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Com o objetivo de fundamentar uma proposta de reformulação do Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre, a pesquisa comparou aspectos deste órgão com outros conselhos de cultura no país e com os demais conselhos do Município; além de considerar normas atinentes ao recém-criado Sistema Nacional de Cultura (SNC), cuja implantação deve ser negociada e compatibilizada, no âmbito local, com as demandas da sociedade e a institucionalidade pública preexistente.
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Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre: uma proposta de
reformulação
Álvaro Santi1
RESUMO: Com o objetivo de fundamentar uma proposta de reformulação do Conselho Municipal de
Cultura de Porto Alegre, a pesquisa comparou aspectos deste órgão com outros conselhos de cultura
no país e com os demais conselhos do Município; além de considerar normas atinentes ao recém-
criado Sistema Nacional de Cultura (SNC), cuja implantação deve ser negociada e compatibilizada,
no âmbito local, com as demandas da sociedade e a institucionalidade pública preexistente.
PALAVRAS-CHAVE: Conselhos de cultura; política cultural participativa; sistema nacional de cultura.
Esta pesquisa teve início com o propósito de subsidiar a redação de um Projeto de
Lei para o aperfeiçoamento do Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre (CMC),
quanto à sua composição e funcionamento. Para esta finalidade, consultou-se a legislação
referente aos conselhos de cultura de outras capitais; outros conselhos municipais de Porto
Alegre; o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e o Conselho Estadual de Cultura
do Rio Grande do Sul. Também foram consideradas as recomendações relativas à
implantação do Sistema Nacional de Cultura (SNC), emanadas do Ministério da Cultura a
partir (e mesmo antes) da aprovação da Emenda Constitucional 71/2012 e
consubstanciadas nos Acordos de Cooperação Federativa pactuados entre o MinC e os
municípios.
O Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre
A existência de conselhos municipais em Porto Alegre remonta a 1939, quando foi
instalado o Conselho do Plano Diretor, com caráter consultivo, composto de 16
representantes de organizações públicas e particulares. Seguiram-se o Conselho de
Contribuintes (1948) e o de Serviços Públicos (1951). Já em 1971 (em plena Ditadura),
outros vieram somar-se, constituindo um conjunto de sete “órgãos de cooperação
1 Prefeitura de Porto Alegre. Mestre em Letras e Bacharel em Música (UFRGS)
2
governamental, com a finalidade de auxiliar a Administração na orientação, planejamento,
interpretação e julgamento de matéria de sua competência”, sendo eles: Contribuintes,
Plano Diretor; Administração de Pessoal, Transportes Coletivos, Turismo, Saúde e Bem-
Estar Social e Compras. (PORTO ALEGRE, 1971) A estes, veio somar-se, cinco anos mais
tarde, o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural – Compahc (Porto Alegre,
1976). Contudo, é ao longo das décadas de 1990 e 2000, já sob a nova Constituição
Federal (1988), que irão se constituir ou reformar praticamente todos os atuais 27 conselhos
do Município, a começar pelos de Educação (1991) e Saúde (1992), sempre por meio de Lei
Complementar.
Somente em 2010, a Lei Complementar 661 veio estabelecer normas gerais sobre os
conselhos municipais, definidos desde então como “órgãos de participação direta da
comunidade na Administração Pública [que] têm por finalidade propor, fiscalizar e deliberar
sobre matérias referentes a cada setor da Administração Pública”. Entre essas normas,
destacamos a maioria obrigatória de representantes da sociedade; autonomia para
elaboração de regimento interno, sujeito, porém, à homologação do Prefeito; valores
máximos para pagamento de jetom, condicionado à existência de dispositivo expresso na lei
específica de cada conselho; a responsabilidade do Executivo pelo suporte material ao
funcionamento dos conselhos e divulgação de suas atividades. A mesma lei criou o Fórum
Municipal dos Conselhos da Cidade, “para fins de sua integração e otimização das políticas
desenvolvidas nas diversas áreas”. (Porto Alegre, 2010).
Figura 1
3
O Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre (CMC) foi criado em 1997, em
resposta a demanda da I Conferência Municipal de Cultura (1995), acompanhando também
a tendência nacional de criação destes organismos, que até 1996 estavam presentes em
apenas 2,47% dos municípios (quadro acima), número que seria multiplicado por dez até
2009. (apud Calabre, 2011). A mesma Lei Complementar instituiu a Conferência Municipal
de Cultura, com periodicidade bienal; e o Sistema Municipal de Cultura, englobando, além
do CMC, o Compahc, as secretarias de Cultura e de Educação e a Fundação Municipal de
Educação Social e Comunitária (FESC)2.
A lei atribuiu ao CMC funções deliberativas, normativas, fiscalizadoras e consultivas,
com ressalva para questões ligadas ao patrimônio cultural, que permaneceram sob a
responsabilidade exclusiva do Compahc.
Originalmente, o CMC era composto de 33 membros, assim distribuídos:
I – cinco indicados pelo Executivo Municipal, sendo, no mínimo, um representante da SMC e um do Gabinete do Prefeito; II –16 indicados pela população organizada a partir das regiões do Orçamento Participativo, mediante indicações encaminhadas e votadas pelos respectivos núcleos de cultura; III – nove representantes das entidades de classe, sendo um para cada um dos seguintes segmentos: a) artes visuais; b) cinema e vídeo; c) artes cênicas; d) livro e literatura; e) música; f) patrimônio cultural; g) folclore; h) carnaval e i) humanidades;
IV – um representante dos funcionários do Município que trabalham com a cultura; V – um representante das instituições e fundações privadas que tenham atividade cultural no Município; e VI – um representante do Conselho Estadual de Cultura.
Posteriormente, a Lei Complementar 660/2010 acrescentou quatro novos
integrantes, dos quais: um representante da população organizada, em virtude do aumento
do número de regiões de 16 para 17; e três das entidades de classe, nos segmentos “hip-
hop”, “dança” e “pontos de cultura”. Até o presente, contudo, nem a regulamentação da Lei
original, objeto do Decreto 11.738/97; nem o regimento interno do CMC, oficializado pelo
Decreto 12.403/99, foram adequados a estas modificações.
Por fim, em 5 de março de 2012 foi publicada a Lei 11.226 que, ao instituir o Plano
Municipal do Livro e Leitura, criou também o Conselho Municipal do Livro e Leitura, com
atribuições específicas nessa área de atuação.
O Sistema Nacional de Cultura
A aprovação da Emenda Constitucional 71, em 29 de novembro de 2012,
estabeleceu novo marco para a gestão pública da cultura, ao instituir o Sistema Nacional de
Cultura,
2 Posteriormente renomeada FASC, Fundação de Assistência Social e Cidadania.
4
“organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, [que] institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.”
A estrutura do SNC, a ser replicada “nas respectivas esferas da Federação”,
compõe-se de:
I - órgãos gestores da cultura; II - conselhos de política cultural; III - conferências de cultura; IV - comissões intergestores; V - planos de cultura; VI - sistemas de financiamento à cultura; VII - sistemas de informações e indicadores culturais; VIII - programas de formação na área da cultura; e IX - sistemas setoriais de cultura.
A aprovação da EC, por originar-se no MinC, encontrou este órgão já em processo
adiantado de definição operacional do SNC, que veio coroar um processo de organização
da gestão cultural, iniciado na primeira gestão de Gilberto Gil. Isso explica porque, meses
antes da mudança constitucional, em 17 de agosto, o Prefeito de Porto Alegre a exemplo de
muitos outros municípios, assinara Acordo de Cooperação Federativa com o Ministério da
Cultura, com o objetivo de “estabelecer as condições e orientar a instrumentalização
necessária para o desenvolvimento do SNC, com implementação coordenada e/ou conjunta
de programas, projetos e ações, no âmbito da competência do Município.” Dentre as
diversas obrigações que mais de dois mil municípios assumiram, ao firmar este Acordo,
estão as de “criar e implantar ou reestruturar o Conselho Municipal de Política Cultural,
garantindo o funcionamento e a composição de, no mínimo, 50% de representantes da
Sociedade Civil, eleitos democraticamente” e “fomentar a participação social por meio da
criação de Fóruns Municipais de Cultura, além de “realizar as Conferências Municipais de
Cultura, previamente às Conferências Estaduais e Nacionais, seguindo o calendário
estabelecido pelo Ministério da Cultura”.
O Município já dispunha dos itens I a III, integrados desde 1997 a um Sistema
Municipal de Cultura, como vimos acima, sendo o órgão gestor existente desde 1988.
Quanto ao item VI, existem quatro fundos de cultura, ainda que não formalmente integrados
ao sistema: Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural – Fumpahc (1977); Fundo
Pró-Cultura do Município de Porto Alegre – Funcultura (1988); Fundo Municipal de Apoio à
Produção Artística e Cultural de Porto Alegre (Fumproarte) e Fundo Monumenta de Porto
Alegre - Fumonpoa (2002).3 Um sistema de informação cultural, o SiC-PoA, lançado em
3 A soma da dotação destes fundos para 2014 alcança R$ 6,51 milhões, ou 8,6% do orçamento da Secretaria
Municipal da Cultura, conforme a Lei Orçamentária Anual (LOA).
5
março de 2013, encontra-se desde então em operação de forma experimental4, embora não
estabelecido em lei.
Em relação ao Plano Municipal de Cultura, meses antes da assinatura do Acordo,
teve início sua elaboração, por sua vez objeto de Termo de Compromisso e Assistência
Técnica entre Município, Ministério da Cultura e Universidade Federal da Bahia5. Tendo
como base as resoluções aprovadas ao longo de oito conferências municipais de cultura -
realizadas a cada dois anos desde 1995 - o Plano foi aprovado pelo CMC, submetido ao
crivo da 9ª Conferência, em agosto de 2013 e entregue ao Prefeito no dia 18/10/2013. Este
documento serviu de base para a elaboração do Projeto de Lei do Executivo n° 25/2014,
recentemente enviado à Câmara Municipal.
Quanto aos componentes do SNC “programas de formação na área da cultura” e
“sistemas setoriais de cultura”, bem como as comissões intergestores (que dependem de
outras esferas de governo), são inexistentes no Município. Não obstante escapem aos
objetivos deste trabalho, cabe levantar dúvidas sobre a capacidade dos municípios (e em
especial os de pequeno e médio porte) de manterem programas de formação continuada
(exceto por meio de um eventual consórcio); e sobre a efetiva necessidade de “sistemas”
setoriais municipais.
No que diz respeito aos Conselhos de Política Cultural, são definidos em cláusula
específica do Acordo como “espaços de pactuação de políticas públicas de cultura”,
devendo ter no mínimo as seguintes competências, as quais deverão ser adicionadas às
atuais do CMC:
a) Elaborar e aprovar os planos de cultura a partir das orientações aprovadas nas conferências, no âmbito das respectivas esferas de atuação; b) Acompanhar a execução dos respectivos planos de cultura; c) Apreciar e aprovar as diretrizes dos Fundos de Cultura no âmbito das respectivas esferas de competência; d) Fiscalizar a aplicação dos recursos recebidos em decorrência das transferências entre os entes da federação; e) Acompanhar o cumprimento das diretrizes e instrumentos de financiamento da cultura.
Note-se ainda que as atribuições que dizem respeito aos fundos de cultura deverão
ser compatibilizadas com a legislação específica de cada um deles, o que não constitui
objeto deste estudo.
A mesma cláusula estabelece ainda que os conselhos “terão caráter deliberativo e
consultivo e serão compostos por no mínimo 50% de representantes da sociedade civil,
eleitos democraticamente”, condições que o CMC já atende.
4 http://sic.portoalegre.rs.gov.br
5 Mais sobre este projeto, desenvolvido em 20 municípios, em www.planomunicipaldecultura.com.br.
6
Estudo comparativo
Após esse esboço da institucionalidade cultural de Porto Alegre, com foco no
Conselho Municipal de Cultura; e da situação do Município frente aos parâmetros
recentemente estabelecidos pelo Sistema Nacional de Cultura, passamos aos resultados do
levantamento realizado sobre a legislação atinente aos conselhos municipais das capitais
brasileiras, disponíveis na Internet6; e em relação a outros doze conselhos municipais de
Porto Alegre7.
Os dados básicos coletados inicialmente incluíam: ato de instituição (lei ou decreto);
número de integrantes (considerando-se os representantes da sociedade e do governo);
tempo de mandato; constituição da diretoria; existência ou não de remuneração dos
representantes da sociedade; atribuições e competências. A seguir, destacamos pontos
relevantes para nosso propósito.
Ao contrário do Conselho Nacional de Política Cultural que, apenas mencionado na
Lei 9.649/98, tem sua composição e atribuições fixadas por decreto, a maior parte dos
conselhos de cultura das capitais é regulada por lei, da mesma forma que o CMC (sendo
exceções os conselhos de Belém e Campo Grande). Tal distinção adquire importância, para
Cunha Filho (2011;102), na medida em que “quanto mais elevada a norma na qual se
insere, maior é a estabilidade do conselho, bem como acentuada é sua importância”. Sendo
tal norma um decreto, fica a instituição “suscetível a múltiplas e instantâneas variações”,
pois que a referida norma “pode ser alterada a qualquer momento e unilateralmente pelo
Chefe do Executivo”. (2011;109)8
6 Foram encontrados dados sobre os conselhos de cultura de 19 das 26 capitais brasileiras, com exceção de
Teresina, Boa Vista, Macapá, Aracaju, Palmas, Porto Velho e Rio Branco. 7 Assistência Social, Agricultura e Abastecimento, Ciência e Tecnologia, Juventude, Direitos Humanos,
Transportes Urbanos, Meio Ambiente, Turismo, Saúde, Educação e Desporto 8 A relevância dessa questão é ilustrada pela recente criação da Política Nacional de Participação Social e o
Sistema Nacional de Participação Social, por intermédio do Decreto 8.423/2014, objeto de críticas diversas e que o Legislativo ameaça anular. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/07/1479520-henrique-alves-diz-que-decreto-sobre-conselhos-populares-e-inconstitucional.shtml.
7
No que tange à composição, chama a atenção a ampla variação do número de
integrantes, tanto nos conselhos municipais de Porto Alegre (figura 2), entre 13 (Direitos
Humanos) e 45 (Assistência Social); quanto nos de cultura das capitais, entre 11 (Natal) e
42 (Fortaleza).
8
Varia também amplamente a proporção entre representantes do governo e da
sociedade. Na figura 3, verifica-se uma tendência à paridade, ficando a maioria dos
conselhos (12 em 19) numa faixa entre 45,5% (Natal) e 52% (São Luís) de participação
social. Destes 12, sete tem número par de integrantes, com representações idênticas (50%
a 50%); enquanto em outros cinco, de número impar, a diferença entre as “bancadas” não
supera um voto (pró-governo, em quatro casos, pró-sociedade em outro). Note-se que os
conselhos de seis capitais - entre elas as três mais populosas - não cumprem o que
estabelece o SNC quanto ao mínimo de 50% de representantes da sociedade.
Outras cinco capitais tem conselhos onde a sociedade possui maioria mais ampla
dos que os 50% mais um: Campo Grande (60%), Curitiba (64%), Belém (71,1%), Cuiabá
(75%) e, no caso extremo, Porto Alegre (86,5%).
Quadro semelhante verifica-se nos conselhos de Porto Alegre (figura 4), onde o CMC
figura na segunda posição em termos de representação da sociedade, mas bem próximo do
primeiro, o Conselho do Desporto (com 86,7%). Destaca-se também o CMC como um dos
mais numerosos, ficando atrás apenas dos conselhos de Assistência Social (45 membros) e
de Saúde (38). (Figura 5)
9
Representatividade numérica
Outro exercício de análise consiste em considerarmos a razão entre população total
de cada capital e o número de representantes da sociedade nos conselhos, aspecto que
também apresenta ampla variação entre as capitais. Na figura 6, o CMC destaca-se como o
terceiro proporcionalmente mais numeroso, onde cada conselheiro representa 44 mil
habitantes, somente atrás de Vitória e Florianópolis (cidades com população bem inferior).
Esse número é 3,5 vezes menor que a média, que é de um conselheiro para 157 mil
habitantes; e 15 vezes menor que o de São Paulo (669 mil hab.).
10
Uma peculiaridade do CMC de Porto Alegre é sua relação com o Orçamento
Participativo (OP)9, que resulta do fato de 17 dos seus 37 integrantes (ou 45,9%) serem
“indicados pela população organizada a partir das regiões do Orçamento Participativo,
mediante indicações encaminhadas e votadas pelos respectivos núcleos de cultura”,
sujeitando-se esses representantes ao “referendo do respectivo colégio de Delegados do
Orçamento Participativo”. (Porto Alegre, 1997)
Entre os conselhos de Porto Alegre, somente um tem representes das 17 regiões,
além do CMC, o Conselho de Assistência Social, no qual, contudo, por ser mais numeroso,
é menor o peso relativo desse grupo: 37,8%. Outros conselhos que tem assentos
reservados ao OP são os do Meio Ambiente, com duas cadeiras; Desporto, Transportes e
Direitos Humanos, todos com um representante. O Conselho do Desenvolvimento Urbano e
Ambiental reserva, além de uma vaga para a Assembleia Temática de Habitação,
Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano e Ambiental do OP, oito para
representantes da comunidade, escolhidos em fóruns conforme as oito regiões do
planejamento (mais amplas que as do OP).
Remuneração
Em relação a este tema, a maioria das capitais não prevê remuneração aos
integrantes dos seus conselhos na lei que os criou, sendo exceções os conselhos de Recife,
Fortaleza e São Paulo. Além desses municípios, o de Manaus tem autorização legal para
remunerar apenas presidente e vice de seu conselho; e Belém, para conceder diárias e
passagens aos conselheiros, quando em representação externa. João Pessoa, Natal e
Vitória têm como norma expressa a não-remuneração.
Já em Porto Alegre, somente cinco conselhos tem autorização legal para o
recebimento de jeton: Desenvolvimento Urbano e Ambiental, Transportes Urbanos,
Educação, Turismo e o Compahc.
Considerações finais e uma proposta inicial
O SNC consagra uma visão sistêmica da gestão pública da cultura, buscando por
isso, em sua expansão “de cima para baixo”, isto é, do plano federal em direção aos estados
e municípios, articular as diversas instituições, criadas individualmente e que
frequentemente funcionam de forma autônoma. Por este motivo, o MinC recomenda a
criação de sistemas municipais de cultura em lei única, mesmo em municípios que já
9 Para informação sobre o Orçamento Participativo de Porto Alegre, consultar
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op
11
disponham de um ou mais dos elementos do seu sistema - o que é o caso em Porto Alegre
(Brasil, 2012:33).
Tal tarefa é complexa, especialmente levando-se em conta que se trata de um
sistema consolidado que, mesmo com eventuais problemas, funciona há 17 anos, tendo
sido criado com a participação ativa da sociedade. Assim, embora o MinC ressalve que “a
realidade cultural de cada município [é] que determinará quantos membros e quais
segmentos terão assento no Conselho” (Brasil, 2012:39), dois princípios consagrados pelo
SNC apontam para um aumento no seu tamanho, tendência que pode acarretar
dificuldades, por exemplo, com a obtenção de quorum mínimo; espaços físicos para
reuniões; ou recursos para pagamento de jetons. O primeiro é a ampliação do conceito de
cultura, anteriormente restritos às áreas artísticas, para incluir todos os “modos de criar,
fazer e viver dos grupos formadores da sociedade brasileira” (artigo 216 da CF). Segundo
este princípio, o CNPC, tomado aqui como modelo, já conta desde 2009 com quatro novos
representantes “das áreas técnico-artísticas” de arquitetura e urbanismo, design, artesanato
e moda, que vieram somar-se aos nove existentes, sendo a tendência desse número
aumentar, com a reivindicação de novos grupos de interesse e atores sociais por voz e
assento. (Brasil, 2009) Nenhum desses quatro está contemplado ainda no CMC. No plano
municipal, essa diretriz tem como consequência o risco, agravado pela exigência de se
instituírem “sistemas setoriais”, de trazer à cena artificialmente “setores” localmente pouco
representativos ou até inexistentes.
O segundo é a transversalidade, que recomenda que a participação governamental
não seja limitada ao órgão específico de cultura, mas inclua também “representantes de
outras políticas públicas que têm interface com a política cultural”, o que permite incluir,
considerando-se o conceito mais amplo possível de cultura, quase todas as pastas de
governo. Tanto é assim que sob este aspecto o CNPC também foi ampliado com a inclusão
de representantes dos ministérios do Turismo, Comunicações, Trabalho e Emprego e
Relações Exteriores, além das Secretarias Geral e de Comunicação Social da Presidência
da República; que vieram somar-se aos já representados (Cultura; Casa Civil; Ciência e
Tecnologia; Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Educação; Meio Ambiente;
Planejamento, Orçamento e Gestão). (Brasil, 2009) A verdade é que ainda outras pastas
possuem interface com a cultura, porém o risco que surge aqui é o nomear como membros
permanentes dos conselhos de cultura indivíduos pouco afeitos ou interessados na política
cultural, sob a justificativa de que sua presença possa ser útil eventualmente, quando estiver
na pauta tema afim ao órgão que representa. Neste caso, uma solução mais sensata seria
convidá-lo nessa ocasião, quando for o caso, sem dar-lhe um assento permanente.
12
Atender a essas recomendações sem promover um “inchaço” do nosso CMC, que
atualmente já é proporcionalmente um dos mais numerosos do país, constitui um grande
desafio, no quadro da integração de Porto Alegre (ou de qualquer município) ao SNC.
Em relação à remuneração dos representantes da sociedade por sua participação
nos conselhos, as orientações do SNC são omissas. A experiência demonstra que o
exercício das funções de conselheiro, com um mínimo de dedicação, implicam despesas
pessoais tais como transporte ou alimentação, as quais é justo que o Poder Público
reembolse, pois do contrário podem representar barreira econômica à participação social.
Tal remuneração deve ser suficiente para essas despesas, evitando-se que um valor
desproporcionalmente alto venha a se constituir por si só em um atrativo para o exercício do
mandato de conselheiro.
Cabe aqui notar, em relação à tendência de “inchaço” debatida acima, que diante
das habituais dificuldades orçamentárias com que se debate o setor cultural na gestão
pública municipal, as chances reais de se obter remuneração para os conselheiros é
inversamente proporcional ao seu número.
Quanto ao processo eleitoral, o SNC preconiza a eleição direta, mediante voto dos
cidadãos previamente cadastrados no órgão gestor de cultura (Brasil, 2012:41). Já no atual
conselho de Porto Alegre, enquanto os representantes dos setores culturais são eleitos por
um colégio de entidades, previamente cadastradas, em reunião pública convocada pelo
órgão gestor; os representantes da sociedade civil são eleitos pelos “núcleos de cultura”,
entidades que a lei não definiu, podendo, a rigor, qualquer grupo, reunido uma única vez, a
qualquer tempo em determinada região, registrada essa reunião em ata, reivindicar a
condição de “núcleo” da referida região, pleiteando o aval dos Delegados do Orçamento
Participativo, única condição exigida pela lei para legitimar o seu representante. Já as
entidades culturais precisam, por lei, demonstrar existência formal por no mínimo dois anos,
estabelecendo assim assimetria injustificável.
Assim, chegou-se a uma proposta inicial de alterações na Lei do CMC, a qual foi
apresentada pela SMC ao Grupo de Trabalho criado em 2 de junho de 2014 com o propósito
de debatê-la e, possivelmente, colaborar na sua posterior regulamentação. A proposta, após
uma primeira análise pelo Grupo, foi submetida a consulta públicas (virtual e presencial, esta
em 1/9/2014), ficando assentado que deverá ser submetida ao próximo mandato do CMC,
antes de ser enviada à Câmara de Vereadores.
A proposta agrega ao Sistema Municipal de Cultura o Conselho Municipal do Livro e
Leitura, o Plano Municipal de Cultura, os quatro fundos existentes e o Sistema de
Informação Cultural, mantidos os atuais elementos. Propõe-se ainda que os conselhos
“setoriais” existentes (Compahc e CMLL), passem a eleger os representantes dos setores
13
do patrimônio e do livro e leitura, respectivamente, criando assim um vínculo entre ambos
com o CMC, hoje inexistente. Cabe notar contudo que esses conselhos “setoriais”, mesmo
com maioria da sociedade, não estão totalmente de acordo com as orientações do SNC
(ainda que não sejam objeto do atual Acordo de Cooperação). Criado durante o regime
autoritário, o Compahc tem os representantes da sociedade indicados diretamente pelas
nove entidades listadas na Lei 7658/2010; enquanto a lei que criou o CMLL reservou
assento para representantes de escritores, livreiros, editores, entre outros participantes da
cadeia produtiva, deixando para a regulamentação definir a forma de escolha (o que não
ocorreu até o momento). Cabe ainda questionar se a própria relação de subordinação
desses conselhos ao CMC, implícita na eventual e singela mudança de nome de “municipal”
para “setorial”, embora tenha sido aprovada pelo CMC e submetida à última Conferência,
constando da atual proposta de Plano Municipal de Cultura (Porto Alegre, 2013;103), terá
aceitação pacífica nesses órgãos.
Além disso, a proposta contempla o apoio à participação da sociedade, mediante o
pagamento de jetom; e um maior suporte operacional, mediante a instituição de rubrica
específica para manutenção do CMC, bem como e a criação de Função Gratificada de
Secretário do mesmo, para um servidor da SMC, que passaria a se dedicar exclusivamente
a esta atividade.
Contudo, talvez o principal objetivo da proposta seja o maior equilíbrio de forças
entre os três grupos de interesse (a comunidade cultural de artistas, produtores e entidades
de classe; os usuários ou a população em geral; e o governo), que passariam a ter, cada
um, oito representantes. Entre os do Executivo, passariam a figurar também as secretarias
de Educação, Juventude, Turismo e Governança Local. Em vez de 17 assentos
representando as regiões do Orçamento Participativo, passaríamos a ter oito assentos,
correspondentes às oito regiões de Gestão do Planejamento.
A fundamentar esse ponto da proposta, invocamos as características dos conselhos
estudados, entre os quais o CMC aparece como atípico, conforme vimos. Temos em vista,
ainda, os riscos apontados por Cortes (2011:71-4) na tendência observada nos organismos
de participação social, de redução das representações dos profissionais especialistas,
representantes de “interesses de mercado”, tanto quanto dos gestores, a fim de limitar o
poder de ambos, como parece ter sido o caso aqui. Segundo a autora, tal tendência, embora
de índole democratizante, traz o risco da “diminuição da importância relativa dos conselhos
como espaços de decisão política setorial”, limitando por conseguinte a capacidade desses
fóruns realmente se constituírem como espaços de mediação política e de construção de
consensos na arena política setorial.” Situação que, segundo observamos, aplica-se em boa
medida ao Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre.
14
Referências
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http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=978723 Brasil. Decreto Nº 5.520, de 24/8/2005. Institui o Sistema Federal de Cultura - SFC e dispõe
sobre a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC do Ministério da Cultura. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Decreto/D5520.htm
–. Decreto 6.973, de 7/10/2009. Altera o Decreto 5.520/2005, que institui o Sistema Federal de Cultura - SFC e dispõe sobre a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC do Ministério da Cultura. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6973.htm#art1
Brasil. Ministério da Cultura. Guia de orientações para os municípios: Sistema Nacional de
Cultura: perguntas e respostas. Brasília, 2012. http://www.cultura.gov.br/documents/10907/963783/cartilha_web.pdf/8cbf3dae-0baf-4a30-88af-231bd3c5cd6e
Calabre, Lia. “Conselhos de cultura no Brasil: algumas questões”. Rubim, Antônio Albino Canelas et al. (org). Políticas culturais, democracia e conselhos de cultura. Salvador,
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. Lei 7.328, de 4/10/1993. Cria o Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre – FUMPROARTE.
. Lei Complementar 399, de 14/1/1997. Cria o Conselho Municipal de Cultura (CMC) e o Sistema Municipal de Cultura, institui a Conferência Municipal de Cultura.
. Decreto 11.738, de 14/5/1997. Regulamenta a LC 399/1997, que criou o Conselho Municipal de Cultura, instituiu o Sistema Municipal de Cultura, oficializa a Conferência Municipal de Cultura.
. Decreto 12.403, de 20/7/1999. Aprova o Regimento Interno do Conselho Municipal de Cultura, criado pela Lei Complementar nº 399, de 14 de janeiro de 1997.
. Lei 8.936, de 3/7/2002. Cria o Fundo Monumenta Porto Alegre.
. Lei Complementar 658, de 7/12/2010. Dispõe sobre o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc) e revoga o inc. VIII e o § 8º do art. 1º da Lei 3.607/1971.
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