Upload
ucla-ve
View
2
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
JESÚS EDUARDO CANELÓN PÉREZ
A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR: UMA ANÁLISE
PSICOSSOCIAL DE UMA FORMA TRADICIONAL DE
MANEJO DE UM BEM COMUM.
Doutorado em Psicologia Social
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2004
JESÚS EDUARDO CANELÓN PÉREZ
A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR: UMA ANÁLISE
PSICOSSOCIAL DE UMA FORMA TRADICIONAL DE
MANEJO DE UM BEM COMUM.
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob a orientação do Prof. Dr. Peter Kevin Spink.
PUC/SÃO PAULO 2004
JESÚS EDUARDO CANELÓN PÉREZ
A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR: UMA ANÁLISE
PSICOSSOCIAL DE UMA FORMA TRADICIONAL DE
MANEJO DE UM BEM COMUM.
São Paulo,
BANCA EXAMINADORA
----------------------------------------------
----------------------------------------------
----------------------------------------------
----------------------------------------------
----------------------------------------------
Ao meu pai, José Luís Canelón Arocha (in memoriam) À Minha mãe, María de Lourdes Pérez de Canelón, que tem mostrado mais força que muitos que ainda não chegaram à sua idade, pelo seu exemplo e alegria de viver. Aos meus queridos e saudosos filhos, Eduardo José Soren e Sara Cristina, luzes que me iluminam e me dão força quando sinto que estou sem fôlego. Espero profundamente que esta separação algum dia mostre seus frutos e que possamos dizer juntos "VALEU!”. À Milagros, amor de minha vida e companheira solidária inseparável, além de mente prodigiosa, que presente nos difíceis e nos gratos momentos que temos passado durante este percurso. A ela meu eterno agradecimento, pois, sem ela, definitivamente, teria sido quase impossível chegar ao final deste caminho.
AGRADECIMENTOS Esperando que não tenha esquecido alguém, começo agradecendo às pessoas do Vale de Quíbor que participaram deste trabalho, pela sua compreensão, amabilidade e pelo apoio que me deram para que fosse possível contribuir com um melhor Vale para todos. Ao meu irmão José Luís, por ficar à frente de meu pequeno patrimônio e administrá-lo da melhor forma possível, apesar das suas múltiplas ocupações. A minhas irmãs Adriana e Miguelina, pela solidariedade para comigo, em todo momento, e à família em geral, sempre prestes a contribuir para que esta tese fosse concluída, especialmente nos piores momentos, quando pensei em largar tudo pelos problemas econômicos em razão da difícil situação por que passou a Venezuela a partir de dezembro de 2002. Ao meu orientador Peter Kevin Spink, por suas indicações esclarecedoras e por tentar, quem sabe se fez, mudar um obstinado antropólogo para psicólogo social. À Mary Jane Paris Spink, sábia conselheira no início deste trabalho, e em parte responsável por ter-me decidido a fazer o doutorado na PUC. Aos professores Odair Sass e Marcos Reigota, pelos seus valiosos conselhos durante a qualificação, que me serviram, imensamente, para conseguir finalizar esta tese. Ao professor Pedro Jacobi, pelas contribuições feitas a este trabalho. A todos os Professores do Programa de Psicologia Social da PUC e aos convidados, pois, cada um deles, deixou em mim algo do seu conhecimento. Ao meu querido amigo, João Bosco, de Juazeiro do Norte, pela sua capacidade de ser feliz e fazer com que seus amigos possam ser felizes com ele, e à Andréa, sua eterna companheira, pela sua amizade e solidariedade. À Cássia Carraco, cicerone paulistana, grande amiga, sempre com uma resposta a minhas perguntas sobre a cidade e seus cantos. À Rose Cordeiro, capricorniana de alma e coração, como eu, pelo seu apoio e amizade, e ao Hamilton, que juntos me encheram de gratos momentos de intercâmbio teórico e de outros campos sibaritas. À Jacqueline, pela sua incrível força e pelas horas de leitura que terminaram com importantes indicações para o texto, e ao Hélcio, por sua contribuição cibernética para que meu computador funcionasse 100%. À Daniela e à Mila Moraes, grandes comadres e amigas, sempre dispostas a dar o melhor delas e fazer com que minha vida no Brasil fosse tão prazerosa como a que levo na minha querida Venezuela. À Maria Luiza, pelo seu carinho eterno e sua amizade, que me fazem acreditar num mundo melhor, e ao Pedro, pela sua lucidez e experiência, por ter-me ensinado muito com seu jeito.
À Alejandra León, ao Alexander Bonetti, à Vera e ao Marcos Menegom, ao Waldinho e à Teisi, por confiarem em nós e oferecerem sua ajuda e amizade sem pedir nada em troca. Aos amigos da UCLA na Venezuela, Ayolaida Rodríguez (a Iluminada), “governanta” da minha casa na minha ausência; Carlos Nunes (o Maligno), calado no seu canto, sempre solidário; Dulce Marrufo, que resolve tudo; Beatriz Veracoechea, sempre alegre; Gisela Rodríguez (com seu Tigre), longe mais muito perto; Elba Torrealba, rainha da amabilidade. Aos “panitas” do Núcleo de Pesquisa em Organização e Ação Social, sempre oferecendo sua contribuição, tanto teórica como afetiva, para fazer esta estadia no Brasil muito mais agradável do que eu esperava. Especialmente à Carla, ao Bruno, à Tânia, à Mônica, à Denise, ao Henrique, ao Roberto, ao Álvaro, ao Agnaldo e à Tatiana. Ao Carlos Pereira, porque facilitou minha vida como estrangeiro neste país.
Ao pessoal do Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A., ao seu Presidente, Ing. Franklin Quintero, e de maneira especial a meus amigos, Alberto, Dácil, Donald, Guido, Jesús e Lisbeth, por me permitirem conhecer um pouco mais o Vale e por me acompanharem neste complexo caminho, além de pôr à minha disposição os recursos da empresa.
À Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), por ter confiado seus recursos a mim, outorgando-me uma bolsa de estudos que permitiu, apesar de muitos momentos de angústia e desesperança, realizar e concluir este trabalho. Ao pessoal do Departamento de Formación del Personal Académico (DFPA), da UCLA. Aos amigos do Núcleo de Estúdos em Práticas Discursivas e Produção de Sentido, em especial ao Sergio, à Vanda, à Maroca, à Claudinha, pelos bons momentos que compartilhamos antes, durante e depois do núcleo. À Irene Incaó, pela atenta leitura e revisão final do texto.
CANELÓN PÉREZ, Jesús E. A gestão de água no Vale de Quíbor: uma análise psicossocial de uma forma tradicional de manejo de um bem comum. Tese (Doutorado em Psicologia Social)
RESUMO
A distribuição e o uso da água têm sido objeto de grandes discussões em nível mundial, como se constata nas conferências e simpósios realizados ao longo dos últimos 25 anos. Como resultado dessas discussões, apareceram várias formas de considerar a administração desse recurso dito indispensável. A partir da leitura das declarações finais de muitas dessas conferências, dos manifestos com posições contrárias a elas e da bibliografia sobre o tema, classifico as várias posturas como hegemônicas, alternativas e intermediárias, tomando como referência as idéias sobre a propriedade da água e sua gestão. Mostro também como tem sido estudada, pelas ciências sociais, a água de irrigação e, como a Psicologia Social pouco tem se interessado pelo estudo dessa temática e de questões sobre o rural. Nesta tese procuro entender o entrecruzamento dos diversos sentidos que circulam a respeito da água de irrigação e sua gestão no Vale de Quíbor, região do semi-árido da Venezuela, buscando subsidiar as políticas locais de gerenciamento da água e contribuir para abrir a discussão sobre a noção de bem comum e o papel da água no contexto dos bens comuns, na Psicologia Social, e, se possível, fornecer subsídios à literatura disciplinar. Trata-se de um trabalho pioneiro nesta área no contexto venezuelano, no qual não foram encontrados estudos semelhantes. Epistemologicamente e metodologicamente tomo como base a perspectiva do construcionismo social, sustentando o trabalho em 4 (quatro) noções: campo-tema, matriz, análise de interfase centrada no ator e nas práticas discursivas. Com base nessas noções analiso, a partir das falas de juízes de água, agricultores, funcionários e técnicos de instituições e empresas estaduais, de minhas observações no lugar e de documentos de domínio público, a forma tradicional de gestão da água de irrigação em 5 (cinco) fontes de água disponíveis no Vale. Como elemento importante das formas de gestão – algumas delas são usadas há pelo menos 150 anos –, destaca-se a figura do juiz de água, enraizada nas práticas hispânicas e árabes de administração da água de irrigação. O juiz é parte das formas associativas autóctones, que mostram as capacidades e habilidades das pessoas do Vale para agir de forma coletiva e organizada. Analiso também as negociações, acordos e os conflitos surgidos na distribuição da água, apresentando, para tanto, de um lado a distribuição da água considerada, por alguns, como conflituosa e, por outro lado, como um elemento conciliador e promotor de acordos. Finalmente, tendo em conta os diversos sentidos atribuídos à água pelos atores, mostro como a água de irrigação pode ser considerada um bem comum, de propriedade coletiva, por juízes e agricultores do Vale, enquanto, para funcionários e técnicos, ela é uma propriedade pública que deve ser administrada pelo Estado, por meio da cobrança do serviço aos usuários. A categoria bem comum apresenta características particulares e de muita relevância na atualidade, sobretudo, num mundo em que parece estar se desfazendo a noção de autoridade do Estado, substituída pelas possibilidades que oferecem os direitos coletivos, abrindo novos espaços de estudo e discussão em relação a essa temática. O trabalho insere-se na produção do Núcleo de Pesquisa em Organização e Ação Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e foi possibilitado pela bolsa de estudos outorgada pela Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), da Venezuela. Palavras-chaves: gestão da água de irrigação, práticas tradicionais, bens comuns, análise de interface, práticas discursivas, semi-árido, Venezuela.
CANELÓN PÉREZ, Jesús E. Water management in the Quíbor Valley: a psychosocial analyze of a traditional form of handling a common good. These (Doctor in Social Psychology)
ABSTRACT
The distribution and use of water has been at the centre of grate discussions at the international level as it is verified by a number of conferences and symposiums that had taken place for the last 25 years. As a result of those discussions there have appeared various forms to consider such a called indispensable resource. Starting from the reading of such final international declarations and manifestos containing opposite positions and the bibliography about this topic, hegemonic, alternative and intermediate positions are classified taking into account ideas of water property and management. It is also showed how water irrigation has been studied by social sciences and how the social psychology has had little interest in studying such thematic and other rural subjects. This thesis aims to understand the intersection of various meanings of water irrigation and its management which circulate in the Quíbor Valley, a semiarid region in Venezuela, looking forward to subsidize local policies of water management and to contribute to open up the discussion about the common goods, and, in particular, the role of water among those goods, in the social psychology and, perhaps, to contribute to the disciplinary bibliography. It is a pioneer work within the Venezuelan context, where alike works were not found. Epistemologically and methodologically, this work takes as its foundation the social constructionist approach supported by four theoretical notions: field-theme, matrix, actor-oriented interface analyses and discursive practices. Based on those notions, it is analyzed water guards, peasants, institutional technical and state enterprises workers, observations and documents of public domain discourses about a traditional form of water irrigation management, studying five different water fonts available in the Valley. As an important element of the traditional water management’s form stands out the water guard figure, used for about 150 years, which is rooted in Hispanic and Arabic irrigation water management practices. The water guard is a very important figure in the autochthonous associative forms which shows the capacities and the peoples’ abilities in the Valley to act as a collective and organized form. It is also analyzed the negotiations, agreements and conflicts emerged within the water distribution process, showing contrasting actor’s point of view related to water distribution, seen as a conflicting as well as a conciliator element which can promote agreements. Finally, it is analyzed the different meanings attributed to water by the various actors showing how water irrigation is considered as a common good as well as a collective property by water guards and Valley peasants. On the other hand, official workers and technicians consider water as public property which should be administrated by the State through service charge to users. The common good category shows particular and relevant characteristics in present times, mainly, in a world where it seems to be dissolving the role of state’s authority and its substitution for the possibilities offered by collective rights, opening up new research areas and the discussion of the thematic of water as a common good. This work is part of the production of the Research Centre on Organization and Social Action at the Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Brazil. It was possible thanks to a scholarship from the Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), Venezuela. Keywords: water irrigation management, traditional practices, common goods, actor-oriented interface analyses, discursive practices, semiarid, Venezuela.
CANELÓN PÉREZ, Jesús E. La gestión de agua en el Valle de Quíbor: un análisis psicosocial de una forma tradicional de manejo de un bien común. Tesis (Doctorado en Psicología Social)
RESUMEN
La distribución y el uso del agua ha sido objeto de grandes discusiones a nivel mundial, como se puede constatar en las conferencias e simposios realizados durante los últimos 25 años. Como resultado de esas discusiones aparecieron varias formas de considerar la administración del denominado recurso indispensable. A partir de la lectura de las declaraciones finales de varias de esas conferencias, de los manifiestos con posiciones contrarias a ellas e de la bibliografía sobre el tema, divido las posturas sobre el agua en hegemónicas, alternativas e intermedias, tomando como referencia la idea que ellas tienen sobre la propiedad del agua y su gestión. Muestro también, como ha sido estudiada por las ciencias sociales el agua de riego y, como la Psicología Social poco se ha interesado en estudiar no solamente esta temática, como también todo lo que tenga que ver con lo rural. Procuro entender el entrecruzamiento de los diversos sentidos que circulan en el Valle de Quibor, región del semiárido de Venezuela, sobre el agua de riego y su gestión, en la búsqueda por subsidiar las políticas locales de administración del agua, contribuir para abrir la discusión sobre la noción de bien común en la Psicología Social y, se es posible, dar subsidios a la literatura disciplinaria. Se trata de un trabajo pionero en esta área, pues no fueron encontrados estudios similares en Venezuela. Epistemológicamente y metodológicamente tomo como base la perspectiva construcionista social y hago uso de cuatro nociones que son afines con esa perspectiva: campo-tema, matriz, análisis de interfase centrada en el actor y prácticas discursivas. Con base en esas nociones, analizo, a partir de las conversaciones de los jueces de agua, agricultores, funcionarios y técnicos de instituciones e empresas estadales, de las observaciones en el lugar y de los documentos de dominio público, la forma tradicional de gestión de agua de riego en cinco fuentes de agua disponibles en el Valle. Como elemento importante de una de las formas de gestión, usada desde hace por lo menos 150 años, aparece la figura del juez de agua, enraizado en las prácticas hispánicas y árabes de administración del agua de riego, que todavía persisten en el Valle. El juez hace parte de las formas asociativas autóctonas que muestran las capacidades y habilidades de las personas del Valle para actuar de forma colectiva y organizada. Analizo también las negociaciones, acuerdos y los conflictos sobre la distribución del agua. Presento para ello, como, por un lado, la distribución es considerada conflictiva por algunos de los que participaron en la investigación, y por otros, como un elemento conciliador y promotor de acuerdos. Finalmente, considerando los diversos sentidos atribuidos al agua por los actores, muestro como el agua de riego puede ser considerada como un bien común, de propiedad colectiva, para los jueces y agricultores del Valle, mientras que para los funcionarios y técnicos ella es definida como una propiedad pública que debe ser administrada por el Estado, a través del cobro a los usuarios de una tarifa por el servicio. La categoría bien común es de gran importancia en la actualidad, sobretodo, en un mundo donde parece deshacerse la noción de autoridad del Estado y se considera la posibilidad de substituirla por los derechos colectivos, lo que abre nuevos espacios de estudio y discusión con relación a esta temática. El trabajo se inserta en la producción del Núcleo de Investigación y Acción Social de la Pontificia Universidad Católica de San Pablo (PUC/SP) e fue posible gracias a la beca de estudios concedida por la Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), da Venezuela. Palabras claves: gestión de agua de riego, práctica tradicional, bien común, análisis de interfase, prácticas discursivas, semiárido, Venezuela.
Sumário
Prefácio.................................................................................................................... 1
Capítulo I. Uma introdução ao debate internacional sobre a água................. 11
As conferências e foros sobre a água: a proposta hegemônica..................... 12
A proposta alternativa................................................................................... 22
As posturas intermediarias............................................................................ 25
Sobre o desenvolvimento sustentável........................................................... 27
Capítulo II. Uma apresentação ao Vale de Quíbor e suas práticas sobre gestão
de água................................................................................................ 30
A Represa Yacambú-Quíbor......................................................................... 39
A legislação venezuelana sobre o uso da água na agricultura....................... 44
Formas de regulamentar o uso da água para irrigação em Quíbor................ 47
Capítulo III. Buscando um método num espaço interdisciplinário................... 53
A irrigação nos estudos socioculturais.......................................................... 54
A perspectiva do construccionismo social.................................................... 58
Estabelecendo os primeiros contatos............................................................ 68
Situando aos atores....................................................................................... 70
De volta ao Vale............................................................................................ 75
Sobre a análise.............................................................................................. 77
Capítulo IV. A água no cotidiano do Vale de Quíbor: os múltiplos sentidos... 80
Sobre os direitos e o gerenciamento............................................................. 81
O riacho Atarigua: as terras que ele percorre e as pessoas que podem
usá-lo............................................................................................................. 84
O portal de saída do túnel: os restos, usando até a última gota..................... 89
A represa Dos Cerritos: a estação de tratamento, a empresa camponesa
La Vigía e Aciprosemcla................................................................................ 92
Os poços profundos....................................................................................... 105
As águas residuárias....................................................................................... 105
Capítulo V. As interfaces e a produção de sentidos na negociação, nos acordos
e conflitos sobre a água....................................................................... 108
Os conflitos na distribuição das águas no Vale.............................................. 112
Um conflito em negociação............................................................................ 131
A represa como solução possível.................................................................... 138
Capítulo VI. O Bem Comum................................................................................... 145
Construindo um conceito................................................................................ 146
A água como Bem Comum............................................................................. 149
Os sentidos sobre a água................................................................................. 153
Considerações gerais................................................................................................ 165
Referências bibliográficas....................................................................................... 179
Fontes........................................................................................................................ 191
Apêndices.................................................................................................................. i
Apêndice 1.................................................................................................... ii
Apêndice 2.................................................................................................... iii
Apêndice 3.................................................................................................... viii
Lista de mapas, tabelas e figuras Mapa 1. Localização relativa do Vale de Quíbor....................................................... 32
Mapa 2. Localização espacial das bacias de influência do Vale de Quíbor............... 34
Mapa 3. Localização de fontes de água menores....................................................... 38
Tabela 1. Os atores..................................................................................................... 79
Tabela 2. Temas de Gerenciamento........................................................................... 82
Tabela 3. Os conflitos pelo uso da água..................................................................... 114
Tabela 4. Como se definem a água e seu uso............................................................. 164
Figura 1. Vista do Vale de Quíbor.............................................................................. 33
Figura 2. Perfil longitudinal do túnel de transvase..................................................... 41
Figura 3. Riacho Atarigua.......................................................................................... 85
Figura 4. Portal de Saída do Túnel de Transvase....................................................... 90
Figura 5. Saída da água do túnel pela tubulação........................................................ 90
Figura 6. Filtro para lavagem da água........................................................................ 93
Figura 7. Canal da água dos filtros............................................................................. 94
Figura 8. Canal de cimento......................................................................................... 99
Figura 9. Uma das lagoas de Luis............................................................................... 107
Figura 10. Lagoa de estabilização do esgoto de Sanare............................................. 122
Figura 11. Vista do riacho Atarigua desde a ponte de Bojo........................................ 128
Figura 12. Saco de areia para bloquear ou desbloquear o desvio de água................... 129
Detalhe do mural de Diego Rivera. El agua, origen de la vida, 1951. Fresco en Polietileno y solución de hule. Cárcamo del Río Lerma, Parque Chapultepec, Ciudad de México. Fonte: http://www.diegorivera.com/murals/lerma1.html
2
A palavra água, do latim aqua, é freqüentemente descrita como um líquido incolor,
sem cheiro ou sabor, essencial à vida e que congela a 0°C e entra em ebulição a 100°C; uma
definição inócua para aquilo que ao longo deste trabalho de pesquisa se mostra como base de
negociações, acordos e conflitos.
Segundo Guerrero (1998), Tales de Mileto, filósofo grego do século V a.C., teria
afirmado que a água era a substância original, da qual se formaram todas as demais. Outros,
mais tarde, apontaram para a existência de uma certa proporção no mundo entre o fogo, o ar, a
terra e a água, e que essas substâncias lutam entre elas para manter um equilíbrio natural.
Guerrero, no mesmo texto, menciona, também, que Issac Newton, no século XVII afirmara,
no seu De Natura Acidorum, que todo corpo poderia ser reduzido a água.
A água doce da terra só representa 3% do total de água disponível no planeta, apesar
de que a Terra está composta, em 71% da sua superfície, por água, e, o que é apontado como
mais dramático: apenas 0,26% dessa água doce é adequada ao consumo humano, nas suas
diversas formas (De Villiers, 2002).
No nosso planeta, a água se “autocontrola” pelo que é denominado de ciclo
hidrológico. Ele garante que a água da terra e dos oceanos se evapore, flutue e seja arrastada
pelas correntes de circulação do ar atmosférico para depois se precipitar na forma de chuva,
neve ou granizo. Ao se precipitar, pode ser interceptada ou assimilada pelas plantas e, a partir
delas, devolvida à atmosfera, fluir pela terra para os leitos dos rios, infiltrar-se para depósitos
subterrâneos (aqüíferos) ou contribuir para a formação de lagos, evaporar e começar tudo de
novo.
O ciclo hidrológico é o processo de transferência da água de um estado, ou reservatório, para outro através da gravidade ou da aplicação de energia solar, ao longo de períodos que variam de horas a milhares de anos. O sistema todo funciona somente porque mais água evapora dos oceanos do que retorna para ele diretamente nas formas de chuva ou neve. Essa diferença cai na terra sob as formas de chuva ou neve, e é essa diferença que torna nossa vida possível, pois, quando a chuva cai, ela o faz em forma de água doce (De Villiers, 2002:52-53).
A quantidade de água que circula nesse ciclo permanece constante, porém, ela se
modifica localmente. Então, o ciclo hidrológico não tem começo nem fim, pois todos os seus
componentes estão interligados, mas para entendê-lo é possível, como vimos, começar sua
explicação pela evaporação, que é o que leva a umidade da superfície do planeta à atmosfera.
Tudo isso faz saber que a água não desaparece, só se transforma, e que essa
transformação pode ser produzida por vários elementos, como o clima e a natureza em geral,
ou pelas pessoas quando desmatam, poluem, ou fazem uma barragem. Portanto, quando se
3
fala de escassez de água, essa tem a ver com um contexto determinado num lugar específico,
e não com uma escassez efetiva no planeta, quer dizer, a água que falta num canto pode estar
causando enchentes em outro.
Segundo Rebouças (2002), “o termo água refere-se, regra geral, ao elemento natural,
desvinculado de qualquer uso ou utilização. Por sua vez, o termo recurso hídrico é a
consideração da água como bem econômico, passível de utilização com tal fim” (p.1).
Mas a água não é simplesmente um bem econômico, mas também, um bem público e
um bem comum/coletivo. É neste triângulo de perspectivas que se situa o presente trabalho:
nas questões de gestão de algo que é público, coletivo e econômico em várias proporções,
dependendo da perspectiva assumida. Para o mundo das grandes empresas nacionais e
internacionais de água, ela é um bem econômico que permite criar serviços, como de
saneamento, eletricidade, transporte, etc., em troca de pagamentos. Para o mundo dos gestores
públicos, a água é uma questão de política pública, de discussão sobre formas de
regulamentação e controle. E, para as comunidades, a água é vista como sendo “da gente”,
algo que a natureza fornece para as pessoas que por aí vivem.
Mas, especificamente, buscamos contribuir para a discussão sobre a gestão de água, a
partir da análise de uma prática alternativa de gestão, desenvolvida historicamente num vale,
o Vale de Quíbor, de aproximadamente 43 mil hectares produtivos dentro do que se denomina
como Zona de Aproveitamento Agrícola, no município Florencio Jiménez, no estado de Lara,
na Venezuela.
A Venezuela é um dos países mais ricos do mundo em termos de recursos hídricos,
segundo o nível de potencialidade em relação ao uso desses recursos, quer dizer, seu potencial
está entre 10 mil e 100 mil m³/hab./ano e seu nível de uso entre 100 e 500 m³/hab./ano, o que
é considerado como baixo (Rebouças, 2002). Foi o primeiro país da América Latina a criar,
em 1977, uma instituição para o manejo e administração dos recursos naturais e renováveis
com categoria ministerial, o Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales Renovables
(MARNR), hoje denominado como Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales
(MARN), que é uma entidade centralizada e responsável pela gestão dos recursos hídricos do
país (González, 2000).
Por meio do Ministério do Ambiente, o Executivo Nacional exerce a autoridade sobre
as águas, segundo o artigo 50 do Decreto de Fuerza y Rango da Lei Orgânica da
Administração Central, com data de publicação de 14 de outubro de 1999, na Gazeta Oficial
n.° 36.807. Em nível nacional, o Ministério exerce sua gestão através de Direções Setoriais,
Estaduais, Regionais e suas empresas Hidrológicas Regionais (González, 2000).
4
Apesar da sua riqueza hídrica é possível encontrar regiões do país onde chove durante
o ano todo e outras onde não chove quase nunca. Nos 912.050 km² de superfície que ocupa a
Venezuela existem nove tipos climáticos diferentes: Tropical Desértico (árido), Tropical de
Estepe (semi-árido), Tropical de “Sabana”, Tropical “Monzónico”, Tropical de Selva,
Tropical de Altura, Temperado de Altura, Páramo de Altura e Glacial de Altura. “Além
dessas diferenças nos climas do país, dentro de cada região se apresentam diferenças espaciais
e temporais no comportamento dos parâmetros climáticos”1 (González, 2000:31).
Segundo uma projeção do censo de 1999, o país tem uma população de 23.706.711
habitantes, sendo que o 87% se localiza nas zonas urbanas. Da população total, 30,6% estão
concentrados na área norte-costeira, o que representa 1,7% da superfície nacional. Em
contraposição, 8,3% da população ocupa 58,2% do território, o que mostra um forte desnível
na distribuição da população urbana e a rural no país. Do ponto de vista hidrográfico, existem
duas vertentes marítimas: a do Atlântico e a do mar do Caribe. E seis bacias hidrográficas
principais: rio Orinoco (a mais importante pela quantidade de água, 1.071.188 hm³, e pelo
território que abrange, 770 mil km²), lago de Maracaibo, mar do Caribe, rio Cuyuní, rio
Negro e lago de Valência (González, 2000).
O problema do uso e gestão da água é um elemento cada vez mais presente nas
discussões mundiais. De um lado, existem propostas de organizações internacionais como a
ONU e o Banco Mundial, apoiadas pelas multinacionais da água, como a Vivendi e a Suex-
Lyonnaise das Águas, entre outras, para subministrar água para todos os seres humanos do
planeta, privatizando os serviços de distribuição de água ou por meio de parcerias público-
privadas, pois consideram que a água é principalmente um bem econômico. Por outro lado,
algumas organizações não governamentais e grupos de ecologistas, entre outros, se opõem aos
programas de privatização e argumentam a favor da administração das águas pelos usuários,
considerando a água como um direito humano universal.
Desde 1994, venho tendo contato, atuando como professor do Decanato de Medicina
da Universidad Centro Occidental Lisandro Alvarado (UCLA), em Barquisimeto, com as
práticas agrícolas do Vale de Quíbor2 (Canelón; García e Núñez, 1999). Inicialmente,
estudando questões sobre agrotóxicos e práticas de trabalho agrícola, onde a água rapidamente
apareceu como um elemento chave na dinâmica produtiva do lugar, sobretudo, considerando
1 Todas as citações que no texto original não estão escritas em português, foram traduzidas pelo autor da tese. 2 São desenvolvidos na zona rural do Vale diversos projetos na área de saúde, e a Faculdade de Medicina desenvolve atividades docentes no hospital da região, bem como nas várias unidades básicas de saúde espalhadas pelo Vale.
5
o caráter de semi-árido que o Vale apresenta. Assim nasceu o meu interesse pela gestão da
água nessa região.
O Vale de Quíbor apresenta condições climáticas que o colocam dentro do que se
denomina semi-árido, com três meses úmidos e aproximadamente 500 mm de precipitação
anual. Apresenta, também, elevações que variam entre 820 metros sobre o nível do mar (msnm)
ao sul e 600 msnm ao norte da planície. A temperatura oscila entre uma máxima de 31,2°C e
uma mínima de 19,2°C, com uma média anual de 25,3°C. No Vale, cultivam-se
principalmente cebola, tomate, pimentão, mas existem plantações de grande variedade de
cultivos que dependem da época e do produtor, entre elas: alface, pepino, coentro, cebolinha,
acelga, alho-poró, beterraba e frutas em geral, assim como criação de espécies animais (SHYQ,
1998).
Hidrograficamente, o Vale de Quíbor forma parte da bacia do riacho Las Raíces,
afluente do rio Tocuyo, que pertence à bacia do mar do Caribe. Os recursos de água usados
para irrigação no Vale provêm do escoamento superficial, principalmente dos riachos Las
Raíces e Atarigua, das águas subterrâneas (atualmente superexploradas) e de fontes menores:
águas residuárias, drenagem do túnel de transvase da represa do rio Yacambú, sistema de
irrigação San José de Quíbor e lavagem de filtros da estação de tratamento Cidade de
Barquisimeto, essas duas últimas fontes recebem água da represa Dos Cerritos, localizada na
bacia alta do rio Tocuyo (SHYQ, 1998).
A condição de semi-árido do Vale torna impraticável atividade agrícola de média ou
grande escala sem o uso da irrigação. Para administrar essa escassez histórica de água, no Vale
de Quíbor, por mais de 150 anos os agricultores têm utilizado uma forma própria de gestão de
água, em que figura do juiz de água tem sido elemento fundamental. Os primeiros registros
sobre a gestão de água no Vale datam de 1851, e é provável que essa prática seja bem
anterior. Atualmente, está sendo construída uma represa que pretende contribuir para a
solução da escassez de água, não somente no Vale, como nas cidades circunvizinhas.
Em conversas com funcionários da Empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor
(SHYQ) − encarregada da construção da represa −, do Ministério do Ambiente, da Prefeitura
do Município Florencio Jiménez e nos documentos oficiais, ficam evidentes as diferenças
entre os modelos e práticas de gestão de água em circulação entre os múltiplos atores e,
especialmente, a falta de reconhecimento do caráter coletivo das práticas tradicionais e
autóctones.
Na Psicologia Social, a área do estudo de inovação natural teve até recentemente
pouco espaço entre os métodos usuais de elaboração teórica. Felizmente, o Núcleo de
6
Pesquisa em Organização e Ação Social (Noas), na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, Brasil (PUC/SP), sempre foi foco de promoção das vozes de atores inovadores. Como
membro do Noas, apoio-me na visão de Peter Spink, seu coordenador, quando diz que o
núcleo “tem um compromisso com os eventos cotidianos e com a busca de ações que reduzam
as desigualdades e melhorem a qualidade da vida coletiva” (Spink, 2003a:2). O que também
me anima a realizar esta pesquisa é “a possibilidade de ser útil” (Spink, 2003a:8) e de dar voz,
principalmente, aos pequenos produtores do Vale de Quíbor.
Para tanto, analiso a forma tradicional de gestão de diversas fontes de água, utilizadas
pelos agricultores do Vale de Quíbor para irrigar áreas agrícolas, buscando minimizar os
problemas de escassez de água durante a estiagem. Faço isso por meio do estudo das práticas
discursivas expressas pelos vários atores com os quais me relacionei em entrevistas, conversas
e nos discursos escritos, leis e normas que regulamentam o uso da água na região e no país,
assim como em outros documentos de domínio público. Entendo por forma tradicional de
gestão o manejo de água de irrigação que se baseia em práticas e normas estabelecidas no
Vale desde tempos imemoriais, de forma oral ou escrita, mas que são resignificadas no
cotidiano pelas pessoas que utilizam a água ou trabalham em torno dela.
Utilizo como referencial epistemológico e metodológico as noções de campo-tema de
Peter Spink (2003a), localizando este estudo como parte de uma temática que ocorre em
lugares determinados, nos quais eu me situo mesmo não estando fisicamente presente; de
Matriz de Ian Hacking (1999), que me subsidia na compreensão de situações complexas como
a da água de irrigação; a de Análise de Interface Centrada no Ator, de Norman Long (2001),
que me permite compreender como e onde se entrecruzam, ou não, os diferentes sentidos
atribuídos à água (de irrigação) e sua gestão; e de Práticas Discursivas, consideradas
linguagem em uso (ação), na proposta de Mary Jane Spink (1999).
Procuro contribuir para a discussão da noção de bem comum na Psicologia Social, a
partir do estudo das negociações de sentidos, dos posicionamentos e das interfaces, que
surgem nos processos de gestão da água de irrigação durante a estiagem no Vale de Quíbor.
Procurei entender o entrecruzamento das diversas versões que circulam sobre a gestão da água
de irrigação, olhando para as semelhanças e diferenças.
Esta pesquisa busca, ainda, subsidiar as políticas locais de gerenciamento da água de
irrigação e na tomada de decisões sobre a distribuição, manejo e consumo da água no
contexto do Projeto Hidráulico Yacambú-Quíbor e, se possível, fornecer subsídios à literatura
disciplinar. Trata-se de um trabalho pioneiro nessa área, pois nem no Vale de Quíbor, nem na
Venezuela temos encontrado estudos semelhantes, que abordem, a partir da Psicologia Social,
7
os processos de gestão de água de irrigação. Espera-se, portanto, poder contribuir para a
estruturação de propostas de gestão comunitária dos sistemas de irrigação.
As principais perguntas que têm orientado meu trabalho são: Qual a forma de gestão
tradicional das fontes de água para irrigação no Vale de Quíbor? Que mecanismos de ação e
organização existem e são propostos para a gestão da água na região? Quais pessoas e
associações participam e podem vir a participar da gestão da água em Quíbor? Quais os
direitos que sustentam o uso que se faz das fontes de água? Como e onde se dão as interfaces
na gestão da água? Quais os mecanismos de negociação que têm se dado, no Vale, para a
continuidade da gestão da água na época da estiagem? Quais os conflitos referidos pelas
pessoas em Quíbor a respeito da água de irrigação? Qual o papel do projeto de construção da
represa Yacambú-Quíbor para os vários atores envolvidos no uso da água na região? E –
finalmente – que sentidos sobre a água e a sua gestão estão presentes nos atores do Vale?
Espera-se que essas questões tenham sido em parte respondidas por meio desta
pesquisa, e que possamos, de algum modo, auxiliar os atores envolvidos a refletir sobre as
ações e negociações futuras, no que diz respeito ao uso da água no Vale.
A pesquisa foi realizada nas cidades de Barquisimeto, Quíbor, Sanare e em alguns
casarios do Município Florencio Jiménez como Cuara, Los Ejidos, El Hato, Los Ortices que,
junto com outros, constituem um lugar denominado Vale de Quíbor.
O trabalho divide-se em seis capítulos. O primeiro trata dos discursos que circulam no
âmbito internacional sobre a água e seu futuro. Apresento, para isso, alguns dos temas
discutidos nas conferências internacionais sobre a problemática da água no mundo,
principalmente desde a década de 1970, e as propostas e contrapropostas que têm surgido
nesse campo. As propostas e contrapropostas foram por mim organizadas em três grupos: a
“oficial” ou hegemônica3, produzida pelas instituições que guiam e controlam a formulação e
implementação de grande parte das políticas de administração mundial sobre a água, a
“alternativa”, produzida, entre outras, por duas associações da sociedade civil internacional
que se opõem às anteriores e trazem outros elementos à discussão4 e a intermediária, na qual
se misturam aspetos das anteriores. Inicio com as conferências mundiais e os discursos
contidos em suas declarações e prossigo com os argumentos expressos nos discursos do
3 Entre essas instituições estão as Nações Unidas (ONU) (incluem-se as Declarações Ministeriais das Conferências), o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Conselho Mundial da Água (WWC), a Global Water Partnership (GWP), e as grandes empresas administradoras de recursos hídricos em nível mundial. 4 Como associações opostas considero as propostas da organização não governamental “Contrato Mundial da Água” e o “Blue Planet Project” (Projeto Planeta Azul), o qual representa um movimento global de cidadãos para proteger a água.
8
Manifesto da Água e do Projeto Planeta Azul, como os principais representantes da proposta
alternativa. Apresento, também, algumas das propostas que se podem denominar como
posturas intermediárias com relação à privatização ou ao manejo público/coletivo da água.
Finalmente, faço uma discussão sobre a noção de Desenvolvimento Sustentável, em alguns
autores, e sua relação com o futuro da água.
No segundo capítulo, apresento uma introdução sobre o Vale de Quíbor como lugar da
pesquisa a partir da bibliografia sobre o tema e da minha vivência no local. O Vale aparece
como um lugar homogêneo, porém, é composto de muitos lugares com características
diversas, por isso a descrição sempre será uma versão particular e limitada de tudo o que
representa a região. Dentro dessa complexidade de pessoas e instituições que integram o
cotidiano de Quíbor, é importante conhecer o projeto da represa Yacambú-Quíbor. Para isso,
conto uma história sobre a empresa SHYQ e da construção das obras que executa, como
elemento fundamental do passado, presente e futuro do uso, manejo e controle de uma parte
das águas destinadas à irrigação, no Vale de Quíbor.
Também, e tomando em conta a relevância que têm para a gestão, descrevo as leis e
normativas que regulamentam o uso da água na Venezuela, de maneira geral, e em Quíbor, de
maneira particular, destacando a questão da água para irrigação. Identifico as terminologias e
conceitos utilizados no contexto mundial e sua ressonância nas falas e nos documentos legais
locais.
O terceiro capítulo constitui-se da apresentação do referencial teórico e metodológico
que tem orientado a construção da explicação e a análise das situações de gestão da água no
Vale e descrevo o percurso seguido para a realização das entrevistas e conversas e a seleção
do material impresso analisado. A partir da noção de campo-tema, situo-me no Vale e
apresento algumas das entidades e associações que estão presentes em Quíbor, nas quais
atuam as pessoas que fazem parte deste trabalho: os juízes de água e agricultores que
aparecem no texto relacionados com a fonte de água que utilizam, ou funcionários
relacionados com as instituições nas quais prestam seus serviços.
No quarto capítulo, analiso a forma tradicional com que os agricultores do Vale
gerenciam as fontes de água em Quíbor, a partir das falas dos atores envolvidos. Utilizo, para
tanto, as práticas discursivas dos juízes, agricultores e funcionários e os documentos de
domínio público disponíveis no Vale. As fontes de água utilizadas pelos atores são: o riacho
Atarigua, o Portal de Saída da Água do Túnel, a água da limpeza dos filtros da estação de
tratamento, a represa Dos Cerritos, as lagoas de estabilização de águas residuárias e os poços
profundos. A partir do entrecruzamento das práticas discursivas e da leitura do campo-tema
9
nos documentos técnicos e acadêmicos, a partir das duas primeiras categorias para a análise, o
direito e o gerenciamento do uso das águas. Essas categorias serviram para interpretar e
compreender quais os sentidos atribuídos ao direito sobre a água e a forma de administrá-la no
Vale de Quíbor.
O quinto capítulo trata da análise das práticas discursivas dos interlocutores e das
interfaces na gestão de água de irrigação no Vale, dando ênfase às negociações, aos acordos e
conflitos mencionados nas conversas e discursos. Apresento uma série de autores e
personalidades ligadas aos problemas de água no mundo, que dão suas versões sobre as razões
dos conflitos pela água. Utilizo aí várias estratégias para mostrar como as pessoas do Vale
falam dos conflitos como algo comum no passado, e o papel desses conflitos no cotidiano
atual. Trata-se também de como os juízes e distribuidores de água, particularmente, tentam
resolver esses conflitos, dependendo das pessoas envolvidas e do nível de complexidade.
Finalmente, faço uma análise das práticas discursivas de alguns dos interlocutores sobre as
possibilidades que oferecem a construção e funcionamento da represa Yacambú e o sistema de
irrigação Vale de Quíbor, por parte da empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A., na
melhoria da situação da escassez de água no Vale.
O capítulo VI desenvolve a outra categoria da análise, o bem comum e, em particular,
a idéia de que a água é um bem comum. Faço uma reflexão sobre essa noção ao longo da
história, assim como sua relação com outros termos utilizados, às vezes, como sinônimo, por
exemplo, bem comunal, bem público, bem coletivo. A literatura sobre o tema é muito ampla e
as acepções que se utilizam são inúmeras, mas, entenderemos neste trabalho que o bem
comum é aquele que pertence a um coletivo que o administra para seu benefício, sem impedir
que todos os usuários possam fazer uso desse bem. Nesse caso, considero a água de irrigação
parte dos bens comuns dos seus usuários, no entanto, cada fonte de água tem características
particulares dentro de uma matriz específica, na qual é construído determinado tipo de
relações sobre o uso e administração dessa água. As falas e os documentos nos auxiliam na
compreensão dos sentidos atribuídos pelos interlocutores à água, entendida como bem
comum, e como ela é considerada pelas leis e pelos regulamentos da Venezuela e da região.
Finalizo esta tese com algumas considerações gerais que tentam apresentar uma
discussão entre o trabalho e minhas reflexões sobre as principais questões discutidas ao longo
do texto. Entre elas, destacam-se as diferenças entre as propostas sobre a água no âmbito
internacional, a importância da água de irrigação para a produção agrícola e das relações
sociais em torno dela, a existência da forma tradicional de gestão de água, no Vale de Quíbor,
que tem permanecido por tantos anos com bastante sucesso, o papel do juiz de água na
10
distribuição da água, sobretudo na solução de conflitos, o papel de represa Yacambú-Quíbor
no futuro da região, e a utilidade das estratégias teóricas e metodológicas utilizadas neste
trabalho na compreensão de problemas complexos.
12
Não seria surpresa − especialmente considerando as suas implicações econômicas,
políticas e coletivas − que as concepções sobre a água no mundo sejam diferentes entre sim,
ao ponto de serem, inclusive, às vezes conflituosas. Para classificar as diferentes posições que
circulam nos espaços internacionais é útil distinguir três posições: a proposta hegemônica,
entendida como aquele conjunto de propostas lideradas pelos grupos econômicos em prol da
privatização da água, por considerar que elas são a referência mais presente no âmbito
internacional, sendo geralmente apoiadas pela Organização da Nações Unidas (ONU). Ainda
que essas conferências não tenham caráter impositivo, seus acordos e apontamentos são uma
diretriz para a tomada de decisões a respeito da água. Chamo de proposta alternativa àquelas
que tentam se contrapor à dita privatização e apresentam sugestões diferenciadas, embora
menos visíveis no contexto internacional. Além disso, apresento algumas das propostas que
podem ser chamadas de intermediárias, pois acolhem elementos das duas anteriores.
As conferências e foros sobre a água: a proposta hegemônica
A discussão promovida pelas Nações Unidas (ONU) acerca da disponibilidade da água
como problema de grande complexidade em âmbito mundial tem sua origem na década de
1970, com a realização de mega-conferências sobre o ambiente, em Estocolmo (ONU, 1972),
a água, em Mar del Plata (ONU, 1977), e a desertificação, em Nairóbi (ONU, 1979).
Isso não quer dizer que anteriormente não existisse o problema, ou que, em âmbitos
locais, não tivessem sido realizadas reuniões sobre a água em que se discutiram possíveis
negociações, acordos e conflitos, e que outras organizações não tivessem se preocupado em
realizar eventos sobre o tema. Porém, as conferências internacionais geraram discussões
globais a respeito da problemática da escassez e do saneamento da água, e, em alguns casos,
produziram declarações e planos de ação para auxiliar na tomada de decisões dos governos,
sobretudo, nos países chamados de terceiro mundo.
A conferência sobre a água, em Mar del Plata, na Argentina, em março de 1977, foi a
primeira a tratar do problema da escassez de água. Seu objetivo específico foi “promover um
nível de preparo político, nacional e internacional, que ajudasse o mundo a escapar de uma
crise da água de dimensões globais, até o fim do presente século” (Biswas, 2002:3). A
conferência buscava assegurar que o mundo tivesse, nesse período, um suplemento de água de
boa qualidade para satisfazer às necessidades econômicas de uma população em expansão,
promovendo políticas que ajudassem o mundo a evitar uma crise global de água.
13
Nessa conferência foi aprovado um plano de ação dividido em duas partes: a) das
recomendações, quanto a manejo da água, ambiente, controle da poluição e saúde, política,
educação, treinamento e pesquisa, cooperação regional e internacional, e b) 12 resoluções
sobre uma ampla gama de áreas temáticas específicas (Biswas, 2002).
Para Petrella, a conferência mostrou que a água começava a ser vista como uma das
questões mais importantes na agenda política, mas, não entanto, ele aduz que:
... a crise da água continuou a se intensificar de tal forma que, vinte anos mais tarde, uma outra agência da Onu, a Unesco, foi obrigada a organizar a última de um número infinito de conferências sobre o título: “Água: uma crise que se agiganta?” (Petrella, 2001:45).
Continuando com o apontado por Biswas (2002), o resultado mais importante dessa
conferência foi recomendar que o período entre os anos de 1980 e 1990 fosse proclamado
como a Década Internacional da Água Potável e do Saneamento, porém, o mesmo autor
menciona que a água desapareceu praticamente, e por diversas razões, das discussões
mundiais durante quinze anos depois de Mar del Plata, até a Conferência do Rio de Janeiro,
em 1992, o que significa que os objetivos de Mar del Plata não foram cumpridos.
Petrella (2001), por sua, vez critica os poucos sucessos alcançados durante a Década
Internacional da Água Potável e do Saneamento, lançada pelas Nações Unidas, que tinha
como proposta lograr a todas as pessoas do mundo o acesso à água potável segura até o ano
2000.
Em 1990, duas conferências trataram do problema da água nas suas agendas. A
primeira foi a Consulta Global sobre Água Segura e Saneamento para os Anos Noventa
(Global Consultation on Safe Water and Sanitation for the 1990’s), em Nova Delhi, cuja
declaração final sobre desenvolvimento e saúde estabeleceu: “A água potável e as formas
apropriadas de tratar o esgoto devem estar no centro do manejo integrado de recursos
hídricos” (Unesco, 2003). A segunda foi a Conferência Mundial para as Crianças (World
Summit for Children), realizada em Nova York, que estabeleceu em sua Declaração de
Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento das Crianças: “Promoveremos a provisão de água
potável em todas as comunidades, para todas as suas crianças, assim como o acesso universal
ao saneamento” (Unesco, 2003). Ambas as declarações reafirmam o princípio de que a água e
o saneamento são fundamentais para a saúde e o desenvolvimento humano, e este deve ser o
objetivo central das políticas de manejo da água.
Em janeiro de 1992, realizou-se em Dublin, Irlanda, um outro evento importante: a
Conferência Internacional sobre a Água e o Meio Ambiente (Ciama), programada pela
14
Organização das Nações Unidas ONU. Um dos resultados dessa conferência foi a denominada
Declaração de Dublin (ONU, 1992a), que contém quatro princípios norteadores e um
programa de ação: 1) a água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a
vida, o desenvolvimento e o meio ambiente; 2) o aproveitamento e a gestão da água deve
inspirar-se numa proposta baseada na participação dos usuários, dos planejadores e dos
responsáveis pelas decisões em todos os níveis; 3) a mulher desempenha papel fundamental
no abastecimento, na gestão e na proteção da água; 4) a água tem valor econômico em todos
os seus diversos usos aos quais se destina e deveria ser reconhecida como bem econômico. É
este princípio que tem gerado a maior discussão entre as diversas posturas sobre a questão da
água, já que ele tem implícita a cobrança pelo seu uso e abre a possibilidade da privatização
dos serviços de água potável e saneamento.
O mesmo documento aponta que os principais benefícios que emanariam da aplicação
das recomendações de Dublin seriam os seguintes: mitigação da pobreza e das doenças,
proteção contra os desastres naturais, conservação e reaproveitamento da água,
desenvolvimento urbano sustentável, produção agrícola e abastecimento da água no meio
rural, proteção do ecossistema aquático, solução de conflitos derivados da água, meio
ambiente favorável baseado em conhecimentos e criação de capacidades (ONU, 1992).
Apesar de ter sido organizada pela ONU, essa conferência foi uma reunião de
especialistas e não uma reunião intergovernamental, o que impossibilitou à ONU acatar
oficialmente esses resultados, pois esse organismo só pode considerar como recomendações
oficiais para todos os países-membros as recomendações que são o resultado de reuniões
intergovernamentais.
A resolução de Dublin tem sido muito discutida e criticada por alguns estudiosos da
problemática da água. Biswas (2002) destaca que Dublin significou um passo atrás em relação
ao alcançado em Mar del Plata, porque, por exemplo, nos Princípios de Dublin, se indicava
que a água deveria ser reconhecida como um bem econômico, enquanto que em Mar del Plata
se destaca que se devem “adotar políticas de preços apropriadas, com uma visão que encoraje
o uso eficiente da água e custos financeiros de operação que levem em consideração os
objetivos sociais” (Biswas, 2002:6). Ou seja, em Mar del Plata se considera tanto os usos da
água para consumo humano como o industrial e o de irrigação, mas ressalta-se a importância
do uso eficiente da água e os objetivos sociais desses usos.
15
Ainda nessa obra, Biswas faz outra crìtica à Conferência de Dublin, afirmando que
falta a ela um plano para operacionalizar os princípios no ‘mundo real’, e, portanto, em nada
ajuda a que os países em desenvolvimento tomem decisões usando-os como referência.
É a partir de Dublin, então, que a água começa a ser considerada, principalmente,
como bem econômico, em contraposição à noção da água como direito humano, gerando
fortes divergências que fizeram surgir várias propostas alternativas acerca da gestão da água,
a serem tratadas posteriormente.
Uma outra reunião importante, e que vai marcar as discussões de todas as seguintes, é
a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de
Janeiro em 1992 (ONU, 1992b), que gerou o documento conhecido como a Agenda 21, no
qual a ONU aprova a Declaração do Ano Internacional da Água Doce, segundo Resolução
55/196 de 20 de dezembro de 2000 e, segundo Petrella (2001:46), “cultuou o conceito de
desenvolvimento sustentável”.
Na Agenda 21, propõem-se cinco pontos principais de organização de gestão dos
recursos hídricos: 1) desenvolvimento e gerenciamento integrado de recursos hídricos, 2)
provisão de água potável de qualidade adequada e saneamento básico para toda a população,
3) água para produção de alimento sustentável e desenvolvimento rural, 4) proteção dos
recursos hídricos, dos ecossistemas aquáticos continentais e da qualidade da água e 5)
promoção de tecnologias e ações que integrem setores público e privado no desenvolvimento
e na inovação tecnológica (Tundisi, 2003).
No capítulo 18 dessa Agenda, estabelecem-se as bases para as discussões futuras em
matéria de água, em âmbitos internacional e local, e inclui-se em suas propostas elementos
muito parecidos com os encontrados na Conferência de Dublin, ainda que não tenham sido
incorporados os quatro princípios apresentados acima.
A conferência de Rio de Janeiro, deveria ter sido um ponto culminante no diálogo
entre os países do norte e do sul, porém,
Esta conferência, longe de produzir as mudanças esperadas, serviu para instaurar um novo paradigma de exploração que, sobe a telha do desenvolvimento sustentável, quer incorporar na cadeia da reprodução capitalista os últimos bens comuns do planeta (Rosenberger, 2003:78).
Para Petrella (2001:46), “a conferência de Rio, realmente ajudou a reafirmar, na
estrutura da Agenda 21, a necessidade urgente para uma política mundial da água”.
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo
em 1994, e a Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Beijing em 1995,
16
introduziram o tema do melhoramento do status político, social, econômico e de saúde, tanto
das mulheres como das populações em geral, dependendo do acesso à água e dos
investimentos em serviços (ONU, 2003).
Em 1996, foram criadas duas organizações que vieram a ter um papel muito
importante nas discussões sobre a água, em nível internacional. Elas são o Conselho Mundial
da Água5 (WWC) e a Parceria Global da Água6 (GWP). Ambas foram criadas pelo Banco
Mundial (BM) e outras organizações internacionais, entre elas, o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
A WWC, grupo de decisão sobre política da água, produziu o documento Visão sobre
a Água, a Vida e o Ambiente no Século XXI, que contempla uma série de alvos a serem
alcançados. A GWP é uma rede internacional aberta a todas as organizações ligadas à Gestão
Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH), e sua missão é apoiar os países na gestão
sustentável dos recursos hídricos. Ela produziu o documento Hacia la Seguridad Hídrica: um
marco para la acción, discutido no II Foro Mundial da Água (GWP, 2000). Segundo
Bustamante (2003:18),
A idéia de realizar um Foro Mundial Sobre a Água foi promovida pelo Conselho Mundial da Água como uma iniciativa que possibilitasse a conscientização do mundo e o começo de um processo de colaboração global sobre a problemática da água.
O Foro de Marrocos (WWC, 1997), realizado em 1997, foi o primeiro Foro Mundial
sobre a Água. Nele, os governantes, as organizações internacionais, as ONGs e os países do
mundo em geral são convidados para trabalharem juntos, visando colocar em prática os
princípios de Mar del Plata, de Dublin, e o capítulo 18 da Conferência Rio 92, para iniciar a
“Revolução Azul” e, dessa forma, assegurar que os recursos de água da terra sejam
sustentáveis.
O objetivo principal desse foro foi criar uma visão mundial da água, da vida e do
ambiente, de longo prazo (Bustamante, 2003), e, também, propor ações que permitissem
reconhecer a necessidade básica da humanidade de ter acesso garantido à água limpa e ao
saneamento; estabelecer mecanismos para o manejo de águas compartilhadas; sustentar e
preservar ecossistemas; promover o uso eficiente da água; incluir a questão da eqüidade de
5 O Conselho Mundial da Água (WWC) é uma organização não-governamental internacional criada pelo Banco Mundial (BM) para apoiar a tomada de decisões sobre a água. Usarei as siglas do nome em inglês de World Water Council (WWC). 6 A Parceria Global da Água (GWP) foi criada pelo BM, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Agência Sueca para o Desenvolvimento (Sida) para agilizar a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH). Usarei as siglas do nome em inglês: Global Water Partnership (GWP).
17
gênero no uso da água; e encorajar parcerias entre os membros da sociedade civil e os
governos (WWC, 1997).
Esses princípios e objetivos vão se manter sem muitas modificações na Conferência
Internacional da Água e Desenvolvimento Sustentável de Paris, em março de 1998. Na
Declaração Final (The Ramsar Convention on Wetlands, 1998), destaca-se que os recursos
hídricos são essenciais para atender às necessidades humanas básicas, de saúde, de produção
de energia e de alimentos, e de preservação dos ecossistemas, assim como, para o
desenvolvimento social e econômico. Barlow e Clarke (2003), apontam que durante essa
conferência,
... a Comissão da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável propôs que os governos se voltassem às “grandes empresas multinacionais” para obtenção de capital e experiência técnica e pediu um “mercado livre” para os direitos de água e um papel mais amplo para o setor privado (p. 111).
Outra ênfase dessa conferência é dada à proteção dos ecossistemas, elemento essencial
como fator de manutenção e reabilitação do ciclo hidrológico natural, a fim de manejar os
recursos hídricos de forma sustentável, já que a água é um recurso natural fundamental para a
estabilidade e a prosperidade futuras e deve ser reconhecida como catalisadora para a
cooperação regional e, por isso, é preciso melhorar o conhecimento e entendimento, em todos
os níveis, sobre a melhor forma de desenvolver, manejar, proteger e usar de maneira mais
eficiente tais recursos, assegurando sua distribuição eqüitativa e sustentabilidade.
Na mesma declaração, sustenta-se que o desenvolvimento, o manejo, o uso e a
proteção da água devem ser promovidos por meio de uma parceria entre o setor público e o
privado, que esteja baseada em processos de tomadas de decisões participativos, abertos a
todos os usuários, particularmente às mulheres, pessoas vivendo em pobreza e grupos
minoritários. É essencial o papel das ONGs e de outros parceiros socioeconômicos. Por outro
lado, a cooperação internacional deve exercer um papel chave para alcançar esses objetivos
em âmbitos nacional, regional e local.
Ao respeito da participação das mulheres na gestão de água no Vale de Quíbor, e para
efeitos desta pesquisa, não foi entrevistada nenhuma mulher, pois durante o percurso do
trabalho, as mulheres aparecem como agricultoras e co-participantes nas atividades cotidianas
na roça, mas não me foi referido o nome de mulher algumas em atividades de distribuição ou
gestão da água. Porém, por meio da comunicação que mantenho com pessoas no Vale, tive
conhecimento durante a redação deste estudo que há atualmente uma mulher reivindicando,
ao lado de outros produtores, seus direitos de uso de água de agricultores que não permitem o
18
uso coletivo de uma fonte de água tradicionalmente compartilhada. Essa situação será
detalhada no capítulo V, quando for abordada a temática dos conflitos.
Em 1998 foi criada outra agência, desta vez com o propósito declarado de
proporcionar uso sustentável aos recursos de água. Seu nome é Comissão Mundial de Água
para o Século XXI (WCW), seu diretor é Ishmail Serageldin, funcionário do BM e também
diretor do Comitê Central da GWP. Essa Comissão é composta por 21 personalidades
eminentes do mundo inteiro (Barlow e Clarke, 2003).
Novas idéias sobre a administração das águas no mundo têm sido veiculadas nesses
últimos encontros internacionais, especialmente na conferência de Paris em 1998, dentre
delas: a participação do setor privado, as parcerias público-privado, a participação
internacional, e sobretudo a necessidade de veicular o preço da água à relação custo/total do
valor ou “recuperação de custo” (full-cost pricing) (WWC, 2000), argumentando-se também
que se tem de transferir ao setor privado a administração da gestão da água, por ser mais
eficiente. Barlow e Clarke (2003) chamam a atenção para os problemas causados
provavelmente pela pressão que exerce o Banco Mundial sobre os governos dos países pobres
em relação a esta última idéia:
... Mais de 100 mil pessoas, na província de KwaZulu-Natal, ficaram doentes com cólera, sendo que 220 morreram no curso de dez meses a partir de agosto de 2000, depois que o governo sul-africano, pressionado pelo Banco Mundial, implementou um programa de “recuperação de custo” e negou serviços de água e saneamento básico a milhares de cidadãos que obtinham antes sua água gratuitamente (p. 65).
Essa idéia fez-se presente de novo durante o II Foro Mundial da Água, em Haia,
Holanda, em 2000, financiado e promovido pelo WWC e não por um órgão
intergovernamental, como as Nações Unidas. Isso confirmou o declínio do papel da ONU,
que desde dos anos 1990, segundo Biswas (2002), vem sendo paulatinamente substituída nas
suas atribuições como organismo público e reitor de políticas mundiais sobre os temas de
interesse internacional entre eles o da água, pelos novos órgãos privados interessados no
futuro da água, como o Conselho Mundial da Água, a Parceria Mundial da Água e o Simpósio
sobre a Água de Estocolmo.
Na Declaração da Haia (WWC, 2000), afirma-se que “a água é vital para a vida e a
saúde das pessoas e os ecossistemas e é requerimento básico para o desenvolvimento dos
países” (WWC, 2000:1). Os grandes desafios para alcançar a segurança no abastecimento da
água no século XXI são: suprir as necessidades básicas, garantir o suplemento de alimentos,
proteger os ecossistemas, compartilhar os recursos hídricos, manejar os riscos, valorizar a
19
água e governar prudentemente a água (WWC, 2000). Importante ressaltar novamente a
importância dada pelo WWC à valorização da água, o que significa pensá-la como um valor
econômico.
No Foro apresentou-se formalmente o documento “A Visão sobre a Água, a Vida e o
Ambiente” (WWC, 1998), com um enfoque segundo o qual “todas as pessoas devem ter
acesso a água suficiente e adequada às suas necessidades, incluindo as agrícolas, no contexto
de planos de gestão que mantenham a integridade dos ecossistemas de água doce”
(Bustamante, 2003:20). Uma das metas a serem alcançadas para o ano 2025, a partir desta
visão, é estabelecer norma que prevê que todas as pessoas terão de pagar de acordo com os
serviços de água que recebam.
Barlow e Clarke (2003) fazem uma crítica ao foro de Haia e seus organizadores:
O Fórum mundial da Água foi qualquer coisa, menos isso. O fórum reuniu grandes organizações de lobby comercial, como a Parceria Global de Água, o Banco Mundial e as principais corporações de água do planeta, que visam o lucro, assim as discussões limitaram-se a como as empresas poderiam se beneficiar da venda de água para os mercados mundiais (p. 95).
Em 2001, realizou-se a Conferência Internacional sobre Água Doce, em Bonn,
Alemanha, promovida pela ONU. O evento, segundo Biswas, não acrescentou nenhuma nova
idéia à discussão. Como resultado dessa conferência foram formuladas as chamadas Chaves
de Bonn (ONU, 2001a), as quais desapareceram do debate público dez meses depois (Biswas,
2002).
Estas chaves são:
1. A primeira chave é satisfazer as necessidades de garantia de água para os pobres – para sustento, saúde e bem-estar, garantia de alimento e produção e reduzindo a vulnerabilidade a desastres. As diretrizes de água em prol dos pobres focalizam-se em ouvir os pobres acerca de suas necessidades prioritárias de garantia de água. Agora é a hora de formar um compromisso internacional e nacional em água potável, com a determinação também de reduzir pela metade o número daqueles que não têm acesso a saneamento.
2. A Descentralização é uma chave. O nível local está onde a diretriz nacional satisfaça as necessidades da comunidade. As autoridades locais – se delegados a elas o poder e os meios, e se apoiadas para desenvolver as suas capacidades – podem dispor de maior receptividade e transparência em gerenciamento de água e aumentar a participação de mulheres e homens, fazendeiro e pescador, jovem e velho, habitantes da cidade e do campo.
3. A chave para melhor expansão de água é estabelecer de novas parcerias. Da criação de bom senso sobre água à limpeza de nossos sistemas de água, para entrar em contato com as comunidades precisamos de novas alianças. Comunidades organizadas e fortalecidas encontrarão soluções inovadoras, assim como cidadãos informados
20
formam a linha de frente contra a corrupção. Novas tecnologias podem ajudar; bem como técnicas tradicionais e conhecimentos nativos. Esse diálogo depositário de Bonn faz parte do processo.
4. A chave para a harmonia com a natureza e a vizinhança a longo prazo são os acordos cooperativos no nível da bacia fluvial, incluindo cursos de água que atravessam e alcançam várias margens. Nós precisamos de gerenciamento integrado de recursos de água para trazer todos os usuários de água às mesas de participação de informação e tomadas de decisões. Embora tenhamos grande dificuldade com a estrutura legal e com a forma em que os acordos são submetidos, existe uma concordância substancial de que devemos aumentar cooperação dentro das bacias fluviais, e tornar os acordos existentes mais vitais e válidos.
5. A chave essencial consiste em adotar os arranjos de “bom governo” mais estritos e com melhor desempenho. As estratégias de gerenciamento nacional de água necessitam agora de se direcionar às responsabilidades fundamentais dos governos: estabelecendo leis, regras e modelos; o movimento de entrega de serviço para o criador e gerente de uma estrutura legal efetiva ereguladora. Arranjos reguladores efetivos que sejam transparentes e possam ser monitorados são o caminho para serviços efetivos, responsivos e economicamente sustentáveis. Dentro destes, nós acolhemos ambos os arranjos de entrega aperfeiçoados do setor público e setor privado (ONU, 2001a:1).
A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de Johannesburgo, na África
do Sul, 2002, não foi dedicada particularmente à água, porém, o tema foi tratado pela relação
que existe entre a água e o desenvolvimento, estabelecendo-se nessa declaração (ONU, 2002)
o compromisso dos representantes dos países-membros das Nações Unidas de aumentar o
abastecimento de água potável, o saneamento e a segurança alimentar, entre outras questões.
Sobre a Conferência de Johannesburgo, Biswas (2002) defende que não se quebrou
nenhuma das idéias básicas que se estavam manejando sobre a água para o momento, como
também não se criou novo programa sobre a água nem se atraiu fundos para novos
investimentos no setor. Essa conferência reiterou os alvos do milênio na área de
abastecimento de água e saneamento, os quais, se continuarem como nos últimos dois anos,
para o ano 2015 não serão alcançados.
Germinal (2003) faz uma crítica aos diferentes atores que se reuniram na África do Sul
e firmaram manifestos de boas intenções que não chegaram a nada.
Iludidos e hipócritas deram as mãos na nova Cumbe Mundial da Terra, celebrada em Johannesburgo. Multinacionais da ecologia e das indústrias dialogam e assinam manifestos cheios de boas intenções para garantir a água para a população, poupar energia ou evitar o desmatamento. Mas as boas intenções ficam apenas nisso. As grandes transnacionais da água estão explorando um filão muito rico e adornam o discurso do consenso com a “sustentabilidade”, enquanto tiram o dinheiro das torneiras (p.98).
21
O último evento realizado sobre a temática foi o Terceiro Foro Mundial da Água,
sediado em Kyoto, Japão, em 2003. Na Declaração Ministerial (WWC, 2003), propõe-se,
entre outras coisas, no plano da política geral, o reconhecimento da água como fator
determinante do desenvolvimento sustentável, a manutenção da idéia de que só com políticas
de “bom governo” (ONU, 2001b) é possível alcançar com sucesso o manejo integral dos
recursos hídricos.
Essas políticas são:
1. Garantir o acesso eqüitativo de todos à água.
2. Velar para que a infra-estrutura e os serviços de abastecimento de água atendam aos pobres.
3. Promover a igualdade de gênero. 4. Distribuir apropriadamente a água entre os diferentes setores que competem por ela. 5. Compartilhar os benefícios. 6. Promover a participação nos benefícios dos grandes projetos. 7. Melhorar a administração da água. 8. Proteger a qualidade da água e os ecossistemas. 9. Gerenciar o risco para fazer frente à variabilidade e mudança climática. 10. Promover serviços mais eficientes. 11. Administrar a água no nível mais baixo possível. 12. Lutar eficazmente contra a corrupção. (ONU, 2001b:4)
Um outro aspecto é a inclusão e promoção da participação do setor privado, através de
parcerias públicas-privadas, conservando o controle público para a proteção dos interesses dos
pobres. Também se reitera a promoção do uso sustentável da água, tanto potável como para a
agricultura e a indústria.
Todos esses eventos mencionados têm tido, em menor ou maior quantidade, a
participação de governos dos países membros das Nações Unidas, de organizações privadas,
de ONGs e de indivíduos independentes da América Latina (CEPAL, 2001,1998). Porém, na
América Latina foram se organizando eventos importantes para discutir a problemática da
água, por exemplo, a Conferência de San José, em 1996, na Costa Rica; a Declaração do
Panamá sobre a Água, no contexto do First Children and Water Festival, em 1999; a
Declaração da Água de Porto Alegre, Brasil, realizada durante o Foro Social Mundial, em
2002; e a Declaração de Achocalla, na Bolívia, em 2002. Todos eles apontam para a
importância da água na sobrevivência do planeta, do ponto de vista dos países da América
Latina.
Vinculado ao movimento internacional, também foi produzido o documento Visão
sobre a Água para as Américas, patrocinado pela GWP e o WWC, cujo texto final foi
22
apresentado em Buenos Aires, Argentina, em 2000, e que basicamente segue os princípios da
Visão Mundial.
Bustamante (2003) faz uma análise sobre os enfoques dessas conferências durante os
últimos 30 anos, incluindo as realizadas na América Latina, concluindo que:
Da análise dos temas dessas reuniões, pode-se dizer que se vê uma mudança no enfoque sob o qual foram consideradas. Assim, passa-se da ênfase no melhoramento da provisão de água potável e do saneamento básico, tema principal desde os anos 1970 até os 1990 (Década Internacional da Água Potável e o Saneamento 1981–1990), para uma maior preocupação com a própria gestão, com ênfase nas questões ambientais e na preservação da água, como parte dos sistemas ecológicos, enfatizando-se, portanto, em seu uso sustentável, a partir da Conferência de Dublin e Cúpula da Terra em 1992. Durante os últimos anos, se bem que ainda se mantenham essas preocupações, os debates têm apontado os princípios do que se deve considerar uma Gestão Integral dos Recursos Hídricos (GIRH) (Bustamante, 2003:7).
A proposta alternativa
Longe de se apresentar como uma temática de consenso, as discussões sobre o futuro
da água têm defensores em ambos os lados do eixo central que define tal temática. Se por um
lado, vimos que existe organismos e instituições que propõem abertamente que a água deve
ser considerada como um bem econômico, e por tanto, ser tratada como qualquer mercadoria,
pelo outro, veremos a seguir, alguns apontamentos e propostas, que se inserem numa
alternativa oposta, pois, vão à direção oposta à privatização dos serviços de água e mais ainda,
longe de considerar a água como um bem econômico, a idéia é que ela seja aceita como um
direito humano universal e portanto, tirada de qualquer negociação comercial. Dentro dessas
propostas, apresento duas: O Manifesto da Água e o Projeto Planeta Azul.
O Manifesto da Água (Petrella, 2001), é um conjunto de propostas produzidas pela
ONG Contrato Mundial da Água, coordenada por Ricardo Petrella7, e com apoio de muitas
pessoas, instituições e organismos em todo o planeta (principalmente na Europa e Canadá),
opõe-se às propostas promovidas pelas conferências, foros e cúpulas hegemônicas lideradas
pelas organizações multilaterais (Banco Mundial, Organização das Nações Unidas, Fundo
Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio, etc.), por organizações
privatizadas, como por exemplo, o Sindicato de Telecomunicações Internacionais, e por
alguns países ricos que controlam e regulamentam os sistemas mundiais de negociação e
diálogo sobre, entre outras coisas, a água (Petrella, 2001). O manifesto representa uma
7 Petrella foi presidente do grupo de Lisboa e, no momento, é professor na Universidade Católica de Louvain.
23
proposta alternativa baseada no desenvolvimento sustentável, segundo o capítulo 18 da
Agenda 21, da Rio 92.
Petrella (2001) adverte sobre a “tendência” dos atuais senhores da terra a se
transformarem nos senhores da água, colocando nessa lista de donos da água as empresas
Suex-Lyonnaise das Águas, Vivendi (que inclui a Companhia Geral das Águas), Saur-
Buygnes, Nestlé, Bechtel, United Utilities e Danone, entre outras, que são as donas de
inúmeras possessões de mananciais ou direitos de água ao redor do mundo. Ainda segundo o
autor, “o Contrato Mundial da Água é uma série de ações realizadas por inúmeros grupos,
movimentos e organismos internacionais para garantir que a tendência não persista” (p. 122).
Ele baseia-se “no reconhecimento de que a água é um patrimônio vital global da humanidade”
(Petrella, 2001:128).
O Contrato Mundial da Água tem dois grandes objetivos. O primeiro é “o acesso
básico à água para todos os seres humanos e todas as comunidades humanas” (Petrella,
2001:135) e o segundo, “o gerenciamento integrado e sustentável da água, de acordo com
princípios de solidariedade” (Petrella, 2001:136).
O autor promove a idéia de gerar uma revolução da água que deve obter, em todo o
mundo, o reconhecimento da água “como um patrimônio comum da humanidade, como uma
fonte de vida e um recurso fundamental para o desenvolvimento sustentável do ecossistema
Terra” (Petrella, 2001:26).
Petrella critica, mas aceita com condições, a parceria entre o setor público e o privado,
à medida que esta
... tende a cultivar e a implementar as visões e abordagens do setor privado de forma que a água (a fonte de vida) está em risco de tornar-se gradualmente uma das principais fontes de lucro, uma das últimas áreas a serem conquistadas para a acumulação privada de capital (Petrella, 2001:33).
Com relação à questão da parceria, o autor concorda em aceitar “promover a
colaboração entre todos os atores relevantes, eliminando posições maniqueístas (público de
um lado, privado do outro)” (Petrella, 2001:33).
Aponta, também, para a necessidade de haver uma desestatização da água que envolva
um novo sistema de regulamentação e controle, propondo um tipo cooperativo de
empreendimento que deve contar com o envolvimento das comunidades interessadas,
entregando a gestão da água aos usuários, em um Contrato Mundial da Água com certos
princípios, regulamentos e estrutura que “confia o gerenciamento integrado da água a
24
organismos públicos tais como comunidades locais, grupos de cidadãos, redes de aldeias ou
cidades e sociedades cooperativas” (Petrella, 2003:37).
Como crítico aos “senhores do poder”, que para ele obstaculizam o desenvolvimento
de formas de gestão da água por intermédio de cooperativas, e vigilante da possibilidade da
entrega da gestão da água nas mãos privadas, Petrella destaca que:
Em suma, a evidência demonstra que uma das causas principais do problema da água nas sociedades contemporâneas – em níveis continental e global, assim como em nível local – são os poderes político, tecnocrático, econômico, financeiro, simbólico e cultural exercidos pelas gerações de “senhores”, para quem a própria água é uma fonte de poder, de riqueza e de dominação. É aqui que se encontra o obstáculo principal (Petrella, 2001:58).
São três as prioridades que emergem para o Contrato Mundial da Água:
(1) a necessidade de trabalhar a lei constitucional (a legislação mundial da água) para facilitar (2) a ação efetiva pela ‘paz através da água’ e (3) a introdução e/ou modificação do gerenciamento democrático da água por comunidades locais, envolvendo, entre outras coisas, a criação de ‘parlamentos de água’ (Petrella, 2001:125).
Petrella (2001) também considera que, como patrimônio da humanidade, a água “não
pode ser objeto de transações comerciais tradicionais através de fronteiras ou de aquisição por
parte de investidores estrangeiros” (p. 131), e é ainda mais radical afirma que “a água deve ser
excluída de qualquer convenção ou tratado assinado sob os auspícios da Organização Mundial
do Comércio e de qualquer tratado ou acordo com a regulamentação de investimentos
financeiros no mundo todo” (p. 131).
A outra proposta, dentro da alternativa é o Projeto Planeta Azul (BPP) foi criado pelo
Conselho dos Canadenses8 (Council of Canadians), visto que, segundo eles, “o movimento
internacional de cidadania contra a globalização corporativa identificou com precisão o ataque
violento sobre a água doce do mundo como sendo uma ameaça crucial à humanidade e a
terra” (Blue Planet Project, 2003a:1). A idéia é então, neutralizar o avanço das grandes
corporações internacionais que pretendem “mercantilizar os sistemas de água da terra” (Blue
Planet Project, 2003a:1). O BPP tem como finalidade “dar apoio a uma rede internacional de
oposição à privatização da água doce no mundo” (Bustamante, 2003:33).
O Projeto criou o Tratado para Compartilhar e Proteger a Água, o Bem Comum do
Planeta (Barlow e Clarke, 2003), que foi adotado por unanimidade pelos 800 delegados de 35
8 O surgimento deste conselho no Canadá pode ter sua razão no fato que esse país tem uma das maiores reservas de água doce no mundo, e vê-se submetido às pressões dos Estados Unidos no uso dessa água.
25
países que assistiram à Cúpula do Conselho dos Canadenses, Água para as Pessoas e para a
Natureza, em Vancouver, em 2001, e “endossado por mais de mil ONGs e movimentos
sociais que participaram da reunião da Rede Nosso Mundo Não Está à Venda” (Blue Planet
Project, 2003b:2), em Bruxelas, em 2001. Esse tratado apresenta-se como uma ferramenta
para a proteção das águas como um bem comum e tem a intenção de:
Reconhecer a água como um desses elementos comuns, preciosos demais para serem entregues ao lucro de caráter privado e ao mercado anônimo mundial, constitui um compromisso solene e inalienável. Caminhando em direção à Rio + 10, precisamos nos unir para impor uma simples exigência com o objetivo de proteger o patrimônio comum da Terra. Essa exigência está presente em muitas declarações que têm aparecido no mundo inteiro. (Blue Planet Project, 2003b:1).
A idéia do BPP é realizar uma campanha internacional para que os que assinarem o
tratado procurem “manter a água como parte dos direitos da população do globo” (Blue Planet
Project, 2003b:2), tendo em vista que, segundo o BPP, só com a assinatura do Tratado, pelas
organizações e países em todo o mundo, será possível evitar a privatização da água. O objeto
da proposta é que os cidadãos não percam o controle da preservação e distribuição da água no
mundo, pois disto dependerá que o futuro seja “ecologicamente saudável e aquaticamente
sustentável” (Blue Planet Project, 2003b:1).
O BPP faz uma forte crítica ao Banco Mundial e à ONU, pois entendem que essas
organizações consideram a água,
... ‘uma necessidade humana’, não um ‘direito humano’. Não é uma questão semântica; a diferença na interpretação é crucial. Uma necessidade humana pode ser suprida de diversas formas, especialmente para aqueles que possuem dinheiro. Ninguém pode vender um direito humano (Blue Planet Project, 2003a:1).
As posturas intermediarias
A partir da apresentação das duas posições mais relevantes, a respeito da situação da
água como recurso, há que se reconhecer a existência de algumas posições intermediárias que
partem ora da perspectiva da Economia (Saldanha, 2003) que separa os bens em livres e
econômicos; ora da perspectiva do Direito (Paquerot, 2003), e em outros casos encontramos
desdobramentos dessas perspectivas com a discusão entre a água como bem público jurídico e
bem público econômico (Bartolomé, 1998). Outras posturas podem ser encontradas nos
trabalhos de Rosenberger (2003), Germinal (2003) e Shiva (2003), nas quais a água não é
considerada como forma nenhuma de propriedade privada ou sequer como bem econômico.
26
Rosenberger (2003) aponta, a partir da onda privatizadora na Inglaterra em meados
dos anos 1980, que “a privatização da água tinha criado um novo fenômeno; a pobreza da
água”, e continua afirmando que, como conseqüência dessas privatizações, tem se gerado um
grupo de empresas multinacionais desejosas de explorar o último recurso comum (exceto o
ar), que até agora estava fora do circuito de revalidação do capital (Rosenberger, 2003).
Germinal (2003), por sua parte, propõe que a água para satisfazer às necessidades
humanas seja gratuita, e define a água grátis como:
Aquela que podemos acessar livremente, com autonomia para satisfazer as nossas necessidades sem depender de ninguém que controle o subministro. É a que tem valores naturais suficientes para ser usada pelos seres vivos nos seus cursos e afloramentos, pelo que não é escassa e não tem valor econômico. É aquela que não tem preço (p. 227).
Shiva (2003) procura nos princípios capitalistas de John Locke algumas das causas
que têm gerado esse interesse pela privatização dos bens comuns, entre eles a água.
O Tratado de John Locke, a respeito da propriedade privada legitimou o roubo dos bens comunais na Europa, durante os movimentos de parcelamento das terras, no século XVII. Locke, de pais com dinheiro, procurou defender o capitalismo − e a enorme riqueza da sua família − argumentando que a propriedade só se criava quando se transformava a forma espiritual dos recursos naturais ociosos perante o trabalho (p. 39).
A água, então, pode ser considerada da várias formas, dependendo de quem fala e de
onde se fala. Portanto, ao se considerar a água antes de tudo uma mercadoria, usa-se a
perspectiva econômica para justificar que a água é uma necessidade e que as pessoas devem
pagar para obtê-la. Por outro lado, tendo como ponto de partida a visão de que a água é um
direito, provavelmente vai estar se apoiando na Declaração dos Direitos Humanos ou na
consideração de que a água é patrimônio da humanidade.
Apesar dos grupos hegemônico e alternativo, compartilharem as propostas do capítulo
18 da Agenda 21, da Conferência Rio 92, especialmente no que se refere ao uso da noção de
Desenvolvimento Sustentável, as formas de se posicionarem em relação à água, no referente
à gestão da água no mundo, são opostas, enquanto a bandeira argüida pelas propostas
hegemônicas é veiculada para uma gestão com marcada presença do setor privado, a
alternativa se enquadra numa fundamental participação do setor público, mais ainda, em
processos coletivos de autogestão, localizando-se entre esses pólos algumas posturas
intermediárias.
27
Sobre o desenvolvimento sustentável
Igualmente, há várias interpretações a respeito do que deve ser esse desenvolvimento
sustentável ou sustentado. A seguir, faço uma aproximação de como essa noção vem sendo
colocada nas discussões em alguns autores.
Em 1983, a Assembléia Geral da ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. A Comissão tinha entre seus objetivos:
... reexaminar as questões críticas relativas ao meio ambiente e desenvolvimento e formular propostas realísticas para abordá-las; propor novas formas de cooperação internacional nesse campo, de modo a orientar políticas e ações no sentido das mudanças necessárias; e dar a indivíduos, organizações voluntárias, empresas, institutos e governos uma compreensão maior desses problemas, incentivando-os a uma atuação mais firme (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMA, 1991:4).
Depois de recolhidos testemunhos, nas audiências públicas, em todos os continentes,
por um período de três anos, a Comissão produziu, em 1987, o documento que se conhece
como o Relatório Brundtland, por ser Gro Harlem Brundtland quem presidia dita Comissão.
Nesse relatório, aponta-se que seus membros chegaram a perceber que:
... era necessário um novo tipo de desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em alguns lugares e por alguns anos, mas em todo o planeta e até um futuro longínquo. Assim, o “desenvolvimento sustentável” é um objetivo a ser alcançado não só pelas nações ‘em desenvolvimento’, mas também pelas industrializadas (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991:4).
Uma das idéias que traz consigo esse tipo de desenvolvimento é que: “a humanidade é
capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele atenda às necessidades do
presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas”
(Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991:9).
O relatório acrescenta:
Afinal, o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991:10).
Desde então, tem se produzido uma grande quantidade de trabalhos que abordam a
temática sobre o desenvolvimento sustentável. Para Almeida (2002), esta é uma noção que
28
mesmo sendo muito estudada ainda não se tem clareza sobre o que significa ou como pode ser
usada.
A noção de desenvolvimento sustentável tem como uma de suas premissas fundamentais o reconhecimento da “insustentabilidade” ou inadequação econômica, social e ambiental do padrão de desenvolvimento das sociedades contemporâneas. Mesmo que já intensamente “trabalhada” nos últimos dez anos, demonstrando uma crescente adesão à idéia, esta é ainda uma noção genérica e difusa, pouco precisa (p. 25).
Mas adiante, o autor aponta sua postura,
Esta noção parece querer dar a idéia de uma busca de integração sistêmica entre diferentes níveis da vida social, ou seja, entre a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a mudança social. Entretanto, há ainda uma dúvida em relação a qual ator/agente caberia definir os parâmetros valorativos e políticos capazes de nortear essa integração. Trata-se de sustentar o quê? “Futuro comum” de quem para quem? Nessas questões reside a principal base de conflitos entre aqueles que “disputam” a idéia e as práticas sociais e produtivas a ela circunscritas (Almeida, 2002:25).
Vargas (2002) contribui com a discussão sobre a noção apontando que as críticas aos
modelos desenvolvimentistas capitalistas provocaram a busca de novas formas em que se
conciliem os desenvolvimentos econômico e social e a preservação da diversidade ambiental.
Para isso, propugnam a construção de uma nova concepção e de um novo tipo de capitalismo enquanto modelo de desenvolvimento. Sob um ponto de vista mais amplo, clama-se por uma “nova organização social desenvolvimentista”, em bases modernizantes, a partir da análise de suas diferentes dimensões, quais sejam: social, econômica, política, cultural e (aqui a novidade) ambiental. A esta nova perspectiva, a esta nova possibilidade que se abriria às sociedades modernas é que se dá, então, o nome de “desenvolvimento sustentável” (p. 211).
O autor aduz que todo esse processo de supostas mudanças nos planos de
desenvolvimento, tal e como são apresentados, ao final não mudou nada.
Em suma, da maneira como está posta, embalada apenas numa “pregação ecológica”, a “nova” idéia de desenvolvimento sustentável (e sua aceitação) erige-se como a tentativa de implementação de uma proposta de mudança precisamente para garantir que nada mude, transformando o discurso da sustentabilidade numa quimera, numa pura ilusão (Vargas, 2002:237).
Reigotta (2002) aponta sobre o uso que da noção desenvolvimento sustentado tem se
dado na ciência, colocando-o como “jargão de grupos”.
29
A noção de desenvolvimento sustentado tem sido o jargão de grupos que se viram confrontados com o esgotamento dos parâmetros modernos de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, seja nos seus fundamentos, seja nos seus métodos, aplicabilidade e resultados (p. 191).
Salati et al (2002) tem dúvida sobre se o desenvolvimento sustentável será capaz de
satisfazer as necessidades tanto da geração atual como das gerações futuras, “em resumo, o
desenvolvimento é sustentável ‘quando provê’ as necessidades da geração atual sem
comprometer a possibilidade de que as futuras gerações possam prover as suas” (p. 39).
Na mesma tendência Rampazzo (2002) chama a atenção sobre a possibilidade da
noção virar um fracasso, pois aduz que ela tem dois aspectos:
A concepção de desenvolvimento sustentável representa, por um lado, a tentativa de buscar o equilíbrio, a harmonia. Por outro, há uma preocupante tendência que se torne mais uma “panacéia salvacionista”, não conseguindo obter êxito algum (p.183).
A água é, sem dúvida muito importante para qualquer apontamento em volta do
desenvolvimento, mas ainda, se este pretende ser de tipo sustentável.
Sem dúvida nenhuma, entre os fatores que limitam o desenvolvimento sustentável, está a substância fundamental para os processos vitais: a água. A evidencia está no próximo desenvolvimento da historia, sendo que as principais civilizações que tiveram maior desenvolvimento, floresceram nos vales onde a disponibilidade de água era abundante e com características especiais (Salati, 2002:48).
Tendo em vista essa situação, o importante neste trabalho é observar se essas noções
sobre o desenvolvimento sustentável na gestão da água aparecem nas falas dos interlocutores
em Quíbor, e de que forma elas aparecem.
31
Segundo o historiador Cañizales (1996), a ocupação das terras hoje conhecidas como
Vale de Quíbor, no ocidente da Venezuela, foi empreendida pelos espanhóis em meados do
século XVI, iniciando-se, assim, a conformação do que veio a ser uma das áreas mais
produtivas para a agricultura na Venezuela.
O Vale de Quíbor ou Quibure, como também é mencionado nas antigas escrituras, foi ocupado pelos conquistadores espanhóis entre 1548 e 1560. Constitui um amplo espaço, não muito complexo, entre as montanhas andinas e a meseta de Barquisimeto. È sulcado por vários riachos que afluem no riacho Las Raíces e este último no Río Tocuyo (Cañizales,1996:100).
Porém, esse Vale já era habitado por grupos indígenas há centenas de anos, uma
amostra disto pode-se apreciar no Museu Arqueológico de Quíbor, onde são estudados e
preservados alguns dos restos dos antigos habitantes dessas terras. Como comenta Barreto
(1996), sobre a variedade de culturas indígenas na região:
Os cronistas que têm se ocupado em indagar parte da história da população da era pré-colombina, no que se refere ao Vale de quíbor, especialmente Frey Francisco de Villafaña, dão ênfase à existência de seis gêneros de línguas: “Caquetios, Camagos, Gayones, Bichites, Agaguas e Cayones” (p. 17).
A cidade principal do Vale chama-se Quíbor (ver mapa 1), é a capital do município
Florencio Jiménez, e sua fundação, feita pelo Governador Francisco de la Hoz Berrio,
remonta ao mês de maio de 1620 (Cañizales,1996). É uma região localizada a 30 km ao
sudoeste da cidade de Barquisimeto, capital do estado Lara. Geograficamente limita-se entre
os 9° 50’ e 10° 05’ de latitude norte e 69° 30’ e 69° 45’ de longitude oeste (Dugarte, 1998). É
caracterizada como zona semi-árida, com pouca nebulosidade e muito pouca chuva. A
precipitação média anual oscila entre 400 e 500 mm, com chuvas curtas e concentradas, que
lhe conferem caráter torrencial (Sandia et al., 2000). A estação de estiagem ocorre
principalmente entre os meses de janeiro e abril de cada ano, quando se apresentam as
menores precipitações do ano. A partir das cifras do censo de 1990, a projeção sobre a
população do município Jiménez para o ano 2000 era estimada em aproximadamente 76.450
habitantes, 38.868 (50,84%) desses habitantes morariam em casarios ou disseminados em
áreas de cultivo que servem também como moradias, os outros 37.582 (49,16) habitariam no
único centro urbano do Vale, a capital do município (SHYQ, 1998)9.
9 As siglas SHYQ são utilizadas várias vezes neste trabalho, em subtituição de Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor.
32
Mapa 1
Localização relativa do Vale de Quíbor
Colombia
Brasil
Zona en reclamación
Guyana
Mar Caribe
VENEZUELA
CampoLindo
El Tintorero
Chaimare
PALO NEGRO
Moron
El Hato
La Vigia
GuadalupeLAS RAICES
LAS FLORES
Las Galias
El Jaguey
EL TUNAL
S. Jacinto
El Pueblito
El Botiquin
CAMBURAL
Cuara
Los Jebes
CAIMERO
QUIBOR
BuenaVista Qda. Las Raices
Qda
. Pal
o N
egro
Qda
. de
Bara
gua
Qda. Las G
uardias
Qda. Barrancos
Qda. Atarigua
Qda. Botucal
VIA BARQUISIMETO
VIA SANARE
VIA EL TOCUYO
AUTOPISTA LARA-ZULIA
AUTOPISTA LARA-ZULIA
VIA CU
BIRO
420000 424000 428000 432000 436000 4400001088000
1092000
1096000
1100000
1104000
1108000
1112000
xxxx
9°46´
10°05´69°32´
69°45´
NCaracas
Fonte: Dugarte (2002)
33
O problema da escassez de água no Vale de Quíbor é relatado pelos colonizadores
espanhóis. Já nas primeiras descrições dos viajantes, pode-se ler acerca das situações
problemáticas, especialmente na época da estiagem, que regularmente acontecia durante os
meses de janeiro a abril (Salazar, 1996). Essa falta de água levou os espanhóis a construir o
primeiro açude que se conhece na região, o chamado Calicanto de Poa Poa. Dessa obra
hidráulica, que tem como data de construção o ano de 1750, só resta seu muro principal
coberto de mata.
Essa crônica escassez de água, que desde muito tempo castiga sem parar o Vale de Quíbor, e a imperiosa necessidade de dispensar adequada irrigação a grandes extensões de cultivos de trigo, que se produziam dentro de ótimas condições, foram as razões que levaram à construção do açude, primeira obra de engenharia de irrigação construída na região, com uma finalidade específica, que se conhece pelo nome de Calicanto de Poa Poa, cujo muro principal ainda se pode ver coberto pela mata e as plantas xerófilas que abundam no lugar onde se edificou esta importante obra hidráulica (Cañizales,1996:96).
No que se refere ao uso da água, Quíbor é servido através da estação de transformação
de água potável. O serviço não é oferecido de forma permanente, já que existe racionamento
por horas com a finalidade de atender tanto a zona urbana como a rural (Sandia et al., 2000).
Figura 1. Vista do Vale do Quíbor10.
10 Todas as fotos que aparecem o texto são de minha autoria
34
Do ponto de vista hidrográfico, o Vale de Quíbor faz parte da bacia do riacho Las Raíces
(ver mapa 2), que por sua vez, pertence à bacia do Mar do Caribe.
Figura 2. PROYECTO YACAMBU-QUÍBORFigura 2. PROYECTO YACAMBU-QUÍBOR
Sanare
Cubiro
El Tocuyo
Río Yacambú
Qda
. Hon
da
Qda. Negra
Túnel de trasvase
VentanaInclinada
EmbalseDos Cerritos
EmbalseAtarigua
Río Tocuyo
Barquisimeto
Quíbor
Portal deSalida
Portal deEntrada Angostura
Sitio de presa
Río Turbio
Río Acarigua
Qda. Atarigua
Qda. Las Raíces
Río
Buca
ral
Cuenca del río Yacambú
32.704 hectáreas
Cuenca del río Yacambú
32.704 hectáreas
Cuenca de la quebrada Las Raíces
96.500 hectáreasPolígono “Zona de
Aprovechamiento Agrícola del Valle de Quíbor”
43.395 hectáreas
Polígono “Zona de Aprovechamiento Agrícola
del Valle de Quíbor”
43.395 hectáreas
Nota: La subcuenca que conforma la planicie mayor del Valle de Quíbor, en cuyo centro se desarrolla el acuífero, tiene una superficie total de 29.560 hectáreas
23
Fonte: Dugarte (2002)
Mapa 2
Localização espacial das bacias de influência do Vale de Quíbor
35
A zona da planície, que se estende radialmente desde a cidade de Quíbor até o pé do
monte adjacente, forma o que se conhece historicamente como o Vale de Quíbor, com superfície
de cerca de 40 mil hectares (SHYQ, 1995).
O Vale de Quíbor tem uma leve inclinação sudeste a nordeste que tem uma modificação entre 0,6% e 2% determinando o sentido do deságüe das águas de drenagem, o qual se faz através dos riachos Guardias Viejas, Las Guardias, Barrancos, Atarigua, La Ceibita, Botucal e Palo Negro ou San José, com drenagem em direção aproximada sul-norte, e formando com o riacho Baragua (direção norte-sul) e o riacho Murimure (direção este-oeste) o riacho Las Raíces (SHYQ, 1995:4).
A condição de semi-árido do Vale de Quíbor determina a impossibilidade de realizar
atividades agrícolas intensivas sem um sistema de irrigação integral. Por isso, o desenvolvimento
agrícola do Vale está associado diretamente àspossibilidades de irrigação.
Segundo um relatório da empresa SHYQ,
O Vale de Quíbor tem ocupado um lugar preponderante no abastecimento regional e nacional de produtos agrícolas especialmente hortícolas. Porém, nos últimos anos a superfície cultivada tem decrescido significativamente como conseqüência da diminuição dos níveis do aqüífero, que levam à abertura de poços de maior profundidade, leitos reduzidos e pioram a qualidade da água. Ao mesmo tempo, nos últimos 15 anos têm se incrementado, sensivelmente, a construção de pequenos e médios aproveitamentos de água superficial, obtendo-se bons resultados com relação à derivação e ao armazenamento da água de corredeira (SHYQ, 1995:46).
As conseqüências da falta de chuva podem ser observadas na paisagem e são
interrompidas pelas terras utilizadas na agricultura sob irrigação, produzindo um grande
mosaico de diversos tipos de cultivo, com especial destaque para a horticultura sob sistemas
intensivos de produção agrícola (Sandia et al., 2000).
Os limites da superfície utilizável para desenvolvimento agrícola do Vale de Quíbor
foram estabelecidos pelo decreto presidencial nº. 1592 de 19 de agosto de 1982, que declara o
Vale como Zona de Aproveitamento Agrícola, ficando incluída uma superfície de 43.395
hectares, mas só 24.500 hectares são potencialmente regáveis, dadas suas condições
agrológicas. No entanto, atualmente apenas uma superfície que varia anualmente entre 2.500 e
3.000 hectares é explorada com cultivos de irrigação (Dugarte, 2002).
No que diz respeito à atividade agrícola, a cebola representa o principal cultivo, sendo
que para o período 1989−1993 ela significou 32,3% da produção nacional. Nesse mesmo
período, o tomate representou quase 7% e o pimentão, 14,9%. Esses três produtos são os
principais, porém, existem outros cultivos de grande importância para o país que são
36
produzidos no Vale, tais como cana-de-açúcar, coentro, pepino, alface, abacate, uva, manga,
laranja, maracujá, milho, feijão, etc. Também se produz gado de engorda, ovino e caprino, em
uma pequena escala (Sandia et al., 2000). Assim, podemos dizer que esta é uma região que
tem sua economia baseada nas atividades agropastoris, e, portanto, tais atividades são
diretamente dependentes da água que aflui na região.
Dadas as condições agroclimáticas do Vale, a atividade agrícola se realiza
exclusivamente sob irrigação e se desenvolve em aproximadamente umas 1.500 unidades de
produção de vários tipos: pequenas, médias e grandes. As grandes unidades produtivas,
superiores a 200 hectares são as que aportam os maiores volumes de produção aos mercados,
devido a disporem de grandes reservatórios de água, equipamento para irrigação, além de
outros recursos. Os grandes produtores se localizam fundamentalmente na zona norte do Vale,
onde, nas décadas de 50 e 60, se iniciou a atividade agrícola intensiva, juntamente com a
exploração das águas subterrâneas. Ao sul do Vale localiza-se a maior parte dos proprietários
das pequenas e médias unidades de produção, formadas por terrenos herdados de antigos
agricultores da região que baseavam seus cultivos na irrigação feita a partir da água
disponível na região. Grande parte da produção agrícola do vale realiza-se mediante a
intervenção de colonos que são arrendatários de terrenos. Eles têm capital, mas carecem de
terra para produzir, ou dispõem de alguma terra, mas não contam com a água suficiente para
sua produção (Dugarte, 2002).
Nos anos de 1960, um estudo do Ministério de Obras Públicas (MOP) confirmou que a
quantidade de água extraída do aqüífero era maior do que a recarga natural, o que prejudicava
o desenvolvimento das atividades agrícolas da região. Foi a partir dessa realidade que, em
1972, a Fundação para o Desenvolvimento da Região Centro-Ocidental (Fudeco,1972)
sediada em Barquisimeto, capital do estado Lara, iniciou os estudos de possibilidade técnica e
econômica do Projeto Yacambú-Quíbor, que contempla a construção de uma represa na bacia
do rio Yacambú com a finalidade de transvasar água para o Vale.
O desenvolvimento desse projeto tem sido conduzido pela empresa Sistema
Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. (SHYQ), responsável pela construção das obras de infra-
estrutura e planificação do desenvolvimento agrícola do Vale, assim como, administração do
recurso água na área (SHYQ, 1997). O Projeto contempla a construção de uma represa de 162
metros de altura no rio Yacambú, o que permitirá a armazenagem de 435 milhões de metros
cúbicos, dos quais, serão transvazados 330 milhões de metros cúbicos ao ano para o Vale de
37
Quíbor por meio de um túnel de 24,3 km de comprimento e 4,40 m de largura. Também está
prevista a construção de um sistema de irrigação para algumas áreas do Vale.
Hoje, os agricultores têm três fontes principais de água para irrigação na estiagem, e
várias alternativas menores de abastecimento: o riacho Atarigua; a água proveniente da
represa Dos Cerritos, através de canais e tubulações; e, as águas subterrâneas. Os produtores
do Vale têm também outras fontes menores de água para irrigação: a água que escorre pelo
Portal de Saída do túnel de transvase da represa Yacambú-Quíbor; a água que sobra da
limpeza de filtros da estação de tratamento da cidade de Quíbor; e as lagoas artificiais de
águas residuais (ver mapa 3). Este trabalho concentra-se na zona sul do Vale, sobretudo nos
povoados de Cuara, El Hato, Los Ortices, Campo Lindo, La Vigia e áreas que ficam nos
arredores, lugares onde os agricultores utilizam várias dessas fontes de água para irrigação.
Apesar da escassez de água, os produtores do Vale (principalmente os grandes
produtores) têm desenvolvido tecnologias de aproveitamento da água para fins produtivos,
tornando a região um dos principais pólos de produção de alimento do país. O Vale de
Quíbor tem uma grande quantidade de terra produtiva que, sob condições de irrigação
apropriadas, pode gerar produtos agrícolas de excelente qualidade.
Outra questão importante de apontar é que os produtores espanhóis (originários das
Ilhas Canárias), que chegaram à região a partir da metade dos anos 1940, tiveram vantagens
em relação aos produtores tradicionais, ao pôr em prática tecnologias e sistemas de irrigação
agrícolas mais modernos e produtivos que os usados no Vale, entre eles as lagoas para
armazenamento de água na época de estiagem. Isso tem propiciado a concentração produtiva
em grandes fazendas controladas por esses imigrantes, pois, essas inovações têm-lhes
permitido uma maior quantidade de colheitas ao ano e a introdução de culturas não
tradicionais na Venezuela antes dos anos 1940, como o tomate e a cebola, de rápida aceitação
nos costumes gastronômicos do venezuelano. Aos poucos, os produtores tradicionais do Vale
foram sendo deslocados, tendo de vender suas terras, ou ou tornando-se assalariados dos
grandes produtores.
Morales (1990), descreve o que ele observou do trabalho feito pelos canarios ou
isleños11 na região do Quíbor para conseguir que as terras fossem cultiváveis.
Tenho podido observar o gigantesco trabalho que tem se desenvolvido para levar aquelas terras de seu estado natural à condição de cultiváveis, aptas para cultivos, cujo processo passa por várias fases: o desmatamento, a adubação da terra, o enchimento dos desníveis, o espargimento da terra das partes mais altas, a criação do desnível
11 Na Venezuela, chama-se de canarios ou de isleños aos nascidos nas Ilhas Canárias.
38
necessário para que a água chegue por inércia, a abertura de canais para desviar a água de chuva, o tapamento das fendas e dos buracos provocados pela erosão, etc. (Morales,1990:32).
Fonte: Dugarte (2002).
Outra das situações observadas por Morales (1990) é a tecnologia que os canários
utilizaram no Vale para a obtenção, armazenamento e distribuição da água:
Poços profundos abriram-se no ventre deste Vale à procura do prezado líquido que o subsolo dava, mas isso obrigou a criar toda uma infra-estrutura complexa e custosa, para a extração, armazenamento na superfície e condução da mesma, na área de cultivo, onde foi necessário esbanjar conhecimentos, habilidades e destrezas e não pouca criatividade. Assim, vemos bombas poderosas nas bocas de poças de até 180 metros de profundidade, que vertem dia e noite o indispensável líquido em grandes
Mapa 3
Localização de fontes de água menores
39
lagoas artificiais, desde onde outra potente bomba a extrai, para esvaziá-la em canais e encanamentos que a conduzem à área de cultivo (Morales, 1990:32).
Na atualidade, a cena produtiva apresenta uma diversidade de produtores que
convivem na mesma região, predominando a concentração de terra em grandes fazendas.
Apesar de terem surgido diversos tipos de organizações de pequenos, médios e grandes
produtores, alguns dos diagnósticos realizados no Vale se referem à existência de maiores
dificuldades para se associar, de maneira formal, entre os pequenos produtores, o que tem
motivado o estabelecimento de algumas estratégias por parte da empresa SHYQ, para
propiciar a organização desses produtores como pré-requisito fundamental para as
negociações na distribuição, comercialização e uso da água após a construção da represa.
Segundo a classificação elaborada pela empresa SHYQ, os pequenos produtores são
aqueles que possuem propriedades com até 50 hectares de terra, e representam 81,2% do total
de produtores. Os médios produtores constituem 5% do total e possuem entre 50 e 200
hectares, e os grandes, somam 3,8% do total e se caracterizam por possuir mais de 200
hectares por produtor (SHYQ, 1998). Ainda, existem agricultores que alugam pedaços de
terra para plantar, sobretudo na época de chuvas, e outros que vendem sua mãodeobra,
cobrando geralmente uns 3 mil bolívares12 por dia de trabalho.
A Represa Yacambú-Quíbor
O Vale de Quíbor é uma Área sobre Regime de Administração Especial de Uso
(Abrae). Por isso, foram criados vários decretos de forma a melhor controlar o território do
projeto da represa. Os principais decretos são o Decreto n.° 1.631 de 27/02/1974, que declara
o Vale uma Região de Desenvolvimento Integral e de Reserva Hídrica, e o Decreto n.° 1.592
de 19/08/1982, no qual o Vale é declarado Zona de Aproveitamento Agrícola (SHYQ, 1999).
Com relação ao território, desde 1986 o Vale conta com o Plano de Ordenamento do
Território do estado Lara13, que inclui as terras da depressão de Quíbor, um total de 43.395
hectares, na categoria de máxima preservação.
Em 1970, a Comisión para la Planificación Nacional de los Recursos Hídricos
(Conaplanarh), encarregada da elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos da
Venezuela, ressaltou, prevendo a escassez de água para a década de 1990, a necessidade de se
12 Hoje o tipo de câmbio na Venezuela está controlado e o bolívar é cotado em 1.920 por dólar. 13 Comisión Estadal de Ordenamiento del Territorio. Plan de Ordenamiento del Territorio. Barquisimeto. 1986.
40
fazer um túnel de transvase desde a zona úmida de Sanare14 até a zona árida do Vale de
Quíbor, motivado também pelas previsões de futuras demandas de água potável do Sistema de
Barquisimeto, que inclui as cidades de Cabudare15 e Quíbor, entre outras populações.
A partir da década de 1970, a Fudeco realizou vários estudos de planejamento, com
especial ênfase no desenvolvimento agrícola, o que comprovou a viabilidade técnica e
econômica da construção do açude e demais obras. Assim, em 1973 começaram as obras civis
com a construção das vias de acesso e a escavação do portal de saída do túnel de transvase
(SHYQ, 1999). Trinta e um anos após o início da obra, que inclui a construção de uma represa
e das obras conexas, o projeto tem sofrido uma série de contratempos (falta de cumprimento
dos contratos, falta de verba, acidentes e dificuldades técnicas decorrentes da complexidade
da obra), que têm adiado a sua finalização por quase três décadas.
A empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. (SHYQ), foi criada em 1989
com a finalidade de coordenaranto a construção das obras civis e das de regulação e transvase,
e para o futuro aproveitamento do grande complexo hidráulico a ser construído para levar
água a Barquisimeto, Quíbor e outras cidades do estado, como para criar um sistema de
irrigação para o Vale. Os acionistas da empresa são o Ministério do Ambiente, com 91,6% de
participação, e o governo do estado Lara, com 8,9% das ações (El Impulso, 2002a). Foi
decretada uma “Lei Programa” para o manejo da obra, por meio da qual foi descentralizado o
processo administrativo do projeto.
Os objetivos da empresa são cumpridos através de quatro subprojetos: 1) finalização
da obra de regulação e transvase; 2) desenvolvimento agrícola; 3) abastecimento urbano e 4)
conservação da bacia do rio Yacambú. Sua missão é:
... o abastecimento de água de irrigação à depressão conhecida como Vale de Quíbor, com o objetivo de promover o desenvolvimento do seu potencial agrícola, e a dotação segura e confiável de água não tratada ao indivíduo encarregado da sua administração e distribuição, com a finalidade de contribuir para o abastecimento de Barquisimeto e sua área metropolitana (SHYQ, 1999:8).
Segundo o SHYQ (1999), para 1998, a obra representava uma porcentagem de avanço
de 70%, e as obras de regulação, 82% de avanço, porém as novas perspectivas falam que o
término da obra só será possível para o ano 2010 (ver figura 2).
14 Capital do município André Eloy Blanco, região montanhosa próxima ao Vale de Quíbor e onde nascem os rios e fontes de água que alimentam o Vale. 15 Cidade capital do município Palavecino, região de recente expansão urbanística dentro da área urbana maior da cidade de Barquisimeto.
41
Fonte: SHYQ (1998).
De acordo com o tipo de solo da região, o projeto “pretende estimular as atividades de
produção tradicionais com perspectivas de serem melhoradas, como no caso da criação de
ovinos, caprinos, plantações de sisal, abacaxi, hortaliças, etc. Também propõe a introdução de
novos tipos de cultivo (prévia pesquisa) e de plantações florestais” (SHYQ, 1999:21).
O desenvolvimento agrícola do Vale, segundo o projeto,
... fortalece-se com a inauguração do sistema de irrigação Yacambú-Quíbor, através do uso da água transvasada desde a bacia do rio Yacambú, e a utilização das fontes hídricas locais, representadas pelas águas superficiais e subterrâneas da bacia do riacho Las Raíces (SHYQ, 1999: 23).
A área total de superfície estimada de terras irrigáveis é de 19.500 hectares, e, dado
que as características dos solos do Vale requerem um manejo particular, que leve ao
desenvolvimento sustentável, o projeto considera que os usuários deverão estar envolvidos na
PORTAL DE SALIDA
Falla de Boconó
Ventana Inclinada 16+718,10
Portal de Salida24+301,60
Portal de Entrada 0+000,00
Río Yacambú Q. Honda
Q. La Negra
Río Yacambú
FORMACION VILLANUEVA (FILITAS)
FORMACION MORAN
PORTAL DE ENTRADA
LUTITAS DE EL TOCUYO
ARENISCAS DE BOTUCAL
CUENCA RIO YACAMBU CUENCA QUEBRADA LAS RAICES RIO TURBIO
754,47
595,50
758,00
PRESA DE CONCRETO
PRESA DE GRAVA
690,00 690,00
S = 0,0009 680,87
651,00
FALLA DE BOCONO
2.038,64 VENTANA
10.606,45 7.423,77 6.271,38
Excavado Por ejecutar
TUNEL DE TRASVASE
Figura 2
Perfil longitudinal do túnel de transvase
42
administração do recurso para que haja sucesso nesse manejo. O sistema de irrigação, que
inclui um mapa da área a cobrir, prevê a conformação de organizações de usuários para a
entrega da gestão da água, tendo em conta as já constituídas. Portanto há setores, como o do
riacho Atarigua, que não estão incluídos no plano de distribuição de água do sistema.
O projeto busca, entre outros objetivos:
... a eqüidade na distribuição dos benefícios, mas considerando as metas econômicas e financeiras que buscam alcançar, sem que isso implique igualitarismo16. Propiciará, aliás, uma distribuição racional e eqüitativa da água à maior quantidade de produtores (SHYQ, 1999:25).
Também prevê modificações na propriedade da terra, procurando um modelo que
garanta uma maior eqüidade na distribuição dos recursos terra e água, por meio da procura de
acordos negociados com os atores e com resultados socialmente aceitáveis.
Para alcançar os objetivos, o projeto considera um período de transição, o qual foi
definido juntamente com os produtores e outros atores da região.
Durante a fase de transição – período entre o momento atual e o início da irrigação com água do rio Yacambú – se trabalha na identificação das bases para o aproveitamento integral dos recursos disponíveis, visando o desenvolvimento harmonioso do Vale de Quíbor (SHYQ, 1995:1).
Um Plano Maestro foi desenvolvido pela empresa para guiá-la na administração do
projeto, e das futuras obras a serem construídas, o Plan Maestro de Desarrollo Agrícola para
el Valle de Quíbor (SHYQ, 1998). Esse plano direciona, atualmente, as ações dos setores
público e privado do Vale, buscando dar coerência às atividades dos atores envolvidos e gerar
compromissos que viabilizem os objetivos propostos.
A empresa SHYQ, C.A. reconhece as experiências dos agricultores de Quíbor em
matéria de gestão da água.
No Vale de Quíbor existe atualmente um sistema de captação e distribuição adaptado e adequado ao manejo da água de corredeira, que está representado pelas estruturas de desvio, condução e armazenagem. As características da infra-estrutura mencionada, e os sistemas de distribuição, e operação para a irrigação, requerem uma descrição, avaliação e análise com a finalidade de incorporar as experiências pertinentes ao manejo futuro da água no Vale de Quíbor. Neste caso, diferentemente do acontecido em outros sistemas de irrigação no país, conta-se com um universo de produtores altamente experimentados nas diversas modalidades de irrigação, que têm
16 Igualitarismo, neste casso, refere-se a que cada agricultor deva receber água segundo suas necessidades e possibilidades, de forma eqüitativa e não igualitária, na que todos receberiam a mesma quantidade de água.
43
desenvolvido formas organizativas próprias, com prolongada tradição na distribuição de água e na operação de pequenos sistemas de irrigação (Esteves, 1999:3).
Porém, nas propostas da futura administração do recurso hídrico, a partir da
construção do sistema de irrigação, se menciona a imperiosa necessidade de que os
agricultores se associem segundo critérios definidos pela empresa em associações de
irrigadores ou juntas de usuários, contemplando a cobrança do serviço e com o risco de não
receber água se não for cumprida essa condição.
Em um estudo contratado pelo SHYQ, na busca de informação para a tomada de
decisões sobre o futuro uso da água da represa e a implementação de um sistema de irrigação,
Esteves (1999), pode-se apreciar um dos critérios que a Empresa pretende aplicar quando o
sistema de irrigação estiver concluído. Com referência ao manejo do sistema de irrigação e
sua distribuição,
Nos pontos de distribuição a serem definidos pela Empresa, esta entregará a água às associações de irrigadores, as quais serão encarregadas da sua distribuição e administração, de acordo com os respectivos regulamentos de usuários e as normativas que a Empresa estabelecer (Esteves, 1999:19).
No Plano Maestro, pode-se constatar outro dos critérios que a empresa SHYQ coloca
como requisito para a entrega da água.
A água será vendida a um valor que permita, pelo menos, cobrir os custos de operação e manutenção do sistema de irrigação, incluindo uma alíquota para a operação do açude e a conservação da bacia do rio Yacambú (SHYQ, 1998:49).
A empresa estabelece como requisito que os produtores se organizem em uma
associação de irrigadores para terem acesso à água da represa através do sistema de irrigação,
chamado Sistema de Riego Yacambú-Quíbor (SRYQ), já que não distribuirá a água aos
produtores que não estiverem assim associados.
A distribuição da água será feita nos pontos de rede de irrigação acordados com as associações de irrigadores, as quais serão as encarregadas da sua distribuição e administração. Tais associações deverão estar constituídas pelos produtores do Vale e se encarregarão do pagamento das tarifas correspondentes ao SHYQ, C.A., administradora da água, segundo os preços e as condições estabelecidas; também se encarregarão da cobrança aos usuários que integrem a associação. Para que um produtor seja beneficiário da água do sistema de irrigação, deve pertencer à associação de irrigadores constituída na sua região. A empresa não dotará de água diretamente os produtores individuais (SHYQ, 1998:50).
44
Hoje, a represa é referência constante nas falas cotidianas dos vários interlocutores do
Vale, uns porque acham que logo, em 2010, ela estará funcionando para o beneficio de toda a
população, outros, por terem receio sobre seu funcionamento eficiente e sobre os
“verdadeiros” beneficiários do projeto. Todos esses questionamentos têm a ver com a lentidão
que a construção das obras tem tido e com a crença de alguns dos pequenos produtores do
Vale de que a obra vai beneficiar, majoritariamente, aos grandes produtores.
Segundo uma reportagem de um jornal da região em dezembro de 1975, o ministro de
Obras Públicas, na época, diz que “a obra seria finalizada em 40 meses” (El Impulso,
2002b:D6). Nessa mesma reportagem, afirma-se que, para 1991, se estimava a construção do
túnel tardaria sete anos e que nesse ano, 2002, se estava projetando para o ano 2006. Em um
artigo, mais recente, no mesmo jornal, o presidente do SHYQ afirmou que, dos 227 milhões
de dólares que ainda faltam para concluir os trabalhos de escavação do túnel, os portais de
entrada e saída, a abdução do sistema de água potável para Barquisimeto e o sistema de
irrigação, serão aprovados, pela Lei de Orçamento do 2004, 90 milhões de dólares para a
continuação da obra (Diaz, 2004). Não se faz menção no artigo sobre o tempo que ainda falta
para a sua conclusão.
A legislação venezuelana sobre o uso da água na agricultura
Na América Latina, a legislação sobre o uso da água tem uma grande influência das
legislações trazidas da Europa pelos colonizadores. Valderrama (1997) destaca que na
Espanha a definição do caráter da água como bem público é uma problemática de longa data.
O autor aponta que desde a Idade Média, produto das lacunas na legislação dos Códigos
Castelhanos, era necessário recorrer ao Direito Romano. Isso produziu uma mistura de leis,
herdadas pelas leis que se implantaram na América Latina. Essa situação fez com que o
Código das Sete Partidas17 viesse a preencher um vazio deixado por tal confusão, e que por
meio dele se fizesse o “ordenamento espanhol a respeito das águas, tanto na Península como
na sua posterior influência sobre as Índias” (Valderrama, 1997:1). Hoje em dia, ainda se pode
notar a influência de algumas das antigas leis nas novas leis municipais e nos regulamentos de
gestão das fontes de água em Quíbor.
17 Série de leis compiladas por Alfonso X (o Sábio) no fim do século XIII, e que entraram em vigor na Espanha em meados do século XIV.
45
O Tribunal das Águas de Valência, na Espanha, é reconhecido como a instituição de
justiça mais antiga da Europa. Sua origem remonta pelo menos ao ano 1238 e, apesar de que
se reconhece sua influência romana, seu estado atual, segundo alguns historiadores, se deve
aos árabes.
... tal e como chegou para nós foi um legado do povo árabe, e, se seguimos aos melhores tratadistas, foi nos dias gloriosos dos califas de Córdoba, Abderramán III e Alhakem II, por volta do ano 960 da era Cristã, que ficou organizado na forma que tem até hoje, e sem variação alguma tem estado funcionando (Giner, 1969:8).
Muitos dos elementos presentes em Quíbor, no manejo da água, são encontrados na
Espanha, que, por sua vez, recebeu a influência de romanos e árabes, no decorrer das
invasões, no que hoje conhecemos como Península Ibérica. É certo que há desacordos entre
historiadores sobre quem teve a maior influência, entre os romanos e os árabes. Também é
certo que depois de oito séculos de sua presença na Espanha os aportes da cultura árabe,
provenientes de diversos povos (sírios, marroquinos, etc.), são uma realidade que se manifesta
não só na construção de sistemas de irrigação, como nas toponímias e nas formas de
administração de tais sistemas, e nas leis que os sustentam.
Glick (1970) mostra a diversidade de elementos que, no período medieval, tinham suas
raízes na dominação árabe sobre a Espanha. As diversas formas de organização social que
existiam em Valência, durante esse período, são tanto um reflexo dessa influência como sua
posterior incorporação aos sistemas construídos na América Latina, e, no caso específico, da
Venezuela. Isso se pode verificar, também, no uso de palavras de origem árabe, como
acequia18, ainda usada tanto na Espanha como na Venezuela, e que significa canal de
irrigação.
A existência de comunidades de irrigadores, de sistemas de turnos na distribuição da
água, da existência da figura dos juízes de água para obter acordos e dirimir conflitos (aporte
romano)19, entre muitas outras coisas, disse-nos muito das semelhanças entre formas de
gestão na Espanha e na Venezuela, sem esquecer da permanência de formas provenientes das
culturas indígenas da região.
Na Venezuela, a lei mais antiga que regulamenta o uso das águas, ainda vigente, é a
Ley Forestal de Suelos y Aguas, de 1966. Nela, declara-se de utilidade pública “a proteção das
18 Do árabe hispânico assáqya, e este do árarabe clássico sāqiyah. (Diccionário de la Real Academia Española). 19 Segundo Glick (1970), não existe no mundo islâmico forma de justiça comparável aos “tribunais de água” que têm se mantido na Espanha para agir em situações de disputas pela água de irrigação.
46
bacias hidrográficas e das correntes e quedas-d’água que pudessem gerar força hidráulica”
(Marnr, 1966:s.n). Na lei, determina-se que suas disposições se aplicam às águas públicas e
privadas, e apresenta-se algumas normas para dar concessões ao aproveitamento das águas de
domínio público. No artigo n.° 93, decreta-se que “o Executivo Nacional poderá criar, com
caráter permanente ou temporário, tribunais de águas nos rios que achar conveniente” (Marnr,
1966:s.n). A lei também estabelece que serão criadas as normas que guiarão os tribunais.
O Código Civil (1982) estabelece as normas para a administração das águas de
irrigação. A partir do artigo n.° 647, e até o n.° 666, se faz referência aos direitos dos
proprietários de terras agrícolas usarem as águas de corredeiras e os rios que passam pelas
suas terras. O artigo 682 regulamenta o referente às concessões que o Estado pode fazer para
o aproveitamento das águas públicas.
A Constitución de la República Bolivariana de Venezuela, em seu Artigo 304, declara
que:
Todas as águas são bens de domínio público da nação, insubstituíveis para a vida e o desenvolvimento. A lei estabelecerá as disposições necessárias com a finalidade de garantir sua proteção, aproveitamento e recuperação, respeitando as fases do ciclo hidrológico e os critérios de ordenação do território (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2000).
Na Ley de Tierras y Desarrollo Agrário, no seu capítulo II, de 2001, sobre o Regime
de Uso de Águas (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2001a),
legisla-se em relação às águas susceptíveis de serem usadas para fins de irrigação agrícola,
mas deixa-se para o Regulamento do Decreto Lei a criação, a forma e o funcionamento dos
tipos de organização locais que deverão ser estabelecidos para a utilização comum das águas.
Existe um Projeto de Lei de Águas na Venezuela, aprovado em primeira discussão, na
Assembléia Nacional, em 2001, mas que ainda não foi sancionado. O projeto baseia-se ao no
que diz respeito à propriedade das águas no artigo 304 da Constituição, destacando que “as
águas não são susceptíveis de apropriação privada, já que estas são propriedade da nação, mas
seu uso é de todos” (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2001b:1).
No projeto cita-se, também, que a lei estabelecerá as disposições necessárias para
garantir a proteção, o aproveitamento e a recuperação das águas, e que para cumprir esses
objetivos da lei:
Concorda-se com três premissas internacionalmente aceitas, que são: 1ª) a gestão eficaz dos recursos hídricos exige um enfoque integral que vincule o desenvolvimento social e econômico com a proteção dos ecossistemas naturais, a inclusão de enlaces
47
entre as terras e as águas das bacias de captação ou os aqüíferos subterrâneos; 2ª) o fomento e gestão das águas deveria fazer-se com um critério participativo que incluísse os usuários, os planejadores e os responsáveis pelas políticas, em todos os níveis; e 3ª) a água tem um valor econômico em todos os seus usos de competência, e deveria ser reconhecida como um bem econômico. [...} respeitando as fases do ciclo hidrológico. (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2001b:2).
Apesar de, como dito anteriormente, esse projeto não ter sido ainda aprovado, ele
mostra os princípios básicos que orientam a discussão sobre a legislação das águas na
Venezuela: considerar a água como um bem público, não permitir sua privatização, mas dar
concessões de uso dessa água, propriedade de todos. É importante salientar a idéia, inserida
no projeto, que considera a água como bem econômico e que mostra a influência dos critérios
internacionais hegemônicos sobre o que deve ser a gestão da água no mundo.
Formas de regulamentar o uso da água para irrigação em Quíbor
Como já tenho comentado, consoante ocorre em todo o páis, no Vale de Quíbor se
comprova a influência dos princípios compartilhados tanto pelos espanhóis, nas suas normas e
regulamentações medievais, como pelos árabes, nas suas leis (Código de Hamurabi) (Glick,
1970). Entre estes princípios temos: 1) o conceito de distribuição proporcional da irrigação
conforme as terras que o agricultor trabalha, que tem se modificado no Vale de Quíbor pela
construção de lagoas, a partir da migração dos canários; 2) o conceito de responsabilidade
individual, que requer a participação e o compromisso de todos os envolvidos na manutenção
do sistema de irrigação; e 3) a idéia de que a partilha da água e as políticas sobre a
organização da irrigação, dentro de um dado sistema, são responsabilidade do coletivo dos
irrigadores é fundamental no Vale, pois os juízes e distribuidores são eleitos por votação
popular, com a participação de todos os agricultores que compartilham do sistema de
irrigação.
No Vale de Quíbor existe uma legislação municipal que regulamenta o uso da água do
riacho Atarigua20, tendo sido modificada ao longo da história. Antigamente, a água desse
riacho era dividida entre o consumo humano e a agricultura, mas nas últimas décadas passou a
ser utilizada apenas para uso agrícola. As antigas leis municipais consideravam águas públicas
todas aquelas “que pertencem a todos em comum” (Pérez, s/d.: 593), também, reconhecem a
20 A riacho Atarigua ou Acarigua é uma das fontes de água constantes mais importantes do Vale e forma parte de um complexo de riachos que descem das montanhas e que em época de seca são aproveitados ao máximo pelos agricultores.
48
existência de águas privadas ou particulares, mas não esclarecem as características de cada
uma.
A primeira regulamentação do uso da água do riacho Atarigua, da qual se tem
documentação, é datada de 1852. Nela se decreta o fim da lei de 13 de maio de 1850, por isso
é possível que seja esta última a de maior antiguidade registrada, mas sem descartar que possa
haver leis municipais anteriores das quais não se tem o registro escrito.
A lei municipal foi promulgada devido a uma situação histórica de falta de chuva
durante a estiagem e de pouca quantidade de água que flui dos riachos da região.
1.°) Que pela freqüente falta de chuvas e pela pouca quantidade de águas dos riachos Acarigua e Maguace, a extensa vizinhança da vila de Quíbor sofre atrasos e calamidades nas grandes secas, sendo algumas famílias obrigadas a abandonar suas casas e indústrias (Pérez, s.d:640).
A lei cria normas para a distribuição das águas, estabelecendo a figura dos juízes de
água para exercer sua administração. Os juízes deviam ser eleitos pelos agricultores, e sua
função principal era administrar a pouca água existente para os diversos usos, servindo de
mediador entre os vários usuários. Por outro lado, a lei determinava os direitos e deveres dos
cidadãos e os castigos e punições estabelecidos para quem desobedecesse a sua normativa,
assim como estabelecia o pagamento pelo uso da água.
Art.1.°) Para a distribuição das águas da vila de Quíbor haverá dois juízes de água que serão nomeados pelos próprios lavradores vizinhos interessados na irrigação. Um desses juízes distribuirá as águas do riacho Acarigua, e o outro, as do riacho Maguace, sendo que ambos prestarão contas ante o chefe político e sob juramento de cumprir fielmente seus deveres (Pérez, s/d.:640).
Alguns dos antigos deveres dos juízes ainda se conservam na região, por exemplo:
2.°) Não permitir que pessoa alguma aumente ou diminua a porção de água que tem destinado à irrigação ou ao enchimento de poços em cada lugar. 3.°) Zelar e fazer com que os leitos dos canais principais, pontes e tampas se conservem em bom estado. 4.°) Impedir e denunciar ao chefe político, ou juiz de paz, conforme o caso, os abusos, fraudes ou faltas dos lavradores, contrárias ao regulamento. 9.°) Informar a cada agricultor o dia e hora em que vai receber a água, com a finalidade de que possa se preparar. 12.º) Recorrer aos comissários ou juízes de paz para que lhe proporcionem dois ou três vizinhos com os quais possa comprovar os roubos ou fraudes que note nas águas (Pérez, s.d.: 641).
49
Estava previsto na lei que o juiz cobrará aos agricultores pelos serviços realizados,
mas também terá uma série de deveres que, se não forem cumpridos, implicarão o pagamento
de multas e até a perda do emprego. “Art. 9.°) O chefe político da região conhecerá os abusos
que cometam os juízes de água no exercício das suas funções e determinará a
responsabilidade devida” (Pérez, s.d.: 642).
A lei também determinava formas de distribuição da água para os vizinhos da região,
como a seguir: “ordem de cima para baixo, e encher os poços a cada 12 dias” (Pérez, s.d.:
641). “O juiz de água criará um registro, no dia 2 de Janeiro de cada ano, das culturas que
tenham direito à irrigação em cada canal principal e segundo esse registro fará a distribuição
das águas” (Pérez, s.d.: 643).
Determina-se que em casos de emergência pela perda de uma cultura, o juiz decida
distribuir água para um agricultor sem ter que seguir a ordem estabelecida, sempre que isto
não gere danos ao outro produtor.
Art. 39. O juiz de água, com prévia avaliação de técnicos, pode pular de um ponto de irrigação a outro, sempre que possa fazê-lo sem danos para quem perde o seu turno, sabendo da urgência de quem que vai ser beneficiado, já que sua cultura corre perigo. (Pérez, s.d.: 646).
Os agricultores também tinham deveres e penas estabelecidos na lei, entre eles:
1.° ) Pagar sem demora ao juiz de água a quantidade que se aponta neste regulamento. 2.°) Ter limpado seus canais particulares e disposto o pessoal para receber a água na hora que o juiz tenha determinado (Pérez, s.d.: 643).
O juiz devia informar sobre as faltas cometidas pelos lavradores ao chefe político e aos
juízes de paz, para que esses agissem na imposição e execução das penas respectivas.
Ainda que a figura do juiz esteja institucionalizada pelas leis, as pessoas que cumprem
essa função no Vale geralmente não agem da forma como mandam as normativas e
regulamentos. O cotidiano da irrigação em Quíbor não está condicionado por essa
institucionalização, embora os juízes ou distribuidores usem as leis e regulamentos para se
orientar na tomada de decisões, a experiência e conhecimento do lugar e a tradição de usos e
costumes pesam muito, tanto nas questões da distribuição da água quanto para exercer a
pouca autoridade que têm para resolver algum problema.
Em março de 1996, foi feita uma reforma parcial da lei municipal de 1984, em
vigência atualmente, que regula o uso para irrigação das águas do riacho Atarigua. No artigo
50
2.° desta lei declara-se que “as águas mencionadas no artigo anterior21 pertencem em comum,
desde tempo imemorial, aos habitantes deste município capital” (Concejo Municipal del
Distrito Jiménez, 1996:1). Dita lei trata da administração e distribuição das águas e mantém a
figura tradicional do juiz de águas e seus ajudantes, chamados de distribuidores e
encarregados. Todos eles devem ser eleitos pelos agricultores, cadastrados como usuários do
riacho. No artigo 3°, decreta-se que “para atender à administração e ao serviço das águas do
riacho Acarigua (Atarigua)22, haverá um juiz de águas com seus respectivos suplentes” (p.1).
A reforma parcial só modifica o artigo 4° do regulamento que se refere aos detalhes da eleição
do juiz de águas. A lei, como instrumento jurídico, mantém o espírito das leis de anos
anteriores através de 9 seções e 44 artigos que dão conta de como devem ser distribuídas ditas
águas, dos deveres e direitos do juiz e dos usuários, dos pagamentos e das multas e sanções a
que podem ser submetidos os infratores da lei.
No que diz respeito aos usuários da água proveniente do Portal de Saída do Túnel da
represa Yacambú, eles têm uma normativa assinada por todos os produtores, a maioria deles
membros da organização Aproquíbor, para regulamentar a distribuição dessa água.
Em 1982, como resultado da construção do túnel da obra Yacambú-Quíbor em uma das suas três frentes de trabalho, especificamente no Portal de Saída, começa a drenar um certo fluxo de água (...) Aproveitando essa fonte de água se criou, num pequeno setor ao sul do Vale de Quíbor, o que atualmente se conhece como sistema de irrigação do Portal de Saída do Túnel Yacambú-Quíbor (Esteves, 1999:13).
Segundo Silva (1993), para o mês de junho de 1993, a Comissão de Assuntos
Camponeses e Desenvolvimento Rural da Prefeitura do Município Jiménez, em reunião com
os usuários, decidiu convocar a eleição do Juiz de Água e constituir uma comissão
administrativa para fiscalizar o juiz. Este foi finalmente eleito e, em 1995, se criou o
Regulamento para o Uso da Água do Portal de Saída do Túnel Yacambú-Quíbor, que é, até
hoje, o instrumento que determina a distribuição dessa água.
No caso da água proveniente da estação de tratamento, “não existe uma organização
formal para administrá-la. Neste caso opera a tradição, e a tarefa é realizada pelo distribuidor
eleito pelos agricultores” (Esteves, 1999: 13). O distribuidor, porém, utiliza a legislação
municipal do riacho Atarigua como referência para a realização das suas atividades.
Quanto ao Sistema de Irrigação San José de Quíbor, segundo Esteves (1999), pensava-
se em organizar os usuários da água da Represa em três empresas camponesas: Cerro Pelón, 21 Inclui as águas do riacho Atarigua. 22 Correção do Autor.
51
Yacambú e La Vigia, para que trabalhassem com objetivos coletivos. Construiu-se para tal
finalidade um encanamento ligado à tubulação matriz. As empresas foram efetivamente
formadas em meados dos anos 1970.
Após uns 20 anos de uso da água da represa, sem ter sido feito o pagamento
conveniado pelo serviço à empresa administradora Inos, esta começou a diminuir a oferta de
água para as empresas camponesas no ano de 1985. Em conseqüência, a água que restou não
satisfazia às necessidades mínimas das três empresas, que tinham de dividir a água com a
crescente população da cidade de Barquisimeto.
Em 1985, o Inos regula o subministro de água perante um mecanismo de controle no encanamento de adução, dando-lhes só 120 l/s para as necessidades de irrigação das três empresas, e restringido o serviço a um turno de 6 da manhã às 6 da tarde. Esta crítica restrição mudou por completo a situação das empresas, que agora se vêm obrigadas a dividir a água em turnos de cada dois dias, a saber: Empresa La Vigía: segundas e quintas; Empresa Cerro Pelón: quartas e sábados; e Empresa Yacambú: terças e sextas (Esteves, 1999: 53).
Outras fontes de água são as do esgoto ou residuárias da cidade de Quíbor,
armazenadas em lagoas nas terras de duas fazendas da região. A água das lagoas de
estabilização da fazenda El Veral, segundo Esteves (1999), deveria ser distribuída da seguinte
forma: Rafael, 50% da água, e Luis e os irmãos Castro, 25% cada um. Porém, não têm
definidos turnos nem datas preestabelecidas de distribuição. O uso depende dos acordos entre
os usuários. No caso das lagoas de estabilização da fazenda El Tunal, esta água é utilizada só
pelo proprietário da fazenda.
Neste ano de 2004, está sendo discutido no estado Lara um anteprojeto de Lei de
Águas para esse estado, que visa regulamentar ao nível estadual tudo o que diz respeito à
administração das águas na região, na qual se localiza o Vale de Quíbor. Na exposição de
motivos do documento em questão, se reconhece a potestade, que têm os estados para
regulamentar e administrar, juntamente com o governo nacional seus recursos em prol de uma
vida e um ambiente mais seguros para todos os venezuelanos (Hidrolara, 2004). No nível
operativo, o anteprojeto prevê a criação de a Corporación del Agua del Estado Lara, com a
finalidade de “desenvolver e executar as obras públicas e de inversão necessárias para o uso
(racional e adequado), a conservação e o melhoramento dos recursos hídricos do estado Lara”
(Hidrolara, 2004:s/p.). No nível técnico, no artigo n.° 25, propõe-se a criação do Instituto
Estadal de Aguas del Estado Lara, “para o desenvolvimento e execução das competências
52
técnicas em matéria de águas no Estado” (Hidrolara, 2004:s/p). O Instituto será administrado
por uma Junta Diretiva, a qual será eleita pelo governador(a) do estado.
Ao estudar, por tanto, a gestão da água de irrigação, na Venezuela, tem-se que
reconhecer suas raízes tanto nos sistemas indígenas como nas técnicas levadas pelos
espanhóis, ao longo da colonização e posteriormente, com as migrações acontecidas no século
XX, portanto, as leis, regulamentos e os usos e costumes, convivem em Quíbor na hora de
administrar de forma tradicional a distribuição para irrigação do líquido fundamental para a
vida, a água.
54
A irrigação nos estudos socioculturais
Há muitos séculos os seres humanos têm se ocupado em domesticar23 a água com
diversos fins, dntre eles, utilizar a força da água para movimentar moinhos, distribuir a água
para consumo humano e de animais, controlar as enchentes, armazenar água e irrigar cultivos
nas épocas de estiagem. Temos conhecimento de que há pelos menos 5 mil anos, em muitas
regiões do mundo, já existiam terraços para cultivos que dependiam de sistemas de diques e
canais, e são bastante conhecidos os milenares qanats no atual Irã, que são poços horizontais
para armazenar e distribuir água, com pelo menos 3 mil anos de existência (De Villiers,
2002).
A irrigação é uma técnica antiga que retrocede a 5 mil anos na Ásia Central e muito mais na Mesopotâmia. Era usada na China imperial, no antigo Laos, na África antiga, na Tanzânia, no Zimbábue e na velha América, antes que os espanhóis deitassem os olhos sobre ela (De Villiers, 2002:201).
Por sua vez, Rebouças (2002) aponta que o controle dos rios tem sido a forma de
dominação mais antiga que se conhece. “O controle das inundações de rio Nilo foi a base do
poder da civilização Egípcia, desde cerca de 3.400 anos a.C” (p. 17). Ele acrescenta que: “o
controle do rio Eufrates foi a base do poder da Primeira Dinastia da Babilônia, possibilitando
ao Rei Hamurabi – 1792 a 1750 a.C. – unificar a Mesopotâmia e elevar sua região norte a
uma posição hegemônica” (p. 17). O autor comenta que “para alguns, a politização e
centralização atuais do poder sobre a água teriam tido suas origens nessa época” (p. 17).
Gleick (2001), dando centralidade à água na história da humanidade, afirma que “a
história da civilização humana está entrelaçada com a história das formas que temos
aprendido para manejar os recursos hídricos” (p. 1).
A irrigação também pode ser parte das causas de que algumas civilizações tivessem
deixado de existir. Sandra Postel (2001) aponta que a “Suméria foi uma das primeiras
civilizações em colapsar, em parte, pelas conseqüências da irrigação” (p.1). Isto porque,
segundo ela, os agricultores sumérios usaram toda a água possível para manter a produção
requerida, e, com isso, o solo não resistiu à salinização produzida pelo excesso de irrigação e
não pôde suportar a produção de comida necessária para a manutenção da sociedade Suméria.
23 Utilizo a palavra domesticar para me referir aos processos de modificação dos cursos naturais da água para utilizá-la na irrigação.
55
Também se diz que a irrigação é a maior consumidora de água no planeta, com relação
às outras atividades, como produção de energia, consumo humano e lazer, e uma das formas
como os agricultores têm aumentado a quantidade de cultivos e de colheitas por ano. Ela é
apontada como responsável pelo consumo das maiores quantidades de água no mundo e pelas
subutilização e perdas da água (De Villiers, 2002). Segundo Gleick (2001), o maior
consumidor de água é a agricultura, e aponta, aliás, que esse uso é muito ineficiente. Fazendo
uma comparação sobre a criação de empregos pela água, em duas áreas diferentes, ele
comenta que: “manter 100 mil empregos de alta tecnologia na Califórnia requer de 250
milhões de galões de água por ano, e, com esta mesma quantidade de água, na agricultura se
mantêm menos de 10 empregos” (p.2).
Barlow e Clarke (2003) afirmam que “a irrigação para produção de colheita reivindica
os 65% a 70% restantes de toda a água usada pelos seres humanos” (p. 10), enquanto a
indústria consome entre 20% e 25% da água doce do mundo, e o uso pessoal e residencial
respondem por uns 10%, porém, “sem irrigação, a produção nos maiores campos produtores
de grãos do mundo – dos quais depende a alimentação do planeta – cairia quase pela metade”
(De Villiers, 2002:202).
Outra coisa importante para compreender o que significa a irrigação para a
alimentação das pessoas na atualidade é que “hoje a irrigação responde por duas terceiras
partes do uso da água no mundo, e, em alguns países em desenvolvimento, chega a significar
cerca de 90%” (Postel, 2001:1).
Por outro lado, muitos são os estudos feitos sobre a utilização da água na agricultura.
Entre deles, os escritos de Karl Marx, sobre o modo de produção asiático ou a “formação
asiática”, encontrados em várias de suas publicações, têm sido alvo de discussões intensas
para marxistas e não marxistas. Porém, o que interessa apontar aqui é que essa formação
social foi caracterizada por este autor, a partir do uso que a sociedade fazia da água de
irrigação, como elemento fundamental, junto com a propriedade comunal da terra, e dessa
forma explicar o despotismo do sistema de governo, tanto na Índia como na China, e em
outros países que se podiam conceituar como uma formação social asiática.
Marx ([1964], 1975), em seu trabalho intitulado Formações Econômicas Pré-
Capitalistas, também aponta para o significado da terra nas sociedades pré-capitalistas,
consideradas basicamente de propriedade comunal, e como elemento fundamental no
cotidiano dessas sociedades. Isso nos parece importante, ainda que o autor não considere
especificamente a propriedade comum da água, ficando aparentemente sobreentendida sua
56
importância, pois a água passa a fazer parte dos elementos necessários à produção de bens
agrícolas, o que a torna indissociável do processo mais amplo desse tipo de produção.
Desse modo, Marx ([1964], 1975), argumenta que “a terra é o grande laboratório, o
arsenal que proporciona tanto os meios e objetos do trabalho como a localização, a base da
comunidade” (p. 67). Essa consideração sobre a importância da terra remete, segundo minha
interpretação, à propriedade da água, que no caso da formação asiática é fundamental, pois se
baseia, por vezes, na administração da água de irrigação por parte de governos despóticos.
No caso do Vale de Quíbor, a relação da propriedade da terra com o direito ao uso da
água é fundamental para entender as relações que se estabelecem, sobretudo na época da
estiagem, durante a qual alguns interesses entram em conflito.
Sobre a crença de que nas sociedades despóticas ter-se-ia uma ausência de
propriedade, Marx ([1964], 1975) aponta:
O despotismo oriental aparentemente leva a uma ausência legal de propriedade. Mas de fato, seu fundamento é a propriedade tribal ou comum criada, na maioria dos casos, por uma combinação de manufatura e agricultura dentro da pequena comunidade que, assim, faz-se completamente auto-suficiente, em si mesma contendo todas as condições de produção e de produção de excedente (pp. 67-68).
No entanto, existe uma controvérsia sobre a importância que teria para o
desenvolvimento dos trabalhos de Marx os escritos sobre o modo de produção asiático (Sofri,
1977). O certo é que um número importante de marxistas se dediccou a escrever sobre ele,
tendo maior ressonância na obra de Karl Wittfogel (1957), em seus estudos sobre as
sociedades orientais, plasmados, basicamente, no seu livro Despotismo Oriental, no qual
retoma a idéia de uma sociedade autoritária baseada no controle da produção por meio dos
recursos hídricos (sendo a irrigação o mais importante entre eles). Porém, segundo Ribeiro
(1978) e Sofri (1977), Wittfogel abandona a idéia relacional entre governo despótico e
irrigação e passa a manter a idéia de “formação asiática”, para caracterizar as sociedades
despóticas em geral. Os trabalhos de Wittfogel não foram os únicos a tratar dessa temática,
mas o autor é o mais citado no âmbito dos estudos marxistas, pelas suas implicações para os
estudos da evolução sociocultural, a partir do materialismo histórico.
Sofri (1977) esclarece que a idéia de um despotismo oriental nasceu nos séculos XVI e
XVII, do contato dos ingleses com a China, muito antes, logicamente, dos escritos de Marx e
Engels. O autor acrescenta, aliás, que eles não se aprofundaram muito nesse conceito, o que
tem contribuído para as discrepâncias surgidas no âmbito dos estudiosos marxistas, mas
acredita que quando Marx fala da forma asiática de produção, quer argumentar que nela,
57
apesar de ter um dono de tudo, um autocrata, há uma propriedade comunal da terra (na
agricultura), que sempre está acompanhada do trabalho artesanal (na manufatura).
Ribeiro (1978), continuando na linha de análise marxista, desenvolve toda uma teoria
sobre a evolução sociocultural, na qual as sociedades de irrigação ocupam um lugar
preponderante ao canalizar a água dos rios com fins agrícolas, fazendo parte de uma das
Revoluções Tecnológicas e dos Processos Civilizatórios da Humanidade. Segundo ele, a
Revolução do Regadio formou as bases tecnológicas dos Impérios Teocráticos de Regadio,
entre os quais ele aponta os dos Incas, dos Astecas e dos Maias, especificamente na América
do Sul, e todos eles com uma agricultura baseada na irrigação com suas especificidades
ecológicas e culturais.
Hunt e Hunt (1976), a partir de uma postura antropológica, apontam para o fato de
antropólogos sociais terem geralmente ignorado os estudos sobre irrigação. Eles destacam
entre os antropólogos dedicados ao tema, além dos escritos de Wittfogel (1957), os trabalhos
de Steward (1955), Leach (1961), Childe (1954), Wolf e Palerm (1955) e Sander e Price
(1968). Eles se juntam a um grupo que acredita na importância dos estudos da irrigação para a
organização social:
Acreditamos que a agricultura de irrigação é um recurso social não muito usual, que certamente tem relações sistemáticas com outras características da organização social e que estas relações precisam ser investigadas de forma sistemática (Hunt e Hunt, 1976:389).
Porém, Hunt e Hunt (1976) reconhecem que a maior parte dos antropólogos tem
ignorado esses estudos, embora a irrigação seja a mais importante técnica de cultivo nas
sociedades que eles estudam, e que ela só é mencionada e e tratada nos seus trabalhos com
comentários sem importância. Na atualidade essa situação tem se modificado, se observando
que alguns antropólogos tem se dedicado a estudar as relações sociais em volta da distribuição
da água de irrigação (Geertz, 1981,1980; Hunt, 1989; Gelles, 1997; Wateau, 2000; Dayton-
Johnson, 2001; Long, 2001).
Na Psicologia Social os estudos sobre o rural, e especificamente sobre o papel da
irrigação na organização social, constituem um tema inexistente ou pelo menos não fazem
parte dos temas comumente tratados na disciplina24. Porém, Íñiguez (1994), num trabalho
24 Isso ficou evidente numa mesa-redonda denominada “O Semi-Árido como um Lugar na Psicologia Social” que conformamos Canelón (2003), Spink (2003), Cordeiro (2003) García (2003), no XII Encontro da Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso), efetuado na cidade de Porto Alegre, no Brasil, no mês de outubro do ano 2003, no qual apresentamos vários trabalhos sobre o Lugar do Rural nessa disciplina. Para o evento
58
sobre as estratégias psicossociais para a gestão da água, aponta que a Psicologia Ambiental
tem se ocupado, na maioria das vezes, de estudar o problema da água a partir de enfoques
individualistas, ou com um tratamento pouco abrangente do social. Constata, também, que as
pesquisas têm sido orientadas por trabalhos sobre condutas, atitudes, motivação, valores e
normas sociais que influenciariam o comportamento da população, na busca de um uso mais
racional (usando menos água por pessoa) à conservação do recurso hídrico (investigação-
intervenção).
De inspiración netamente cognitivista, este planteamiento se basa en la creencia de que los comportamientos están determinados por un proceso racional. En esencia, con la información pertinente, la gente es capaz de reflexionar sobre ella y cambiar su forma de comportamiento; en nuestro caso, dada una información, conocidas las carencias de agua y la dificultad para su consecución, mantenimiento, depuración, canalización, etc., etc., las personas modificarán sus comportamientos para favorecer el ahorro de agua y la homogenización de los niveles de calidad de vida del conjunto de la población (Iñiguez, 1994:20).
Ele afirma também que, para esse momento, a teoria das representações sociais era
uma contribuição fundamental para tratar esses estudos com uma visão ‘social’.
Una superación del individualismo latente en las perspectivas anteriores la ofrecen otros planteamientos donde se remarcan la naturaleza social de la persona humana, de sus relaciones con su entorno, de los conocimientos, creencias, emociones, etc. Incluidos los que se refieren a nuestra relación con el mundo físico (Iñiguez, 1994:23).
A perspectiva do construccionismo social
Do ponto de vista epistemológico este trabalho utiliza quatro noções principais: a
noção campo-tema de Peter Spink (2003a, 2003b, 2003c, 2002, 2001, 1999), a noção de
matriz de Ian Hacking (1999), a noção de análise de interface centrada no ator de Norman
Long (2001, 1999, 1997, 1996, 1993), e o conceito de práticas discursivas proposta por Mary
Jane Spink (2003a, 2003b, 1999). Todas essas propostas teóricas-metodológicas têm como
base epistemológica o construcionismo social, que: “... Está interessado em identificar
processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam e/ou compreendem o mundo em que
vivem, incluindo elas próprias” (Spink, M.J. e Lima,1999:60).
apresentamos alguns trabalhos que temos realizado na zona rural, tanto do Brasil como da Venezuela, que abrem um caminho para estudos desse tipo a partir de uma Psicologia Social que volte seu interesse para essa área tão importante.
59
Segundo Íñiguez (2003:6-8), alguns dos elementos que definem o que se poderia
chamar de construccionismo são: a) o anti-essencialismo, ou seja, que nem as pessoas nem o
mundo têm uma natureza determinada, a noção de objeto é uma convenção social que
depende da definição que fazemos dele, pelo que não há objetos “naturais” que existam na
realidade de forma independente, eles são objetivações resultantes de práticas sociais que os
constituem como tal; b) o relativismo/anti-realismo, pois, um ponto de vista construcionista
implica a negação da relação entre o conhecimento e a percepção direta da realidade, pois a
‘Realidade’ é apenas um conjunto de versões construídas coletivamente no seio das distintas
sociedades e culturas ao longo da história como comunidade. Não há então separação entre a
realidade e o conhecimento que produzimos sobre ela. O objeto não gera sua representação,
ele é construído pelas nossas práticas; c) o questionamento das verdades, geralmente,
aceitas, na medida em que essa perspectiva questiona constantemente a “verdade”, pondo em
dúvida o modo como temos aprendido a olhar o mundo e a nós mesmo. Questiona, também, a
idéia de que o conhecimento é baseado na observação objetiva e imparcial da realidade; d)
determinação cultural e historicidade do conhecimento, pois, toda concepção do mundo ou
do social é social e culturalmente dependente. As formas de categorização e conceitualização
são específicas de cada cultura e cada momento histórico concreto, afirmação que se aplica
não só ao conhecimento “comum”, mas, também, ao “conhecimento científico”. Por tanto, do
ponto de vista histórico e cultural não há nada absoluto, nenhum saber é verdadeiro nem
definitivo; e) a linguagem, como condição de possibilidade, já que a realidade se constrói
socialmente e os instrumentos com os quais se constrói são discursivos, pois a linguagem não
é unicamente expressiva ou referencial, mas uma forma de ação pela qual construímos o
mundo; f) o conhecimento como produção social, tendo em conta que o conhecimento é o
resultado de uma construção coletiva. As práticas cotidianas fabricam nosso saber e nossa
concepção do mundo e de nós mesmos. Cada saber e cada conhecimento social possibilitam
certos modos de ação social, excluindo, ao mesmo tempo, outros modos; e g) a “construção
social”, a perspectiva construcionista não deve tornar a noção de “construção social” algo
estático ou reificante, ou seja, algo permanente, já que as práticas sociais criam estruturas e
instituições sociais, mas, igualmente, as estruturas sociais incidem e exercem uma forte
influência sobre as práticas. Toda prática social, então, contribui de maneira direta para a
construção do social.
A metodologia da pesquisa foi sendo construída à medida que esta se desenvolvia, tal
e como aponta Spink (2003a),
60
O quarto eixo de reflexão trouxe o reconhecimento de que os estudos feitos pelo Núcleo não se caracterizavam, de maneira geral, por um planejamento antecipado da estratégia de pesquisa, com a identificação precisa de objetivos e a escolha deliberada de métodos de investigação e análise. Ao contrário, a pesquisa tendia a se dar a partir da identificação de um ponto de partida, e daí: iria caminhando sem saber direito como e onde'. O processo foi descrito em termos da desnaturalização sucessiva (ou estranhamento) em relação à temática em foco, do olhar multidirecional e da ausência de um ponto predefinido de chegada ou término, a não ser o sentimento de ''ser suficiente'' (p.20).
Por outro lado, o rural como um lugar não tem feito parte dos temas tradicionalmente
abordados pela Psicologia Social25. O lugar vem a se tornar o foco da compreensão e da ação
e não como tem sido tratado tradicionalmente, como alguma coisa externa, de contexto, algo
que está lá fora (Spink, 2003c).
As coisas não só acontecem: elas têm lugar (...) Esse é o terreno da interseção de processos sociais e ação social, em que um aperto de mãos e um sorriso entre desconhecidos em uma reunião comunitária produzem civismo e são produzidos por ele (Spink, 2002:4).
Também se sabe que o rural tem sido uma área tradicionalmente estudada pela
Sociologia, a Antropologia e a Agronomia. Esses estudos, na maioria das vezes, tendem a
focalizar os aspectos mais gerais da temática, procurando generalizações, isso é muito
diferente da perspectiva com que construí este campo-tema. O que quero dizer se explica pelo
uso que faço da noção de campo proposta por Spink (2003a) na qual: “o campo é o método e
não o lugar; o foco está na compreensão da construção de sentidos no espaço de vida do
indivíduo, grupo, instituição e comunidade” (p.35).
Em conseqüência, mesmo estando a maior parte do tempo desta pesquisa localizado
fisicamente no Brasil, estive no campo e ainda estou no campo, como pesquisador, refletindo,
conversando, pensando e escrevendo sobre a problemática da água de um lugar denominado
Vale de Quíbor, “campo, portanto é o argumento no qual estamos inseridos; argumento esse
que tem múltiplas faces e materialidades, que acontecem em muitos lugares diferentes”
(Spink, 2003a:28), neste caso, os diversos povoados visitados por mim é que são, somente,
parte da territorialidade do campo-tema.
25 Numa pesquisa feita pelo autor na Revista Psicologia e Sociedade, da Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), entre os anos 1996 e 2001, dos 86 trabalhos publicados, somente 2 tinham relação com o rural. A mesma pesquisa foi realizada na Revista Psicologia Social y Personalidad, da Amepso (Asociación Mexicana de Psicologia Social) , entre os anos de 1996 e 2000, encontrando 3 artigos sobre o tema rural entre os 50 artigos publicados.
61
E quando, como psicólogos sociais, fazemos pesquisa, o que fazemos? Argumentamos que um tema, um campo, ou melhor, um campo-tema merece ser estudado, merece nossa atenção como psicólogos sociais. Propomos que é psicologicamente relevante (Spink, 2003a:25).
Para reforçar a idéia de campo como foco de minha pesquisa e as diferenças que esse
conceito tem em relação ao oriundo da pesquisa de campo na Antropologia, instaurado por
Malinowski no seu clássico livro Os Argonautas do Pacífico Ocidental, como o método
antropológico por excelência e que implica, necessariamente, a permanência por longos
intervalos de tempo na comunidade, pois desta maneira pretende conseguir “entender o ponto
de vista do nativo” (Burke, 1992:25), me apoio novamente em Peter Spink quando diz
“quando fazemos o que nós chamamos de pesquisa de campo, nós não estamos ‘indo’ ao
campo, já estamos no campo, porque já estamos no tema” (Spink, 2003a:36), o que diferencia
esta noção da antropológica e lhe outorga um sentido particular para a Psicologia Social.
O que nós buscamos é nos localizar psicossocialmente e territorialmente mais perto das partes e lugares mais densos das múltiplas interseções e interfaces críticas do campo-tema, onde as práticas discursivas se confrontem e, ao se confrontar, se tornem mais reconhecíveis (Spink, 2003a:36).
Desse modo, o que me orienta se sustenta na idéia de que:
Não há dados nas nossas investigações porque não há fatos empíricos esperando pacientemente e independentemente para serem interpretados (...) Não há dados, mas há, ao contrário, pedaços ou fragmentos de conversas: conversas que já viraram eventos, artefatos e instituições; conversas ainda em formação; e, mais importante ainda, conversas sobre conversas (Spink, 2003a:37).
Daí que as conversas, entrevistas, as observações e minhas reflexões são o cerne das
explicações que tento fornecer, porque, “o re-narrar acadêmico é um narrar de maneira escrita
do narrar oral, da conversa, da visita, do material, da materialidade, dos achados e perdidos”
(Spink, 2003a:38).
Segundo Spink (2001, 2002), sua noção de campo-tema tem muitos pontos de
intersecção com a noção de matriz de Ian Hacking, pois ela chama a atenção para o lugar
como sendo constitutivo de falas e conversas, incluindo a conversa em sua materialidade. As
pessoas não falam no ar, e no momento em que falam e da forma como o fazem é algo que
faz parte das outras pessoas, elas se constituem juntamente. A materialidade é social; ela é
produzida em fala, sua existência é argüida e a fala continua dentro e em volta dela.
62
Quanto à noção de matriz, Ian Hacking (1999) a utiliza para nomear o cenário social
em que as idéias, as noções e os sentidos são socialmente construídos. Assim, os sentidos
atribuídos à água são construídos numa matriz de relações muito complexa que é constituída
por instituições, agricultores, mediadores (como os distribuidores e os juízes de água), leis
sobre uso e distribuição da água e também pelas materialidades, represas, lagoas, canais, etc.,
que ora possibilitam, ora obstaculizam determinadas relações sociais no campo-tema da
gestão da água de irrigação, das diversas fontes, no Vale de Quíbor.
Hacking (1999), apresentando uma discussão acerca da construção da matriz mulher
refugiada no Canadá, argumenta:
A matriz em que tem se formado a idéia da mulher refugiada é um complexo de instituições, advogados, artigos de jornal, juristas, decisões judiciais, atas de imigração. Para não mencionar a infra-estrutura material, as barreiras na fronteira, passaportes, uniformes, balconistas de aeroportos, centros de detenção, juizados, acampamento de férias para meninos refugiados (p. 10).
O autor acrescenta, a respeito, que “as interações não só ocorrem. Ocorrem em
matrizes, constituídas de muitos elementos sociais e materiais óbvios” (p. 31). Partindo então
desses argumentos, procuro conhecer como a matriz da gestão de água de irrigação, em
Quíbor, é constituída e como isso me ajuda a entender os mecanismos e as formas tradicionais
de gestão presentes nesse cotidiano.
Dado que considero as pessoas de Quíbor, inseridas em uma matriz muito complexa
de relações, instituições, linguagens, etc., a noção de interface, dentro da proposta de análise
centrada no ator, de Long (2001, 1999, 1997, 1993), me subsidia na hora de operacionalizar a
forma como se dão essas relações, as arenas onde se apresentam e quais os discursos e as
práticas usados nas negociações de sentidos no cotidiano da região sobre a água de irrigação
no Vale.
Sobre a noção de interface social, Long e Villareal (1993) apontam que “ainda que a
palavra interface tende a sugerir a imagem de algum tipo de articulação ou confrontação de
dois lados só, as situações de interface são muito mais complexas em sua natureza” (p. 7).
Isso também me permite construir uma ponte com a noção de matriz, pois ambas noções
partem da complexidade das situações e não dão nada por óbvio nem minimizam qualquer
situação social do cotidiano.
Long (2001), define a interface como:
63
Um ponto crítico de interseção entre os mundos de vida, entre os campos sociais ou entre os níveis de organização social, no qual as descontinuidades sociais, baseadas em discrepâncias de valores, interesses, conhecimento e poder, são maiormente possíveis de serem localizadas (p. 243).
Partindo dessa compreensão, interessa-me entender os sentidos atribuídos à gestão da
água de irrigação, a partir da análise das práticas discursivas das pessoas envolvidas em
situações de interseção e descontinuidades que se produzem no campo da gestão da água em
Quíbor; como e onde elas surgem, quem está envolvido, e por que, e quais, as materialidades
que sustentam essas interfaces.
Para tanto, ponho em foco a interconexão das pessoas ou atores, no cotidiano de uso
da água de irrigação em Quíbor. Desse modo, entendo que as pessoas em Quíbor estão
engajados em processos contínuos de construção de seus mundos sociais e que a compreensão
de suas formas de gestão da água passa por conhecer como eles têm construído esses mundos
diversos e como os expressam nas suas práticas discursivas.
Embora Long (2001) trabalhe no campo da sociologia do desenvolvimento rural, a
utilização que eu faço da perspectiva da análise de interface centrada no ator tem um recorte
particular: tomo para este trabalho aqueles aspectos que podem me fornecer subsídios na
realização da pesquisa, sem assumir a proposta como uma receita, mas como um apoio à
pesquisa.
Alguns conceitos da proposta de Long (2001) têm sido muito úteis para o presente
trabalho. Entre eles está o conceito de agência, que diz respeito à capacidade das pessoas de
processarem suas experiências e lidarem com suas vidas, gerando diversos tipos de
conhecimento, embora elas possam estar submetidas a formas e condições restritivas. Para o
autor:
Agência implica tanto uma certa habilidade de conhecimento, por meio do qual as experiências e os desejos são reflexivamente interpretados e internalizados (conscientemente ou não), como a capacidade de utilizar ferramentas relevantes, ter acesso a recursos, materiais ou imateriais, e se envolver em práticas organizativas específicas (Long, 2001:49).
A partir desse conceito podemos entender que as pessoas desenvolvem formas
particulares de relacionamento, de organização e conhecimento na construção de projetos
coletivos que transformem suas condições de vida. Ao considerar a agência tal como aponta
Long (2001), pode-se entender que há formas associativas cotidianas, que são o produto da
criatividade das pessoas, com suas próprias dinâmicas, e que, muito provavelmente, as formas
64
de associação propostas verticalmente, ou criadas artificialmente26 ou compulsoriamente,
podem não produzir os efeitos esperados segundo as expectativas de especialistas e técnicos.
Há ainda mais dois conceitos que complementam nossa análise: conhecimento e
poder. Long (2001) aponta que as pessoas produzem conhecimento apesar das limitações de
estudo formal e de informação, e que esse conhecimento é tão válido quanto outros. O poder é
visto, ainda segundo o autor, como a capacidade que os atores têm para criar redes e projetos
que os aglutinam em torno de vários projetos pessoais, mas que se podem juntar, não sem
conflitos, em prol de objetivos coletivos:
Em outras palavras, agência (e poder) depende, crucialmente, da emergência de uma rede de atores que se comprometem parcialmente, porém, poucas vezes totalmente, no “projeto” de outra pessoa ou pessoas. Agência, então, requer da geração, e uso, ou manipulação de redes de relações sociais, a vinculação de aspectos específicos (como reivindicações, ordens, bens, instrumentos e informação) por meio de certos pontos nodais de interpretação e interação. Aqui, é essencial levar em conta as maneiras pelas quais os atores sociais estão envolvidos e/ou travados em lutas sobre a atribuição de sentidos sociais acerca de eventos particulares, ações e idéias (Long, 2001:17).
Refletindo sobre os problemas de gestão da água de irrigação no Vale, compartilhamos
da visão de Long (2001) quando aponta para a preferência no uso da sua proposta de interface
centrada no ator:
Minha própria predileção se baseia em um tipo de análise do ator que explica como os sentidos, os propósitos, e poderes, associados com modos diferentes da agência humana, se entrecruzam para moldar os resultados das formas sociais emergentes (Long, 2001:4).
É nesse sentido que me aproprio de alguns elementos da proposta para explicar as
formas emergentes na gestão de água em Quíbor, bem como os possíveis resultados da
incorporação da Represa de Yacambú, no cotidiano das pessoas que têm convivido com a
estiagem desde tempos imemoriais.
Segundo Long,
A tarefa mais importante da análise é, então, identificar e caracterizar as variadas práticas de atores, as estratégias e racionalidades, as condições em que elas emergem, como se entrelaçam, sua viabilidade ou efetividade para solucionar problemas específicos e suas amplas ramificações sociais (Long, 2001:20).
26 Desde fora, por agentes externos (técnico, funcionários, etc.)
65
A proposta de Long (2001), que nós aderimos, supõe que a definição do problema
considere a visão dos atores sociais envolvidos, já que afirma que esses devem ser entendidos
como participantes ativos dos processos de criação da problemática, através de suas práticas
discursivas cotidianas. Mas como é que a preocupação pelas práticas discursivas se relaciona
com a análise de interface centrada no ator?
Long aponta:
Estou interessado em analisar as práticas discursivas sociais e heterogêneas criadas e interpretadas por atores sociais na construção e reconstrução de suas vidas e as dos outros (Long,2001:49).
O conceito de práticas discursivas tem desempenhado um papel fundamental neste
trabalho, pois é a partir dessa noção que se pode fazer uma distinção entre os discursos
cristalizados em documentos de domínio público, ou nas falas que se apóiam nos argumentos
contidos neles, e as práticas discursivas do cotidiano, usadas pelas pessoas para dar sentido
aos seus mundos.
Apóio-me em Spink, M.J. (1999), na sua proposta teórico-metodológica que considera
às práticas discursivas como linguagem em uso, ou em ação, e as define como “as maneiras a
partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas” (p. 45).
Nesse sentido, ao interagir com os interlocutores nos diálogos mantidos com eles,
participo nessa construção de sentidos, pois, é a partir da nossa conversa que as pessoas vão
se posicionando e posicionando a outros utilizando repertórios para argumentar tais situações;
ou seja, através da linguagem construída, vão se criando no cotidiano as relações sociais que
dão sentido aos mundos das pessoas. Por isso, compartilho com Spink, M.J. e Rose (1999) a
concepção de que a linguagem é uma prática social e deve ser analisada e compreendida como
tal.
Segundo Spink M.J. (2003b), baseando-se na proposta de Bakhtin (1994), as práticas
discursivas têm como elementos constitutivos: a dinâmica, ou seja, os enunciados orientados
por vozes; as formas, constituídas pelos gêneros de fala ou speech genres (temas e formas –
situações típicas de enunciação); e os conteúdos, que são os repertórios lingüísticos
(linguagens sociais ou repertórios prototípicos).
Para Bakhtin (1994), o enunciado é a unidade básica da comunicação.
Qualquer enunciado (oral ou escrito) implica a presença de interlocutores, presentes, passados e futuros, que se materializam nas noções de vozes e de endereçamento, e
66
que podemos compreender os textos escritos como práticas discursivas e acatar o princípio de que toda linguagem é dialógica (Spink, M.J. e Menegon, 2003:13).
Nesta proposta, se considera que todos os nossos discursos são produzidos por uma
voz ou vozes, portanto, os enunciados são falados ou escritos a partir de um ponto de vista.
Todo enunciado é sempre endereçado a alguém, presente ou ausente. O endereçamento, por
sua vez, refere-se à presença do outro, pois todo enunciado é resposta ao enunciado que o
precede, que implica a responsividade, a dialogicidade, e a interanimação dialógica. Enfim,
todo enunciado tem um autor e um destino, e é, definitivamente, endereçado. (Spink, M.J.,
2003b).
Como unidades de construção das práticas discursivas, os repertórios lingüísticos são
os termos, descrições, lugares comuns que proporcionam a construção dos múltiplos sentidos
possíveis (Spink, 2003a).
Por outro lado, sobre a análise das práticas discursivas, Spink, M.J. (2002) nos adverte
que:
O enunciado vai da pergunta de alguém até a finalização da fala de outra pessoa. É um elo na cadeia de comunicação. Daí a importância de não descontextualizar trechos das trocas discursivas em nossas análises, pois, ao tirarmos uma sentença do enunciado que lhe dá suporte, lhe roubamos o sentido (p.28).
Outra noção importante na perspectiva de Spink, M.J. (1999), que ela toma de Davies
e Harré (1990), é a de posicionamento, fenômeno da ordem da conversação, que parte da
premissa de que “ao falar e agir a partir de uma posição as pessoas trazem para a situação
particular sua história como seres subjetivos, ou seja, a história de alguém que esteve em
múltiplas posições e se engajou em diferentes formas de discurso” (Davies e Harré, 1990:5).
Os autores definem posicionamento como:
... o processo discursivo por meio do qual os selves são situados nas conversações como participantes observáveis e subjetivamente coerentes em linhas de história conjuntamente produzidas. Pode haver posicionamento interativo, onde o que uma pessoa diz posiciona a outra. E pode haver posicionamento reflexivo, no qual nos (auto) posicionamos (Davies e Harré, 1990:5).
Davies e Harré (1990) optam por uma noção de pessoa que se posiciona de formas
diferentes em uma conversação, que se alia “à experiência e demonstra aquele aspecto do self
que está envolvido na continuidade de uma multiplicidade de selves” (p.4). E acrescentam que
querem “defender a adoção de ‘posição’) como a expressão apropriada para referir-se à
67
produção discursiva de uma diversidade de selves – o panorama efêmero dos “eus” (me’s)27
invocados no curso das interações conversacionais” (p.5).
A partir das práticas discursivas, temos acesso a como as pessoas constroem suas
versões sobre a gestão da água, se posicionam e posicionam aos outros e dão sentido ao
cotidiano de seus mundos, já que como apontam Spink, M. J. e Medrado (1999):
O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta. (p. 41).
Apoiando-me no conceito de práticas discursivas, em um capítulo posterior, interpreto
e analiso as conversas e entrevistas dos atores no manejo da água no Vale de Quíbor e os
sentidos construídos à sua volta. Como disse Spink, M.J. (2003a) “quando buscamos entender
a dialogia nos processos cotidianos de produção de sentidos, trabalhamos com conversas do
cotidiano, de entrevistas, de grupos de discussão e depoimentos” (p.16).
Tendo em conta as interfaces dos atores, procuro as diferentes ligações entre as várias
versões sobre a água de irrigação e sua forma tradicional de gestão, assim como as
negociações, as possibilidades de acordos e os conflitos que surgem, buscando dar sentido a
esse complexo mundo cotidiano da água de irrigação durante a estiagem no Vale.
Baseado nessas noções utilizo, neste trabalho, variadas estratégias de aproximação ao
campo-tema que me permitem considerar o ponto de vista dos atores em Quíbor: observações
do cotidiano; coleta e análise de documentos de domínio público (Spink, 1999); conversas
informais gravadas, ou não; entrevistas gravadas e realizadas com pessoas selecionadas, sem
roteiros rígidos preestabelecidos, e deixando que surgissem as várias dimensões envolvidas na
problemática da escassez de água e os mecanismos de distribuição durante o período da
estiagem, questões que norteavam o trabalho. As estratégias foram executadas em três
momentos, misturando-se e aprofundando-se no decorrer da pesquisa entre, visitas, leituras de
documentos, observações e análise das conversas.
Como mencionado no prefacio, foi a partir de conversas com uma funcionária da
Gerencia de Desarrollo y Conservación da empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor
(SHYQ), que o problema da falta de água e as expectativas sobre o que aconteceria quando a
represa começasse a funcionar, introduzindo novas formas de gestão dá água, que tive uma
visão mais clara dos atores que poderiam participar da pesquisa. Surgiram questões acerca dos
27 A autora se refre aqui ao pronome me em inglés, em plural.
68
modos de organização dos agricultores − no discurso de funcionários do SHYQ, dizia-se que
as pessoas, e especialmente os agricultores do Vale, têm problemas para se organizar em
associações para “lutar” pelos seus direitos, ou para coordenar suas atividades, porém,
reconheciam que há formas organizativas tradicionais no manejo da água que consideram
elemento importante para o futuro Sistema de Irrigação que a empresa construirá. Isso não me
parecia lógico e sim contraditório, pois, como era então que essas pessoas tinham feito para
lidar com a estiagem e com a distribuição da água por tantos anos se não tivessem tido uma
organização efetiva nas suas relações cotidianas?.
No modo geral, no Vale de Quíbor não existe um sistema organizativo dos produtores que lhes permita abordar coletivamente a busca de soluções aos problemas que os afetam, assim como a coesão necessária para se relacionar vantajosamente com os outros setores da economia. O Sistema de produção tem se conformado sobre a base da individualidade-autonomia do sítio; cada produtor se propõe, e de fato consegue, em graus maiores ou menores, a alcançar suas aspirações econômicas e produtivas, sem recorrer a uma organização que o apóie (SHYQ, 1998:50).
Foram essas questões que me levaram a buscar informação sobre as formas de
obtenção, distribuição e controle da água para irrigação utilizadas no Vale. Os funcionários do
SHYQ apresentaram-me a alguns usuários das várias fontes de água no Vale, que me
contaram sobre as diversas formas de distribuir as águas e a forma tradicional de gestão, e
comecei a estabelecer um diálogo com eles sobre diferentes aspectos do cotidiano do trabalho
na agricultura e da falta de água durante a estiagem.
Estabelecendo os primeiros contatos.
Numa primeira aproximação com no Vale, entre os meses de setembro e outubro de
2002, identifiquei algumas instituições que lidam diretamente com a água para irrigação, elas
são:
- Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales (MARN), que tem como
função, entre outras, coordenar as atividades do executivo nacional para o fomento,
conservação, defesa, restauração e melhoramento do ambiente mediante o uso
coordenado dos recursos naturais, água, solos, ar, clima, atmosfera, espécies vivas, sua
proteção e a geração, coleta e sistematização da informação requerida (MARN, 2003).
- Ministerio de Agricultura y Tierras (MAT), que tem como missão formular,
coordenar e executar, dar continuidade e avaliar as políticas dirigidas a promover a
69
segurança alimentar, impulsionar o desenvolvimento dos circuitos agroprodutivos e
sistemas agroalimentares, impulsionar o desenvolvimento das zonas rurais do país,
assim como buscar a justa distribuição da terra e seu uso adequado, mediante a
instrumentação de um âmbito institucional – jurídico – operativo, atualizado e
coerente com as prioridades do Executivo, para o desenvolvimento do aparelho
produtivo nacional, no âmbito de um processo participativo entre os diferentes atores
públicos e privados, que permitam gerar maiores e melhores oportunidades de
desenvolvimento humano, socioeconômico e de utilização dos recursos existentes
(MAT, 2004a).
- Inder, Instituto de Desenvolvimento Rural, que tem como missão “contribuir para o
Desenvolvimento Rural Integral, estabelecido no art. 305 da Constituição da
República Bolivariana de Venezuela, com funções específicas em matéria de infra-
estrutura, capacitação e extensão, agindo conforme o princípio constitucional da
segurança alimentar, a construção de obras, a capacitação técnica e a elevação da
qualidade de vida da população do meio rural venezuelano” (MAT, 2004b).
- Hidrolara, empresa regional de capital público (50% do governo estadual e 50% das
prefeituras) que administra o serviço de distribuição de água potável e saneamento no
estado Lara.
- Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor (SHYQ), responsável pela construção da
represa Yacambú-Quíbor e do sistema de irrigação a ser implantado na região.
- Gobernación del Estado Lara, máxima autoridade política regional.
- Alcaldía del Municipio Florencio Jiménez (Prefeitura do Município).
- Aprosela, associação de produtores do Vale de Quíbor.
- Fundacebolla, associação dos grandes produtores de cebola do Vale.
- Aproagro, V.Q., associação de produtores agrícolas do Vale de Quíbor, composta,
em sua maioria, por pequenos e médios produtores.
A maioria dessas organizações faz parte, também, de uma comissão chamada
Comissão Técnica de Solos e Água do Vale do Quíbor (Cotesaguas V.Q.), representando o
governo e os produtores do Vale, e analisando temas diversos da produção agrícola e pecuária
da região. Por meio dessa comissão, por exemplo, se tramitam as licenças de abertura de
novos poços para a extração de água subterrânea.
70
Além das instituições e organizações mencionadas, entrei em contato com outras
organizações existentes no Vale, também de interesse para meu estudo. Após ter uma primeira
visão sobre a distribuição da água na época da chuva e da estiagem, selecionei esses atores, os
quais mostraram-se muito envolvidos com a problemática e ligados aos grupos que têm
construído parte das estratégias observadas, de coleta e distribuição de água para irrigação,
podendo contribuir para a ampliação de minha compreensão do cotidiano da gestão da água
em cada situação.
As entrevistas foram realizadas como conversas não estruturadas, quase sempre na
casa da pessoa ou no seu lugar de trabalho, e a temática foi dirigida para a gestão da água em
cada fonte de água utilizada; geralmente, estive acompanhado de algum dos funcionários da
empresa SHYQ, que me serviu de guia na região, pois, depois de escolher as pessoas, foi
através desses funcionários que pude chegar aos lugares de encontro e fazer contato com elas.
O objetivo era que as pessoas conversassem sobre a história e a atualidade da forma
tradicional de gestão de água que elas têm desenvolvido e, a partir daí, identificar algumas
questões relevantes para a pesquisa. As conversas foram gravadas com a prévia autorização
dos interlocutores.
Todos as organizações e empresas que aparecem no trabalho mantêm seus nomes
reais, os nomes das pessoas, tanto no meu texto como nas falas de outras pessoas, são
fictícios. As pessoas com as quais conversamos fazem parte das seguintes associações ou
empresas (ver tabela 1 no final deste capítulo).
Situando aos atores
a) a associação Aproagro, V.Q., integrada por 30 produtores que, juntamente com
outros usuários, utilizam como fonte a água da Quebrada Atarigua, um riacho cujas águas
fluem de forma quase permanente a partir das montanhas de Sanare, e seguem em direção ao
Vale, e que são desviadas do percurso por meio de bucos (canais maiores) e acequias (canais
menores), feitos de forma natural ou construídos pelos agricultores. Na época de chuvas esse
riacho fornece água de irrigação para mais ou menos 3 mil usuários em todo o Vale, mas, na
área em questão, só ficam os 30 pequenos produtores já mencionados, além de alguns outros
agricultores não associados. A distribuição e a administração da água dependem da
71
abundância ou escassez do recurso. As pessoas entrevistadas foram: o juiz28 de água do riacho
Atarigua e um membro fundador de Aproagro, V.Q.
Sanare é a capital do município Andrés Eloy Blanco, e é nas suas montanhas que está
o manancial do riacho. Antigamente pertencia ao município Florencio Jiménez, cuja capital é
Quíbor, mas, uma vez separada e convertida em capital do município Andrés Eloy Blanco,
passou a gerar novas formas de relacionamento entre os agricultores de ambas as populações
a respeito dessa água. Isso significou o estabelecimento de turnos de água para cada povo na
época da estiagem (ver apêndice 1). Assim, de janeiro a abril, os 20 agricultores de Sanare,
registrados pelo Ministério do Ambiente como usuários do riacho, compartilham a água com
os agricultores de Quíbor em turnos de 12 horas diários, de dia ou de noite e três vezes por
semana. Como exemplo, temos que no mês de janeiro, entre segunda e quarta, os agricultores
de Sanare recebem a água, em grupos de quatro, por 12 horas contínuas, e quinta, sexta e
sábado, a água é disponibilizada para os agricultores de Quíbor. Aos domingos não se
distribui a água, e só a utiliza quem quer. Esses turnos são determinados pelos próprios
agricultores no mês de dezembro de comum acordo, e o chefe do Ministério é o responsável
pela realização do quadro de turnos e de sua distribuição entre todos os agricultores
Pode-se dizer que Isidro (IS), o atual juiz do riacho, quase herdou essa função do seu
pai, que se chamava Periples. Ele foi muito famoso e respeitado por ter organizado a
distribuição da água e ter controlado a maioria das brigas causadas pelos roubos de água entre
os produtores vizinhos. Após mais de 25 anos como juiz, aposentou-se e deixou a atividade
para o filho, que ocupa o cargo atualmente. Sua eleição teve um importante apoio, baseado na
conduta correta do pai por tantos anos. A figura do juiz está estabelecida nas leis municipais
do Vale, conhecidas pelo menos desde meados do século XIX.
Apresentou-se como uma pessoa justa e compreensiva nos casos em que teve de
decidir a quem distribuir a água, principalmente quando se tratou de risco de perda da
colheita. Ele afirma fazer o possível para levar a água aos que mais precisam, mesmo tendo de
descumprir os turnos. Percorre o riacho várias vezes durante o dia procurando desvios ilegais
e dialogando com os produtores de Sanare para tentar evitar os conflitos. Conversamos duas
vezes: a primeira, num terreno que ele havia alugado para cultivar, e a outra, durante um
percurso que fizemos juntos por 7 km, ao longo do riacho Atarigua. O riacho é a fonte de
28 O chamado juiz de água, é quem faz realmente a distribuição da água durante a seca, de acordo com turnos estabelecidos.
72
água mais importante da região, devido à quantidade de água que corre pelo leito e ao número
de agricultores que se beneficiam dele.
Uma outra pessoa indicada pelo pessoal do SHYQ, como conhecedor da gestão de
água do riacho, foi o Andrés (AR), com quem me encontrei à beira de uma estrada, onde ele
estava descascando feijão-preto com mais dois empregados. Definiu-se como agricultor,
beneficiário das águas do riacho, e comentou que trabalhava na agricultura desde os 13 anos.
Foi fundador, como líder, de uma associação que se denomina Aproagro V.Q., criada, em fins
de 1980, para organizar a distribuição da água do riacho, motivado por uma série de conflitos
ocorridos entre os produtores do Vale e os de Sanare.
Segundo Andrés, o processo de formação da associação Aproagro V.Q. foi produto do
interesse de mais de 80 produtores em solucionar as pendências acerca da distribuição da água
entre os agricultores do Vale e os de Sanare,. Para isso, reuniu-se com pessoas do Ministério
do Ambiente e da Guarda Nacional, com as quais foi estabelecido um acordo pela distribuição
da água por sistema de turnos.
b) A Associação de Usuários do Portal de Saída29 da Água do Túnel Yacambú-Quíbor,
constituída em 1995 por um grupo de 34 produtores, utiliza como fonte a água do portal de
saída do túnel que está sendo construído pelo SHYQ e que permitirá, quando concluído,
transvasar a água da represa Yacambú para o Vale de Quíbor. A água não tem sempre o
mesmo caudal e às vezes não flui. Os usuários ganharam o direito de uso desta água por uma
Regulamentação Municipal, ela é distribuída por um juiz ou distribuidor, pago pelos usuários,
e utilizada para irrigação desde o ano 1982. Foram entrevistados o distribuidor da água do
túnel e um membro fundador da associação de usuários.
Diego (DI) é, há sete anos, distribuidor da água do túnel. Foi eleito pela comunidade
de Hato Abajo para exercer as funções de juiz da água que flui quase todos os dias e que é
usada pelos pequenos agricultores para encher lagoas artificiais, dar de beber aos animais ou
irrigar diretamente. Conversamos na sua casa e posteriormente numa reunião social e em
intercâmbios esportivos, organizados pelas comunidades e associações de produtores do Vale
e pela empresa SHYQ.
Seu trabalho é distribuir a água, começando de cima para baixo, na ordem que estão
localizadas as áreas de cultivos. Disse que há 32 usuários com direito a receber 24 horas de
água, que é quando acaba a distribuição para o último usuário, e recomeça o processo. Porém,
29 O túnel interconecta a represa com o Vale atravessando uma montanha, e existe uma água que flui até a zona de cultivos. Esta água é utilizada e distribuída por um repartidor.
73
ele esclareceu que há períodos em que não flui água do túnel e se perde a seqüência,
dificultando a distribuição.
Um dos membros fundadores da associação de usuários da água da represa Dos
Cerritos, e da água do túnel, é o Tiago (TE), produtor aposentado da atividade agrícola. Foi
presidente da junta que administra a água do túnel de transvase da represa Yacambú-Quíbor.
Administrou, também, a água fornecida pela antiga empresa Inos (Instituto Nacional de Obras
Sanitárias), hoje Hidrolara, na represa Dos Cerritos, através de um contrato de concessão.
Quando a cidade de Barquisimeto requereu mais água, o contrato foi cancelado. Tiago relata
que esse contrato foi assinado devido à aprovação um decreto do Presidente Raúl Leoni, em
meados dos anos 1960, que autorizou o uso da água excedente para os agricultores do Vale de
Quíbor. Um administrador encarregava-se da cobrança e tinha uma pessoa para organizar a
distribuição. Conversamos em sua casa, onde passa a maior parte do tempo.
As diversas fontes de água são usadas, às vezes, por várias comunidades de
agricultores, dependendo da quantidade de água necessária para irrigar suas terras. Neste caso,
Tiago menciona que antigamente eles utilizavam a água do riacho Atarigua e da represa Dos
Cerritos, e hoje utilizam a que vem do túnel. Pela sua idade avançada, ele já não trabalha na
mata, mas seus filhos e netos utilizam a água do túnel para irrigar suas culturas.
c) A associação de agricultores que antigamente era conhecida como Aproquíbor só
está hoje representada pelos habitantes de um povoado chamado Los Ortices. São, ao todo, 12
usuários da água que sobra quando são limpos os filtros da ampliação da Estação de
Tratamento Ciudad de Barquisimeto, da empresa Hidrolara. A limpeza desses filtros é feita
com regularidade, após a sedimentação da água da Represa Dos Cerritos 30. Isso significa que
há um distribuidor que reparte a água toda vez que os filtros são lavados. Ele utiliza um
regulamento baseado na lei do riacho Atarigua.
Alcides (AM), o distribuidor desta água, mora em Los Ortices, um povoado onde a
maioria das pessoas tem o sobrenome Ortiz. Conversamos na sua casa onde também tem uma
loja de comestíveis, refrigerantes e balas. Ele foi membro da cooperativa Aproquíbor, já que é
um dos pequenos produtores da região usuário da água. Foi eleito há mais de 15 anos pela
comunidade de irrigadores para a função de distribuidor. Define-se como um homem severo,
mas justo, pois dá água a todos por igual, e afirma que suas funções passam por vistoriar a
quantidade de água disponível e distribuí-la a todos os agricultores, dando prioridade a quem
30 A represa Dos Cerritos, localizada em El Tocuyo, supre de água para consumo humano as cidades de Barquisimeto, El Tocuyo, Quíbor e outras populações menores.
74
mais precisa. Conta que antigamente recebiam a água encanada, mas, pela falta de pagamento
à empresa estatal Inos, hoje só se beneficiam da água que sobra quando limpam os filtros,
água que ele chama de desperdícios.
d) As associações conformadas pelas Empresas Camponesas Yacambú, Cerro Pelón e
La Vigía, das quais fazem parte três grupos de pequenos produtores organizados, utilizam a
água da represa Dos Cerritos. Trata-se de água tratada que vai, principalmente, para a cidade
de Barquisimeto, e os produtores, por meio de canais de cimento, repartem entre si certa
quantidade de água de uso agrícola. Organizaram-se a partir de um decreto presidencial de
Carlos Andrés Pérez, durante seu primeiro mandato, entre 1974 e 1978. As promessas
materializadas no decreto foram de terra, água e créditos para produzir. Hoje, eles têm
pouquíssima água, não têm créditos e só resta a terra.
Elian é um dos membros fundadores de uma das empresas camponesas do Vale, a
Empresa Campesina La Vigía. Conversamos no seu plantio, onde também está a sua casa,
perto de um povoado chamado San José de Quíbor, que dá seu nome a esse sistema de
irrigação.
Hoje em dia, segundo Elian, cada um trabalha por sua conta, mas distribuem a pouca
água que recebem, seja através do encanamento da represa Dos Cerritos, seja após seu
armazenamento em lagoas artificiais, seja da extração em poços artesianos. Comenta que pela
falta de pagamento, a empresa Inos fechava os canais de água para que não pudessem usá-la,
mas que os agricultores quebravam os cadeados colocados pela empresa, na torneira de
distribuição, e faziam o sistema funcionar novamente. Isso acontecia quase diariamente, até
chegarem a um acordo de pagamento. As três empresas têm turnos semanais de irrigação da
mesma água.
e) A Aciprosemcla ou Asociação Civil de Produtores de Sementes de Campo Lindo e
Campo Alegre – também chamados de Semilleristas31–, que produz mudas de tomate,
pimentão, cebola e repolho para a venda, foi formada em 1992 com a finalidade de
administrar a água da represa que passa através de um encanamento na sua trajetória para a
cidade de Barquisimeto, e, dessa forma, garantir o melhor aproveitamento da mesma. Hoje
eles têm um contrato de uso com a empresa estatal Hidrolara, que administra o recurso,
pagando o serviço. Porém, a história está cheia de conflitos entre os produtores e a empresa
que administrava anteriormente o serviço, o Inos, o que em parte originou a formação da
associação.
31 Chama-se de “Semilleristas” àqueles produtores que se encarregam da produção de sementes para a venda.
75
Eliseo (ES) é o presidente de uma associação que se formou para negociar com a
empresa Hidrolara o uso da água da represa Dos Cerritos. Segundo ele aponta, o
encanamento teria sido violado pelos produtores, com a instalação de mangueiras ilegais, para
não pagarem pela água. Logo após uma série de enfrentamentos com a empresa, e a Guarda
Nacional, conseguiram um acordo para usar e pagar pelo recurso. Conversamos sobre sua
história e a da associação num lugar onde se fazem experimentos com irrigação por aspersão
em estufas.
f) Existem dois grandes produtores, proprietários das terras onde há lagoas de
oxidação utilizadas para irrigação. Cada um deles tem duas lagoas para tratar todo o esgoto da
cidade de Quíbor. Após um processo de tratamento, a água é utilizada para irrigar diversos
cultivos. Outros médios e pequenos produtores usam eventualmente essa água para irrigar,
quando sobra. Entrevistamos um usuário ocasional da água das lagoas de oxidação, um
produtor tipo médio, que repartia essa água com outros dois.
Luís (LM) é um médio produtor do Vale, natural de Valência, Espanha, de 74 anos,
que usa como fonte alternativa a água de esgoto das lagoas de oxidação, localizadas nos
terrenos de um vizinho, e que foram construídas pelo Inos. Na visita que fiz à sua fazenda,
mostrou duas grandes lagoas que armazenam tanto água de chuva como água dos riachos e
das lagoas de estabilização do vizinho, quando resta.
De volta ao Vale
Numa segunda visita ao Vale, durante os meses de dezembro 2002 e janeiro de 2003,
entrevistei outras pessoas da região; um produtor e membros de instituições que têm relações
com os agricultorese que, pelos seus vínculos com a problemática da água, iriam me fornecer
informações adicionais. Foram realizadas quatro entrevistas com: 1) um médio produtor de
Sanare, usuário da água do riacho Atarigua, 2) uma funcionária do Ministério do Ambiente,
que toma conta dos problemas ambientais em nível estadual, 3) um vereador da Prefeitura do
Município Florencio Jiménez (cuja capital é Quíbor), que é o Presidente da Comissão de
Agricultura e 4) um funcionário da Empresa SHYQ, especialista em sistemas de irrigação.
Sergio (SI) é oriundo das Ilhas Canárias e mora e trabalha como agricultor nas
montanhas que circundam o riacho Atarigua. Ele faz parte de uma das famílias de produtores
mais importantes da região. Meu encontro com ele foi produto da viagem que fiz com o juiz
do riacho, quando de passagem por suas terras. Logo depois, tornamos a encontrá-lo na
estrada, quando ele ia para a cidade de Sanare, num trator, e eu voltava para a cidade de
76
Quíbor. Conversamos sobre o uso da água do riacho Atarigua para a irrigação, em Sanare, e
da relação entre os produtores de cima e os de baixo, além de sua preocupação com a situação
política e econômica da Venezuela32, e sobre sua decisão de não cultivar durante esse ano,
devido às más condições gerais na agricultura, sobretudo, pelos altos custos da produção.
Amanda (AE) trabalha num escritório do Ministério que é responsável por outorgar as
permissões para a exploração dos recursos do solo e da água no estado Lara, que inclui o
município Florencio Jiménez, entre outros. Segundo ela, seu trabalho depende da
coordenação do Sistema Nacional do Planejamento e Ordenamento do Território (POA), em
Caracas. Afirma também que o Ministério tem abandonado o planejamento dos recursos
hídricos desde os anos 1980. A entrevista foi realizada no seu escritório, na cidade de
Barquisimeto.
Fernando (FR) é o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara de Vereadores
da Prefeitura do Município Florencio Jiménez. Na comissão que preside, são tratados os
problemas vinculados às áreas agropecuárias, paroquiais e vicinais. Atende às denuncias sobre
problemas por roubo de água, falta de cumprimento do sistema de turnos, perda de culturas
por falta de água, além de controlar o trabalho do juiz do riacho Atarigua e dos distribuidores
das demais fontes de água do Vale. Fernando apresentou-se como um ex-agricultor que
entende esses problemas e fiel cumpridor das normas e leis sobre uso da água na região.
Conversamos na Câmara Municipal, em Quíbor.
Na condição de funcionário da empresa SHYQ, conversei com José (JE). Engenheiro
agrônomo trabalha na empresa desde 1990, como especialista em sistemas de irrigação. Sua
função é fazer levantamento de informação básica sobre o uso da terra, os tipos de solo, a
informação agrológica, os tipos de cultivo, as magnitudes de uso da água por cultivo, e o que
ele chama de “negócio pecuário”. Também é responsável, juntamente com uma equipe, pela
montagem do sistema de irrigação do Vale, para o qual se prevê que sejam organizadas
associações de usuários para a gestão da água, que será distribuída assim que for concluída a
obra hidráulica da represa.
José diz que os agricultores de Quíbor aproveitam ao máximo o recurso para a
irrigação e reconhece os trabalhos bem-sucedidos dos imigrantes canários na região. Porém,
em muitos dos relatórios da empresa onde trabalha, e que são referidos neste trabalho, se
aponta a grande perda de água causada pela evaporação e pelo tipo de solo.
32 Nessa época, a Venezuela passava por uma das maiores greves de sua história. O governo havia estabelecido um forte controle de câmbio que impedia a compra livre de dólares e criava uma situação de incerteza para os produtores que precisavam importar grande parte dos insumos agrícolas.
77
Adicionalmente, conversei com dois funcionários da Guarda Nacional (GN)
(responsável, entre outras coisas, pela vigilância ambiental), no posto San José de Quíbor,
sobre suas funções na área ambiental, na região do Vale de Quíbor. A conversa girou em
torno das leis e dos deveres e direitos dos cidadãos e da necessidade de fazer cumprir as leis,
promovendo campanhas de orientação e punindo quando necessário. Não foi fácil manter
diálogo com os guardas, suas respostas estavam limitadas ao espaço legal e não foi possível
que comentassem sobre o seu trabalho cotidiano além de respostas como: “a gente faz
cumprir a Lei”, “fazemos o relatório e, conforme o caso, encaminhamos a pessoa para onde
for necessário, pagar uma multa o ir para cadeia”, “nos encarregamos de cuidar para que não
se cometam irregularidades”, e daí por diante.
Numa terceira visita, em janeiro de 2004, conversei de novo com três dos
interlocutores: Elian, Alcides e Diego. As conversas tiveram a intenção de conhecer com mais
detalhe suas noções sobre o que era água e de quem é propriedade a água que utilizam. Todas
as entrevistas, com exceção da conversa com os guardas, foram gravadas com o
consentimento das pessoas e posteriormente transcritas, e fazem parte da análise.
Sobre a análise
Olhando os múltiplos documentos, as entrevistas e observações, podemos retomar a
nossa discussão anterior sobre o campo-tema e ver como se insertam as noções de matriz e de
interface neste estudo. O primeiro passo para comprender os sentidos sobre a água que
circulavam no Vale foi a construção de um quadro sobre os sentidos atribuídos à água em
Quíbor (ver apêndice 2), utilizando para isso, as entrevistas de com os atores e os documentos
de domínio público disponíveis, sobre o tema. Partindo da idéia de que as pessoas quando
falam fazem-o dentro de uma matriz de múltiplas materialidades e sociabilidades (Hacking,
1999), no quadro, tento visualizar como as falas dos diferentes atores se entrecruzam ou não,
em volta das definições sobre a água, as formas de gestão, os direitos e os regulamentos e
sobre os conflitos.
O quadro em questão, me permitiu observar como os juizes, os agricultores, os
funcionários e os docuimentos de domínio público considerados, podem estar falando de
coisas similares ou não, com relação aos temas focalizados no complexo mundo das relações
com a água. Aparece ai também, algumas das interfaces que se realizam no Vale, na hora de
administrar/distribuir a água (Long, 2001). Esse quadro, é analisado com maior detalhamento
no Capítulo VI deste trabalho.
78
Num segundo momento, e tendo como guia os 65 sentidos selecionados do quadro
anteriormente comentado, analiso as conversas dos atores utilizando, como um segundo
recurso metodológico, sua divisão em três categorias que emergem da primeira análise
realizada e que considerou os objetivos da pesquisa: como é considerada a água, quem tem
direito a ela, e como se faz a gestão na distribuição.
As três categorias que emergiram são: Bem Comum (entendido como propriedade
coletiva), Direito (fixado tanto nas leis como nas tradições) e Gerenciamento (formas de
gestão propriamente ditas). Elas surgiram das falas dos agricultores ao narrar como eles se
relacionavam com a água de acordo à fonte da qual são usuários, assim como também, dos
depoimentos de funcionários de empresas ou instituições que têm a ver com as políticas locais
de gerenciamento dessas águas. Isto, permitiu focalizar alguns elementos específicos do meu
campo-tema de estudo, a gestão tradicional de água no Vale de Quíbor.
Tendo em conta ditas categorias, construí então, o Mapa das Categorias de Análise
(ver apêndice 3). Nele, as entrevistas e os documentos são distribuídos em concordancia à
categoria à qual fazem referencia. Assim, os diferentes atores, as leis e regulamentos, os
documentos das empresas e os relatórios de conferencias sobre a água, são visualizados na
busca de entender e comparar, como eles se expressam com relação à noção do que é a água,
a quem pertence e quais os direitos sobre ela e como se concebe ou se pratica o gerenciamento
das águas.
Posteriormente selecionei os temas que aparecem relacionados com o Gerenciamento
(ver tabela 2, Temas do Gerenciamento, no Capítulo IV). Para tanto selecionei os temas
segundo algumas das estratégias de gestão, que no caso dos juízes e agricultores são utilizadas
por eles e, no que diz respeito aos funcionários, são o dever ser da gestão. Posteriormente, e
devido ao que o tema dos conflitos na distribuição da água, apareceu em todos os atores do
Vale, construí uma Tabela para dar visibilidade a quem era referido por cada ator, quando se
falava do tema. Denominei a tabela em questão como Os conflitos pelo uso da água (ver
tabela 3), e forma parte da análise realisada no Capítulo V, sobre os problemas com a gestão
de água nas diferentes fontes estudadas.
Finalmente, escolhi os temas que me pareceram relevantes nas falas sobre a primeira
categoria, Bem Comum, e construí uma tabela denominada Como se definem a água e seu
uso (ver tabela 4, no Capítulo VI). Esses temas são analisados, também, no Capítulo VI, e
conforman parte dos sentidos atribuídos à propriedade da água na sua estreita ligação com as
outras categorias, o Direito e Gerenciamento, que são analisadas no Capítulo seguinte.
79
Tabela 1
Os atores
ATORES ASSOCIAÇÃO FONTE DE ÁGUA USUÁRIOS Isidro (juiz) e Andrés (produtor)
Aproagro V. Q. Riacho Atarigua De 30 a 3 mil
Sergio (produtor) Agricultores de Sanare
Riacho Atarigua 50 produtores
Diego(juiz/distribuidor) e Tiago (produtor)
Portal de Saída Água do túnel 34 produtores
Alcides (juiz/distribuidor)
Aproquíbor/Los Ortices
Estação de tratamento
12 produtores ou mais, se sobra água
Elian (produtor) Empresa Camponesa La Vigía
Represa Dos Cerritos
20 sócios produtores
Eliseo (presidente da associação)
Aciprosemcla Represa Dos Cerritos
19 semilleristas
Luís (médio produtor) Usuários de Águas Residuais
Águas do esgoto da cidade de Quíbor
4 médios e grandes produtores
Amanda (funcionária) Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais (MARN)
Organismo responsável pela regulamentação do uso das águas
José (funcionário) Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor (SHYQ)
Empresa responsável pela construção da represa e do sistema de irrigação
Fernando (vereador) Prefeitura do MunicípioFlorencio Jiménez
Governo municipal
2 Guardas do Posto de Cerro Pelón
Guarda Nacional (GN)
Instituição responsável pela vigilância e controle do meio ambiente
81
Sobre os direitos e o gerenciamento
Os agricultores do Vale se organizam em torno de uma ou mais fontes de águas para
irrigação, tanto na época da chuva33 quanto na de estiagem. Para isso, eles têm leis,
normativas e regulamentos que guiam as formas de distribuir a água. No entanto, a prática
cotidiana apresenta variações que podem ser mais bem conhecidas por meio das ações
relatadas pelos próprios agricultores, ao se referir às maneiras utilizadas para esse fim.
As práticas discursivas das pessoas sobre a gestão exprimem as formas de
organização presentes no cotidiano, e que estão além das formas organizativas prescritas nas
leis e regulamentações. Isso pode ser compreendido partindo da forma como Spink (2001)
entende a relação entre a organização, definida por ele como forma, e a ação; “compreender a
forma como ação significa se movimentar para uma noção mais densa do dia-a-dia como o
lugar da coletividade, é compreender a forma como um processo contínuo de transformação
ou estruturação” (p. 16). O que quero dizer é que nas práticas discursivas dos atores de Quíbor
se constituem os sentidos sobre as formas de organização no cotidiano da gestão da água.
Essa é uma proposta desenvolvida no Noas da PUC/SP.
Outra das estratégias de análise que utilizei, a partir da construção do primeiro quadro
de noções sobre a água e das discussões teóricas, foi o desenho de um MAPA DAS
CATEGORIAS DE ANÁLISE (ver apêndice 3), usando as três categorias selecionadas, a
partir da realização e transcrição das entrevistas e conversas, e a leitura dos documentos e
textos acadêmicos. As categorias são: a água como bem comum, o Direito à água e o
Gerenciamento. Nesse mapa aparecem diversos atores que falam da água, tanto em âmbito
mundial como nacional e local. Entre eles, aparecem todas as pessoas entrevistadas, as
diversas leis de água da Venezuela, documentos de domínio público das conferências sobre
meio ambiente e água e de algumas instituições que trabalham com a água no país.
Num primeiro momento, o que pude constatar é que o tema do gerenciamento ocupa
uma grande parte das entrevistas, enquanto nas leis aparece o problema dos direitos e da
qualificação da água como de domínio público, e nas conferências internacionais, o problema
da água como um bem econômico. Isso me levou à construção de uma tabela sobre Temas de
Gerenciamento (ver tabela 2), mais focalizada nas formas de gerenciamento da água de
irrigação no Vale, para tentar visualizar melhor esta temática.
33 Na Venezuela, a época de chuvas é chamada de inverno, e a de estiagem, de verão.
82
Juízes Agricultores Func.
ATORESTEMAS
AM
D I
I S
AR
E L
E S
S I
T E
A E
J E
Distribuição: Que, a quem e por que • Todos X X X • Quem paga X • para salvar o plantio e/ou animais X X • direitos consuetudinários X X • eqüitativamente X • quem pede X • por decreto-lei X • segundo as necessidades individuais X X • água que sobra (filtros) X X • outras fontes de água X X X X X X X X • o esperto X • água de domínio público X X • água bem comum X
Formas de gestão • depende da quantidade de água X X X • por meio de lagoas (individuais ou
coletivas) X X X X X
• por turnos (acima, embaixo, Quíbor, Sanare)
X X X X X X X X
• com bombas elétricas X X X X • Ministério do Ambiente fixa os turnos X • o juiz decide os turnos X X X • com empregados por ‘tapas’ e zonas X X • no período da seca = período da chuva X X X X • os distribuidores regulam a água X X X X X • por meio de pagamento (juiz, prefeitura,
distribuidor, Hidrolara) X X X X X X
• roubando a água X X X • poços artesianos X • através de canais construídos/tubulações X X • através de canais naturais X • Represa Yacambú X X X X • através de comportas X
Formas de organização • faz-se o que eu digo X • por eleição popular X X • as associações e/ou juntas de usuários X X X X X X X
Formas de controle • por meio do diálogo X X X • reuniões (para evitar desordem) X • o juiz como autoridade X • a lei municipal X X X X • por meio da Guarda Nacional X X X X X X • por meio do Ministério do Ambiente X X • cortes de água X X • inspecionando X
• a Prefeitura X
Tabela 2. Temas de Gerenciamento
83
Nessa tabela, apresento os diversos temas sobre o gerenciamento nas falas dos
interlocutores entrevistados, o que me ajudou a focalizar as temáticas a serem analisadas com
maior detalhamento.
Os atores foram separados em três grupos: os juízes, os agricultores e os funcionários,
buscando-se entender os elementos comuns e diferentes entre eles; e os temas foram
agrupados em categorias: 1) Distribuição: que, a quem e por que, 2) Formas de gestão,
3) Formas de organização e 4) Formas de controle. A idéia é conhecer quais temas são
falados e quais deles são compartilhados pelos diversos interlocutores e em que forma.
Os juízes falam da distribuição como direito, tanto sustentado pelas leis como pelo
direito consuetudinário. A água deve ser distribuída para todos os usuários, um deles, porém,
critica e se desgosta com aqueles que não pagam o serviço e toma medidas vingativas. Um
critério importante para a distribuição da água é a necessidade de salvar animais ou culturas,
ou que significa modificar as normas pela urgência, avaliação a qual os agricultores confiam
ao juiz; em casos complexos, os agricultores podem pedir a intervenção das autoridades
municipais. Outro elemento importante é que há períodos em que se dispõem de várias fontes
de água ao mesmo tempo, sobretudo em época de chuvas, o que requer muita atenção do
distribuidor para fazer seu trabalho de forma eqüitativa ou às vezes, deixar que os mesmos
produtores distribuam a água, pois não é necessária a presença do juiz. Os funcionários só
fazem menção à característica da água como bem púbico e bem comum, pois eles não
conhecem o cotidiano de juízes e agricultores a respeito.
Nos discursos dos atores aparecem diversas noções: a água deve ser repartida seguindo
os turnos estabelecidos, dependendo da quantidade de água (época de estiagem ou de chuva) e
começando, geralmente, de cima para baixo. A construção de lagoas aparece como uma
maneira de obter água por mais tempo e poder irrigar melhor. O pagamento aparece como
algo necessário. Reconhece-se a importância dos juízes na distribuição da água e o problema
que existe a respeito dos roubos de água. A represa Yacambú aparece nos discursos como uma
forma de melhorar a situação de escassez. Um dos funcionários da empresa SHYQ, Jose,
compartilha a idéia com os agricultores e juízes sobre a gestão por turnos estabelecidos e,
juntamente com Amanda, falam da represa Yacambú como elemento importante para a nova
gestão que terão de estabelecer com os usuários do Vale.
No que chamo de formas de organização, as associações e as juntas de usuários são as
formas que aparecem como tradição para se relacionar em torno da distribuição da água. Esta
idéia é compartilhada pela maioria das pessoas entrevistadas, o que mostra que as
84
experiências tradicionais são bem conceituadas por todos. Um juiz fala da sua autoridade
como elemento de poder para o manejo, mas aparece como um caso isolado, pois, os outros
pensam que o diálogo e o consenso são o melhor caminho para se trabalhar. Dois juízes
reconhecem a importância da eleição popular para exercer esse cargo, pois isso lhes dá apoio
diante das difíceis decisões que às vezes têm que tomar.
Como forma de controle, a maioria reconhece o papel da Guarda Nacional para
resolver os problemas mais complicados com a água. Os juízes se apóiam na lei municipal e,
principalmente, no diálogo, como forma principal de persuasão.
A seguir apresento com maior detalhe as conversas das pessoas sobre as diversas
fontes de água. Retomo para isso duas das categorias a partir das quais organizei tais diálogos:
Direito e Gerenciamento. As fontes a serem discutidas são: o riacho Atarigua, o Portal de
Saída do Túnel, a represa Dos Cerritos, as águas residuárias e os poços profundos. Cada fonte
é analisada separada das outras por motivos metodológicos, porém, muitas delas são
utilizadas ao mesmo tempo pelos agricultores, dependendo da sua localização e da quantidade
de água disponível, por isso, um usuário do riacho, pode, eventualmente, usar a água dos
filtros, do túnel, ou ter acesso a um poço. Neste caso, privilegio na análise, a fonte principal
usada pelo agricultor na época de estiagem.
O riacho Atarigua: as terras que ele percorre e as pessoas que podem usá-lo
Na parte superior do riacho Atarigua ou Acarigua como também é conhecido, origina-se
uma corredeira importante (quase permanente) durante o ano todo, utilizada, junto com as águas
que afluem de outros riachos da região, para irrigação, tanto na zona alta (arredores de Sanare)
como na zona baixa (Vale de Quíbor), mediante irrigação direta ou pela armazenagem de água
em lagoas de diferentes tamanhos (SHYQ, 1995).
Quando as águas não são permanentes, como no caso de riacho Atarigua, existe a tradição de irrigar primeiro quem está mais perto das nascentes, e na seqüência, coforme a organização dos usuários água abaixo, isso se conhece no lugar como “ordem de tapas34” (Esteves,1999:28).
34 A “tapa” é uma medida usada na região para saber a quantidade de água que flui por um determinado canal.
85
Figura 3. Riacho Atarigua
A limitação do uso dessa importante fonte de aproveitamento reside no fato de que ela
não ocorre de forma permanente, já que a água dos leitos utilizada após as chuvas, se esgota
durante o período da seca. Devido aos custos e ao tipo de tecnologia requerida para a
armazenagem da água, as lagoas construídas pelos pequenos produtores não apresentam boas
condições técnicas e não contribuem para boa qualidade da água armazenada. No Vale de
Quíbor, as lagoas têm se tornado um investimento prórpio da atividade produtiva de grandes
fazendas, incrementando-se, nos últimos anos, a ocupação da área, com lagoas de grande porte,
passando de 450 hectares em 1972 para 1.933 hectares em 1990 (SHYQ, 1998).
Isidro é o juiz de água do riacho na região do Vale, e a pessoa encarregada pela
distribuição regulamentada da água de irrigação no riacho Atarigua, mas também toma decisões
no local seguindo a sua experiência de muitos anos, quando necessário. A presença da figura do
juiz no Vale está prevista nas leis municipais que ditam as normativas desde pelo menos 1850. O
juiz não julga nem penaliza, mas informa às autoridades competentes, à polícia, à guarda
nacional, à prefeitura, ao Ministério do Ambiente, etc., sobre as violações dessas normativas e
resolve os problemas cotidianos através do diálogo com os envolvidos nos desacordos. Sua
escolha é feita pelos próprios agricultores em eleições que se realizam a cada um ou dois anos,
ou dependendo da dinâmica do lugar; por exemplo, quando há uma estação muito chuvosa, ou o
trabalho do juiz é considerado muito bom, ou não há candidatos para o cargo, as eleições não são
86
realizadas e o juiz atual se mantém no cargo. Ele é considerado uma pessoa muito importante
para falar sobre os direitos e o gerenciamento das águas do riacho, pela sua importância no
cotidiano da distribuição da água nesse lugar.
Isidro menciona os principais canais que levam a água do riacho e os direitos que
alguns dos agricultores têm sobre essa água. Ele faz questão de dizer que esses direitos são
legais, mostrando seu respeito pelas leis e pela tradição. Ele diz que os produtores do Vale
têm que brigar pelo que é, e sempre tem sido, deles: uma parte da água do riacho,
contrapondo-se à idéia sustentada pelos agricultores de Sanare de que como o riacho nasce
nos cumes de suas montanhas, no seu município, a água é deles.
Isidro. (…) ellos están arriba, se atienen a eso “nosotros estamos arriba y no podemos perder, el agua es de nosotros” (…) ellos son ya municipio y el agua ‘y que es de ellos’, dicen ellos, hasta ahí nosotros peleamos por lo que nos toca y siempre nos toca algo.
Esteves (1999) confirma a prioridade que teriam os agricultores localizados nas zonas
altas para desviar a água para suas terras:
Ao passar do tempo o riacho Atarigua diminui seu caudal como conseqüência das prolongadas secas, o desmatamento indiscriminado na sua bacia e o incremento considerável de irrigadores nas zonas altas de El Molino, Quebrada Seca e Cuara, que têm prioridade para derivar a água para os seus sítios por estarem mais pertos da ladeira da montanha, águas acima nas tomadas de água (p.63).
Logo, Isidro refere-se aos direitos que têm os produtores de Sanare sobre as águas do
riacho, os quais foram adquiridos pela tradição de usos e costumes e conhecidos no jargão do
direito como consuetudinários e, a partir do uso que os agricultores fazem de canais,
geralmente naturais35, legalmente estabelecidos, e que descem seguindo o fluxo da gravidade
da água. Ele também justifica o uso atual de bombas de motor para a coleta de água e seu
armazenamento em lagoas, para sua utilização em um grande número de áreas de cultivo, e
que tem aumentado nos últimos anos nessa região. O juiz faz uma descrição dos principais
canais por onde passa a água, e algumas das separações construídas, até chegar ao lugar
chamado de Quebrada Seca. Por fim, Isidro argumenta sobre os direitos dos agricultores do
Vale e menciona os canais principais de água na região.
35 A maior parte das águas do riacho flui por canais naturais, mas os agricultores também fazem canais artificiais para levar a água até seus plantios.
87
Isidro. Sanare tiene dos derechos ahí que son: uno es de Hugo, creo que ese lo tiene Abilio, que ese se murió, que esos son bucos legales, bucos que están de gravedad, que esos no bombean con bomba de achique, bueno, ahorita sí porque están sembrando más pero tienen su derecho y el otro es Diogo, que ese lo tiene el otro Patricio que es Armando, de ahí viene Majá Vieja que es de Livio, después viene el Buco de La Caja, que llaman, que se llama el buco de El Totumo que es de Henrique, de ahí sigue El Hiscanero, a mano izquierda bajando, tiene sus ramales, eso tiene bastante tierras para regar, después viene El Rafaelero, que es uno que atraviesa Cuara, pero arriba, o sea de Quebrada Seca ahí se ve donde pasa él, eso riega por ahí legalmente, de ahí pasa son cuarenta tareas que riega nada más, ese es el derecho.
A distribuição das águas do riacho se realiza baseada nas leis nacionais e municipais,
as quais estabelecem turnos para a distribuição estabelecidos através de mútuos acordos entre
os agricultores de Sanare e de Quíbor. No início do período da estiagem, geralmente durante
o mês de janeiro, o Ministério do Ambiente entrega aos agricultores um impreso (ver
apêndice 1) que estabelece a forma como deverá ser organizada a distribuição desses turnos
entre os meses de janeiro e abril36. O sistema de irrigação do riacho abrange grande parte das
áreas de plantio ao redor dos povoados de Cuara, El Molino, San Antonio, El Tunal, Morón,
El Hato, El Cerro, Chaimare, El Jagüey, e outros menores (Esteves, 1999:64).
No terreno, Isidro organiza o trabalho com seus ajudantes37, quando tem, e o realiza
orientando-se pelos turnos, e não pela antiga lei municipal como era o costume, porque agora
existem as lagoas e alguns dos agricultores podem armazenar água. Isso modifica as decisões
que o juiz deve tomar de acordo com as circunstãncias do dia-a-dia. Por exemplo, quando
Isidro comenta que tem de levar água para quem tenha mais necessidade, mesmo que esteja
localizado mais abaixo que aquele que tem o turno nesse momento.
Isidro. Bueno, el trabajo es, mira, distribuirles a los agricultores, o sea que se va llevando, cuando la Ordenanza vieja era tapa por tapa, pero, eso se eliminó porque eso era cuando no había lagunas, no había depósitos, ahora con esto no. Usted por lo menos está del lado abajo, yo estoy regando aquí por lo menos, y usted está seco, yo tengo una cuestión, uno o dos riegos yo el agua se la llevo a usted, porque usted está más necesitado que yo, así esté yo arriba, esa es la cuestión aquí, el trabajo.
Seu serviço começa todos os dias num lugar chamado Vila Rosa. Ali, todos agricultores
que nesse momento têm plantações se reúnem e, tomando em conta os direitos de água que
possuem pela tradição ou pela compra de alguma terra e dos turnos, negociam a entrega da água
36 Isso vai depender da quantidade de chuva nesse período, pois, se houver água suficiente, os turnos não são mantidos. 37 Os ajudantes podem ser dois distribuidores e mais alguns encarregados, que devem percorrer todo o riacho e ficar atentos ao cumprimento dos turnos ou aos problemas que possam ocorrer.
88
e tomam decisões sobre a distribuição, baseadas na quantidade de produtores com cultivos, os
tipos e tamanhos dos cultivos, a quantidade de água disponível, e outras situações que ele
destaca. Geralmente a água é levada de cima para baixo, mas pode haver exceções.
Isidro. Bueno mira, el reparto se hace ahí de Villa Rosa para abajo. J. Ajá. Isidro. Ahí la gente, ellos agarran una porción de agua todos los días y yo los turneo, cuando está el agua poca, yo los turneo, les doy dos días tres días, a que Helcio, de ahí vengo trayendo el agua de pa´bajo.
Nas suas palavras, temos a descrição de como ele faz o trabalho e as diferentes decisões
que toma, dependendo da situação: excesso de água, escassez extrema, perda de uma cultura ou
possibilidade de morte de animais, não cumprimento do turno por algum agricultor, ou o roubo
de água. Para isso ele tem a ajuda de distribuidores e encarregados que o acompanham nessa
vigília, fazendo percursos várias vezes ao dia, na época da estiagem. De acordo com seu relato
existem épocas nas quais ele tem de trabalhar sem ajuda nenhuma porque ninguém quer
trabalhar pela falta de pagamento ou pelo pouco que podem ganhar com esse trabalho.
Sobre a quantidade de dinheiro que recolhe e a falta de pagamento de um salário por
parte da Prefeitura, ele afirma que tem de dar 50% do valor cobrado aos agricultores para a
Prefeitura, os 50% restantes ele divide com os ajudantes. Segundo Isidro, ele não tem salário,
sustentando-se com o que recebe dos agricultores, e o juiz não ganha nada quando não há água.
J. Cuánto les pagan a ustedes por eso? Isidro. Mire aquí no le pagan, el Concejo Municipal no le paga a nadie, siempre, el Concejo Municipal hay que, yo recojo tanto, pongámosle 100 mil bolívares en el mes y yo tengo que darle 50% a ellos. Ellos no le tienen sueldo a nadie, o sea que uno se mantiene de los agricultores, ahí cuando no hay agua el juez de agua no gana nada, es así de simple.
Continuando com o tema do pagamento, as normativas estabelecem que os produtores
que recebem água do riacho devem pagar ao juiz uma quantidade já acordada, e que ele deve
repartir esse dinheiro com seus empregados e entregar uma parte à Prefeitura. Porém, segundo
ele, e após uma experiência de doze anos no cargo, aponta que a maior parte dos agricultores não
paga, ou paga menos do que deve, ou com retardo, mas ele não deixa de distribuir-lhes água por
isso. Umas das razões que apresenta para continuar distribuindo-lhes água, ainda que não
paguem por ela, é a necessidade que existe da passagem da água pelas terras desses agricultores.
Por isso, nesse caso, o pagamento é uma potestade do produtor que contribui à continuidade do
trabalho do juiz e da tradição.
89
Isidro. Mire aquí hay personas, ya yo voy para doce años ya, ahorita los cumplo en enero, bueno, aquí hay tipos que no me han dado ni medio, en doce años de trabajo, pero bueno, yo tampoco estoy con eso. J. ¿Y usted le da el agua? Isidro. Sí, de todas maneras le doy su turno normal y... J. ¿Por qué le dicen que no le van a pagar? Isidro. Son carajos que los primeros días, “no, yo estoy quebrado, yo no tengo”, y yo no, para sacarlos, porque siempre hay alguna persona más abajo que ellos, hay que darle a ellos, para pasar el agua para abajo.
Andrés, usuário do riacho, dá sua versão do trabalho do juiz. Ele argumenta que o juiz é
quem manda na água, dando a ele toda a autoridade.
J. ¿Quién es el que le da el agua?
Andrés. El juez de agua, nosotros tenemos un juez de agua, un repartidor y un recomendado. El juez de agua, actualmente se llama Isidro. J. ¿Cuáles son las funciones que él cumple, qué es lo que él hace?
Andrés. El manda el agua.
Peço que acrescente a informação sobre o trabalho do juiz, ele aponta que o juiz tem um
distribuidor e um encarregado, e que, dependendo da quantidade de água, ele dá parte dela para
que o distribuidor administre no povoado de Cuara e parte para que o encarregado leve a outros
lugares.
J. ¿Y él manda a quién a que dé el agua, con quién se comunica? Andrés.Él es el que las da y las reparte. Él tiene un repartidor y entonces le dice, vamos a suponer hay cinco aguas, saca un agua, le deja dos aguas a Cuara, que se las entrega al recomendado de acá que es Santiago y las otras dos o tres, que estén para allá, las lleva con el repartidor.
O portal de saída do túnel: os restos, usando até a última gota
Na construção do túnel de transvase da represa Yacambú-Quíbor, são produzidas
algumas filtrações de água, resultado da escavação da massa rochosa drenada por meio do portal
de saída (ver figura 4) e da chamada ‘janela inclinada’. A água flui por uma tubulação colocada
desde o final da perfuração do túnel até a saída, por onde ela segue, por gravidade, até chegar às
terras dos agricultores (ver figura 5).
A descarga contínua de água tem gerado um desenvolvimento agrícola sob irrigação,
águas abaixo do ponto de saída do portal, já que o caudal atravessa as terras de 33 produtores
(SHYQ, 1995). Trata-se de uma região que abrange as comunidades de Hato Viejo, El Jagüey e
Chaimare, assim como outros usuários que utilizam bombas a motor para a extração da água.
90
O Diego é o distribuidor dessas águas, tendo a responsabilidade de organizar e de mediar
as situações cotidianas com os agricultores. Para efeitos de gestão, Diego cumpre as mesmas
funções de um juiz de água. Figura 4. Portal de Saída do Túnel de Transvase
Figura 5. Saída da água do túnel pela tubulação
Em 1982, os usuários dessa água organizaram-se, num primeiro momento, em uma
associação denominada Aproquíbor (Asociación de Productores de Quíbor), buscando fazer uma
melhor distribuição da água que sai pelo portal de saída do túnel de transvase da represa
Yacambú e, de outras fontes de água; embora essa água não seja permanente, eles a usam,
quando podem, para irrigação na época de estiagem. Atualmente, uma Junta Administrativa
eleita pelos próprios beneficiários encarrega-se de administrar e supervisionar a distribuição
eqüitativa dessa água entre os 33 agricultores membros da associação denominada Junta de
Usuarios del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor (SHYQ, 1995).
O regulamento de uso da água reconhece no seu artigo 2.° que:
Os produtores que têm direito ao aproveitamento da água do portal de saída do túnel Yacambú-Quíbor para usos agrícolas se constituíram em usuários em virtude de que é disposto nas leis emanadas da Prefeitura de Jiménez, pela tradição acumulada no setor, e pelas gestões da Comissão de Assuntos Camponeses e Desenvolvimento Rural da Prefeitura (Junta Administradora del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor, 1995:4).
O volume de água extraído do túnel de transvase, mediante bombeamento, é
descarregado num leito natural e distribui-se ao longo de 5.150 metros de longitude, momento
em que aparecem vários pontos de derivação para os terrenos cultivados (SHYQ, 1995).
91
O trabalho do distribuidor baseia-se no regulamento feito para tal fim e assinado por
todos os usuários, porém, geralmente, ele deve tomar algumas decisões que não agradam a
todos, por situações que se apresentam e que não estão determinadas nas normativas escritas.
O artigo 3° aponta que “a água mencionada no artigo anterior tem sido utilizada em comum,
desde 1982 pelos produtores usuários águas abaixo dessa fonte, sendo administrada por um
distribuidor” (p.4). O regulamento determina, em 5 seções e 33 artigos, as disposições que
devem ser seguidas na administração da água, entre elas, os deveres e direitos do distribuidor;
dos usuários com lagoas (laguneros) e dos usuários que possuem bombas a motor para
extração (bomberos); as funções do distribuidor, e da Junta Administradora; do pagamento do
serviço; a criação de um fundo para obras; dos turnos de água; e algumas disposições gerais.
Ao descrever seu trabalho, Diego destaca que ele tem que distribuir a água quando há,
começando pelos agricultores que estão na parte de cima e continuar, segundo o esquema de
turnos, levando água desde cima, em La Ceibita, até os que ficam abaixo do Portal, onde ele
mora, Hato Abajo.
J. Qué tienes que hacer tu? Diego. Darle el agua a la persona que, empezando de arriba, hacia abajo. J. Adónde arriba, tienes que explicarme porque yo no conozco nada por aquí, cómo se llama el sitio? Diego. ¿Aquí dónde? J. Cómo se llama esto? Diego. A esto lo llaman aquí Hato Abajo. J. ¿Y dónde tú hablas de arriba es..? Diego. Donde yo hablo de arriba es de allá donde Esteban, La Ceibita, por ahí viene el agua del túnel.
Eles são chamados os usuários da água do túnel, e, quando se termina a distribuição ao
último de baixo, o processo se reinicia. Ele faz a distribuição por períodos de 24 horas para
cada um dos 32 usuários, e os produtores armazenam o que podem nas lagoas. Ele destaca
que esse tempo de distribuição não é suficiente para encher as lagoas, porque às vezes não sai
água do túnel ou é pouca a quantidade de água para o número de usuários.
J. ¿Es el agua del túnel, ustedes son los usuarios del agua del túnel? Diego. Los usuarios del agua del túnel son: Orlando, el primero, el agarra 24 horas de agua, el segundo viene Teofilo, agarra 24, todos 24 horas de agua, cuando llego allá al último abajo, vuelvo aquí otra vez. J. ¿Cuántos días en total, cuántos usuarios son? Diego. 32 usuarios. J. Entonces, cada uno agarra 24 horas de agua corridas. Diego. 24 horas, sí, yo a veces me perdía porque no salía agua del túnel, hay noches que no sale. J. Ah, y ahí no puedes repartir.
92
Diego. Ahí no puedo repartir, tengo que esperar que salga el agua. J. O sea que si a mí me tocó agua el día cinco, ¿me vuelve a tocar agua el día 7 del otro mes? Diego. Sí cada mes. J. ¿Y con esas 24 horas lleno una laguna? Diego. No, no se llena, se siembra poco con la poca agua que agarra, una hectárea, hectárea y media.
Diego fala também sobre os agricultores que possuem bombas para extrair água do
Portal, disse que eles não têm lagoas, ou sega, irrigam diretamente, e têm sua própria
normativa e seu tempo estipulado para usá-las. No entanto, como estão localizados na parte de
cima, ele tem que controlá-os, pois, se ele não desligar as bombas, os bomberos, como são
chamados, deixam os outros sem água. As estratégias que utiliza para que isso não aconteça
são desligar as bombas e conversar com eles para que entendam o prejuízo que causam aos
outros produtores.
Diego. Los bomberos están hacia arriba, entonces, el que tenga laguna aquí abajo no agarra nada. J. ¿Los bomberos para llenar los tanques de ellos? Diego. No para la siembra directo, de una vez. J. ¿Qué bomberos?, ah, ¿los que tienen bombas? Diego. Bombas. J. Le meten bomba y le sacan agua. Diego. Y agarran agua para la siembra. J. ¿Pero esos no están en la asociación? Diego. Sí están, están a veces hasta las tres de la tarde, entonces en la tarde voy yo, hablo con ellos, les apago la bomba y el agua pasa para abajo.
A represa Dos Cerritos: a estação de tratamento, a empresa camponesa La Vigia e Aciprosemcla.
A água da represa Dos Cerritos é utilizada pelos agricultores do Vale de Quíbor de
várias maneiras. Uma delas já não é mais praticada, pois foi um acordo que expirou pela falta
de pagamento dos agricultores. Em 1973, quando entrou em funcionamento a Estação de
Tratamento Cidade de Barquisimeto, a água era vendida crua, para os agricultores irrigarem
seus cultivos, estabelecendo-se o pagamento de uma quantidade fixada pela empresa
administradora – Inos – aos usuários associados numa cooperativa criada para tal fim e
denominada Aproquíbor. Porém, em finais de 1974 a empresa retira o subministro pela falta
de pagamento, o que significou o desaparecimento da associação.
Outra maneira é o uso que os agricultores fazem da água que sobra da limpeza dos
filtros da Estação (ver figura 6). Ao sair da Estação, essa água toma dois rumos através de
93
canais de cimento, e depois pelos canais por onde fluem as águas do riacho Atarigua. Um dos
rumos leva a água em direção ao povoado conhecido como Los Ejidos e às áreas adjacentes,
essa água que sobra da limpeza dos filtros da antiga estação de tratamento e utilizada para
irrigação desde 1973. Hoje a distribuição dessa água está se fazendo em meio a um processo
conflituoso entre os usuários. O outro rumo que toma a água é para o povoado Los Ortices, e
outras áreas vizinhas, onde se distribuem as águas da limpeza dos filtros da nova estação
construída no ano 1986, por meio de um regulamento que estabelece a figura do distribuidor e
os turnos. Neste trabalho analiso apenas a forma de organização dos usuários criada em volta
da água dos filtros da nova estação.
Figura 6. Filtro para lavagem da água
Um outro uso da água da represa é a distribuição feita pelas empresas camponesas.
Nesse casso, um sistema de irrigação foi construído para ser utilizado por agricultores
organizados pelo governo. O resultado foi a criação de três empresas camponesas
denominadas: Yacambú, Cerro Pelón e La Vigía. Neste trabalho se analisa a forma de
organização atual da empresa La Vigía. Por último, inclui-se uma associação de produtores de
sementes que utiliza a água da represa se conectando ao encanamento principal, no seu
caminho para a cidade de Barquisimeto. Tal associação, depois de inúmeros problemas com a
empresa estadual de administração de águas, chegou a alguns acordos de uso, por meio do
pagamento da água.
94
Numa distância de 2,5 km. ao sudoeste de Quíbor, no setor chamado La Morita, localiza-
se a Estação de Tratamento Ciudad de Barquisimeto. O pequeno sistema de irrigação constitui-se
de dois canais principais: El Jagüey e Chaimare. Desses canais, derivam-se canais menores que
levam água àqueles agricultores que não podem ter acesso aos canais principais (Esteves,1999).
Durante o funcionamento normal da estação, a lavagem de 16filtros descarta grande
quantidade de água. Essa água corre por canais (ver figura 7), através dos quais é distribuída
para as áreas de cultivo de produtores que, no caso do canal Jagüey (Los Ortices), fazem parte de
uma associação de usuários ou irrigadores (SHYQ, 1995).
Figura 7. Canal da água dos filtros.
A água que drena da lavagem dos filtros é distribuída por turnos, estabelecidos de acordo com a localização do prédio, obedecendo ao seguinte critério: primeiro é entregue a quem está águas acima, até completar o último usuário, depois se inicia novamente o ciclo, começando pelo primeiro usuário (Esteves, 1999:12).
95
A água que flui pelo canal Jagüey é distribuída por um juiz, eleito por todos os
agricultores que se beneficiam dela. Ele tem mais de 20 anos nessa função, distribuindo o que ele
chama de desperdícios. A seguir, narra-se o processo que ocorre na estação antes que a água seja
vertida para os canais de distribuição. Alcides é distribuidor desse canal e de seus canais
menores, e por meio da conversa que tive com ele e, também, devido a sua importância dentro
do mini sistema de irrigação, tentei compreender como são trazidos os argumentos para sustentar
os direitos de uso e a forma de gestão.
Alcides recorre ao apoio que tem da Prefeitura e ao uso tradicional que a comunidade de
Los Ortices faz da água para sustentar sua opinião sobre os direitos. Quando começaram a usar a
água da estação, os produtores associaram-se em uma cooperativa (Aproquibor) para distribuir
essa água, porém, agora essa cooperativa não existe mais e eles se reúnem como vizinhos.
J. ¿Aproquibor, todavía existe? Alcides. No, la cooperativa no existe. J. ¿Y ahora cómo se reúnen? Alcides. Ahora, nosotros aquí, todos los de Los Ortices, estamos apoyados por el Concejo y todo eso pues, tenemos, como un permiso, pues, un poder, que no puede venir, por lo menos Ernesto y llevarse el agua, ya nosotros tenemos una base. J. ¿Como comunidad?
Alcides. Ajá, ya nosotros tenemos como comunidad, tenemos un derecho de uso.
Alcides considera produto de desperdício a água que distribui, pois, ela é o que sobra
da limpeza dos filtros. Confirma que antigamente os agricultores usavam a água da estação,
mas, pela falta de pagamento, a empresa Inos não deixou que eles utilizassem mais essa água,
por isso agora só se distribuem esses desperdícios. Ele explica o processo de entrada e saída
da água na antiga estação e como se faz a limpeza da água nos oito filtros da antiga estação,
mostra assim, que conhece todo esse processo desde que se inaugurou, mas comenta que não
tem podido entrar na nova estação e, portanto, não conhece como são os processos nela.
Comenta também, que os administradores da estação de tratamento não se importam com
quem pega essa água depois que ela é descarregada nos canais de escoamento para fora das
instalações.
Alcides. Ajá, entonces, ahí seguí yo repartiendo los desperdicios, como ahí hay o simentadores, a vaina filtros y dos simentadores donde entra el agua que viene de El Tocuyo, muchos creen que esa agua entra así, esa agua entra así, da la vuelta y entra así, en los simentadores, que esos son unos tanques, abajo de la tierra, pues, como si fueran una piscina, pero tienen como 100 metros de largo y para abajo tienen como 3 ó 4 metros, yo entraba en todo eso, entonces, ahorita, el agua entra en los simentadores, en los dos simentadores que hay, shhhssss, la planta vieja pues, en la nueva a esa nunca he entrado yo, entré pero no como en la otra, pues, entonces, el
96
agua pasa por esos simentadores y entra a estos filtros, que son 8 filtros, que son como de 50 metros y tres metros de fondo para abajo, entonces el agua va a entrando a cada filtro, ahí le están haciendo pruebas cada 20 minutos, cada media hora, depende como llegue el agua, pues, si llega muy sucia le hacen una prueba más rápido, ahí toca lavar, lavan así por debajo, le inyectan el agua de un tanque que tiene aparte, entonces la van lavando y le echan una cosa para limpiar todo el depósito, le echan un clorine, una vaina así es, un polvito. Entonces lavan de un tanque que tienen ahí lavan hacia arriba, esos llevan unas metricas así, unas más grandes, otras más pequeñas, ahí lavan y entonces la botan para, para fuera, pues, ellos no tienen que ver con quien la agarre, quien no la agarre.
Essa água é utilizada por pelo menos 15 agricultores na época da estiagem e ele faz
questão de nomear os agricultores e dizer que distribui a água para cada um deles. Se houver
mais água, ela pode ser distribuída para outros povoados próximos. Alcides narra a ordem na
distribuição e diz que, se for preciso, leva a água até alguém que necessite para salvar seu
cultivo, inclusive até Chaimare, um povoado vizinho que fica águas abaixo.
Alcides. Ajá, esa la reparto yo para cada agricultor, por esta zona ahí mire, está Miguel, después sigue la señora Corina, después sigue Tomás y Manuel, después seguimos nosotros, después sigue Polanco y ahí regresa para acá, sigue para que David, para que Nelson, que compró unas tierras ahí que eran de Francisco, después sigue para que Fernando, porque se murió Jaime, después sigue para que los Reyes, que tienen una finca allá de ganado, después sigue para que Bernardo, después sigue para que Matías, después sigue para que los Tamayo, hasta ahí llega. Bueno, yo la sigo más abajo para salvar alguna siembra que esté perdida, que, si llega el deber mío es inspeccionar, si llega le puedo dar, para que salve la siembra, que es Arnoldo, ya eso es parte de Chaimare.
Diante da pergunta de como ele faz a distribuição, e de quais os instrumentos
utilizados para isso, Alcides explica que a faz de cima para baixo, repetindo o mesmo
esquema de distribuição utilizado por outras organizações já analisadas. A distribuição e feita
por meio de comportas metálicas, ou feita com sacos de terra que se colocam para conduzir a
água para o lugar que seja preciso. A água que sai da limpeza de um filtro flui durante 15 a 20
minutos, mas pode chegar até uma hora, dependendo de quanto esteja suja. Nesse tempo, ele
tem de distribuir eqüitativamente essa água, até a chegada de mais água de outro filtro, e
assim por diante.
J. Yo quiero entender un poco, porque no conozco mucho, ¿cómo hace usted para dividir el agua, son unas compuertas, unas tapas? Alcides. Sí, unas son compuertas, otras son bolsas de tierras. J. Que les pone para que el agua no pase y ¿eso va llenando lagunas aguas abajo? Alcides. Sí, hay lagunas que no se llenan. J. Ah, ¿usted le da una cantidad de agua? Alcides. Ah bueno, exactamente una porción o una cantidad para que vaya regando su siembra.
97
J. ¿Tú le das por filtro? Alcides. Sí. J. ¿Cuánto dura el filtro? Alcides. A veces dura 15 minutos, 20 minutos, depende, como hay gente que lava y dura bastante, hay gente que lava y bota poquito. J. ¿Cuánto dura más o menos?, ¿el que dura menos dura cuánto y el que dura más dura cuánto? Alcides. El que dura más dura una hora, media hora. J. ¿Y eso es cada cuánto tiempo, que lavan los filtros? Alcides. Eso depende, como llegue el agua a la planta o como…
Acrescenta que há momentos em que a água vem limpa da represa, que os filtros não
são lavados, o que não é feito com muita regularidade, e que em conseqüência não resta nada
para ser distribuído. Como ele não sabe quantos filtros vão limpar ou que quantidade de água
vai resultar da lavagem de cada um, fica atento à quantidade de água que sobra da limpeza
dos filtros em cada oportunidade, e guia-se por aí , para distribuir de forma ‘eqüitativa’ a
porção de água respectiva. Tal limpeza pode durar de 15 minutos a 1 hora e meia, portanto, a
distribuição é decidida conforme a quantidade de água disponível no momento. Para poder
saber quanta água está fluindo e quanta foi distribuída a cada usuário, ele usa alguns
mecanismos no terreno, como marcar nas paredes do canal o limite da água ou afundar paus
de tamanhos diferentes para medir a profundidade do canal e saber a quantidade de água que
flui, além de contar com a ajuda de uma comadre que está atenta para contar o número de
filtros que foram limpos e que passam pelos canais.
J. O sea, que usted tiene que tener una alarma, van a lavar el filtro y… Alcides. No, yo, así como estamos ahorita, por el día, tengo que estar pendiente por si salen tres o cuatro filtros, porque usted agarra el día y si no le sale nada, porque hay días que no sale nada, ahorita como está muy revuelta sí están lavando a cada rato, a veces en el día botan dos o tres filtros J. ¿Y cómo sabes tú cuántos filtros le correspondió a cada persona? Alcides. Ah, porque yo estoy chequeando y tengo. J. ¿Tú vas y ves? Alcides. Voy y pongo una marca, por lo menos supongamos que este sea el canal, eso se hace cuando hay escasez pues. Por lo menos, usted va agarrar un sólo filtro, entonces yo voy para allá y pongo la marca, que nadie sepa, pongo dos, supongamos que sea un buco hondo pues, le pongo una abajo y otra arribota, ahí se yo, para saber si, un palo, puede ser una mata de paja, para saber si es grande o pequeño. J. ¿De cuánto fue el nivel de agua que se metió? Alcides. Ajá, ok, y ahí calcula uno si duró o no duró, porque yo también tengo una comadrecita que, ‘!epa! ponete a ver cuántos filtros pasan hoy’ y ella está pendiente, cuando uno está trabajando ella está pendiente.
98
Alcides paga algumas das tarefas diárias dos seus ajudantes com uma pequena
quantidade de dinheiro, neste caso uns 50 centavos de dólar, dependendo do quanto ele
ganhou e da tarefa em questão.
J. Te ayuda, ¿tienes tu asistente? Alcides. Yo le doy unos mil bolívares, así.
A respeito da autoridade que tem adquirido na distribuição da água, Alcides aponta
que mesmo tendo de agir conforme as normativas e os acordos, pois foi eleito pelos
agricultores, comenta que todo mundo faz o que ele diz, ou seja, obedecem às decisões que
toma no cotidiano. Mostra assim o poder que tem na hora de executar as atividades para as
quais foi eleito.
J. O sea, ¿Sí hay una asociación de usuarios del agua? Alcides.Ajá, como si fuera una asociación, okey. Yo soy una persona que no me mando solo, pero aquí todo el mundo hace lo que yo diga, con respecto al agua pues.
Comenta algumas das estratégias que ele utiliza para poder cobrar o serviço da
distribuição de água, entre elas, aproveitando a época da pior estiagem, no verão, para não dar
água aos que não tenham pagado. Ele disse que fica rebelde se não for pago pelo trabalho e
informa aos inadimplentes que ele é quem manda, ameaçando se vingar na próxima estiagem,
não distribuindo água àqueles que não pagaram da última vez. E comenta, ainda, que alguns
deles se esquecem de que a estiagem vai voltar ou argumentam que têm problemas, para não
pagar, mas ele afirma: se me pagam lhes dou água, se não, não.
J. ¿Cómo se la aplica? Alcides. ¿Cómo se la aplico? Me le pongo rebelde, si usted no me da, como Savio hizo 3 millones y pico, eso no es plata ahorita, pues, pero para pagar un servicio de agua si es plata, entonces un día había mucha agua de buco, como yo no trabajé más con el agua de buco, entonces, ‘algún día viene el verano’ le digo, ‘algún día viene el verano y vamos a ver quién es el que está mandando, si mando yo o no, ahí veré yo qué hago, si me pongo los pantalones o no me los pongo’, le dije, ah, al tiempo vino, me regaló 50 mil bolívares. Yo a muchos los he ido prensandito, cuando viene el verano, tanta agua de buco que echó usted con filtro y no me ha dado ni medio, si me da le doy, sino no, claro (ríe), porque hay gente que se olvida, pero cuando están hasta aquí, ahí sí, no que esto y que lo otro.
Alcides utiliza um caderno para manter em dia as contas da quantidade de água
distribuída por agricultor e o dinheiro que devereceber dele. Disse para o produtor: “Você
pegou tanta água e tem que me pagar isto”. Ele toma como exemplo Patrício, que pegou 24
99
horas, de quem depois ele iria cobrar 20 mil bolívares, e em seguida anota no caderno, e assim
vai fazendo as contas.
J. ¿Cómo llevas tú la cuenta del agua que repartes?
Alcides. Yo cuando trabajaba con el agua, por lo menos, el agua viene, Olivio pues, yo marco la fecha, Olivio agarró agua doce horas, pues, o seis. Agarraba por lo menos Patricio, Patricio agarró 24 horas, entonces después yo le iba a cobrar, 20 mil bolívares, él me daba 20 mil bolívares y yo lo marcaba aquí, 20 mil. Yo le decía, usted agarró tantas aguas, tantas aguas y me debe esto y esto, y así arreglaba, sacaba la cuenta.
A partir de 1976 foi implantado um projeto piloto de desenvolvimento agrícola sob
irrigação, com o objetivo de pôr em prática as diretrizes gerais do Projeto Yacambú-Quíbor,
formuladas no documento Bases para o Desenvolvimento do Vale de Quíbor (Fudeco, 1973), e
ao mesmo tempo obter experiências que permitissem adequar o desenvolvimento proposto à
realidade do Vale (Fudeco, 1979).
O projeto, conhecido como Sistema de Irrigação San José de Quíbor, conformado por
uma rede de canais de cimento (ver figura 8), localiza-se nos terrenos baldios do vilarejo de San
José, a 5 km da cidade de Quíbor.
Figura 8. Canal de cimento.
100
O abastecimento de água para irrigação provém do aqueduto Alto Tocuyo e apóia-se
legalmente no Decreto Presidencial n.º 1.199, de 7 de setembro de 1968, do Congresso Nacional
da Venezuela, no qual se estabelecem as disposições sobre o uso da água da represa Dos
Cerritos. Nele destaca-se que na medida em que o volume da água, o equivalente a 3.500 litros
por segundos, não for utilizado para o abastecimento das cidades de Barquisimeto, El Tocuyo e
Quíbor, poderá ser aproveitado para a irrigação do Vale de Quíbor.
Nos últimos cinco anos, a disponibilidade de água tem sido restrita drasticamente devido
às pressões exercidas pela C.A. Hidroccidental, produto do aumento no consumo de água do
Aqueduto Metropolitano de Barquisimeto (SHYQ, 1995).
Elian, agricultor da empresa camponesa, La Vigía, dá sua versão do que era, e do que
é atualmente, o trabalho nessa empresa. O fato de terem sido criadas as empresas camponesas
origina-se no processo de reforma agrária que a Venezuela iniciou durante a década de 1970.
Em convera, ele relata o processo de formação das empresas, o direito de uso das águas de
represa para irrigação, e de como elas estão funcionando tentando se manter sem ajuda oficial,
utilizando os meios que lhes são disponíveis, às vezes com recursos próprios, e outras, com
ajuda de particulares, como uma forma de se manterem ativas como produtoras agrícolas.
J. ¿Por qué se constituyeron en empresa? Elian. Ah, porque eso fue, o sea, eso fue tres empresas que hubo aquí en Jiménez, cuando el primer mandato de Carlos Andrés Pérez, nos dieron el agua y nos dieron crédito y tierra para trabajar. J. Ah, ¿fue formada por el Estado, por el Municipio? Elian. Sí, por el Estado. J. El Estado, ¿a través de qué instituto, el IAN38? Elian. El IAN, se movió el IAN. J. ¿El MAC39? Elian. No, la Federación Campesina y la Gobernación también J. ¿De ahí decidieron que iban a usar el agua de Dos Cerritos? Elian. Ajá, sí para regadío.
Segundo Elian a idéia era de que eles tinham direito ao uso da água de forma gratuita
que vinha juntamente com a criação das empresas e a propriedade da terra, e de que alguém,
em algum lugar, tinha um documento que comprovava isso, pois era um decreto, porém, ele
nunca havia visto esse papel, apesar de tê-lo procurado por vários anos.
38 Instituto Agrario Nacional (IAN), hoje em processo de eliminação. 39 Ministerio de Agricultura y Cría (MAC), hoje substituído pelo Ministerio de Agricultura y Tierras.
101
Elian. Sí, nosotros estuvimos 20 años, por lo menos, sin pagar agua, porque el agua no la cobraban, pues, entonces, ese era el problema que había con la gente del INOS, que ahorita es HIDROLARA, entonces J. ¿Ellos se quejaban de que ustedes no pagaban? Elian. (…) eso era como un decreto porque eso nunca, nunca tuvimos un papel, dijeron que Yacambú lo tenía, pero, lo fuimos a buscar y no, un decreto como que era, un decreto presidencial, pues.
No início, a empresa La Vigía era formada por 32 agricultores, dos quais se esperava
que trabalhassem de forma coletiva. Porém, hoje só restam 20 do total de agricultores,
repartindo a terra que antes era comunal. Elian conta também que eles tentaram trabalhar
juntos, mas não conseguiram se acertar, logo fizeram grupos de cinco, mas também não deu
resultado, portanto, agora cada qual está fazendo o que acha melhor para o tipo de cultura que
planta.
J. ¿Cuándo empezaron a regar con el agua? Elian. Eso fue en el 74. J. Cuando usted dice nosotros, ¿es una cooperativa? Elian. Sí. J. ¿Está conformada por cuántos? Elian. Éramos 32 socios. J. Usuarios, ¿y están constituidos? Elian. Sí, ahorita habemos 20, 20 nada más. J. ¿Qué hacen en esa asociación? Elian. Bueno, estamos trabajando ahorita como individuales, repartimos la tierra y, repartimos la tierra ya ahorita estamos trabajando no como antes, que antes era todo junto y eso no caminaba nunca, uno trabajaba otro no trabajaba, entonces no resultó, después nos metimos en cinco, por grupos, tampoco, a última hora cada quien buscó por su lado, dentro de la misma empresa pero ahí estamos solos.
A distribuição está organizada por turnos alternados para as três empresas
camponesas, La Vigia, Yacambú e Cerro Pelón. A água flui por gravidade para as terras dos
agricultores por canais de cimento que foram construídos quando se criaram as empresas.
Elian. Sí, eso corre por unos canales. J. ¿Hechos de concreto? Elian. Sí, ajá. J. ¿Y ahí, se pegan con qué, por gravedad? Elian. Sí, o sea, ahorita nos toca, a La Vigía le toca el lunes, Yacambú le toca el martes, el miércoles le toca a Cerro Pelón, el jueves nos toca a nosotros otra vez y el viernes Yacambú y así va. J. ¿Y el Domingo no? Elian. No.
Elian reconhece que não há muita ordem na distribuição, afirmando que a questão da
distribuição é confusa, que ele tenta contornar com ajuda de um empregado que libera a água
102
e que, de acordo com os turnos, os produtores a recolhem e armazenam nas lagoas. Reitera
que os turnos são a cada três dias, portanto, La Vigía irriga às segundas e quintas, Yacambú às
terças e sextas e Cerro Pelón, às quartas e aos sábados. Acrescenta que isso não é suficiente e
que eles utilizam um poço para minimizar o problema.
J. ¿Cómo se pusieron de acuerdo para? Elian. No, eso es un lío ahí. J. ¿Usted está encargado de la parte de aquí, de Cerro Pelón? Elian. No. J. ¿Quién es? Elian. No, ahí está uno que es el que suelta el agua para todos. J. ¿Él suelta el agua? Elian. Uuhum. J. ¿Y ustedes se la recogen ustedes mismos, cada uno? Elian. Sí, pero nosotros, como le digo, a nosotros nos toca el día lunes, ahí ellos no riegan, o sea Yacambú riega los martes. J. Y Cerro Pelón, ¿los miércoles? Elian. Miércoles. J. Y La Vigía ¿le toca el lunes? Elian. El lunes y el jueves. J. Ah, La Vigía, ¿y es suficiente agua para regar cuánto? Elian. No, no es suficiente, ahí falta agua, pero, nosotros tenemos un pozo ahí.
Perante a realidade da escassez de água, a empresa La Vigía perfurou um poço, três
anos atrás, para compensar as necessidades dos agricultores. Desse poço, distribui-se para os
19 usuários da empresa. Também utilizam, às vezes, uma bomba para extrair água das lagoas
e distribuir para os produtores que não chegam a receber diretamente a água da represa pelos
canais, mas a tubulação está quebrada e por isso o trabalho não é feito da forma como eles
querem, que é com a tubulação colocada nas lagoas e com a bomba irrigando dia e noite.
J. Ah, ¿tienen pozo también, cuánto da ese pozo?, ¿todo el mundo tiene pozo? Elian. Tiene 6 pulgadas, no. J. Y los que no tienen pozo, están peor, ¿no? Elian. Sí, Cerro Pelón tiene un pozo, el viejito ese que está ahí y nosotros tenemos uno ahí también. J. ¿Pero eso es nuevo? Elian. No, tiene como tres años que se hizo. J. ¿Y cómo se divide el agua de ese pozo? Elian. Nosotros la subimos y la metemos al canal para que riegue a todos. J. A todos, porque están uno al lado del otro y van regando Elian. Sí, así como estamos, como estoy yo, lo que estamos en la parte de arriba, regamos siempre con el canal, con el agua de aquí y los que están del lado abajo, cuando se prende la bomba riegan con la bomba, pero muy poco se prende porque hace falta la tubería de donde está el pozo al canal y nosotros pensamos es meter esa tubería es de la bomba a la laguna para que trabaje día y noche, puro ratico es lo que trabaja, la idea es aprovechar de poner la tubería que son como 300 metros, 600 metros como que es la cosa, de la bomba a la laguna.
103
J. ¿Tienen una laguna para todos? Elian. Sí, hay dos lagunas. J. ¿Colectivas? Elian. Sí. J. ¿Siempre tienen agua o se secan? Elian. Hay una que agarra agua de invierno que es la primera que está aquí y la otra, si no, no agarra agua de invierno, tiene que ser por el canal, por la llave.
A Associação Civil de Produtores de Sementes de Campo Lindo e Campo Alegre
(Aciprosemcla), é uma associação de produtores de sementes, e plântulas, formada em 1992
com a finalidade de administrar a água da represa que passa, através de um encanamento
desde a represa Dos Cerritos até a cidade de Barquisimeto, e, dessa forma, garantir o melhor
uso possível dessa água. Os agricultores começaram, cada por sua conta, a usar a água da
represa de forma clandestina, roubando-a. Um dia, a Guarda Nacional, por ordem do prefeito,
colocou vários dos produtores na cadeia pelo roubo. Esse fato fez com que os outros
agricultores decidissem se organizar e apoiar os colegas para que fossem libertados. Dessa
situação, e assessorados por um advogado, surgiu a associação de produtores de sementes.
J. ¿Quién decidió vamos a parar, porque no podemos seguir en esto, cuándo decidieron eso, quién lo decidió? Eliseo. Eso lo decidimos un grupito como de 6, que estuvimos aquí, entonces, estaba la Guardia ahí en casa de un vecino, quitándole las mangueras, llevándole el motor y hasta se lo quería llevar preso, entonces, nosotros, los seis que estábamos dijimos, no, vamos a apoyar a ese señor, no lo podemos dejar sólo, porque él también es vecino, y así hicimos, nos acercamos hasta allá y hablamos con el alcalde, y él en ese tiempo se molestó y nos llevó detenidos también a nosotros, entonces, después que estuvimos allá, estuvimos 24 horas, de ahí, los que quedaron por fuera, los compañeros, también se unieron al grupo pues, y entonces, metimos a un abogado y ahí empezamos a hacer los trámites, el abogado nos asesoró y miré “hay que hacer esto así, los pasos que tenemos que dar son este y este”, y así fue que empezamos.
A associação éformada por 35 pessoas que moram em três comunidades vizinhas. A
idéia de se associar surgiu porque pensaram que estando mais organizados teriam uma melhor
capacidade de interagir com a empresa administradora da água e com a Prefeitura.
J. ¿Quienes son ustedes, cuántos son, dónde están ubicados? Eliseo. Al principio nos iniciamos 35 personas, que aquí, hay tres comunidades vecinas que no pasan de, en cuatro kilómetros estamos todos, estamos cerca, pues, todos. J. ¿Están todos ubicados en un perímetro de 4 kilómetros? Eliseo. Sí, más o menos por ahí, bueno y, por eso, como pensamos que por medio de una asociación y estando más organizados podíamos tener más trato, por lo menos lo que era en ese tiempo el Inos, el mismo Concejo, que nos apoyara.
104
Eliseo conta que dos 35 agricultores que começaram a associação só restam 19. Sobre
os outros, ele diz que faliram, não conseguiram vender a produção e foram trabalhar em
Quíbor em oficinas mecânicas ou migraram para outras regiões.
J. ¿Y hoy en día, la asociación, cuántos miembros son?
Eliseo. Hoy habemos 19. J. De los 35 iniciales son 19, ¿qué se hicieron los demás? Eliseo. Los otros, unos no siguieron trabajando, porque las ventas no fueron buenas y como se dicen, quebraron (sonríe) J. ¿Se dedican a qué, entonces? Eliseo. Bueno, migraron, unos se fueron hacia Quíbor, trabajan en talleres, bromas de esas.
Quando lhe peço que narre a história do processo de formação da associação e da
gestão da água, fala da gravidade da situação que eles viviam naqueles dias, pois, não podiam
trabalhar em paz com o medo de que a empresa lhes tirasse a água. Atualmente eles
conseguiram estabelecer acordos com a nova empresa Hidrolara, os quais lhes permitem
utilizar a água com maior controle e em novas formas de produção, como por exemplo, na
estufa. Eliseo aponta que eles tomaram consciência de que essa água é para consumo humano
e, portanto, sai cara, por isso, utilizam atualmente estufas para a produção de sementes, o que
gera uma economia de pelo menos 60% no consumo de água.
J. Cuéntame un poco como es el proceso para que ustedes tengan agua aquí, o sea, ¿cómo les llega el agua, quienes son ustedes? Eliseo. Bueno, este, nosotros tenemos aquí alrededor de 10 años trabajando con semilleros, quizás algo más, pero para ser más exactos 10. Entonces, la cuestión surgió de nuestra asociación fue que teníamos problemas con el agua, HIDROLARA, para ese entonces el INOS, nos trancaba el agua y nos quitaba las mangueras y entonces, decidimos un día, bueno, ya no podíamos seguir trabajando más así, entonces, nos reunimos todos y formamos una asociación, hasta ahora, bueno, gracias a Dios, eso se nos solucionó, que nos perseguían y nos quitaban el agua y eso, bueno eso se superó ya. Ahora en estos momentos, estamos trabajando pero ya hemos tomado más conciencia que ese es un agua que es tratada, que eso sale caro, y nosotros la utilizamos para riego, entonces, hemos tenido avances, por ejemplo, estamos ahorita usando lo que llaman invernadero, que por lo menos reduce, quizás en un 60% el gasto de agua que normalmente estamos gastando. Bueno, en cuestión del agua, en el manejo y eso, eso es lo que hemos manejado hasta ahora.
A água é distribuída por turnos no verão, no inverno o uso está liberado, mas, eles têm
que pagar por ela, de acordo com o que foi estabelecido entre a associação e a empresa
estadual de administração da água.
105
J. ¿Cómo les dan el agua?, o sea, ¿está abierta constantemente, ustedes mismos la regulan o hay una regulación de horas de ellos? Eliseo. No, este, en tiempo de invierno constantemente la tienen abierta y en tiempo de verano la racionan, por lo menos, la trancan 12 horas y dura 24 abierta, así. J. Ah, ¿en turnos? Eliseo. Uhum. J. Ahora sí, ¿todo el mundo tiene su conexión legal? Eliseo. Sí, ajá, eso. J. ¿Ustedes pagan por esa agua? Eliseo. Sí, se paga J. ¿Cuánto pagan? Eliseo. Pero, o sea, aquí como es campo se paga tarifa mínima, creo que son, ahorita está en 16 mil bolívares mensuales.
Os poços profundos
Atualmente, muitos agricultores utilizam essa fonte para compensar a escassez de água,
porém, os altos custos de perfuração não permitem, com raras exceções, que os pequenos
produtores consigam bancar esse tipo de investimento.
O volume de água extraída de poços profundos é igual às reservas renováveis (recarga)
mais uma parte das reservas permanentes ou geológicas, o que provoca o déficit e desequilíbrio
no balanço das águas subterrâneas (SHYQ, 1995). Os valores determinados atualmente para o
uso e reposição das águas subterrâneas conduzem a um esgotamento total do aqüífero, caso não
sejam tomadas medidas para a conservação do recurso dessa importante fonte de água. Para
evitar esse esgotamento, foi criada uma comissão, chamada Cotesaguas, que controla a abertura
de novos poços e atua na fiscalização da conservação dos aqüíferos do Vale. Quando os
agricultores solicitam permissão para abrir um poço restituído ou novo, a comissão determina as
características do poço (localização, profundidade, volume de água), assim como o consumo
diário de água permitido, e, baseando-se nessa informação, o Ministério do Ambiente concede
ou não a autorização, a qual é respeitada por todos.
As águas residuárias
Por outro lado, há também a reutilização de águas residuárias, ou de esgoto, que são
produzidas no Vale de Quíbor, principalmente na cidade de Quíbor. Essa água compartilha dos
canais naturais, ou artificiais, que integram a bacia Las Raíces, o que possibilita o incremento das
fontes de abastecimento local e contribui para a satisfação da demanda cada vez maior a que
estas fontes vêm sendo submetidas (SHYQ, 1995).
106
Segundo Esteves (1999),
Desde os anos de 1964-65, as águas residuais da cidade de Quíbor vinham sendo depositadas em uma lagoa (...) A água que se vertia pelo aliviadero40 era conduzida pelo canal denominado La Comunera e utilizada para irrigar por dois produtores, os senhores Luis e Jesús (p.72).
Posteriormente, em 1983, pelo aumento da população de Quíbor e do volume das águas
de esgoto, foram construídas duas lagoas de estabilização em um terreno que a Prefeitura
comprou do senhor Rafael, em El Veral. Essas lagoas recebem 30% do esgoto da cidade. A
distribuição dessas águas é feita segundo um acordo estabelecido entre os usuários e o Inos. Os
usuários não têm definidos turnos nem datas estabelecidas para o uso. A água é utilizada
principalmente para irrigar cana-de- açúcar (Esteves,1999).
Em 1991, foram construídas novas lagoas em terrenos da fazenda El Tunal.
Aproximadamente 70% das águas servidas produzidas em Quíbor deságuam nesse sistema de
lagoas de estabilização em série. Essas águas são totalmente utilizadas pelo dono da fazenda,
para irrigar pastagem e milho. O restante, 30%, que não deságua nesse sistema, flui para as
lagoas construídas pelo Inos, na zona de El Veral.
Essas iniciativas acompanham as propostas internacionais da utilização de águas
residuárias para múltiplos usos, entre elas a irrigação, já que pode ser muitas vezes mais
econômico tratar as águas de esgotos e reutilizá-las do que não fazer nada com elas e deixar
que contaminem os rios e aqüíferos (Tundisi, 2003).
Na conversa com Luis, usuário e dono de 25% dos direitos de uso das lagoas de El
Veral, à beira de uma lagoa na sua fazenda (ver figura 9), ele nos falou sobre as dificuldades
que existiam para o aproveitamento dessa água, pois, o vizinho, proprietário das terras onde se
localizam as lagoas, teria incrementado o tamanho dos cultivos e usado toda a água que
antigamente era compartilhada por eles. Ele se queixava do monopólio de uso dessa água pelo
vizinho, pois segundo ele, as lagoas de estabilização teriam sido feitas para serem utilizadas
coletivamente, porém, ninguém controlava seu uso. É bom comentar que esse tipo de água é
utilizado para a irrigação de determinados plantios, aqueles que não são consumidos
diretamente por humanos, mas, depois de ser processado, porém, se for necessário, pode ser
usado para irrigar qualquer tipo de cultivo, como o fazem Luis e outros agricultores, segundo
seus relatos..
40 Na falta de uma palavra que traduza aliviadero, mantivemos em espanhol para significar um canal por onde circula o excesso de água das lagoas.
108
Capítulo V
As interfaces e a produção de sentidos
nas negociações, nos acordos e
conflitos sobre a água
109
Em 1995 Ismail Serageldin, na época vice-presidente do Banco Mundial para o
Desenvolvimento Sustentável do Ambiente, declarou, em entrevista para o jornal The New
York Times, que embora “muitas das guerras deste século tenham sido motivadas pelo
petróleo, as guerras do próximo século serão travadas por causa da água” (Crossette,
1995:A13). Isto tem gerado vozes a favor e em contra.
Referindo-se a essas declarações, Shiva (2003) comenta que já as guerras pela água
estão nosso cotidiano, porém, dificilmente são identificáveis como guerras pela água: elas são
relacionadas com brigas religiosas, problemas de terras ou ódios históricos, mas, quase nunca
com as discussões pelas fontes de água.
Tundisi (2003) concorda com a afirmação anterior, ao declarar que para ele “um dos
grandes desafios do século XXI deverá ser a resolução e o acompanhamento de conflitos
internacionais resultantes da disputa pela disponibilidade de água” (p.193).
Wolf (1997), em contraposição, aponta que em nível mundial só sete batalhas
menores, três delas sem um só disparo, se produziram no século passado pela água, enquanto
foram assinados 145 tratados entre diversos países para administrar conjuntamente a água, em
261 bacias. Ainda segundo esse autor, não se poderia dizer que não ocorreram conflitos
armados, mas, que tais conflitos se dão, geralmente, entre grupos tribais, diversos setores de
usuários da água ou dentro de um mesmo Estado/nação. Segundo ele, algumas das razões para
que isso aconteça é que “as guerras pela água não são nem estrategicamente racionais nem
hidrologicamente efetivas, nem economicamente viáveis” (p.257). O autor acrescenta que a
lição mais valorizada sobre as águas internacionais é o fato de se tratar de um recurso cujas
características tende a induzir à cooperação e só incitar à violência em casos excepcionais.
Comenta, aliás, como um exemplo do que tem acontecido com a administração de águas
compartilhadas, que a Food and Agriculture Organization (FAO) tem identificado mais de
3.600 tratados relativos ao uso de águas internacionais, datados entre os anos de 805 e 1984.
Wolf (1997) também reconhece que a escassez de água leva a pressões políticas intensas nas
regiões áridas e semi-áridas.
Petrella (2001) argumenta que “o tipo de conflito mais freqüente nos dias de hoje
envolve a competição sobre os usos da água que (...) se tornam mutuamente exclusivos em
uma estrutura caracterizada pela falta de solidariedade e pela escassez crescente” (p.61). Ele
atribui uma grande responsabilidade, pela magnitude do conflito, às políticas públicas:
Quando um conflito assume proporções importantes ou críticas, demonstra que a política regional ou nacional não foi capaz de desenvolver e implementar uma política
110
hídrica integrada, inspirada na supremacia do interesse de todos com relação a um produto ou bem comum (res publica), e cujo objetivo fosse estimular a solidariedade entre todos os membros de uma comunidade regional ou nacional (p. 63).
Batista (1998) parte do princípio de que a água é um recurso escasso e valioso para as
comunidades camponesas, além de ser a base das relações sociais, as quais podem ser
conflituosas ou cooperativas. Segundo ele, a suposição de que a gestão de água em sistemas
de irrigação é sempre conflituosa é discutível, mas considera como certo que é comum a
ocorrência de tensões e disputas que podem se agravar. Aponta, também, que há mecanismos
e procedimentos, formais ou informais, para evitar que tais conflitos apareçam ou para mantê-
los sob controle – gerando os menores danos possíveis – ou para serem resolvidos logo no
início.
Ainda segundo o mesmo autor, duas são as causas principais dos conflitos produzidos
pela água: a escassez, que, segundo ele, “não provoca conflitos, mas que é uma circunstância
importante ao aumentar a competição interna pelo recurso hídrico” (Batista, 1998:5), e a
desigualdade no seu acesso, pois, “em sistemas de irrigação há a tendência de se relacionar o
problema do acesso à água às desigualdades individuais e coletivas (...) em um contexto onde
a água seja escassa” (p.5).
Os conflitos podem ser: horizontais ou verticais e internos ou externos. Por um lado,
os conflitos horizontais ocorrem entre semelhantes, pessoas pertencentes a um mesmo “grupo
social”, enquanto que os verticais são desenvolvidos entre grupos que se encontram em
distintos níveis no que se refere ao acesso e/ou controle da sua gestão, o que pode ser
entendido como manifestações da luta de classe pela água. Por outro lado, os internos são
aqueles que se desenvolvem entre os diversos atores de um sistema de irrigação, e os externos
são conflitos em que aparecem envolvidos uma comunidade e algum elemento externo
(Batista, 1998).
Sutentado em essa classificação, se pode dizer que no Vale a maioria dos conflitos
narrados é de tipo interno horizontal ou externo vertical. No primeiro caso, trata-se de
problemas entre usuários de uma mesma fonte de água, com similar situação social, como os
conflitos pelo estabelecimento e cumprimento de turnos da água nas diversas fontes
analisadas neste trabalho. No segundo, trata-se de usuários que se encontram águas acima e
águas abaixo num mesmo sistema de irrigação, como no caso do riacho Atarigua, e os
desentendimentos entre os agricultores de Sanare e Quíbor.
111
Wateau (2000), em um trabalho etnográfico sobre os conflitos pela água de irrigação
em Melgaço, no noroeste de Portugal, onde procurou “investigar a lógica que preside à
construção da ordem social em Melgaço, através da observação de uma atividade técnica
agrícola, a rega, que mobiliza uma boa parte da população durante o verão” (p. 29), discorda
da premissa de alguns economistas de que a escassez de água seja motivo suficiente de brigas
pela água. A autora aponta que nessa região, mesmo não tendo uma escassez de água muito
pronunciada, com relação a outras regiões desse país, essa suposta escassez é utilizada como
pretexto para gerar conflitos no verão todos os anos. Isso fez com que ela procurasse por
outras explicações para justificar tais conflitos, que não simplesmente a escassez da água.
... em Melgaço − em cujos cumes montanhosos caem até 3.300 mm de água por ano e onde as inumeráveis nascentes brotam de todos os lados −, os camponeses esforçavam-se todos os anos por convencer-me de que esse argumento explicativo de escassez, por lhes permitir, inteligentemente, legitimar uma boa parte dos roubos de água praticados no Verão, sendo esses os principais causadores de conflitos, numa incontestável forma de afirmação (p.22).
Para a autora, os conflitos nessa região têm a ver com a importância que os
camponeses atribuem à água, o que revela a existência de tensões permanentes entre os
beneficiários da água, levando a crer que, “se a água de rega é um assunto que motiva toda a
população, é porque serve de suporte a outras questões mais profundas, sociológicas e
identitárias” (Wateau, 2000:22). Em seu estudo, ela comprovou que todas as pessoas em
Melgaço estão mais ou menos ligadas entre si por meio da água de irrigação e aduz que “a
água é um laço conflitual (...), mas também um laço que aproxima as pessoas” (p.141).
Pode-se considerar, então, que a possibilidade de que a água seja geradora de conflitos
é um tema que tem sido abordado a partir de várias perspectivas e por diversos autores, alguns
deles considerando que a escassez e a distribuição da água são por natureza geradoras de
conflitos, e outros entendendo que sejam algo comum, ainda que fonte de negociação, acordos
e possíveis conflitos excepcionais.
Neste estudo utilizo a noção de interface para analisar e compreender os sentidos
atribuídos aos conflitos pelas pessoas envolvidas na gestão da água de irrigação no Vale, já
que considero, tal como Long (2001) aponta, que é nos encontros de interface, entre as
diversas pessoas com participação no sistema de irrigação, em cada fonte em particular,
... que se podem evidenciar os tipos de descontinuidade que existem e suas dinâmicas e os caracteres emergentes dos conflitos e interações que aparecem, mostrando como
112
as metas, as percepções, os valores, os interesses e as relações das pessoas são reforçados ou reformados por esses processos (p. 191).
Os conflitos na distribuição das águas no Vale
A seguir apresento a análise de alguns dos conflitos que me foram relatados sobre a
gestão de água para irrigação no Vale de Quíbor.
Apesar de os conflitos com relação à água de irrigação não terem feito parte dos
elementos que seriam abordados em detalhe no começo deste trabalho, não foi a partir das
falas dos interlocutores que ficou claro que a distribuição da água no Vale tem gerado e
continua a gerar discussões, brigas, acordos e desacordos, mostrando-se como questão
fundamental para os agricultores da região a gestão desse recurso. Decidi então focalizar parte
desses conflitos que apareceram e detalhar o último conflito de que tomei conhecimento
referente à distribuição de água da limpeza dos filtros, na antiga estação de tratamento Cidade
de Barquisimeto, que tem mobilizado vários atores da região na busca de uma solução. A
seguir abordo esses conflitos a partir de aproximações sucessivas, à medida que fui tomando
conhecimento sobre eles.
Como uma primeira aproximação e para melhor visualizar quem é citado pelos atores
quando se fala de conflitos pela água no Vale, a partir das conversas com alguns dos atores
construí uma tabela (tabela 3) para tentar identificar quem aparece associado quando se fala
de discussões, brigas, negociações, acordos ou soluções sobre distribuição da água ou da
intervenção de pessoas não reconhecidas como usuários, numa determinada fonte.
No tabela aparecem em destaque pessoas ou instituições mais freqüentemente
referidas pelos interlocutores, em situações de conflito. Os mais citados são os de baixo
(Quíbor), os de cima (Sanare) e a Guarda Nacional. Tanto os agricultores como os
funcionários concordam em apontar para essas mesmas pessoas e instituições ao relatar os
conflitos acontecidos no Vale. Apesar de cada interlocutor falar dos conflitos mais próximos
de seu cotidiano e da sua fonte, os problemas que acontecem no riacho Atarigua são os que
mais aparecem nas falas dos vários interlocutores, isso porque o riacho, quando leva água em
abundância, é utilizado como fonte para irrigação por quase todos os agricultores que
participaram desta investigação. Muitos são os agricultores referidos por dois dos juízes como
as pessoas envolvidas em situações de conflitos, a maioria deles porque não obedece às
normas, provavelmente pelo desespero, pelo medo que tem de perder o cultivo, ou porque
utiliza as bombas para pegar mais água em prejuízo daqueles que não têm bombas.
113
A Guarda Nacional, como representante da institucionalidade militar no local, é
sempre referida, e de maneira unânime, como a responsável pela solução dos conflitos: ela é
chamada para pôr fim em qualquer problema não resolvido pelo diálogo. A polícia é menos
referida como órgão repressor, quiçá porque esse tipo de conflito é produto de situações
geradas por desacordos na distribuição da água, que é uma atividade agrícola e relacionada
com o ambiente, área de atuação que corresponde por lei à Guarda Nacional. A Prefeitura do
Município Jiménez e o Ministério do Ambiente também aparecem como instituições não
repressivas, responsáveis pelo estabelecimento e manutenção da legalidade dos acordos
assinados por todos os usuários.
Destaca-se, também, a instituição regional de administração das águas (anteriormente
Inos e agora Hidrolara), que é referida por três dos agricultores. Nesse caso, já mencionado
antes, como a fonte de água depende dessa instituição e a distribuição tem de ser paga, a
recusa ou a impossibilidade de pagamento têm gerado vários dos conflitos narrados.
Os juízes ou distribuidores, embora sendo os que distribuem a água todos os dias, não
se referem a si próprios envolvidos nos conflitos, porém, eles aparecem em quase todas as
discussões e brigas pela água, de uma ou de outra maneira, pois, são eles, em primeira
instância, os responsáveis por tentar resolver os problemas. Em conseqüência, o juiz participa
ora gerando o conflito ora na sua solução. Ele pode gerar conflito ao tentar cumprir com seu
trabalho, tentando evitar que alguém viole as normas ou tomando uma decisão que cause
desconforto em algum usuário. Por outro lado, ele também pode ser parte da solução do
problema, ao persuadir os usuários a não brigarem por mal-entendidos.
114
Tabela 3
Os conflitos pelo uso da água
INTERLOCUTORES QUEM É REFERIDO
AM
DI
IS
AR
EL
ES
SI
TE
AE
FR
JE
Os de baixo (Quíbor) X X X X X X Prefeitura de Jiménez X X X Prefeitura de Sanare X Autoridades X PB (juiz de água) X Os de cima (Sanare) X X X X X X Donos da fazenda das Galias X O prefeito X X Junta (Aproagro) X Meu compadre PL (Ministério do Ambiente Sanare) X Guarda Nacional X X X X X X Ministério do Ambiente X X X CU (juiz de água) X HC (associação) X TT (agricultor) X H (agricultor que pegava a água com bombas) X P (agricultor) X MG (agricultor) X Gente de Chaimare X DO (juiz de água) X SM (agricultor) X Eles (os agricultores) X X Os ‘bombeiros’ (usam bombas) X X Junta administradora da água do túnel X Os que têm plantios X Inos/Hidrolara X X X Governo do Estado X Empresas campesinas (La Vigía, Yacambú e Cerro Pelón) X AP (agricultor, seu irmão) X Os peritos ou técnicos X X Polícia do município (Comandante) X Extratores de areia do leito do riacho Atarigua X Grandes produtores (ET e EG) X Militares corruptos X Juiz de água de Atarigua X Setores que fazem denúncias X X
Juízes Agricultores Funcionários
115
Ao longo das conversas com as pessoas, o tema dos conflitos sempre foi referido, ora
motivado por alguma pergunta feita, ora porque o ator o trazia para completar sua
argumentação, na maioria das vezes surgia como parte da história que não queriam que se
repetisse. Como uma segunda aproximação a esta temática, selecionei alguns dos trechos das
entrevistas onde eram relatados conflitos que apareciam associados a cada fonte de água, pois
cada uma delas tem suas especificidades no que diz respeito à forma de organização,
distribuição da água, normativa, aos tipos de conflito e soluções, merecendo ser consideradas
de forma independente, ainda que o Vale seja o lugar de todas.
É necessário dizer que o panorama atual de uso da água do riacho tem, de um lado,
principalmente a presença dos pequenos produtores do Vale, donos de uma antiga tradição de
uso dessas águas e, de outro lado, os grandes produtores, geralmente de origem canária, cuja
localização mais recente, nas montanhas, e sua tecnologia os colocam em situação vantajosa
em relação aos que vivem e trabalham no Vale. Os conflitos referem-se ao envolvimento de
vários atores, como a intervenção de terceiros, pessoas não pertencentes à região que
procuram areia no riacho para ser usada na construção, passando pelos conflitos entre
usuários da mesma área e os que acontecem entre os agricultores de Sanare e do Vale.
Andrés, usuário das águas abaixo do riacho Atarigua, lembra os tempos em que os
produtores do Vale tinham problemas quase todos os dias com produtores de Sanare para
distribuir a água do riacho. Fala das reuniões que fizeram com eles, a Guarda Nacional e o
Ministério do Ambiente, e dos acordos que estabeleceram, e que as brigas, acontecidas antes
dos acordos, quase haviam acabado em mortes. Lembra que os agricultores de Sanare
utilizavam bombas a motor para extrair água e levá-la para as montanhas e, desta forma,
diminuir o fluxo para baixo, e que alguns dos agricultores do Vale, ele se exclui, subiam pelo
riacho quebrando as bombas, num eterno conflito.
É necessário dizer que o panorama atual de uso da água do riacho Atarigua tem, de um
lado, principalmente a presença dos pequenos produtores do Vale, donos de uma antiga
tradição de uso dessas águas e, de outro lado, os grandes produtores, geralmente de origem
canária, cuja localização mais recente, nas montanhas, e sua tecnologia os colocam em
situação vantajosa em relação aos que vivem e trabalham no Vale. Os conflitos referem-se ao
envolvimento de vários atores, como a intervenção de terceiros, pessoas não pertencentes à
região que procuram areia no riacho para ser usada na construção, passando pelos conflitos
entre usuários da mesma área e os que acontecem entre os agricultores de Sanare e do Vale.
116
Andrés, usuário das águas abaixo do riacho Atarigua, lembra os tempos em que os
produtores do Vale tinham problemas quase todos os dias com produtores de Sanare para
distribuir a água do riacho. Fala das reuniões que fizeram com eles, a Guarda Nacional e o
Ministério do Ambiente, e dos acordos que estabeleceram, e que as brigas, acontecidas antes
dos acordos, quase haviam acabado em mortes. Lembra que os agricultores de Sanare
utilizavam bombas a motor para extrair água e levá-la para as montanhas e, desta forma,
diminuir o fluxo para baixo, e que alguns dos agricultores do Vale, ele se exclui, subiam pelo
riacho quebrando as bombas, num eterno conflito.
Andrés. Sí, después sí hubo problemas, pero no problemas de llegar a esos extremos, tuvimos un problema nosotros una vez con el agua entre Sanare y Quíbor, que es cuando el agua se achica, que a nosotros no nos dejaban usar el agua, de aquí, subíamos mucho, tumbábamos las tomas y ellos las volvían a hacer, después se volvió un zaperoco, porque la gente llegaba y le dañaba las bombas, no era Andrés Eloy, Blanco Distrito, era mandado por el Distrito Jiménez, entonces de aquí mandaban la Guardia y le traían las bombas, eso era un problema ya rotundo. J. ¿Las bombas eran de quienes? Andrés. De allá, de los agricultores de Sanare.
Apesar de considerar injusto que os agricultores de Sanare tirassem água deles, não
concorda com as ações violentas dos agricultores do Vale. Ele afirma ter temido que as
pessoas de Sanare os matassem em uma emboscada, pela localização deles na montanha.
Acrescenta que, apesar da intervenção da Guarda Nacional, só conseguiram ter paz com a
criação de uma associação que estabeleceu um acordo com o Ministério do Ambiente, a
Guarda e os agricultores de Sanare, da qual ele era o líder. A partir da assinatura desse acordo
ficou determinado que os turnos seriam de três dias de água para Quíbor e três para Sanare,
enquanto a água fosse pouca, na estiagem. Segundo ele, desde o acordo não têm acontecido
mais problemas entre eles.
J. ¿Y ustedes iban de aquí a echarles a perder las bombas? Andrés. No, yo no me incluí porque nunca me ha gustado eso, yo lo mal hecho, si uno no quiere que le hagan una cosa mal hecha no debe hacérselo a los demás, a mí no me gustó nunca eso, pero sí iban muchos de aquí y les dañaban las bombas. J. ¿Era injusto lo que hacían ellos? Andrés. Claro, ellos nos quitaban el agua injustamente no nos dejaban el agua, pero tampoco había que pagarles de esa manera, había que abrir un consenso, que fue cuando nosotros, yo me metí en eso un tiempo, que yo le estoy hablando en el 88, me metí yo en una Junta que coordinamos, formamos una asociación y yo me metí de cabecilla y les dije,” miren vamos a dialogar con esa gente, vamos a tratar de hacer consenso”, les dije yo,” porque no puede ser posible que nosotros vamos a vivir en este tiempo para allá y para acá, lo más probable es que ellos nos vayan a matar a nosotros porque nosotros estamos entre cerros y ellos fácil nos cazan y nos matan”, les dije yo.
117
J. Ya usted veía la emboscada. Andrés. Sí, no, era fácil de que nos tendieran una emboscada, bueno, vino la gente, y tomaron consenso, hicimos una reunión aquí, más de 80 productores, formamos la asociación y fuimos y hablamos, en ese entonces estaba un compadre mío que era que el que dirigía el Ministerio del Ambiente aquí en Sanare, yo le planteé el caso y él nos apoyó, hablamos con la Guardia y también nos apoyó, entonces, llamamos a la gente de Sanare, al Ministerio del Ambiente a Barquisimeto y fuimos los de aquí, y, fue duro, al principio fue duro para poder llegar a un consenso con ellos, pero sí, después llegamos a un acuerdo y se quedó, hicimos unos turnos de agua, son tres días para allá y tres días para acá, en lo que el agua se seca, ahora, en lo que hay agua suficiente, no tenemos nosotros ningún problema, pero sí quedó todo coordinado que son tres días para allá y tres días para acá.
Andrés comenta sobre a situação de paz alcançada por eles, dando-lhe muito crédito
por isso ao juiz de água atual. Ele lembra que sempre existe a pessoa que se acha mais valente
que as outras tirando água delas, mas que com a intervenção do juiz isso tem diminuído.
Acrescenta que eles têm se civilizado, porque acabaram com as brigas. A palavra civilizado é
usada por Andrés para explicar as mudanças nos comportamentos dos agricultores de Quíbor,
num processo que se pode denominar de evolutivo, segundo ele, onde ser civilizado implica
não se achar melhor que ninguém, não ferir ou matar outro pelos problemas de água, ou seja,
supostamente o fim dos conflitos.
J. ¿Y hoy en día, todo el mundo le hace caso a él, no hay conflictos? Andrés. No, se acabaron los conflictos, aquí no hay conflictos ahorita sobre el agua, porque él ha puesto eso en orden, al menos tiene carácter y la gente, yo digo para mí que nosotros nos hemos civilizado, porque antes la gente peleaba por el agua, tenía problemas que, no yo te quito un chorro, entonces venían los problemas, o no te la dejo pasar, porque siempre aquí existió eso, anteriormente, que el que era más guapo le quitaba el agua al otro, entonces ahí habían los problemas, tenía que intervenir.
Ao perguntar Andrés se recordava de alguma outra briga pela água, ele confirma que
muitos anos atrás até uma morte ocorreu, quando um homem esfaqueou outro por tentar ser
mais esperto do que ele e tirar sua água.
J. ¿Qué otros problemas usted recuerda que hubo por el agua? Andrés. Bueno, yo sé que ahí hasta muerto han visto, hacen muchos años mataron uno por, porque le quitó el agua al otro y quería ser más vivo y el otro lo vino y lo macheteó.
Isidro, juiz de água do riacho, dá sua versão dos conflitos que ocorrem na distribuição
da água. Ele é quem realiza a maioria das interfaces entre os produtores de Sanare e de
Quíbor, sendo essas, aliás, as mais problemáticas, por envolverem agricultores que dividem o
riacho, ficando um grupo deles na parte de cima, o que lhes dá uma certa vantagem, e os
118
outros, na parte de baixo. Em primeiro lugar, fala do descumprimento de turnos estabelecidos
pelo Ministério do Ambiente. Argumenta que a Guarda Nacional tenta controlar um pouco os
roubos e a falta de cumprimento dos turnos. No entanto, os agricultores de Sanare, pelo fato
de estar riacho acima, afirmam ser os donos da água, embora as pessoas do Vale continuem a
lutar pelo que consideram seu direito. Ele utiliza a expressão, “sempre a gente recebe algo”,
para se referir ao fato de que, ainda que pouca, eles sempre recebem água, resignado a que os
de cima “tenham mais direito” do que ele, que faz parte do grupo dos que estão riacho abaixo.
Isidro. …eso es una cuestión que la ha turneado el ambiente, pero eso en veces no se respeta, esa es una de las cuestiones J. ¿O sea que ustedes a veces tienen problemas con el agua porque los de arriba no les paran? Isidro. Sí los tenemos, vamos a la Guardia y la Guardia medio controla pero no es igual, ellos están arriba, se atienen a eso “nosotros estamos arriba y no podemos perder, el agua es de nosotros”, eso era cuando Quíbor pertenecía a…, Andrés Eloy pertenecía a Jiménez, era más distinto, pero ahorita no, porque ellos son ya municipio y el agua y que es de ellos, dicen ellos, hasta ahí nosotros, peleamos los que nos toca y siempre nos toca algo.
Nas interfaces com pessoas que não são usuárias da água, mas que tiram areia do
riacho para vender nas construções de prédios e casas, ele conta que apenas alguns deles se
juntam a ele para fazer o trabalho. Comenta um episódio em que quase teve de brigar com
vários operários de Barquisimeto, os quais ele afirma estarem drogados, porque não gostaram
que lhes dissessem o que tinham que fazer para não prejudicar a passagem da água pelo
riacho. Os trabalhadores o chamaram para se bater com as mãos, mas ele respondeu que não
estava ali para brigar e sim para trabalhar e organizar a extração da areia. Porém, menciona
que se tivesse um revólver ele o teria usado. Comenta que teve de ir à procura da Polícia, que
os obrigou a esvaziar os caminhões. No final, disse a eles que isso havia ocorrido por não
terem seguido suas instruções e que perderam o trabalho.
Isidro. Hay unos que son muy buenos y otros que se pasan de vivos, como hay gente que, yo el otro día a unos carajos de Barquisimeto, llegaron allí, si he tenido un revólver te digo que lo fuera cargado, palabra chico, les digo “aquí no vayan a acabar con esto, por esto”, unos carajos endrogados ahí, andaban como cinco, “ah, vamos pa allí, para que nos echemos”, (sonríe nervioso), “yo no ando, yo ando es trabajando, yo no ando peleando”, les dije, “los estoy es ubicando para que no, ni ustedes sean molestados ni yo tampoco, los que llevan el agua y tal”, entonces tuve que venirme, tuve que buscar a la Policía, después que habían hecho el trabajo completo, llenado los volteos, tuvieron que vaciar la arena otra vez, perdieron el trabajo, “eso pasa por ustedes, por que yo los estoy es ubicando para que hagan su trabajo”, les dije, “entonces, ustedes a cuenta de guapos”, no, la cosa aquí se ha trabajado más o menos.
119
Ele aponta que antigamente surgiam mais conflitos, e com conseqüências muito
piores. Acrescenta não ter colocado ninguém para brigar, o que quer dizer que suas decisões
na distribuição da água não têm levado a brigas nem confusões, por que, aliás, as pessoas têm
melhorado seu comportamento. Refere-se, também, ao homicídio de um agricultor pelo roubo
do turno de água. Isidro vai-se posicionando e mostrando as diversas arenas de encontros nas
quais as interfaces sociais têm resultados diversos, entre eles, a morte, ferimentos com armas
de fogo ou facão, ou discussões agressivas, todos causados, entre outras razões, pela má
distribuição da água.
No diálogo que mantive com Isidro aparecem várias questões interessantes sobre os
conflitos pelo uso da água. Ele parte da idéia de que as pessoas têm de ter palavra e manter as
decisões que foram tomadas. No conflito narrado, a partir da minha pergunta sobre se as
pessoas brigavam antigamente pela água, ele comenta que acha que Carlos agiu legalmente
quando matou Antonio (tio de Isidro) com um facão, pois ele sempre tirava o turno de água
dele até que Antonio se cansou e botou o corpo, atravessado, no canal, tingindo-o de sangue.
Isidro. …Hasta hoy no he tenido problema que no he echado a pelear a nadie, porque aquí la gente se han acomodado, aquí lo que hay que tener es palabra. J. ¿Antes se peleaban? Isidro. Sí, aquí han matado gente por cuestiones del agua. J. ¿A quién por ejemplo? Isidro. Aquí mataron a un carajo que era hasta tío mío, se llamaba Antonio, el papá de Alberto y todos esos carajos, lo mató un señor que él era, por cierto de El Hato era ese carajo, Carlos, pero te digo, él lo mató legalmente porque el hombre se la tenía aplicada, él tenía su, le daban su turno a él y el hombre, el otro se burlaba de él, se la quitaba y el hombre se obstinó, lo mató, lo mató en el buco.
Isidro conta outro conflito pela água quando Amado (que tinha assasinado Mario)
esfaqueou Cristiano por problemas de água, e ele não explica como não houve conseqüências
fatais. Ambas as pessoas envolvidas nessa briga já morreram.
Isidro … en El Molino hubo otro carajo, Cristiano, los dos están muertos ya, un tipo que lo mató un carajo de Playa Bonita, que mató a Mario, en esa curvita que está jodida ahí, ese lo mató, cómo se llama él, Amado, debe ser ese carajo, ese carajo macheteó, por un agua también a Cristiano, le cruzó el machete, yo no sé como no lo mató.
Segundo Isidro o último conflito aconteceu há 15 anos. Foi quando Luciano e Pedro
brigaram por uma água mal distribuída, pois, Cirilo, o distribuidor, deu o turno a Luciano, e
Hernam, o encarregado, deu o mesmo para Pedro, que, por sua vez, atirou em Luciano,
120
achando que o turno fosse dele. Isidro comenta que Pedro é muito bravo e que embora o
turno não fosse dele, e que o encarregado tenha cometido um erro, pois Luciano está antes na
distribuição, sacou o revólver e atirou. Para ele, os dois homens não quiseram ceder e por isso
começaram a briga.
Isidro. … y el lío que hubo últimamente ahí, que fue allí por el buco este, Luciano con el Pedro, por cuestiones de un agua, mal repartida porque Cirilo le dio el agua a uno y Hernam se la dio al otro y después no se entendieron ninguno y ellos en la tabla, Luciano está primero y Pedro no quería que se la quitara y le dio un tiro al otro, por agua. J. ¿Hace cuánto fue eso? Isidro. No, eso fue hacen ya creo, más de 15 años, fue por eso, por esa agua que se la dieron a los dos, entonces, ninguno se querían dejar y se vinieron a discusiones. J. ¿Eran dos repartidores? Isidro. No, había el juez de agua y un repartidor, el juez dijo uno y el repartidor dijo otro, entonces los muchachos se entendieron mal ahí, que no era porque si tú estás primero yo tengo que respetarte que tú estás primero, pero ellos no, porque Pedro se la da de más jodido, peló por el revólver y le dio un tiro al otro.
Tiago nega que na sua região tenha havido pessoas mortas por brigas pela água, mas,
narra o assassinato de uma outra pessoa cometido por Amado, que segundo ele, “já faz tempo
que aconteceu”, dando a enternder que por ter passado muito tempo o asunto tivesse
importância, porém, corrobora a versão do homicídio que Carlos cometeu em El Molino, que
coincide também com a narrativa de Isidro. Tiago não sabe qual o motivo específico das
mortes, mas disse que, com certeza, a causa das brigas foi a água.
Tiago. Que yo sepa, aquí en esta región, aquí no.
J. ¿Y allá arriba en El Molino? Tiago. Ah, en el Molino sí. J. Allá si hubo esos problemas? Tiago. Sí, allá sí, que yo recuerde que hayan matado a alguien por esa agua, fue, un señor Amado. Amado mató a alguien, pero eso hace bastante tiempo. Carlos mató a uno allá en El Molino y se vino para Quíbor y después a Carlos, por venganza de ese muerto le mataron a un hijo en El Molino, dos muertos que sepa yo por el problema del agua. J. ¿Era que a Carlos le quitaban el agua o era él el que le quitaba el agua a los demás? Tiago. Yo sé que el origen de la rencilla fue el agua, no sé más detalles J. ¿Ha variado mucho el clima entonces? Tiago. Sí, ha variado mucho.
Sergio, nascido nas Ilhas Canárias, tem mais de 35 anos trabalhando a terra nas
montanhas de Sanare e há um pouco menos desse tempo vem usando água do riacho Atarigua
para cultivar fora da época de chuvas. Comenta que sempre ocorreram problemas e que o
121
primeiro que começou a roubar essa água para irrigação, utilizando bombas a motor, foi o
irmão dele, que, pelas queixas dadas pelos agricultores do Vale, era levado para a Polícia com
tudo e suas bombas. Reconhece que as pessoas do Vale tinham razão, pois, naquela época
essa água era utilizada para o consumo humano.
Sergio.…siempre ha habido problemas porque siempre usted sabe, antes, anteriormente cuando mi hermano estaba sembrando, que era el único que agarraba una aguita ahí, hasta la Guardia, la Policía de Quíbor, porque esto, esto pertenecía a Jiménez y venía, venía la Policía para arriba y se lo llevaba con todo y bomba para abajo de una vez, ajá, una aguita ahí de noche, robándosela, porque ahí si tenía razón Quíbor, porque era para tomar, el acueducto era de esta agua.
Durante a conversa com Sergio estive na companhia de Isidro (juiz de água), que nos
apresentou e lhe perguntou se podia conversar comigo sobre o uso da água do riacho em
Sanare. Por isso, em alguns trechos da conversa ambos aparecem fazendo referência um ao
outro, numa suposta brincadeira cheia de duplos sentidos. No trecho a seguir, por exemplo,
Sergio se posiciona como habitante de Sanare, que ele define como de melhor qualidade e
capacidade produtiva do que os agricultores de Quíbor. Dizendo isso, olha para o Isidro
esperando que concorde, mas este faz silêncio.
Sergio. ... la gente de Sanare, que somos mejores que los de Quíbor, no por decirlo yo, ¿ustedes mismos lo dicen, no?
Referindo-se aos turnos de água, Sergio aponta que algumas vezes se cumprem os
turnos, mas que, outras vezes, as pessoas de Sanare ficam muito nervosas pela falta de água e
não deixam passar água para Quíbor. Ele utiliza então algumas palavras como se fossem ditas
pelo Isidro, que está presente, é uma maldade tirar a água das pessoas de Sanare. Isidro, ante
este comentário de Sergio, confirma o dito por ele e diz; já a gente olha que a água não
chega. Sergio continua a argumentação dizendo que tirar essa água dos agricultores de Sanare
é uma maldade, pelo trabalho e os custos que significa vigiar, extrair e armazenar essa pouca
água e de que isso gera muita raiva.
Sergio. …Quíbor tiene 3 días y 3 noches y a nosotros 3 días y 3 noches. J. ¿Y eso se cumple? Sergio. Algunas veces, cuando la gente se pone brava que necesita mucho el agua, que no viene casi agua, no se cumple, vienen los días de Quíbor y que va, no la dejan pasar, entonces, va este, y viene siendo el que manda, el juez y dice, “mire, ya es una maldad quitarle el agua” Isidro. Ya uno está viendo que no llega. Sergio. Ya es una maldad, echan, para que llegue un día de agua tienen que echar tres días por ahí y les sale por lo menos por decirte algo 100 ó 200 mil bolívares la
122
bajada de agua, porque tienen que poner gente para que le llegue, en cada buco un tipo, entonces es una maldad que nos hacen a la gente de Sanare que todo se lo va chupando en el trayecto, que con eso nosotros, algo se logra, aquí lo ponemos nosotros, por hora, por días y tal, y tú bombeas 4 horas y yo bombeo 6, pero eso uno ha pasado aquí mucha rabia compañero.
Antes que nós três terminássemos a conversa, Isidro levantou uma questão que
chamou muito minha atenção, ele comentou que hoje em dia os agricultores de Sanare e
Quíbor estão brigando pelo esgoto de Sanare, pois, há uma lagoa de estabilização de águas
residuárias que recolhe toda essa água do povoado (ver figura 10). Essa lagoa, quando enche,
transborda, e as águas fluem junto com as do riacho Atarigua, em direção ao Vale, quando
isso acontece, eles utilizam o esgoto para irrigar suas plantações, geralmente sem discriminar
o tipo de cultivo, o que pode gerar problemas de saúde pública, em curto prazo. Essa situação
não é conhecida pelos meus interlocutores do Ministério do Ambiente nem do SHYQ, pois,
quando fiz referência a esse problema, nas conversas, eles se mostraram surpresos de que isso
estivesse acontecendo.
Figura 10. Lagoa de estabilização do esgoto de Sanare.
Diego, o distribuidor da água do Portal de Saída da água do Túnel, comenta algumas
das estratégias que utiliza para evitar as brigas entre os agricultores. Aponta que ele faz seu
123
trabalho tentando distribuir a todos a pouca água disponível e que, se algum dos produtores
ficar nervoso, ele não se importa: o problema é do produtor que terá de se contentar sozinho,
pois ele não põe ninguém para brigar, nem ele briga com ninguém.
J. ¿O sea que si a mí me tocó agua el día cinco, me vuelve a tocar agua el día 7 del otro mes? Diego. Sí cada mes. J. ¿Y con esas 24 horas lleno una laguna? Diego. No, no se llena, se siembra poco con la poca agua que agarra, una hectárea, hectárea y media J. ¿Y la gente no se pone brava? Diego. Sí se ponen. J. ¿Y qué hacen, pues? Diego. ¿Qué van a hacer?, contentarse ellos mismos porque yo no voy a echar a pelear, ni peleo yo ni pelean ellos, si se enojan, anoche casualmente voy a darle el agua a la laguna de Víctor y Reinaldo estaba seco aquí, tuve que darle en la noche de anoche y dársela otra vez a Víctor, otra vez, ya mañana es para Ramiro. J. Ah, ¿tuviste que hacer una división? Diego. Uhum. J. Te doy a tí un poco y a tí un poco y mañana les vuelvo a dar porque ¿este estaba seco? Diego. Para remediarlos a todos.
Para resolver os problemas e desentendimentos que ele não consegue por meio do
diálogo, Diego se dirige, também, ao posto da Guarda Nacional, segundo me respondeu.
Porém, mais adiante na conversa, disse não ter tido problemas graves com os agricultores e
que fazem reuniões para chegar a acordos que evitem as brigas e a necessidade de recorrer à
Guarda Nacional, que é o último recurso que utiliza. Comenta, ainda, que os produtores ficam
muito nervosos quando têm um cultivo e pensam que poderão perdê-lo pela falta de água,
esse é o momento de maior tensão.
J. ¿Y entonces, si tú tienes algún problema a quién acudes? Diego. Ah, a la Guardia, allá. J. ¿Y ellos te apoyan si hay algún agricultor que te está fregando? Diego. Ah, ok.
J. ¿Nunca has tenido que llamar a la Guardia? Diego. No, se hacen reuniones para que ellos apliquen las cosas, se le pone la condición a la gente, una semana lo cumplen y después siguen, no, pero no ha habido más bochinche. J. ¿Tú dirías que está controlada la cosa? Diego. Por los momentos. J. ¿Quién se embochincha, cuando no viene el agua y empieza la sequía? Diego. Los que tienen siembra, es muy bravo, por lo menos tener tres hectáreas sembradas y no tener agua.
124
O senhor Tiago, aposentado e antigo usuário da água do túnel, que agora é usada pelos
filhos, fala sempre em passado. Para ele não existem mais conflitos pela água na região, mas
argumenta que os problemas se apresentavam porque alguém plantava mais do que outro e,
como precisava sempre de mais água, se achava mais esperto que os demais, ocasionando
constantes brigas.
J. señor Tiago, ¿cuáles eran las dificultades que usted veía para administrar el agua aquí, qué problemas usted ve que eran los más importantes? Tiago. Los problemas que se presentaban aquí, eran que siempre uno sembraba más que otro y por supuesto, necesitaba más agua y quería siempre más agua que otra persona, y uno que se echa más de vivo que otro, como siempre, como todo pues.
Alcides narra uma situação que ele viveu na época que distribuía água da estação de
tratamento diretamente. Um agricultor, estabelecido na parte de cima do lugar e utilizando
uma bomba elétrica para encher sua lagoa, pegava mais água da que devia. Como distribuidor
da água, ele não tem poder para tomar atitudes contra aqueles que não cumprem as normas.
Por isso, comenta que conversou com o presidente da associação para que a situação não
continuasse. A solução encontrada foi fazer umas comportas na entrada das terras do
agricultor para controlar o fluxo da água, e aquele que não pagasse a primeira vez não deveria
receber água até fazer o pagamento. Porém, segundo ele, o presidente da associação
(Aproquíbor) não fez nada e, como não pagaram à empresa administradora, a entrega e
distribuição dessa água, que devia ser paga, foram suspensas.
Alcides. Él la halaba para bombeo y para otra laguna más, entonces, yo hablo con el presidente de la asociación que era Tiago,‘mire Tiago, aquí hay un problema’, le dije yo, ‘el agua dura 3 y 4 horas para llegar al canal, donde va a salir, en la quebrada pues, y Hugo la larga 4 ó 5 horas, mire si usted no quiere que haya problemas, usted tiene que hablar con Hugo, para hacerle las compuertas o se le hace pagar el agua, porque si seguimos así, que Hugo en la semana te va a agarrar, por lo menos para decir algo, si se suelta el agua todos los días, va a agarrar por lo menos 5 a 10 horas diarias, y entonces, va a acumular mucho billete y no la va a pagar, entonces, la cooperativa, el Inos no le va a vender más agua a la asociación del Hato, le dije. ‘Esa es una idea buena, hablar con Hugo, se le pone una compuerta para que se ponga al día’, ‘porque usted al que le de agua la primera vez, no debe darle la segunda vez hasta que no pague, si usted quiere que esto dure, que sea estable, porque a usted, por lo menos, estando con el Inos al día, uno podía conseguir agua, porque esa agua no es para los agricultores sino para consumo, pero puede haber una solución ahí, un acuerdo, pasarle a una siembra, una cuestión así, verdad?, entonces no me hizo caso, se acumuló mucha plata, entre Plinio, Hugo, Manuel, ah, no nos vendieron más agua.
Os problemas na empresa La Vigía começaram quando a empresa administradora
começou a pressionar os agricultores para que pagassem o serviço. Como eles não pagavam,
125
funcionários da empresa colocavam cadeados no lugar de distribuição de água. Os
agricultores, precisando dessa água para sobreviver, quebravam os cadeados e os substituíam.
Os funcionários quebravam, por sua vez, estes cadeados, numa rotina diária.
Elian conta que foram muitas as coletas perdidas pelos cortes da água. Alguns dos
cortes duravam um mês, outros duravam até dois meses, mas que os agricultores pensavam
que a água era grátis, mas a empresa pedia para eles pagarem. Ao perguntar o que eles faziam
diante dessa situação, Elian responde que não faziam nada mais do que suportar e fazer as
tramitações em Barquisimeto para solucionar o problema, e que andaram muito pela cidade
sem conseguir mudar a situação.
Elian. Ajá, supuestamente que el agua era regalada para los campesinos, para nosotros ahí, pero no sé, no, entonces ahí vinieron los cortes de agua, a veces que por dos meses, por un mes y esas siembras perdidas, porque se perdió mucha siembra, perdimos mucho. J. ¿Qué hacían ustedes cuando llegaba eso? Elian. Nada, pues, aguantar la mecha y hacer diligencias para Barquisimeto, nosotros caminamos mucho esa vaina, náguara, eso caminamos demasiado.
Logo veio o roubo de água, os cadeados foram quebrados para poder irrigar e manter
os cultivos, até o governo do estado teve de dar a autorização para que pudessem usar a água.
Elian. No, es que nosotros las últimas veces nos robábamos el agua, teníamos que robarla, reventábamos los candados para poder regar para no perder la siembra, entonces a última hora llegó una orden de que soltáramos el agua y la soltamos. J. ¿Que la soltaran quienes? Elian. Nosotros, una orden de la Gobernación que soltáramos esa agua para que no dejáramos perder las siembras que teníamos.
Os principais problemas foram os que tiveram com a Hidrolara, pelo pagamento da
água. Hoje em dia, os agricultores pagam uma quantidade estabelecida pela empresa e
recebem a água, mas, segundo Elian, ela não é suficiente para todos.
A problemática dos semilleristas é muito parecida com a dos usuários da empresa
camponesa. Os produtores de sementes colocavam mangueiras na tubulação que iam desde a
represa Dos Cerritos até a cidade de Barquisimeto. Isso fazia com que a empresa Inos, hoje
Hidrolara, ordenasse a desconexão das mangueiras, voltando os produtores a conectá-las, e
novo, e assim sucessivamente. Finalmente, chegaram a um acordo e estão pagando pelo
serviço.
126
J. ¿De dónde tomaban el agua ustedes, de dónde venía el agua, o de dónde viene, todavía? Eliseo. El agua viene de la represa de El Tocuyo. J. ¿Y por dónde pasa, es una tubería? Eliseo. Sí, una tubería y nosotros tomamos de una distribución que ellos tienen. J. ¿Se conectaban ahí? Eliseo. Exacto. J. Entonces, ¿venían ellos y les tumbaban las mangueras y después volvían de noche y la volvían a poner? Eliseo. Exacto, ajá. J. ¿Ese proceso? Eliseo. Ese proceso, sí.
Eliseo acrescenta que, por enquanto e há pelo menos 3 a 4 anos atrás, não têm ocorrido
mais problemas com o uso e a distribuição da água.
J.¿Han tenido racionamientos últimamente, han tenido algún problema o las cosas son regulares?. Eliseo. No, no, no, ha sido muy normal todo, desde hace como 3 ó 4 años para acá ya no hemos tenido problemas de ninguna clase.
Desde 1987, aproximadamente, segundo os relatos dos atores no Vale, as brigas têm
sido em menor proporção, e as mortes decorrentes dessas brigas são consideradas como coisa
do passado. No caso do riacho Atrigua, por exemplo, o juiz de água realiza percursos
regularmente, para verificar se estão sendo cumpridos as normas e os acordos entre os grupos
situados ‘riacho acima e riacho abaixo’, e entre os produtores de ambos os grupos, numa
tentativa de evitar novos confrontos com resultados fatais.
Segue agora o relato da minha experiência ao acompanhar o juiz de água de Atarigua
em um de seus percursos diários.
Em 28 de janeiro de 2003, às 9 horas da manhã, eu e Isidro começamos nossa descida
pela riacho, saindo da ponte do vilarejo chamado Bojo, na região montanhosa de Sanare (ver
figura 11). Ele começou brincando comigo, afirmando não acreditar que eu conseguisse fazer
o percurso. No início, não entendi porque ele fazia isso, mas, no final da caminhada ficou
muito claro para mim. O juiz estava usando botas de borracha, quase até os joelhos, e eu
sapatos impermeáveis, mas que não me protegeriam da profundeza do riacho, o que
significou que eu, ao terminar o percurso, acabasse ensopado.
O juiz faz o mesmo percurso várias vezes por dia, sendo pago pelos produtores do
Vale por seu trabalho, ainda que irregularmente, para cuidar que outros agricultores não
tirem a água que lhes correspondem pelos turnos estabelecidos. Andando juntos por sobre
127
rochas, fazendo equilíbrio sobre tijolos colocados para desviar a água do riacho, para não
cair por um precipício, e percorrendo alguns atalhos para encurtar o caminho, o juiz estava
à procura de possíveis desvios de água ilegais que produtores da região usam para extrair
água, independentemente de seu turno de coleta.
Uma das técnicas que usam para roubar o turno é colocar tampas de pedras ou sacos
de areia para desviar a água para uns canais de cimento, impedindo seu fluxo natural, por
gravidade. A água é depois levada para umas lagoas e, através do uso de bombas de motor e
tubulações de plástico, até as partes altas das montanhas para irrigar as culturas durante o
maior tempo possível, no período de estiagem.
O trabalho do juiz consiste em não permitir aos produtores de Sanare a colocação de
tampas para desviar o curso da água durante os três dias em que o turno de água
corresponde aos agricultores do Vale de Quíbor. Ele paga para algumas pessoas ajudarem-
no durante o processo de subida e descida ao longo do riacho, várias vezes ao dia.
Logo no início do percurso encontramos o único desvio ilegal que é imediatamente
eliminado pelo juiz, fazendo com que a água continue seu curso natural em direção ao Vale
(ver figura 12). O juiz diz saber quem estava roubando a água, mas não me dá nome, nem eu
pergunto.
Depois de um tempo de caminhada, vemos dois garotos num pequeno plantio,
aparentemente usando água roubada. Isidro informa-lhes que isso não pode ser feito, pois os
turnos de água desse dia eram dos produtores do Vale. Também disse para eles que eu era
um funcionário do Ministério do Ambiente que estava supervisionando com ele a situação da
distribuição da água. Os garotos não prestam muita atenção ao assunto e nós seguimos
nosso caminho.
Continuamos descendo por mais uma hora e meia, tendo de subir uma parede de terra
segurando-nos nas raízes das árvores mais próximas, já que o caminho pelo riacho estava
obstruído por um desabamento e essa era a única forma de continuar o percurso. Andamos
por vários terrenos cercados com arame, pulando e agachando-nos para prosseguirmos na
descida. Não achamos mais desvios ilegais. Como era terça e o turno de Quíbor é de segunda
a quarta, toda a água do riacho é direcionada para os agricultores do Vale. Só entre quinta e
sábado a água é distribuída entre os agricultores da parte alta. Pergunto se há distribuição
no domingo e o juiz me diz que não, que nesse dia não se trabalha, mas que quem quiser pode
pegar água por conta própria.
128
Logo depois, eu muito cansado e sem acreditar que ainda faltava mais um pouco e ele
como se nada estivesse acontecendo, chegamos a um ponto onde ele me diz que o percurso
pelo riacho já tinha acabado e que teríamos de procurar a estrada no cume da montanha.
Começamos então a subida por uma colina muito inclinada que quase me fez desistir de
continuar, até chegarmos num cruzamento. Ali, vimos de longe um homem, que depois soube
se chamava Sergio, trabalhando sua terra para plantar batatas. No mesmo momento que o
juiz estava me dizendo que aquele homem era um dos que colocavam as bombas e roubava
água, o homem olhou para nós e fez um gesto como se apontasse para nós com uma
espingarda. Aí ele disse que ‘tinha a gente na mira’, pronto para disparar caso fôssemos
invasores ou ladrões. Pensei que ainda bem que era só uma simulação feita com uma
ferramenta de trabalho e que aquela era uma brincadeira de mau gosto, pois de longe não
dava para enxergar direito e saber se na verdade aquilo era uma arma. A essa suposta
brincadeira o juiz respondeu dizendo-lhe que acabara de me falar que ele era um dos
maiores ladrões de água de Sanare. O homem respondeu, por sua vez, que nesse ano ele não
tiraria água dos produtores de Quíbor, que podiam ficar tranqüilos porque ele não pensava
em plantar absolutamente nada, sobretudo batata, já que não tinha interesse nenhum em
perder dinheiro ou em ganhar pouco, que o risco era grande e as políticas do governo, os
preços e os custos de produção estavam disparando após o estabelecimento do controle de
câmbio, motivo pelo qual tinha resolvido que era melhor não investir nesse ano, não plantar.
Figura 11. Vista do riacho Atarigua desde a ponte de Bojo
129
Figura 12. Saco de areia para bloquear ou desbloquear o desvio da água
O roubo de água do riacho é uma das problemáticas que mais aparecem nas narrativas
e conversas dos juízes e agricultores do Vale e é a situação que tem causado os maiores
conflitos entre eles e os produtores de Sanare. Por outro lado, parece ser uma das principais
razões para eles pagarem o juiz que controla a distribuição, apoiando-se, é claro, nas normas e
regulamentos estabelecidos.
Os turnos de distribuição são elaborados pelo Ministério do Ambiente e se baseiam na
tradição e nos conhecimentos acumulados pelos produtores sobre a melhor forma de se
organizar a respeito. Ambos os grupos se comprometem a respeitar o que é decidido a cada
ano, durante as épocas de estiagem e verão.
No caso do encontro com os jovens a estratégia utilizada pelo juiz, com a finalidade de
intimidá-los, foi invocar a institucionalidade do Ministério, como entidade coordenadora dos
usos de água no país, isso porque ele não tem autoridade para agir unilateralmente, mas pode,
por meio das relações que tem com a Polícia e a Guarda Nacional, denunciar os casos de
roubo para tentar impedir que continuem. Eu me senti muito incomodado com aquilo, pois
não me pareceu ético ser utilizado nas suas estratégias, porém, fiquei calado e não fiz nenhum
comentário a respeito. Entendi que sendo eu uma pessoa estranha no lugar ele se valeu da
minha presença para sustentar a autoridade que não tinha naquele momento .
130
O episódio com a espingarda pode ser entendido como um sinal da desconfiança que
existe na região e dos cuidados que se tem diante de pessoas estranhas, além de uma ameaça
para quem tenta roubar alguma coisa do produtor. Confesso que minha primeira sensação foi
de medo, pois não sabia quem era aquele homem, já tinha escutado sobre mortos e feridos
nessa região pelo roubo de água e eu era um estranho no lugar. Nas relações do juiz com os
outros agricultores acontece esse tipo de situações, nas quais ele, segundo comentou, na sua
função de juiz, utiliza o diálogo para chegar a acordos que permitam a convivência pacífica
entre todos.
Pareceu-me importante registrar essa conversa, pois ela mostra a realidade do desvio
(roubo) declarado e consciente da água, a cotidianidade do não-respeito aos turnos de
distribuição da água, além de permitir que eu observasse outra situação de interface e de
relações entre os diversos atores (produtores, guardas e juízes), e os posicionamentos para
argumentar e justificar as ações.
Podemos notar, também, as diferenças entre os episódios violentos narrados na
entrevista e o episódio que vivenciei, no qual uma pessoa chama a outra de ladrão de água,
sem produzir, aparentemente, o menor sinal de constrangimento nem reação violenta, pela
suposta ofensa. Chamar alguém de ladrão e que a pessoa se reconheça como tal e reaja com
calma aparente é completamente diferente de ferir ou matar alguém por tirar o turno de água
ou por um mal-entendido na distribuição dos turnos.
Os sentidos negociados podem mudar, e de fato mudam ao longo do tempo, e as
práticas discursivas dos atores do Vale mostram essas modificações, ao se posicionarem uns
com os outros e em suas diversas formas de reagir. Embora existindo leis, ordenanças e
normas escritas e mantidas por tradição, essas pessoas evidenciam, nas suas falas, formas
próprias de se relacionar não estabelecidas nesses documentos, negociando cotidianamente e
se organizando para o manejo da água de irrigação.
O episódio narrado também permite refletir sobre os diferentes tipos de agência
(Long, 2001) dos atores do Vale: as habilidades e capacidades para negociar seus pontos de
vista, os vários jeitos de olhar o mundo e dar sentidos a um cotidiano em que a violência é
uma das alternativas possíveis, mas em que negociações e acordos também são perfeitamente
viáveis como resposta às interfaces complexas. Do mesmo modo, mostra como, a partir da
Psicologia Social, podemos entender alguns dos processos e mecanismos que se estabelecem
131
na co-construção de “mundos de vida”41 ou projetos pessoais, às vezes confluentes entre as
várias pessoas, mas contraditórios em outros casos , em situações como a da gestão de água
de irrigação no semi-árido venezuelano.
Um conflito em negociação
A questão dos conflitos volta a ser o centro de dinâmica da distribuição de água em
uma parte do Vale de Quíbor. Trata-se de uma briga pelos direitos de uso da água dos filtros
da antiga estação de tratamento de água, cidade de Barquisimeto, entre antigos usuários que
deixaram de usar essa água e os que continuaram a fazê-lo a partir de um acordo estabelecido
com o novo dono de uma fazenda por onde ela passa.
A seguir, faço uma descrição detalhada da construção desse conflito atual a partir,
principalmente, das versões dadas por funcionários de duas entidades públicas chamadas a
mediar o conflito: Cotesaguas e SHYQ.
É por meio de correspondência que me foi enviada por dois funcionários do SHYQ,
via correio eletrônico, que fazem interfaces de maneira constante com os agricultores de
Quíbor, que tomei conhecimento da problemática, considerando importante incluí-la, como
conflito atual, na discussão que faço dos conflitos acontecidos no Vale pela distribuição de
água de irrigação. A partir da correspondência faço uma análise das versões desses
funcionários e de como elas são articuladas para explicar o complexo sistema de relações do
Vale.
Em comunicação que estabeleço com Alexander, engenheiro agrônomo funcionário da
empresa SHYQ, residente da cidade de Barquisimeto, tentando esclarecer os detalhes do
conflito, peço a ele sua versão sobre o problema atual da água em Los Ejidos, além de
informação sobre algumas das reuniões que estavam sendo realizadas na sede de Cotesaguas,
com a finalidade de encontrar soluções possíveis para o conflito. Dessas reuniões resulta um
relatório que utilizo para a análise. Nas versões do Alexander e Cotesaguas (ente externo),
não estão presentes, diretamente, as vozes dos agricultores, mas, o estão as vozes de outras
pessoas que fazem interfaces com os agricultores e conhecem, a partir de seu ponto de vista,
parte do problema.
41 Segundo Long (2001), os “Mundos de vida é o termo usado por Schutz, para descrever os mundos “vivenciados” (lived-in) e “tidos como óbvios” (take it for granted) dos atores sociais. Eles envolvem a moldagem da ação prática que passa pelas intencionalidades e pelos valores e são essencialmente definidos pelo ator” (p. 54).
132
Eis aqui parte da informação enviada, na qual Alexander faz uma síntese da
problemática, assim como um relatório técnico e algumas minutas de reunião da Cotesaguas.
As informações encaminhadas a mim incluem uma cronologia muito parecida com um
relatório técnico em que se conta como Alexander vê a problemática de Los Ejidos e sua
história42.
Segundo ele, o principal motivo do conflito foi a venda de um sítio que colida com a
estação de tratamento, pois o novo dono tenta se apropriar de todo o volume da água que flui
pelos canais em direção às várias propriedades de Los Ejidos, entrando emconflito com os
outros usuários tradicionais dessa água.
Entre los años 1995 – 1997 se produce la venta de la finca Los Guayabos. El cambio de dueño de la finca introduce cambios sustanciales en el patrón de distribución del agua del lavado de los filtros. El nuevo propietario de la finca busca apropiarse de la totalidad el volumen que arroja la planta de tratamiento, generando conflicto con el resto de los usuarios.<nota aquí?>
Os 14 usuários, chamados laguneros porque possuem lagoas nas suas propriedades,
têm reações diversas. Alexander conta que apenas 3 desses proprietários se enfrentaram com o
dono do sítio, com pouco apoio do restante. A partir desse confronto, os 3 laguneros chegam
a um acordo e daí em diante o dono cede um pouco da água, mas fica com o controle do resto
por considerar que tem direito a ele.
Frente a esta situación, los 14 laguneros reaccionan de forma diferencial frente al conflicto planteado. Sólo 3 laguneros se enfrentan frontalmente al propietario de la finca Los Guayabos, recibiendo poco apoyo del resto (Arturo y sus hermanos). Esta posición les permitió llegar a un “acuerdo” con el propietario del finca, quién cedió parte del agua disponible, pero el resto del volumen arrojado por los filtros lo controlan totalmente por considerarse con derecho dado el poco respaldo recibido por los restantes usuarios.
Diante dessa nova realidade, os demais laguneros, que não brigaram pela água no
começo e que não estão incluídos no acordo, começam a executar uma série de ações para
modificar a situação e ter acesso a esse recurso. Para isso, eles têm buscado ajuda das diversas
instituições ligadas à problemática da água na região, mas ainda não obtiveram nenhum
resultado.
42 Mantenho o idioma em espanhol da informação da Alexander, por ser uma comunicação especialmente dirigida a mim nesse idioma.
133
Frente al control del agua por 3 usuarios, los restantes laguneros (Nidia lidera este grupo) han desarrollado un conjunto de acciones para buscar modificar la situación actual, y lograr acceso al recurso proveniente de la planta de tratamiento. Para ello han recurrido al MARN, Guardia Nacional, Alcaldía, Junta Parroquial, Cotesaguas, SHYQ.C.A.,Cámara Municipal, sin lograr alcanzar su propósito.
Acredita-se que é necessário fazer uma regulamentação para que se possa administrar
coletivamente a água, com a participação de todos os usuários. Porém, Alexander aponta que
a participação tem sido pouco ativa por parte dos usuários que atualmente controlam a água,
por isso não têm havido avanços muito importantes na definição do regulamento.
La participación en la elaboración del reglamento, por parte de los usuarios que controlan actualmente el agua ha sido poco activa e irregular, dada su posición de no ceder el recurso a los restantes usuarios.
Alexander termina o relatório informando que atualmente existe um projeto de
regulamento que ainda deve ser discutido com os usuários e instituições participantes no
processo, para que seja submetido à consideração da Câmara Municipal da Prefeitura de
Jiménez.
En la actualidad se posee un borrador del reglamento y sólo falta la discusión final con los usuarios y entes participantes, para luego someterla a consideración de la Cámara Municipal.
No relatório técnico da Cotesaguas sobre a situação, faz-se uma apresentação, também
cronológica, do problema em Los Ejidos. A intervenção da Comissão acontece por meio da
solicitação feita por membros de Aproagro,V.Q., associação à que pertencem alguns dos
usuários afetados pela impossibilidade de usar a água dos filtros da velha estação de
tratamento.
No dia 29 de julho do ano 2003, na sede da Comissão Técnica de Solos e Águas do Vale de Quíbor (COTESAGUAS-VQ), foi recebida uma representação da Associação de Produtores Agropecuários do Vale de Quíbor (APROAGRO-VQ), a qual fez entrega de uma comunicação e, ao mesmo tempo, expôs a problemática que vêm confrontando os agricultores da comunidade Los Ejidos, com relação ao manejo da água da Estação de Tratamento “Ciudad de Barquisimeto”, administrada por HIDROLARA (Cotesaguas, 2003:1).
No relatório se menciona um acordo subscrito entre a Comissão e a Associação,
estabelecendo-se um compromisso para que a Comissão visite o setor Los Ejidos, com a
134
finalidade de ter contato direto com os agricultores e escutar deles as reclamações e as
sugestões que queiram formular.
Produto do acordo subscrito em Cotesaguas-VQ, na reunião n.º 12-2003, do dia 29 de julho, visitou-se o setor Los Ejidos com a finalidade de fazer contato direto com os agricultores (Cotesaguas, 2003:1).
O motivo da participação da Comissão no conflito é, segundo o relatório, dar sua
opinião sobre a melhor forma de aproveitar a água e os solos do Vale e orientar os organismos
competentes na administração e no aproveitamento do uso “racional” das águas subterrâneas e
superficiais em Quíbor.
Esta participação tem a ver especificamente com uma das funções desta Comissão no sentido de poder emitir opinião sobre o aproveitamento dos recursos água e solo no Vale de Quíbor, além da consultoria que pode oferecer aos órgãos competentes no que se refere à administração, ao aproveitamento e uso racional das águas subterrâneas e superficiais na área (Cotesaguas, 2003:1).
A história começa, segundo o relatório, em 1989, com a criação de um ‘Comitê de
Água’ no setor de Los Ejidos para ordenar o uso comum da água dos filtros da estação de
tratamento. Nessa ocasião se reafirmam as normas existentes: uso por turnos de 4 filtros de
água por cada proprietário de lagoa pequena; não deve usar o turno o proprietário que não
esteja plantando no momento; cada usuário poderá fazer um pequeno pagamento ao
distribuidor e há o compromisso dos usuários de manter os canais e as comportas em bom
estado. Porém, esses acordos foram respeitados pelos agricultores até dois anos atrás, quando
se aprofundaram os conflitos e a água passou a ser aproveitada por apenas três usuários, os
quais defendem esta situação por terem sido os únicos que brigaram pela água, logo após a
venda do sítio Los Guayabos, e do conflito que se gerou a partir da negativa do novo dono de
dividir a água.
No dia 23 de julho de 1989, cria-se um Comitê da água no setor Los Ejidos, que regulamenta o “uso comum das águas que sobram da lavagem dos“sedimentadores” da Estação de Tratamento de Quíbor”. Nessa oportunidade, reafirmaram-se as regras existentes há alguns anos no manejo da água, as quais se resumem a seguir:
Uso de quatro filtros para cada proprietário de pequenas lagoas, em forma de turnos.
Os usuários no devem usar turnos de água se não possuem cultivos. Cada usuário, por vontade própria, pode fazer um pequeno pagamento ao
distribuidor.
135
Os usuários se comprometem a manter os canais e comportas em bom estado de funcionamento.
Os acordos anteriores foram respeitados pelos agricultores até aproximadamente dois anos, quando se aprofundaram os conflitos devido a alguns sócios não atender às normas estabelecidas na ata do ano 1989, chegando à situação de que só três pessoas utilizam atualmente a água dos filtros, impedindo o uso da mesma aos demais usuários da comunidade. Esse grupo de produtores defende seus direitos sobre o uso da água, alegando que representam as únicas pessoas que participaram da recuperação da água, que anteriormente só estava sendo utilizada na fazenda Los Guayabos (Cotesaguas, 2003:2).
Da análise feita pela Cotesaguas, surgem algumas recomendações para a solução do
problema, entre elas há duas que me parecem mais importantes: 1) a Comissão considera que
se deve formar uma junta com a participação de todos os usuários e que seja feito um
regulamento de uso das águas da estação; 2) há necessidade de que exista um facilitador
externo que oriente e acompanhe o processo organizativo.
1) Deve-se formar uma junta ou organização com participação de todos os usuários reconhecidos na área, para a qual se deve promover a nomeação de uma diretiva ou Junta Administradora que se dedique em primeiro lugar à redação de um Regulamento de Uso da Água da Estação de Tratamento. 2) Para adiantar o processo de organização e regulamentação no uso da água, sugere-se aos usuários de Los Ejidos a incorporação de um facilitador externo a fim de que oriente e acompanhe o processo de organização (Cotesaguas, 2003:7).
Na última informação que me foi enviada, recebi de Alexander uma cópia do projeto
de regulamento. Nesse projeto aparecem muitas das normativas que existem nas leis e
regulamentos de uso hoje em outras fontes de água e as recomendações que a Cotesaguas
formulou no seu relatório. O regulamento é baseado na tradição dessas normativas no Vale. A
sua elaboração foi feita por representantes da Prefeitura do Município Jiménez, dos usuários
em conflito, dos usuários das águas do riacho Atarigua, da empresa Hidrolara e da
Cotesaguas. No projeto é historiado, de forma breve, os usos das águas da estação de
tratamento e se aponta que:
… devido a inconvenientes na distribuição dessas águas na Comunidade de Los
Ejidos, propõe-se formular una lei municipal para o uso da água proveniente dos filtros da Estação de Tratamento Cidade de Barquisimeto (Hidrolara) nesse setor, para isso se toma em consideração a tradição e a experiência existentes no Vale de Quíbor para a organização dos usuários de águas de diversas fontes. Tal tradição está representada no “Regulamento das águas do riacho Atarigua”, “Regulamento para o uso da água dos filtros da Estação de Tratamento – Setor Los Ortices” e “Regulamento para o uso da água do Portal de Saída do Túnel Yacambú-Quíbor” (Cámara Municipal de Jiménez, 2004:6).
136
No projeto mantêm-se as normas gerais dos regulamentos conhecidos e mencionados
acima, entre elas: a conformação de uma junta administradora da água; a eleição de um
distribuidor; a distribuição por turnos na ordem de cima para baixo; a consideração da época
(chuva ou estiagem) para distribuir a quantidade de água; o pagamento do serviço e as
sanções pela falta de cumprimento das normas. Ou seja, quando um conflito acontece no Vale
entre agricultores por uma fonte de água e eles mesmos não conseguem resolver o assunto, os
que se sentem prejudicados pela falta de acesso à fonte se valem de outras pessoas que têm a
ver com a gestão de águas, mas que não são produtores dessa região, recorrendo à Guarda
Nacional, à Prefeitura, ao Ministério do Ambiente, à Cotesaguas e à empresa SHYQ. Isto
porque acreditam que com essa intervenção e alegando o apego às tradições de distribuição,
nessa fonte ou nas outras fontes do Vale, vão ter muito mais chance de resolver a situação
problemática. Neste caso, o projeto de lei municipal é uma esperança para eles, pois, garante,
por escrito e sob a tutela do Estado, o direito sobre a fonte de água que acreditam lhes
pertencer.
Uma outra versão sobre o conflito em questão é a de Guillermo, manifestada por meio
de uma comunicação escrita que me foi enviada por ele43. Guillermo é funcionário do SHYQ
e pequeno produtor de Los Ejidos. Ele foi uma das pessoas da empresa que me
acompanharam durante muitas das visitas que fiz no Vale e apresentou alguns dos agricultores
que logo seriam meus interlocutores. Tivemos muitas conversas sobre o tema da água em
Quíbor, nas quais Guillermo se posicionava de maneira crítica diante da ‘falta de
participação’ e de ‘pensamento coletivo’ na região.
Logo após meu retorno ao Brasil, pedi a ele, em março deste ano, para enviar algumas
das idéias que tinha apontado em nossos encontros. Ele mandou para mim parte de sua versão
sobre a situação da água em Quíbor e sobre os conflitos atuais. Guillermo comenta que, a
partir de uma abordagem sociológica, as brigas pela água são conseqüência do individualismo
e da falta de valores de cooperação, no caso de Los Ejidos, ou do não reconhecimento de um
setor dos usuários pelas conquistas realizadas por outro setor, assim como a pouca
comunicação entre eles e as diferenças familiares, que são parte do problema que existe
atualmente no uso da água. É importante assinalar que tanto em Los Ejidos como em outros
povoados do Vale é muito comum que a maior parte das pessoas moradoras no lugar
pertençam apenas a uma ou duas famílias.
43 Mantenho o idioma em espanhol por ser uma comunicação especialmente dirigida a mim nesse idioma.
137
Guillermo. Las disputas por el agua se pueden estudiar desde el ámbito sociológico, son consecuencias del individualismo, ausencia de criterios y valores de cooperación, al interés de tener más hectáreas cultivadas y por ende mayores ingresos, entre otras razones (quien tiene los medios de producción tiene el poder). En Los Ejidos, por ejemplo, hay un problema de reconocimiento a un sector por haber logrado conquistar en cierto momento el agua para riego, de comunicación entre usuarios en el entendido de que sí sentaran a definir sus intereses pudieran llegar a acuerdos distinguir y definir las múltiples opciones que tienen para distribuirse el agua, y aprovechar parte del agua que se pierde y que nadie aprovecha. Las diferencias familiares también entran en el juego.
Acrescenta que, às vezes, não se respeitam os acordos na administração e distribuição
da água, pois se corrompe aos juízes e aos distribuidores de água.
Guillermo. Por otro lado, en muchos casos, no se valora y respeta los acuerdos en la administración y distribución del agua, puesto que se vulnera a los jueces y repartidores, corrompiendo de esta manera los actos legales de estos entes.
Ele aduz, como uma outra causa da problemática, que os agricultores têm pouca
informação e conhecimentos de tecnologias apropriadas para um melhor desenvolvimento das
suas terras, assim como uma carência de valores associativos que impede que assumam ações
coletivas.
Guillermo. La falta de información y conocimientos por parte de los agricultores en relación al uso de tecnologías apropiadas para desarrollar mejor sus parcelas y la ausencia de valores asociativos y de corresponsabilidad en el accionar en colectividades agrícolas, origina muchos de los problemas que hoy aquejan a los productores, muchos de ellos tienen relación con el agua.
Gostaria de ressaltar que uma das soluções apontadas, tanto nos relatórios de
Alexander e de Cotesaguas como nos comentários de Guillermo, para que os conflitos se
acabem, é a criação de associações, pois, para eles, a falta de participação e de organização
faz parte da causa de tais problemas. Por isso a insistência na criação de associações, juntas
de usuários, associações de irrigadores e de regulamentos escritos e referendados pelos
usuários e o Estado. Wateau (2000), porém, acha que essa maneira de entender os conflitos
pela água é equivocada, porque a organização formal dos usuários e sua participação ativa, a
qual não é definida com clareza nesses relatórios, não são parte das soluções que ela
encontrou no seu estudo.
A bibliografia portuguesa, em meu entender, não dá explicações satisfatórias para a causa dos comportamentos agonísticos criados à volta da água. A conflitualidade é justificada pela complexidade dos sistemas de distribuição da água e a ausência de documentos escritos. Ora, no Minho, a constituição da Associação de Proprietários de
138
Água levou, por vezes, a uma simplificação efetiva dos processos de distribuição e a um registro escrito das principais regras de partilha (...). Mas nem por isso acabou a conflitualidade criada à volta da água (Wateau, 2000:22).
A autora acrescenta que “em Melgaço, as associações de proprietários de água de rega
não exercem nenhuma autoridade e nenhum controle sobre o grupo, não podendo solucionar
os conflitos e resolver tensões melhor do que outra instância” (Wateau, 2000:57). Portanto,
não parece que a só criação de associações seja a solução, ou que com maiores conhecimentos
e participação dos usuários (qual e como?) acabarão os conflitos no Vale de Quíbor. É
evidente que há uma falta de pensamento coletivo em algumas pessoas, mas, o modelo
individualista é quase monoprodutor e a grande escala dos grandes produtores, com seu
suposto sucesso, atenta em contra de pensar que coletivamente os pequenos e médios
produtores terão melhores resultados. Por outro lado, há algumas experiências em que uma
associação criada por interesses momentâneos fracassa num tempo curto, fortalecendo a idéia
de que não é possível trabalhar em conjunto. Talvez seja necessário mostrar aos próprios
agricultores a grande tradição de agir coletivamente, que eles têm tido como tradição, e que
serve de referência para os funcionários, técnicos e estudiosos da problemática da água no
Vale.
Também não parecem suficientes a suposta escassez e a má distribuição da água como
geradoras de conflitos, ou ter-se civilizado como única forma de solução, como vimos, há uma
matriz complexa de elementos que têm de ser considerados para esclarecer melhor quais são
as suas causas e procurar as possíveis soluções. Ainda se faz necessário aprofundar a questão
dos conflitos na tentativa de promover soluções mais abrangentes e duradouras, pois, como
foi visto, os agricultores em Quíbor têm encontrado muitos e variados mecanismos para
resolver os problemas do cotidiano na distribuição da água durante a estiagem.
A represa como solução possível
A idéia de que com a culminação das obras da represa Yacambú-Quíbor e a posterior
construção do sistema de irrigação vão ser solucinados todos, ou em grande parte, os
problemas de escassez de água em Quíbor circula cotidianamente nas conversas do Vale. Em
muitas delas, seja porque eu trouxe o tema para ser discutido seja porque o interlocutor fez
algum comentário sobre isso, a represa Yacambú aparece em qualquer possível solução à
escassez de água na região. Atualmente, a represa está praticamente concluída, faltando
139
apenas o túnel de transvase e o sistema de irrigação, ainda em construção. Como já foi
apontado, a culminação das obras tem um atraso considerável, por variadas razões, e nas
práticas discursivas dos interlocutores e da própria empresa SHYQ aparecem versões diversas
que falam tanto de uma próxima entrada em funcionamento da represa como de que ela nunca
funcionará, ou até mesmo, que estarão mortos quando ela começar a funcionar e as obras
estiverem totalmente concluídas.
São muitas as expectativas geradas em torno do funcionamento da represa. Alguns
pensam que ela possibilitará um aumento na produção agrícola da região, pela quantidade de
água adicional que chegará ao Vale desde as montanhas. Porém, há quem acredite que os que
serão favorecidos são os grandes produtores e que as desigualdades se incrementarão como se
incrementará o número de hectares que eles cultivam hoje. O SHYQ (1998), por sua vez,
aponta que a distribuição de água deverá ser eqüitativa, permitindo que todos se beneficiem e
em conformidade com a sua capacidade como produtor e a quantidade de terra disponível.
Trago a construção da represa à discussão porque, sendo um projeto que tem mais de 30 anos
em construção, ainda é uma esperança para os agricultores, mas não fica claro que influência
terá nas relações de produção e entre as pessoas, e quais benefícios se produzirão quando
estiver funcionando junto com o sistema de irrigação.
A seguir apresento algumas das conversas que tive com vários dos interlocutores do
Vale sobre essa complexa situação.
Como o sistema de irrigação não vai passar pelas terras de todos os agricultores do
Vale, pergunto para Elian se eles, nas empresas camponesas, vão contar com o serviço. Ele
diz que tem dúvidas sobre se será verdade que isso vai acontecer, acrescentando, em meio a
sorrisos, que provavelmente eles morram antes de a represa ser concluída. Comenta que estão
cansados de esperar e que cada dia alguma nova informação aparece sobre os anos que ainda
faltam para que a obra esteja concluída, mas nada acontece.
J. ¿Y a ustedes les va a llegar agua de Yacambú, de la represa? Elian. Bueno, eso está en proyecto, vamos a ver si se da. J. ¿Desde cuándo están esperando a Yacambú? Elian. (Sonríe) Nosotros nos morimos todos y no vemos nada de esa vaina, ello ya estamos muy cansados, que faltan seis (6) años, que no se qué, que faltan siete (7), que faltan cinco (5) y nada.
Pergunto para Isidro, juiz de água, sua opinião sobre a represa. Ele diz que bem que
gostaria que estivesse pronta, pois tem esperança de vê-la funcionando, mencionando que um
engenheiro da empresa construtora declarou, em uma reunião, que para o ano 2006 estaria
140
terminada, mas que alguns dos assistentes duvidaram dessa afirmação e diziam que esse
assunto tinha se tornado uma conversa fiada (puro “bla, bla”, como dizem na Venezuela). Ao
lhe perguntar como será feita a distribuição da água, tive como resposta que ele acredita que
devam colocar um engenheiro agrônomo para fazer esse trabalho, pois sabem que tipo de
cultivo pode ser plantado com essa água.
J. ¿qué opina usted de la represa de Yacambú?
Isidro. Bueno, pa mí debe ser que llegue, chico, pa siquiera uno ve, pues, tú no sabes la reunión que hizo el ingeniero ahorita, el que es, firma, este, un altote él de lente, la hicieron en el Concejo, eso hace como dos meses, el carajo no sé lo que es ahí, y dijo que para el 2006, la represa estaba lista, y le dijeron algunos, “será verdad, porque eso ya tiene treinta y pico de años que pa este año sí”, se ha vuelto puro bla, bla la cosa. J. ¿qué piensa usted cuando llegue esa agua, qué va a pasar, será que es necesario un repartidor? Isidro. Bueno, yo le digo la verdad, tendrán que poner un ingeniero aunque sea que distribuya, porque, un ingeniero que sepa de, por lo menos agrónomo pues, que sepa qué siembra necesita el agua, y esto, es mejor con técnico.
Sergio, produtor de Sanare, diz que a represa é a solução do estado Lara e de outros
estados vizinhos, pois sem essa represa o Vale de Quíbor não pode fazer nada, mas,
acrescenta que a conclusão da obra tem se convertido em um problema sem solução. Ele
compara a problemática da construção da represa com a dos túneis que se constroem na
Europa, como o que há entre a Inglaterra e a França, afirmando que, se esse túnel pôde ser
feito, o da represa também pode, mas acredita que há falta de vontade.
J.¿Qué soluciones le ve usted al problema del agua, usted cree que Yacambú, la represa, vendría a solucionar algo, cómo piensa usted o si hay algún pensamiento colectivo? Sergio. Yo por lo menos pienso que esa viene siendo la solución del estado Lara y parte de otros estados, la represa esa, sin esa represa, esos valles de Quíbor, qué hacen?, están trabajando, como quien dice, esa sería la gran solución, pero como eso se volvió un cangrejo ahí, eso echa más para atrás que para adelante, coño porque eso no es tanta broma señor, ¿si hicieron un túnel de Francia a Alemania (Inglaterra), por debajo del mar, cómo no van a hacerlo por ahí?, eso pasa ahí mismo en esa montaña, ah porque está igual que el gobierno, no hay voluntad, no hay voluntad de ninguna parte, ni de uno ni de otro.
Pergunto para ele, na conversa junto com Isidro, como deveria ser distribuída a água,
mas como ele acha que ela não vai chegar em Sanare, não se importa muito com isso.
Efetivamente, a água da represa não vai passar pela região montanhosa de Sanare porque os
agricultores dessa zona têm outras fontes de água disponíveis.
141
J. ¿Cómo debería distribuirse el agua aquí, como podría ser la distribución? Isidro.¿Cuál? J. ¿El agua de la quebrada, o el agua de la represa cuando venga? Sergio. A mí me parece que el agua de la represa para aquí no va a tocar J.¿Aquí no llega? Sergio. No, aquí no llega, esa llega para abajo.
Fernando, vereador da Prefeitura do Município Florencio Jiménez, posiciona-se de
maneira otimista em relação ao tema da represa. Ele faz parte da Junta Diretiva da empresa
SHYQ, que é a encarregada da construção da represa e do sistema de irrigação. Fernando
confia que a represa será concluída, afirmando que, entre 2004 e 2006, o túnel e o sistema de
irrigação estarão prontos, respectivamente. Acredita que em 2010 as tubulações do sistema
estarão no Vale, tal como a empresa o programou.
Fernando. … soy optimista, yo que también estoy en Yacambú, en el directorio, por la Cámara, pensamos que Yacambú está a la vuelta de la esquina, los criterios técnicos de la empresa señalan que en el año 2006 estarán listos en el Valle, ya listo el túnel, por supuesto, en el 2004 estará listo el túnel, en el 2006, estará listo el sistema de riego y en el 2010, ya estaría en el valle de Quíbor, por vía de tuberías, las aguas en los diferentes sitios que Yacambú estipuló, como centro de población para que llegue el agua a cada zona.
Tento questionar a veracidade de que a represa será um dia concluída. Ele diz ter
confiança nisso, mas que se trata de um projeto muito complexo. Fernando explica as
dificuldades que têm havido na construção do túnel e fala da grande experiência da empresa
estrangeira que está construindo o túnel, argumentando que os problemas têm tido sua origem,
entre outras coisas, nos tipos de rochas diversas e nas filtrações que há no túnel e que geram
complicações técnicas na hora da escavação, contribuindo para o fracasso das diferentes
tecnologias ali utilizadas − entre elas o afundamento de uma toupeira mecânica não apta para
a perfuração desse tipo de rochas. Acrescenta que, segundo os técnicos, o túnel da represa
Yacambú-Quíbor é um dos túneis mais complexos do mundo, no qual até empresas do
exterior têm fracassado.
J. ¿Y sí será que Yacambú llega alguna vez?
Fernando. Bueno yo tengo confianza. J. Tantos años esperando y esperando. Fernando. Lo que pasa es que Yacambú es un proyecto muy complejo, quizás tú conoces que ha sido visitada por gente experta israelíes, japoneses, por supuesto los mismos europeos y alemanes que han estado trabajando con la “Lavalit Internacional” que trabajaron el túnel, tienen una experiencia muy propia de lo que allí se está haciendo, es un túnel muy complejo, quizás uno de los más complejos del mundo, por cuanto ahí se consiguen diferentes rocas, en un metro se consigue un tipo
142
de roca diferente, en un metro siguiente se consigue otro tipo de roca diferente, por decirte algo, lo que llamamos nosotros roca mala o roca buena en un metro, después en el metro siguiente se consigue roca buena o filtraciones de agua, está el caso de por ejemplo, el topo que se quedó enterrado allí y hubo que sacarlo despedazado, porque, y las tecnologías han fracasado, aquí han venido del exterior y han fracasado, lo del topo fracasó, lo de, este, otras tecnologías han fracasado, han fracasado porque la máquina solamente servía para roca buena, la dura, la más dura, y se han ido adaptando al túnel, sistemas que los mismos ingenieros han ido construyendo equipos, adaptándolos a la forma de la roca (…) uno de los túneles más complejos del mundo, según los técnicos que han estado allí.
Fernando comenta que os pequenos produtores que moram nos povoados menores do
Vale acreditam em Yacambú apesar das dificuldades que a obra tem tido, pois, a Junta
Diretiva da empresa SHYQ tem levado os agricultores de Quíbor para observarem os avanços
da obra, percorrendo o túnel, o portal de saída, vendo como avança o túnel, apesar das
dificuldades. Assim, as pessoas de Quíbor acreditam agora no que está sendo feito pela
empresa, como parte da gestão do Estado. Acredita e repete, apoiando-se nos critérios
apontados pelos técnicos, que para o ano 2004 o túnel já estará pronto e que para o ano 2010
ou 2011 os sistemas de irrigação deverão estar em funcionamento.
Fernando. …el productor pequeño que está en las zonas, en los caseríos, cree en Yacambú, a pesar de las dificultades que hay en el país, creen en Yacambú, porque nosotros, en el Sistema Hidráulico Yacambú, en la empresa, hemos llevado a los productores para que vean cómo está la obra, hemos ido, hemos recorrido Sanare, viendo cómo está el túnel, cómo el túnel avanza, hemos ido al portal de salida viendo cómo avanza el túnel, que a pesar de las dificultades avanza, lento pero avanza, y eso ha traído como consecuencia que la gente crea en lo que estamos haciendo como empresa del Estado. Hay criterios técnicos bueno que, los técnicos te hablan de que en el 2004 estaría listo el túnel, como decía al principio y para el 2006 estaría listo el sistema de riego, así que en el 2010, 2011 estaría lista el agua para el valle de Quíbor con todos los sistemas de riego en referencia para tal fin.
Pergunto a José, como funcionário da empresa SHYQ responsável pela construção das
obras, sobre a possibilidade de que a água da represa não seja suficiente para satisfazer as
necessidades atuais dos usuários da cidade de Barquisimeto e do Vale de Quíbor. Ele
confirma que a água não será suficiente para abastecer as cidades e o sistema de irrigação e de
que as pessoas terão que continuar administrando a água com critérios de escassez. Comenta
que só 19.300 hectares dos 43 mil totais que existem para aproveitamento agrícola no Vale
terão acesso ao sistema de irrigação, que, aliás, segundo ele são as melhores terras, o restante
continuará sendo irrigado com as fontes atuais e com critérios de escassez.
143
J. ¿Y tú crees que el agua de Yacambú va a alcanzar, va a ser suficiente o, bueno, habrá gente que no le llegará agua o habrá gente que tendrá que conformarse, como dices tú, con un cupo y punto? José. Uhum. J. ¿Será suficiente el agua? José. No, en el caso del Valle de Quíbor, en agua seguirá siendo un recurso escaso, nosotros, para efectos de planificación no hemos considerado todo el área de aprovechamiento, todas las 43 mil hectáreas juntas del área de aprovechamiento agrícola, sino solamente la parte que tiene las mejores tierras, que es toda el área que llega hasta la autopista, hasta la carretera que va para Carora, entonces, en términos de áreas físicas son 19.300 hectáreas más o menos, todo el resto del área quedará regando con lo que tiene actualmente, o sea, que eso demuestra que hay un elemento de escasez y dentro de estas 19mil, 12mil metros² por hectárea no es suficiente para regar el 100% del área, entonces, tienen que continuar manejando ese criterio de escasez de agua.
Confirmando o que a empresa SHYQ aponta para o Sistema de Irrigação a ser
implementado no Vale, José fala da proposta da empresa de entregar água por setores, para
que seja administrada por juntas de usuários, mas, estudando as características de cada usuário
e da sua propriedade. Ou seja, dependendo da quantidade de hectares, o agricultor receberá
determinada quantidade de água estabelecida pelo SHYQ.
J. ¿Y es por eso que el Sistema está planteando una forma de organización de la administración del agua?, o sea, yo oí que estabas diciendo que el Sistema tiene una propuesta de usuarios del agua. José. Sí, el Sistema tiene la propuesta de que a nivel de cada sector de riego se organicen juntas de usuarios y que el Sistema le entregue el agua a nivel de ese sector para que ellos administren el agua del sector, a través de la junta de usuarios, por eso es que ahí, eso tiene que ver con lo que habíamos hablado anteriormente de que de repente, se entregará agua a alguna parcela de 1 hectárea y de repente a alguna parcela de 50 hectáreas, si 50 es el tope, digamos.
Pergunto a Amanda, funcionária do Ministério do Ambiente, sobre a represa e seu
impacto no Vale,. Ela comenta que não tem nenhuma opinião formada a respeito, embora
tenha acompanhado a construção desde o início, pois, o Ministério é o responsável pelo
projeto. Acrescenta que tem a maior disposição e esperança de que o projeto esteja pronto em
um curto tempo, mas confessa achar que as coisas não vão ter esse final tão rapidamente.
J. ¿Cómo ves tú lo de la represa Yacambú, metida en este medio, en esta situación? Amanda. (Sonríe) Te digo que sinceramente no tengo ninguna opinión con respecto a la represa, porque yo he estado desde el principio en eso, nosotros como Ministerio del Ambiente, que somos los responsables del proyecto pues, con la mayor disposición y con la mayor esperanza de que eso se dé en el corto tiempo, pero bueno, aparentemente las cosas como que no se van a dar.
144
Ao perguntar sobre a quantidade de água que se espera que seja distribuída pelo
sistema e o requerido pelo Vale e a população em geral, ela acha, respondendo em linguagem
técnica, que os mais de 10 metros cúbicos que regularia a represa estão muito comprometidos,
do ponto de vista urbano, pois me lembra que a represa Yacambú vai complementar o sistema
já existente na cidade de Barquisimeto. Disse ainda que a previsão de consumo humano
parece que será ultrapassada. No que diz respeito à irrigação, ela comenta que há muitas
limitações e que, segundo a lei, serão entregues concessões para a utilização privada da água,
e que as pessoas terão de pagar de alguma maneira pelo uso da água, com dinheiro ou com
terras.
J. ¿Y sí va a solucionar en parte los problemas, sí crees que esa es una oferta suficiente de agua o ya va a ser escasa también? Amanda. Aparentemente, los 10 y tantos metros cúbicos que regularía la presa, aparentemente como que está muy comprometido, desde el punto de vista urbano hay una población que ha estado creciendo, recuerda que Yacambú va a ser para complementar el sistema que actualmente existe para Barquisimeto, lo que es el Sistema Barquisimeto, que es Barquisimeto, Quíbor, Bobare, Cabudare, aparentemente, parece que va a ser, las previsiones con lo que se planificó parece que han sido rebasadas y lo que se planificó, parece que va a ver que ampliar ese porcentaje de agua que va para Barquisimeto-humano, ahora, desde el punto de vista de riego, hay unas limitaciones que es lo que tú decías, lo de la propiedad de la tierra, o sea que va a ser un agua, básicamente para privado, pero bueno hay un mecanismo del Estado para poder regular a través de las concesiones, bueno, te cobro por el agua o te doy agua pero me das tierras, hay maneras de hacerlo.
Parece, então, que a escassez de água continuará no Vale de Quíbor apesar da
conclusão da represa e do funcionamento do sistema de irrigação. Porém, as práticas
discursivas mostram como para alguns é uma esperança certa de melhoramento das condições
de trabalho para os produtores e de como eles esperam com grandes expectativas que
terminem as obras do projeto Yacambú-Quíbor. Para outros, não há muita esperança de
estarem vivos quando isso acontecer, se chegar a acontecer, eles continuam usando os
recursos disponíveis para seguir sobrevivendo nas condições atuais. O que parece importante
é saber que a represa e o sistema de irrigação virão a transformar as formas de gestão e
estabelecer novas formas de manejo da água, nas quais se espera uma participação importante
dos agricultores e das demais pessoas envolvidas nesses projetos, para depois poder pensar
em ter o sucesso esperado, sobretudo, pelos funcionários da empresa SHYQ, do Ministério do
Ambiente e pelo vereador, os mais otimistas.
146
Construindo um conceito
São vários os sentidos que podem ser encontrados na literatura atribuídos à noção de
bem comum; de um lado, a idéia ética e filosófica de que o bem comum tem a ver com a
procura do bem-estar das pessoas, e, de outro, as religiões, definindo o bem comum como um
caminho a seguir, como um imperativo para a melhor convivência dos seres humanos.
Por outro lado, na área do direito, por exemplo, fala-se dos bens comuns matrimoniais
e de todas as implicações que isso traz para a boa convivência do casal, assim como os
problemas a serem resolvidos ao término do relacionamento, quando é preciso dividir aqueles
bens adquiridos durante o casamento.
A primeira discussão acadêmica que se conhece sobre os bens comuns data de 1739,
com a publicação do livro de David Hume, Treatise of Human Nature, no qual se discutem,
também, as noções de propriedade, na sua relação entre público e privado. Adam Smith, cerca
de trinta anos depois, retoma a temática em seu Inquiry into the Nature and Causes of the
Wealth of Nations, o que mostra a antiguidade dessa discussão e a variedade de assuntos
referidos aos ‘bens públicos’ (Kaul et al., 1999). Um período razoável de tempo transcorreu
desde que Hume escreveu seu tratado, mas a discussão sobre esta temática continua atual.
Apresentamos aqui a discussão acerca da noção de bem comum e posteriormente, a água
como bem comum, com especial atenção na água para irrigação.
Há uma grande quantidade de termos que relacionam a água com seu aproveitamento
como um bem, entre eles: bem comum, bem público, bem coletivo, e outros que se agregam à
noção de patrimônio da humanidade. Kaul (1999) e colaboradores mencionam a ampla
literatura e a diversidade de termos utilizados para denominar o que se conhece como bem
público, o que mostra a polissemia e a complexidade de se trabalhar com esse termo, ou com
outros similares.
A diferença que se apresenta entre o bem comum e o bem público é que enquanto o
bem comum é administrado pela comunidade, como auto-gestão, o bem público é
administrado pelo Estado. Temos que distinguir, então, entre algumas das definições dadas
sobre o bem comum e a definição de bem público. Olvera (2004), por exemplo, aponta que o
Estado também persegue um bem comum, que beneficie a todos e que por ser o Estado o
representante de uma sociedade mais ampla, existe uma distinção entre o bem comum
particular e o bem comum público, segundo os interesses particulares ou públicos. Assim,
podemos concluir que o bem comum, perseguido pelo Estado, é o bem público.
147
Segundo Argandoña (1999), “o conceito de bem comum não tem lugar próprio na
ciência econômica, pelo menos tal e como esta se tem desenvolvido até agora” (p.1), mas
aponta que a economia não pode prescindir desse conceito e que deve considerar o termo para
se tornar em uma ciência mais completa e abrangente. O conceito que apresenta coloca na
decisão das sociedades a definição do que será para cada uma delas o bem comum. O autor
argumenta também que “cada sociedade humana tem seus próprios bens comuns, que serão
distintos para uma família, uma empresa, um clube esportivo, a comunidade local, uma nação
ou o conjunto da sociedade humana” (Argandoña, 1999:3).
Baseando-se nas leis espanholas, González (2002) define os bens comunais como
“aqueles bens de domínio público nos quais seu aproveitamento corresponde ao comum dos
vizinhos” (p.1), apontando a propriedade do estado sobre os bens, mas, considerando a
administração coletiva. A autora acrescenta que se tem que tomar em conta que a origem e
natureza desses bens comunais dependerá do uso, destino e qualificação dado pelas pessoas,
para diferenciá-los dos bens particulares e baldios (González, 2002).
Para Peña (2001), as raízes da noção bem comum são gregas, porém, considera que a
idéia sobre bem comum que mais influencia na filosofia medieval e post medieval é a romana.
A idéia jurídico-romana do bem comum se expressa, por exemplo, na noção de bens do povo
romano. O povo se perfila, assim como a pessoa cujo bem é superior ao bem dos indivíduos
que o conformam. Ou seja, se reconhece a propriedade coletiva acima da propriedade
individual. Na ordem da justiça romana, o critério que guia é o bem comum, mas, em caso de
conflito o bem do indivíduo se subordina ao bem da sociedade. Com relação à autoridade que
deve assegurar a busca desse bem comum, o poder reside na própria comunidade, em ipsa res
publica, mas, uma vez delegado aos governantes, só pode ser revogado em caso de uma
tirania intolerável.
Para a Igreja Católica, por sua vez, na voz do Papa João XXIII,
O bem comum consiste e procura se concretizar no conjunto daquelas condições sociais que favorecem o desenvolvimento integral dos seres humanos, da sua própria pessoa (...) Alcança a o homem todo, tanto as suas necessidades corporais como as do espírito (Pacem in terris, 58) (Malavasi, 1999).
Segundo Malavasi (1999), Leão XIII dirá sobre o bem comum que: “(...) este bem é,
depois de Deus, a primeira e a última lei na sociedade” (Au milieu dês sollicitudes, 23:718).
Trata-se de um apontamento espiritual do que é o bem comum.
148
Do conceito de bem comum, entendido como o direito que todos têm de utilizar um
bem sem causar prejuízo aos outros, deriva-se a proposta interpretativa de Hardin (1968),
conhecida como a Tragédia dos Bens Comuns. Nela se afirma que o crescimento populacional
traz o fim dos recursos comuns, pela ineficiente administração coletiva. O autor parte da idéia
de que não há solução técnica para esse problema, e que a saída é privatizar, e exercer coerção
externa, para controlar o uso dos bens e ter um crescimento populacional igual a zero. Hardin
(1968) argumenta que, se o espaço comum (bens comuns) se justifica como meio de vida,
somente o faz sob condições de baixa densidade populacional.
Ostrom (1990), por sua vez, a partir da perspectiva da Nova Economia Institucional,
utiliza o conceito Recursos de Uso Comum (RUC) (common-pool resources) para se referir a
um sistema natural, ou feito pelo homem, suficientemente abrangente, para que não se torne
onerosa a exclusão de beneficiários potenciais (mas não impossível), e que possam se
beneficiar deles.
A Nova Economia Institucional critica alguns trabalhos acadêmicos que aderem à
noção da Tragédia dos Bens Comuns, como o de Hardin (1968), que propõe duas alternativas
de gestão: 1) que o Estado controle os recursos naturais para prevenir sua destruição; e 2) a
privatização da administração desses recursos. A crítica se baseia em que com o decorrer do
tempo, nem o Estado nem o mercado têm governado os recursos com um razoável nível de
sucesso.
Ostrom (1990) também se contrapõe aos três modelos44 que têm guiado as políticas
públicas na área, e que fundamentam, as soluções de Estado (centralizadoras) e de mercado
(privatizadoras) sobre o problema da administração de bens comuns. Ela sustenta que o que
torna tão perigosos esses modelos – quando utilizados metaforicamente para fundamentar
políticas públicas – é que as suas limitações são assumidas sem críticas, como atos de fé,
acreditando-se na intervenção de atores externos que impõe soluções aos atores internos.
Estudiosos de casos empíricos, nos quais se evidenciam os dilemas dos bens comuns, clamam
pela imposição de uma solução que implique a ingerência de um ator externo.
Quando se trata do aproveitamento de um bem comum, a situação fica ainda mais
complicada, ao se acrescentar o conceito de propriedade (Ostrom e McKean, 2003), pois esse
aproveitamento passa, então, pelas discussões sobre quem tem direito ao desfrute do bem. Por
44 Os três modelos são: a Tragédia dos Bens Comuns, o Jogo do Dilema do Prisioneiro e a Lógica da Ação
Coletiva.
149
isso, se considerarmos que determinado bem é comum, através de uma análise dos usos do
recurso poderemos ver o quanto esse tem de comum, quanto de público e quanto de privado.
Depois de ver como é discutido o termo bem comum, que considera desde os
problemas conjugais, o que é público ou privado, a propriedade individual ou coletiva dos
bens, a busca pelo estado do benefício de todos, a busca da riqueza espiritual; a noção que me
interessa discutir tem a ver com a gestão da água de irrigação como um bem comum. Sendo a
água um dos bens comuns fundamentais, a discussão sobre de que trata esta noção a partir da
Psicologia Social abre um novo caminho que pode contribuir para a compreensão dos
problemas de gestão, não só no Vale de Quíbor como em qualquer lugar.
A discussão mundial sobre os bens comuns está dando visibilidade às formas
tradicionais de gestão coletiva desses bens, que, contrariamente ao que muitos acreditam, têm
sido bem-sucedidas e podem ser consideradas como sustentáveis, noção com a qual todos os
que discutem essa temática concordam. Essas formas de gestão se apresentam como
alternativas viáveis e possíveis de substituição do papel do Estado, como de fato
historicamente têm feito, em termos de sua responsabilidade com a administração de bens
públicos, os quais passam a ser reconhecidos como bens comuns, de propriedade coletiva.
Finalmente, o termo bem comum utilizado neste trabalho refere-se à propriedade
coletiva de bens, naturais ou criados pela humanidade, como, por exemplo, o ar, os oceanos,
os lugares de pescaria, os rios, os sistemas de irrigação, os bosques, as represas, as usinas
elétricas, etc., que não têm um proprietário particular e sim uma comunidade que dispõe
desses bens para seu proveito. A água de irrigação pertence a esses bens, vejamos então como
é discutida a água na literatura especializada.
Finalmente, o termo bem comum utilizado neste trabalho refere-se à propriedade
coletiva de bens, naturais ou criados pela humanidade, como por exemplo, o ar, os oceanos,
os lugares de pescaria, os rios, os sistemas de irrigação, os bosques, as represas, as usinas
elétricas, etc., que não têm um proprietário particular e sim uma comunidade que dispõe
desses bens para seu proveito. A água de irrigação pertence a esses bens, vejamos então,
como é discutida a água na literatura especializada.
A água como bem comum
Um elemento importante a se observar é o fato de que há grande discussão entre
autores que analisam a água como um direito, como uma necessidade, e os que pensam que
150
são ambas. A escolha de algumas dessas posturas irá direcionar os posicionamentos perante a
questão da água.
Na literatura sobre o tema, existem autores que reconhecem a água como patrimônio
comum da humanidade e, portanto, o direito à água seria um direito humano universal
(Paquerot, 2003; Gleick, 1999; Deléage, 2003; Maris, 2003; Petrella, 2001, 2003; Barlow e
Clarke, 2003).
Maris (2003), por exemplo, diz que “a criação de uma Organização Mundial da Água,
órgão ligado às Nações Unidas, gerando um patrimônio da humanidade, deveria colocar o
princípio da gestão além das nações e além de todo princípio de propriedade privada” (p. 25).
Enquanto Deléage (2003) menciona “o acesso à água como direito fundamental de todo ser
humano” (p. 7).
De Villiers (2002), por sua vez, considera a água um bem econômico, fazendo parte
das necessidades humanas, e, portanto, sujeita a negociações como qualquer mercadoria.
A água tem um valor econômico em todas as suas diferentes formas de distribuição – que competem entre si –, e uma fixação de preço só fará com que se alcancem padrões mais sustentáveis de seu uso e gerará os novos recursos necessários para a expansão dos serviços (De Villiers, 2002:417).
Barlow e Clarke (2003) apontam, que sendo a água essencial para a vida, “o acesso
universal à água é um direito humano básico, e esse direito deve ser o princípio fundamental
de uma nova ética de água” (p. 261), criticam, aliás, que ainda neste século algumas pessoas,
as quais eles chamam de elites, não reconheçam o direito universal à água.
Em pleno século XXI, algo tão fundamental quanto a água ainda não é reconhecido como um direito universal pelas elites econômicas e políticas dominantes. Sendo designada como uma necessidade, a água foi submetida às forças de demanda e suprimento do mercado global, onde a distribuição de recursos é determinada com base na capacidade de pagamento (p. 97).
Porém, há outros autores que destacam a dupla condição da água como bem público e
bem de produção (Bartolomé, 1998; Saldanha, 2003; Selborne, 2002; Morelli, 2003).
Selborne (2002) ressalta que:
Alguns reclamam que promover a noção de água como um bem comercializável distrai a percepção do público da realidade da água como bem comum, e do sentido de responsabilidade e dever compartilhados. Em outras palavras, há implicações éticas profundas na percepção de que somos, com relação à água, cidadãos e não simples consumidores. Ver a água como um bem comum põe o foco nessa sua característica,
151
enquanto que a questão de propriedade pública ou privada acentua a posição de “consumidor” (p. 59).
Bartolomé (1998) discute as contradições presentes na legislação espanhola sobre a
água como bem ou como recurso:
A conclusão seria que a água atua economicamente com uma dupla função: a principal, ser um ‘bem fundo’, na terminologia de Naredo (1987), ou um ‘ativo ecossocial’, no conceito de Aguilera (s.d), determinante e configurador do ecossistema, um autêntico bem público econômico que satisfaz direitos e necessidades de uso e serviço público. A segunda, ser um recurso natural disponível para as diversas funções produtivas, na obtenção de bens e serviços (p. 1).
No caso do Brasil, como exemplo do que acontece em alguns dos países da América
Latina, segundo Leme (2002), “o domínio público da água, afirmado na Lei 9.433/1977, não
transforma o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água, mas o torna o gestor
desse bem, no interesse de todos” (p. 25).
O autor acrescenta que, “salientemos as conseqüências da conceituação da água como
‘bem de uso comum do povo': o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa,
física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial” (p.25), em
concordância com o que foi dito anteriormente sobre: o direito de todos ao uso da água para
suprir suas necessidades.
Ainda no âmbito do direito, e também no Brasil, Freitas (2002), acrescenta,
A água (...) passou a ser um bem de domínio público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, nos termos do art. 1.°, incs. I e II da lei 9.433, de 08.01.1997. Isso significa que o usuário deve pagar para utilizá-la. Atualmente, o que se paga é a prestação dos serviços de captação de água e seu tratamento (...) portanto não há no Brasil águas particulares (p.21).
Num trabalho sobre o reconhecimento ou não, por parte das Nações Unidas, e de
outros organismos internacionais, do direito à água, realizado por Gleick (1999), o autor
mostra como o tema do direito à água não aparece explícito na discussão dos direitos
humanos até a Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre a Água de 1977, em Mar del
Plata. Porém, até hoje, esse direito vem sendo contestado, devido à quantidade de interesses
envolvidos nessa suposição. Gleick conclui que o reconhecimento desse direito, pelos Estados
membros da ONU, só se refere à água como uma necessidade básica, ou seja, que os Estados
devem suprir às pessoas com o mínimo necessário do recurso, para que se possa garantir sua
152
subsistência como seres humanos. Ele diz, “o acesso às necessidades básicas de água deve ser
considerado um direito humano fundamental” (Gleick, 1999:11).
Paquerot (2003) aponta para as dificuldades que os Estados vão enfrentar no
cumprimento desse dever, pois, a cada dia é mais comum a privatização dos serviços públicos
de abastecimento e tratamento de água, o que afasta os Estados da possibilidade de
administrar o acesso e a preservação de tal recurso. A autora também questiona a
possibilidade de que os princípios da água, como patrimônio comum da humanidade e como
direito fundamental, sejam inseridos num debate ideológico, prejudicando, assim, o desfrute
do recurso pela população. Paquerot defende que, ... toda política sobre a água deve apoiar-se
no reconhecimento deste recurso como parte do patrimônio comum da humanidade e sobre o
reconhecimento do direito fundamental do acesso à água potável (p. 3).
Voltando ao termo bem comum, na perspectiva de Marticorena (2003), pode ser
definido como qualquer recurso compartilhado por um grupo de pessoas, ou seja, aqueles
bens que “pertencem a todos, ou, quando menos, a uma ampla comunidade de pessoas” (p. 1).
O mesmo autor considera a água como bem comum quando escassa. Isso faz com que a
característica principal do conceito tenha a ver com o uso que fazem as pessoas do recurso em
questão. Assim, a terra, as águas, o ar, o solo, as florestas, os peixes de mares e rios, entre
outros, podem ser reconhecidos como bens comuns. O bem comum é reconhecido também
como um antigo princípio cultural e econômico para as pessoas se organizarem.
Bartolomé (1998), por sua vez, define os bens públicos como “aqueles bens ou
serviços de consumo coletivo, para os quais, em princípio, o consumo por parte de uma única
pessoa não indica a disponibilidade do mesmo para outros membros da sociedade” (p. 2), o
que o faz considerar a água de domínio público-jurídico quando as pessoas ou usuários a
utilizam para o sustento, ou lazer, ou seja, um direito. Quando as pessoas ou demandantes
usam a água para produzir ou tirar algum proveito econômico, ela passa a ser um bem
público-econômico, ou seja, uma mercadoria. Segundo o autor, isso gera muita confusão nas
leis e políticas públicas e nas propostas de gestão da água.
No caso do uso da água para irrigação no Vale de Quíbor, esse bem pode estar ligado,
entre outras coisas, à propriedade da terra, aos direitos adquiridos pela tradição, às formas de
organização ou aos conflitos e acordos entre as pessoas envolvidas no uso da água.
153
Os sentidos sobre a água
Mostro a seguir a análise sobre os sentidos atribuídos à água no Vale de Quíbor,
tentando me aproximar de uma compreensão das noções de matriz e de interface numa
situação específica. Para isso, construí, utilizando as práticas discursivas das pessoas e os
discursos contidos em documentos de domínio público, um quadro chamado de SENTIDOS
ATRIBUÍDOS À ÁGUA EM QUÍBOR (ver apêndice 2), a partir de dois eixos: sentidos
sobre a água e atores que expressam ditos sentidos. Assim, o quadro busca mostrar alguns dos
sentidos sobre a água que circulam nos discursos dos vários atores, e os seus graus de
relacionamento. Para isso foram utilizados documentos de domínio público, como os do
Simpósio Internacional de Gestão de Água e Ambiente45, realizado entre os dias 11 e 13 de
dezembro de 2002, em Barquisimeto; alguns documentos das empresas ou organismos ligados
à água na região (Marn, Hidrolara e SHYQ); os textos de algumas leis que regulamentam o
uso da água no país e em Quíbor; e também entrevistas que realizamos com pessoas
diretamente envolvidas na questão do uso, da distribuição e da regulamentação da água no
Vale.
No quadro referido, procuramos dar visibilidade aos sentidos atribuídos à água pelos
atores. Nas colunas explicitamos os atores através das respectivas siglas adotadas pelo autor:
Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais (MA), Hidrolara, empresa regional de
administração das águas (HI), Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, empresa construtora da
represa (SH), um vereador da Prefeitura do Município Florencio Jiménez (FR), o juiz de água
do riacho Atarigua (IS), o distribuidor da água dos filtros (AM), o distribuidor da água do
túnel (DI), um representante dos agricultores usuários do riacho Atarigua (AR), um agricultor,
fundador da Aproquíbor (TE), um agricultor membro das empresas camponesas (EL), um
produtor de sementes, presidente de Aciprosemcla (ES), um agricultor de Sanare (SI), uma
funcionária do Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais (AE), um funcionário da
empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor (JE), alguns depoimentos de participantes do
simpósio sobre água e meio ambiente (SM), as conversas com dois Guardas Nacionais (GU),
a Polícia do Município, como referida pelos atores (PO) e as Leis sobre a água da Venezuela
(Constituição, Lei Forestal de Solos e Águas) (LE).
45 O Simpósio foi patrocinado pelo governo do estado Lara, Hidrolara e a Universidad Centro Occidental “Lisandro Alvarado” (UCLA).
154
Nas linhas, explicitamos e numeramos 65 sentidos expressos pelos diversos atores e
que foram agrupados em quatro temas: das definições da água, da gestão da água, dos
direitos e regulamentações sobre a água, e dos conflitos pela água. No quadro, as
interseções entre os sentidos e os atores são identificadas com números. O número 1, em
negrito, indica que esse sentido corresponde ao discurso desse(s) interlocutor (es), e o número
1, sem negrito, indica que esse sentido é “muito central” em seu discurso. O número 2 indica
que o sentido está “presente usualmente”, e o número 3 indica que está “eventualmente
presente”. O espaço em branco indica que não existe ligação entre esse sentido e o discurso
desse ator.
Dessa maneira, buscamos ter uma idéia dos sentidos atribuídos à água a partir dos usos
que são feitos pelos atores de determinados termos, formas discursivas, conceitos, etc. As
formas de uso/importância foram analisadas como uma primeira aproximação aos discursos
dos atores no Vale, buscando ter um panorama o mais amplo possível de quem e como se
discutia a questão da água no Vale e das ênfases dadas às variadas dimensões envolvidas
nessa questão.
Em primeiro lugar, pode-se observar uma ampla variedade de sentidos presentes no
discurso de técnicos e funcionários. Alguns deles se entrecruzam com sentidos atribuídos
pelos agricultores e os mediadores (chamo assim, para efeitos da análise, ao juiz e aos
distribuidores, por cumprirem funções similares). Trata-se dos sentidos atribuídos à água
como algo vital46, de propriedade coletiva, tendo o consenso de todos os interlocutores, e que
é estabelecido como um dos princípios da Lei de Solos e Águas na Venezuela. A água é de
todos os usuários, daqueles que têm direitos tradicionais, daqueles que têm culturas e
precisam dela.
O fato de que a água seja um recurso limitado também faz com que as pessoas
concordem em considerá-la como possível causa de conflitos. A resolução dos conflitos é
referida como uma responsabilidade da Guarda Nacional e da Polícia, como instâncias de
vigilância da lei e de punição pela sua violação.
A conservação das bacias é também um sentido compartilhado pelas instituições
políticas e técnicas do Vale, sendo incluída nas leis e regulamentações e muito referida no
simpósio realizado em Barquisimeto. Chama atenção que a conservação das bacias se
encontram de maneira relevante nos discursos globais sobre a água que há cerca de 15 anos
estão circulando no mundo, sobretudo desde a conferência Eco/92, no Rio de Janeiro, e nos
46 Os trechos em itálico foram traduzidos por mim para efeitos metodológicos.
155
eventos posteriores, o que mostra que em nível mundial o discurso é difundido rapidamente
para as regiões e países.
Um sentido importante que merece ser discutido é de que a água deve ser paga −
embora, para os agricultores, o pagamento esteja se referindo, principalmente, ao serviço
prestado pelo juiz. Por exemplo: quem cobra a água é o juiz ou quem não paga a água não
tem direito. Os agricultores e o juiz, geralmente, chegam a acordos sobre qual a quantidade a
pagar pelo trabalho que o juiz e os seus ajudantes fazem no terreno: percorrendo os canais,
abrindo e fechando comportas, eliminando desvios de água, fazendo respeitar os turnos e as
normativas, etc. Na discussão, em nível nacional e internacional, a questão do pagamento pela
água é consensual, sobretudo para aqueles que a consideram como um valor econômico, e o
tema em debate é o valor a ser pago e os critérios para estabelecer os custos. No discurso dos
funcionários aparece o sentido de que: o Estado deve cobrar pelo uso da água. Ainda há
alguns que consideram que a água não deve ser paga, pois ela é um direito humano universal.
No que diz respeito à distribuição da água (gestão), os agricultores que a usam para
irrigar não estão organizados da maneira proposta pelos técnicos em documentos produzidos
pelo SHYQ. As formas organizativas existentes se baseiam na tradição, nos usos e nos
costumes, para além de modelos preestabelecidos pelo governo, mostrando agência na
distribuição da água: Os turnos são feitos pelo distribuidor em concordância com as
necessidades dos agricultores ou te dou um pouco para ti, e outro pouco para ti e amanhã
lhes dou de novo, porque se está seco tenho que remediar a todos. Os funcionários e técnicos
recomendam que exista uma gestão integral para a sustentabilidade com uma ativa
participação dos usuários ou. mais especificamente, a entrega da água exigirá a prévia
conformação de organização de irrigadores. É neste setor da tabela em que se visualiza uma
maior disparidade de sentidos e onde encontramos claras diferenças entre os sentidos
atribuídos pelos técnicos e funcionários, com relação aos atribuídos pelos juízes e
agricultores. Enquanto os primeiros têm consenso ao falar de gestão integral,
desenvolvimento sustentável, proteção das fontes, conservação e capacitação, como
prioridades para a gestão das águas, os segundos falam dos turnos de águas e das suas
experiências no manejo cotidiano da água de irrigação, ignorando, como mostram os espaços
em branco na tabela, as questões que são fundamentais para técnicos e funcionários. Essas
disparidades podem estabelecer limitações para as interfaces possíveis entre eles, pois os
discursos são produzidos sobre argumentos e repertórios não compartilhados.
156
No que diz respeito ao direito sobre as águas, os agricultores consideram que a água
deve ser para todos, e também deve ser distribuída de forma justa. Para isso, os juízes
argumentam sobre a idéia de justiça, como, por exemplo, dar-lhes a água mesmo que não me
paguem, todo mundo tem que ter água, o juiz não pode se vender por dinheiro, parentesco ou
amizade. Isso nos remete ao conceito da água como um bem comum, que, ainda sem
aparecer com esse nome, passa a idéia de que todos podem usar a água disponível sem
prejuízo de ninguém. Por outro lado, a distribuição justa refere-se à ética que os juízes devem
ter para distribuir eqüitativamente a água, sem favorecer mais alguns que outros, ainda que
seja um parente.
O uso da lei municipal serve também para justificar as ações para fazer cumprir os
acordos e regulamentos: isso está escrito, estamos apoiados, ou fazer menção às autoridades:
se tiver problemas chamo a Guarda; sempre tem alguém que quer ser mais esperto, mas a
Polícia se encarrega disso; temos uma ordem do Ministério, e assim por diante. Essas idéias
são compartilhadas pelos organismos e pelas autoridades, já que são produto e produtoras de
muitas interfaces entre agricultores e instituições.
Existem algumas versões construídas com relação à distribuição de água para irrigação
que falam de uma lógica dos juízes, mas que devem ser tanto produto da experiência como
das decisões tomadas em casos específicos. Fala-se de ter que levar água para os cultivos que
mais precisam, de adaptar às pessoas à abundância do líquido, de tentar consertar com
diálogo o que antes se resolvia com brigas, e até com mortes, de remediar a todos lhes dando
água racionalmente, tomando em consideração o tipo de cultura, seu estado e a extensão
cultivada. Isso mostra as habilidades necessárias para lidar com conflitos no dia-a-dia e poder
continuar com o trabalho sem maiores dificuldades.
Por último, acreditamos ser importante para este estudo discutir aqui a questão do
estabelecimento de turnos, por parte dos próprios agricultores do riacho Atarigua, e com o
aval do Ministério do Ambiente. Essa forma de organizar a distribuição é uma tradição
centenária e serve de modelo na distribuição das águas em outras fontes de água no Vale. A
distribuição por turnos tem gerado uma convivência relativamente pacífica entre os
agricultores, à medida que permite uma distribuição da pouca água disponível durante o
período da estiagem. Assim, dependendo da quantidade de água nessa época, ou de situações
problemáticas específicas a cada produtor, a distribuição da água por turnos pode se
flexibilizar desconsiderando tais turnos.
157
A seguir continuo com a análise, desta vez, utilizando trechos das entrevistas com os
diferentes atores e as leis e regulamentos sobre a água na Venezuela e em Quíbor.
Nos relatos dos agricultores a água aparece como uma propriedade de todos, os
habitantes do povoado, os venezuelanos, os usuários. Essa noção de propriedade coletiva
sobre a água se apóia nas antigas leis municipais e nos regulamentos recentes que sustentam
os repertórios utilizados pelos agricultores. Os funcionários do Marn e do SHYQ, por sua vez,
falam claramente da água como um patrimônio comum, um bem econômico, como de
domínio público, que mostra concordância com os discursos que aparecem nos eventos
mundiais sobre a água e nas leis nacionais que guiam o proceder dessas pessoas no seu
trabalho.
Segundo Alcides, agricultor e distribuidor da água dos filtros da Estação de
Tratamento, por exemplo, contando sobre uma ocasião em que havia a possibilidade de os
agricultores de Chaimare, povoado vizinho, tirarem a água deles, ele enfrentou as pessoas
argumentando que a água era para todos, mas as pessoas de Los Ortices, como donos dessa
água e usuários pioneiros, teriam o direito como comunidade, como se fossem uma associação
e com o aval da Prefeitura, de fazer uso dessa água, mesmo sem ter nada escrito, e que
ninguém, ainda que com o apoio de algum vereador, ia tirar a água deles, e que, em todo caso,
teriam de pedir permissão a eles. No relato, ele se posiciona diante das pessoas de Chaimare
como a autoridade da água, valendo-se do argumento do uso tradicional dessa água.
Alcides. Porque el otro día de Chaimare vinieron unas gentes con un permiso del Concejo para llevarse el agua, entonces, yo le digo al chamo, ‘ustedes dos no se llevan esa agua’, la tenía Juan, se la quitaron a Juan, Juan se la dejó quitar. ‘Yo sólo no me la dejo quitar el agua de ninguno de ustedes, que me dejen el agua a mí, les dije, por qué?, porque ustedes tienen que pedirla primero, tienen que hablar con la gente de Los Ortices, nosotros no somos el amo del agua, el agua es para todos, pero nosotros tenemos, desde que empezó la planta vieja, que llamamos nosotros, que inauguró Caldera, estamos nosotros beneficiando con esa agua, entonces, ustedes no van a venir con orden del Concejo, aquí no manda ningún concejal, aquí no manda nadie, aquí manda Alcides’, les dije yo, así sin tener, sin tener nada escrito.
Aponta, também, que segundo a lei municipal quem não paga não tem direito à água.
Esse pagamento refere-se ao dinheiro que ele, como distribuidor, deve receber pelo seu
trabalho.
Alcides. Sí, hay una ley en la quebrada Atarigua, la Ordenanza, el que no paga el agua no tiene derecho al agua.
158
Em uma conversa posterior, Alcides, perante a minha pergunta de a quem pertence a
água, ele responde que o governo (Estado) é o dono e manda na água por intermédio do
Ministério do Ambiente, isso, provavelmente, porque é esse organismo que outorga a
permissão para o uso, assim como cria as normas e os turnos de algumas das fontes de água
para irrigação da região.
J. (entrevistador)
J. ¿A quién pertenece el agua, quien es el dueño? Alcides. Es el gobierno, por que el que manda en el agua es el Ministerio del Ambiente.
Outros agricultores, Andrés e Tiago são menos específicos ao definir a água, mas
chamam atenção para o uso tradicional que se tem feito da água na agricultura dessa região,
seja como usuário atual, no caso de Andrés, seja como produtor aposentado e conhecedor da
situação, no caso de Tiago. Andrés se apresenta como usuário da água do riacho Atarigua,
enquanto Tiago, sua família e outros produtores do Vale, que antigamente tinham essa água
como sua principal fonte, agora só utilizam a água do Portal de Saída, já que a do riacho não
alcança as terras que eles cultivam.
Andrés. Yo utilizo el agua de la quebrada Atarigua en cuanto a los riegos.
Tiago. El agua de la quebrada, la que pasa por el Molino, la que viene de Sanare. Esa ha sido la, la primera que se utilizó aquí, fue esa.
O agricultor de Sanare, Sergio, não falou sobre a propriedade, mas aponta que a água
é vida e que a água que ele usa, do riacho Atarigua, é muito pouca para todos os agricultores
de Sanare e Quíbor. Disse também que eles têm turnos para distribuir cada gota de água e,
com isso, fazem milagres, lamentando-se da quantidade de agricultores que têm de dividir a
pouca água do riacho.
Sergio. (…) Nosotros hacemos milagros ahí, sabe que sin agua no hay vida. Y yo le estaba diciendo a estos, que nosotros estamos turneados por esa gota de agua. No se si usted ha visto el caudal de agua que lleva la quebrada? J. Sí, recorrimos la quebrada ahorita. Sergio. Esa aguita es como, para que sé yo, para todo Sanare.
Na lei municipal de 1984, confirma-se que a propriedade das águas do riacho e de seus
afluentes é de todos os habitantes do Município Capital, e está relacionada à tradição no uso,
159
que segundo eles, está longe da memória das pessoas. Esta Lei serve de modelo e suporte para
a criação dos regulamentos particulares de outras fontes.
Gaceta Municipal del Municipio Jiménez Sección I. De Quebrada “Acarigua”. Artículo 1. Las aguas de la Quebrada “Acarigua”, que nacen en las montañas altas del Distrito Andrés Eloy Blanco, así como las de sus afluentes quebradas “Las Rositas”, “Seca” y otros nacimientos en esta Jurisdicción Distrital, quedan sujetas a las disposiciones del presente Reglamento. Artículo 2. Las aguas mencionadas en el Artículo anterior pertenecen en común desde tiempo inmemorial a los habitantes de este Municipio Capital.
No regulamento do uso da água do Portal de Saída, se reconhece que há alguns
produtores com direito ao uso dessa água, e que, para os efeitos da distribuição, esses se
constituem em usuários. Tal norma está intimamente relacionada com os repertórios dos
funcionários e os documentos das propostas da empresa SHYQ de criar associações ou juntas
de usuários para entregar a administração da água do sistema de irrigação, já que a água que
sai do Portal é produto das obras de construção da represa Yacambú-Quíbor.
Reglamento para el Uso del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor. II. . De los usuarios del agua: Artículo 2: Los productores que tienen derecho al aprovechamiento del agua proveniente del portal de salida del túnel Yacambú-Quíbor para fines agrícolas, se constituyen en usuarios en virtud de lo dispuesto en las ordenanzas emanadas del Concejo Municipal de Jiménez, la tradición acumulada en el sector y las gestiones de la Comisión de Asuntos Campesinos y Desarrollo Rural del Concejo Municipal.
Perguntei para Diego, agricultor e distribuidor da água do Portal de Saída do Túnel, a
quem pertence essa água, ao que ele me respondeu que considera esse recurso pertencente aos
usuários, aos que utilizam essa água para trabalhar os seus cultivos, argumentando a relação
entre uso e propriedade.. J. ¿A quién pertenece el agua? Diego. El agua pertenece a todos los usuarios del agua del Túnel, los que trabajan con ella, los que siembran.
Fiz a mesma pergunta – sobre a quem pertence a água– para Elian, agricultor que
pertence à empresa camponesa La Vigía e usuário da água da represa Dos Cerritos, ao que me
disse não saber a quem pertence, mas que a considera pertencente a todos os venezuelanos,
argumento que abrange o sentido de propriedade, provavelmente, porque a água que ele usa é
a que utilizam as pessoas das cidades para seu consumo, e os agricultores a aproveitam em
sua passagem pelos canais.
160
J. Y sobre el dueño del agua, ¿a quién pertenece el agua? Elian. La verdad es que ahí no sé yo a quien pertenece, pero yo creo que el agua debe pertenecer a todos los venezolanos porque si, porque el agua es de nosotros.
No caso da associação dos produtores de sementes (Aciprosemcla), que também
utiliza a água da represa Dos Cerritos, ligando-se ao encanamento principal que vai para a
cidade de Barquisimeto, Eliseo, presidente da associação, disse que eles tomavam a água
porque necessitam dela. No começo, e como a água é para consumo humano, a empresa
estadual Inos, e agora Hidrolara, tirava as mangueiras que eles usavam para pegar a água, e
eles logo voltavam a colocá-las para continuar com essa situação, que durou vários anos até
que chegaram a um acordo, pois sem essa água era impossível continuar com o trabalho. O
argumento de Eliseo sobre o uso da água pela necessidade justifica para ele as ações que
relata sobre as conexões ilegais, assim como a constante luta mantida com a empresa até
chegar ao acordo atual.
J. Cuéntame un poco como es el proceso para que ustedes tengan agua aquí, o sea, ¿cómo les llega el agua, quienes son ustedes? Eliseo. Bueno, este, nosotros tenemos aquí alrededor de 10 años trabajando con semilleros, quizás algo más, pero para ser más exactos 10. Entonces, la cuestión surgió de nuestra asociación fue que teníamos problemas con el agua, Hidrolara, para ese entonces el Inos, nos trancaba el agua y nos quitaba las mangueras. J. ¿De dónde tomaban el agua ustedes, de dónde venía el agua, o de dónde viene, todavía? Eliseo. El agua viene de la represa de El Tocuyo. J. ¿Por dónde pasa, es una tubería? Eliseo. Sí, una tubería y nosotros tomamos de una distribución que ellos tienen. J. ¿Entonces venían ellos y les tumbaban las mangueras y después volvían de noche y la volvían a poner? Eliseo. exacto, aja.
Como funcionária do Ministério do Ambiente, na sede de Barquisimeto, Amanda,
responde que todas as águas são de domínio público e o Estado deve administrá-las e fazer
contratos com os usuários, sobretudo a partir da nova Constituição do ano 1999. Aponta que
se deve cobrar por esse aproveitamento que as pessoas fazem, tal e qual diz a lei. Amanda fala
a partir da sua função e não como usuária ou agricultora, seu repertório é trazido das leis e
regulamentos e não se permite fazer qualquer comentário fora dessa situação.
Amanda. …Las aguas se están dando, ahora, a partir del año 99, mediante un contrato que se hace entre el particular y el Estado. Entonces, el Estado debe cobrar por el uso del agua. J. Entonces, el principio es que el agua es del Estado o es de todos? Amanda. El agua es del dominio público.
161
José, funcionário do SHYQ, foi o único entrevistado que utilizou o termo ‘bem
comum’ para definir a água, concedendo a propriedade ao coletivo, mas, colocando a função
de controle do uso no Estado. Pode-se entender sua argumentação na sua qualidade de técnico
e funcionário do Estado, com acesso a informação que circula nos eventos internacionais
sobre a água.
José. El agua es un bien común, un bien colectivo, y como bien colectivo el Estado tiene que velar porque se utilice de la mejor forma.
Acrescenta que o manejo da água numa economia de mercado deve considerar os
custos de represá-la, transportá-la e demais atividades para torná-la potável ou utilizável na
agricultura. Argumenta, então, se posicionando como especialista, pela necessidade da
cobrança através de tarifas, seja a água para consumo humano, seja para irrigação, pois esses
custos têm que ser reembolsados.
José. …El manejo del agua en una economía de mercado en la cual hasta el presente estamos viviendo (sonríe), el agua tiene unos costos de embalsarla, transportarla, llevarla, etc., y de alguna forma alguien tiene que pagar esos costos y que esos costos se traducen en tarifa, entonces, cualquier uso del agua, ya sea, agua potable o agua para riego tiene que pagarse a través de una tarifa.
Ao manter esta postura de defesa do pagamento da água pelos agricultores, Jose cai
em contradição, por um lado aponta que a água é um bem comum cuja propriedade é do
coletivo, mas por outro lado, diz que todos devem pagar pelo uso que fazem desse recurso.
Nesse sentido, assume a postura da empresa SHYQ e do governo de Venezuela, através do
projeto de lei de águas, atualmente em discussão.
O vereador da Prefeitura do Município Florencio Jiménez baseia sua argumentação na
Lei de Solos e Águas, na qual as águas são consideradas como propriedade da nação, como
um recurso natural. Fernando utilizou os argumentos legais para se posicionar durante toda
nossa conversa.
Fernando. El agua es de la Nación. El agua, según la Ley de Suelos y Aguas le corresponde a la Nación, es un recurso natural de la nación.
Na Constituição da República Bolivariana de Venezuela, as águas na sua totalidade
são bens de domínio público da nação, o que significa que o Estado deve administrá-las e
controlar os diversos usos que dela se façam.
162
Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Artículo 304. Todas las aguas son bienes de dominio público de la Nación, insustituibles para la vida y el desarrollo.
Esta Constituição, criada em 1999, visa uma nova relação entre o Estado e os usuários
das águas, que significa a realização de um contrato entre eles, representado neste caso pelo
Ministro do Ambiente, mas, por enquanto, não está claro como vai funcionar está relação,
pois, segundo a funcionária do Ministério do Ambiente, Amanda, não se tem gerado
concessão alguma entre particulares e o Estado desde 1999, e só se sabe de acordos entre
entidades do Estado e o Estado, por exemplo, entre empresas petroleiras como Petroleos de
Venezuela S.A. (PDVSA), a empresa estatal de petróleos do país e o Estado venezuelano.
Amanda. …a partir del 99, ahora, todo uso de agua tiene que ser dado en concesión, es decir, un agricultor que requiera 2 litros ó 3 litros de agua tiene que hacer un contrato con la nación, con el Ministro del Ambiente, para poder utilizar el agua, por supuesto que eso implica, a lo mejor, yo no sé todavía, pero como te digo, como todavía no hemos tramitado ninguna concesión, de ese estilo, por lo menos acá en Lara no, a nivel de Caracas se han dado concesiones con las petroleras y en el Zulia y en los estados que son petroleros se han otorgado concesiones.
Na Lei Florestal de Solos e Águas, declara-se de utilidade pública todas as águas,
sejam públicas ou privadas, reconhecendo que há águas que pertencem a particulares. Essa
noção está relacionada às concessões de uso que o Estado outorga para o uso temporal das
águas com diversos fins: como força hidráulica ou para irrigação.
Ley Forestal de Suelos y Aguas Artículo 2. Se declara de utilidad pública: 1. La protección de las cuencas hidrográficas 2. Las corrientes y caídas de aguas que pudieran generar fuerza hidráulica. Artículo 4. Las disposiciones de esta Ley se aplican a: 2. Las aguas públicas o privadas.
No tabela 4, Como se define a água e seu uso, é possível visualizar algumas das
noções que os atores expressaram sobre água enquanto bem de uso coletivo. Pode-se observar
que a noção de uso da água pela sua disponibilidade é usada pelos juízes (todos eles também
agricultores) e agricultores propriamente ditos, na sua totalidade. Enquanto que a água como
pertencente a eles aparece tanto maioria de suas práticas discursivas como nas leis e
regulamentos locais. Isso pode ser interpretado como uma amostra da ligação profunda entre
os usuários da água, a tradição e as leis feitas para sustentar essa união. Por outro lado, a água
163
como um bem público, da Nação, é parte das práticas discursivas de um funcionário e o
vereador, e é o discurso que se estabelece na Constituição e na Lei nacional, discurso que
institui uma separação visível entre funcionários e leis nacionais, por um lado, e agricultores e
leis municipais, pelo outro.
A água aparece como valor, como bem econômico ou social, somente nos documentos
das conferências internacionais, o que mostra que essas noções não são do uso do cotidiano
nas conversas dos juízes nem dos agricultores nem dos outros interlocutores. Essa noção é
aparentemente nova, produto das recentes intenções e propostas de converter a água em
mercadoria, o que parece, por enquanto, não ter muito eco no Vale.
Por outro lado, no Vale de Quíbor há o reconhecimento de que se tem de pagar pela
água. Isso, a partir de dois eixos diferentes: enquanto alguns agricultores e as leis municipais
consideram que o serviço que fornece o juiz ou o distribuidor de água deve ser pago, e deixar
um fundo para gastos gerais do sistema de irrigação, como determina a legislação municipal,
por outro lado, outros agricultores, os funcionários e os organismos internacionais que
organizam as megaconferências sobre a água, apontam que os usuários têm de pagar o serviço
da água, pelo fato de alguém ter de arcar com os custos de estrutura e manutenção da rede de
encanamentos ou de canais, no caso de um sistema de irrigação, para compensar esses
investimentos. Isso já foi visto acima, quando se apresentaram as propostas sobre a água no
mundo. Por último, a água como propriedade pública ou privada (as que se entregam em
concessão) só aparece na antiga, mais ainda vigente, Lei de Solos e Águas de 1966, o que
leva à espera por uma lei mais recente, ainda em discussão.
164
Tabela 4
Como se definem a água e seu uso
Juizes47 Agricultores Funçaõ Leis Conf
47 Todos os juízes ou distribuidores são também agricultores.
ATORES
NOÇÕES
ALCIDES
DIEGO
ISIDRO
ANDRES
TIAGO
ELISEO
ELIAN
SERGIO
AMANDA
FERNANDO
JOSE
CONSTITUIÇÃO
LEI FLORESTAL
LEI MUNICIPAL
REGULAMENTO
BONN
DUBLIN
A água que usamos, que está disponível
X X X X X X X X
A água que é nossa, da comunidade
X X X X X X X X
A água é de todos os venezuelanos
X
A água é um bem da nação
X X X X X
A água é um bem comum X A água como valor econômico
X X
Tem de pagar pelo uso da água
X X X X X X X X X X X X
A água é compartilhada X A água como valor social XA água é de utilidade pública
X
166
Comecei a tese expondo como circulam as idéias sobre o que deve ser considerada a
água para alguns setores envolvidos mundialmente com esse elemento fundamental para
nossa existência, e que é chamado por alguns como recurso. Por um lado, há uma postura a
qual chamei de hegemônica, liderada, principalmente, pelas diretrizes do Banco Mundial e
das grandes empresas multinacionais comercializadoras da água, que, por meio das
“declarações finais” dos grandes eventos internacionais, como simpósios e conferências,
transmitem a idéia de que à água é uma mercadoria qualquer, e que por isso as pessoas têm
que pagar para ter acesso a ela, colocando como imperativo a “recuperação de custos” para a
sustentabilidade dos empreendimentos de setores privados, nessa matéria. Também, circulam
as idéias do “bom governo”, para que os países chamados “em desenvolvimento” ou do
Terceiro Mundo administrem de forma adequada um recurso que devem dividir ou entregar às
entidades externas, pois eles, por si só, não seriam supostamente capazes de fazê-lo. O caso
do Chile é um exemplo de como as multinacionais estão comprando os direitos dos chilenos
sobre suas águas, numa situação denominada livre mercado, onde tudo pode ser vendido.
Por outro lado, a postura que chamei de alternativa, representada pelo Manifesto da
Água e o Projeto Planeta Azul, resiste à idéia de considerar a água como mercadoria,
propondo reconhecê-la como um direito humano universal e ao qual seja garantido o acesso
de forma gratuita a todos os habitantes do planeta. Muitos desses projetos lutam, de maneira
desigual, com as grandes multinacionais e os Estados que promovem a privatização da água a
todo custo. Na América Latina temos exemplos desses confrontos, sobretudo, o episódio
acontecido em Cochabamba, na Bolívia, no qual a população conseguiu, após dias de brigas
nas ruas da cidade, com mortos e feridos, que o Governo cancelasse a concessão do serviço da
água a uma empresa multinacional.
Entre essas duas propostas contrapostas, há outras que promovem como solução mais
efetiva a parceria entre os setores público e privado, como forma intermediária para
administrar a água. Teria que se estudar com detalhe alguns exemplos dessa prática para saber
quais os resultados. Todas as propostas têm em comum a idéia de que o desenvolvimento da
humanidade tem de ser sustentável e de que os direitos das gerações futuras devem ser
preservados, garantindo que elas possam contar com recursos suficientes para sua
subsistência, porém, a forma como esse desenvolvimento deve ser realizado ainda não está
clara e se observam propostas contraditórias que são reflexo dos interesses particulares de
diversos grupos que discutem essa questão.
167
A água de irrigação tem garantido a sobrevivência das populações e graças a ela têm
se desenvolvido as grandes civilizações, alguns autores, como Wittfogel (1957), chegaram a
falar de governos despóticos nas culturas que se baseavam em sistemas hidráulicos, porém, o
uso indiscriminado da irrigação tem causado, em parte, o desaparecimento de algumas dessas
civilizações. Entre algumas das razões ligadas à irrigação que se dão para explicar tais
situações, e que se repetem hoje em dia, estão: os danos que o excessivo uso da água causa ao
solo, o esgotamento das fontes superficiais, as perdas por evaporação e pela permeabilidade
do solo e o fracasso em gerar formas alternativas de manutenção da produção agrícola. Por
isso, hoje há uma busca por fazer uso da água com muito maior cuidado e com critérios de
conservação, por meio de alternativas como a irrigação por gotejamento, que utiliza só o
necessário para que a planta produza com a menor perda possível de água.
No Vale é possível olhar essas diferenças a partir da apropriação, cada vez maior, da
terra produtiva, que fica em menos mãos. Os pequenos produtores vêm sendo ‘engolidos’
pelos grandes, que contam com recursos financeiros e tecnológicos para continuar
“crescendo”, consumindo água, agrotóxicos, adubos orgânicos ou não, e acumulando lucros
extraordinários, em detrimento dos pequenos que se vêm obrigados a vender suas
propriedades pela falta de créditos e financiamento para seus empreendimentos, geralmente
de auto-sustento. Esta pesquisa abrange só parte dessa problemática, pelo que se faz
necessário pesquisar a partir de outras perspectivas e focalizando outros campos-tema para ter
um melhor conhecimento do que acontece em Quíbor, suas possíveis causas e soluções.
Este trabalho foi realizado conciliando várias estratégias metodológicas que têm como
suporte epistemológico o construcionismo social. Portanto, utilizei, principalmente, as noções:
campo-tema, matriz, interface e práticas discursivas para compreender o complexo mundo de
relações de médio alcance48 que se dão no manejo de um bem comum como a água. Neste
caso particular, a água de irrigação de várias fontes, utilizada por algumas comunidades de
produtores do Vale de Quíbor.
Minha intenção foi mostrar como diferentes pessoas, num mesmo lugar, atribuem
diversos sentidos à água de irrigação, de acordo com os variados interesses que possuem e os
lugares de onde falam e se posicionam. Para tanto, faço um entrelaçamento de quatro noções
teórico-metodológicas de cunho construcionista. Utilizei a noção de matriz (Hacking, 1999)
para mostrar o cenário social complexo conformado pelas subjetividades e as materialidades
48 Entende-se aqui por médio alcance, segundo Spink (2004), as ações que múltiplos atores realizam, com diferentes competências, inserções e formas de percepção do problema, para resolver questões que atingem a todos, por meio de acordos e negociações.
168
dos sistemas de irrigação de cada fonte de água. A partir disso, podemos entender que há uma
série de elementos que fazem parte dessa matriz, os canais de água, as terras cultivadas, as
ferramentas, mas também os regulamentos e leis, os acordos sobre os turnos de distribuição, e
daí por diante.
As relações que os atores estabelecem podem ser evidenciadas nas interfaces sociais
(Long, 2001), cheias de discrepâncias, mas também de negociações e acordos. A noção de
interface permitiu-me olhar para as relações que se produzem no Vale e, quem participa nas
interfaces, pois nelas se confrontam os interesses e se negociam os sentidos. Conversei então
com juízes de água, pequenos e médios produtores, funcionários de empresas públicas e do
governo e representantes do poder político regional, focalizando as práticas discursivas
(Spink, M.J., 1999) desses interlocutores, como elementos discursivos fundamentais na
construção de sentidos, e alguns discursos oficiais de entidades e empresas envolvidas com a
gestão da água no país e no Vale de Quíbor.
Parto de um lugar da zona rural do ocidente da Venezuela, que escolhi como campo-
tema desta pesquisa (Spink, 2003a), para mostrar as possibilidades que a Psicologia Social
brinda como disciplina das Ciências Sociais, para dar conta destes estudos que não têm sido
parte de seus temas preferidos, nem em nível internacional, e menos ainda em nível local.
Espero assim ter conseguido construir um olhar diferente sobre coisas que acontecem em esse
lugar chamado Vale de Quíbor, mas, também, e principalmente, em aqueles lugares desde
onde pude compartilhar conversas sobre o tema da água de irrigação com os atores.
Sobre o gerenciamento
As maiores discrepâncias entre os diversos atores, usuários ou não, das fontes de água
do Vale aparecem na distribuição e no gerenciamento dessas águas. Neste trabalho mostro
algumas formas tradicionais de organização dos agricultores para administrar a água,
especialmente a escassa água na época de estiagem, o que significa que existem no Vale
formas organizativas que permitem o convívio de interesses particulares, em benefício da
sobrevivência de todos. Isso mostra que os produtores de Quíbor têm habilidades e
capacidades de agir, ou seja, formas de agência (Long, 2001), para negociar e chegar a
acordos, apesar das dificuldades por que passam.
As pessoas se organizam em associações, juntas administradoras, juntas de usuários,
empresas camponesas, cooperativas, ou simplesmente agem juntas em prol do benefício
comum. Mostram com isso o conhecimento acerca das negociações dos diversos tipos de
169
poder que existem na região para se distribuir a água. Esses poderes podem-se manifestar em
diversas arenas, como, por exemplo, quando o juiz tem de defender a água de sua fonte,
agindo por meio da persuasão com o diálogo ou solicitando o apoio das autoridades regionais,
ou entre agricultores que querem usar mais água do que têm direito e utilizam mecanismos
como o desvio ou o bloqueio da água, impedindo que outros se beneficiem dela, ou, ainda,
quando entidades externas intervêm como forma de controle das diferenças entre agricultores
que não podem ser resolvidas por outros mecanismos.
Apesar da generalizada crença de que as pessoas no Vale de Quíbor apresentam
dificuldades de pensar e agir de forma coletiva, entendo que a a sua real dificuldade é de se
organizar seguindo padrões externos e pré-estabelecidos de organização, baseado no
pressuposto de alguns funcionários ou especialistas que acreditam que essas formas são as
únicas ou as válidas para que se consiga o entendimento e a ação conjunta de pessoas num
lugar determinado, no que se refere a um bem como a água. Há muitas experiências de
negociações e acordos entre os produtores do Vale que podem servir para orientar questões
novas que surgem, como, por exemplo, a venda de uma fazenda a um produtor externo, não
acostumado com as normas e procedimentos estabelecidos e aceitos pelo grupo de usuários de
determinada fonte de água, o que contribuiu para gerar conflitos e desarranjos na dinâmica
cotidiana.
Neste estudo pode-se observar que existe organização, que as pessoas vão e
conversam, negociam, chegam a acordos, e que também, às vezes, brigam, mas que elas
podem fazê-lo, e geralmente o fazem, sem a tutela de pessoas ou entidades externas às suas
comunidades, e que essa tutela pode muito bem ajudar, mas não condicionar a forma de lidar
com o cotidiano da distribuição da água.
Personagem central nesse mundo da gestão tradicional da água é o juiz de água. É ele
que tem de negociar dia-a-dia, em primeira instância, como vai ser distribuída a água entre os
agricultores. Ele tem, também, nas interfaces com as autoridades, a potestade de agir tomando
decisões muitas vezes não estabelecidas nos regulamentos e leis, pela agência, o
conhecimento e o poder que lhe é dado, na sua condição de eleito pelos próprios produtores,
ainda que isso não garanta que ele represente a todos. Mais ainda, os juízes ou distribuidores
têm de tentar resolver os conflitos que surgem constantemente, ainda que em menor
quantidade se comparado com épocas passadas, em meio a uma questão tão delicada como a
distribuição eqüitativa da água em situações de escassez.
170
Long (2001) chega a semelhantes conclusões numa pesquisa realizada sobre um
sistema de irrigação no México, denominado Autlán-El Grullo, no qual trabalham seis
guardas da água (canaleros), responsáveis, em grande parte, pela distribuição de água no
sistema. Ele aponta que os canaleros “estão localizados em alguns pontos críticos de
interseção no manejo do sistema de irrigação” (Long, 2001:74), pois na distribuição da água
eles têm de interagir com seus colegas para garantir água suficiente a cada um dos
agricultores; negociar com os produtores que estão localizados na parte de cima para que não
prejudiquem os que estão embaixo; realizar no terreno ações que provavelmente não
coincidem com as que planejaram os engenheiros, e que devem ser negociadas, por sua vez,
com todos os usuários; e como esses usuários têm diferentes necessidades de água pelas
diferentes extensões de suas terras, o canalero deve ter cuidado para não favorecer a alguns
em prejuízo de outros.
Embora os sistemas de irrigação não sejam iguais, pois os canaleros respondem a uma
estrutura hierárquica e têm de seguir os planos do chefe do sistema, as situações e relações
que se estabelecem, assim como as estratégias utilizadas, são bastante similares, sobretudo,
porque tanto os juízes como os canaleros tomam decisões no terreno que não podem ser
previamente planejadas, daí que suas formas de agência, seus conhecimentos e seus poderes,
dentro do sistema, são de grande ajuda para resolver os problemas cotidianos que enfrentam
na tarefa de distribuição da água. Como aponta Long (2001), sobre a complexidade dessas
relações na distribuição de água e o papel dos distribuidores nesse cotidiano: “a natureza
complicada e demandante das práticas de gestão da água, produz conhecimentos específicos
enraizados localmente, o que, por vezes, outorga aos guardas da água um certo grau de
autoridade e alguma liberdade na tomada de decisões” (2001:74).
A gestão de água do riacho Atarigua serve de exemplo, como forma tradicional de
gestão, para as outras fontes coletivas de água de irrigação no Vale. A figura do juiz,
sustentada nas antigas leis, constitui na região uma experiência fundamental,valorizada por
todos os interlocutores. O sistema de distribuição por turnos é utilizado para estabelecer
acordos e evitar que surjam conflitos, ou que esses tragam conseqüências graves para os
agricultores. O juiz do riacho deve se relacionar com todos os usuários dessa água, mas,
também, com os funcionários do Ministério do Ambiente, da empresa SHYQ, quando é
preciso, e com pessoas alheias ao sistema de irrigação. Nessas interfaces ele tem de
demonstrar capacidade para negociar e chegar a acordos ou utilizar sua autoridade e poder
para fazer cumprir as normativas que ele conhece muito bem (Long, 2001). Nas suas práticas
171
discursivas ele utiliza argumentos sobre a importância do papel do juiz na distribuição da
água, para justificar e dar sentido ao cotidiano que compartilha com todos esses outros atores
do Vale, principalmente na época de estiagem, quando os interesses particulares entram em
conflito com os interesses coletivos. Embora não pareça existir nos agricultores uma idéia de
trabalho coletivo, como alguns funcionários e técnicos apontaram, fica, muitas vezes, evidente
que quando se fala sobre qual é o interesse maior, a idéia do coletivo prevalece sobre o
individual, o que mostra um certo senso de união entre os usuários dessa água.
Quanto à distribuição da água do Portal de Saída do Túnel, ela se faz seguindo a
normativa expressa no regulamento, que deriva das leis municipais do riacho Atarigua. Isso
dá sustentação a uma forma de administração da água que se tem mostrado bem-sucedida.
Apesar de essa água ter suas próprias características, o distribuidor vale-se da experiência do
juiz de Atarigua para fazer seu trabalho, usando, também, suas estratégias pessoais nos
momentos que são requeridas. Deve-se levar em conta que a associação de usuários que
administra a água foi constituída com o apoio da empresa SHYQ, apesar de os agricultores já
terem se organizado espontaneamente para distribuir essa água quando ela começou a fluir.
Tal forma de organização para a utilização da água é uma amostra de como os agricultores de
Quíbor podem ser criativos na hora de resguardar seus cultivos. Aproveitar para irrigação uma
água que sai da abertura de um túnel é um recurso inteligente que diz muito a respeito da
agência dos agricultores do Vale para enfrentar o complexo mundo da produção agrícola no
lugar. Não há limites na hora de encontrar a oportunidade e fazer uso dela.
Outro exemplo de como os agricultores procuram se organizar para distribuir a águas
da melhor forma possível é o compartilhamento da água dos Filtros da Estação de
Tratamento, no vilarejo Los Ortices. Ainda não tendo a possibilidade de continuar utilizando
a água da Estação, os usuários têm se organizado para aproveitar “os desperdícios” da limpeza
dos filtros e, assim, tirar proveito de qualquer gota da água que possa ser utilizada para irrigar.
A figura do distribuidor aparece como fundamental para evitar situações problemáticas, não
só entre agricultores locais, mas, também, com pessoas de vilarejos vizinhos, necessitados do
líquido para suas plantações, prevalecendo, porém, o uso por parte daqueles que se
consideram pioneiros na administração da fonte.
Há um dito popular na Venezuela que pode descrever o que significa essa situação
com a água dos filtros. Ela diz: agarrando aunque sea fallo, que quer dizer, temos que usar
qualquer coisa que pudermos, ainda que não seja a melhor. Isso me faz refletir sobre como o
Estado venezuelano tem descuidado com a agricultura em algumas áreas do país, o que tem
172
levado os agricultores a não só irrigarem com desperdícios, mas, com qualquer tipo de água,
ainda que proveniente de esgoto não tratado, para procurar a subsistência.
Sendo construída para abastecer de água potável a cidade de Barquisimeto, e outras
cidades vizinhas, a represa Dos Cerritos é aproveitada como fonte para irrigação de várias
formas. Neste trabalho só foram analisados: a empresa camponesa La Vigia e o grupo dos
Semilleristas. Embora tais fontes não tenham um juiz ou distribuidor para a gestão de água,
muitos dos elementos que aparecem na administração da água, como a implementação de
turnos, têm a ver com as tradições e costumes presentes nas leis e nos regulamentos que
guiam essas atividades onde há juízes ou distribuidores, o que é uma forma de constatar a
influência dessa prática tradicional na região.
Quanto à Empresa Camponesa La Vigia, produto da reforma agrária dos anos 1970,
ela e outras duas começaram a utilizar a água da represa, supostamente gratuita, para irrigar
no verão. Os agricultores sentiram-se enganados frente ao Estado pela falta de um documento
no qual se certificassem seus direitos sobre o uso da água. Porém, e apesar das dificuldades,
continuam a utilizá-la, mesmo com um pagamento acordado, e distribuindo em forma
eqüitativa, sem a necessidade de um distribuidor ou juiz. Isso porque o sistema de canais leva
à maioria dos sítios a água, que, depois, eles armazenam em lagoas ou utilizam nas plantações
irrigando diretamente. Não existe, portanto, regulamento escrito pelos agricultores das
empresas sobre como administrar a água da represa, os próprios usuários se organizam para a
tarefa.
Os cortes de água foram incentivos para a organização em defesa dos direitos de uso
da água, embora, após aceitarem que tinham de pagar pela água da represa, os agricultores,
agrupados nas empresas camponesas, não agiram coletivamente, mostrando com isso a
fragilidade da criação dessas empresas que, a princípio, foram promovidas para incentivar a
produção agrícola de tipo cooperativo, mas que fracassaram por ter-se constituído de forma
vertical a partir de um decreto do governo nacional.
Outra forma particular de organização dos agricultores é a associação dos
semilleristas, que, conectados à tubulação da represa, obtêm água diretamente para seus
cultivos, pagando pelo uso à empresa estadual administradora de águas Hidrolara. Isso tem
garantido uma certa tranqüilidade para essas pessoas, que se associaram em busca de um
melhor tratamento por parte do governo local, pois, acreditaram que unidos fariam diferença
na hora de lutar pelos direitos de uso dessa água, única fonte de que dispõem na época de
estiagem. Estão organizados como uma associação, com interesses coletivos e, até agora, o
173
funcionamento tem sido bem-sucedido. Como se pode observar neste trabalho, também os
agricultores de sementes tiveram sérios problemas para continuar irrigando com a água da
represa. Esse problema e a repressão por parte das autoridades foram uma espécie de
detonador para a formação da associação, como mecanismo para enfrentarem juntos uma
situação que consideravam injusta. Hoje em dia, a associação de produtores de sementes
mantém, através de medidores colocados em cada sítio, um pagamento mensal à empresa
Hidrolara pelo serviço de água e, freqüentemente, estabelece novos mecanismos para o
melhor aproveitamento do líquido indispensável para a produção.
Retomo aqui, à maneira de reflexão, as palavras de Spink (2001a) sobre o que
significa para ele a forma como ação, pois esse conceito me permitiu estabelecer um vínculo
com o que observei nas formas associativas presentes no Vale de Quíbor.
Quando se tenta, de maneira séria, compreender o vocabulário da forma como ação ou da ação como forma, a primeira conclusão cambaleante à que se chega é sua variedade. As palavras mudam em cada situação, para descrever de maneira prática o que acontece. Comitês viram movimentos que, por sua vez, criam comissões, que, por sua vez, se transformam em associações (2001a:17).
Dessa forma, em Quíbor as pessoas se agrupam de diferentes formas, buscando assim
ter maior força para exigirem seus direitos perante o Estado, empresa ou outro grupo que
possam concorrer ou dificultar o aceso à água. Os agricultores têm se organizado
desconsiderando, por vezes, as formas preestabelecidas em novos regulamentos e sugeridas
por técnicos e funcionários da empresa SHYQ. Portanto, há formas de ação cotidianas que se
expressam nas palavras e que mostram os jeitos diferentes de se reunir, considerando os
objetivos e interesses comuns.
Sobre as causas possíveis dos conflitos e suas soluções
Uma outra idéia que circula muito em nível mundial é a suposta escassez de água no
planeta e as conseqüências bélicas que isso pode trazer. O que existe é uma desigualdade na
distribuição da água. Há países com imensas reservas de água, como Canadá, Rússia e Brasil,
e outros com muito pouca ou quase nada, como Kuwait, Malta ou Quatar (Rebouças, 2002).
Também existem desigualdades no consumo e na distribuição da água entre os países e
mesmo dentro de um mesmo país. Isso requer que se façam modificações de comportamento,
não apenas no uso doméstico e industrial, mas na área agrícola, sobretudo pelos que mais
consomem água, como uma autêntica via de solução para a suposta escassez.
174
Como todos os atores do Vale que participaram desse trabalho reconhecem, existem e
têm existido conflitos na região pelo uso da água para irrigar no verão. Esses conflitos podem
ter origem e resultados diversos e estão relacionados com a fonte disponível para a irrigação.
Como vimos ao longo desse trabalho, a idéia de que só a simples escassez de água pode gerar
conflitos está em discussão. Para que eles ocorram, é necessário que outros elementos estejam
relacionados a ela . As experiências internacionais mostram que as pessoas preferem chegar a
acordos do que brigar pela água. Porém, é evidente que existem problemas cuja razão
principal tem a ver com a distribuição que o ser humano faz desse líquido indispensável para
a vida.
Uma das razões ligadas à escassez e que pode gerar brigas é a desigualdade no acesso
à água. Essa desigualdade pode ser produzida pela localização dos agricultores com relação à
fonte (os de cima com preferência aos de baixo), pelos direitos tradicionais perante aos dos
novos usuários, pelo descumprimento das normas, pela corrupção de juízes que podem dar
preferência a uns em prejuízo de outros, e daí por diante.
Outra razão importante para que se tenham produzido conflitos em Quíbor é que
alguns dos produtores dependem da água administrada por uma empresa do Estado, a
qualcondiciona a distribuição ao pagamento por esse serviço. Tal fato acarretou problemas,
pois os agricultores não estavam acostumados a pagar, ou não tinham dinheiro para fazer
esses pagamentos, ou foram usuários dessa água por muitos anos sem pagar e, de repente,
foram exigidos a fazê-lo ou ameaçados de perder o acesso ao recurso. Como vimos, em três
das fontes, as brigas entre agricultores e as empresas administradoras de água foram, por um
lado, pela defesa de seus direitos, levando aos produtores (de sementes) a formalizarem a
associação para melhor defenderem seus direitos. Por outro lado, as brigas têm motivado os
agricultores das empresas camponesas a aceitarem, finalmente, fazer o pagamento pelo
serviço e perceber que o que eles pensavam a respeito do direito que tinham sobre o uso da
água da represa Dos Cerritos era um engano. O outro caso é o da Aproquíbor, associação
criada para fazer uso e administrar a água da represa fazendo um pagamento acordado entre a
associação e a empresa Inos. O resultado foi a eliminação do serviço pela falta de pagamento
e a utilização, por parte dos produtores, dos “desperdícios” dessa água proveniente da limpeza
dos filtros na estação de tratamento.
Cada fonte de água deve ser estudada com maior detalhe para que se possa entender
quais as razões dos conflitos e de que forma serão resolvidos. Não adianta tentar usar as
mesmas estratégias de análise e de solução para cada caso em particular. Deve-se conhecer
175
bem as diversas causas que levaram aos conflitos, como se mostrou neste trabalho: às vezes,
pode ser que a venda de uma propriedade para alguém que desconhece as normas do lugar
traga um conflito imprevisto, ou a possessão de terras riacho acima, por pessoas que vêm de
outras partes, gere mal-entendidos entre os velhos e os novos usuários. Também, a
modificação do estatuto de um povoado, parte de um município, que passa a ser um município
independente, como no caso de Sanare. Os conflitos, então, têm diferentes níveis de
conflituosidade e diferentes níveis de solução. Em alguns dos casos, os próprios agricultores,
às vezes contando com a participação do juiz, resolvem o problema sem maiores
conseqüências, mas, em outros, precisa-se da intervenção de todos aqueles que possam
contribuir com alguma solução definitiva para o impasse. Esse, por exemplo, é o caso de Los
Ejidos, que até agora, mesmo com a intervenção da maioria dos envolvidos e das autoridades
e outras entidades, não tem tido uma solução satisfatória.
Fica claro para mim que a água não é um problema per se, mas as relações humanas
que se constroem em volta dela podem gerar muitos conflitos, se procurarmos olhar só as
brigas que se produzem, geralmente pela má distribuição dela, e não o complexo mundo de
relações, que geram maior quantidade de acordos que de conflitos.
A represa Yacambú-Quíbor
A represa tem se tornado a grande esperança de melhoria para alguns produtores e
funcionários no Vale, porém, também há quem duvide de que ela os beneficie na hora da
distribuição dessa água. Os inúmeros problemas que a construção tem tido e que vêm
atrasando o funcionamento pleno da represa, as informações contraditórias nos jornais, que
falam de datas que nunca se cumprem, têm contribuído com esse ambiente de incerteza que se
manifesta nas falas das pessoas.
O fato de a empresa SHYQ estabelecer determinados requisitos para que a água do
sistema de irrigação seja distribuída, tais como, a necessidade de que os produtores se
associem em junta de usuários, que paguem uma tarifa predeterminada à empresa pelo serviço
de distribuição, e que em alguns lugares o sistema de irrigação não chegará, faz dessa uma
situação muito complexa, que requer participação de todos os envolvidos para que se possa
constituir em uma oportunidade de ajuda na solução de alguns dos problemas que confrontam,
sobretudo, os pequenos produtores do Vale. Lembro aqui que a situação da propriedade da
terra, ligada intimamente ao uso da água, é muito complicada em Quíbor. Há muitas
propriedades que são da municipalidade, mas que estão em mãos de particulares. Muitas
176
terras que têm sido vendidas ou passadas de geração em geração, sem que exista um registro
adequado dessas transações, e freqüentemente se observa que os grandes proprietários
adquirem terras daqueles, que, por carecerem de recursos, abandonam a lavoura agrícola.
Por outra parte, e depois de transcorridos 30 anos e muito dinheiro investido, o fato de
que a represa e o sistema de irrigação ainda não estejam concluídos me leva a pensar sobre
quanto será ao final o custo dessas obras. Quem vai pagar por elas? Os agricultores? O
Estado? Ambos? Quanto deverá pagar cada um? Será possível algum dia pagar essas obras?
Portanto, penso que a conclusão da represa e do sistema de irrigação no Vale oferece
uma grande oportunidade de melhoria para algumas das situações problemáticas que
enfrentam os produtores de Quíbor, sobretudo com relação à falta de água, porém, tudo isso
vai depender da possibilidade de juntar projetos de vida, agências, formas de conhecimento e
poder de todos os envolvidos neste lugar.
Sobre os sentidos da água
O tema sobre quem é o proprietário da água não é discutido pelos agricultores no
Vale: o direito ao uso está determinado pela tradição. A água é deles e isso não está em
discussão. O direito mais importante é o consuetudinário, aquele que vem da tradição e
certifica, pela memória das pessoas e pelas antigas leis municipais desde pelo menos 150 anos
atrás, que elas são depositárias desse direito e podem e devem fazer uso da água para seu
benefício.
Para os agricultores do Vale de Quíbor, a água é um bem comum, indispensável para a
vida, necessária para que todos possam plantar e viver. Ainda que não seja utilizada a
expressão bem comum, o que aparece nas suas falas é o sentido da propriedade coletiva da
água, de que ela “é da gente”, pois, numa região onde a água é escassa, tudo o que é
propriedade do coletivo deve ser aproveitado, para isso, os produtores têm se organizado de
acordo com a fonte de água disponível, sobretudo na época da estiagem. Alguns aproveitam
as águas dos riachos, outros os poços, as águas residuárias e/ou as da represa Dos Cerritos,
que abastece às cidades e populações da região.
Parece importante, então, que qualquer intento de privatizar a água ou seus serviços,
implementar o cobro com tarifas ou tentar agrupar as pessoas de forma compulsóriadeve
tomar em consideração que os agricultores de Quíbor, ao considerar a água como um bem
comum de propriedade coletiva, podem não aceitar facilmente que lhes seja modificado um
177
direito, o suficientemente fixado nas tradições, e que lhes tem garantido por muito tempo a
subsitência de suas famílias.
A categoria bem comum mostra-se importante na atualidade, sobretudo num mundo
onde parece estar se desfazendo a noção de autoridade do Estado sobre os bens públicos e se
considera a possibilidade de sua substituição pelos bens coletivos. A noção de bem comum
transpassa a noção de propriedade individual; ela permite pensar na administração coletiva
bem-sucedida, na idéia de que as negociações e acordos podem substituir a confrontação, a
briga e até a guerra, que tem sido anunciada com tanta insistência. Obviamente, minha tese
não trata disso de forma focal, mas a Psicologia Social deve ter a coragem de entrar nesse
espaço da cidadania coletiva. Aprofundar tal questão será o foco de outros estudos que ainda
não sei para onde podem me levar, mas que espero possam contribuir para essa discussão, a
partir desta experiência no Vale.
De cara ao futuro
Penso que ainda ficam muitas coisas por fazer no Vale de Quíbor, a partir desta
pesquisa. A primeira delas é compartilhar este trabalho com aqueles que contribuíram para
sua construção. Mostrar o que tenho analisado e aprendido e escutar o que eles podem
achar disto, para deixar as portas abertas para próximas pesquisas. Sou grato pelas atenções
que me dispensaram as pessoas com as quais conversei. Senti nelas a possibilidade de que,
ao falar desses temas comigo, alguma coisa ocorreria para modificar aquilo com o qual não
estavam satisfeitos. Eu sinto, por sua vez, que sou uma nova voz que fala, tentando traduzir
da melhor maneira possível essas ânsias de mudança.
Uma das idéias que surgem com esta pesquisa, a respeito da necessidade dos
agricultores de se associarem para receber a água da represa, é que não podemos fazer com
que as pessoas se organizem do jeito que pensamos que elas devem fazê-lo, mas, devemos
facilitar a elas que vejam algumas coisas que não estão olhando e procurem, então, seus jeitos
de se organizar.
Finalmente, acho possível a convivência dos diferentes tipos de produtores em Quíbor,
porém, é necessário que os que têm menos possibilidades de se manter, contem com o apoio
definitivo e formal do Estado. Espero que este estudo possa servir para que as discussões
sobre o futuro do Vale, da represa e dos agricultores, tenham outros elementos que possam ser
considerados para a discussão com todos os envolvidos, e que seja possível também a
sobrevivência daqueles produtores que pouco ou nada têm, e que poderão ter muito se
178
utilizarem todas as suas capacidades e habilidades. Para isso, devem contar, não só com água
suficiente, mas, com formas de produção em condições dignas e permanentes.
180
Almeida, Jaclcione. (2002). A Problemática do Desenvolvimento Sustentável. In: Becker, Dinizar (org.). Desenvolvimento Sustentável. Necessidade e/ou Possibilidade? Edunisc. Santa Cruz do Sul. Argandoña, Antonio. (1999). Los Economistas y el Bien Común. III Simposio de Filosofía y Ciencias Sociales. San Sebastián, Pamplona. Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela. (2000). Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Edición Definitiva Corregida, Según Gaceta Oficial Extraordinaria nº 5453 del 24 de marzo. Caracas. ________. (2001a). Ley de Tierras y Desarrollo Agrario. Gaceta Oficial de la República Bolivariana de Venezuela. n.° 37.323 del 13 de noviembre. Caracas. ________. (2001b). Proyecto de Ley de Aguas. Comisión Permanente de Ambiente, Recursos Naturales y Ordenación Territorial. Disponível em: htpp//www.asambleanacional.gov.ve. Consultado em 15/10/2002. Bakhtin, Mikhail. (1994). “The Problem of Speech Genres”. In: Emerson, C. e Holquist, M. (eds.), Speech Genres and the others late essays (pp. 60-102). Austin, Texas: University of Texas Press. Barlow, Maude; Clarke, Tony. (2003). Ouro Azul. M. Books. São Paulo. Barreto, Tarquino (1996). El Museo Arqueológico de Quíbor: Patrimonio Cultural de Quíbor. In: Boletín Museo Arqueológico de Quíbor, n.° 5, diciembre, Quíbor. Bartolomé, J. (1998). El Agua, Domínio Público Jurídico y Bien Público Econômico: Coincidências y Divergências de sus Conceptos. In: I Congreso Ibérico sobre Gestión y Planificación del Agua, 14 al 18 de septiembre. Zaragoza. Batista, José. (1998). Agua y Conflictos en Sistemas de Riego: Un Análisis Antropológico. In: I Congreso Ibérico sobre Planificación y Gestión de Aguas, 14 al 18 de septiembre. Zaragoza. Biswas, Asit. (2002). From Mar del Plata to Kyoto. A Review of Global Water Policy Dialogues. In: Key-Note Lecture International Symposium on Water for Human Survival. Nova Delli. Blue Planet Project. (2003a). Tratado para Compartilhar e Proteger a Água do Planeta. Disponível em: http://www.blueplanetproject.net/portuguese/treaty/. Consultado 12/08/2003. ________________. (2003b). Um Plano de Ação para Proteger os Direitos da População à Água do Planeta. Disponível em: http://www.blueplanetproject.net/cms_publications/action_support_por.pdf Consultado 12/08/2003. Bouguerra, Mohamed. (2003). A Guerra pela Água. In: Cadernos Diplô, Le Monde Diplomatique. A Disputa pelo Ouro Azul. n.° 3. São Paulo.
181
Burke, Peter. (1992). História e Teoria Social. Editora Unesp. São Paulo. Bustamante, Rocío. (2003). Visiones Mundiales sobre el Agua y Políticas Hídricas. Ministerio de Agricultura, Ganadería y Desarrollo Rural. PRONAR-CONIAG. Bolívia. In: http://www.aguabolivia.org/situacionaguaX/VisionesMundialesyPoliticasAgua.htm. Consultado em 22/09/2002 Cámara Municipal de Jiménez. (2004). Anteproyecto de Ordenanza para el uso del Agua de los Filtros de la Planta de Tratamiento Original “Ciudad de Barquisimeto”. Mimeo. Quíbor. Canelón, Jesús. (2003). Manejo da Água de Irrigação no Semi-Árido. Palestra apresentada no XII Encontro da Abrapso, 14-17 de outubro. Porto Alegre. Canelón, Jesús; García, Milagros; Núñez, Carlos. (1999). Representaciones Sociales de Trabajadores Agrícolas sobre los Plaguicidas y su Salud. Informe Final de Investigación. Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” – UCLA-CDCHT/Fundacite-Lara. Barquisimeto (mimeo). Cañizales, Francisco (1996). El Calicanto de Poa-Poa. Primer Embalse en el Valle de Quibor. Boletín Museo Arqueológico de Quíbor, n.° 5, diciembre, pp. 95-102.Quíbor. Childe, Gordon. (1954). What Happened in History. Penguin. Harmonds-worth. Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). (2001). Administración del Agua en América Latina y el Caribe en el Umbral del SigloXXI. Disponível em: http://www.eclac.cl/publicaciones/recursosnaturales/4/lcl1564pe/lcl1564-p-e.pdf. Consultado em 27/09/2002. ____________. (1998). Recomendaciones de las Reuniones Internacionales sobre el Água: de Mar del Plata a París. Fragmento del texto original publicado. LC/R.1865 – 30 de octubre. Disponível em: http://www.eclac.cl/publicaciones/recursosnaturales/4/lcl1564pe/lcl1564-p-e.pdf. Consultado em 27/09/2002. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMA). (1991). Nosso Futuro Comum. Editora da Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro. Concejo Municipal del Municipio Jiménez. (1996). Resumen: Reforma Parcial al Reglamento de las Aguas de la Quebrada “Acarigua”. República de Venezuela, Estado Lara. Gaceta Municipal Año LXXIX, Mes: III 26/03/1996. Número Extraordinario. Quíbor. Congreso Nacional de Venezuela. (1982). Código Civil. Imprenta Nacional. Caracas. Concejo Municipal del Distrito Jiménez. (1996). Número Extraordinario. Reforma Parcial al Reglamento de la Aguas de la Quebrada Acarigua. Gaceta Municipal. Año LXXIX, mes III, Quíbor. Cordeiro, Rosineide. (2003). Intervenção, Seca, Poder e Resistência no Nordeste Seco do Brasil. Palestra apresentada no XII Encontro da Abrapso, 14-17 de outubro. Porto Alegre.
182
Cotesaguas (2003). El Manejo del Efluente de la Planta de Tratamiento en el Sector los Ejidos. Informe técnico (mimeo). Quíbor. Crossette, Barbara. (1995). Severe Water Crisis Ahead for Poorest Nations in Next 2 Decades. The New York Times, p. A13,. August 10. New York. Dayton-Johnson, Jeff. (2001). Peasants and Water: A Review Essay on the Economics of Locally-managed Irrigation. (Mimeo). Dalhousie University. Halifax. Davies, Bronwyn; Harré, Rom. (1990). Positioning: The Discursive Production of Selves. Journal for the Theory of Social Behavior, 20 (1), 43-63. Tradução Mary Jane Spink. Deléage, Jean-Paul. (2003). A Nova Questão Estratégica Mundial. In: Cadernos Diplô, Le Monde Diplomatique. A Disputa pelo Ouro Azul, n.° 3. São Paulo.
De Villiers, Marq. (2002). Água. Como o Uso deste Precioso Recurso Natural Poderá Acarretar a mais Séria Crise do Século XXI. Editora Ediouro. Rio de Janeiro. Diaz, Reinaldo. (2004). 90 Millones de Dólares para Continuar Obras de Yacambú. El Impulso. Capa de rostro. Edição de 21 de maio. Consultado em 23/05/04.
Dugarte, Jesús. (2002). El Entorno Físico Natural del Valle de Quibor. Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. Gerencia de Desarrollo y Conservación. Barquisimeto. ____________. (1998). La Organización de Usuarios de Riego en la Quebrada Acarigua, Valle de Quibor, Estado Lara, Venezuela. III Seminario Internacional de Transferencia de Sistemas de Riego, Durango, del 2-l 4 de septiembre, México.
Dugarte, Jesús e colaboradores. (1995). El Uso del Agua en el Valle de Quibor. Informe. SHYQ. Barquisimeto. El Impulso. (2002a). 13 Años de Gestión. Página D7. 15 de septiembre. Barquisimeto. _________. (2002b). Más de 30 años de Espera. Página D6. 15 de septiembre. Barquisimeto. Esteves, Julio. (1999). Evaluación de los Mecanismos de Captación y Distribución del Agua en el Valle de Quíbor. Informe técnico. Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor. Freitas, Vladimir (coord.). (2002). Águas: Aspectos Jurídicos e Ambientais. Editora Juruá. Curitiba. Fundación para el Desarrollo de la Región Centro Occidental (Fudeco). (1991). Diagnóstico Socioeconômico de los Productores de Área de Aprovechamiento Agrícola de la Depresión Conocida como Valle de Quíbor. Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor (SHYQ). Barquisimeto (mimeo). ___________. (1979). Experiencias en el Proyecto Piloto de Los Ejidos de San José de Quíbor en el Valle de Quíbor. Fundación para el Desarrollo de la Región Centro Occidental de Venezuela. Barquisimeto.
183
___________.(1973). Bases para el Desarrollo del Valle de Quíbor. Informe. Fundación para el Desarrollo de la Región Centro Occidental de Venezuela. Barquisimeto. ___________. (1972). Proyecto Yacambú. Estúdio de Factibilidad. Fundación para el Desarrollo de la Región Centro Occidental de Venezuela. Barquisimeto. Galilea, Pedro. (1998). Las Aguas Subterráneas como Recursos de Propiedad Común: Aprendiendo una Experiencia de California (Una aproximación económica). In: Congreso sobre Planificación y Gestión de Aguas. Zaragoza. García, Milagros. (2003). Práticas Discursivas sobre Riscos e Agrotóxicos numa Região do Semi-Árido da Venezuela. Palestra apresentada no XII Encontro da Abrapso, 14-17 de outubro. Porto Alegre. Geertz, Clifford. (1981). Negara: The Theatre State in Nineteenth Century Bali. Princenton University Press. New Jersey. ____________. (1980). Organization of the Balinese subak. In: E. Walter Coward,Jr. (ed.) Irrigation and Agricultural Development in Asia: Perspectives from the Social Sciences (pp.70-90). Cornell University Press. Ithaca. Gelles, Paul. (1997). Water, Ethnicity and Power: State vs. Local Models of Irrigation in Highland Peru. The Anthropology Conference Room. UCSB Anthropology Brown Bag Lecture Series. Disponível em: http://anthr.ucsb.edu/brownbags/bb.gelles.html Consultado em: 09/10/2004 Germinal, Ramón. (2003). Água em la Memória. In: Rosenberger, H.; Germinal, R.; Ordiguer, A; Gavaldá, M. Água, ¿mercancia o bien comum?. Alikornio Ediciones. Barcelona. Giner, Vicente. (1969). El Tribunal de las Aguas de Valencia. Sucesor de Vives Mora - Artes Gráficas. Valencia. Gleick, Peter. (2001). Making Every Drop Count. Scientific American. Versão electrônica. Febrero, 18. Disponível em: htpp://www.sciam.com/print_version.cfm?articleID=00088224-0964-1C71-84A9809EC... Consultado em: 15/06/2003.
___________. (1999). The Human Rigth to Water. 1(5) Water Policy 487-503. Glick, Thomas. (1970). Irrigation and Society in Medieval Valencia. Disponível em: http://libro.uca.edu/irrigation. Global Water Partnership (GWP). (2000). Integrated Resources Management, Tecnical Advisory Committe (TAC). Background Paper Series. Stockholm. González, Ángela. (2000). Informe Nacional sobre la Gestión del Agua en Venezuela. Disponível em: http://www.cepis.org.pe/bvsair/e/repindex/repi75/texi.html. Consultado em: 07/03/2002.
184
Gonzáles, Ángeles. (1999). Pasado y Presente de los Bienes Comunales. Disponible em: htpp://www.filosofiayderecho.com/edea/2002/numero6/comunales.htm. Consultado em: 08/04/2003. Guerrero, Manuel. (1998). El Agua. Fundo de Cultura Econômica. Col. La Ciencia para Todos. México. Hacking, Ian. (1999). The Social Construction of What? Harvard University Press.Cambridge. Hardin, Garret. (1968). The Tradegy of the Commons. Science, 162: 1243-1248. Hidrolara. (2004). Anteproyecto de Ley de Aguas del Estado Lara. República Bolivariana de Venezuela, Estado Lara. Barquismeto (mimeo). Hunt, Robert. (1989). Appropriate Social Organization? Water User Associations in Bureaucratic Canal Irrigation Systems. Human Organization 48, PP. 79-90. Hunt, Robert; Hunt, Eva. (1976). Canal Irrigation and Local Social Organization. Current Anthropology, vol. 17, n.° 3, setembro. Iñiguez, Lupicinio. (1994). Estrategias Psico-Sociales para la Gestión del Agua: del Enfoque Individualista al Enfoque Social. Disponível em: http://antalya.uab.es/liniguez/Materiales/publicaciones.asp. Consultado em 23/04/2003. _______________. (2003). La Psicología Social en la Encrucijada Postconstruccionista. Historicidad, Subjetividad, Perfomatividad, Acción. Palestra apresentada no XII Encontro Nacional da Abrapso. 15-17 de outubro. Porto Alegre. Junta Administradora del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor. (1995). Reglamento para el Uso del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor. Trabajo final de reflexión y discusión. Quíbor. Kaul, I.; Grunberg, I.; Stern, M. (1999). Global Public Goods. Oxford Press. New York. Leach, Edmund (1961). Pul Eliya: A Village in Ceylon. Cambrigde University Press. Cambridge. Leme, Paulo. (2002). Recursos Hídricos: Direito Brasileiro e Internacional. Editores Malheiros. São Paulo. Long, Norman. (2001). Development Sociology: Actor Perspectives. Routledge. London/New York. ____________. (1999). The Multiple Optic of Interface Analysis. Unesco, Background Paper on Interface Analysis (mimeo). ____________. (1997). Agency and Constraint, Perceptions and Practice. A Theoretical Position. In: de Haan, Henk; Long, Norman (eds). Images and Realities of Rural Life. Van Gorcum. The Netherlands.
185
____________. (1996). Globalización y Localización: Nuevos Retos para la Investigación Rural. In: De Grammont, Hubert; Tejera, Héctor. (eds.). La Sociedad Rural Mexicana Frente al Nuevo Milenio. Volumen I: La inserción de la Agricultura Mexicana en la Economía Mundial. Lara, Sara e Chauvet, Michelle (comps). Universidad Autónoma Metropolitana. Azcapotzalco. Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto Nacional de Antropología e Historia. Plaza y Valdez. México. Long, Norman; Villareal, Magdalena. (1993). Las Interfaces del Desarrollo: de la Transferencia de Conocimiento a la Transformación de Significados. In: Schuurman, F.J. Beyond the Impasse: New Directions in Development Theory. Zed Press. London. Malavasi, Guillermo. (1999). La Globalización y el Bien Común Mundial. Revista Acta Académica. Universidad Autónoma de Centro América, n.° 24. San José. Costa Rica. Maris, Bernard. (2003). O Apetite Voraz das Multinacionais. In: Cadernos Diplô, Le Monde Diplomatique. A Disputa pelo Ouro Azul, n.° 3. São Paulo. Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales (MARN). (2003). Políticas del MARN. Disponível em: http://www.marn.gov.ve/files/politicas.htm. Consultado em 01/05/2004. Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales y Renovables (Marnr). (1966). Ley Forestal de Suelos y Aguas. Gaceta Oficial de la República Bolivariana de Venezuela. n.° 34.321 del 6 de octubre. Caracas.
Ministerio de Agricultura y Tierras (MAT). (2004a). Misión del Ministério de Agricultura y Tierras. Disponível em: http://www.mat.gov.ve/index.html Consultado em 01/05/2004.
__________. (2004b). Misión del Instituto de Desarrollo Rural. Disponível em: http://www.mat.gov.ve/org_inder.html. Consultado em 01/05/2004.
Marticorena, B. (2003). Opinión: El Instituto del Bien Común. Disponível em: http://www.biencomun-peru.org/boletin01.htm. Consultado em 04/09/2003. Marx, Karl. ([1964], 1975]). Formações Econômicas Pré-Capitalistas. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro. Morales, Juan. (1990). Vida y Obra de Canarios en Venezuela. Edición del autor. Barquisimeto. Morelli, Leonardo. (2003). Grito das Águas. Ed. Letradágua. Coleção Equilíbrio Global.Santa Catarina. Brasil. Naredo, José. (1987). La Economía en Evolución.Siglo XXI. Madrid. Olvera, Luz. (2004). El Bien Común. Disponivel em: htpp://www.universidadabierta.ed.mx/Biblio/O/Olvera%20Luz-Garantias.htm. Consultado em: 10/03/2004.
186
Organização das Nações Unidas (ONU). (2002). Informe sobre la Cumbre Mundial sobre el Desarrollo Sostenible. Capítulo 1. Resoluciones aprobadas por la Cumbre. Publicación de las Naciones Unidas, edición A/conf.199/20. New York. _____________. (2001a). International Conference on Freshwater. Las Claves de Bonn. Bonn, 3 a 7 de dezembro. Disponível em: http://www.water_2001.de/ Consultado em 25/03/2003. _____________. (2001b). International Conference on Freshwater. Recomendaciones de Acción. Bonn, 3 a 7 de dezembro. Disponível em: http://www.water_2001.de/ Consultado em 25/03/2003. ____________. (1992a). Conferência Internacional sobre a Água e o Meio Ambiente (Ciama). Declaração de Dublin. Dublin, 26 a 27 de janeiro, Irlanda. ____________. (1992b). Conferencia de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente y el Desarrollo. Agenda 21. Capítulo 18. Rio de Janeiro, 3 a 14 de junho. Disponível em: http://www.medioambiente.gov.ar/acuerdos/convenciones/rio92/Default.htm. Consultado em 25/03/2003. Organização Metereológica Mundial (OMM) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). (1996). Declaración de San José. Conferencia sobre Evaluación y Estratégias de Gestión de Recursos Hídricos en América Latina y El Caribe. San José, 8 a 11 de mayo.Costa Rica. Ostrom, Elinor. (1999). Principios de Diseño y Amenazas a las Organizaciones Sustentables que Administran Recursos Comunes. VI Conferencia Fidamérica. De cara a la Globalización: Organizaciones Económicas en América Latina y el Caribe. México. ______. (1992). Diseño de Instituciones para Sistemas de Riego Auto-Gestionarios. Institute for Contemporary Studies Press. Califórnia. ______. (1990). Governing the Commons. The Evolution of Institutions for Collective Action. Cambridge University Press. London. Ostrom, Elinor; McKean, M. (2003). Bosques en Régimen de Propiedad Común: Sólo un Vestigio del Pasado? Disponível em: http://www.fao.org/docrep/v3960s/v3960s03.htm. Consultado em: 06/05/2003. Paquerot, Sandra. (2003). L´Eau, Bien Común de l´humanité parce que L’Accès á L’Eau est D’Abord un Droit Fondamental. Disponível em: htpp://www.cssamares.qc.ca/eco_103/103/pages/Michel/erc4/erc417/conservationártage.ht Consultado em: 15/05/2003. Peña, Lorenzo. (2001). La Idea de Bien Común en la Filosofía Medieval y Renacentista. Conferencia pronunciada en la Universidad Carlos III (mimeo). Madrid.
187
Pérez, Omar (comp.). (s/d). Ordenanza de 9 de Diciembre sobre Distribución de Aguas en la Villa de Quibor. In: Ordenanzas, Resoluciones y Acuerdos de la Diputación Provincial de Barquisimeto 1834-1856, vol. II. Quíbor. Petrella, Ricardo. (2003). A Conquista da Água. In: Cadernos Diplô, Le Monde Diplomatique, A Disputa pelo Ouro Azul. N° 3. São Paulo. ______. (2001). O Manifesto da Água: Argumentos para um contrato mundial. Editora Vozes. Rio de Janeiro. Postel, Sandra. (2001). Growing More Food with Less Water. Scientific American. Versão electrônica. Febrero, 18. Disponível em: htpp://www.sciam.com/print_version.cfm?articleID=0006AB09-13AC-1C71-84ª9809E... Consultado em: 02/04/2003. Rampazzo, Sônia. (2002). A Questão Ambiental no Contexto do Desenvolvimento Econômico. In: Becker, Dinizar (org). Desenvolvimento Sustentável. Necessidade e/ou Possibilidade?. Edunisc. Santa Cruz do Sul. Rebouças, A. C. (2002). Água Doce no Mundo e no Brasil. In: Rebouças, A.C.; Braga, Benedito; Tundisi, José (orgs.). Águas Doces no Brasil, Capital Ecológico, Uso e Conservação. Escrituras. São Paulo. Reigota, Marcos. (2002). A Contribuição da Ciência ao Desenvolvimento com Base Ecologista. In: Becker, Dinizar (org). Desenvolvimento Sustentável. Necessidade e/ou Possibilidade?. Edunisc. Santa Cruz do Sul. Ribeiro, Darcy. (1978). O Processo Civilizatório: Etapas da evolução Sociocultural. Editora Vozes. Petrópolis. Rosenberger, Horst. (2003). El Asalto al Agua. In: Rosenberger, H. et al. Água, ¿Mercancia o Bien Común?. Alikornio Ediciones. Barcelona. Salati, Enéas; Mattos, Haroldo; Salati, Eneida. (2002). Água e o Desenvolvimento Sustentable. In: Rebouças, A.C.; Braga, Benedito; Tundisi, José (orgs.). Águas Doces no Brasil, Capital Ecológico, Uso e Conservação. Escrituras. São Paulo. Salazar, Juan. (1996). Aspectos Históricos sobre el Control y Uso de las Aguas en la Jurisdicción del Tocuyo durante el Siglo XVIII (una mirada al período colonial). Boletín Museo Arqueológico de Quíbor, n.° 5, diciembre, pp. 121-139.Quíbor. Saldanha, Carlos. (2003). Água Doce: Um Bem de Uso Comum Restrito. Jornal da Ciência. Edição 2074, sexta-feira, 12 de julho. Rio de Janeiro. Sander, Willians e Price, B. (1968). Mesoamerica: The Evolution of Civilization. Random House. New York. Sandia, L. et al (2000). Agricultura, Salud y Ambiente. Cidiat, Fundación Polar. Caracas.
188
Selborne, Lord. (2002). A Ética do Uso da Água Doce: Um Levantamento. Cadernos Unesco Brasil. Série Meio Ambiente e Desenvolvimento. Vol. 3. Brasília. Shiva, Vandana. (2003). Las Guerras del Agua. Privatización, Contaminación y Lucro. Siglo XXI Editores. México. Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. (SHYQ). (1999). Lineamientos para el Desarrollo de Yacambú-Quíbor. Una obra del Siglo XX para el Siglo XXI. Gerencia de Desarrollo y Conservación. Barquisimeto. ________. (1998). Plan Maestro del Valle de Quíbor. Gerencia de Desarrollo y Conservación. Barquisimeto. ________. (1995). El Uso del Agua en Quíbor. Informe. Barquisimeto. ________. (1977). Proyecto Yacambú-Quíbor. Informe. Barquisimeto. Silva, José. (1993) Informe de la Comisión de Asuntos Campesinos y Desarrollo Rural de Quíbor. SHYQ. Barquisimeto. Simposio Internacional Gestión del Agua y Medio Ambiente. (2002). Resúmenes de Ponencias. Hidrolara. 11 a 13 de septiembre. Barquisimeto. Sofri, Gianni. (1977). O Modo de Produção Asiático: História de uma Controvérsia Marxista. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro. Spink, M.J. (2003a). Psicologia Social e Saúde: Práticas, Saberes e Sentidos. Vozes. Petrópolis. _________. (2003b). Práticas Discursivas e Produção de Sentido. Disciplina ministrada no segundo semestre (notas de aula). _________. (2002). A Produção de Sentidos na Perspectiva da Linguagem em Ação: Abordagens Teóricas e Metodológicas (mimeo). Spink, M.J. (Org). (1999). Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano: Aproximações Teóricas e Metodológicas. Cortez. São Paulo. Spink, M.J.; Frezza, Rose. (1999). Práticas Discursivas e Produção de Sentidos: a Perspectiva da Psicologia Social. In: Spink, M.J. (org.). Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano: Aproximações Teóricas e Metodológicas. Cortez. São Paulo. Spink, M.J.; Lima, Helena. (1999). Rigor e Visibilidade: a explicitação dos passos da interpretação. In: Spink, M.J. (org.). Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano: Aproximações Teóricas e Metodológicas. Cortez. São Paulo. Spink, M.J.; Medrado, Benedito. (1999). Produção de Sentidos no Cotidiano: Uma Abordagem Teórico-Metodológica para a Análise das Práticas Discursivas. In: Spink, M.J. (org.). Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano: Aproximações Teóricas e Metodológicas. Cortez. São Paulo.
189
Spink, M.J.; Menengon, Vera. (2003). Práticas Discursivas como Estratégias de Governamentalidade: a Linguagem dos Riscos em Documentos de Domínio Público (no prelo). Spink, Peter. (2004). Notas da aula de aula ministrada no dia 04/08/2004. Núcleo de Pesquisa em Ação e Organização Social. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). _________. (2003a). Pesquisa de Campo em Psicologia Social: Uma Perspectiva Pós-Construcionista. Revista Psicologia e Sociedade, vol.15, n.°.2. jul/dez., Porto Alegre ________. (2003b). O Sertão Tem Tudo o Que Precisa, se Faltar a Gente Inventa: as Lições da APAEB – Valente para a Psicologia Social. Palestra apresentada no XII Encontro da Abrapso, 14-17 de outubro, Porto Alegre. ________. (2003c). O lugar como um Lugar para a Psicologia Social (no prelo). ________. (2002). Políticas Públicas e Práticas Públicas (mimeo). ________. (2001a). La Psicología y la Sociedad Civil: Recordando a Gramsci. Revista Avepso. Vol. XXIV. N° 2. Caracas. ________. (1999). Análise de Documentos de Domínio Público. In: Spink, M.J. (org.). Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano: Aproximações Teóricas e Metodológicas. Cortez, São Paulo. Steward, Julian (editor). (1955). Irrigation Civilization: A Comparative Study. Pan-Americam Union. Whashington. The Ramsar Convention on Wetlands, (1998). Internacional Conference on Water and Sustainable Development. Final Declaration. Paris, 19 a 21 de março. Disponível em: http://www.ramsar.org/key_paris_water_final.htm. Consultado em 12/06/2003. Tundisi, José. (2003). Água no Século XXI: Enfrentando a Escassez. Rima Editora. São Carlos. Brasil. Unesco (2003). Milestone 1972-2003. From Stockholm to Kyoto. Disponível em: http://www.unesco.org/water/wwap/milestones/index.shtml. Consultado em 12/06/2003. Valderrama, P. (1997). Reseña Histórica sobre el Manejo de las Aguas en Chile desde la Conquista hasta la Dictación del Código Civil (1541-1855). Serie Estudios. Publicación del Departamento de Estudios de la Biblioteca del Congreso Nacional. Chile. Vargas, Paulo (2002). O Insustentável Discurso da Sustentabilidade. In: Becker, Dinizar (org). Desenvolvimento Sustentável. Necessidade e/ou Possibilidade?. Edunisc. Santa Cruz do Sul.
190
Venezuela. (2001). Ley de Tierras y Desarrollo Agrario. Gaceta Oficial de la República Bolivariana de Venezuela, n.° 37.323, del 13 de noviembre. Caracas. Wateau, Fabienne. (2000). Conflitos e Água de Rega: Ensaio sobre a Organização Social no Vale do Melgaço. Publicações Dom Quixote. Lisboa. Wittfogel, Karl. (1957). Oriental Despotism: A Comparative Study of Total Power. Yale University Press. New Haven. Wolf, Aaron. (1998). Conflict and Cooperation along International Waterways. Water Policy. Vol. 1 n.º 2. Wolf, Eric; Palerm, Angel. (1955). Irrigation in the Old Acolhua Domain, México. In Southwestern Journal of Anthropology 11. World Water Council (WWC). (2003). 3rd World Water Forum. Ministerial Declaration. Kyoto, march 22-23, Japan. Disponível em: http://www.world.water-forum3.com/jp/mc/md_final.pdf. Consultado em 13/06/2003. ___________. (2000). Ministerial Declaration of The Hague on Water Segurity in the 21st Century. The Hague, march 22, The Netherlands. Disponível em: http://www.worldwaterforum.net/Ministerial/declaration.html. Consultado em 07/05/2003. ___________. (1998). Long Term Vision for Water, Life and Environment: A Proposed Framework. Disponível em: http://www.worldwaterforum.net. Consultado em 13/06/2003.
___________. (1997). Marrakech Declaration. March 22. Disponível em: http://www.cmo.nl/pe/pe7/pe-772.html. Consultado em 07/05/2003.
192
Dugarte, Jesús. (2002). El Entorno Físico Natural del Valle de Quibor. Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. Gerencia de Desarrollo y Conservación. Barquisimeto. Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales (MARN). (2003). Tabla de Turnos de la Quebrada Atarigua. (Manuscríto). Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. (SHYQ). (1998). Plan Maestro del Valle de Quíbor. Gerencia de Desarrollo y Conservación. Barquisimeto.
194
Apêndice 1 TABELA DE DISTRIBUIÇÃO DOS TURNOS DE ÁGUA ENTRE SANARE E QUÍBOR (Amostra).
Año 2003 E N E R O F E B R E R O L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D
Produtor Horas 6 7 8 9 10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
11
12
13
14
15
16
1 AP (h) 12 D N N D 2 SP 12 D N N D 3 CV 12 N D D N 4 ST 12 N D D N
5 ET 12 D N D N 6 HM 12 D N D N 7 PaB 12 N D N D 8 PB 12 N D N D
9 AL 12 D N D N 10 OL 12 D N D N 11 CA 12 N D N D 12 HJ 12 N D N D
13 EL 12 N D N D N 14 JA 12 N D N D N 15 JH 12 D N D N D 16 LV 12 D N D N D
17 AP (p) 12 N D N D 18 AP 12 N D N D 19 SJ 12 D N D N 20 RG 12 D N D N Quibor 24 D=Día Fonte: Ministério del Ambiente y de los Recursos Naturales (Marn) (Versão do autor)
195
Apêndice 2 SENTIDOS ATRIBUÍDOS À ÀGUA EM QUÌBOR
Juizes Agricultores Funcion. Organismos
ATORES SENTIDOS
I S IDRO
ALCIDES
DIEGO
TIAGO
ELIAN
ANDRES
S ERGIO
ESLI SEO
AMANDA
JOSE
VEREADOR
HI DROLARA
SHYQ
GUARDA
POLICIA
S IMPOS IO
LEI S
Das Definições 1) Não tem nada tão vital como a água 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 3 3 1 1 4) Por ser um recurso limitado, conflitos latentes 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 1 1 5) A água é um bem econômico, tem de ser pago 2 2 2 2 2 2 1 2 1 1 1 1 1 3 3 1 1 10)Todas as águas são de domínio público 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 64) A água é um bem comum 1 Da Gestão 2) Precisa-se da ativa participação dos usuários 3 1 1 1 1 1 1 3 3 1 1 3) Gestão integral para a sustentabilidade 1 1 1 2 1 1 3 3 1 1 6) Se conservarmos a bacia teremos água 3 3 2 1 3 2 1 1 2 3 1 1 7) Tem que haber desenvolvimento sustentável 1 1 1 2 1 1 1 1 8) Temos de proteger as fontes de água 3 2 2 2 2 1 1 2 1 1 9) Temos de capacitar às comunidades (na gestão da água) 1 2 1 3 2 1 1 1 11)Tem de haver maior descentralização na gestão da água 2 2 2 1 1 1 1 1 12)Os turnos são feitos pelo distribuidor em concordância com as necessidades dos agricultores
1
1
1
1
1
2
3
3
3
3
2
13)A água que sobra é para irrigação 2 1 1 1 1 2 2 2 3 2 2
196
14)Nós não sabemos como melhorar a distribuição 1 3 1 1 1 15)Tenho de dar água às pessoas, começando de acima para baixo 1 1 1 1 16)Mesmo a quem não me pague continuo dando água 1 1 17)Te dou um pouco, e outro pouco para ele e amanhã lhes dou de novo, porque se está seco tenho de remediar a todos
1
1
1
18)Aqui ninguém compartilha água, o que a pega leva toda 1 1 1 1 1 21)Quando (agricultores) não têm água, culpam ao juiz 2 2 1 22)Eu reparto os desperdícios (da água) 1 2 1 1 24)A gente quando trabalha com água (o juiz), não pode se vender 1 1 1 2 2 2 1 26)Quando eu vejo que têm grana (os agricultores) e não querem me dar eu me vingo deles no verão
1
27)Tem de levar a água quando o cultivo esta se perdendo 1 1 1 1 1 28)O juiz dá a ordem, mas você vai decidir de acordo com a quantidade de água 1 1 1 1 1 30)O trabalho do juiz é distribuir água aos agricultores 1 1 1 1 1 1 1 1 3 3 1 32)O Ministério do Ambiente é quem reparte os turnos 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 33)Se há muita água o que está embaixo pode pegar primeiro a água 1 1 1 1 1 34)A gente(os juízes) se mantém pelos agricultores 1 1 1 1 1 1 1 35)Têm pessoas que não me pagam. De todo modo eu dou a água a eles 1 1 39)Eu tenho às pessoas adaptadas, quando há bastante, recebem bastante, quando há pouca recebem pouca
1
1
1
40)A construção de lagoas foi o jeito de racionar mais a água 1 1 1 1 1 1 41)Temos turnos de água 1 1 1 1 1 1 1 1 1 42)Você sabe que a água vem de cima, irrigando de cima para baixo 1 1 1 1 1 2 1 43)Quase todos os dias a gente (os agricultores) se encontra com o juiz de água para pedir-lhe a água
1
1
1
1
1
45)Foi duro no começo para chegarmos ao consenso, mas depois fizemos os turnos de água (com Sanare)
1
1
1
1
47)Temos uma seca depois de dezembro, aí é que estava o problema, agora temos os turnos 1
1
1
2
1
48)A gente conta com um universo de produtores altamente experimentados nas diversas
197
modalidades de irrigação 1 1 49)A entrega da água exigirá a prévia conformação de organização de irrigadores 1 1 50)A gente se constituiu como empresa por decreto 1 51)Trabalhamos agora como particulares 1 55)Formamos uma associação 2 1 1 1 57)Chegamos a um acordo com Hidrolara 1 1 1 58)Nós bombeamos a água 1 60)Quando chove, todos somos amigos 1 1 1 1 1 1 1 1 63)Quem cobra a água é o juiz 1 1 1 1 1 1 65) O Estado deve cobrar pelo uso da água 1 1 1 1 Dos Direitos, Regulamentações 20)Isso está escrito no regulamento de uso da água 1 1 1 1 1 1 23)Estamos apoiados (nos juízes) pela Prefeitura, é como uma permissão, um atestado 1 1 1 2 2 1 25)Todo mundo tem água, rico e pobre, mas a pessoa tem de sabê-la ganhar 1 1 1 1 1 29)Quem não paga a água não tem direito 1 1 1 2 2 1 1 1 1 1 1 52) O governo nos deu água, créditos e terras 1 Dos Conflitos 19)Se tiver algum problema, vou com a Guarda Nacional 1 1 1 1 1 1 1 1 31)A água é de eles (de Sanare) dizem eles, nós brigamos pela nossa parte, eles estão acima
1 1
1
1
1
1
36)Sempre tem alguém que quer ser mais vivo, mas a Polícia se encarrega disso 1 1 1 1 1 1 1 1 1 37)Tenho tido problemas, discussões, mas as pessoas no final cedem, converso com elas, sem implicar
1
1
1
44)A gente tem-se civilizado, porque antes brigávamos pela água, quem era mais forte ficava com ela
1
1
1
1
1
46)Temos uma ordem do Ministério do Ambiente para chamar a Guarda sempre que tivermos problema
1
1
1
1
1
1
1
1
1
53)Roubávamos a água 1 1 1 54) Nos perseguiam e tiravam a água da gente 1 1 56)A Guarda nos levou para cadeia 1
198
59)Brigamos pelo esgoto de Sanare 1 1 61)O uso das bombas tem gerado enfrentamentos 1 1 1 1 62)Houve um homicídio pela água 1 1 1 1
ATORES ISIDRO (Juiz de água do riacho Atarigua) ALCIDES (Distribuidor da água dos filtros da estação de tratamento DIEGO (Distribuidor da água do portal de saída do túnel da represa) TIAGO (Agricultor, fundador de Aproquibor) ELIAN (Agricultor das empresas camponesas) ANDRÉS (Agricultor de Cuara) SERGIO (Agricultor de Sanare) ELISEO (Produtor de sementes) AMANDA (Funcionária do MARN) JOSÉ (Funcionário do SHYQ) VEREADOR (Prefeitura de Florencio Jiménez) MARN (Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais) HIDROLARA (empresa regional de administração dos serviços de água) SHYQ (Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor) GUARDA (Guarda Nacional) POLÍCIA SIMPÓSIO (Simpósio sobre água e ambiente) LEIS (Leis venezuelanas sobre o uso da água)
199
Apêndice 3 MAPA DAS CATEGORIAS DE ANALISE
Categorias Interlocutores
Bem Comum Direito Gerenciamento
JUIZES ALCIDES AM. Yo también soy
consumidor (11). J. ¿Ajá, la que botan es la que ustedes agarran? AM. Ajá, y el desperdicio que pasa ahí que pasa ahí, yo no sé si usted lo vió, el chorrito que pasa ahí J. Esa es una, ¿y la otra que usted estaba hablando, que se estaban cogiendo ellos que no pagaron? AM. Era esa misma, esa misma era J. ¿Era esa misma? AM. Es de la que vendían, pero de la misma planta, estos son los desperdicios (53-62). AM. La gente de los Ortices, nosotros somos el amo del agua, el agua es para todos (106-107). AM. Le he ido orientando, pues, que las cosas no son como él piensa, que el agua tiene que ser, por lo menos, obligada para una persona, para todos (266-267).
AM.El tanque de almacenamiento se llenaba, entonces se la vendían a Aproquíbor aquí (2-3). AM. Esa agua no es para los agricultores sino para el consumo (32). AM. No nos vendieron más agua (35). AM. Ellos no Tienen que ver con quien la agarre, quien no la agarre (52-53). AM. Nosotros aquí, todos los de los Ortices, estamos apoyados por el Concejo, (...) tenemos un permiso, pues, un poder, (...) ya nosotros tenemos una base (90-92). AM. Como comunidad tenemos un derecho de uso (94). AM. Pero nosotros tenemos, desde que empezó la planta vieja, que llamamos nosotros, que inauguró Caldera, estamos nosotros benefiicando con esa agua (107-109). AM. Aquí no manda nadie, aquí manda Alcides, les dije yo así, así sin tener, sin tener nada escrito (109-111). AM. Sí, hay una ley en la quebrada Atarigua, la Ordenanza, el que no paga el agua no tiene derecho al agua (337-338).
AM. Seguí yo repartiendo los desperdicios (37). J. ¿Ahora les quedaron nada más que los desperdicios? AM. Ajá, esa la reparto yo para cada agricultor (65-66). AM. Yo la sigo más abajo para salvar alguna siembra que está perdida, que si llega, el deber mío es inspeccionar, si llega le puedo dar para que salve la siembra (73-74). AM. Nosotros tenemos una junta ahí, junta de vecino y junta de la directiva del agua J. Ajá, o sea, ¿sí hay una asociación de usuarios del água? AM. Ajá, como si fuera una asociación, okey. Yo soy una persona que no me mando solo, pero aquí todo el mundo hace lo que yo diga, con respecto al água (97-99). J. Entonces, ¿ustedes nombraron a Ramiro, y no sirvió? AM. Ajá, después nombraron a Sergio y tampoco sirvió, entonces me nombraron a mí, y yo duré tres meses trabajando sin ganar medio (114-116). J. ¿Qué hacía allá arriba, qué hacía en la planta? AM. ¿Quién? J. Usted. AM. Esperar que si se llenaban los tanques me daban el agua para llenar las lagunas (124-127) J. Entonces, ¿cuál es el proceso, viene el agua y se van llenando laguna por laguna? AM. No, no, eso, lo que viene de EL Tocuyo entra a la planta, ahora, ellos se la vendían a la cooperativa de El Hato cuando se llenaban los tanques en Barquisimeto, cuando no se llenaban no me daban nada, entonces yo perdía la noche (128-131). AM. Le dije Tiago, alante de todo el público que está aquí yo le voy a presentar un problema, porque yo me trasnocho, y nadie me paga, algunos que me regalan una propinita, le dije yo, entonces ahí me puso un sueldo de, cada agricultor me podía pagar dos mil, tres mil bolívares, dependiera de lo
200
que ganaba (141-144). AM. Después hubo un problema, como le estaba echando el cuento de la gente de Chaimare que querían llevarse el agua, levantaban las compuertas, llévarsela a juro, entonces yo, para que no hubiera problemas de enfrentarse uno al otro, me fui para la Guardia, para el puesto de San José, me vine con ellos, una cita para todo el mundo, para todos los que echaban agua (153-157). J. O sea, ¿usted tiene que tener una alarma, van a lavar el filtro y…? AM. No, yo, así como estamos ahorita, por el día, tengo que estar pendiente por si salen tres o cuatro filtros, porque usted agarra el día y si no le sale nada, porque hay días que no sale nada, ahorita como está muy revuelta sí están lavando a cada rato, a veces en el día botan dos o tres filtros (184-188). AM. Usted le puede preguntar aquí, a todo el que usted quiera, yo me he portado muy bien con todo el mundo, gracias a Dios (204-206). J. ¿Desde cuándo está usted entonces como repartidor de agua, cuánto tiempo ya tiene? AM. Náguara, yo tengo.. JH. Desde que inauguraron la planta, vinieron dos y después usted AM. Sí J. Por lo menos 15 años. AM. Más o menos 15 a 20 años (239-244). AM. Hay gente que saca la siembra y no me da nada, “no me fue mal”, está bien, pero cuando yo veo que carga plata y no quiere darme se la aplico también, ah vamos a ver quién manda entonces, digo yo, que se baje de la mula (251-253). J. ¿El agua de Atarigua llegaba, llega hasta aqui? AM. Pasa hasta el Roble, hasta Río Seco, pues. J. Cuando hay agua, y entonces, ¿usted la tomaba para acá? AM. Yo la administraba para las lagunas. Le toca por lo menos, por orden, ahora cuando una persona tiene agua y el otro no tiene, hay que llevársela donde tengan siembra perdida (268-272). J. Pero si hay algún problema, ¿usted lo soluciona con la Guardia y el Concejo? AM. Si (280-281)
DIEGO DI. El água del túnel (24-5). J. Es el agua del túnel, ustedes son los usuarios del agua del túnel. DI. Los usuarios del agua del túnel son:
DI. Yo empecé fue por Guillermo que me eligieron para eso, entonces hubo votaciones, hubo varias reuniones para eso y hubo votaciones y me eligieron a mí (4-5)
201
Orlando, el primero, el agarra 24 horas de agua, el segundo viene Tiago agarra 24, todos 24 horas de agua, cuando llego allá al último abajo, vuelvo aquí otra vez (23-29). DI. Cuando se juntan las aguas negras y el túnel, no, se las lleva el que pueda (89-90).
J. ¿qué tienes que hacer tu? DI. Darle el agua a la persona que, empezando de arriba hacia abajo (16-17) J. ¿Cuántos días en total, cuántos usuarios son? DI. 32 usuarios J. ¿Cada uno agarra 24 horas de agua corridas? DI. 24 horas, sí, yo a veces me perdía porque no salía agua del túnel, hay noches que no sale (30-33) J. ¿Esa agua corre todo el dia? DI. Hay veces que se seca, como hay veces que corre todo el día, pero la agarran los bomberos, los bomberos están hacia arriba, entonces, el que tenga laguna aquí abajo no agarra nada (52-55). J. ¿Te pagan por eso? DI. Si. J. ¿Quién te paga? DI. Los usuarios del agua, unos pagan, otros no pagan. J. ¿Y al que no paga que le haces tú? DI. Le sigo dando agua, ¿qué voy a hacer? (rie) (65-70). DI. Cuando hay agua de buco es peor, porque el agua del buco choca con la del túnel y tienes que llevársela una noche a uno otra noche al otro por allá (78-79). DI. Aquí no se comparte agua, compartir, saca un chorro por aquí y otro por allá, no aquí se la lleva toda el que la agarra (108-109). J. Y entonces, ¿si tú tienes algún problema a quién açudes? DI. Ah, a la Guardia allá (139-140). J. Cómo se llama la Junta? DI. Junta Administradora del Agua del Túnel. J. ¿Tú tienes los estatutos y tienes todo? DI. Todo (153-156). J. ¿Cuánto tiempo tiene el túnel echando água, diez años? DI. Más, yo tengo como 7 ya de repartidor (180-181). J. ¿Nunca has tenido que llamar a la Guardia? DI. No, se hacen reuniones para que ellos apliquen las cosas, se le pone la condición a la gente, una semana lo cumplen y después siguen, no, pero no ha habido más bochinche. J. ¿Tú dirías que está controlada la cosa? DI. Por los momentos. J. ¿Quién se embochincha, cuando no viene el agua y empieza la sequía?
202
DI. Los que tienen siembra, es muy bravo, por lo menos tener tres hectáreas sembradas y no tener agua (191-198).
ISIDRO IS. Ellos, claro, con razón, porque también no pueden perder tanto arriba, pero eso es una cuestión que la ha turneado el ambiente, pero eso en veces no se respeta, esa es una de las cuestiones(15-7) IS. Ellos están arriba, se atienen a eso “nosotros estamos arriba y no podemos perder, el agua es de nosotros”, eso era cuando Quíbor pertenecía a, Andrés Eloy pertenecía a Jiménez, era más distinto, pero ahorita no, porque ellos son ya municipio y el agua y que es de ellos, dicen ellos, hasta ahí nosotros peleamos por lo que nos toca y siempre nos toca algo (19-23)
J. ¿Cuál es su trabajo? IS. El trabajo es mira, distribuirle a los agricultores, o sea que se va llevando, cuando la Ordenanza vieja era tapa por tapa, pero, eso se eliminó porque eso era cuando no habían lagunas, no habían depósitos, ahora con esto no. Usted por lo menos está del lado abajo, yo estoy regando aquí por lo menos, y usted está seco, yo tengo una cuestión, uno o dos riegos yo el agua se la llevo a usted, porque usted está más necesitado que yo, así esté yo arriba, esa es la cuestión aquí, el trabajo (3-8). J. ¿Cuál es su función entonces, la función es, viene el agua de la quebrada? IS. Bueno, se reparte lo que llegue, cuando, o sea, por lo menos ya en enero, los laguneros de Sanare, los ribereños pues, que llaman, ellos están turneados, ellos tienen su turno allá y se turnea el agua tres días para allá y tres días para acá, que siempre ellos, agarran más ellos que nosotros porque usted sabe que siempre está la gente ahí, tienen sus obreros en la quebrada y eso te quita, para acá correrán, yo calculo 24 horas de agua y ellos recogen lo demás (9-15) J. ¿O sea que ustedes a veces tienen problemas con el agua porque los de arriba no les paran? IS. Si los tenemos, vamos a la Guardia y la Guardia medio controla pero no es igual (18-19). J. ¿El Ministerio es el que da las pautas para los turnos? IS. Sí, el Ministerio del Ambiente, ajá, ellos turnean allí la broma (33-34). IS. Cuando está el agua poca yo los turneo, les doy dos días tres días, a que Hugo, de ahí vengo trayendo el agua de pa´ abajo (54-55). IS. Ahora cuando hay crecientes pues, y el agua pasa, es mucho el que agarra primero que otro porque la gente, “caramba, que este tipo agarró que está más abajo”, pero bueno si él está abajo y el agua creció, pues, eso es cuestión del caudal de agua (57-60). IS. O sea, que uno se mantiene de los agricultores, ahí cuando no hay agua el juez de agua no gana nada, es así de simple (78-79). IS. Aquí hay tipos que no me han dado ni medio, en doce años de trabajo, pero bueno, yo tampoco estoy con eso. J. ¿y usted le da el água? IS. Sí, de todas maneras le doy su turno normal (84-87).
203
J. Esos nueve bucos que tú nombraste, ¿qué nombres tienen? IS. Mira, empezando por encima, pues, Sanare, bueno, Sanare tiene dos derechos ahí que son: uno es de H, creo que ese lo tiene A, que ese se murió, que esos son bucos legales, bucos que están de gravedad, que esos no bombean con bomba de achique, bueno, ahorita sí porque están sembrando más pero tienen su derecho y el otro es DP, que ese lo tiene el otro PD que es A, de ahí viene Majá Vieja que es de Los Ortices, después viene el Buco de La Caja, que llaman, que se llama el buco de El Totumo que es de HO, de ahí sigue El Hiscanero, a mano izquierda bajando, tiene sus ramales, eso tiene bastante tierras para regar, después viene El Rafaelero, que es uno que atravieza Cuara, pero arriba, o sea de Quebrada Seca ahí se ve donde pasa él, eso riega por ahí legalmente, de ahí pasa son cuarenta tareas que riega nada más, ese es el derecho (107-118). J. ¿Cómo hace usted en invierno, o cuando tiene que repartirle a todo el mundo, una sola persona para todo? IS. No, no, yo tengo mis empleados, lo que pasa es que, el juez de agua nombra un repartidor y unos recomendados por cada buco, pero como la vaina está tan mala, le digo, esto no da, la gente me fueron abandonando, me quedé prácticamente solo, con un sólo repartidor por Cuara y uno de El Hato (125-130). J. ¿Y los problemas, cuando surgen entre los agricultores, cómo los resuelven, si han habido problemas? IS. No, sí, claro gente en veces que se la quieren dar de más vivo, porque siempre ha habido, pero la Policía se encarga de eso. J. ¿Usted lleva la denuncia? IS. Yo voy a la Policía y solicito, porque yo tengo un carnet, que eso me acredita que yo voy a la Policía y digo, mire, en tal sitio hay un problema, esta gente me quieren, no me dejan pasar el agua, me la quieren quitar y viene la Policía J. ¿La Policía del Município? IS. Del Municipio, de Jiménez, yo llego a Quíbor de una vez porque hablo con el comandante de una vez, aquí en Cuara lo que hay es un sólo policía y el tipo no (153-63). J. ¿Cómo haces tú para controlar eso? IS. Caramba, yo te digo, yo he tenido problemas, discusiones, pero sí la gente al final, ceden pues, y yo les hablo, no con braveza ni un carajo, “mire a usted va a tener tal día, porque el señor aquí no tiene agua, tiene la siembra
204
seca” y van entendiendo pues (230-233). J. ¿Y ustedes hablan de eso aquí en la comunidad, tienen alguna asociación? IS. Estábamos en una asociación ahí, pero esa se volvió, se quedó quieta porque la gente no, que por cierto por ahí estuvimos, yo hasta la foto la tengo, un carnet que, yo tengo un carnet, pero después me volví a meter, pero la gente no se qué pasó, estaba era aquí, el loco aquel Delio, uno que tiene la oreja jodida J. ¿Esa era APROAGRO? IS. Sí, APROAGRO (249-255). IS. Mira, aquí hay años que legalmente el juez de agua está es de payaso, pa arriba y pa abajo, sin repartir y sin ganar, porque si no hay que repartir (273-274). IS. Ya uno tiene a la gente adaptada ya, que cuando hay bastante se le da bastante y cuando hay poca se le da poca (296-297).
AGRICULTORES ANDRES AR. Soy beneficiario de la
quebrada Acarigua. Pero nunca se llevaba a cabo lo equitativo del agua (2-8).
AR. Yo nací el 17 de junio de 1948, vivo aquí , soy nativo de aquí de Cuara y soy agricultor desde la edad de 13 años, soy beneficiario de la Quebrada Atarigua, he sido uno de los que ha estado luchando por las reivindicaciones del agua, porque nosotros teníamos problemas aquí, anteriormente, que los más vivos agarraban el agua, no se la dejaban siempre a los de abajo, teníamos que ir al Concejo a pedir siempre a las autoridades, para que nos ayudaran con el asunto del agua (1-7). J. qué significa ser beneficiario? AR. Significa que yo utilizo el agua de la quebrada Atarigua en cuanto a los riegos (35-36). AR. La gente de los Ortices, que era gente pudiente y tenían plata, ellos tuvieron el agua por caciquismo muchos años, que ellos no dejaban bajar el agua hacia abajo (121-122).
AR. A pesar de que teníamos un juez de agua, (...) entonces, llegó un juez de agua, que duró más o menos como 25 años mandando, que se puso de acuerdo con nosotros y fue mejorando la equitatividad del agua, y puso el agua, ya en, le decían, racionamiento, para que cada quien agarrara el agua y nadie perdiera, siempre había una equitatividad, entonces, nosotros tenemos aquí un juez de agua, que se administra el agua por medio de una ordenanza que fue hecha en mil ochocientos y tanto, no me recuerdo la fecha, fue modificada en 1948 y ha sido frecuente modificada a loa ámbitos del agricultor, siempre en la consecuencia del agricultor, porque aquí anteriormente no habían lagunas, antes se regaba directamente, usted pedía el agua y tenía que regar de noche o de día, a la hora que le tocaba y regar directo, se perdía más agua. Después que empezaron en el 62, más o menos, la construcción de las lagunas, fue la forma de racionar más el agua, se utilizaba más y se botaba menos, entonces aquí hubo un juez de agua que se llamó, PB, fue el que se puso, como dicen, los pantalones y mandó por la ordenanza el agua y hizo que los de arriba cedieran el agua a los de abajo (11-21). AR. Y el hijo de él ha seguido mandando, ya tiene veinti pico de aõs mandando y há estado mandando igual al papá, como él se la pasaba com el papá, y nosotros le dejamos el apoyo porque vemos que en realidad lo está haciendo de buena manera, han tratado muchas veces los concejales de
205
AR. El agua se ha venido mejorando aquí, les fueron quitando los derechos a ellos, en el 63 en adelante J. ¿Ustedes se agruparon, cómo? AR. Nos agrupamos y.. J. ¿Hicieron un grupo y vamos a resolver este problema, cómo fue eso, a quién se le ocurrió eso, a su papá? AR. Esos fueron los viejos de antes, hubieron varios de ellos que se pusieron de acuerdo, que cómo iba a ser posible que ellos perdieran la comida de los hijos y que los demás estuvieran regando pasto para los animales, entonces se reunieron, fueron al Concejo, hablaron con el presidente del Concejo, vinieron, ellos tomaron cartas en el asunto (132-141). J. ¿Entonces hicieron un grupo y fueron al Concejo de Quíbor? AR. Fueron al Concejo, sí, J. ¿Y ahí fue que eligieron al juez de agua? AR. No, el juez de agua ya existe, eso existe desde hace muchos años. J. ¿No les hacía caso? AR. El juez de agua, él hacía pero no. J. ¿No tenía poder? AR. No tenía poder para quitársela, entonces, el que vino com fuerza fue Pastor Barrientos, que fue el que eliminó todos esos vicios que habían, porque habían muchos vicios, entonces él lo eliminó, porque él dijo que si no lo apoyaba el consejo municipal, pues, él no estaba haciendo nada, entonces mejor entregaba, entonces lo apoyaron y hizo que el agua fuera equitativa (151-162). J. ¿Era injusto lo que hacían ellos?
cambiarlo, pero, por la misma unión de los agricultores no han podido, porque nosotros lo queremos a él, porque él es que nos está beneficiando el agua como nosotros la queremos (28-33). AR. Uno llega y pide el turno de agua, porque aquí le dan un turno de agua, 12 horas de agua, si hay abundancia, como llama uno, creciente, le dan 24 horas, si hay escasez, le dan 6,4 horas, de acuerdo a la escasez que haya porque, buscando que uno saque el riego y que los demás se beneficien también. J. ¿Quién es el que le da el agua? AR. El juez de agua, nosotros tenemos un juez de agua, un repartidor y un recomendado. El juez de agua, actualmente se llama Isidro. J. ¿Cuáles son las funciones que él cumple, qué es lo que él hace? AR. El manda el agua (36-45). J. ¿Ustedes se reunen con él, hablan con él, tienen alguna fecha o cuando tienen algún problema van, cómo es la relación com el juez de agua? AR. No, nosotros, la mayoría, casi todos los días nos vemos con el juez de agua, el juez de agua tiene su casa aquí y todos los días está en la toma, todos los días, a la una y media, a las dos de la tarde está en la toma, que uno va y habla con él, a pedirle el agua, es lo más que uno va y si tiene algún problema va y se lo manifiesta a él. J. ¿O sea que él desde la toma puede coordinar la distribución del agua? AR. Claro, sí. J. ¿Y todos los agricultores van dicen, mire tengo esto, estoy sembrando? AR. Sí. J. Plantean su situación. AR. Y si uno quiere sembrar, va y le plantea también, si hay agua suficiente le dan agua, sino, cuando no hay agua para la siembre él le dice a uno, no hay agua para siembra o está, primero está la prioridad de la siembras que hay. J. ¿Hoy en día, todo el mundo le hace caso a él, no hay conflictos? AR. No, se acabaron los conflictos, aquí no hay conflictos ahorita sobre el agua, porque él ha puesto eso en orden, al menos tiene carácter y la gente, yo digo para mí que nosotros no hemos civilizado, porque antes la gente peleaba por el agua, tenía problemas que, no yo te quito un chorro, entonces venían los problemas, o no te la dejo pasar, porque siempre aquí existió eso, anteriormente, que el que era más guapo le quitaba el agua al otro, entonces ahí habían los problemas, tenía que intervenir (165-185).
206
AR. Claro, ellos nos quitaban el agua injustamente no nos dejaban el agua, pero tampoco había que pagarles de esa manera, había que abrir un consenso, que fue cuando nosotros, yo me metí en eso un tiempo, que yo le estoy hablando en el 88, me metí yo en una Junta que coordinamos, formamos una asociación y yo me metí de cabecilla y les dije, miren vamos a dialogar con esa gente, vamos a tratar de hacer consenso, les dije yo, porque no puede ser posible que nosotros vamos a vivir en este tiempo para allá y para acá, lo más probable es que ellos nos vayan a matar a nosotros porque nosotros estamos entre cerros y ellos fácil nos cazan y nos matan, les dije yo (203-211) J. ¿El juez de agua en esa época de los 80, los apoyaba a ustedes o él fue parte importante en la defensa de los derechos? AR. No, no, en ese tiempo fue Carlos Uchoa y también se metió a la asociación, fue muy receptivo, fue uno de los que nos ayudó a solucionar el problema porque se metió tratando de que no hubiera más problema, tanto los de aquí como los de allá, porque era muy bravo que uno llegara, se trabajaba todo el día y toda la noche y no le llegaba el agua aquí, entonces teníamos problemas con la gente de allá, por no tener diálogo, porque era lo que hacía falta (227-234).
J. ¿Qué otros problemas usted recuerda que hubo por el agua? AR. Bueno, yo sé que ahí hasta muerto han visto, hacen muchos años mataron uno por, porque le quitó el agua al otro y quería ser más vivo y el otro lo vino y lo macheteó. J. ¿Ese es el último caso que usted recuerda? AR. Sí, después sí hubo problemas, pero no problemas de llegar a esos extremos, tuvimos un problema nosotros una vez con el agua entre Sanare y Quíbor, que es cuando el agua se achica, que a nosotros no nos dejaban usar el agua, de aquí, subíamos mucho, tumbábamos las tomas y ellos las volvían a hacer, después se volvió un zaperoco, porque la gente llegaba y le dañaba las bombas, no era Andrés Eloy Blanco Distrito, era mandado por el Distrito Jiménez, entonces de aquí mandaban la Guardia y le traían las bombas, eso era un problema ya rotundo J. ¿Las bombas eran de quienes? AR. De allá de los agricultores de Sanare J. ¿Y ustedes iban de aquí a echarles a perder las bombas? AR. No, yo no me incluí porque nunca me ha gustado eso, yo lo mal hecho, si uno no quiere que le hagan una cosa mal hecha no debe hacérselo a los demás, a mí no me gustó nunca eso, pero sí iban muchos de aquí y les dañaban las bombas (185-202). J. Ya usted veía la emboscada. AR. Sí, no, era fácil de que nos tendieran una emboscada, bueno, vino la gente, y tomaron consenso, hicimos una reunión aquí, más de 80 productores, formamos la asociación y fuimos y hablamos, en ese entonces estaba un compadre mío que era que el que dirijía el Ministerio del Ambiente aquí en Sanare, yo le plantié el caso y él nos apoyó, hablamos com la Guardia y también nos apoyó, entonces, llamamos a la gente de Sanare, al Ministerio del Ambiente a Barquisimeto y fuimos los de aquí, y, fue duro, al principio fue duro para poder llegar a un consenso con ellos, pero sí, después llegamos a un acuerdo y se quedó, hicimos unos turnos de agua, son tres días para allá y tres días para acá, en lo que el agua se seca, ahora, en lo que hay agua suficiente, no tenemos nosotros ningún problema, pero sí quedó todo coordinado que son tres días para allá y tres días para acá. J. ¿Esa asociación, todavía existe? AR. Sí. J. ¿Cómo se llama? AR. APROAGRO V.Q. (212-26)
207
J. ¿Ellos también tienen juez de agua, en la zona alta? AR. No, nosotros habíamos quedado que se iba a hacer un jurado de agua entre nosotros aquí y ellos allá, pero yo creo que no ha sido necesario porque nos hemos coordinado bien que el juez de agua de aquí, nosotros perdimos los permisos de agua aquí, les llevamos los permisos a ellos allá, siempre que tenemos problemas vamos a la Guardia, citamos a los que están echando broma y se normaliza la cosa, porque nosotros tenemos por medio del Ministerio del Ambiente orden de cualquier cosa, llamar a la Guardia, para que solvente el problema (235-242). J. ¿Cómo se le ocurrió a usted asociarse, buscar a la gente, llamar, o sea, por qué, de dónde le vino ese..? AR. Por la misma broma que teníamos un sosiego, eso era, el problema que teníamos nosotros era grave, usted sabe lo que es que uno vea que estábamos perdiendo la siembra aquí, teníamos problemas com la gente, entonces, ya últimamente cuando la gente dijeron aquí a echarles a perder las bombas, les agarraban a tiros los tubos, entonces ya uno tiene que buscar un, me salió a mí y a otro señor ahí que nos pusiéramos de acuerdo con la gente (243-249). AR. Sí, depués del 89 nosotros no hemos tenido más problemas, gracias a Dios. J. ¿Por agua aquí nadie deja de plantar? AR. Bueno, sí, aquí hay una sequía después de diciembre, tenemos una sequía que ahí es donde está, se relacionaba el problema? J. ah, ok, cuando se ponía la sequía es que empezaba. AR. Sí, era el problema grave, ahorita aquí en la zona, el problema es que aquí llueve y el agua se acaba porque las cuencas está deterioradas, esas las acabaron, les acabaron las montañas y cae un invierno y se lava, y la poca que queda es la aguita que nos mantiene, pero nosotros el problema que teníamos ahí, fue resuelto, que es el mes de diciembre a marzo, abril, siempre que seca el agua, tenemos los turnos ya hechos, que nosotros lo que hacemos es renovar los turnos cuando se vencen, vamos allá, hablamos las partes y se regula (274-285).
ELIAN J. ¿Me puede contar cómo ha sido el proceso del uso del agua aquí en La Cooperativa? EL. ¿Usted quiere desde un principio de como fue eso,
EL. Entonces, al tiempo de, como a los dos años que nosotros teníamos el agua fija, ahí, una cuota de agua, porque nosotros no pagábamos el agua tampoco, quedamos como más o menos 20 años sin pagar agua (5-7).
J. y de qué vivían pues, si no podían sembrar y perdían la siembra? EL. No, es que nosotros las últimas veces nos robábamos el agua, teníamos que robarla, rebentábamos los candados para poder regar para no perder la siembra, entonces a última hora llegó una hora de que soltáramos el agua y la soltamos. J. ¿Que la soltaran quienes?
208
verdad? Bueno, al principio, del agua esa de Dos Cerritos, de la represa de El Tocuyo, antes teníamos bastante agua para las tres empresas, La Vigía, Yacambú y Cerro Pelón (1-5).
EL. Ah, porque eso fue, o sea, eso fue tres empresas que hubieron aquí en Jiménez, cuando el primer mandato de Carlos Andrés Pérez, nos dieron el agua y nos dieron crédito y tierra para trabajar J. ¿Fue formada por el Estado, por el Municipio? EL. Sí, por el Estado. J. ¿El Estado, a través de qué instituto, el IAN? EL. El IAN, se movió el IAN. J. ¿El MAC? EL. No, la Federación Campesina y la Gobernación también. J. ¿De ahí decidieron que iban a usar el agua de Dos Cerritos? El. Ajá, sí. J. ¿Para regadío? EL. Sí, nosotros estuvimos 20 años, por lo menos, sin pagar agua, porque el agua no la cobraban, pues, entonces, ese era el problema que había con la gente del INOS, que ahorita es HIDROLARA, entonces. (25-26). J. ¿Ellos se quejaban de que ustedes no pagaban? EL. Sí, eso era como un decreto porque eso nunca, nunca tuvimos un papel, dijieron que Yacambú lo tenía, pero, lo fuimos a buscar y no, un decreto como que era, un decreto presidencial, pues. J. ¿Donde decía qué? EL. Ajá, supuestamente que el agua era regalada para los campesinos, para nosotros ahí, pero no sé, no, entonces ahí vinieron los cortes de agua, a veces que por dos meses, por un mes y esas siembras
EL. Nosotros, una orden de la Gobernación que soltáramos esa agua para que no dejáramos perder las siembras que teníamos. J.G. O sea que la utilizaran EL. Sí, y como nos pasa a dentro de la siembra de la empresa, de todas maneras nosotros soltábamos la llave, rebentábamos el candado y poníamos otro, sí así estábamos. J. ¿Y pasa la tubería y ustedes se conectan con una tubería? EL. No, es que aquí está la cosa donde se suelta el agua, eso no es. J. ¿El agua sale corriente, sale por un buco? EL. Sí, eso corre por unos canales. J. ¿Hechos de concreto? EL. Sí, ajá. J. ¿Y ahí se pegan com qué, por gravedad? EL. Sí, o sea, ahorita nos toca, a La Vigía le toca el lunes, Yacambú le toca el martes, el miércoles le toca a Cerro Pelón, el jueves nos toca a nosotros otra vez y el viernes Yacambú y así va. J.G. ¿Y el Domingo, no? EL. No. J. ¿cómo se pusieron de acuerdo para EL. no, eso es un peo ahí J. ¿Usted está encargado de la parte de aquí, de Cerro Pelón? EL. No. J. ¿quién es? EL. No, ahí está uno que es el que suelta el agua para todos. J. ¿él suelta el agua? EL. Uhum (51-80). J. Ah, La Vigía, y ¿es suficiente agua para regar cuánto? EL. No, no es suficiente, ahí falta agua, pero, nosotros tenemos un pozo ahí (88-9). J. ¿Y cómo se divide el agua de ese pozo. EL. Nosotros la subimos y la metemos al canal para que riegue a todos. J. ¿A todos, porque están uno al lado del otro y van regando? EL. sí, así como estamos, como estoy yo, lo que estamos en la parte de arriba, regamos siempre con el canal, con el agua de aquí y los que están del lado abajo, cuando se prende la bomba riegan con la bomba, pero muy poco se prende porque hace falta la tubería de donde está el pozo al canal y nosotros pensamos es meter esa tubería es de la bomba a la laguna para que
209
perdidas, porque se perdió mucha siembra, perdimos mucho (25-47).
trabaje día y noche, puro ratico es lo que trabaja, la idea es aprovechar de poner la tubería que son como 300 metros, 600 metros como que es la cosa, de la bomba a la laguna. J. ¿Tienen una laguna para todos? EL. Sí, hay dos lagunas. J. ¿Colectivas? El. Sí. J. ¿Siempre tienen agua o se secan. EL. Hay una que agarra agua de invierno que es la primera que está aquí y la otra si no, no agarra agua de invierno, tiene que ser por el canal, por la llave (97-113). J. ¿Cómo es el sistema de pago ahorita? EL. Como que son 190 mensuales, cada empresa. J. ¿190 qué, bolívares? EL. 190 mil mensuales. J. ¿190 mil mensuales en agua? EL. A veces 195, 200. J. ¿Eso tienen que agarrarlo entre todos, todos los usuarios tienen que poner una parte? EL. Sí, ajá. J. ¿y el que no está sembrando, no pone EL. No, no pone (144-153). J. ¿Lo del pozo fue un crédito, cómo fue lo del pozo. EL. Por lo menos, los tubos los dió el IAN y nosotros pusimos la otra parte, eso salió caro ese pozo, la bomba sí, la puso como que fue la Gobernación. J. ¿Sin pagar nada ustedes? EL. No (200-204).
ELISEO ES. Ese es un agua que es tratada, que eso sale caro y nosotros la utilizamos para riego (10-1). J. ¿De dónde tomaban el agua ustedes, de dónde venía el agua, o de dónde viene, todavía? ES. el agua viene de la represa de El Tocuyo. J. ¿Por dónde pasa, es una
J. Entonces, venían ellos y les tumbaban las mangueras ¿Y después volvían de noche y la volvían a poner? ES. Exacto, ajá. J. ¿Ese proceso? ES. Ese proceso, sí. J. Entonces, ¿Quién decidió vamos parar, porque no podemos seguir en esto, cuándo decidieron eso, quién lo decidió? ES. Eso lo decidimos un grupito como de
J. Eliseo, cuéntame un poco como es el proceso para que ustedes tengan agua aquí, o sea, ¿Cómo les llega el agua, quienes son ustedes? ES. Bueno, este, nosotros tenemos aquí alrededor de 10 años trabajando con semilleros, quizás algo más, pero para ser más exactos 10. Entonces, la cuestión surgió de nuestra asociación fue que teníamos problemas con el agua, Hidrolara, para ese entonces el INOS, nos trancaba el agua y nos quitaba las mangueras y entonces, decidimos un día, bueno, ya no podíamos seguir trabajando más así, entonces, nos reunimos todos y formamos una asociación, hasta ahora, bueno, gracias a Dios, eso se nos solucionó, que nos perseguían y nos quitaban el agua y eso, bueno eso se superó ya (1-8).
210
tubería? ES. Sí, una tubería y nosotros tomamos de una distribución que ellos tienen J. ¿Se conectaban ahí? ES. Exacto (23-8).
6, que estuvimos aquí, entonces, estaba la Guardia ahí en casa de un vecino, quitándole las mangueras, llevándole el motor y hasta se lo quería llevar preso, entonces, nosotros, los seis que estábamos dijimos, no, vamos a apoyar a esse señor, no lo podemos dejar sólo, porque él también es vecino, y así hicimos, nos acercamos hasta allá y hablamos con el alcalde, y él en ese tiempo se molestó y nos llevó detenido también a nosotros, entonces, después que estuvimos allá, estuvimos 24 horas, de ahí, los que quedaron por fuera, los compañeros, también se unieron al grupo pues, y entonces, metimos a un abogado y ahí empezamos a hecer los trámites, el abogado nos asesoró y miré “hay que hacer esto así, los pasos que tenemos que dar son este y este”, y así fue que empezamos. J. ¿Es un abogado de Quíbor? ES. De aquí mismo un vecino de aquí mismo. J. Ah, que es abogado. ¿Y a partir de ahí cómo se, usted a qué conclusión llegó, o sea, cuánto duró el proceso, primero? ES. El proceso duró, creo que duró cerca de un mes. J. ¿Y al final un juez decidió? ES. Sí, bueno, hasta el alcalde tuvo problemas con nosotros (riendo), lo cambiaron, lo sacaron, bueno, de ahí. J. ¿Qué decide el juez? ES. Bueno, hicimos un pacto con ellos, como especie de un pacto com HIDROLARA, que por ejemplo en tiempo
J. ¿Cuántas hectáreas, qué tamaño es eso, al ojo? ES. Sí eso, un promedio será de una hectárea por persona, creo yo, todavía es demasiada tierra para eso. J. ¿Para sacar las semillas? ES. Uhum. J. ¿Y cómo le dan el agua, o sea, está abierta constantemente, ustedes mismos la regulan o hay una regulación de horas de ellos? ES. No, este, en tiempo de invierno constantemente, la tienen abierta y en tiempo de verano la racionan, por lo menos, la trancan 12 horas y dura 24 abierta, así. J. Ah, en turnos. ES. Uhum. J. ¿Ahora sí, todo el mundo tiene su conexión legal.? ES. Sí, ajá, eso. J. ¿Ustedes pagan por esa agua? ES. Sí, se paga. J. ¿Cuánto pagan? ES. Pero, o sea, aquí como es campo se paga tarifa mínima, creo que son, ahorita está en 16 mil bolívares mensuales. J. ¿Y a raíz de ese proceso, del problema, ustedes crearon una asociación? ES. Sí (59-78).
211
de invierno, que no había tanta escasez de agua, podíamos trabajar, echar más semilla pues, trabajar con más semillero, y en tiempo de verano reducir la siembra para que gastáramos menos agua (29-58).
SERGIO SI. Sabe que sin agua no hay vida (4).
SI. Y yo le estaba diciendo a estos, que nosostros estamos turneados por esa gota de agua, no se si usted ha visto el caudal de agua que lleva la quebrada. J. Sí, recorrimos la quebrada ahorita. SI. Ajá, entonces que es lo que pasa, que esa aguita es como para que se yo, para todo Sanare, los agricultores aquí, vamos a decir, estamos como 50 agricultores, pero de 50, vivimos como 3.000, eso todo se relaciona. Ajá, pero normalmente somos como 18 (4-10). J. ¿A esa quebrada le llega agua de cloacas? SI. Sí, todo Sanare. J. ¿Todo Sanare va para la quebrada? IS. Eso digo yo, Palo Verde y El Molino están peleando por las cloacas (Ríe) (85-88).
J. ¿Y antiguamente cómo hacían, siempre ha habido esa extracción del agua, porque me imagino que antes no habían bombas, en que año llegó usted aquí, cómo se hacía antes SI. Bueno, yo llegué aquí, cuando yo llegué aquí sembramos nosotros de Travesía para arriba, vamos a poner, sembramos de la quebrada hacia arriba, ahí donde se llama Monte Carmelo, toda esa montaña. Que normalmente por ahí llueve, pero, sembrábamos por ahí en abril, comenzábamos a sembrar, y de abril en adelante ya es primavera y entonces nosotros sembrábamos para arriba, ahora, por aquí abajo no se sembraba, se sembraba un maicito y eso, con un hermano mío comenzó, Santiago, comenzamos a sembrar ahí, donde están unas lagunas y la gente decía “ese musiú está loco, ahí no se logra ni la caraota ni el maiz, se va a lograr”, entonces el bombeó, pusimos nuestras bombitas, chiquitas, Wisconsin, que se les daba, halaba una cabuya y prendía, y poníamos un charquito allí, otro charquito más arriba y entonces íbamos así (38-49). J. ¿Aquí, porque tradicionalmente aquí hay agua, o ha habido agua? SI. No, no, no, no, aquí hay veces que hay agua, pero, hay agua, vamos a poner, de julio en adelante, junio, julio, agosto, septiembre, octubre, noviembre hasta diciembre, hasta enero practicamente hay agua, porque ya nosotros no la necesitamos, aquí es poco el que siembra de travesía, digamos, pues, como dice uno a los meses de septiembre, agosto, muy poca gente la utiliza, porque como el caudal está aumentado, pero siempre ha habido problemas porque siempre usted sabe, antes, anteriormente cuando mi hermano estaba sembrando, que era el único que agarraba una aguita ahí, hasta la Guardia, la Policía de Quíbor, porque esto, esto pertenecía a Jiménez y venía, venía la Policía para arriba y se lo llevaba com todo y bomba para abajo de una vez, ajá, una aguita ahí de noche, robándosela, porque ahí si tenía razón Quíbor, porque era para tomar, el acueducto era de esta agua (sonríe) (79-80). SI. Cuando aquí estamos nosotros, lo que tenemos empleados en esas papas grandes y no hay con que regar y todo el mundo llorando, mire, a las 12 de la noche, hay más gente en la quebrada que en la plaza, todo el mundo por un
212
chorrito de agua, porque, vamos a ver cómo le quito un chorrito a este, al otro tal, porque lo demás le toca a Quíbor, Quíbor tiene 3 días y 3 noches y a nosotros 3 días y 3 noches. J. ¿Y eso se cumple? SI. Algunas veces, cuando la gente se pone brava que necesita mucho el agua, que no viene casi agua, no se cumple, vienen los días de Quíbor y que va, no la dejan pasar, entonces, va este, y viene siendo el que manda, el juez y dice, “mire, ya es una maldad quitarle el agua”(93-101).
TIAGO TE. La de la quebrada Atarigua. Esa ha sido la que tiene más tiempo aquí funcionando J. El agua de la quebrada? TE. El agua de la quebrada, la que pasa por el Molino, la que viene de Sanare. Esa ha sido la, la primera que se utilizó aquí, fue esa(1-4). TE. Antes el agua, aquí se sembraba era conuco de maiz y, una parte se utilizaba el agua de lluvia, porque en épocas anteriores llovía com más frecuencia, ahora no, ahora llueve menos y a veces no llueve. Aquí muy rara vez pasaba un año sin llover, ahora sucede, pero con más frecuencia y ahorita que hay el poquito agua del túnel(4-8).
TE. Aquí tuvimos también el excedente del agua del acueducto de Dos Cerritos, el contrato con el INOS que era el que funcionaba anteriormente, nosotros conseguíamos un contrato con ellos y nos suministraban el agua cuando ya los tanques que están en la autopista que va hacia Barquisimeto tenían un nivel de nueve metros, que eso sucedía era de noche, porque por lo general de noche hay menos consumo, consumo humano y entonces de allá nos daban el agua, cuando empezaba ya la madrugada nos quitaban el agua, a nosotros para llevarla toda para Barquisimeto(8-14). TE. Porque ahí existe, un decreto del presidente de la república, que me parece que era el Dr. Leoni, Raúl Leoni, donde titulaba que el excedente de Dos Cerritos podía ser utilizado por lo agricultores del Valle de Quíbor, por intermedio del INOS claro. Nosotros la utilizamos un tiempo, no duró mucho porque Barquisimeto creció mucho y muchos caseríos tomaron agua de ese mismo acueducto y nos quitaron el agua, estamos sin ese servicio del excedente de Dos Cerritos (20-25).
J. ¿Cómo se agruparon, cómo hacían para dividirse el agua? TE. Nosotros hicimos una asociación y aquella asociación nombró conjuntamente, nosotros tuvimos que hacer lo siguiente, reunirnos un representante, había una junta administradora, un representante de la asociación, uno del Ministerio de Agricultura y Cría que era uno del IAN y el otro, éramos tres. Existía una dependencia del Minisiterios de Agricultura y Cría que se llamaba MAC-riego que se ocupaba del agua. J. ¿Entonces esa junta decidía cómo se repartía el agua? TE. Nombraba un administrador para cobranza de los suministros de agua y un repartidor. J. ¿Pero el repartidor no cobraba? TE. Sí. J. ¿También? TE. También, el repartidor cobraba J. ¿Y le pasaba el dinero al administrador? TE. El administrador se encargaba de pagarle al repartidor y al INOS. J. ¿Y cómo eran los turnos, cómo se dividieron? Cuales eran las bases para pasarle el agua a este, a este no? Cómo se llegaba a los acuerdos? TE. Eso lo hacía siempre el repartidor de agua, de acuerdo con las necesidades que tuviera cada agricultor. J. ¿El repartidor era el juez de agua o son dos personas distintas? TE. No, el repartidor es el mismo juez de agua (26-45). J. ¿Y usted era el presidente de la asociación que se creó? TE. Sí. J. ¿Esa asociación se creó por esa agua? TE. Precisamente por esa agua. J. ¿Qué vamos a hacer ahora con esa agua y entonces se asociaron. TE. Exactamente. J. ¿Y dura la asociación todavía o ya…
213
TE. Cuando ya el agua, bueno, la gente perdió el interés, el interés era el agua. La gente nos organizamos por el interés de aquella agua, cuando se acabó el suministro de agua, se acabó la asociación, más nadie fue, la abandonaron, todo el mundo abandonó. J. ¿Hoy en día cómo hacen con el agua los agricultores? TE. Bueno, la de de Sanare, la del Molino pues, con un repartidor que está aquí, hablan con él. J. ¿El mismo Alcides? TE. Sí. J. ¿Es el agua de Atarigua, y el agua de los filtros no llega aquí? TE. Es muy lejos, llega pero hasta cierto punto, que está cerca de la planta de tratamiento. Alcides me parece que es el que reparte, la de los filtros. J. ¿Y la del Portal, el agua del túnel, no llega aquí? TE. Sí llega J. ¿Esa cómo la reparten? TE. También con un repartidor. J. ¿Es otro? TE. Ese es otro. J. ¿Cómo se llama él? TE. Él se llama Diego. J. Ajá, ese es Diego. TE. Familia del morochito Alcides (61-88).
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
MARN AMANDA
AE. Recurso hídrico (8). AE. El recurso agua (10). AE.El agua, son de dominio público. (56) AE. El uso del recurso. Siempre el recurso es escaso. AE. Recursos hidráulicos
AE. A raiz de la aprobación de la Constitución, el régimen cambió, ya de las aguas, solamente se dan en concesiones y en asignaciones (45). AE. Qué quiere decir esto, que entonces las aguas, a partir de ahora, se dan mediante un contrato, por lo menos para el particular (48).. AE. El Estado debe cobrar por el uso del agua (53).
AE.El Valle de Quíbor, desde el púnto de vista hídrico, fue declarado como reserva hidráulica, que es un régimen de administración especial, que tiene como objetivo principal, digamos, proteger o conservar, manejar el recurso agua, porque se supone que tiene características que limita, ya sea por calidad o cantidad (8). AE.Lo mejor es que la misma, los interesados, apoyados, asesorados, por el ente técnico, se organice y distribuya y administre el agua (242).
PREFEITURA FERNADO
FR. El agua es de la Nación. FR. El agua, según la Ley de Suelos y Aguas le corresponde
FR. Ellos aduciendo que el agua nace en Sanare, dicen que es de ellos. FR. Elos aducen que son de allá, que el
FR. Nos corresponde legislar en materia,...en este caso en materia de la distribución de las aguas de la quebrada Atarigua. FR. Hicimos una Ordenanza para como para que controlar los turnos de
214
a la Nación, es un recurso natural de la nación. FR. El agua que sale del túnel Yacambú, por el Portal de Salida, que está saliendo allí, como consecuencia de que hay filtraciones en el túnel. FR. Donde también hay una reglamentación que se da cuando lavan la planta de la INOS, esa agua que botan, ella sirve para irrigar el Valle de Quíbor.
agua nace en Sanare y es de ellos. agua. Pero nosotros, la Municipalidad, la reglamentó para administrarla, en el cual, los productores pagan un turno de agua. FR. Hay otra ordenanza, una ordenanza creada por los productores.
SHYQ JOSE
JE. El agua es un bien común, un bien colectivo, y como bien colectivo el Estado tiene que velar porque se utilice de la mejor forma (251).
JE. Porque lo que se persigue es la equidad, no la igualdad, yo no puedo pretender hacer una revolución de igualdad (432).
JE. El Sistema tiene la propuesta de que a nivel de cada sector de riego se organicen juntas de usuarios y que el Sistema le entregue el agua a nivel de ese sector, para que ellos administren el agua del sector a través de la junta de usuarios (312). JE. Hay que establecer un reglamento especial para el uso del agua en el Valle de Quíbor (430).
LEIS Constitución de la República Bolivariana de Venezuela.(1999) Título IV. Del Sistema Socio Económico. Capítulo I. Del Régimen Socio Económico y de la Función del Estado en la Economía.
Artículo 304. Todas las aguas son bienes de dominio público de la Nación, insustituibles para la vida y el desarrollo.
La ley establecerá las disposiciones necesarias a fin de garantizar su protección, aprovechamiento y recuperación, respetando las fases del ciclo hidrológico y los criterios de ordenación del territorio. Artículo 305. El Estado promoverá la agricultura sustentable. Artículo 307. ..El Estado protegerá y promoverá las formas asociativas y particulares de propiedad para garantizar la producción agrícola.
Código Civil. (1982).Capítulo II. De las Limitaciones Legales a la Propiedad Predial y
Artículo 644. Las limitaciones legales de la propiedad predial tienen por objeto la utilidad pública o privada. Artículo 645. Las limitaciones legales de la propiedad predial que tienen por objeto
215
de las Servidumbres Prediales. Sección I. Limitaciones Legales de la Propiedad Predial.
la utilidad pública, se refieren a la conservación de los bosques, al curso de las aguas, al paso por las orillas de los ríos y canales navegables, a la navegación aérea, a la construcción y reparación de los caminos y otras obras públicas. 1°. De las limitaciones de la Propiedad Predial que se derivan de la Situación de los Lugares. Artículo 647. Los predios inferiores están sujetos a recibir las aguas que, naturalmente y sin obra del hombre, caen de los superiores, así como la tierra o piedras que arrastran en su curso. Ni el dueño del predio inferior puede hacer obras que impidan esta limitación, ni el del superior obras que la hagan más gravosa. Artículo 652. Aquel cuyo fundo está limitado o atravesado por aguas que, sin trabajo del hombre, tienen su curso natural, pero que no son del dominio público, y sobre las cuales no tiene derecho algún tercero, puede servirse de ellas, a su paso, para el riego de su propiedad o para el beneficio de su industria, pero con la condición de devolver lo que quede de ellas a su curso ordinario. Artículo 653. El propietario de un fundo tiene derecho a sacar de los ríos y conducir a su predi, el agua necesaria para sus procedimientos agrícolas e industriales, abriendo al efecto el rasgo correspondiente; pero no podrá hacerlo, si la cantidad de agua de los ríos no lo permite, sin perjuicio de los que tengan derechos preferentes. Artículo 655. El propietario o poseedor de
216
aguas podrá servirse de ellas libremente y disponer de las mismas en favor de otros, cuando no se oponga a ello un título o la prescripción; pero, después de haberse servido de ellas, no puede desviarlas de manera que se pierdan en perjuicio de los predios que pudieran aprovecharla, sin ocadionar rebosamiento u otro perjuicio a los dueños de los predios superiores, y mediante una justa indemnización pagada por el que quiera aprovecharlas, cuando se trate de un manantial o de otra agua perteneciente al propietario del predio anterior. Artículo 682. Las concesiones de aprovechamiento de aguas hechas por el Estado, se consideran siempre hechas sin lesionar los derechos anteriores adquiridos legalmente.
Ley Forestal de Suelos y Aguas. Título I. Disposiciones Generales. Capítulo I.(1966)
Artículo 2. Se declara de utilidad pública: 1. La protección de las cuencas hidrográficas 2. Las corrientes y caídas de aguas que pudieran generar fuerza hidráulica. 3. Los Parques Nacionales, los monumentos nacionales, las zonas protectoras, las reservas de regiones vírgenes y las reservas forestales.
Artículo 4. Las disposiciones de esta Ley se aplican a: 2. Las aguas públicas o privadas.
Artículo 3. Se declara de interés público: 1. El manejo racional de los recursos a que se refiere el artículo 2 de esta Ley
Proyecto de Ley de Aguas. 1º Discusión 20/9/2001 (Aprobada) EXPOSICIÓN DE MOTIVOS
La Constitución de la República Bolivariana de Venezuela contempla en el Artículo 304, lo siguiente: "Todas las aguas son bienes del dominio público de la Nación, insustituibles para
Esta declaratoria significa que las aguas no son susceptibles de apropiación privada, sino que es propiedad de la Nación pero su uso pertenece a todos, y abarca a todas las aguas, lo que brinda la posibilidad al país de contar con una Ley de aguas que
Estos tres objetivos fundamentales (protección, aprovechamiento y recuperación), contemplados en la Constitución, están presentes en todo el contenido del presente Proyecto de Ley y concuerdan con tres premisas internacionalmente aceptadas, las cuales son: Primera: la gestión eficaz de los recursos hídricos exige un enfoque integral que vincule el desarrollo social y económico con la protección de los
217
la vida y el desarrollo. La ley establecerá las disposiciones necesarias a fin de garantizar su protección, aprovechamiento y recuperación, respetando las fases del ciclo hidrológico y los criterios de ordenación del territorio." TITULO IDISPOSICIONES GENERALES ARTICULO 4: Los principios que rigen la gestión integral de las aguas son: 1. Todas las aguas son bienes del dominio publico y su aprovechamiento deberá asegurar su conservación tanto en calidad como en cantidad. 2. El agua es un recurso único, vulnerable, de uso múltiple y esencial para la vida, las actividades humanas y el ambiente, que debe conservarse a objeto de mantener las posibilidades de uso de las generaciones futuras. 3. El agua es un recurso natural que se renueva a través del ciclo hidrológico. 4. La cuenca hidrográfica, sin perjuicio de la división político territorial del país, constituye la unidad territorial de gestión de las aguas y de integración de la política ambiental.5. El agua tiene un carácter nacional y es determinante en la
promueva el bienestar colectivo sobre las bases de un desarrollo sustentable. TITULO IV DE LA ADMINISTRACION En relación con los derechos, se reconocen los usos y aprovechamientos preexistentes, solo si éstos no coliden con el interés general o bien común, sin olvidar que deben comprobarse dichos derechos alegados y que efectivamente se ajusten a esta Ley. El otorgamiento de nuevos derechos al uso y aprovechamiento se prevé a través de las figuras de concesiones y asignaciones, y se incorpora la licencia de vertido dirigida específicamente al control y protección de la calidad de las aguas. Se establece que la distribución de las aguas entre las distintas actividades que la demanden la efectuará el Ejecutivo Nacional atendiendo a los beneficios sociales y a la importancia económica de las actividades, e igualmente, que dicha distribución se efectuará según los criterios de disponibilidad del recurso, las previsiones de los planes y las necesidades reales. TITULO X DISPOSICIONES Y TRANSITORIAS Y FINALES CAPÍTULO II DEL RÉGIMEN DE ADECUACIÓN ARTICULO 210: Se derogan las disposiciones vinculadas a las aguas, contempladas en la Ley Forestal de Suelos y de Aguas y su Reglamento, las leyes de vigilancia para impedir la contaminación de las aguas por el petróleo y todas las
ecosistemas naturales, con inclusión de enlaces entre las tierras y las aguas de las cuencas de captación o los acuíferos subterráneos; Segunda: el fomento y gestión de las aguas debería hacerse en un criterio participativo que incluya a los usuarios, los planificadores y los responsables de las políticas en todos los niveles; y, Tercera: el agua tiene un valor económico en todos sus usos competitivos y debería ser reconocida como un bien económico. TITULOIV DE LA ADMINISTRACION Por otra parte, en este Título se promueve la activa participación de las comunidades en la gestión integral de las aguas; de esta manera se enfatiza el hecho de educar y concientizar al colectivo en la conservación del recurso y las cuencas hidrográficas. Se respalda la figura de Jurados de Agua, de oficio, o por Resolución o a solicitud de parte como instancia de conciliación, así como otras modalidades de organización para la participación de los usuarios TITULOI DISPOSICIONES GENERALES ARTICULO 6: La gestión integral de las aguas se efectuará siguiendo los lineamientos siguientes: 6. El ejercicio de la administración de las aguas mediante el otorgamiento de concesiones, asignaciones y licencias para su uso y/o aprovechamiento. CAPITULOIV DE LA PARTICIPACIÓN DE LA COMUNIDAD EN LA GESTION DE LAS AGUAS ARTÍCULO 124: La participación ciudadana en la gestión integral de las aguas se entiende como el ejercicio ciudadano, democrático y responsable, mediante el cual los diferentes sectores de la sociedad actúan de manera concertada y buscando el beneficio colectivo. ARTÍCULO 126: La participación de los usuarios de las aguas en la conservación del recurso y de las cuencas hidrográficas se reglamentará mediante decreto, el cual establecerá las variables a tomar en cuenta en la determinación de los aportes financieros necesarios para la ejecución de los programas de conservación, así como otras modalidades de participación en dichos programas. ARTÍCULO 127: Los usuarios de las aguas podrán constituir voluntariamente asociaciones para el aprovechamiento más eficiente y
218
gestión ambiental. 6. El agua es un recurso dotado de valor, cuya gestión debe compatibilizar la oferta y la demanda de acuerdo a los aspectos económicos que correspondan en cada caso, y a los beneficios sociales que del aprovechamiento se deriven. 7. La cantidad y calidad de las aguas deben ser protegidas, así como la integridad de los seres humanos y sus bienes de los efectos perjudiciales que pueden provocar.8. Las aguas requieren de una gestión y coordinación integral, coherente, descentralizada y de la participación de los diversos niveles político territoriales de gobierno, sus usuarios y las comunidades. 9. La participación ciudadana y el compromiso de todos los venezolanos son condiciones indispensables pare el logro de los objetivos de la gestión integral de las aguas. 10.- La información básica, la capacitación de recursos humanos y la investigación científica y tecnológica son factores determinantes para la gestión integral de las aguas
disposiciones contrarias a la presente ley. coordinado del recurso, así como para la defensa de sus intereses, conforme a sus estatutos internos. La constitución y estatutos de las asociaciones de usuarios se redactarán y aprobarán por los propios usuarios. ARTÍCULO 128: El Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales, mediante resolución, de oficio o a solicitud de las asociaciones de usuarios, podrá crear jurados de aguas con carácter permanente o temporal, en los ríos o en sectores de estos que creyere conveniente, como instancia de conciliación entre los usuarios, sin perjuicio del cumplimiento de las previsiones contenidas en las licencias y concesiones correspondientes y de las competencias que le fueron atribuidas como autoridad administrativa de las aguas. ARTICULO 129: Los jurados de aguas establecerán los turnos de riego, captación o uso de cada ribereño comprendido bajo su jurisdicción. Se organizarán y funcionarán de conformidad con lo dispuesto en la resolución que los cree. TITULO VIII DE LOS ASPECTOS ECONOMICOS Y FINANCIEROS CAPITULO I DEL VALOR Y DEL PAGO ASOCIADOS AL USO Y APROVECHAMIENTO DE LAS AGUAS ARTÍCULO 171: El agua en sus condiciones naturales tiene un valor. Su precio será determinado conforme a lo establecido en el reglamento, tomando en cuenta su escasez, calidad, variabilidad de régimen de escurrimiento, posibilidad de utilización, energía potencial y cualquier aprovechamiento y la realidad social y económica presente en el país en el momento de su fijación. El Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales decidirá, según las circunstancias propias de cada situación, cuándo se ha de cobrar el valor del agua. ARTÍCULO 177: Salvo en casos excepcionales, el uso de aguas provenientes de obras hidráulicas pertenecientes al Estado, no podrá ser a título gratuito.
Gaceta Municipal del Municipio Jimenez. Año
Sección I. De Quebrada “Acarigua” Artículo 1. Las aguas de la Quebrada “Acarigua”, que nacen enmontñas altas del
Siendo tradicionalemnte administradas conforme a las Ordenanzas emanadas de esta Cámara Municipal y sus productos de administración por concepto de contribución o tasa sobre riego de conucos, huertas, hortalizas, llenas de
219
LXVII. Mes: VI. Quíbor, 13 de junio de 1984. Número Extraordinario. Reglamento de las Aguas de la Quebrada “Acarigua”
Distrito Andrés Eloy Blanco, así como las de sus afluentes quebradas “Las Rositas”, “Seca” y otros nacimientos en esta Jurisdicción Distrital, quedan sujetas a las disposiciones del presente Reglamento. Artículo 2. Las aguas mencionadas en el Artículo anterior pertenecen en común desde tiempo inmemorial a los habitantes de este Municipio Capital,
lagunas, etc., constituyen ingresos a las rentas municipales para a tender a los gastos del servicio prestado por el personal que cuida y distribuye dichas aguas. Artículo 3. Para atender a la administración y servicio de las aguas de la Qubrada “Acarigua”, habrá un Juez de aguas con sus respectivos suplentes y un guarda Bosques para el cuido de los respaldos forestales de dicha quebrada y sus afluentes.
Reglamento para el Uso del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor.(1995)
I. Disposiciones Generales: Artículo 1: El uso del agua por parte de los productores proveniente del portal de salida del túnel Yacambú-Quíbor, queda sujeta a las disposiciones del presente Reglamento. II. . De los usuarios del agua: Artículo 2: Los productores que tienen derecho al aprovechamiento del agua proveniente del portal de salida del túnel Yacambú-Quíbor para fiens agrícolas, se constituyen en ususarios en virtud de lo dispuesto en las ordenanzas emanadas del Concejo Municipal de Jiménez, la tradición acumulada en el sector y las gestiones de la Comisión de Asuntos Campesinos y Desarrollo Rural del Concejo Municipal.
Artículo 3: el agua mencionada en el artículo anterior ha sido utilizada en común por los productores ususarios aguas abajo de esta fuente, siendo administrada por un repartidor. III. De la administración y distribución del agua. Artículo 8: para atender a la administración, distribución y servicio del agua habrá un repartidor de agua y una Junta Administradora.
CONFERENCIAS DUBLIN Conferencia Internacional sobre el Agua y el Medio Ambiente (CIAMA). Dublín, Irlanda, 26 al 31 de enero de 1992. Declaración de Dublín sobre el Agua
1. El agua dulce es un recurso finito y vulnerable. 4. El agua tiene un valor económico en todos sus diversos usos en competencia a los que se destina y debería reconocérsele como un bien económico.
1. Esencial para sostener la vida, el desarrollo y el medio ambiente. 4. En virtud de este principio, es esencial reconocer ante todo, el derecho fundamental de todo ser humano a tener acceso a un agua pura y al saneamiento por un precio asequible.
1. La gestión eficaz de los recursos hídricos requiere un enfoque integrado que concilie el desarrollo económico social y la protección de los ecosistemas naturales. La gestión eficaz establece una relación entre el uso del suelo y el aprovechamiento del agua en la totalidad de una cuenca hidrológica o un acuífero. 2. El aprovechamiento y la gestión del agua debe inspirarse en un planteamiento basado en la participación de los usuarios, los planificadores y los responsables de las decisiones a todos los niveles. 3. La mujer desempeña un papel fundamental en el abastecimiento, la
220
y el Desarrollo Sostenible.
gestión y la protección del agua
BONN Conferencia Internacional sobre el Agua Dulce. Bonn, Alemania, 3 a 6 de diciembre de 2001. Recomendaciones de acción.
El agua es un elemento clave del desarrollo sostenible, indispensable en sus aspectos sociales, económicos y ambientales. El agua es vida,e sencial para la salud humana. El agua es un bien económico y un bien social que debe distribuirse en primer lugar para satisfacer necesidades humanas básicas.
Muchos consideran que el acceso al agua potable y al saneamiento constituye un derecho humano.
Medidas de Buen Gobierno.(Idem)
1. Garantizar el acceso equitativo de todos al agua.
2. Velar porque la infraestructura y los servicios de abastecimiento de agua atiendan a los pobres.
3. Promover la igualdad de género. 4. Distribuir apropiadamente el agua entre los distintos sectores que compiten por ella. 5. Compartir los beneficios. 6. Promover la participación en los beneficios de los grandes proyectos. 7. Mejorar la administración del agua . 8. Proteger la calidad del agua y los ecosistemas. 9. Manejar el riesgo para hacer frente a la variabilidad y al cambio climático. 10. Promover unos servicios más eficientes. 11. Administrar el agua en el nivel más bajo que resulte apropiado. 12. Luchar eficazmente contra la corrupción.
Medidas para la movilización de recursos financieros
13. Lograr un aumento considerable de todos los tipos de financiamiento. 14. Reforzar las capacidades de financiamiento público. 15. Mejorar la eficiencia económica para sostener las operaciones y la inversión. 16. Hacer atractiva el agua para la inversión privada. 17. aumentar la asistencia al desarrollo destinada al agua.
Medidas de fomento de la capacidad e intercambio de conocimietnos
18. Centrarse en la educación y la formación sobre el agua. 19. Centrar la investigación y la gestión de la información en la solución de problemas. 20. Hacer más eficaces las instituciones dedicadas al agua. 21. Compartir el conocimiento y las nuevas tecnologías.
AGENDA 21 A água é necessária em todos os aspectos da vida.
O objetivo geral é assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de
As demandas por água estão aumentando rapidamente, com 70-80 por cento exigidos para a irrigação, menos de 20 por cento para a indústria e apenas 6
221
Capítulo 18: Proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos: aplicação de critérios integrados no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos
boa qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo tempo em que se preserve as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da capacidade da natureza e combatendo vetores de moléstias relacionadas com a água.
por cento para consumo doméstico. O manejo holístico da água doce como um recurso finito e vulnerável e a integração de planos e programas hídricos setoriais aos planos econômicos e sociais nacionais são medidas de importância fundamental para a década de 1990 e o futuro. Objetivo: O objetivo global é satisfazer as necessidades hídricas de todos os países para o desenvolvimento sustentável deles. O manejo integrado dos recursos hídricos baseia-se na percepção da água como parte integrante do ecossistema, um recurso natural e bem econômico e social cujas quantidade e qualidade determinam a natureza de sua utilização. Com esse objetivo, os recursos hídricos devem ser protegidos, levando-se em conta o funcionamento dos ecossistemas aquáticos e a perenidade do recurso, a fim de satisfazer e conciliar as necessidades de água nas atividades humanas. Ao desenvolver e usar os recursos hídricos deve-se dar prioridade à satisfação das necessidades básicas e à proteção dos ecossistemas. No, entretanto, uma vez satisfeitas essas necessidades, os usuários da água devem pagar tarifas adequadas. O manejo integrado dos recursos hídricos, inclusive a integração de aspectos relacionados à terra e à água, deve ser feito ao nível de bacia ou sub-bacia de captação.
SAN JOSÈ Conferencia organizada por la Organización Metereológica Mundial (OMM) y el Banco Interamericano de Desarrollo (BID) sobre Evaluación y Estrategias de Gestión de Recursos Hídricos en América Latina y el Caribe. San José de Costa Rica, 8-11 de mayo de 1996
El Plan de Acción ha tenido en cuenta los principios del Capítulo 18 del Programa 21 de la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y el desarrollo (CNUMAD) (1992), y estrategias en desarrollo por el BID. La Conferencia recomendó que: Los gobiernos nacionales, con apoyo de los organismos de las Naciones Unidas (UN), las instituciones de financiamiento y regionales, deberían: a) formular y mejorar, segú corresponda, políticas
El Objetivo de la reunión fue elaborar un Plan de Acción dentro del contexto del desarrollo sostenible, para que la evaluación completa y la gestión integrada de los recursos hídricos reflejen las necesidades socioeconómicas de los países y sus poblaciones, así como la preservación del medio ambiente. El Plan de Acción que recomendó la Conferencia abarca las esferas de gestión integrada de los recursos hídricos, el marco institucional y legal, la evaluación completa de recursos hídricos, información básica para la gestión integrada de los recursos hídricos, recursos humanos y capacitación, educación y participación de la comunidad, desastres naturales, recursos hídricos transfronterizos, papel de los organismos internacionales, recomendaciones regionales y el seguimiento del Plan de Acción.