutura térmica identificada portransectos móveis e canal termal do

Landsat 7 EM cidade tropical1

Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim2,João Lima Sant’Anna Neto2 y Vincent Dubreuil3

RESUMOEste trabalho tem como objetivo analisar a estrutura térmica do clima urbanocom base na interpretação do canal termal do satélite Landsat 7 e de medidasde superfície. Identificou também como se processa a produção do clima urba-no, partindo de uma análise das formas de estruturação do espaço, das caracte-rísticas do uso do solo e dos materiais construtivos na geração de ilhas de calore suas implicaçıes no conforto ambiental de uma cidade média de clima tropi-cal no Brasil. Para a verificação das temperaturas do ar intra-urbana realizaram-se medidas em transectos móveis nos percursos norte-sul e leste-oeste. Os da-dos do canal termal do Landsat-7, foram convertidos para valores detemperatura de superfície. Os resultados mostraram que o padrão de urbani-zação e as características do uso do solo são os responsáveis pela distribuiçãoda temperatura gerando ilhas de calor no centro da cidade e nos bairros popu-lares densamente construídos. Nestes últimos, devido ao elevado grau de segre-gação social, as altas temperaturas também provocam aumento no número decasos de doenças e morbidade, principalmente do aparelho respiratório.

Palavras chave: Clima urbano, ilha de calor, canal termal, conforto térmico.

ABSTRACTThis study aims to examine the thermal structure of the urban climate based onthe interpretation of the satellite Landsat 7 (thermal channel) and measures forthe area. It identifies how the production of urban climate develops based on ananalysis of the structure of space forms and characteristics of land use andconstructive materials in the generation of heat islands and their implications inenvironmental comfort in a tropical climate medium size city at Brazil. To checkintra-urban air temperature, measures were carried out in mobile transects inthe North-South and East-West routes. Thermal Channel data of Landsat-7, wereconverted to surface values. The results showed that the pattern of urbanizationand characteristics of land use are responsible for the distribution of temperatu-re generating heat islands in downtown and popular densely built neighborho-ods. In those cases the highest indexes of social segregation added to highertemperature also provokes elevation in the number of illnesses and morbiditycases, mostly of respiratory diseases.

Key words: Urban climate, heat island, thermal channel, thermal comfort.

1 Artículo recibido el 18 de octubre de 2008 y acep-tado el 13 de abril de 2009.

2 Departamento de Geografia, Faculdade de Ciên-cias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista-

UNESP (Brasi l ) . E-mail : [email protected];[email protected]

3 Centro de Desenvolvimento Sustentável-CDS, Uni-versidade de Brasília (Brasil).E-mail: vincent. [email protected]

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As áreas urbanas se constituem comopólos de atração populacional. Como asegregação sócio-espacial é uma dascaracterís t icas do modelo dedesenvolvimento em geral e, do brasileiro,em particular, os bairros populares têm sidoestabelecidos nas periferias urbanas, emgrande parte ut i l izando materiaisconstrutivos inadequados tanto do ponto devista da qualidade de vida, quanto daeficiência térmica.

Esta hipótese direciona o trabalho cujoobjetivo foi analisar a estrutura térmica doclima urbano com base na interpretação docanal térmico do satélite Landsat 7 e demedidas de superf ície por meio darealização de transectos. Além disso, buscouidentificar como se processa a produção doclima urbano em cidades de porte médio dooeste paulista, partindo de uma análise dasformas de estruturação do espaço, dascaracterís t icas do uso do solo e dosmateriais construtivos na geração de ilhas decalor e suas implicaçıes no confortoambiental.

A vantagem de se utilizar as imagensde satélite para este tipo de estudo decorredo fato de serem úteis para es t imar atemperatura da superfície, dependendo dotipo de uso e ocupação do solo. Trata-seapenas indiretamente da temperatura do arligada às medidas em abrigos por meio dobalanço da energia local. As imagens desa té l i te podem também a judar acompreender a distribuição das fontes decalor dentro de uma área urbana quelevam à fo rmação das i lhas de ca lorurbanas.

Este artigo apresenta uma caracterizaçãoda área de estudo, considerando-se oprocesso de ocupação do oeste paulista,assim como a expansão terr i torial dePresidente Prudente. Na seqüência sãodiscutidas questıes referentes aos materiaisconstrutivos e ao conforto térmico, bemcomo as características do clima regional.Depois de explicitados os procedimentosutilizados na pesquisa são apresentados osresultados evidenciando-se a estruturatérmica intra-urbana tendo como referênciatanto os registros de superfície como ainterpretação da imagem tratada do canal

termal do Landsat 7. O trabalho é finalizadocom uma reflexão sobre o clima urbano e asegregação sócio-espacial.

Caracterização da áreade estudo

Na passagem do século XIX para oséculo XX, o Brasil possuía pouco mais de17 milhıes de habitantes, em sua maiorparte, vivendo numa estreita faixa costeira,apesar de seus 8,5 milhıes de Km2 deextensão.

O oeste do Estado de São Paulo, nesteperíodo, ainda contava com expressivapopulação indígena e, a partir da décadade 1910, aventurei ros in ic iavam aconquista do “sertão” para a incorporaçãode novas terras e a expansão de atividadesagropecuárias.

A c idade de Pres idente Prudente ,principal núcleo urbano desta região queocupa uma área aproximada de 20.000km2, foi fundada em 1917, primeiramentededicada às a t iv idades pas tor i s epos te r io rmente , com a chegada daferrovia, inicia-se a agricultura comercial(Figura Nº 1).

Fatores naturais favoreceram a expansãoda cultura cafeeira, que entre as décadas de1940 a 1970 foi a responsável pelo rápidocrescimento demográfico regional, bemcomo pela estruturação do território (Abreu,1972).

O desmatamento acelerado das matas eflorestas pelas atividades agropastoris e oassoreamento da rede hidrográf icamarcaram profundamente a degradação daspaisagens naturais e mudanças no ciclohidrológico. Há indícios de que esteprocesso de ocupação tenha provocadoaumento da temperatura e concentraçãopluvial, modificando o regime climático.

Nas áreas urbanas, o aumento datemperatura, segundo Amorim (2000), foiainda maior por causa da concentração deedificaçıes e da impermeabilidade do solo.Além destes fatores, há que se consideraremos materiais construt ivos ut i l izados,

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principalmente pela população de baixarenda, que geram maior inércia térmica edesconforto humano.

Povoamento e expansãoterritorial urbana

O primeiro censo demográfico da regiãoregistrava em 1920, apenas 846 pessoas naárea urbana de Presidente Prudente e poucomais de 4.000 habitantes na zona rural.Com a chegada da Ferrovia (CompanhiaSorocabana de Estradas de Ferro), vierammigrantes de várias regiıes do país, além deum grande contingente de i tal ianos ejaponeses que se dedicaram a agriculturacafeeira, principal produto de exportação do

Brasil até a primeira metade do século XX. Apopulação local aumentou rapidamente atéa década de 1970, diminuindo o ritmo apartir de então, devido a erradicação docafé e a subst i tuição das principaisatividades agrícolas, pela criação de gadobovino. Esta mudança na estrutura agráriaocasionou o êxodo rural provocando umrápido processo de urbanização (Figura Nº2).

Como a expansão territorial não foiacompanhada da respectiva estrutura deserviços e de equipamentos urbanos, umaparcela significativa da população vivia eainda vive sob condiçıes inadequadas doponto de vista da qualidade de vida e deindicadores de sustentabilidade.

Figura Nº 1Localização do Estado de São Paulo e região de Presidente Prudente

Fonte: IBGE, 2008.

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A área urbana de Presidente Prudenteapresenta grande diversidade de ocupaçãodo solo, pois os bairros mais antigos(construídos entre as décadas de 1950 e1970) são densamente construídos e comsignificativa cobertura vegetal arbórea nasruas e fundos de quintais.

Por outro lado, as áreas residenciais quesurgiram nas décadas de 1980/1990, quesão a grande maioria, apresentam-se comedif icaçıes esparsas, com gramado evegetação arbórea. Neste mesmo período,para atender a demanda por habitação dasclasses populares, foram construídos osconjuntos habitacionais e loteamentosdestinados à população de baixa renda comterrenos menores e materiais construtivosmenos adequados ao clima tropical e, aoconforto térmico e ambiental (paredes finase coberturas de fibrocimento, ou asbestos),que armazenam muito calor e produzeminércia térmica.

A expansão ter r i tor ia l urbana temprivilegiado o setor ocidental da cidadedevido tanto às quest ıes pol í t icas eeconômicas como pelas características dorelevo. Nesta área os divisores de águaapresentam per f i s convexos maisalongados, formando inter f lúvios maissuaves e separados entre si por vales menosestreitos, representando hoje cerca de 80%

do total da malha urbana. No quadranteLeste o relevo possui declives acentuadosque di f icul tam a expansão da malhaurbana, onde habita população de baixarenda.

Os materiais construtivos e oconforto térmico

A expansão terr i torial urbana écaracterizada pelo aumento das áreasedif icadas e pavimentadas que geraminércia térmica e a produção de calor. Asi lhas de calor não causam apenasdesconforto térmico em ambientes de climatropical, mas são responsáveis também, peloaumento da demanda por energia e porambientes urbanos insalubres que afetam asaúde humana.

As cobe r tu ra s ( t e lhados ) são a sp r inc ipa i s r e sponsáve i s pe lo ca lo rproduzido tanto no interior quanto noen to rno das ed i f i caç ıes . E s te ca lo r édeterminado pelas variáveis de albedo( re f l ec tânc ia ) e emi s s iv idade dosmateriais. O albedo representa a porçãoda rad iação so la r inc iden te , que ére f l e t ida pe lo ma te r i a l , enquan to aemissividade determina o desempenhotérmico caracterizado pela temperaturasuperficial.

Figura Nº 2Crescimento populacional de Presidente Prudente (1920/2007)

Fonte de dados: IBGE, 2008.

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Assim, superfícies com elevado albedo eemissividade tendem a permanecerem maisfrias quando expostas à radiação solar, poisabsorvem menos radiação e emitem maisradiação térmica para o espaço,transmitindo menos calor para seu entorno.Ao contrário, quanto menor for o albedo e aemissividade maior será a absorção de calore sua permanência no ambiente de entorno.

Diversos tipos de materiais construtivostêm sido utilizados nas edificaçıes em áreasurbanas. No oeste paulista prevalece o usode três tipos de materiais de cobertura: astelhas cerâmicas, as de fibrocimento e asmetál icas (alumínio, zinco e açogalvanizado). As coberturas cerâmicas sãomais utilizadas em residências de classemédia e alta, as de fibrocimento prevalecemnos bairros e conjuntos habitacionais depopulação de baixa renda e as metálicas nasedificaçıes comerciais e industriais.

Em função de suas propriedades físicas,os materiais de cobertura apresentam asseguintes (Quadro Nº 1) respostas térmicas(Ferreira e Prado, 2003).

Características climáticasregionais

O clima tropical continental sub-úmido docentro oeste do Brasil, caracteriza-se por duasestaçıes do ano bem definidas: um verãoquente e chuvoso de outubro a março e uminverno ameno e seco de abril a setembro.Entretanto, diante da forte irregularidadeclimática da região, explicada por sualocalização na latitude do trópico decapricórnio, área de conflito entre os sistemastropicais e extra-tropicais, Presidente Prudenteapresenta uma variabilidade sazonalacentuada (Figura Nº 3).

De modo geral, os sistemas tropicaisprevalecem na região a maior parte do ano,ora com o seu ramo atlântico, mais úmido,ora com trajetórias continentais, maisquentes e secas. No período de primavera everão, as temperaturas diárias oscilam entreos 20º C e 32º C, com máximas absolutaspróximas aos 40º C. Nesta época do anoconcentra-se cerca de 75% da precipitaçãoanual de 1.300 mm.

Quadro Nº 1Temperatura superficial dos materiais (ASTM E 1980-984)

Fonte: Ferreira e Padro, 2003.

4 ASTM E 1980-98: Standart Pratice for Calculating Solar Reflectance Index.

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No outono/inverno as temperaturasdecrescem ligeiramente, mas permanecemelevadas, à exceção dos episódios dasinvasıes do anticiclone polar, quando astemperaturas mínimas oscilam entre 15º C e20º C, com valores absolutos que podemchegar a 0º C.

A temperatura média anual (1969/2007)tem oscilado, entre 21º C e 24º C, de formaascendente desde que a expansão da áreaurbana do município ultrapassou os limitesda estação meteorológica, como demonstraa Figura Nº 4 sobre a evolução dastemperaturas no período de registro.

Figura Nº 3Climograma de Presidente Prudente (1969/2007)

Fonte de dados: Estação Meteorológica localizada na FCT/UNESP.

Figura Nº 4Evolução da temperatura média anual de Presidente Prudente

Fonte de dados: Estação Meteorológica localizada na FCT/UNESP.

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Observa-se um aquecimento de 1,7º C emmenos de 40 anos.

Procedimentos metodológicos

O referencial teórico deste trabalhobaseou-se na concepção dos canais depercepção do clima urbano proposto porMonteiro (1976) e Monteiro e Mendonça(2004), enfatizando o canal termo-dinâmicocomo o principal responsável pelo fator deconforto térmico.

Para a verificação das temperaturas do arintra-urbana realizaram-se medidas emtransectos móveis nos percursos norte-sul(42 registros) e leste-oeste (78 registros) emcinco dias representativos do verão e outroscinco do inverno de 2002. Esseprocedimento se repetiu em três dias do mêsde julho de 2003, sob condiçıesatmosféricas estáveis (céu claro e baixavelocidade do vento), como mostra a FiguraNº 5. Foram utilizados termômetros digitais,com os sensores presos em haste de madeira

Figura Nº 5Presidente Prudente-localização dos transectos, 2002

Fonte: Carta topográfica da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, 1995.

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com 1,5m de comprimento, acopladosnaô ateral de dois veículos que saíram daperiferia (rural) , passando pelo centro,chegando ao extremo oposto da cidade. Asmediçıes foram efetuadas entre 20 hrs e20:45 hrs, por se tratar do horário maisadequado uma vez que as temperaturas nãoexperimentam mudanças rápidas.

Os sistemas atmosféricos regionais queatuaram nos dias de medição de campoforam analisados por meio de cartassinóticas de superfície disponibilizadas nosite da Marinha do Brasil5 e das imagens desatélite Goes6.

A imagem de satélite utilizada foiadquirida no site Global Land Cover Facility. Aúnica imagem disponível neste setor (WRS222-075), próxima do período de realizaçãodo transecto móvel foi de 21 de Março de2001. Essa imagem foi utilizada porque seconsiderou que não ocorreram muitasmudanças no uso e na ocupação do solo entre2001, 2002 e 2003. Os dados do canal termaldo Landsat-7, possui resolução espacial de 60metros e as temperaturas foram convertidaspara valores de superfície considerando-sevalor fixo igual a 1 de emissividade.

Para a análise dos resultados das medidascoletadas no transecto foram elaboradascartas de isotermas, através do SoftwareSurfer for Windows, permitindo assim aidentificação da variação da temperatura nosdiferentes pontos da cidade.

A estrutura térmicaintra-urbana

A resposta térmica da estrutura urbanademonst rou que a urbanização e ascaracter ís t icas do uso do solo sãoresponsáveis pela dis t r ibuição datemperatura do ar gerando ilhas de calornos bairros densamente construídos, oucom a concentração de mater ia isconstrutivos de grande potencial energéticode emissividade e reflectância. Este padrãode dis t r ibuição, ent re tanto, pode semodi f icar em função da di reção evelocidade do vento que desloca estas ilhasde calor para outras áreas da cidade. Foramobservadas i lhas de calor de for temagnitude, com diferenças entre o pontomais quente e o ponto mais frio entre 3,6ºC e 5,6º C em dias representativos do verãoe de 4,9º C a 9,6º C no inverno. Asdiferenças foram menores nos dias comventos um pouco mais fortes, 3,0 m/s a 4,0m/s (Quadro Nº 2).

Durante a noite a cidade gera ilhas decalor com o aumento da temperatura domeio rural e bairros menos densamenteconstruídos em direção aos bairrosdensamente construídos e o centro. Além dadensidade de construçıes os materiaisut i l izados também contr ibuem para oarmazenamento do calor.

Na maioria dos estudos de ilha de calorrealizado no período noturno, o centro dailha é bem definido e freqüentemente estálocalizado no centro da cidade com maiordensidade de construçıes ou nos bairrosindustriais.

5 Disponível em Internet: www.mar.mil.br6 Disponível em Internet: http://satelite.cptec.inpe.br

/imagens

Quadro Nº 2Temperaturas máximas, mínimas e diferenças térmicas entre os pontos

Fonte: Trabalho de campo-janeiro e julio de 2002 e 2003.

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Em Presidente Prudente, contudo, foidetectado pelo menos duas célulasseparadas da ilha de calor central, quepodem ser diretamente atr ibuídas aosmateriais construt ivos. Primeiramente,observou-se uma célula maior de ar maisquente localizada na zona central emdireção a porção norte e sul da cidade,onde estão localizados os bairros maisantigos e densamente construídos. À medidaque a densidade de construçıes diminui,verificou-se a queda na temperatura emdireção ao meio rural.

A segunda célula localizou-se na porçãooeste da cidade, onde se encontram doisconjuntos habitacionais densamenteconstruídos. As temperaturas nesta célula,embora também elevadas em comparação aoutros pontos da cidade, foram de 1º C a 2ºC mais baixas em relação ao centro. Assim,além da temperatura ser ligeiramente maisbaixa do que no centro da cidade, seu

tamanho foi bem menor em relação aocentro e seu entorno.

A diminuição na densidade deconstrução produz um efeito pronunciadono que se refere à quebra de continuidadeda distr ibuição das temperaturas maiselevadas.

Sob condiçıes de calmaria e velocidadedo vento de 0,5 m/s, entre as células daporção oeste e a da área central, mesmoestando inserido na malha urbana, foramobservadas temperaturas mais baixas.(Figuras Nº 6, Nº 7 e Nº 8).

O intervalo das temperaturas mais baixasentre as duas principais células detemperaturas mais elevadas, foi quebrado nodia 17/7, devido à presença de ventos fracosde sudeste, entre 1 m/s às 20 hrs e 3 m/s às21 hrs. O movimento do ar foi suficientepara homogeneizar as temperaturas mais

Figura Nº 6Presidente Prudente: temperatura do ar, 14/07/2002, 20 hrs

Fonte: Elaboração própria.

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Figura Nº 7Presidente Prudente: temperatura do ar, 21/07/2003, 20 hrs

Figura Nº 8Presidente Prudente: temperatura do ar, 22/07/2003, 20 hrs

Fonte: Elaboração própria.

Fonte: Elaboração própria.

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elevadas por toda a porção oeste da cidade,independentemente da densidade deconstruçıes. O calor produzido na área maisdensamente construída foi distribuído pelovento predominante de sudeste e apenas omeio rural e os bairros localizados ao lestedo centro da cidade tiveram temperaturasmais baixas neste dia (Figura Nº 9).

Os limites das áreas construídas emdireção à zona rural definiram claramenteo limite da ilha de calor. Porém, as áreasintra-urbanas com menor densidade deconst ruçıes , es t iveram sujei tas astemperaturas mais elevadas, por ocasião debrisas provenientes do quadrante leste,onde se localizaram, habitualmente, noperíodo noturno, as temperaturas maiselevadas.

Em noites sem nebulosidade, como asobservadas neste estudo, no ambiente ruralos fundos de vales foram favoráveis àstemperaturas mais baixas, como se observounas porçıes sul, oeste e leste da manchaurbana.

Os córregos localizados no ambienteurbano, em sua maior ia , fo ramcanal izados . No per íodo noturno, ospontos com alt i tudes mais baixas, nãoprovocaram a “quebra” da ilha de calorpr inc ipa l encont rada na c idade. A témesmo o Parque do Povo, onde o Córregodo Veado fo i canal izado e a á rea fo icoberta por vegetação rasteira e arbórea, ointenso fluxo de veículos e o uso do solonas avenidas que margeiam o fundo devale (comercial e residencial) , f izeramcom que as temperaturas permanecessemelevadas.

Em pesquisa realizada anteriormente,Amorim (2000), mostrou que no verão asmagnitudes mais fortes das ilhas de calor(entre 4º C e 6º C) durante o dia foramobservadas principalmente entre 10 hrs e 16hrs, coincidindo com os horários de maiorinsolação e maior aquecimento diurno eintensificando assim o desconforto térmicopresente no verão das cidades tropicais. Nosoutros horários (7 hrs, 8 hrs, 9 hrs, 17 hrs e18 hrs), foram freqüentes ilhas de calor de

Figura Nº 9Presidente Prudente: temperatura do ar, 17/07/2002, 20 hrs

Fonte: Elaboração própria.

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média magnitude (entre 2º C e 4º C), mas,também foram registradas, em alguns dias,ilhas de calor de forte magnitude, emboracom menor freqüência.

Naquela pesquisa, no verão os principaisresponsáveis pelas maiores diferenças entreos pontos mais quentes foram às áreasdensamente construídas e com pequenaquantidade de vegetação. A presença daarborização nas ruas e fundos de quintais,os materiais construtivos mais adequados(telhas cerâmicas) e os terrenos maiores, aexemplo das Figuras Nº 10 e Nº 11,exerceram papel fundamental nesta estação,pois as áreas densamente arborizadas e, emalguns casos, com alta densidade deconstruçıes tiveram as temperaturas maisbaixas, mas as áreas densamente construídase com pouca vegetação ou com poucasconstruçıes, e também sem vegetação,tiveram as temperaturas mais altas, como seobserva, na Figura Nº 12, representativa doverão, no período de maior aquecimentodiurno.

A localização das temperaturas maiselevadas relaciona-se diretamente àdensidade de construçıes e o calor noturnoé atribuído à liberação do calor estocadodurante o dia pelas edificaçıes, conforme seobserva na imagem tratada do canal termaldo Landsat 7 (Figura Nº 13).

As temperaturas intra-urbanas medidasatravés dos transectos móveis, mensuram ascondiçıes gerais do ambiente de entorno, erevelam-se importantes como indicadoresdo aquecimento local. Entretanto, não sãocapazes de revelar as temperaturasespecíficas dos alvos da superfície urbana.O uso da carta termal do Landsat, mostrou-se particularmente interessante, pois aocontrário das mensuraçıes anteriores, estesrevelam a temperatura efetiva dos alvosterrestres, em escala areolar. Assim, pode-seobservar que as áreas da cidade em que osmateriais construtivos utilizados são menoseficientes do ponto de vista da emissividadee que armazenam maior quantidade decalor, apresentam temperaturassignificativamente maiores.

Por tanto, a anál ise da car ta termaldemonst ra que as temperaturas maiselevadas encontram-se nos conjuntoshabitacionais e bairros residenciais ondepredominam coberturas de fibrocimento(asbestos), além da maior densidade deconst rução, fa tos es te que não foramidentificados a partir das mediçıes dostransectos móveis. Como resultado destaanálise comparativa, observa-se que numaperspectiva de ambiente de entorno, asáreas centrais, no geral, são mais quentes,mas, quando medem-se os a lvosespecí f icos , reveladores da es t rutura

Figura Nº 10Bairro de classe média

Figura Nº 11Casa de classe média com telha cerâmica,

grades vazadas e janelas amplas

Fonte: Coleção pessoal dos autores.Fonte: Imagem do Google Earth, 2007.

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Figura Nº 12Presidente Prudente: temperatura do Ar, 17/01/1999, 15 hrs

Fonte: Adaptado de Amorim, 2000.

Figura Nº 13Presidente Prudente: temperatura da superfície: imagem do Landsat 7, canal termal

Fonte: Elaboração própria.

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const rut iva da cidade, as áreas maisquentes, não são as centrais, mas, sim,aquelas em que os padrıes construtivosindividuais apresentam menor albedo emenor emissividade.

Clima urbano e segregaçãosocioespacial

A estrutura térmica da área urbanainterpretada na imagem tratada do Landsat7, traduz a ocupação atual, a densidade deconstruçıes e a arborização. Nos bairrosdensamente construídos, principalmente nosconjuntos habitacionais com coberturas defibrocimento e com pequena quantidade devegetação arbórea nas ruas e fundos dequintais, as temperaturas detectadas nasuperfície foram as mais elevadas, atingindo25º C. Nos bairros com terrenos maiores,em que as edificaçıes não ocupam toda aárea e, com a presença de vegetaçãoarbórea esparsa, as temperaturas forammenores (21º C). Nos parques e demaisáreas verdes urbanas, as temperaturasvariam entre 19º C e 21º C, em função dotipo de vegetação mais rasteira ou arbórea(Figura Nº 13).

Assim, pode-se afirmar que a presençada vegetação tem papel fundamental paraamenizar as altas temperaturas durante odia, fa to também observado tanto naimagem tratada do Satélite Landsat 7, como

nos regis t ros diurnos real izados porAmorim (2000). Entretanto, no períodonoturno, conforme se ver i f icou nosresultados dos transectos, a presença davegetação nas ruas e fundos de quintal nãocontr ibui para amenizar as a l tastemperaturas em áreas densamenteconstruídas. As temperaturas mais baixasforam observadas nos bairros periféricospouco const ruídos, nas áreas rurais efundamentalmente nos fundos de vale domeio rural próximo à cidade. Os doistransectos se iniciavam e terminavam noambiente rural onde se conf iguraramnitidamente as mais baixas temperaturasnesses pontos, nos fundos de vale poucoedificados e nos bairros próximos ao rural,que tem as altas temperaturas amenizadaspelas brisas que se formam devido aoaquecimento.

Em cidade de médio porte de climatropical continental a produção do climaurbano é resultado da interação entre aradiação recebida e a refletida basicamentepelos tipos de materiais construtivos deedif icaçıes de uso residencial quearmazenam o calor durante o dia e sãoliberados nas primeiras horas após o por dosol. Como as cidades tropicais sãonaturalmente quentes, as ilhas de calor sãoresponsáveis pela intensi f icação dodesconforto térmico e, portanto, considera-se como um indicador de qualidadeambiental urbana.

Figura Nº 15Casa popular com cobertura de fibrocimento,

janelas pequenas e muros altos

Figura Nº 14Bairro popular com cobertura de fibrocimento

Fonte: Imagem do Google Earth, 2007. Fonte: Coleção pessoal dos autores.

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A população de baixa renda,impossibi l i tada de adquir ir materiaisconstrutivos mais adequados e lotes urbanosde maior tamanho, é a mais prejudicadapelos efeitos adversos do calor armazenadonas edificaçıes. Na maior parte dos dias deprimavera e verão, as temperaturas diurnasdo ar oscilam entre 30º C e 35º C quesomadas ao calor produzido e armazenadopelas coberturas de fibrocimento, como, porexemplo, as observadas nas Figuras Nº 14 eNº 15, podem superar os 45º C, expondo apopulação, notadamente os idosos ecrianças (que permanecem mais tempodentro das residências) , a si tuaçıes deinsalubridade, que se manifestam na formade enfermidades como doenças respiratóriase do aparelho circulatório.

Desta forma, as áreas urbanas de maiorsegregação socioespacial, são as mesmasem que é maior a morbidade por doençasrespiratórias, que são muito dependentesdas influências climáticas (Figura Nº 16).São, também, as áreas em que se produz amaior intensidade das ilhas de calor, aocontrário das áreas metropolitanas, em queo dinamismo da circulação viária e as fontesde emissão de partículas acabam sendomajoritários.

O uso da imagem de satélite foi decisivopara evidenciar as fontes de calor(confirmadas com os transectos térmicos)dentro da cidade na origem da formação dasilhas de calor urbanas.

Figura Nº 16Mapa da exclusão social de Presidente Prudente

Fonte de Dados: CEMESPP (FCT/UNESP)/IBGE, 2000.

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As temperaturas extremas localizam-se,na maioria dos locais, nas áreas em que seencontram os bols ıes de pobreza,especialmente nas áreas de média e altaexclusão social, como se pode verificar nacomparação das Figuras Nº 13 e Nº 16.Caracterizadas por habitaçıes precárias depopulação de baixa renda, a maior partedas unidades habi tacionais comtemperaturas e levadas é formada porres idências com te lhado de f ibras deconcreto e por meias paredes de blocoscerâmicos. Ambos os materiais não sãoisolantes térmicos, o que propicia o intensoingresso de ar quente para o interior damoradia.

Num episódio de onda de calor, umafamília de baixa renda, sem o vestuárioadequado e subalimentada, torna-sepotencialmente vulnerável, por exemplo,aos casos de doenças respiratórias. Menosprovida de defesas aos agentes causadoresdas enfermidades, esta população está maissuscetível a contrair doenças e menos apta asair mais rapidamente deste quadro deagravo.

Assim, o clima também se constitui emimportante fator de qualidade de vida eindicador de justiça social.

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