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JESÚS EDUARDO CANELÓN PÉREZ A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR: UMA ANÁLISE PSICOSSOCIAL DE UMA FORMA TRADICIONAL DE MANEJO DE UM BEM COMUM. Doutorado em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2004

A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR:.... (Tesis)

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JESÚS EDUARDO CANELÓN PÉREZ

A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR: UMA ANÁLISE

PSICOSSOCIAL DE UMA FORMA TRADICIONAL DE

MANEJO DE UM BEM COMUM.

Doutorado em Psicologia Social

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

2004

JESÚS EDUARDO CANELÓN PÉREZ

A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR: UMA ANÁLISE

PSICOSSOCIAL DE UMA FORMA TRADICIONAL DE

MANEJO DE UM BEM COMUM.

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob a orientação do Prof. Dr. Peter Kevin Spink.

PUC/SÃO PAULO 2004

JESÚS EDUARDO CANELÓN PÉREZ

A GESTÃO DE ÁGUA NO VALE DE QUÍBOR: UMA ANÁLISE

PSICOSSOCIAL DE UMA FORMA TRADICIONAL DE

MANEJO DE UM BEM COMUM.

São Paulo,

BANCA EXAMINADORA

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Ao meu pai, José Luís Canelón Arocha (in memoriam) À Minha mãe, María de Lourdes Pérez de Canelón, que tem mostrado mais força que muitos que ainda não chegaram à sua idade, pelo seu exemplo e alegria de viver. Aos meus queridos e saudosos filhos, Eduardo José Soren e Sara Cristina, luzes que me iluminam e me dão força quando sinto que estou sem fôlego. Espero profundamente que esta separação algum dia mostre seus frutos e que possamos dizer juntos "VALEU!”. À Milagros, amor de minha vida e companheira solidária inseparável, além de mente prodigiosa, que presente nos difíceis e nos gratos momentos que temos passado durante este percurso. A ela meu eterno agradecimento, pois, sem ela, definitivamente, teria sido quase impossível chegar ao final deste caminho.

AGRADECIMENTOS Esperando que não tenha esquecido alguém, começo agradecendo às pessoas do Vale de Quíbor que participaram deste trabalho, pela sua compreensão, amabilidade e pelo apoio que me deram para que fosse possível contribuir com um melhor Vale para todos. Ao meu irmão José Luís, por ficar à frente de meu pequeno patrimônio e administrá-lo da melhor forma possível, apesar das suas múltiplas ocupações. A minhas irmãs Adriana e Miguelina, pela solidariedade para comigo, em todo momento, e à família em geral, sempre prestes a contribuir para que esta tese fosse concluída, especialmente nos piores momentos, quando pensei em largar tudo pelos problemas econômicos em razão da difícil situação por que passou a Venezuela a partir de dezembro de 2002. Ao meu orientador Peter Kevin Spink, por suas indicações esclarecedoras e por tentar, quem sabe se fez, mudar um obstinado antropólogo para psicólogo social. À Mary Jane Paris Spink, sábia conselheira no início deste trabalho, e em parte responsável por ter-me decidido a fazer o doutorado na PUC. Aos professores Odair Sass e Marcos Reigota, pelos seus valiosos conselhos durante a qualificação, que me serviram, imensamente, para conseguir finalizar esta tese. Ao professor Pedro Jacobi, pelas contribuições feitas a este trabalho. A todos os Professores do Programa de Psicologia Social da PUC e aos convidados, pois, cada um deles, deixou em mim algo do seu conhecimento. Ao meu querido amigo, João Bosco, de Juazeiro do Norte, pela sua capacidade de ser feliz e fazer com que seus amigos possam ser felizes com ele, e à Andréa, sua eterna companheira, pela sua amizade e solidariedade. À Cássia Carraco, cicerone paulistana, grande amiga, sempre com uma resposta a minhas perguntas sobre a cidade e seus cantos. À Rose Cordeiro, capricorniana de alma e coração, como eu, pelo seu apoio e amizade, e ao Hamilton, que juntos me encheram de gratos momentos de intercâmbio teórico e de outros campos sibaritas. À Jacqueline, pela sua incrível força e pelas horas de leitura que terminaram com importantes indicações para o texto, e ao Hélcio, por sua contribuição cibernética para que meu computador funcionasse 100%. À Daniela e à Mila Moraes, grandes comadres e amigas, sempre dispostas a dar o melhor delas e fazer com que minha vida no Brasil fosse tão prazerosa como a que levo na minha querida Venezuela. À Maria Luiza, pelo seu carinho eterno e sua amizade, que me fazem acreditar num mundo melhor, e ao Pedro, pela sua lucidez e experiência, por ter-me ensinado muito com seu jeito.

À Alejandra León, ao Alexander Bonetti, à Vera e ao Marcos Menegom, ao Waldinho e à Teisi, por confiarem em nós e oferecerem sua ajuda e amizade sem pedir nada em troca. Aos amigos da UCLA na Venezuela, Ayolaida Rodríguez (a Iluminada), “governanta” da minha casa na minha ausência; Carlos Nunes (o Maligno), calado no seu canto, sempre solidário; Dulce Marrufo, que resolve tudo; Beatriz Veracoechea, sempre alegre; Gisela Rodríguez (com seu Tigre), longe mais muito perto; Elba Torrealba, rainha da amabilidade. Aos “panitas” do Núcleo de Pesquisa em Organização e Ação Social, sempre oferecendo sua contribuição, tanto teórica como afetiva, para fazer esta estadia no Brasil muito mais agradável do que eu esperava. Especialmente à Carla, ao Bruno, à Tânia, à Mônica, à Denise, ao Henrique, ao Roberto, ao Álvaro, ao Agnaldo e à Tatiana. Ao Carlos Pereira, porque facilitou minha vida como estrangeiro neste país.

Ao pessoal do Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A., ao seu Presidente, Ing. Franklin Quintero, e de maneira especial a meus amigos, Alberto, Dácil, Donald, Guido, Jesús e Lisbeth, por me permitirem conhecer um pouco mais o Vale e por me acompanharem neste complexo caminho, além de pôr à minha disposição os recursos da empresa.

À Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), por ter confiado seus recursos a mim, outorgando-me uma bolsa de estudos que permitiu, apesar de muitos momentos de angústia e desesperança, realizar e concluir este trabalho. Ao pessoal do Departamento de Formación del Personal Académico (DFPA), da UCLA. Aos amigos do Núcleo de Estúdos em Práticas Discursivas e Produção de Sentido, em especial ao Sergio, à Vanda, à Maroca, à Claudinha, pelos bons momentos que compartilhamos antes, durante e depois do núcleo. À Irene Incaó, pela atenta leitura e revisão final do texto.

CANELÓN PÉREZ, Jesús E. A gestão de água no Vale de Quíbor: uma análise psicossocial de uma forma tradicional de manejo de um bem comum. Tese (Doutorado em Psicologia Social)

RESUMO

A distribuição e o uso da água têm sido objeto de grandes discussões em nível mundial, como se constata nas conferências e simpósios realizados ao longo dos últimos 25 anos. Como resultado dessas discussões, apareceram várias formas de considerar a administração desse recurso dito indispensável. A partir da leitura das declarações finais de muitas dessas conferências, dos manifestos com posições contrárias a elas e da bibliografia sobre o tema, classifico as várias posturas como hegemônicas, alternativas e intermediárias, tomando como referência as idéias sobre a propriedade da água e sua gestão. Mostro também como tem sido estudada, pelas ciências sociais, a água de irrigação e, como a Psicologia Social pouco tem se interessado pelo estudo dessa temática e de questões sobre o rural. Nesta tese procuro entender o entrecruzamento dos diversos sentidos que circulam a respeito da água de irrigação e sua gestão no Vale de Quíbor, região do semi-árido da Venezuela, buscando subsidiar as políticas locais de gerenciamento da água e contribuir para abrir a discussão sobre a noção de bem comum e o papel da água no contexto dos bens comuns, na Psicologia Social, e, se possível, fornecer subsídios à literatura disciplinar. Trata-se de um trabalho pioneiro nesta área no contexto venezuelano, no qual não foram encontrados estudos semelhantes. Epistemologicamente e metodologicamente tomo como base a perspectiva do construcionismo social, sustentando o trabalho em 4 (quatro) noções: campo-tema, matriz, análise de interfase centrada no ator e nas práticas discursivas. Com base nessas noções analiso, a partir das falas de juízes de água, agricultores, funcionários e técnicos de instituições e empresas estaduais, de minhas observações no lugar e de documentos de domínio público, a forma tradicional de gestão da água de irrigação em 5 (cinco) fontes de água disponíveis no Vale. Como elemento importante das formas de gestão – algumas delas são usadas há pelo menos 150 anos –, destaca-se a figura do juiz de água, enraizada nas práticas hispânicas e árabes de administração da água de irrigação. O juiz é parte das formas associativas autóctones, que mostram as capacidades e habilidades das pessoas do Vale para agir de forma coletiva e organizada. Analiso também as negociações, acordos e os conflitos surgidos na distribuição da água, apresentando, para tanto, de um lado a distribuição da água considerada, por alguns, como conflituosa e, por outro lado, como um elemento conciliador e promotor de acordos. Finalmente, tendo em conta os diversos sentidos atribuídos à água pelos atores, mostro como a água de irrigação pode ser considerada um bem comum, de propriedade coletiva, por juízes e agricultores do Vale, enquanto, para funcionários e técnicos, ela é uma propriedade pública que deve ser administrada pelo Estado, por meio da cobrança do serviço aos usuários. A categoria bem comum apresenta características particulares e de muita relevância na atualidade, sobretudo, num mundo em que parece estar se desfazendo a noção de autoridade do Estado, substituída pelas possibilidades que oferecem os direitos coletivos, abrindo novos espaços de estudo e discussão em relação a essa temática. O trabalho insere-se na produção do Núcleo de Pesquisa em Organização e Ação Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e foi possibilitado pela bolsa de estudos outorgada pela Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), da Venezuela. Palavras-chaves: gestão da água de irrigação, práticas tradicionais, bens comuns, análise de interface, práticas discursivas, semi-árido, Venezuela.

CANELÓN PÉREZ, Jesús E. Water management in the Quíbor Valley: a psychosocial analyze of a traditional form of handling a common good. These (Doctor in Social Psychology)

ABSTRACT

The distribution and use of water has been at the centre of grate discussions at the international level as it is verified by a number of conferences and symposiums that had taken place for the last 25 years. As a result of those discussions there have appeared various forms to consider such a called indispensable resource. Starting from the reading of such final international declarations and manifestos containing opposite positions and the bibliography about this topic, hegemonic, alternative and intermediate positions are classified taking into account ideas of water property and management. It is also showed how water irrigation has been studied by social sciences and how the social psychology has had little interest in studying such thematic and other rural subjects. This thesis aims to understand the intersection of various meanings of water irrigation and its management which circulate in the Quíbor Valley, a semiarid region in Venezuela, looking forward to subsidize local policies of water management and to contribute to open up the discussion about the common goods, and, in particular, the role of water among those goods, in the social psychology and, perhaps, to contribute to the disciplinary bibliography. It is a pioneer work within the Venezuelan context, where alike works were not found. Epistemologically and methodologically, this work takes as its foundation the social constructionist approach supported by four theoretical notions: field-theme, matrix, actor-oriented interface analyses and discursive practices. Based on those notions, it is analyzed water guards, peasants, institutional technical and state enterprises workers, observations and documents of public domain discourses about a traditional form of water irrigation management, studying five different water fonts available in the Valley. As an important element of the traditional water management’s form stands out the water guard figure, used for about 150 years, which is rooted in Hispanic and Arabic irrigation water management practices. The water guard is a very important figure in the autochthonous associative forms which shows the capacities and the peoples’ abilities in the Valley to act as a collective and organized form. It is also analyzed the negotiations, agreements and conflicts emerged within the water distribution process, showing contrasting actor’s point of view related to water distribution, seen as a conflicting as well as a conciliator element which can promote agreements. Finally, it is analyzed the different meanings attributed to water by the various actors showing how water irrigation is considered as a common good as well as a collective property by water guards and Valley peasants. On the other hand, official workers and technicians consider water as public property which should be administrated by the State through service charge to users. The common good category shows particular and relevant characteristics in present times, mainly, in a world where it seems to be dissolving the role of state’s authority and its substitution for the possibilities offered by collective rights, opening up new research areas and the discussion of the thematic of water as a common good. This work is part of the production of the Research Centre on Organization and Social Action at the Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Brazil. It was possible thanks to a scholarship from the Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), Venezuela. Keywords: water irrigation management, traditional practices, common goods, actor-oriented interface analyses, discursive practices, semiarid, Venezuela.

CANELÓN PÉREZ, Jesús E. La gestión de agua en el Valle de Quíbor: un análisis psicosocial de una forma tradicional de manejo de un bien común. Tesis (Doctorado en Psicología Social)

RESUMEN

La distribución y el uso del agua ha sido objeto de grandes discusiones a nivel mundial, como se puede constatar en las conferencias e simposios realizados durante los últimos 25 años. Como resultado de esas discusiones aparecieron varias formas de considerar la administración del denominado recurso indispensable. A partir de la lectura de las declaraciones finales de varias de esas conferencias, de los manifiestos con posiciones contrarias a ellas e de la bibliografía sobre el tema, divido las posturas sobre el agua en hegemónicas, alternativas e intermedias, tomando como referencia la idea que ellas tienen sobre la propiedad del agua y su gestión. Muestro también, como ha sido estudiada por las ciencias sociales el agua de riego y, como la Psicología Social poco se ha interesado en estudiar no solamente esta temática, como también todo lo que tenga que ver con lo rural. Procuro entender el entrecruzamiento de los diversos sentidos que circulan en el Valle de Quibor, región del semiárido de Venezuela, sobre el agua de riego y su gestión, en la búsqueda por subsidiar las políticas locales de administración del agua, contribuir para abrir la discusión sobre la noción de bien común en la Psicología Social y, se es posible, dar subsidios a la literatura disciplinaria. Se trata de un trabajo pionero en esta área, pues no fueron encontrados estudios similares en Venezuela. Epistemológicamente y metodológicamente tomo como base la perspectiva construcionista social y hago uso de cuatro nociones que son afines con esa perspectiva: campo-tema, matriz, análisis de interfase centrada en el actor y prácticas discursivas. Con base en esas nociones, analizo, a partir de las conversaciones de los jueces de agua, agricultores, funcionarios y técnicos de instituciones e empresas estadales, de las observaciones en el lugar y de los documentos de dominio público, la forma tradicional de gestión de agua de riego en cinco fuentes de agua disponibles en el Valle. Como elemento importante de una de las formas de gestión, usada desde hace por lo menos 150 años, aparece la figura del juez de agua, enraizado en las prácticas hispánicas y árabes de administración del agua de riego, que todavía persisten en el Valle. El juez hace parte de las formas asociativas autóctonas que muestran las capacidades y habilidades de las personas del Valle para actuar de forma colectiva y organizada. Analizo también las negociaciones, acuerdos y los conflictos sobre la distribución del agua. Presento para ello, como, por un lado, la distribución es considerada conflictiva por algunos de los que participaron en la investigación, y por otros, como un elemento conciliador y promotor de acuerdos. Finalmente, considerando los diversos sentidos atribuidos al agua por los actores, muestro como el agua de riego puede ser considerada como un bien común, de propiedad colectiva, para los jueces y agricultores del Valle, mientras que para los funcionarios y técnicos ella es definida como una propiedad pública que debe ser administrada por el Estado, a través del cobro a los usuarios de una tarifa por el servicio. La categoría bien común es de gran importancia en la actualidad, sobretodo, en un mundo donde parece deshacerse la noción de autoridad del Estado y se considera la posibilidad de substituirla por los derechos colectivos, lo que abre nuevos espacios de estudio y discusión con relación a esta temática. El trabajo se inserta en la producción del Núcleo de Investigación y Acción Social de la Pontificia Universidad Católica de San Pablo (PUC/SP) e fue posible gracias a la beca de estudios concedida por la Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), da Venezuela. Palabras claves: gestión de agua de riego, práctica tradicional, bien común, análisis de interfase, prácticas discursivas, semiárido, Venezuela.

Sumário

Prefácio.................................................................................................................... 1

Capítulo I. Uma introdução ao debate internacional sobre a água................. 11

As conferências e foros sobre a água: a proposta hegemônica..................... 12

A proposta alternativa................................................................................... 22

As posturas intermediarias............................................................................ 25

Sobre o desenvolvimento sustentável........................................................... 27

Capítulo II. Uma apresentação ao Vale de Quíbor e suas práticas sobre gestão

de água................................................................................................ 30

A Represa Yacambú-Quíbor......................................................................... 39

A legislação venezuelana sobre o uso da água na agricultura....................... 44

Formas de regulamentar o uso da água para irrigação em Quíbor................ 47

Capítulo III. Buscando um método num espaço interdisciplinário................... 53

A irrigação nos estudos socioculturais.......................................................... 54

A perspectiva do construccionismo social.................................................... 58

Estabelecendo os primeiros contatos............................................................ 68

Situando aos atores....................................................................................... 70

De volta ao Vale............................................................................................ 75

Sobre a análise.............................................................................................. 77

Capítulo IV. A água no cotidiano do Vale de Quíbor: os múltiplos sentidos... 80

Sobre os direitos e o gerenciamento............................................................. 81

O riacho Atarigua: as terras que ele percorre e as pessoas que podem

usá-lo............................................................................................................. 84

O portal de saída do túnel: os restos, usando até a última gota..................... 89

A represa Dos Cerritos: a estação de tratamento, a empresa camponesa

La Vigía e Aciprosemcla................................................................................ 92

Os poços profundos....................................................................................... 105

As águas residuárias....................................................................................... 105

Capítulo V. As interfaces e a produção de sentidos na negociação, nos acordos

e conflitos sobre a água....................................................................... 108

Os conflitos na distribuição das águas no Vale.............................................. 112

Um conflito em negociação............................................................................ 131

A represa como solução possível.................................................................... 138

Capítulo VI. O Bem Comum................................................................................... 145

Construindo um conceito................................................................................ 146

A água como Bem Comum............................................................................. 149

Os sentidos sobre a água................................................................................. 153

Considerações gerais................................................................................................ 165

Referências bibliográficas....................................................................................... 179

Fontes........................................................................................................................ 191

Apêndices.................................................................................................................. i

Apêndice 1.................................................................................................... ii

Apêndice 2.................................................................................................... iii

Apêndice 3.................................................................................................... viii

Lista de mapas, tabelas e figuras Mapa 1. Localização relativa do Vale de Quíbor....................................................... 32

Mapa 2. Localização espacial das bacias de influência do Vale de Quíbor............... 34

Mapa 3. Localização de fontes de água menores....................................................... 38

Tabela 1. Os atores..................................................................................................... 79

Tabela 2. Temas de Gerenciamento........................................................................... 82

Tabela 3. Os conflitos pelo uso da água..................................................................... 114

Tabela 4. Como se definem a água e seu uso............................................................. 164

Figura 1. Vista do Vale de Quíbor.............................................................................. 33

Figura 2. Perfil longitudinal do túnel de transvase..................................................... 41

Figura 3. Riacho Atarigua.......................................................................................... 85

Figura 4. Portal de Saída do Túnel de Transvase....................................................... 90

Figura 5. Saída da água do túnel pela tubulação........................................................ 90

Figura 6. Filtro para lavagem da água........................................................................ 93

Figura 7. Canal da água dos filtros............................................................................. 94

Figura 8. Canal de cimento......................................................................................... 99

Figura 9. Uma das lagoas de Luis............................................................................... 107

Figura 10. Lagoa de estabilização do esgoto de Sanare............................................. 122

Figura 11. Vista do riacho Atarigua desde a ponte de Bojo........................................ 128

Figura 12. Saco de areia para bloquear ou desbloquear o desvio de água................... 129

Detalhe do mural de Diego Rivera. El agua, origen de la vida, 1951. Fresco en Polietileno y solución de hule. Cárcamo del Río Lerma, Parque Chapultepec, Ciudad de México. Fonte: http://www.diegorivera.com/murals/lerma1.html

Prefácio

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A palavra água, do latim aqua, é freqüentemente descrita como um líquido incolor,

sem cheiro ou sabor, essencial à vida e que congela a 0°C e entra em ebulição a 100°C; uma

definição inócua para aquilo que ao longo deste trabalho de pesquisa se mostra como base de

negociações, acordos e conflitos.

Segundo Guerrero (1998), Tales de Mileto, filósofo grego do século V a.C., teria

afirmado que a água era a substância original, da qual se formaram todas as demais. Outros,

mais tarde, apontaram para a existência de uma certa proporção no mundo entre o fogo, o ar, a

terra e a água, e que essas substâncias lutam entre elas para manter um equilíbrio natural.

Guerrero, no mesmo texto, menciona, também, que Issac Newton, no século XVII afirmara,

no seu De Natura Acidorum, que todo corpo poderia ser reduzido a água.

A água doce da terra só representa 3% do total de água disponível no planeta, apesar

de que a Terra está composta, em 71% da sua superfície, por água, e, o que é apontado como

mais dramático: apenas 0,26% dessa água doce é adequada ao consumo humano, nas suas

diversas formas (De Villiers, 2002).

No nosso planeta, a água se “autocontrola” pelo que é denominado de ciclo

hidrológico. Ele garante que a água da terra e dos oceanos se evapore, flutue e seja arrastada

pelas correntes de circulação do ar atmosférico para depois se precipitar na forma de chuva,

neve ou granizo. Ao se precipitar, pode ser interceptada ou assimilada pelas plantas e, a partir

delas, devolvida à atmosfera, fluir pela terra para os leitos dos rios, infiltrar-se para depósitos

subterrâneos (aqüíferos) ou contribuir para a formação de lagos, evaporar e começar tudo de

novo.

O ciclo hidrológico é o processo de transferência da água de um estado, ou reservatório, para outro através da gravidade ou da aplicação de energia solar, ao longo de períodos que variam de horas a milhares de anos. O sistema todo funciona somente porque mais água evapora dos oceanos do que retorna para ele diretamente nas formas de chuva ou neve. Essa diferença cai na terra sob as formas de chuva ou neve, e é essa diferença que torna nossa vida possível, pois, quando a chuva cai, ela o faz em forma de água doce (De Villiers, 2002:52-53).

A quantidade de água que circula nesse ciclo permanece constante, porém, ela se

modifica localmente. Então, o ciclo hidrológico não tem começo nem fim, pois todos os seus

componentes estão interligados, mas para entendê-lo é possível, como vimos, começar sua

explicação pela evaporação, que é o que leva a umidade da superfície do planeta à atmosfera.

Tudo isso faz saber que a água não desaparece, só se transforma, e que essa

transformação pode ser produzida por vários elementos, como o clima e a natureza em geral,

ou pelas pessoas quando desmatam, poluem, ou fazem uma barragem. Portanto, quando se

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fala de escassez de água, essa tem a ver com um contexto determinado num lugar específico,

e não com uma escassez efetiva no planeta, quer dizer, a água que falta num canto pode estar

causando enchentes em outro.

Segundo Rebouças (2002), “o termo água refere-se, regra geral, ao elemento natural,

desvinculado de qualquer uso ou utilização. Por sua vez, o termo recurso hídrico é a

consideração da água como bem econômico, passível de utilização com tal fim” (p.1).

Mas a água não é simplesmente um bem econômico, mas também, um bem público e

um bem comum/coletivo. É neste triângulo de perspectivas que se situa o presente trabalho:

nas questões de gestão de algo que é público, coletivo e econômico em várias proporções,

dependendo da perspectiva assumida. Para o mundo das grandes empresas nacionais e

internacionais de água, ela é um bem econômico que permite criar serviços, como de

saneamento, eletricidade, transporte, etc., em troca de pagamentos. Para o mundo dos gestores

públicos, a água é uma questão de política pública, de discussão sobre formas de

regulamentação e controle. E, para as comunidades, a água é vista como sendo “da gente”,

algo que a natureza fornece para as pessoas que por aí vivem.

Mas, especificamente, buscamos contribuir para a discussão sobre a gestão de água, a

partir da análise de uma prática alternativa de gestão, desenvolvida historicamente num vale,

o Vale de Quíbor, de aproximadamente 43 mil hectares produtivos dentro do que se denomina

como Zona de Aproveitamento Agrícola, no município Florencio Jiménez, no estado de Lara,

na Venezuela.

A Venezuela é um dos países mais ricos do mundo em termos de recursos hídricos,

segundo o nível de potencialidade em relação ao uso desses recursos, quer dizer, seu potencial

está entre 10 mil e 100 mil m³/hab./ano e seu nível de uso entre 100 e 500 m³/hab./ano, o que

é considerado como baixo (Rebouças, 2002). Foi o primeiro país da América Latina a criar,

em 1977, uma instituição para o manejo e administração dos recursos naturais e renováveis

com categoria ministerial, o Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales Renovables

(MARNR), hoje denominado como Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales

(MARN), que é uma entidade centralizada e responsável pela gestão dos recursos hídricos do

país (González, 2000).

Por meio do Ministério do Ambiente, o Executivo Nacional exerce a autoridade sobre

as águas, segundo o artigo 50 do Decreto de Fuerza y Rango da Lei Orgânica da

Administração Central, com data de publicação de 14 de outubro de 1999, na Gazeta Oficial

n.° 36.807. Em nível nacional, o Ministério exerce sua gestão através de Direções Setoriais,

Estaduais, Regionais e suas empresas Hidrológicas Regionais (González, 2000).

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Apesar da sua riqueza hídrica é possível encontrar regiões do país onde chove durante

o ano todo e outras onde não chove quase nunca. Nos 912.050 km² de superfície que ocupa a

Venezuela existem nove tipos climáticos diferentes: Tropical Desértico (árido), Tropical de

Estepe (semi-árido), Tropical de “Sabana”, Tropical “Monzónico”, Tropical de Selva,

Tropical de Altura, Temperado de Altura, Páramo de Altura e Glacial de Altura. “Além

dessas diferenças nos climas do país, dentro de cada região se apresentam diferenças espaciais

e temporais no comportamento dos parâmetros climáticos”1 (González, 2000:31).

Segundo uma projeção do censo de 1999, o país tem uma população de 23.706.711

habitantes, sendo que o 87% se localiza nas zonas urbanas. Da população total, 30,6% estão

concentrados na área norte-costeira, o que representa 1,7% da superfície nacional. Em

contraposição, 8,3% da população ocupa 58,2% do território, o que mostra um forte desnível

na distribuição da população urbana e a rural no país. Do ponto de vista hidrográfico, existem

duas vertentes marítimas: a do Atlântico e a do mar do Caribe. E seis bacias hidrográficas

principais: rio Orinoco (a mais importante pela quantidade de água, 1.071.188 hm³, e pelo

território que abrange, 770 mil km²), lago de Maracaibo, mar do Caribe, rio Cuyuní, rio

Negro e lago de Valência (González, 2000).

O problema do uso e gestão da água é um elemento cada vez mais presente nas

discussões mundiais. De um lado, existem propostas de organizações internacionais como a

ONU e o Banco Mundial, apoiadas pelas multinacionais da água, como a Vivendi e a Suex-

Lyonnaise das Águas, entre outras, para subministrar água para todos os seres humanos do

planeta, privatizando os serviços de distribuição de água ou por meio de parcerias público-

privadas, pois consideram que a água é principalmente um bem econômico. Por outro lado,

algumas organizações não governamentais e grupos de ecologistas, entre outros, se opõem aos

programas de privatização e argumentam a favor da administração das águas pelos usuários,

considerando a água como um direito humano universal.

Desde 1994, venho tendo contato, atuando como professor do Decanato de Medicina

da Universidad Centro Occidental Lisandro Alvarado (UCLA), em Barquisimeto, com as

práticas agrícolas do Vale de Quíbor2 (Canelón; García e Núñez, 1999). Inicialmente,

estudando questões sobre agrotóxicos e práticas de trabalho agrícola, onde a água rapidamente

apareceu como um elemento chave na dinâmica produtiva do lugar, sobretudo, considerando

1 Todas as citações que no texto original não estão escritas em português, foram traduzidas pelo autor da tese. 2 São desenvolvidos na zona rural do Vale diversos projetos na área de saúde, e a Faculdade de Medicina desenvolve atividades docentes no hospital da região, bem como nas várias unidades básicas de saúde espalhadas pelo Vale.

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o caráter de semi-árido que o Vale apresenta. Assim nasceu o meu interesse pela gestão da

água nessa região.

O Vale de Quíbor apresenta condições climáticas que o colocam dentro do que se

denomina semi-árido, com três meses úmidos e aproximadamente 500 mm de precipitação

anual. Apresenta, também, elevações que variam entre 820 metros sobre o nível do mar (msnm)

ao sul e 600 msnm ao norte da planície. A temperatura oscila entre uma máxima de 31,2°C e

uma mínima de 19,2°C, com uma média anual de 25,3°C. No Vale, cultivam-se

principalmente cebola, tomate, pimentão, mas existem plantações de grande variedade de

cultivos que dependem da época e do produtor, entre elas: alface, pepino, coentro, cebolinha,

acelga, alho-poró, beterraba e frutas em geral, assim como criação de espécies animais (SHYQ,

1998).

Hidrograficamente, o Vale de Quíbor forma parte da bacia do riacho Las Raíces,

afluente do rio Tocuyo, que pertence à bacia do mar do Caribe. Os recursos de água usados

para irrigação no Vale provêm do escoamento superficial, principalmente dos riachos Las

Raíces e Atarigua, das águas subterrâneas (atualmente superexploradas) e de fontes menores:

águas residuárias, drenagem do túnel de transvase da represa do rio Yacambú, sistema de

irrigação San José de Quíbor e lavagem de filtros da estação de tratamento Cidade de

Barquisimeto, essas duas últimas fontes recebem água da represa Dos Cerritos, localizada na

bacia alta do rio Tocuyo (SHYQ, 1998).

A condição de semi-árido do Vale torna impraticável atividade agrícola de média ou

grande escala sem o uso da irrigação. Para administrar essa escassez histórica de água, no Vale

de Quíbor, por mais de 150 anos os agricultores têm utilizado uma forma própria de gestão de

água, em que figura do juiz de água tem sido elemento fundamental. Os primeiros registros

sobre a gestão de água no Vale datam de 1851, e é provável que essa prática seja bem

anterior. Atualmente, está sendo construída uma represa que pretende contribuir para a

solução da escassez de água, não somente no Vale, como nas cidades circunvizinhas.

Em conversas com funcionários da Empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor

(SHYQ) − encarregada da construção da represa −, do Ministério do Ambiente, da Prefeitura

do Município Florencio Jiménez e nos documentos oficiais, ficam evidentes as diferenças

entre os modelos e práticas de gestão de água em circulação entre os múltiplos atores e,

especialmente, a falta de reconhecimento do caráter coletivo das práticas tradicionais e

autóctones.

Na Psicologia Social, a área do estudo de inovação natural teve até recentemente

pouco espaço entre os métodos usuais de elaboração teórica. Felizmente, o Núcleo de

6

Pesquisa em Organização e Ação Social (Noas), na Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, Brasil (PUC/SP), sempre foi foco de promoção das vozes de atores inovadores. Como

membro do Noas, apoio-me na visão de Peter Spink, seu coordenador, quando diz que o

núcleo “tem um compromisso com os eventos cotidianos e com a busca de ações que reduzam

as desigualdades e melhorem a qualidade da vida coletiva” (Spink, 2003a:2). O que também

me anima a realizar esta pesquisa é “a possibilidade de ser útil” (Spink, 2003a:8) e de dar voz,

principalmente, aos pequenos produtores do Vale de Quíbor.

Para tanto, analiso a forma tradicional de gestão de diversas fontes de água, utilizadas

pelos agricultores do Vale de Quíbor para irrigar áreas agrícolas, buscando minimizar os

problemas de escassez de água durante a estiagem. Faço isso por meio do estudo das práticas

discursivas expressas pelos vários atores com os quais me relacionei em entrevistas, conversas

e nos discursos escritos, leis e normas que regulamentam o uso da água na região e no país,

assim como em outros documentos de domínio público. Entendo por forma tradicional de

gestão o manejo de água de irrigação que se baseia em práticas e normas estabelecidas no

Vale desde tempos imemoriais, de forma oral ou escrita, mas que são resignificadas no

cotidiano pelas pessoas que utilizam a água ou trabalham em torno dela.

Utilizo como referencial epistemológico e metodológico as noções de campo-tema de

Peter Spink (2003a), localizando este estudo como parte de uma temática que ocorre em

lugares determinados, nos quais eu me situo mesmo não estando fisicamente presente; de

Matriz de Ian Hacking (1999), que me subsidia na compreensão de situações complexas como

a da água de irrigação; a de Análise de Interface Centrada no Ator, de Norman Long (2001),

que me permite compreender como e onde se entrecruzam, ou não, os diferentes sentidos

atribuídos à água (de irrigação) e sua gestão; e de Práticas Discursivas, consideradas

linguagem em uso (ação), na proposta de Mary Jane Spink (1999).

Procuro contribuir para a discussão da noção de bem comum na Psicologia Social, a

partir do estudo das negociações de sentidos, dos posicionamentos e das interfaces, que

surgem nos processos de gestão da água de irrigação durante a estiagem no Vale de Quíbor.

Procurei entender o entrecruzamento das diversas versões que circulam sobre a gestão da água

de irrigação, olhando para as semelhanças e diferenças.

Esta pesquisa busca, ainda, subsidiar as políticas locais de gerenciamento da água de

irrigação e na tomada de decisões sobre a distribuição, manejo e consumo da água no

contexto do Projeto Hidráulico Yacambú-Quíbor e, se possível, fornecer subsídios à literatura

disciplinar. Trata-se de um trabalho pioneiro nessa área, pois nem no Vale de Quíbor, nem na

Venezuela temos encontrado estudos semelhantes, que abordem, a partir da Psicologia Social,

7

os processos de gestão de água de irrigação. Espera-se, portanto, poder contribuir para a

estruturação de propostas de gestão comunitária dos sistemas de irrigação.

As principais perguntas que têm orientado meu trabalho são: Qual a forma de gestão

tradicional das fontes de água para irrigação no Vale de Quíbor? Que mecanismos de ação e

organização existem e são propostos para a gestão da água na região? Quais pessoas e

associações participam e podem vir a participar da gestão da água em Quíbor? Quais os

direitos que sustentam o uso que se faz das fontes de água? Como e onde se dão as interfaces

na gestão da água? Quais os mecanismos de negociação que têm se dado, no Vale, para a

continuidade da gestão da água na época da estiagem? Quais os conflitos referidos pelas

pessoas em Quíbor a respeito da água de irrigação? Qual o papel do projeto de construção da

represa Yacambú-Quíbor para os vários atores envolvidos no uso da água na região? E –

finalmente – que sentidos sobre a água e a sua gestão estão presentes nos atores do Vale?

Espera-se que essas questões tenham sido em parte respondidas por meio desta

pesquisa, e que possamos, de algum modo, auxiliar os atores envolvidos a refletir sobre as

ações e negociações futuras, no que diz respeito ao uso da água no Vale.

A pesquisa foi realizada nas cidades de Barquisimeto, Quíbor, Sanare e em alguns

casarios do Município Florencio Jiménez como Cuara, Los Ejidos, El Hato, Los Ortices que,

junto com outros, constituem um lugar denominado Vale de Quíbor.

O trabalho divide-se em seis capítulos. O primeiro trata dos discursos que circulam no

âmbito internacional sobre a água e seu futuro. Apresento, para isso, alguns dos temas

discutidos nas conferências internacionais sobre a problemática da água no mundo,

principalmente desde a década de 1970, e as propostas e contrapropostas que têm surgido

nesse campo. As propostas e contrapropostas foram por mim organizadas em três grupos: a

“oficial” ou hegemônica3, produzida pelas instituições que guiam e controlam a formulação e

implementação de grande parte das políticas de administração mundial sobre a água, a

“alternativa”, produzida, entre outras, por duas associações da sociedade civil internacional

que se opõem às anteriores e trazem outros elementos à discussão4 e a intermediária, na qual

se misturam aspetos das anteriores. Inicio com as conferências mundiais e os discursos

contidos em suas declarações e prossigo com os argumentos expressos nos discursos do

3 Entre essas instituições estão as Nações Unidas (ONU) (incluem-se as Declarações Ministeriais das Conferências), o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Conselho Mundial da Água (WWC), a Global Water Partnership (GWP), e as grandes empresas administradoras de recursos hídricos em nível mundial. 4 Como associações opostas considero as propostas da organização não governamental “Contrato Mundial da Água” e o “Blue Planet Project” (Projeto Planeta Azul), o qual representa um movimento global de cidadãos para proteger a água.

8

Manifesto da Água e do Projeto Planeta Azul, como os principais representantes da proposta

alternativa. Apresento, também, algumas das propostas que se podem denominar como

posturas intermediárias com relação à privatização ou ao manejo público/coletivo da água.

Finalmente, faço uma discussão sobre a noção de Desenvolvimento Sustentável, em alguns

autores, e sua relação com o futuro da água.

No segundo capítulo, apresento uma introdução sobre o Vale de Quíbor como lugar da

pesquisa a partir da bibliografia sobre o tema e da minha vivência no local. O Vale aparece

como um lugar homogêneo, porém, é composto de muitos lugares com características

diversas, por isso a descrição sempre será uma versão particular e limitada de tudo o que

representa a região. Dentro dessa complexidade de pessoas e instituições que integram o

cotidiano de Quíbor, é importante conhecer o projeto da represa Yacambú-Quíbor. Para isso,

conto uma história sobre a empresa SHYQ e da construção das obras que executa, como

elemento fundamental do passado, presente e futuro do uso, manejo e controle de uma parte

das águas destinadas à irrigação, no Vale de Quíbor.

Também, e tomando em conta a relevância que têm para a gestão, descrevo as leis e

normativas que regulamentam o uso da água na Venezuela, de maneira geral, e em Quíbor, de

maneira particular, destacando a questão da água para irrigação. Identifico as terminologias e

conceitos utilizados no contexto mundial e sua ressonância nas falas e nos documentos legais

locais.

O terceiro capítulo constitui-se da apresentação do referencial teórico e metodológico

que tem orientado a construção da explicação e a análise das situações de gestão da água no

Vale e descrevo o percurso seguido para a realização das entrevistas e conversas e a seleção

do material impresso analisado. A partir da noção de campo-tema, situo-me no Vale e

apresento algumas das entidades e associações que estão presentes em Quíbor, nas quais

atuam as pessoas que fazem parte deste trabalho: os juízes de água e agricultores que

aparecem no texto relacionados com a fonte de água que utilizam, ou funcionários

relacionados com as instituições nas quais prestam seus serviços.

No quarto capítulo, analiso a forma tradicional com que os agricultores do Vale

gerenciam as fontes de água em Quíbor, a partir das falas dos atores envolvidos. Utilizo, para

tanto, as práticas discursivas dos juízes, agricultores e funcionários e os documentos de

domínio público disponíveis no Vale. As fontes de água utilizadas pelos atores são: o riacho

Atarigua, o Portal de Saída da Água do Túnel, a água da limpeza dos filtros da estação de

tratamento, a represa Dos Cerritos, as lagoas de estabilização de águas residuárias e os poços

profundos. A partir do entrecruzamento das práticas discursivas e da leitura do campo-tema

9

nos documentos técnicos e acadêmicos, a partir das duas primeiras categorias para a análise, o

direito e o gerenciamento do uso das águas. Essas categorias serviram para interpretar e

compreender quais os sentidos atribuídos ao direito sobre a água e a forma de administrá-la no

Vale de Quíbor.

O quinto capítulo trata da análise das práticas discursivas dos interlocutores e das

interfaces na gestão de água de irrigação no Vale, dando ênfase às negociações, aos acordos e

conflitos mencionados nas conversas e discursos. Apresento uma série de autores e

personalidades ligadas aos problemas de água no mundo, que dão suas versões sobre as razões

dos conflitos pela água. Utilizo aí várias estratégias para mostrar como as pessoas do Vale

falam dos conflitos como algo comum no passado, e o papel desses conflitos no cotidiano

atual. Trata-se também de como os juízes e distribuidores de água, particularmente, tentam

resolver esses conflitos, dependendo das pessoas envolvidas e do nível de complexidade.

Finalmente, faço uma análise das práticas discursivas de alguns dos interlocutores sobre as

possibilidades que oferecem a construção e funcionamento da represa Yacambú e o sistema de

irrigação Vale de Quíbor, por parte da empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A., na

melhoria da situação da escassez de água no Vale.

O capítulo VI desenvolve a outra categoria da análise, o bem comum e, em particular,

a idéia de que a água é um bem comum. Faço uma reflexão sobre essa noção ao longo da

história, assim como sua relação com outros termos utilizados, às vezes, como sinônimo, por

exemplo, bem comunal, bem público, bem coletivo. A literatura sobre o tema é muito ampla e

as acepções que se utilizam são inúmeras, mas, entenderemos neste trabalho que o bem

comum é aquele que pertence a um coletivo que o administra para seu benefício, sem impedir

que todos os usuários possam fazer uso desse bem. Nesse caso, considero a água de irrigação

parte dos bens comuns dos seus usuários, no entanto, cada fonte de água tem características

particulares dentro de uma matriz específica, na qual é construído determinado tipo de

relações sobre o uso e administração dessa água. As falas e os documentos nos auxiliam na

compreensão dos sentidos atribuídos pelos interlocutores à água, entendida como bem

comum, e como ela é considerada pelas leis e pelos regulamentos da Venezuela e da região.

Finalizo esta tese com algumas considerações gerais que tentam apresentar uma

discussão entre o trabalho e minhas reflexões sobre as principais questões discutidas ao longo

do texto. Entre elas, destacam-se as diferenças entre as propostas sobre a água no âmbito

internacional, a importância da água de irrigação para a produção agrícola e das relações

sociais em torno dela, a existência da forma tradicional de gestão de água, no Vale de Quíbor,

que tem permanecido por tantos anos com bastante sucesso, o papel do juiz de água na

10

distribuição da água, sobretudo na solução de conflitos, o papel de represa Yacambú-Quíbor

no futuro da região, e a utilidade das estratégias teóricas e metodológicas utilizadas neste

trabalho na compreensão de problemas complexos.

11

Capítulo I

Uma introdução ao debate internacional

sobre a água.

12

Não seria surpresa − especialmente considerando as suas implicações econômicas,

políticas e coletivas − que as concepções sobre a água no mundo sejam diferentes entre sim,

ao ponto de serem, inclusive, às vezes conflituosas. Para classificar as diferentes posições que

circulam nos espaços internacionais é útil distinguir três posições: a proposta hegemônica,

entendida como aquele conjunto de propostas lideradas pelos grupos econômicos em prol da

privatização da água, por considerar que elas são a referência mais presente no âmbito

internacional, sendo geralmente apoiadas pela Organização da Nações Unidas (ONU). Ainda

que essas conferências não tenham caráter impositivo, seus acordos e apontamentos são uma

diretriz para a tomada de decisões a respeito da água. Chamo de proposta alternativa àquelas

que tentam se contrapor à dita privatização e apresentam sugestões diferenciadas, embora

menos visíveis no contexto internacional. Além disso, apresento algumas das propostas que

podem ser chamadas de intermediárias, pois acolhem elementos das duas anteriores.

As conferências e foros sobre a água: a proposta hegemônica

A discussão promovida pelas Nações Unidas (ONU) acerca da disponibilidade da água

como problema de grande complexidade em âmbito mundial tem sua origem na década de

1970, com a realização de mega-conferências sobre o ambiente, em Estocolmo (ONU, 1972),

a água, em Mar del Plata (ONU, 1977), e a desertificação, em Nairóbi (ONU, 1979).

Isso não quer dizer que anteriormente não existisse o problema, ou que, em âmbitos

locais, não tivessem sido realizadas reuniões sobre a água em que se discutiram possíveis

negociações, acordos e conflitos, e que outras organizações não tivessem se preocupado em

realizar eventos sobre o tema. Porém, as conferências internacionais geraram discussões

globais a respeito da problemática da escassez e do saneamento da água, e, em alguns casos,

produziram declarações e planos de ação para auxiliar na tomada de decisões dos governos,

sobretudo, nos países chamados de terceiro mundo.

A conferência sobre a água, em Mar del Plata, na Argentina, em março de 1977, foi a

primeira a tratar do problema da escassez de água. Seu objetivo específico foi “promover um

nível de preparo político, nacional e internacional, que ajudasse o mundo a escapar de uma

crise da água de dimensões globais, até o fim do presente século” (Biswas, 2002:3). A

conferência buscava assegurar que o mundo tivesse, nesse período, um suplemento de água de

boa qualidade para satisfazer às necessidades econômicas de uma população em expansão,

promovendo políticas que ajudassem o mundo a evitar uma crise global de água.

13

Nessa conferência foi aprovado um plano de ação dividido em duas partes: a) das

recomendações, quanto a manejo da água, ambiente, controle da poluição e saúde, política,

educação, treinamento e pesquisa, cooperação regional e internacional, e b) 12 resoluções

sobre uma ampla gama de áreas temáticas específicas (Biswas, 2002).

Para Petrella, a conferência mostrou que a água começava a ser vista como uma das

questões mais importantes na agenda política, mas, não entanto, ele aduz que:

... a crise da água continuou a se intensificar de tal forma que, vinte anos mais tarde, uma outra agência da Onu, a Unesco, foi obrigada a organizar a última de um número infinito de conferências sobre o título: “Água: uma crise que se agiganta?” (Petrella, 2001:45).

Continuando com o apontado por Biswas (2002), o resultado mais importante dessa

conferência foi recomendar que o período entre os anos de 1980 e 1990 fosse proclamado

como a Década Internacional da Água Potável e do Saneamento, porém, o mesmo autor

menciona que a água desapareceu praticamente, e por diversas razões, das discussões

mundiais durante quinze anos depois de Mar del Plata, até a Conferência do Rio de Janeiro,

em 1992, o que significa que os objetivos de Mar del Plata não foram cumpridos.

Petrella (2001), por sua, vez critica os poucos sucessos alcançados durante a Década

Internacional da Água Potável e do Saneamento, lançada pelas Nações Unidas, que tinha

como proposta lograr a todas as pessoas do mundo o acesso à água potável segura até o ano

2000.

Em 1990, duas conferências trataram do problema da água nas suas agendas. A

primeira foi a Consulta Global sobre Água Segura e Saneamento para os Anos Noventa

(Global Consultation on Safe Water and Sanitation for the 1990’s), em Nova Delhi, cuja

declaração final sobre desenvolvimento e saúde estabeleceu: “A água potável e as formas

apropriadas de tratar o esgoto devem estar no centro do manejo integrado de recursos

hídricos” (Unesco, 2003). A segunda foi a Conferência Mundial para as Crianças (World

Summit for Children), realizada em Nova York, que estabeleceu em sua Declaração de

Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento das Crianças: “Promoveremos a provisão de água

potável em todas as comunidades, para todas as suas crianças, assim como o acesso universal

ao saneamento” (Unesco, 2003). Ambas as declarações reafirmam o princípio de que a água e

o saneamento são fundamentais para a saúde e o desenvolvimento humano, e este deve ser o

objetivo central das políticas de manejo da água.

Em janeiro de 1992, realizou-se em Dublin, Irlanda, um outro evento importante: a

Conferência Internacional sobre a Água e o Meio Ambiente (Ciama), programada pela

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Organização das Nações Unidas ONU. Um dos resultados dessa conferência foi a denominada

Declaração de Dublin (ONU, 1992a), que contém quatro princípios norteadores e um

programa de ação: 1) a água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a

vida, o desenvolvimento e o meio ambiente; 2) o aproveitamento e a gestão da água deve

inspirar-se numa proposta baseada na participação dos usuários, dos planejadores e dos

responsáveis pelas decisões em todos os níveis; 3) a mulher desempenha papel fundamental

no abastecimento, na gestão e na proteção da água; 4) a água tem valor econômico em todos

os seus diversos usos aos quais se destina e deveria ser reconhecida como bem econômico. É

este princípio que tem gerado a maior discussão entre as diversas posturas sobre a questão da

água, já que ele tem implícita a cobrança pelo seu uso e abre a possibilidade da privatização

dos serviços de água potável e saneamento.

O mesmo documento aponta que os principais benefícios que emanariam da aplicação

das recomendações de Dublin seriam os seguintes: mitigação da pobreza e das doenças,

proteção contra os desastres naturais, conservação e reaproveitamento da água,

desenvolvimento urbano sustentável, produção agrícola e abastecimento da água no meio

rural, proteção do ecossistema aquático, solução de conflitos derivados da água, meio

ambiente favorável baseado em conhecimentos e criação de capacidades (ONU, 1992).

Apesar de ter sido organizada pela ONU, essa conferência foi uma reunião de

especialistas e não uma reunião intergovernamental, o que impossibilitou à ONU acatar

oficialmente esses resultados, pois esse organismo só pode considerar como recomendações

oficiais para todos os países-membros as recomendações que são o resultado de reuniões

intergovernamentais.

A resolução de Dublin tem sido muito discutida e criticada por alguns estudiosos da

problemática da água. Biswas (2002) destaca que Dublin significou um passo atrás em relação

ao alcançado em Mar del Plata, porque, por exemplo, nos Princípios de Dublin, se indicava

que a água deveria ser reconhecida como um bem econômico, enquanto que em Mar del Plata

se destaca que se devem “adotar políticas de preços apropriadas, com uma visão que encoraje

o uso eficiente da água e custos financeiros de operação que levem em consideração os

objetivos sociais” (Biswas, 2002:6). Ou seja, em Mar del Plata se considera tanto os usos da

água para consumo humano como o industrial e o de irrigação, mas ressalta-se a importância

do uso eficiente da água e os objetivos sociais desses usos.

15

Ainda nessa obra, Biswas faz outra crìtica à Conferência de Dublin, afirmando que

falta a ela um plano para operacionalizar os princípios no ‘mundo real’, e, portanto, em nada

ajuda a que os países em desenvolvimento tomem decisões usando-os como referência.

É a partir de Dublin, então, que a água começa a ser considerada, principalmente,

como bem econômico, em contraposição à noção da água como direito humano, gerando

fortes divergências que fizeram surgir várias propostas alternativas acerca da gestão da água,

a serem tratadas posteriormente.

Uma outra reunião importante, e que vai marcar as discussões de todas as seguintes, é

a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de

Janeiro em 1992 (ONU, 1992b), que gerou o documento conhecido como a Agenda 21, no

qual a ONU aprova a Declaração do Ano Internacional da Água Doce, segundo Resolução

55/196 de 20 de dezembro de 2000 e, segundo Petrella (2001:46), “cultuou o conceito de

desenvolvimento sustentável”.

Na Agenda 21, propõem-se cinco pontos principais de organização de gestão dos

recursos hídricos: 1) desenvolvimento e gerenciamento integrado de recursos hídricos, 2)

provisão de água potável de qualidade adequada e saneamento básico para toda a população,

3) água para produção de alimento sustentável e desenvolvimento rural, 4) proteção dos

recursos hídricos, dos ecossistemas aquáticos continentais e da qualidade da água e 5)

promoção de tecnologias e ações que integrem setores público e privado no desenvolvimento

e na inovação tecnológica (Tundisi, 2003).

No capítulo 18 dessa Agenda, estabelecem-se as bases para as discussões futuras em

matéria de água, em âmbitos internacional e local, e inclui-se em suas propostas elementos

muito parecidos com os encontrados na Conferência de Dublin, ainda que não tenham sido

incorporados os quatro princípios apresentados acima.

A conferência de Rio de Janeiro, deveria ter sido um ponto culminante no diálogo

entre os países do norte e do sul, porém,

Esta conferência, longe de produzir as mudanças esperadas, serviu para instaurar um novo paradigma de exploração que, sobe a telha do desenvolvimento sustentável, quer incorporar na cadeia da reprodução capitalista os últimos bens comuns do planeta (Rosenberger, 2003:78).

Para Petrella (2001:46), “a conferência de Rio, realmente ajudou a reafirmar, na

estrutura da Agenda 21, a necessidade urgente para uma política mundial da água”.

A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo

em 1994, e a Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Beijing em 1995,

16

introduziram o tema do melhoramento do status político, social, econômico e de saúde, tanto

das mulheres como das populações em geral, dependendo do acesso à água e dos

investimentos em serviços (ONU, 2003).

Em 1996, foram criadas duas organizações que vieram a ter um papel muito

importante nas discussões sobre a água, em nível internacional. Elas são o Conselho Mundial

da Água5 (WWC) e a Parceria Global da Água6 (GWP). Ambas foram criadas pelo Banco

Mundial (BM) e outras organizações internacionais, entre elas, o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A WWC, grupo de decisão sobre política da água, produziu o documento Visão sobre

a Água, a Vida e o Ambiente no Século XXI, que contempla uma série de alvos a serem

alcançados. A GWP é uma rede internacional aberta a todas as organizações ligadas à Gestão

Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH), e sua missão é apoiar os países na gestão

sustentável dos recursos hídricos. Ela produziu o documento Hacia la Seguridad Hídrica: um

marco para la acción, discutido no II Foro Mundial da Água (GWP, 2000). Segundo

Bustamante (2003:18),

A idéia de realizar um Foro Mundial Sobre a Água foi promovida pelo Conselho Mundial da Água como uma iniciativa que possibilitasse a conscientização do mundo e o começo de um processo de colaboração global sobre a problemática da água.

O Foro de Marrocos (WWC, 1997), realizado em 1997, foi o primeiro Foro Mundial

sobre a Água. Nele, os governantes, as organizações internacionais, as ONGs e os países do

mundo em geral são convidados para trabalharem juntos, visando colocar em prática os

princípios de Mar del Plata, de Dublin, e o capítulo 18 da Conferência Rio 92, para iniciar a

“Revolução Azul” e, dessa forma, assegurar que os recursos de água da terra sejam

sustentáveis.

O objetivo principal desse foro foi criar uma visão mundial da água, da vida e do

ambiente, de longo prazo (Bustamante, 2003), e, também, propor ações que permitissem

reconhecer a necessidade básica da humanidade de ter acesso garantido à água limpa e ao

saneamento; estabelecer mecanismos para o manejo de águas compartilhadas; sustentar e

preservar ecossistemas; promover o uso eficiente da água; incluir a questão da eqüidade de

5 O Conselho Mundial da Água (WWC) é uma organização não-governamental internacional criada pelo Banco Mundial (BM) para apoiar a tomada de decisões sobre a água. Usarei as siglas do nome em inglês de World Water Council (WWC). 6 A Parceria Global da Água (GWP) foi criada pelo BM, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Agência Sueca para o Desenvolvimento (Sida) para agilizar a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH). Usarei as siglas do nome em inglês: Global Water Partnership (GWP).

17

gênero no uso da água; e encorajar parcerias entre os membros da sociedade civil e os

governos (WWC, 1997).

Esses princípios e objetivos vão se manter sem muitas modificações na Conferência

Internacional da Água e Desenvolvimento Sustentável de Paris, em março de 1998. Na

Declaração Final (The Ramsar Convention on Wetlands, 1998), destaca-se que os recursos

hídricos são essenciais para atender às necessidades humanas básicas, de saúde, de produção

de energia e de alimentos, e de preservação dos ecossistemas, assim como, para o

desenvolvimento social e econômico. Barlow e Clarke (2003), apontam que durante essa

conferência,

... a Comissão da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável propôs que os governos se voltassem às “grandes empresas multinacionais” para obtenção de capital e experiência técnica e pediu um “mercado livre” para os direitos de água e um papel mais amplo para o setor privado (p. 111).

Outra ênfase dessa conferência é dada à proteção dos ecossistemas, elemento essencial

como fator de manutenção e reabilitação do ciclo hidrológico natural, a fim de manejar os

recursos hídricos de forma sustentável, já que a água é um recurso natural fundamental para a

estabilidade e a prosperidade futuras e deve ser reconhecida como catalisadora para a

cooperação regional e, por isso, é preciso melhorar o conhecimento e entendimento, em todos

os níveis, sobre a melhor forma de desenvolver, manejar, proteger e usar de maneira mais

eficiente tais recursos, assegurando sua distribuição eqüitativa e sustentabilidade.

Na mesma declaração, sustenta-se que o desenvolvimento, o manejo, o uso e a

proteção da água devem ser promovidos por meio de uma parceria entre o setor público e o

privado, que esteja baseada em processos de tomadas de decisões participativos, abertos a

todos os usuários, particularmente às mulheres, pessoas vivendo em pobreza e grupos

minoritários. É essencial o papel das ONGs e de outros parceiros socioeconômicos. Por outro

lado, a cooperação internacional deve exercer um papel chave para alcançar esses objetivos

em âmbitos nacional, regional e local.

Ao respeito da participação das mulheres na gestão de água no Vale de Quíbor, e para

efeitos desta pesquisa, não foi entrevistada nenhuma mulher, pois durante o percurso do

trabalho, as mulheres aparecem como agricultoras e co-participantes nas atividades cotidianas

na roça, mas não me foi referido o nome de mulher algumas em atividades de distribuição ou

gestão da água. Porém, por meio da comunicação que mantenho com pessoas no Vale, tive

conhecimento durante a redação deste estudo que há atualmente uma mulher reivindicando,

ao lado de outros produtores, seus direitos de uso de água de agricultores que não permitem o

18

uso coletivo de uma fonte de água tradicionalmente compartilhada. Essa situação será

detalhada no capítulo V, quando for abordada a temática dos conflitos.

Em 1998 foi criada outra agência, desta vez com o propósito declarado de

proporcionar uso sustentável aos recursos de água. Seu nome é Comissão Mundial de Água

para o Século XXI (WCW), seu diretor é Ishmail Serageldin, funcionário do BM e também

diretor do Comitê Central da GWP. Essa Comissão é composta por 21 personalidades

eminentes do mundo inteiro (Barlow e Clarke, 2003).

Novas idéias sobre a administração das águas no mundo têm sido veiculadas nesses

últimos encontros internacionais, especialmente na conferência de Paris em 1998, dentre

delas: a participação do setor privado, as parcerias público-privado, a participação

internacional, e sobretudo a necessidade de veicular o preço da água à relação custo/total do

valor ou “recuperação de custo” (full-cost pricing) (WWC, 2000), argumentando-se também

que se tem de transferir ao setor privado a administração da gestão da água, por ser mais

eficiente. Barlow e Clarke (2003) chamam a atenção para os problemas causados

provavelmente pela pressão que exerce o Banco Mundial sobre os governos dos países pobres

em relação a esta última idéia:

... Mais de 100 mil pessoas, na província de KwaZulu-Natal, ficaram doentes com cólera, sendo que 220 morreram no curso de dez meses a partir de agosto de 2000, depois que o governo sul-africano, pressionado pelo Banco Mundial, implementou um programa de “recuperação de custo” e negou serviços de água e saneamento básico a milhares de cidadãos que obtinham antes sua água gratuitamente (p. 65).

Essa idéia fez-se presente de novo durante o II Foro Mundial da Água, em Haia,

Holanda, em 2000, financiado e promovido pelo WWC e não por um órgão

intergovernamental, como as Nações Unidas. Isso confirmou o declínio do papel da ONU,

que desde dos anos 1990, segundo Biswas (2002), vem sendo paulatinamente substituída nas

suas atribuições como organismo público e reitor de políticas mundiais sobre os temas de

interesse internacional entre eles o da água, pelos novos órgãos privados interessados no

futuro da água, como o Conselho Mundial da Água, a Parceria Mundial da Água e o Simpósio

sobre a Água de Estocolmo.

Na Declaração da Haia (WWC, 2000), afirma-se que “a água é vital para a vida e a

saúde das pessoas e os ecossistemas e é requerimento básico para o desenvolvimento dos

países” (WWC, 2000:1). Os grandes desafios para alcançar a segurança no abastecimento da

água no século XXI são: suprir as necessidades básicas, garantir o suplemento de alimentos,

proteger os ecossistemas, compartilhar os recursos hídricos, manejar os riscos, valorizar a

19

água e governar prudentemente a água (WWC, 2000). Importante ressaltar novamente a

importância dada pelo WWC à valorização da água, o que significa pensá-la como um valor

econômico.

No Foro apresentou-se formalmente o documento “A Visão sobre a Água, a Vida e o

Ambiente” (WWC, 1998), com um enfoque segundo o qual “todas as pessoas devem ter

acesso a água suficiente e adequada às suas necessidades, incluindo as agrícolas, no contexto

de planos de gestão que mantenham a integridade dos ecossistemas de água doce”

(Bustamante, 2003:20). Uma das metas a serem alcançadas para o ano 2025, a partir desta

visão, é estabelecer norma que prevê que todas as pessoas terão de pagar de acordo com os

serviços de água que recebam.

Barlow e Clarke (2003) fazem uma crítica ao foro de Haia e seus organizadores:

O Fórum mundial da Água foi qualquer coisa, menos isso. O fórum reuniu grandes organizações de lobby comercial, como a Parceria Global de Água, o Banco Mundial e as principais corporações de água do planeta, que visam o lucro, assim as discussões limitaram-se a como as empresas poderiam se beneficiar da venda de água para os mercados mundiais (p. 95).

Em 2001, realizou-se a Conferência Internacional sobre Água Doce, em Bonn,

Alemanha, promovida pela ONU. O evento, segundo Biswas, não acrescentou nenhuma nova

idéia à discussão. Como resultado dessa conferência foram formuladas as chamadas Chaves

de Bonn (ONU, 2001a), as quais desapareceram do debate público dez meses depois (Biswas,

2002).

Estas chaves são:

1. A primeira chave é satisfazer as necessidades de garantia de água para os pobres – para sustento, saúde e bem-estar, garantia de alimento e produção e reduzindo a vulnerabilidade a desastres. As diretrizes de água em prol dos pobres focalizam-se em ouvir os pobres acerca de suas necessidades prioritárias de garantia de água. Agora é a hora de formar um compromisso internacional e nacional em água potável, com a determinação também de reduzir pela metade o número daqueles que não têm acesso a saneamento.

2. A Descentralização é uma chave. O nível local está onde a diretriz nacional satisfaça as necessidades da comunidade. As autoridades locais – se delegados a elas o poder e os meios, e se apoiadas para desenvolver as suas capacidades – podem dispor de maior receptividade e transparência em gerenciamento de água e aumentar a participação de mulheres e homens, fazendeiro e pescador, jovem e velho, habitantes da cidade e do campo.

3. A chave para melhor expansão de água é estabelecer de novas parcerias. Da criação de bom senso sobre água à limpeza de nossos sistemas de água, para entrar em contato com as comunidades precisamos de novas alianças. Comunidades organizadas e fortalecidas encontrarão soluções inovadoras, assim como cidadãos informados

20

formam a linha de frente contra a corrupção. Novas tecnologias podem ajudar; bem como técnicas tradicionais e conhecimentos nativos. Esse diálogo depositário de Bonn faz parte do processo.

4. A chave para a harmonia com a natureza e a vizinhança a longo prazo são os acordos cooperativos no nível da bacia fluvial, incluindo cursos de água que atravessam e alcançam várias margens. Nós precisamos de gerenciamento integrado de recursos de água para trazer todos os usuários de água às mesas de participação de informação e tomadas de decisões. Embora tenhamos grande dificuldade com a estrutura legal e com a forma em que os acordos são submetidos, existe uma concordância substancial de que devemos aumentar cooperação dentro das bacias fluviais, e tornar os acordos existentes mais vitais e válidos.

5. A chave essencial consiste em adotar os arranjos de “bom governo” mais estritos e com melhor desempenho. As estratégias de gerenciamento nacional de água necessitam agora de se direcionar às responsabilidades fundamentais dos governos: estabelecendo leis, regras e modelos; o movimento de entrega de serviço para o criador e gerente de uma estrutura legal efetiva ereguladora. Arranjos reguladores efetivos que sejam transparentes e possam ser monitorados são o caminho para serviços efetivos, responsivos e economicamente sustentáveis. Dentro destes, nós acolhemos ambos os arranjos de entrega aperfeiçoados do setor público e setor privado (ONU, 2001a:1).

A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de Johannesburgo, na África

do Sul, 2002, não foi dedicada particularmente à água, porém, o tema foi tratado pela relação

que existe entre a água e o desenvolvimento, estabelecendo-se nessa declaração (ONU, 2002)

o compromisso dos representantes dos países-membros das Nações Unidas de aumentar o

abastecimento de água potável, o saneamento e a segurança alimentar, entre outras questões.

Sobre a Conferência de Johannesburgo, Biswas (2002) defende que não se quebrou

nenhuma das idéias básicas que se estavam manejando sobre a água para o momento, como

também não se criou novo programa sobre a água nem se atraiu fundos para novos

investimentos no setor. Essa conferência reiterou os alvos do milênio na área de

abastecimento de água e saneamento, os quais, se continuarem como nos últimos dois anos,

para o ano 2015 não serão alcançados.

Germinal (2003) faz uma crítica aos diferentes atores que se reuniram na África do Sul

e firmaram manifestos de boas intenções que não chegaram a nada.

Iludidos e hipócritas deram as mãos na nova Cumbe Mundial da Terra, celebrada em Johannesburgo. Multinacionais da ecologia e das indústrias dialogam e assinam manifestos cheios de boas intenções para garantir a água para a população, poupar energia ou evitar o desmatamento. Mas as boas intenções ficam apenas nisso. As grandes transnacionais da água estão explorando um filão muito rico e adornam o discurso do consenso com a “sustentabilidade”, enquanto tiram o dinheiro das torneiras (p.98).

21

O último evento realizado sobre a temática foi o Terceiro Foro Mundial da Água,

sediado em Kyoto, Japão, em 2003. Na Declaração Ministerial (WWC, 2003), propõe-se,

entre outras coisas, no plano da política geral, o reconhecimento da água como fator

determinante do desenvolvimento sustentável, a manutenção da idéia de que só com políticas

de “bom governo” (ONU, 2001b) é possível alcançar com sucesso o manejo integral dos

recursos hídricos.

Essas políticas são:

1. Garantir o acesso eqüitativo de todos à água.

2. Velar para que a infra-estrutura e os serviços de abastecimento de água atendam aos pobres.

3. Promover a igualdade de gênero. 4. Distribuir apropriadamente a água entre os diferentes setores que competem por ela. 5. Compartilhar os benefícios. 6. Promover a participação nos benefícios dos grandes projetos. 7. Melhorar a administração da água. 8. Proteger a qualidade da água e os ecossistemas. 9. Gerenciar o risco para fazer frente à variabilidade e mudança climática. 10. Promover serviços mais eficientes. 11. Administrar a água no nível mais baixo possível. 12. Lutar eficazmente contra a corrupção. (ONU, 2001b:4)

Um outro aspecto é a inclusão e promoção da participação do setor privado, através de

parcerias públicas-privadas, conservando o controle público para a proteção dos interesses dos

pobres. Também se reitera a promoção do uso sustentável da água, tanto potável como para a

agricultura e a indústria.

Todos esses eventos mencionados têm tido, em menor ou maior quantidade, a

participação de governos dos países membros das Nações Unidas, de organizações privadas,

de ONGs e de indivíduos independentes da América Latina (CEPAL, 2001,1998). Porém, na

América Latina foram se organizando eventos importantes para discutir a problemática da

água, por exemplo, a Conferência de San José, em 1996, na Costa Rica; a Declaração do

Panamá sobre a Água, no contexto do First Children and Water Festival, em 1999; a

Declaração da Água de Porto Alegre, Brasil, realizada durante o Foro Social Mundial, em

2002; e a Declaração de Achocalla, na Bolívia, em 2002. Todos eles apontam para a

importância da água na sobrevivência do planeta, do ponto de vista dos países da América

Latina.

Vinculado ao movimento internacional, também foi produzido o documento Visão

sobre a Água para as Américas, patrocinado pela GWP e o WWC, cujo texto final foi

22

apresentado em Buenos Aires, Argentina, em 2000, e que basicamente segue os princípios da

Visão Mundial.

Bustamante (2003) faz uma análise sobre os enfoques dessas conferências durante os

últimos 30 anos, incluindo as realizadas na América Latina, concluindo que:

Da análise dos temas dessas reuniões, pode-se dizer que se vê uma mudança no enfoque sob o qual foram consideradas. Assim, passa-se da ênfase no melhoramento da provisão de água potável e do saneamento básico, tema principal desde os anos 1970 até os 1990 (Década Internacional da Água Potável e o Saneamento 1981–1990), para uma maior preocupação com a própria gestão, com ênfase nas questões ambientais e na preservação da água, como parte dos sistemas ecológicos, enfatizando-se, portanto, em seu uso sustentável, a partir da Conferência de Dublin e Cúpula da Terra em 1992. Durante os últimos anos, se bem que ainda se mantenham essas preocupações, os debates têm apontado os princípios do que se deve considerar uma Gestão Integral dos Recursos Hídricos (GIRH) (Bustamante, 2003:7).

A proposta alternativa

Longe de se apresentar como uma temática de consenso, as discussões sobre o futuro

da água têm defensores em ambos os lados do eixo central que define tal temática. Se por um

lado, vimos que existe organismos e instituições que propõem abertamente que a água deve

ser considerada como um bem econômico, e por tanto, ser tratada como qualquer mercadoria,

pelo outro, veremos a seguir, alguns apontamentos e propostas, que se inserem numa

alternativa oposta, pois, vão à direção oposta à privatização dos serviços de água e mais ainda,

longe de considerar a água como um bem econômico, a idéia é que ela seja aceita como um

direito humano universal e portanto, tirada de qualquer negociação comercial. Dentro dessas

propostas, apresento duas: O Manifesto da Água e o Projeto Planeta Azul.

O Manifesto da Água (Petrella, 2001), é um conjunto de propostas produzidas pela

ONG Contrato Mundial da Água, coordenada por Ricardo Petrella7, e com apoio de muitas

pessoas, instituições e organismos em todo o planeta (principalmente na Europa e Canadá),

opõe-se às propostas promovidas pelas conferências, foros e cúpulas hegemônicas lideradas

pelas organizações multilaterais (Banco Mundial, Organização das Nações Unidas, Fundo

Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio, etc.), por organizações

privatizadas, como por exemplo, o Sindicato de Telecomunicações Internacionais, e por

alguns países ricos que controlam e regulamentam os sistemas mundiais de negociação e

diálogo sobre, entre outras coisas, a água (Petrella, 2001). O manifesto representa uma

7 Petrella foi presidente do grupo de Lisboa e, no momento, é professor na Universidade Católica de Louvain.

23

proposta alternativa baseada no desenvolvimento sustentável, segundo o capítulo 18 da

Agenda 21, da Rio 92.

Petrella (2001) adverte sobre a “tendência” dos atuais senhores da terra a se

transformarem nos senhores da água, colocando nessa lista de donos da água as empresas

Suex-Lyonnaise das Águas, Vivendi (que inclui a Companhia Geral das Águas), Saur-

Buygnes, Nestlé, Bechtel, United Utilities e Danone, entre outras, que são as donas de

inúmeras possessões de mananciais ou direitos de água ao redor do mundo. Ainda segundo o

autor, “o Contrato Mundial da Água é uma série de ações realizadas por inúmeros grupos,

movimentos e organismos internacionais para garantir que a tendência não persista” (p. 122).

Ele baseia-se “no reconhecimento de que a água é um patrimônio vital global da humanidade”

(Petrella, 2001:128).

O Contrato Mundial da Água tem dois grandes objetivos. O primeiro é “o acesso

básico à água para todos os seres humanos e todas as comunidades humanas” (Petrella,

2001:135) e o segundo, “o gerenciamento integrado e sustentável da água, de acordo com

princípios de solidariedade” (Petrella, 2001:136).

O autor promove a idéia de gerar uma revolução da água que deve obter, em todo o

mundo, o reconhecimento da água “como um patrimônio comum da humanidade, como uma

fonte de vida e um recurso fundamental para o desenvolvimento sustentável do ecossistema

Terra” (Petrella, 2001:26).

Petrella critica, mas aceita com condições, a parceria entre o setor público e o privado,

à medida que esta

... tende a cultivar e a implementar as visões e abordagens do setor privado de forma que a água (a fonte de vida) está em risco de tornar-se gradualmente uma das principais fontes de lucro, uma das últimas áreas a serem conquistadas para a acumulação privada de capital (Petrella, 2001:33).

Com relação à questão da parceria, o autor concorda em aceitar “promover a

colaboração entre todos os atores relevantes, eliminando posições maniqueístas (público de

um lado, privado do outro)” (Petrella, 2001:33).

Aponta, também, para a necessidade de haver uma desestatização da água que envolva

um novo sistema de regulamentação e controle, propondo um tipo cooperativo de

empreendimento que deve contar com o envolvimento das comunidades interessadas,

entregando a gestão da água aos usuários, em um Contrato Mundial da Água com certos

princípios, regulamentos e estrutura que “confia o gerenciamento integrado da água a

24

organismos públicos tais como comunidades locais, grupos de cidadãos, redes de aldeias ou

cidades e sociedades cooperativas” (Petrella, 2003:37).

Como crítico aos “senhores do poder”, que para ele obstaculizam o desenvolvimento

de formas de gestão da água por intermédio de cooperativas, e vigilante da possibilidade da

entrega da gestão da água nas mãos privadas, Petrella destaca que:

Em suma, a evidência demonstra que uma das causas principais do problema da água nas sociedades contemporâneas – em níveis continental e global, assim como em nível local – são os poderes político, tecnocrático, econômico, financeiro, simbólico e cultural exercidos pelas gerações de “senhores”, para quem a própria água é uma fonte de poder, de riqueza e de dominação. É aqui que se encontra o obstáculo principal (Petrella, 2001:58).

São três as prioridades que emergem para o Contrato Mundial da Água:

(1) a necessidade de trabalhar a lei constitucional (a legislação mundial da água) para facilitar (2) a ação efetiva pela ‘paz através da água’ e (3) a introdução e/ou modificação do gerenciamento democrático da água por comunidades locais, envolvendo, entre outras coisas, a criação de ‘parlamentos de água’ (Petrella, 2001:125).

Petrella (2001) também considera que, como patrimônio da humanidade, a água “não

pode ser objeto de transações comerciais tradicionais através de fronteiras ou de aquisição por

parte de investidores estrangeiros” (p. 131), e é ainda mais radical afirma que “a água deve ser

excluída de qualquer convenção ou tratado assinado sob os auspícios da Organização Mundial

do Comércio e de qualquer tratado ou acordo com a regulamentação de investimentos

financeiros no mundo todo” (p. 131).

A outra proposta, dentro da alternativa é o Projeto Planeta Azul (BPP) foi criado pelo

Conselho dos Canadenses8 (Council of Canadians), visto que, segundo eles, “o movimento

internacional de cidadania contra a globalização corporativa identificou com precisão o ataque

violento sobre a água doce do mundo como sendo uma ameaça crucial à humanidade e a

terra” (Blue Planet Project, 2003a:1). A idéia é então, neutralizar o avanço das grandes

corporações internacionais que pretendem “mercantilizar os sistemas de água da terra” (Blue

Planet Project, 2003a:1). O BPP tem como finalidade “dar apoio a uma rede internacional de

oposição à privatização da água doce no mundo” (Bustamante, 2003:33).

O Projeto criou o Tratado para Compartilhar e Proteger a Água, o Bem Comum do

Planeta (Barlow e Clarke, 2003), que foi adotado por unanimidade pelos 800 delegados de 35

8 O surgimento deste conselho no Canadá pode ter sua razão no fato que esse país tem uma das maiores reservas de água doce no mundo, e vê-se submetido às pressões dos Estados Unidos no uso dessa água.

25

países que assistiram à Cúpula do Conselho dos Canadenses, Água para as Pessoas e para a

Natureza, em Vancouver, em 2001, e “endossado por mais de mil ONGs e movimentos

sociais que participaram da reunião da Rede Nosso Mundo Não Está à Venda” (Blue Planet

Project, 2003b:2), em Bruxelas, em 2001. Esse tratado apresenta-se como uma ferramenta

para a proteção das águas como um bem comum e tem a intenção de:

Reconhecer a água como um desses elementos comuns, preciosos demais para serem entregues ao lucro de caráter privado e ao mercado anônimo mundial, constitui um compromisso solene e inalienável. Caminhando em direção à Rio + 10, precisamos nos unir para impor uma simples exigência com o objetivo de proteger o patrimônio comum da Terra. Essa exigência está presente em muitas declarações que têm aparecido no mundo inteiro. (Blue Planet Project, 2003b:1).

A idéia do BPP é realizar uma campanha internacional para que os que assinarem o

tratado procurem “manter a água como parte dos direitos da população do globo” (Blue Planet

Project, 2003b:2), tendo em vista que, segundo o BPP, só com a assinatura do Tratado, pelas

organizações e países em todo o mundo, será possível evitar a privatização da água. O objeto

da proposta é que os cidadãos não percam o controle da preservação e distribuição da água no

mundo, pois disto dependerá que o futuro seja “ecologicamente saudável e aquaticamente

sustentável” (Blue Planet Project, 2003b:1).

O BPP faz uma forte crítica ao Banco Mundial e à ONU, pois entendem que essas

organizações consideram a água,

... ‘uma necessidade humana’, não um ‘direito humano’. Não é uma questão semântica; a diferença na interpretação é crucial. Uma necessidade humana pode ser suprida de diversas formas, especialmente para aqueles que possuem dinheiro. Ninguém pode vender um direito humano (Blue Planet Project, 2003a:1).

As posturas intermediarias

A partir da apresentação das duas posições mais relevantes, a respeito da situação da

água como recurso, há que se reconhecer a existência de algumas posições intermediárias que

partem ora da perspectiva da Economia (Saldanha, 2003) que separa os bens em livres e

econômicos; ora da perspectiva do Direito (Paquerot, 2003), e em outros casos encontramos

desdobramentos dessas perspectivas com a discusão entre a água como bem público jurídico e

bem público econômico (Bartolomé, 1998). Outras posturas podem ser encontradas nos

trabalhos de Rosenberger (2003), Germinal (2003) e Shiva (2003), nas quais a água não é

considerada como forma nenhuma de propriedade privada ou sequer como bem econômico.

26

Rosenberger (2003) aponta, a partir da onda privatizadora na Inglaterra em meados

dos anos 1980, que “a privatização da água tinha criado um novo fenômeno; a pobreza da

água”, e continua afirmando que, como conseqüência dessas privatizações, tem se gerado um

grupo de empresas multinacionais desejosas de explorar o último recurso comum (exceto o

ar), que até agora estava fora do circuito de revalidação do capital (Rosenberger, 2003).

Germinal (2003), por sua parte, propõe que a água para satisfazer às necessidades

humanas seja gratuita, e define a água grátis como:

Aquela que podemos acessar livremente, com autonomia para satisfazer as nossas necessidades sem depender de ninguém que controle o subministro. É a que tem valores naturais suficientes para ser usada pelos seres vivos nos seus cursos e afloramentos, pelo que não é escassa e não tem valor econômico. É aquela que não tem preço (p. 227).

Shiva (2003) procura nos princípios capitalistas de John Locke algumas das causas

que têm gerado esse interesse pela privatização dos bens comuns, entre eles a água.

O Tratado de John Locke, a respeito da propriedade privada legitimou o roubo dos bens comunais na Europa, durante os movimentos de parcelamento das terras, no século XVII. Locke, de pais com dinheiro, procurou defender o capitalismo − e a enorme riqueza da sua família − argumentando que a propriedade só se criava quando se transformava a forma espiritual dos recursos naturais ociosos perante o trabalho (p. 39).

A água, então, pode ser considerada da várias formas, dependendo de quem fala e de

onde se fala. Portanto, ao se considerar a água antes de tudo uma mercadoria, usa-se a

perspectiva econômica para justificar que a água é uma necessidade e que as pessoas devem

pagar para obtê-la. Por outro lado, tendo como ponto de partida a visão de que a água é um

direito, provavelmente vai estar se apoiando na Declaração dos Direitos Humanos ou na

consideração de que a água é patrimônio da humanidade.

Apesar dos grupos hegemônico e alternativo, compartilharem as propostas do capítulo

18 da Agenda 21, da Conferência Rio 92, especialmente no que se refere ao uso da noção de

Desenvolvimento Sustentável, as formas de se posicionarem em relação à água, no referente

à gestão da água no mundo, são opostas, enquanto a bandeira argüida pelas propostas

hegemônicas é veiculada para uma gestão com marcada presença do setor privado, a

alternativa se enquadra numa fundamental participação do setor público, mais ainda, em

processos coletivos de autogestão, localizando-se entre esses pólos algumas posturas

intermediárias.

27

Sobre o desenvolvimento sustentável

Igualmente, há várias interpretações a respeito do que deve ser esse desenvolvimento

sustentável ou sustentado. A seguir, faço uma aproximação de como essa noção vem sendo

colocada nas discussões em alguns autores.

Em 1983, a Assembléia Geral da ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento. A Comissão tinha entre seus objetivos:

... reexaminar as questões críticas relativas ao meio ambiente e desenvolvimento e formular propostas realísticas para abordá-las; propor novas formas de cooperação internacional nesse campo, de modo a orientar políticas e ações no sentido das mudanças necessárias; e dar a indivíduos, organizações voluntárias, empresas, institutos e governos uma compreensão maior desses problemas, incentivando-os a uma atuação mais firme (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMA, 1991:4).

Depois de recolhidos testemunhos, nas audiências públicas, em todos os continentes,

por um período de três anos, a Comissão produziu, em 1987, o documento que se conhece

como o Relatório Brundtland, por ser Gro Harlem Brundtland quem presidia dita Comissão.

Nesse relatório, aponta-se que seus membros chegaram a perceber que:

... era necessário um novo tipo de desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em alguns lugares e por alguns anos, mas em todo o planeta e até um futuro longínquo. Assim, o “desenvolvimento sustentável” é um objetivo a ser alcançado não só pelas nações ‘em desenvolvimento’, mas também pelas industrializadas (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991:4).

Uma das idéias que traz consigo esse tipo de desenvolvimento é que: “a humanidade é

capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele atenda às necessidades do

presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas”

(Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991:9).

O relatório acrescenta:

Afinal, o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991:10).

Desde então, tem se produzido uma grande quantidade de trabalhos que abordam a

temática sobre o desenvolvimento sustentável. Para Almeida (2002), esta é uma noção que

28

mesmo sendo muito estudada ainda não se tem clareza sobre o que significa ou como pode ser

usada.

A noção de desenvolvimento sustentável tem como uma de suas premissas fundamentais o reconhecimento da “insustentabilidade” ou inadequação econômica, social e ambiental do padrão de desenvolvimento das sociedades contemporâneas. Mesmo que já intensamente “trabalhada” nos últimos dez anos, demonstrando uma crescente adesão à idéia, esta é ainda uma noção genérica e difusa, pouco precisa (p. 25).

Mas adiante, o autor aponta sua postura,

Esta noção parece querer dar a idéia de uma busca de integração sistêmica entre diferentes níveis da vida social, ou seja, entre a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a mudança social. Entretanto, há ainda uma dúvida em relação a qual ator/agente caberia definir os parâmetros valorativos e políticos capazes de nortear essa integração. Trata-se de sustentar o quê? “Futuro comum” de quem para quem? Nessas questões reside a principal base de conflitos entre aqueles que “disputam” a idéia e as práticas sociais e produtivas a ela circunscritas (Almeida, 2002:25).

Vargas (2002) contribui com a discussão sobre a noção apontando que as críticas aos

modelos desenvolvimentistas capitalistas provocaram a busca de novas formas em que se

conciliem os desenvolvimentos econômico e social e a preservação da diversidade ambiental.

Para isso, propugnam a construção de uma nova concepção e de um novo tipo de capitalismo enquanto modelo de desenvolvimento. Sob um ponto de vista mais amplo, clama-se por uma “nova organização social desenvolvimentista”, em bases modernizantes, a partir da análise de suas diferentes dimensões, quais sejam: social, econômica, política, cultural e (aqui a novidade) ambiental. A esta nova perspectiva, a esta nova possibilidade que se abriria às sociedades modernas é que se dá, então, o nome de “desenvolvimento sustentável” (p. 211).

O autor aduz que todo esse processo de supostas mudanças nos planos de

desenvolvimento, tal e como são apresentados, ao final não mudou nada.

Em suma, da maneira como está posta, embalada apenas numa “pregação ecológica”, a “nova” idéia de desenvolvimento sustentável (e sua aceitação) erige-se como a tentativa de implementação de uma proposta de mudança precisamente para garantir que nada mude, transformando o discurso da sustentabilidade numa quimera, numa pura ilusão (Vargas, 2002:237).

Reigotta (2002) aponta sobre o uso que da noção desenvolvimento sustentado tem se

dado na ciência, colocando-o como “jargão de grupos”.

29

A noção de desenvolvimento sustentado tem sido o jargão de grupos que se viram confrontados com o esgotamento dos parâmetros modernos de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, seja nos seus fundamentos, seja nos seus métodos, aplicabilidade e resultados (p. 191).

Salati et al (2002) tem dúvida sobre se o desenvolvimento sustentável será capaz de

satisfazer as necessidades tanto da geração atual como das gerações futuras, “em resumo, o

desenvolvimento é sustentável ‘quando provê’ as necessidades da geração atual sem

comprometer a possibilidade de que as futuras gerações possam prover as suas” (p. 39).

Na mesma tendência Rampazzo (2002) chama a atenção sobre a possibilidade da

noção virar um fracasso, pois aduz que ela tem dois aspectos:

A concepção de desenvolvimento sustentável representa, por um lado, a tentativa de buscar o equilíbrio, a harmonia. Por outro, há uma preocupante tendência que se torne mais uma “panacéia salvacionista”, não conseguindo obter êxito algum (p.183).

A água é, sem dúvida muito importante para qualquer apontamento em volta do

desenvolvimento, mas ainda, se este pretende ser de tipo sustentável.

Sem dúvida nenhuma, entre os fatores que limitam o desenvolvimento sustentável, está a substância fundamental para os processos vitais: a água. A evidencia está no próximo desenvolvimento da historia, sendo que as principais civilizações que tiveram maior desenvolvimento, floresceram nos vales onde a disponibilidade de água era abundante e com características especiais (Salati, 2002:48).

Tendo em vista essa situação, o importante neste trabalho é observar se essas noções

sobre o desenvolvimento sustentável na gestão da água aparecem nas falas dos interlocutores

em Quíbor, e de que forma elas aparecem.

30

Capítulo II

Uma apresentação do Vale de Quíbor

e suas práticas de gestão de água.

31

Segundo o historiador Cañizales (1996), a ocupação das terras hoje conhecidas como

Vale de Quíbor, no ocidente da Venezuela, foi empreendida pelos espanhóis em meados do

século XVI, iniciando-se, assim, a conformação do que veio a ser uma das áreas mais

produtivas para a agricultura na Venezuela.

O Vale de Quíbor ou Quibure, como também é mencionado nas antigas escrituras, foi ocupado pelos conquistadores espanhóis entre 1548 e 1560. Constitui um amplo espaço, não muito complexo, entre as montanhas andinas e a meseta de Barquisimeto. È sulcado por vários riachos que afluem no riacho Las Raíces e este último no Río Tocuyo (Cañizales,1996:100).

Porém, esse Vale já era habitado por grupos indígenas há centenas de anos, uma

amostra disto pode-se apreciar no Museu Arqueológico de Quíbor, onde são estudados e

preservados alguns dos restos dos antigos habitantes dessas terras. Como comenta Barreto

(1996), sobre a variedade de culturas indígenas na região:

Os cronistas que têm se ocupado em indagar parte da história da população da era pré-colombina, no que se refere ao Vale de quíbor, especialmente Frey Francisco de Villafaña, dão ênfase à existência de seis gêneros de línguas: “Caquetios, Camagos, Gayones, Bichites, Agaguas e Cayones” (p. 17).

A cidade principal do Vale chama-se Quíbor (ver mapa 1), é a capital do município

Florencio Jiménez, e sua fundação, feita pelo Governador Francisco de la Hoz Berrio,

remonta ao mês de maio de 1620 (Cañizales,1996). É uma região localizada a 30 km ao

sudoeste da cidade de Barquisimeto, capital do estado Lara. Geograficamente limita-se entre

os 9° 50’ e 10° 05’ de latitude norte e 69° 30’ e 69° 45’ de longitude oeste (Dugarte, 1998). É

caracterizada como zona semi-árida, com pouca nebulosidade e muito pouca chuva. A

precipitação média anual oscila entre 400 e 500 mm, com chuvas curtas e concentradas, que

lhe conferem caráter torrencial (Sandia et al., 2000). A estação de estiagem ocorre

principalmente entre os meses de janeiro e abril de cada ano, quando se apresentam as

menores precipitações do ano. A partir das cifras do censo de 1990, a projeção sobre a

população do município Jiménez para o ano 2000 era estimada em aproximadamente 76.450

habitantes, 38.868 (50,84%) desses habitantes morariam em casarios ou disseminados em

áreas de cultivo que servem também como moradias, os outros 37.582 (49,16) habitariam no

único centro urbano do Vale, a capital do município (SHYQ, 1998)9.

9 As siglas SHYQ são utilizadas várias vezes neste trabalho, em subtituição de Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor.

32

Mapa 1

Localização relativa do Vale de Quíbor

Colombia

Brasil

Zona en reclamación

Guyana

Mar Caribe

VENEZUELA

CampoLindo

El Tintorero

Chaimare

PALO NEGRO

Moron

El Hato

La Vigia

GuadalupeLAS RAICES

LAS FLORES

Las Galias

El Jaguey

EL TUNAL

S. Jacinto

El Pueblito

El Botiquin

CAMBURAL

Cuara

Los Jebes

CAIMERO

QUIBOR

BuenaVista Qda. Las Raices

Qda

. Pal

o N

egro

Qda

. de

Bara

gua

Qda. Las G

uardias

Qda. Barrancos

Qda. Atarigua

Qda. Botucal

VIA BARQUISIMETO

VIA SANARE

VIA EL TOCUYO

AUTOPISTA LARA-ZULIA

AUTOPISTA LARA-ZULIA

VIA CU

BIRO

420000 424000 428000 432000 436000 4400001088000

1092000

1096000

1100000

1104000

1108000

1112000

xxxx

9°46´

10°05´69°32´

69°45´

NCaracas

Fonte: Dugarte (2002)

33

O problema da escassez de água no Vale de Quíbor é relatado pelos colonizadores

espanhóis. Já nas primeiras descrições dos viajantes, pode-se ler acerca das situações

problemáticas, especialmente na época da estiagem, que regularmente acontecia durante os

meses de janeiro a abril (Salazar, 1996). Essa falta de água levou os espanhóis a construir o

primeiro açude que se conhece na região, o chamado Calicanto de Poa Poa. Dessa obra

hidráulica, que tem como data de construção o ano de 1750, só resta seu muro principal

coberto de mata.

Essa crônica escassez de água, que desde muito tempo castiga sem parar o Vale de Quíbor, e a imperiosa necessidade de dispensar adequada irrigação a grandes extensões de cultivos de trigo, que se produziam dentro de ótimas condições, foram as razões que levaram à construção do açude, primeira obra de engenharia de irrigação construída na região, com uma finalidade específica, que se conhece pelo nome de Calicanto de Poa Poa, cujo muro principal ainda se pode ver coberto pela mata e as plantas xerófilas que abundam no lugar onde se edificou esta importante obra hidráulica (Cañizales,1996:96).

No que se refere ao uso da água, Quíbor é servido através da estação de transformação

de água potável. O serviço não é oferecido de forma permanente, já que existe racionamento

por horas com a finalidade de atender tanto a zona urbana como a rural (Sandia et al., 2000).

Figura 1. Vista do Vale do Quíbor10.

10 Todas as fotos que aparecem o texto são de minha autoria

34

Do ponto de vista hidrográfico, o Vale de Quíbor faz parte da bacia do riacho Las Raíces

(ver mapa 2), que por sua vez, pertence à bacia do Mar do Caribe.

Figura 2. PROYECTO YACAMBU-QUÍBORFigura 2. PROYECTO YACAMBU-QUÍBOR

Sanare

Cubiro

El Tocuyo

Río Yacambú

Qda

. Hon

da

Qda. Negra

Túnel de trasvase

VentanaInclinada

EmbalseDos Cerritos

EmbalseAtarigua

Río Tocuyo

Barquisimeto

Quíbor

Portal deSalida

Portal deEntrada Angostura

Sitio de presa

Río Turbio

Río Acarigua

Qda. Atarigua

Qda. Las Raíces

Río

Buca

ral

Cuenca del río Yacambú

32.704 hectáreas

Cuenca del río Yacambú

32.704 hectáreas

Cuenca de la quebrada Las Raíces

96.500 hectáreasPolígono “Zona de

Aprovechamiento Agrícola del Valle de Quíbor”

43.395 hectáreas

Polígono “Zona de Aprovechamiento Agrícola

del Valle de Quíbor”

43.395 hectáreas

Nota: La subcuenca que conforma la planicie mayor del Valle de Quíbor, en cuyo centro se desarrolla el acuífero, tiene una superficie total de 29.560 hectáreas

23

Fonte: Dugarte (2002)

Mapa 2

Localização espacial das bacias de influência do Vale de Quíbor

35

A zona da planície, que se estende radialmente desde a cidade de Quíbor até o pé do

monte adjacente, forma o que se conhece historicamente como o Vale de Quíbor, com superfície

de cerca de 40 mil hectares (SHYQ, 1995).

O Vale de Quíbor tem uma leve inclinação sudeste a nordeste que tem uma modificação entre 0,6% e 2% determinando o sentido do deságüe das águas de drenagem, o qual se faz através dos riachos Guardias Viejas, Las Guardias, Barrancos, Atarigua, La Ceibita, Botucal e Palo Negro ou San José, com drenagem em direção aproximada sul-norte, e formando com o riacho Baragua (direção norte-sul) e o riacho Murimure (direção este-oeste) o riacho Las Raíces (SHYQ, 1995:4).

A condição de semi-árido do Vale de Quíbor determina a impossibilidade de realizar

atividades agrícolas intensivas sem um sistema de irrigação integral. Por isso, o desenvolvimento

agrícola do Vale está associado diretamente àspossibilidades de irrigação.

Segundo um relatório da empresa SHYQ,

O Vale de Quíbor tem ocupado um lugar preponderante no abastecimento regional e nacional de produtos agrícolas especialmente hortícolas. Porém, nos últimos anos a superfície cultivada tem decrescido significativamente como conseqüência da diminuição dos níveis do aqüífero, que levam à abertura de poços de maior profundidade, leitos reduzidos e pioram a qualidade da água. Ao mesmo tempo, nos últimos 15 anos têm se incrementado, sensivelmente, a construção de pequenos e médios aproveitamentos de água superficial, obtendo-se bons resultados com relação à derivação e ao armazenamento da água de corredeira (SHYQ, 1995:46).

As conseqüências da falta de chuva podem ser observadas na paisagem e são

interrompidas pelas terras utilizadas na agricultura sob irrigação, produzindo um grande

mosaico de diversos tipos de cultivo, com especial destaque para a horticultura sob sistemas

intensivos de produção agrícola (Sandia et al., 2000).

Os limites da superfície utilizável para desenvolvimento agrícola do Vale de Quíbor

foram estabelecidos pelo decreto presidencial nº. 1592 de 19 de agosto de 1982, que declara o

Vale como Zona de Aproveitamento Agrícola, ficando incluída uma superfície de 43.395

hectares, mas só 24.500 hectares são potencialmente regáveis, dadas suas condições

agrológicas. No entanto, atualmente apenas uma superfície que varia anualmente entre 2.500 e

3.000 hectares é explorada com cultivos de irrigação (Dugarte, 2002).

No que diz respeito à atividade agrícola, a cebola representa o principal cultivo, sendo

que para o período 1989−1993 ela significou 32,3% da produção nacional. Nesse mesmo

período, o tomate representou quase 7% e o pimentão, 14,9%. Esses três produtos são os

principais, porém, existem outros cultivos de grande importância para o país que são

36

produzidos no Vale, tais como cana-de-açúcar, coentro, pepino, alface, abacate, uva, manga,

laranja, maracujá, milho, feijão, etc. Também se produz gado de engorda, ovino e caprino, em

uma pequena escala (Sandia et al., 2000). Assim, podemos dizer que esta é uma região que

tem sua economia baseada nas atividades agropastoris, e, portanto, tais atividades são

diretamente dependentes da água que aflui na região.

Dadas as condições agroclimáticas do Vale, a atividade agrícola se realiza

exclusivamente sob irrigação e se desenvolve em aproximadamente umas 1.500 unidades de

produção de vários tipos: pequenas, médias e grandes. As grandes unidades produtivas,

superiores a 200 hectares são as que aportam os maiores volumes de produção aos mercados,

devido a disporem de grandes reservatórios de água, equipamento para irrigação, além de

outros recursos. Os grandes produtores se localizam fundamentalmente na zona norte do Vale,

onde, nas décadas de 50 e 60, se iniciou a atividade agrícola intensiva, juntamente com a

exploração das águas subterrâneas. Ao sul do Vale localiza-se a maior parte dos proprietários

das pequenas e médias unidades de produção, formadas por terrenos herdados de antigos

agricultores da região que baseavam seus cultivos na irrigação feita a partir da água

disponível na região. Grande parte da produção agrícola do vale realiza-se mediante a

intervenção de colonos que são arrendatários de terrenos. Eles têm capital, mas carecem de

terra para produzir, ou dispõem de alguma terra, mas não contam com a água suficiente para

sua produção (Dugarte, 2002).

Nos anos de 1960, um estudo do Ministério de Obras Públicas (MOP) confirmou que a

quantidade de água extraída do aqüífero era maior do que a recarga natural, o que prejudicava

o desenvolvimento das atividades agrícolas da região. Foi a partir dessa realidade que, em

1972, a Fundação para o Desenvolvimento da Região Centro-Ocidental (Fudeco,1972)

sediada em Barquisimeto, capital do estado Lara, iniciou os estudos de possibilidade técnica e

econômica do Projeto Yacambú-Quíbor, que contempla a construção de uma represa na bacia

do rio Yacambú com a finalidade de transvasar água para o Vale.

O desenvolvimento desse projeto tem sido conduzido pela empresa Sistema

Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. (SHYQ), responsável pela construção das obras de infra-

estrutura e planificação do desenvolvimento agrícola do Vale, assim como, administração do

recurso água na área (SHYQ, 1997). O Projeto contempla a construção de uma represa de 162

metros de altura no rio Yacambú, o que permitirá a armazenagem de 435 milhões de metros

cúbicos, dos quais, serão transvazados 330 milhões de metros cúbicos ao ano para o Vale de

37

Quíbor por meio de um túnel de 24,3 km de comprimento e 4,40 m de largura. Também está

prevista a construção de um sistema de irrigação para algumas áreas do Vale.

Hoje, os agricultores têm três fontes principais de água para irrigação na estiagem, e

várias alternativas menores de abastecimento: o riacho Atarigua; a água proveniente da

represa Dos Cerritos, através de canais e tubulações; e, as águas subterrâneas. Os produtores

do Vale têm também outras fontes menores de água para irrigação: a água que escorre pelo

Portal de Saída do túnel de transvase da represa Yacambú-Quíbor; a água que sobra da

limpeza de filtros da estação de tratamento da cidade de Quíbor; e as lagoas artificiais de

águas residuais (ver mapa 3). Este trabalho concentra-se na zona sul do Vale, sobretudo nos

povoados de Cuara, El Hato, Los Ortices, Campo Lindo, La Vigia e áreas que ficam nos

arredores, lugares onde os agricultores utilizam várias dessas fontes de água para irrigação.

Apesar da escassez de água, os produtores do Vale (principalmente os grandes

produtores) têm desenvolvido tecnologias de aproveitamento da água para fins produtivos,

tornando a região um dos principais pólos de produção de alimento do país. O Vale de

Quíbor tem uma grande quantidade de terra produtiva que, sob condições de irrigação

apropriadas, pode gerar produtos agrícolas de excelente qualidade.

Outra questão importante de apontar é que os produtores espanhóis (originários das

Ilhas Canárias), que chegaram à região a partir da metade dos anos 1940, tiveram vantagens

em relação aos produtores tradicionais, ao pôr em prática tecnologias e sistemas de irrigação

agrícolas mais modernos e produtivos que os usados no Vale, entre eles as lagoas para

armazenamento de água na época de estiagem. Isso tem propiciado a concentração produtiva

em grandes fazendas controladas por esses imigrantes, pois, essas inovações têm-lhes

permitido uma maior quantidade de colheitas ao ano e a introdução de culturas não

tradicionais na Venezuela antes dos anos 1940, como o tomate e a cebola, de rápida aceitação

nos costumes gastronômicos do venezuelano. Aos poucos, os produtores tradicionais do Vale

foram sendo deslocados, tendo de vender suas terras, ou ou tornando-se assalariados dos

grandes produtores.

Morales (1990), descreve o que ele observou do trabalho feito pelos canarios ou

isleños11 na região do Quíbor para conseguir que as terras fossem cultiváveis.

Tenho podido observar o gigantesco trabalho que tem se desenvolvido para levar aquelas terras de seu estado natural à condição de cultiváveis, aptas para cultivos, cujo processo passa por várias fases: o desmatamento, a adubação da terra, o enchimento dos desníveis, o espargimento da terra das partes mais altas, a criação do desnível

11 Na Venezuela, chama-se de canarios ou de isleños aos nascidos nas Ilhas Canárias.

38

necessário para que a água chegue por inércia, a abertura de canais para desviar a água de chuva, o tapamento das fendas e dos buracos provocados pela erosão, etc. (Morales,1990:32).

Fonte: Dugarte (2002).

Outra das situações observadas por Morales (1990) é a tecnologia que os canários

utilizaram no Vale para a obtenção, armazenamento e distribuição da água:

Poços profundos abriram-se no ventre deste Vale à procura do prezado líquido que o subsolo dava, mas isso obrigou a criar toda uma infra-estrutura complexa e custosa, para a extração, armazenamento na superfície e condução da mesma, na área de cultivo, onde foi necessário esbanjar conhecimentos, habilidades e destrezas e não pouca criatividade. Assim, vemos bombas poderosas nas bocas de poças de até 180 metros de profundidade, que vertem dia e noite o indispensável líquido em grandes

Mapa 3

Localização de fontes de água menores

39

lagoas artificiais, desde onde outra potente bomba a extrai, para esvaziá-la em canais e encanamentos que a conduzem à área de cultivo (Morales, 1990:32).

Na atualidade, a cena produtiva apresenta uma diversidade de produtores que

convivem na mesma região, predominando a concentração de terra em grandes fazendas.

Apesar de terem surgido diversos tipos de organizações de pequenos, médios e grandes

produtores, alguns dos diagnósticos realizados no Vale se referem à existência de maiores

dificuldades para se associar, de maneira formal, entre os pequenos produtores, o que tem

motivado o estabelecimento de algumas estratégias por parte da empresa SHYQ, para

propiciar a organização desses produtores como pré-requisito fundamental para as

negociações na distribuição, comercialização e uso da água após a construção da represa.

Segundo a classificação elaborada pela empresa SHYQ, os pequenos produtores são

aqueles que possuem propriedades com até 50 hectares de terra, e representam 81,2% do total

de produtores. Os médios produtores constituem 5% do total e possuem entre 50 e 200

hectares, e os grandes, somam 3,8% do total e se caracterizam por possuir mais de 200

hectares por produtor (SHYQ, 1998). Ainda, existem agricultores que alugam pedaços de

terra para plantar, sobretudo na época de chuvas, e outros que vendem sua mãodeobra,

cobrando geralmente uns 3 mil bolívares12 por dia de trabalho.

A Represa Yacambú-Quíbor

O Vale de Quíbor é uma Área sobre Regime de Administração Especial de Uso

(Abrae). Por isso, foram criados vários decretos de forma a melhor controlar o território do

projeto da represa. Os principais decretos são o Decreto n.° 1.631 de 27/02/1974, que declara

o Vale uma Região de Desenvolvimento Integral e de Reserva Hídrica, e o Decreto n.° 1.592

de 19/08/1982, no qual o Vale é declarado Zona de Aproveitamento Agrícola (SHYQ, 1999).

Com relação ao território, desde 1986 o Vale conta com o Plano de Ordenamento do

Território do estado Lara13, que inclui as terras da depressão de Quíbor, um total de 43.395

hectares, na categoria de máxima preservação.

Em 1970, a Comisión para la Planificación Nacional de los Recursos Hídricos

(Conaplanarh), encarregada da elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos da

Venezuela, ressaltou, prevendo a escassez de água para a década de 1990, a necessidade de se

12 Hoje o tipo de câmbio na Venezuela está controlado e o bolívar é cotado em 1.920 por dólar. 13 Comisión Estadal de Ordenamiento del Territorio. Plan de Ordenamiento del Territorio. Barquisimeto. 1986.

40

fazer um túnel de transvase desde a zona úmida de Sanare14 até a zona árida do Vale de

Quíbor, motivado também pelas previsões de futuras demandas de água potável do Sistema de

Barquisimeto, que inclui as cidades de Cabudare15 e Quíbor, entre outras populações.

A partir da década de 1970, a Fudeco realizou vários estudos de planejamento, com

especial ênfase no desenvolvimento agrícola, o que comprovou a viabilidade técnica e

econômica da construção do açude e demais obras. Assim, em 1973 começaram as obras civis

com a construção das vias de acesso e a escavação do portal de saída do túnel de transvase

(SHYQ, 1999). Trinta e um anos após o início da obra, que inclui a construção de uma represa

e das obras conexas, o projeto tem sofrido uma série de contratempos (falta de cumprimento

dos contratos, falta de verba, acidentes e dificuldades técnicas decorrentes da complexidade

da obra), que têm adiado a sua finalização por quase três décadas.

A empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, C.A. (SHYQ), foi criada em 1989

com a finalidade de coordenaranto a construção das obras civis e das de regulação e transvase,

e para o futuro aproveitamento do grande complexo hidráulico a ser construído para levar

água a Barquisimeto, Quíbor e outras cidades do estado, como para criar um sistema de

irrigação para o Vale. Os acionistas da empresa são o Ministério do Ambiente, com 91,6% de

participação, e o governo do estado Lara, com 8,9% das ações (El Impulso, 2002a). Foi

decretada uma “Lei Programa” para o manejo da obra, por meio da qual foi descentralizado o

processo administrativo do projeto.

Os objetivos da empresa são cumpridos através de quatro subprojetos: 1) finalização

da obra de regulação e transvase; 2) desenvolvimento agrícola; 3) abastecimento urbano e 4)

conservação da bacia do rio Yacambú. Sua missão é:

... o abastecimento de água de irrigação à depressão conhecida como Vale de Quíbor, com o objetivo de promover o desenvolvimento do seu potencial agrícola, e a dotação segura e confiável de água não tratada ao indivíduo encarregado da sua administração e distribuição, com a finalidade de contribuir para o abastecimento de Barquisimeto e sua área metropolitana (SHYQ, 1999:8).

Segundo o SHYQ (1999), para 1998, a obra representava uma porcentagem de avanço

de 70%, e as obras de regulação, 82% de avanço, porém as novas perspectivas falam que o

término da obra só será possível para o ano 2010 (ver figura 2).

14 Capital do município André Eloy Blanco, região montanhosa próxima ao Vale de Quíbor e onde nascem os rios e fontes de água que alimentam o Vale. 15 Cidade capital do município Palavecino, região de recente expansão urbanística dentro da área urbana maior da cidade de Barquisimeto.

41

Fonte: SHYQ (1998).

De acordo com o tipo de solo da região, o projeto “pretende estimular as atividades de

produção tradicionais com perspectivas de serem melhoradas, como no caso da criação de

ovinos, caprinos, plantações de sisal, abacaxi, hortaliças, etc. Também propõe a introdução de

novos tipos de cultivo (prévia pesquisa) e de plantações florestais” (SHYQ, 1999:21).

O desenvolvimento agrícola do Vale, segundo o projeto,

... fortalece-se com a inauguração do sistema de irrigação Yacambú-Quíbor, através do uso da água transvasada desde a bacia do rio Yacambú, e a utilização das fontes hídricas locais, representadas pelas águas superficiais e subterrâneas da bacia do riacho Las Raíces (SHYQ, 1999: 23).

A área total de superfície estimada de terras irrigáveis é de 19.500 hectares, e, dado

que as características dos solos do Vale requerem um manejo particular, que leve ao

desenvolvimento sustentável, o projeto considera que os usuários deverão estar envolvidos na

PORTAL DE SALIDA

Falla de Boconó

Ventana Inclinada 16+718,10

Portal de Salida24+301,60

Portal de Entrada 0+000,00

Río Yacambú Q. Honda

Q. La Negra

Río Yacambú

FORMACION VILLANUEVA (FILITAS)

FORMACION MORAN

PORTAL DE ENTRADA

LUTITAS DE EL TOCUYO

ARENISCAS DE BOTUCAL

CUENCA RIO YACAMBU CUENCA QUEBRADA LAS RAICES RIO TURBIO

754,47

595,50

758,00

PRESA DE CONCRETO

PRESA DE GRAVA

690,00 690,00

S = 0,0009 680,87

651,00

FALLA DE BOCONO

2.038,64 VENTANA

10.606,45 7.423,77 6.271,38

Excavado Por ejecutar

TUNEL DE TRASVASE

Figura 2

Perfil longitudinal do túnel de transvase

42

administração do recurso para que haja sucesso nesse manejo. O sistema de irrigação, que

inclui um mapa da área a cobrir, prevê a conformação de organizações de usuários para a

entrega da gestão da água, tendo em conta as já constituídas. Portanto há setores, como o do

riacho Atarigua, que não estão incluídos no plano de distribuição de água do sistema.

O projeto busca, entre outros objetivos:

... a eqüidade na distribuição dos benefícios, mas considerando as metas econômicas e financeiras que buscam alcançar, sem que isso implique igualitarismo16. Propiciará, aliás, uma distribuição racional e eqüitativa da água à maior quantidade de produtores (SHYQ, 1999:25).

Também prevê modificações na propriedade da terra, procurando um modelo que

garanta uma maior eqüidade na distribuição dos recursos terra e água, por meio da procura de

acordos negociados com os atores e com resultados socialmente aceitáveis.

Para alcançar os objetivos, o projeto considera um período de transição, o qual foi

definido juntamente com os produtores e outros atores da região.

Durante a fase de transição – período entre o momento atual e o início da irrigação com água do rio Yacambú – se trabalha na identificação das bases para o aproveitamento integral dos recursos disponíveis, visando o desenvolvimento harmonioso do Vale de Quíbor (SHYQ, 1995:1).

Um Plano Maestro foi desenvolvido pela empresa para guiá-la na administração do

projeto, e das futuras obras a serem construídas, o Plan Maestro de Desarrollo Agrícola para

el Valle de Quíbor (SHYQ, 1998). Esse plano direciona, atualmente, as ações dos setores

público e privado do Vale, buscando dar coerência às atividades dos atores envolvidos e gerar

compromissos que viabilizem os objetivos propostos.

A empresa SHYQ, C.A. reconhece as experiências dos agricultores de Quíbor em

matéria de gestão da água.

No Vale de Quíbor existe atualmente um sistema de captação e distribuição adaptado e adequado ao manejo da água de corredeira, que está representado pelas estruturas de desvio, condução e armazenagem. As características da infra-estrutura mencionada, e os sistemas de distribuição, e operação para a irrigação, requerem uma descrição, avaliação e análise com a finalidade de incorporar as experiências pertinentes ao manejo futuro da água no Vale de Quíbor. Neste caso, diferentemente do acontecido em outros sistemas de irrigação no país, conta-se com um universo de produtores altamente experimentados nas diversas modalidades de irrigação, que têm

16 Igualitarismo, neste casso, refere-se a que cada agricultor deva receber água segundo suas necessidades e possibilidades, de forma eqüitativa e não igualitária, na que todos receberiam a mesma quantidade de água.

43

desenvolvido formas organizativas próprias, com prolongada tradição na distribuição de água e na operação de pequenos sistemas de irrigação (Esteves, 1999:3).

Porém, nas propostas da futura administração do recurso hídrico, a partir da

construção do sistema de irrigação, se menciona a imperiosa necessidade de que os

agricultores se associem segundo critérios definidos pela empresa em associações de

irrigadores ou juntas de usuários, contemplando a cobrança do serviço e com o risco de não

receber água se não for cumprida essa condição.

Em um estudo contratado pelo SHYQ, na busca de informação para a tomada de

decisões sobre o futuro uso da água da represa e a implementação de um sistema de irrigação,

Esteves (1999), pode-se apreciar um dos critérios que a Empresa pretende aplicar quando o

sistema de irrigação estiver concluído. Com referência ao manejo do sistema de irrigação e

sua distribuição,

Nos pontos de distribuição a serem definidos pela Empresa, esta entregará a água às associações de irrigadores, as quais serão encarregadas da sua distribuição e administração, de acordo com os respectivos regulamentos de usuários e as normativas que a Empresa estabelecer (Esteves, 1999:19).

No Plano Maestro, pode-se constatar outro dos critérios que a empresa SHYQ coloca

como requisito para a entrega da água.

A água será vendida a um valor que permita, pelo menos, cobrir os custos de operação e manutenção do sistema de irrigação, incluindo uma alíquota para a operação do açude e a conservação da bacia do rio Yacambú (SHYQ, 1998:49).

A empresa estabelece como requisito que os produtores se organizem em uma

associação de irrigadores para terem acesso à água da represa através do sistema de irrigação,

chamado Sistema de Riego Yacambú-Quíbor (SRYQ), já que não distribuirá a água aos

produtores que não estiverem assim associados.

A distribuição da água será feita nos pontos de rede de irrigação acordados com as associações de irrigadores, as quais serão as encarregadas da sua distribuição e administração. Tais associações deverão estar constituídas pelos produtores do Vale e se encarregarão do pagamento das tarifas correspondentes ao SHYQ, C.A., administradora da água, segundo os preços e as condições estabelecidas; também se encarregarão da cobrança aos usuários que integrem a associação. Para que um produtor seja beneficiário da água do sistema de irrigação, deve pertencer à associação de irrigadores constituída na sua região. A empresa não dotará de água diretamente os produtores individuais (SHYQ, 1998:50).

44

Hoje, a represa é referência constante nas falas cotidianas dos vários interlocutores do

Vale, uns porque acham que logo, em 2010, ela estará funcionando para o beneficio de toda a

população, outros, por terem receio sobre seu funcionamento eficiente e sobre os

“verdadeiros” beneficiários do projeto. Todos esses questionamentos têm a ver com a lentidão

que a construção das obras tem tido e com a crença de alguns dos pequenos produtores do

Vale de que a obra vai beneficiar, majoritariamente, aos grandes produtores.

Segundo uma reportagem de um jornal da região em dezembro de 1975, o ministro de

Obras Públicas, na época, diz que “a obra seria finalizada em 40 meses” (El Impulso,

2002b:D6). Nessa mesma reportagem, afirma-se que, para 1991, se estimava a construção do

túnel tardaria sete anos e que nesse ano, 2002, se estava projetando para o ano 2006. Em um

artigo, mais recente, no mesmo jornal, o presidente do SHYQ afirmou que, dos 227 milhões

de dólares que ainda faltam para concluir os trabalhos de escavação do túnel, os portais de

entrada e saída, a abdução do sistema de água potável para Barquisimeto e o sistema de

irrigação, serão aprovados, pela Lei de Orçamento do 2004, 90 milhões de dólares para a

continuação da obra (Diaz, 2004). Não se faz menção no artigo sobre o tempo que ainda falta

para a sua conclusão.

A legislação venezuelana sobre o uso da água na agricultura

Na América Latina, a legislação sobre o uso da água tem uma grande influência das

legislações trazidas da Europa pelos colonizadores. Valderrama (1997) destaca que na

Espanha a definição do caráter da água como bem público é uma problemática de longa data.

O autor aponta que desde a Idade Média, produto das lacunas na legislação dos Códigos

Castelhanos, era necessário recorrer ao Direito Romano. Isso produziu uma mistura de leis,

herdadas pelas leis que se implantaram na América Latina. Essa situação fez com que o

Código das Sete Partidas17 viesse a preencher um vazio deixado por tal confusão, e que por

meio dele se fizesse o “ordenamento espanhol a respeito das águas, tanto na Península como

na sua posterior influência sobre as Índias” (Valderrama, 1997:1). Hoje em dia, ainda se pode

notar a influência de algumas das antigas leis nas novas leis municipais e nos regulamentos de

gestão das fontes de água em Quíbor.

17 Série de leis compiladas por Alfonso X (o Sábio) no fim do século XIII, e que entraram em vigor na Espanha em meados do século XIV.

45

O Tribunal das Águas de Valência, na Espanha, é reconhecido como a instituição de

justiça mais antiga da Europa. Sua origem remonta pelo menos ao ano 1238 e, apesar de que

se reconhece sua influência romana, seu estado atual, segundo alguns historiadores, se deve

aos árabes.

... tal e como chegou para nós foi um legado do povo árabe, e, se seguimos aos melhores tratadistas, foi nos dias gloriosos dos califas de Córdoba, Abderramán III e Alhakem II, por volta do ano 960 da era Cristã, que ficou organizado na forma que tem até hoje, e sem variação alguma tem estado funcionando (Giner, 1969:8).

Muitos dos elementos presentes em Quíbor, no manejo da água, são encontrados na

Espanha, que, por sua vez, recebeu a influência de romanos e árabes, no decorrer das

invasões, no que hoje conhecemos como Península Ibérica. É certo que há desacordos entre

historiadores sobre quem teve a maior influência, entre os romanos e os árabes. Também é

certo que depois de oito séculos de sua presença na Espanha os aportes da cultura árabe,

provenientes de diversos povos (sírios, marroquinos, etc.), são uma realidade que se manifesta

não só na construção de sistemas de irrigação, como nas toponímias e nas formas de

administração de tais sistemas, e nas leis que os sustentam.

Glick (1970) mostra a diversidade de elementos que, no período medieval, tinham suas

raízes na dominação árabe sobre a Espanha. As diversas formas de organização social que

existiam em Valência, durante esse período, são tanto um reflexo dessa influência como sua

posterior incorporação aos sistemas construídos na América Latina, e, no caso específico, da

Venezuela. Isso se pode verificar, também, no uso de palavras de origem árabe, como

acequia18, ainda usada tanto na Espanha como na Venezuela, e que significa canal de

irrigação.

A existência de comunidades de irrigadores, de sistemas de turnos na distribuição da

água, da existência da figura dos juízes de água para obter acordos e dirimir conflitos (aporte

romano)19, entre muitas outras coisas, disse-nos muito das semelhanças entre formas de

gestão na Espanha e na Venezuela, sem esquecer da permanência de formas provenientes das

culturas indígenas da região.

Na Venezuela, a lei mais antiga que regulamenta o uso das águas, ainda vigente, é a

Ley Forestal de Suelos y Aguas, de 1966. Nela, declara-se de utilidade pública “a proteção das

18 Do árabe hispânico assáqya, e este do árarabe clássico sāqiyah. (Diccionário de la Real Academia Española). 19 Segundo Glick (1970), não existe no mundo islâmico forma de justiça comparável aos “tribunais de água” que têm se mantido na Espanha para agir em situações de disputas pela água de irrigação.

46

bacias hidrográficas e das correntes e quedas-d’água que pudessem gerar força hidráulica”

(Marnr, 1966:s.n). Na lei, determina-se que suas disposições se aplicam às águas públicas e

privadas, e apresenta-se algumas normas para dar concessões ao aproveitamento das águas de

domínio público. No artigo n.° 93, decreta-se que “o Executivo Nacional poderá criar, com

caráter permanente ou temporário, tribunais de águas nos rios que achar conveniente” (Marnr,

1966:s.n). A lei também estabelece que serão criadas as normas que guiarão os tribunais.

O Código Civil (1982) estabelece as normas para a administração das águas de

irrigação. A partir do artigo n.° 647, e até o n.° 666, se faz referência aos direitos dos

proprietários de terras agrícolas usarem as águas de corredeiras e os rios que passam pelas

suas terras. O artigo 682 regulamenta o referente às concessões que o Estado pode fazer para

o aproveitamento das águas públicas.

A Constitución de la República Bolivariana de Venezuela, em seu Artigo 304, declara

que:

Todas as águas são bens de domínio público da nação, insubstituíveis para a vida e o desenvolvimento. A lei estabelecerá as disposições necessárias com a finalidade de garantir sua proteção, aproveitamento e recuperação, respeitando as fases do ciclo hidrológico e os critérios de ordenação do território (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2000).

Na Ley de Tierras y Desarrollo Agrário, no seu capítulo II, de 2001, sobre o Regime

de Uso de Águas (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2001a),

legisla-se em relação às águas susceptíveis de serem usadas para fins de irrigação agrícola,

mas deixa-se para o Regulamento do Decreto Lei a criação, a forma e o funcionamento dos

tipos de organização locais que deverão ser estabelecidos para a utilização comum das águas.

Existe um Projeto de Lei de Águas na Venezuela, aprovado em primeira discussão, na

Assembléia Nacional, em 2001, mas que ainda não foi sancionado. O projeto baseia-se ao no

que diz respeito à propriedade das águas no artigo 304 da Constituição, destacando que “as

águas não são susceptíveis de apropriação privada, já que estas são propriedade da nação, mas

seu uso é de todos” (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2001b:1).

No projeto cita-se, também, que a lei estabelecerá as disposições necessárias para

garantir a proteção, o aproveitamento e a recuperação das águas, e que para cumprir esses

objetivos da lei:

Concorda-se com três premissas internacionalmente aceitas, que são: 1ª) a gestão eficaz dos recursos hídricos exige um enfoque integral que vincule o desenvolvimento social e econômico com a proteção dos ecossistemas naturais, a inclusão de enlaces

47

entre as terras e as águas das bacias de captação ou os aqüíferos subterrâneos; 2ª) o fomento e gestão das águas deveria fazer-se com um critério participativo que incluísse os usuários, os planejadores e os responsáveis pelas políticas, em todos os níveis; e 3ª) a água tem um valor econômico em todos os seus usos de competência, e deveria ser reconhecida como um bem econômico. [...} respeitando as fases do ciclo hidrológico. (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2001b:2).

Apesar de, como dito anteriormente, esse projeto não ter sido ainda aprovado, ele

mostra os princípios básicos que orientam a discussão sobre a legislação das águas na

Venezuela: considerar a água como um bem público, não permitir sua privatização, mas dar

concessões de uso dessa água, propriedade de todos. É importante salientar a idéia, inserida

no projeto, que considera a água como bem econômico e que mostra a influência dos critérios

internacionais hegemônicos sobre o que deve ser a gestão da água no mundo.

Formas de regulamentar o uso da água para irrigação em Quíbor

Como já tenho comentado, consoante ocorre em todo o páis, no Vale de Quíbor se

comprova a influência dos princípios compartilhados tanto pelos espanhóis, nas suas normas e

regulamentações medievais, como pelos árabes, nas suas leis (Código de Hamurabi) (Glick,

1970). Entre estes princípios temos: 1) o conceito de distribuição proporcional da irrigação

conforme as terras que o agricultor trabalha, que tem se modificado no Vale de Quíbor pela

construção de lagoas, a partir da migração dos canários; 2) o conceito de responsabilidade

individual, que requer a participação e o compromisso de todos os envolvidos na manutenção

do sistema de irrigação; e 3) a idéia de que a partilha da água e as políticas sobre a

organização da irrigação, dentro de um dado sistema, são responsabilidade do coletivo dos

irrigadores é fundamental no Vale, pois os juízes e distribuidores são eleitos por votação

popular, com a participação de todos os agricultores que compartilham do sistema de

irrigação.

No Vale de Quíbor existe uma legislação municipal que regulamenta o uso da água do

riacho Atarigua20, tendo sido modificada ao longo da história. Antigamente, a água desse

riacho era dividida entre o consumo humano e a agricultura, mas nas últimas décadas passou a

ser utilizada apenas para uso agrícola. As antigas leis municipais consideravam águas públicas

todas aquelas “que pertencem a todos em comum” (Pérez, s/d.: 593), também, reconhecem a

20 A riacho Atarigua ou Acarigua é uma das fontes de água constantes mais importantes do Vale e forma parte de um complexo de riachos que descem das montanhas e que em época de seca são aproveitados ao máximo pelos agricultores.

48

existência de águas privadas ou particulares, mas não esclarecem as características de cada

uma.

A primeira regulamentação do uso da água do riacho Atarigua, da qual se tem

documentação, é datada de 1852. Nela se decreta o fim da lei de 13 de maio de 1850, por isso

é possível que seja esta última a de maior antiguidade registrada, mas sem descartar que possa

haver leis municipais anteriores das quais não se tem o registro escrito.

A lei municipal foi promulgada devido a uma situação histórica de falta de chuva

durante a estiagem e de pouca quantidade de água que flui dos riachos da região.

1.°) Que pela freqüente falta de chuvas e pela pouca quantidade de águas dos riachos Acarigua e Maguace, a extensa vizinhança da vila de Quíbor sofre atrasos e calamidades nas grandes secas, sendo algumas famílias obrigadas a abandonar suas casas e indústrias (Pérez, s.d:640).

A lei cria normas para a distribuição das águas, estabelecendo a figura dos juízes de

água para exercer sua administração. Os juízes deviam ser eleitos pelos agricultores, e sua

função principal era administrar a pouca água existente para os diversos usos, servindo de

mediador entre os vários usuários. Por outro lado, a lei determinava os direitos e deveres dos

cidadãos e os castigos e punições estabelecidos para quem desobedecesse a sua normativa,

assim como estabelecia o pagamento pelo uso da água.

Art.1.°) Para a distribuição das águas da vila de Quíbor haverá dois juízes de água que serão nomeados pelos próprios lavradores vizinhos interessados na irrigação. Um desses juízes distribuirá as águas do riacho Acarigua, e o outro, as do riacho Maguace, sendo que ambos prestarão contas ante o chefe político e sob juramento de cumprir fielmente seus deveres (Pérez, s/d.:640).

Alguns dos antigos deveres dos juízes ainda se conservam na região, por exemplo:

2.°) Não permitir que pessoa alguma aumente ou diminua a porção de água que tem destinado à irrigação ou ao enchimento de poços em cada lugar. 3.°) Zelar e fazer com que os leitos dos canais principais, pontes e tampas se conservem em bom estado. 4.°) Impedir e denunciar ao chefe político, ou juiz de paz, conforme o caso, os abusos, fraudes ou faltas dos lavradores, contrárias ao regulamento. 9.°) Informar a cada agricultor o dia e hora em que vai receber a água, com a finalidade de que possa se preparar. 12.º) Recorrer aos comissários ou juízes de paz para que lhe proporcionem dois ou três vizinhos com os quais possa comprovar os roubos ou fraudes que note nas águas (Pérez, s.d.: 641).

49

Estava previsto na lei que o juiz cobrará aos agricultores pelos serviços realizados,

mas também terá uma série de deveres que, se não forem cumpridos, implicarão o pagamento

de multas e até a perda do emprego. “Art. 9.°) O chefe político da região conhecerá os abusos

que cometam os juízes de água no exercício das suas funções e determinará a

responsabilidade devida” (Pérez, s.d.: 642).

A lei também determinava formas de distribuição da água para os vizinhos da região,

como a seguir: “ordem de cima para baixo, e encher os poços a cada 12 dias” (Pérez, s.d.:

641). “O juiz de água criará um registro, no dia 2 de Janeiro de cada ano, das culturas que

tenham direito à irrigação em cada canal principal e segundo esse registro fará a distribuição

das águas” (Pérez, s.d.: 643).

Determina-se que em casos de emergência pela perda de uma cultura, o juiz decida

distribuir água para um agricultor sem ter que seguir a ordem estabelecida, sempre que isto

não gere danos ao outro produtor.

Art. 39. O juiz de água, com prévia avaliação de técnicos, pode pular de um ponto de irrigação a outro, sempre que possa fazê-lo sem danos para quem perde o seu turno, sabendo da urgência de quem que vai ser beneficiado, já que sua cultura corre perigo. (Pérez, s.d.: 646).

Os agricultores também tinham deveres e penas estabelecidos na lei, entre eles:

1.° ) Pagar sem demora ao juiz de água a quantidade que se aponta neste regulamento. 2.°) Ter limpado seus canais particulares e disposto o pessoal para receber a água na hora que o juiz tenha determinado (Pérez, s.d.: 643).

O juiz devia informar sobre as faltas cometidas pelos lavradores ao chefe político e aos

juízes de paz, para que esses agissem na imposição e execução das penas respectivas.

Ainda que a figura do juiz esteja institucionalizada pelas leis, as pessoas que cumprem

essa função no Vale geralmente não agem da forma como mandam as normativas e

regulamentos. O cotidiano da irrigação em Quíbor não está condicionado por essa

institucionalização, embora os juízes ou distribuidores usem as leis e regulamentos para se

orientar na tomada de decisões, a experiência e conhecimento do lugar e a tradição de usos e

costumes pesam muito, tanto nas questões da distribuição da água quanto para exercer a

pouca autoridade que têm para resolver algum problema.

Em março de 1996, foi feita uma reforma parcial da lei municipal de 1984, em

vigência atualmente, que regula o uso para irrigação das águas do riacho Atarigua. No artigo

50

2.° desta lei declara-se que “as águas mencionadas no artigo anterior21 pertencem em comum,

desde tempo imemorial, aos habitantes deste município capital” (Concejo Municipal del

Distrito Jiménez, 1996:1). Dita lei trata da administração e distribuição das águas e mantém a

figura tradicional do juiz de águas e seus ajudantes, chamados de distribuidores e

encarregados. Todos eles devem ser eleitos pelos agricultores, cadastrados como usuários do

riacho. No artigo 3°, decreta-se que “para atender à administração e ao serviço das águas do

riacho Acarigua (Atarigua)22, haverá um juiz de águas com seus respectivos suplentes” (p.1).

A reforma parcial só modifica o artigo 4° do regulamento que se refere aos detalhes da eleição

do juiz de águas. A lei, como instrumento jurídico, mantém o espírito das leis de anos

anteriores através de 9 seções e 44 artigos que dão conta de como devem ser distribuídas ditas

águas, dos deveres e direitos do juiz e dos usuários, dos pagamentos e das multas e sanções a

que podem ser submetidos os infratores da lei.

No que diz respeito aos usuários da água proveniente do Portal de Saída do Túnel da

represa Yacambú, eles têm uma normativa assinada por todos os produtores, a maioria deles

membros da organização Aproquíbor, para regulamentar a distribuição dessa água.

Em 1982, como resultado da construção do túnel da obra Yacambú-Quíbor em uma das suas três frentes de trabalho, especificamente no Portal de Saída, começa a drenar um certo fluxo de água (...) Aproveitando essa fonte de água se criou, num pequeno setor ao sul do Vale de Quíbor, o que atualmente se conhece como sistema de irrigação do Portal de Saída do Túnel Yacambú-Quíbor (Esteves, 1999:13).

Segundo Silva (1993), para o mês de junho de 1993, a Comissão de Assuntos

Camponeses e Desenvolvimento Rural da Prefeitura do Município Jiménez, em reunião com

os usuários, decidiu convocar a eleição do Juiz de Água e constituir uma comissão

administrativa para fiscalizar o juiz. Este foi finalmente eleito e, em 1995, se criou o

Regulamento para o Uso da Água do Portal de Saída do Túnel Yacambú-Quíbor, que é, até

hoje, o instrumento que determina a distribuição dessa água.

No caso da água proveniente da estação de tratamento, “não existe uma organização

formal para administrá-la. Neste caso opera a tradição, e a tarefa é realizada pelo distribuidor

eleito pelos agricultores” (Esteves, 1999: 13). O distribuidor, porém, utiliza a legislação

municipal do riacho Atarigua como referência para a realização das suas atividades.

Quanto ao Sistema de Irrigação San José de Quíbor, segundo Esteves (1999), pensava-

se em organizar os usuários da água da Represa em três empresas camponesas: Cerro Pelón, 21 Inclui as águas do riacho Atarigua. 22 Correção do Autor.

51

Yacambú e La Vigia, para que trabalhassem com objetivos coletivos. Construiu-se para tal

finalidade um encanamento ligado à tubulação matriz. As empresas foram efetivamente

formadas em meados dos anos 1970.

Após uns 20 anos de uso da água da represa, sem ter sido feito o pagamento

conveniado pelo serviço à empresa administradora Inos, esta começou a diminuir a oferta de

água para as empresas camponesas no ano de 1985. Em conseqüência, a água que restou não

satisfazia às necessidades mínimas das três empresas, que tinham de dividir a água com a

crescente população da cidade de Barquisimeto.

Em 1985, o Inos regula o subministro de água perante um mecanismo de controle no encanamento de adução, dando-lhes só 120 l/s para as necessidades de irrigação das três empresas, e restringido o serviço a um turno de 6 da manhã às 6 da tarde. Esta crítica restrição mudou por completo a situação das empresas, que agora se vêm obrigadas a dividir a água em turnos de cada dois dias, a saber: Empresa La Vigía: segundas e quintas; Empresa Cerro Pelón: quartas e sábados; e Empresa Yacambú: terças e sextas (Esteves, 1999: 53).

Outras fontes de água são as do esgoto ou residuárias da cidade de Quíbor,

armazenadas em lagoas nas terras de duas fazendas da região. A água das lagoas de

estabilização da fazenda El Veral, segundo Esteves (1999), deveria ser distribuída da seguinte

forma: Rafael, 50% da água, e Luis e os irmãos Castro, 25% cada um. Porém, não têm

definidos turnos nem datas preestabelecidas de distribuição. O uso depende dos acordos entre

os usuários. No caso das lagoas de estabilização da fazenda El Tunal, esta água é utilizada só

pelo proprietário da fazenda.

Neste ano de 2004, está sendo discutido no estado Lara um anteprojeto de Lei de

Águas para esse estado, que visa regulamentar ao nível estadual tudo o que diz respeito à

administração das águas na região, na qual se localiza o Vale de Quíbor. Na exposição de

motivos do documento em questão, se reconhece a potestade, que têm os estados para

regulamentar e administrar, juntamente com o governo nacional seus recursos em prol de uma

vida e um ambiente mais seguros para todos os venezuelanos (Hidrolara, 2004). No nível

operativo, o anteprojeto prevê a criação de a Corporación del Agua del Estado Lara, com a

finalidade de “desenvolver e executar as obras públicas e de inversão necessárias para o uso

(racional e adequado), a conservação e o melhoramento dos recursos hídricos do estado Lara”

(Hidrolara, 2004:s/p.). No nível técnico, no artigo n.° 25, propõe-se a criação do Instituto

Estadal de Aguas del Estado Lara, “para o desenvolvimento e execução das competências

52

técnicas em matéria de águas no Estado” (Hidrolara, 2004:s/p). O Instituto será administrado

por uma Junta Diretiva, a qual será eleita pelo governador(a) do estado.

Ao estudar, por tanto, a gestão da água de irrigação, na Venezuela, tem-se que

reconhecer suas raízes tanto nos sistemas indígenas como nas técnicas levadas pelos

espanhóis, ao longo da colonização e posteriormente, com as migrações acontecidas no século

XX, portanto, as leis, regulamentos e os usos e costumes, convivem em Quíbor na hora de

administrar de forma tradicional a distribuição para irrigação do líquido fundamental para a

vida, a água.

53

Capítulo III

Buscando um método num espaço

interdisciplinário.

54

A irrigação nos estudos socioculturais

Há muitos séculos os seres humanos têm se ocupado em domesticar23 a água com

diversos fins, dntre eles, utilizar a força da água para movimentar moinhos, distribuir a água

para consumo humano e de animais, controlar as enchentes, armazenar água e irrigar cultivos

nas épocas de estiagem. Temos conhecimento de que há pelos menos 5 mil anos, em muitas

regiões do mundo, já existiam terraços para cultivos que dependiam de sistemas de diques e

canais, e são bastante conhecidos os milenares qanats no atual Irã, que são poços horizontais

para armazenar e distribuir água, com pelo menos 3 mil anos de existência (De Villiers,

2002).

A irrigação é uma técnica antiga que retrocede a 5 mil anos na Ásia Central e muito mais na Mesopotâmia. Era usada na China imperial, no antigo Laos, na África antiga, na Tanzânia, no Zimbábue e na velha América, antes que os espanhóis deitassem os olhos sobre ela (De Villiers, 2002:201).

Por sua vez, Rebouças (2002) aponta que o controle dos rios tem sido a forma de

dominação mais antiga que se conhece. “O controle das inundações de rio Nilo foi a base do

poder da civilização Egípcia, desde cerca de 3.400 anos a.C” (p. 17). Ele acrescenta que: “o

controle do rio Eufrates foi a base do poder da Primeira Dinastia da Babilônia, possibilitando

ao Rei Hamurabi – 1792 a 1750 a.C. – unificar a Mesopotâmia e elevar sua região norte a

uma posição hegemônica” (p. 17). O autor comenta que “para alguns, a politização e

centralização atuais do poder sobre a água teriam tido suas origens nessa época” (p. 17).

Gleick (2001), dando centralidade à água na história da humanidade, afirma que “a

história da civilização humana está entrelaçada com a história das formas que temos

aprendido para manejar os recursos hídricos” (p. 1).

A irrigação também pode ser parte das causas de que algumas civilizações tivessem

deixado de existir. Sandra Postel (2001) aponta que a “Suméria foi uma das primeiras

civilizações em colapsar, em parte, pelas conseqüências da irrigação” (p.1). Isto porque,

segundo ela, os agricultores sumérios usaram toda a água possível para manter a produção

requerida, e, com isso, o solo não resistiu à salinização produzida pelo excesso de irrigação e

não pôde suportar a produção de comida necessária para a manutenção da sociedade Suméria.

23 Utilizo a palavra domesticar para me referir aos processos de modificação dos cursos naturais da água para utilizá-la na irrigação.

55

Também se diz que a irrigação é a maior consumidora de água no planeta, com relação

às outras atividades, como produção de energia, consumo humano e lazer, e uma das formas

como os agricultores têm aumentado a quantidade de cultivos e de colheitas por ano. Ela é

apontada como responsável pelo consumo das maiores quantidades de água no mundo e pelas

subutilização e perdas da água (De Villiers, 2002). Segundo Gleick (2001), o maior

consumidor de água é a agricultura, e aponta, aliás, que esse uso é muito ineficiente. Fazendo

uma comparação sobre a criação de empregos pela água, em duas áreas diferentes, ele

comenta que: “manter 100 mil empregos de alta tecnologia na Califórnia requer de 250

milhões de galões de água por ano, e, com esta mesma quantidade de água, na agricultura se

mantêm menos de 10 empregos” (p.2).

Barlow e Clarke (2003) afirmam que “a irrigação para produção de colheita reivindica

os 65% a 70% restantes de toda a água usada pelos seres humanos” (p. 10), enquanto a

indústria consome entre 20% e 25% da água doce do mundo, e o uso pessoal e residencial

respondem por uns 10%, porém, “sem irrigação, a produção nos maiores campos produtores

de grãos do mundo – dos quais depende a alimentação do planeta – cairia quase pela metade”

(De Villiers, 2002:202).

Outra coisa importante para compreender o que significa a irrigação para a

alimentação das pessoas na atualidade é que “hoje a irrigação responde por duas terceiras

partes do uso da água no mundo, e, em alguns países em desenvolvimento, chega a significar

cerca de 90%” (Postel, 2001:1).

Por outro lado, muitos são os estudos feitos sobre a utilização da água na agricultura.

Entre deles, os escritos de Karl Marx, sobre o modo de produção asiático ou a “formação

asiática”, encontrados em várias de suas publicações, têm sido alvo de discussões intensas

para marxistas e não marxistas. Porém, o que interessa apontar aqui é que essa formação

social foi caracterizada por este autor, a partir do uso que a sociedade fazia da água de

irrigação, como elemento fundamental, junto com a propriedade comunal da terra, e dessa

forma explicar o despotismo do sistema de governo, tanto na Índia como na China, e em

outros países que se podiam conceituar como uma formação social asiática.

Marx ([1964], 1975), em seu trabalho intitulado Formações Econômicas Pré-

Capitalistas, também aponta para o significado da terra nas sociedades pré-capitalistas,

consideradas basicamente de propriedade comunal, e como elemento fundamental no

cotidiano dessas sociedades. Isso nos parece importante, ainda que o autor não considere

especificamente a propriedade comum da água, ficando aparentemente sobreentendida sua

56

importância, pois a água passa a fazer parte dos elementos necessários à produção de bens

agrícolas, o que a torna indissociável do processo mais amplo desse tipo de produção.

Desse modo, Marx ([1964], 1975), argumenta que “a terra é o grande laboratório, o

arsenal que proporciona tanto os meios e objetos do trabalho como a localização, a base da

comunidade” (p. 67). Essa consideração sobre a importância da terra remete, segundo minha

interpretação, à propriedade da água, que no caso da formação asiática é fundamental, pois se

baseia, por vezes, na administração da água de irrigação por parte de governos despóticos.

No caso do Vale de Quíbor, a relação da propriedade da terra com o direito ao uso da

água é fundamental para entender as relações que se estabelecem, sobretudo na época da

estiagem, durante a qual alguns interesses entram em conflito.

Sobre a crença de que nas sociedades despóticas ter-se-ia uma ausência de

propriedade, Marx ([1964], 1975) aponta:

O despotismo oriental aparentemente leva a uma ausência legal de propriedade. Mas de fato, seu fundamento é a propriedade tribal ou comum criada, na maioria dos casos, por uma combinação de manufatura e agricultura dentro da pequena comunidade que, assim, faz-se completamente auto-suficiente, em si mesma contendo todas as condições de produção e de produção de excedente (pp. 67-68).

No entanto, existe uma controvérsia sobre a importância que teria para o

desenvolvimento dos trabalhos de Marx os escritos sobre o modo de produção asiático (Sofri,

1977). O certo é que um número importante de marxistas se dediccou a escrever sobre ele,

tendo maior ressonância na obra de Karl Wittfogel (1957), em seus estudos sobre as

sociedades orientais, plasmados, basicamente, no seu livro Despotismo Oriental, no qual

retoma a idéia de uma sociedade autoritária baseada no controle da produção por meio dos

recursos hídricos (sendo a irrigação o mais importante entre eles). Porém, segundo Ribeiro

(1978) e Sofri (1977), Wittfogel abandona a idéia relacional entre governo despótico e

irrigação e passa a manter a idéia de “formação asiática”, para caracterizar as sociedades

despóticas em geral. Os trabalhos de Wittfogel não foram os únicos a tratar dessa temática,

mas o autor é o mais citado no âmbito dos estudos marxistas, pelas suas implicações para os

estudos da evolução sociocultural, a partir do materialismo histórico.

Sofri (1977) esclarece que a idéia de um despotismo oriental nasceu nos séculos XVI e

XVII, do contato dos ingleses com a China, muito antes, logicamente, dos escritos de Marx e

Engels. O autor acrescenta, aliás, que eles não se aprofundaram muito nesse conceito, o que

tem contribuído para as discrepâncias surgidas no âmbito dos estudiosos marxistas, mas

acredita que quando Marx fala da forma asiática de produção, quer argumentar que nela,

57

apesar de ter um dono de tudo, um autocrata, há uma propriedade comunal da terra (na

agricultura), que sempre está acompanhada do trabalho artesanal (na manufatura).

Ribeiro (1978), continuando na linha de análise marxista, desenvolve toda uma teoria

sobre a evolução sociocultural, na qual as sociedades de irrigação ocupam um lugar

preponderante ao canalizar a água dos rios com fins agrícolas, fazendo parte de uma das

Revoluções Tecnológicas e dos Processos Civilizatórios da Humanidade. Segundo ele, a

Revolução do Regadio formou as bases tecnológicas dos Impérios Teocráticos de Regadio,

entre os quais ele aponta os dos Incas, dos Astecas e dos Maias, especificamente na América

do Sul, e todos eles com uma agricultura baseada na irrigação com suas especificidades

ecológicas e culturais.

Hunt e Hunt (1976), a partir de uma postura antropológica, apontam para o fato de

antropólogos sociais terem geralmente ignorado os estudos sobre irrigação. Eles destacam

entre os antropólogos dedicados ao tema, além dos escritos de Wittfogel (1957), os trabalhos

de Steward (1955), Leach (1961), Childe (1954), Wolf e Palerm (1955) e Sander e Price

(1968). Eles se juntam a um grupo que acredita na importância dos estudos da irrigação para a

organização social:

Acreditamos que a agricultura de irrigação é um recurso social não muito usual, que certamente tem relações sistemáticas com outras características da organização social e que estas relações precisam ser investigadas de forma sistemática (Hunt e Hunt, 1976:389).

Porém, Hunt e Hunt (1976) reconhecem que a maior parte dos antropólogos tem

ignorado esses estudos, embora a irrigação seja a mais importante técnica de cultivo nas

sociedades que eles estudam, e que ela só é mencionada e e tratada nos seus trabalhos com

comentários sem importância. Na atualidade essa situação tem se modificado, se observando

que alguns antropólogos tem se dedicado a estudar as relações sociais em volta da distribuição

da água de irrigação (Geertz, 1981,1980; Hunt, 1989; Gelles, 1997; Wateau, 2000; Dayton-

Johnson, 2001; Long, 2001).

Na Psicologia Social os estudos sobre o rural, e especificamente sobre o papel da

irrigação na organização social, constituem um tema inexistente ou pelo menos não fazem

parte dos temas comumente tratados na disciplina24. Porém, Íñiguez (1994), num trabalho

24 Isso ficou evidente numa mesa-redonda denominada “O Semi-Árido como um Lugar na Psicologia Social” que conformamos Canelón (2003), Spink (2003), Cordeiro (2003) García (2003), no XII Encontro da Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso), efetuado na cidade de Porto Alegre, no Brasil, no mês de outubro do ano 2003, no qual apresentamos vários trabalhos sobre o Lugar do Rural nessa disciplina. Para o evento

58

sobre as estratégias psicossociais para a gestão da água, aponta que a Psicologia Ambiental

tem se ocupado, na maioria das vezes, de estudar o problema da água a partir de enfoques

individualistas, ou com um tratamento pouco abrangente do social. Constata, também, que as

pesquisas têm sido orientadas por trabalhos sobre condutas, atitudes, motivação, valores e

normas sociais que influenciariam o comportamento da população, na busca de um uso mais

racional (usando menos água por pessoa) à conservação do recurso hídrico (investigação-

intervenção).

De inspiración netamente cognitivista, este planteamiento se basa en la creencia de que los comportamientos están determinados por un proceso racional. En esencia, con la información pertinente, la gente es capaz de reflexionar sobre ella y cambiar su forma de comportamiento; en nuestro caso, dada una información, conocidas las carencias de agua y la dificultad para su consecución, mantenimiento, depuración, canalización, etc., etc., las personas modificarán sus comportamientos para favorecer el ahorro de agua y la homogenización de los niveles de calidad de vida del conjunto de la población (Iñiguez, 1994:20).

Ele afirma também que, para esse momento, a teoria das representações sociais era

uma contribuição fundamental para tratar esses estudos com uma visão ‘social’.

Una superación del individualismo latente en las perspectivas anteriores la ofrecen otros planteamientos donde se remarcan la naturaleza social de la persona humana, de sus relaciones con su entorno, de los conocimientos, creencias, emociones, etc. Incluidos los que se refieren a nuestra relación con el mundo físico (Iñiguez, 1994:23).

A perspectiva do construccionismo social

Do ponto de vista epistemológico este trabalho utiliza quatro noções principais: a

noção campo-tema de Peter Spink (2003a, 2003b, 2003c, 2002, 2001, 1999), a noção de

matriz de Ian Hacking (1999), a noção de análise de interface centrada no ator de Norman

Long (2001, 1999, 1997, 1996, 1993), e o conceito de práticas discursivas proposta por Mary

Jane Spink (2003a, 2003b, 1999). Todas essas propostas teóricas-metodológicas têm como

base epistemológica o construcionismo social, que: “... Está interessado em identificar

processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam e/ou compreendem o mundo em que

vivem, incluindo elas próprias” (Spink, M.J. e Lima,1999:60).

apresentamos alguns trabalhos que temos realizado na zona rural, tanto do Brasil como da Venezuela, que abrem um caminho para estudos desse tipo a partir de uma Psicologia Social que volte seu interesse para essa área tão importante.

59

Segundo Íñiguez (2003:6-8), alguns dos elementos que definem o que se poderia

chamar de construccionismo são: a) o anti-essencialismo, ou seja, que nem as pessoas nem o

mundo têm uma natureza determinada, a noção de objeto é uma convenção social que

depende da definição que fazemos dele, pelo que não há objetos “naturais” que existam na

realidade de forma independente, eles são objetivações resultantes de práticas sociais que os

constituem como tal; b) o relativismo/anti-realismo, pois, um ponto de vista construcionista

implica a negação da relação entre o conhecimento e a percepção direta da realidade, pois a

‘Realidade’ é apenas um conjunto de versões construídas coletivamente no seio das distintas

sociedades e culturas ao longo da história como comunidade. Não há então separação entre a

realidade e o conhecimento que produzimos sobre ela. O objeto não gera sua representação,

ele é construído pelas nossas práticas; c) o questionamento das verdades, geralmente,

aceitas, na medida em que essa perspectiva questiona constantemente a “verdade”, pondo em

dúvida o modo como temos aprendido a olhar o mundo e a nós mesmo. Questiona, também, a

idéia de que o conhecimento é baseado na observação objetiva e imparcial da realidade; d)

determinação cultural e historicidade do conhecimento, pois, toda concepção do mundo ou

do social é social e culturalmente dependente. As formas de categorização e conceitualização

são específicas de cada cultura e cada momento histórico concreto, afirmação que se aplica

não só ao conhecimento “comum”, mas, também, ao “conhecimento científico”. Por tanto, do

ponto de vista histórico e cultural não há nada absoluto, nenhum saber é verdadeiro nem

definitivo; e) a linguagem, como condição de possibilidade, já que a realidade se constrói

socialmente e os instrumentos com os quais se constrói são discursivos, pois a linguagem não

é unicamente expressiva ou referencial, mas uma forma de ação pela qual construímos o

mundo; f) o conhecimento como produção social, tendo em conta que o conhecimento é o

resultado de uma construção coletiva. As práticas cotidianas fabricam nosso saber e nossa

concepção do mundo e de nós mesmos. Cada saber e cada conhecimento social possibilitam

certos modos de ação social, excluindo, ao mesmo tempo, outros modos; e g) a “construção

social”, a perspectiva construcionista não deve tornar a noção de “construção social” algo

estático ou reificante, ou seja, algo permanente, já que as práticas sociais criam estruturas e

instituições sociais, mas, igualmente, as estruturas sociais incidem e exercem uma forte

influência sobre as práticas. Toda prática social, então, contribui de maneira direta para a

construção do social.

A metodologia da pesquisa foi sendo construída à medida que esta se desenvolvia, tal

e como aponta Spink (2003a),

60

O quarto eixo de reflexão trouxe o reconhecimento de que os estudos feitos pelo Núcleo não se caracterizavam, de maneira geral, por um planejamento antecipado da estratégia de pesquisa, com a identificação precisa de objetivos e a escolha deliberada de métodos de investigação e análise. Ao contrário, a pesquisa tendia a se dar a partir da identificação de um ponto de partida, e daí: iria caminhando sem saber direito como e onde'. O processo foi descrito em termos da desnaturalização sucessiva (ou estranhamento) em relação à temática em foco, do olhar multidirecional e da ausência de um ponto predefinido de chegada ou término, a não ser o sentimento de ''ser suficiente'' (p.20).

Por outro lado, o rural como um lugar não tem feito parte dos temas tradicionalmente

abordados pela Psicologia Social25. O lugar vem a se tornar o foco da compreensão e da ação

e não como tem sido tratado tradicionalmente, como alguma coisa externa, de contexto, algo

que está lá fora (Spink, 2003c).

As coisas não só acontecem: elas têm lugar (...) Esse é o terreno da interseção de processos sociais e ação social, em que um aperto de mãos e um sorriso entre desconhecidos em uma reunião comunitária produzem civismo e são produzidos por ele (Spink, 2002:4).

Também se sabe que o rural tem sido uma área tradicionalmente estudada pela

Sociologia, a Antropologia e a Agronomia. Esses estudos, na maioria das vezes, tendem a

focalizar os aspectos mais gerais da temática, procurando generalizações, isso é muito

diferente da perspectiva com que construí este campo-tema. O que quero dizer se explica pelo

uso que faço da noção de campo proposta por Spink (2003a) na qual: “o campo é o método e

não o lugar; o foco está na compreensão da construção de sentidos no espaço de vida do

indivíduo, grupo, instituição e comunidade” (p.35).

Em conseqüência, mesmo estando a maior parte do tempo desta pesquisa localizado

fisicamente no Brasil, estive no campo e ainda estou no campo, como pesquisador, refletindo,

conversando, pensando e escrevendo sobre a problemática da água de um lugar denominado

Vale de Quíbor, “campo, portanto é o argumento no qual estamos inseridos; argumento esse

que tem múltiplas faces e materialidades, que acontecem em muitos lugares diferentes”

(Spink, 2003a:28), neste caso, os diversos povoados visitados por mim é que são, somente,

parte da territorialidade do campo-tema.

25 Numa pesquisa feita pelo autor na Revista Psicologia e Sociedade, da Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), entre os anos 1996 e 2001, dos 86 trabalhos publicados, somente 2 tinham relação com o rural. A mesma pesquisa foi realizada na Revista Psicologia Social y Personalidad, da Amepso (Asociación Mexicana de Psicologia Social) , entre os anos de 1996 e 2000, encontrando 3 artigos sobre o tema rural entre os 50 artigos publicados.

61

E quando, como psicólogos sociais, fazemos pesquisa, o que fazemos? Argumentamos que um tema, um campo, ou melhor, um campo-tema merece ser estudado, merece nossa atenção como psicólogos sociais. Propomos que é psicologicamente relevante (Spink, 2003a:25).

Para reforçar a idéia de campo como foco de minha pesquisa e as diferenças que esse

conceito tem em relação ao oriundo da pesquisa de campo na Antropologia, instaurado por

Malinowski no seu clássico livro Os Argonautas do Pacífico Ocidental, como o método

antropológico por excelência e que implica, necessariamente, a permanência por longos

intervalos de tempo na comunidade, pois desta maneira pretende conseguir “entender o ponto

de vista do nativo” (Burke, 1992:25), me apoio novamente em Peter Spink quando diz

“quando fazemos o que nós chamamos de pesquisa de campo, nós não estamos ‘indo’ ao

campo, já estamos no campo, porque já estamos no tema” (Spink, 2003a:36), o que diferencia

esta noção da antropológica e lhe outorga um sentido particular para a Psicologia Social.

O que nós buscamos é nos localizar psicossocialmente e territorialmente mais perto das partes e lugares mais densos das múltiplas interseções e interfaces críticas do campo-tema, onde as práticas discursivas se confrontem e, ao se confrontar, se tornem mais reconhecíveis (Spink, 2003a:36).

Desse modo, o que me orienta se sustenta na idéia de que:

Não há dados nas nossas investigações porque não há fatos empíricos esperando pacientemente e independentemente para serem interpretados (...) Não há dados, mas há, ao contrário, pedaços ou fragmentos de conversas: conversas que já viraram eventos, artefatos e instituições; conversas ainda em formação; e, mais importante ainda, conversas sobre conversas (Spink, 2003a:37).

Daí que as conversas, entrevistas, as observações e minhas reflexões são o cerne das

explicações que tento fornecer, porque, “o re-narrar acadêmico é um narrar de maneira escrita

do narrar oral, da conversa, da visita, do material, da materialidade, dos achados e perdidos”

(Spink, 2003a:38).

Segundo Spink (2001, 2002), sua noção de campo-tema tem muitos pontos de

intersecção com a noção de matriz de Ian Hacking, pois ela chama a atenção para o lugar

como sendo constitutivo de falas e conversas, incluindo a conversa em sua materialidade. As

pessoas não falam no ar, e no momento em que falam e da forma como o fazem é algo que

faz parte das outras pessoas, elas se constituem juntamente. A materialidade é social; ela é

produzida em fala, sua existência é argüida e a fala continua dentro e em volta dela.

62

Quanto à noção de matriz, Ian Hacking (1999) a utiliza para nomear o cenário social

em que as idéias, as noções e os sentidos são socialmente construídos. Assim, os sentidos

atribuídos à água são construídos numa matriz de relações muito complexa que é constituída

por instituições, agricultores, mediadores (como os distribuidores e os juízes de água), leis

sobre uso e distribuição da água e também pelas materialidades, represas, lagoas, canais, etc.,

que ora possibilitam, ora obstaculizam determinadas relações sociais no campo-tema da

gestão da água de irrigação, das diversas fontes, no Vale de Quíbor.

Hacking (1999), apresentando uma discussão acerca da construção da matriz mulher

refugiada no Canadá, argumenta:

A matriz em que tem se formado a idéia da mulher refugiada é um complexo de instituições, advogados, artigos de jornal, juristas, decisões judiciais, atas de imigração. Para não mencionar a infra-estrutura material, as barreiras na fronteira, passaportes, uniformes, balconistas de aeroportos, centros de detenção, juizados, acampamento de férias para meninos refugiados (p. 10).

O autor acrescenta, a respeito, que “as interações não só ocorrem. Ocorrem em

matrizes, constituídas de muitos elementos sociais e materiais óbvios” (p. 31). Partindo então

desses argumentos, procuro conhecer como a matriz da gestão de água de irrigação, em

Quíbor, é constituída e como isso me ajuda a entender os mecanismos e as formas tradicionais

de gestão presentes nesse cotidiano.

Dado que considero as pessoas de Quíbor, inseridas em uma matriz muito complexa

de relações, instituições, linguagens, etc., a noção de interface, dentro da proposta de análise

centrada no ator, de Long (2001, 1999, 1997, 1993), me subsidia na hora de operacionalizar a

forma como se dão essas relações, as arenas onde se apresentam e quais os discursos e as

práticas usados nas negociações de sentidos no cotidiano da região sobre a água de irrigação

no Vale.

Sobre a noção de interface social, Long e Villareal (1993) apontam que “ainda que a

palavra interface tende a sugerir a imagem de algum tipo de articulação ou confrontação de

dois lados só, as situações de interface são muito mais complexas em sua natureza” (p. 7).

Isso também me permite construir uma ponte com a noção de matriz, pois ambas noções

partem da complexidade das situações e não dão nada por óbvio nem minimizam qualquer

situação social do cotidiano.

Long (2001), define a interface como:

63

Um ponto crítico de interseção entre os mundos de vida, entre os campos sociais ou entre os níveis de organização social, no qual as descontinuidades sociais, baseadas em discrepâncias de valores, interesses, conhecimento e poder, são maiormente possíveis de serem localizadas (p. 243).

Partindo dessa compreensão, interessa-me entender os sentidos atribuídos à gestão da

água de irrigação, a partir da análise das práticas discursivas das pessoas envolvidas em

situações de interseção e descontinuidades que se produzem no campo da gestão da água em

Quíbor; como e onde elas surgem, quem está envolvido, e por que, e quais, as materialidades

que sustentam essas interfaces.

Para tanto, ponho em foco a interconexão das pessoas ou atores, no cotidiano de uso

da água de irrigação em Quíbor. Desse modo, entendo que as pessoas em Quíbor estão

engajados em processos contínuos de construção de seus mundos sociais e que a compreensão

de suas formas de gestão da água passa por conhecer como eles têm construído esses mundos

diversos e como os expressam nas suas práticas discursivas.

Embora Long (2001) trabalhe no campo da sociologia do desenvolvimento rural, a

utilização que eu faço da perspectiva da análise de interface centrada no ator tem um recorte

particular: tomo para este trabalho aqueles aspectos que podem me fornecer subsídios na

realização da pesquisa, sem assumir a proposta como uma receita, mas como um apoio à

pesquisa.

Alguns conceitos da proposta de Long (2001) têm sido muito úteis para o presente

trabalho. Entre eles está o conceito de agência, que diz respeito à capacidade das pessoas de

processarem suas experiências e lidarem com suas vidas, gerando diversos tipos de

conhecimento, embora elas possam estar submetidas a formas e condições restritivas. Para o

autor:

Agência implica tanto uma certa habilidade de conhecimento, por meio do qual as experiências e os desejos são reflexivamente interpretados e internalizados (conscientemente ou não), como a capacidade de utilizar ferramentas relevantes, ter acesso a recursos, materiais ou imateriais, e se envolver em práticas organizativas específicas (Long, 2001:49).

A partir desse conceito podemos entender que as pessoas desenvolvem formas

particulares de relacionamento, de organização e conhecimento na construção de projetos

coletivos que transformem suas condições de vida. Ao considerar a agência tal como aponta

Long (2001), pode-se entender que há formas associativas cotidianas, que são o produto da

criatividade das pessoas, com suas próprias dinâmicas, e que, muito provavelmente, as formas

64

de associação propostas verticalmente, ou criadas artificialmente26 ou compulsoriamente,

podem não produzir os efeitos esperados segundo as expectativas de especialistas e técnicos.

Há ainda mais dois conceitos que complementam nossa análise: conhecimento e

poder. Long (2001) aponta que as pessoas produzem conhecimento apesar das limitações de

estudo formal e de informação, e que esse conhecimento é tão válido quanto outros. O poder é

visto, ainda segundo o autor, como a capacidade que os atores têm para criar redes e projetos

que os aglutinam em torno de vários projetos pessoais, mas que se podem juntar, não sem

conflitos, em prol de objetivos coletivos:

Em outras palavras, agência (e poder) depende, crucialmente, da emergência de uma rede de atores que se comprometem parcialmente, porém, poucas vezes totalmente, no “projeto” de outra pessoa ou pessoas. Agência, então, requer da geração, e uso, ou manipulação de redes de relações sociais, a vinculação de aspectos específicos (como reivindicações, ordens, bens, instrumentos e informação) por meio de certos pontos nodais de interpretação e interação. Aqui, é essencial levar em conta as maneiras pelas quais os atores sociais estão envolvidos e/ou travados em lutas sobre a atribuição de sentidos sociais acerca de eventos particulares, ações e idéias (Long, 2001:17).

Refletindo sobre os problemas de gestão da água de irrigação no Vale, compartilhamos

da visão de Long (2001) quando aponta para a preferência no uso da sua proposta de interface

centrada no ator:

Minha própria predileção se baseia em um tipo de análise do ator que explica como os sentidos, os propósitos, e poderes, associados com modos diferentes da agência humana, se entrecruzam para moldar os resultados das formas sociais emergentes (Long, 2001:4).

É nesse sentido que me aproprio de alguns elementos da proposta para explicar as

formas emergentes na gestão de água em Quíbor, bem como os possíveis resultados da

incorporação da Represa de Yacambú, no cotidiano das pessoas que têm convivido com a

estiagem desde tempos imemoriais.

Segundo Long,

A tarefa mais importante da análise é, então, identificar e caracterizar as variadas práticas de atores, as estratégias e racionalidades, as condições em que elas emergem, como se entrelaçam, sua viabilidade ou efetividade para solucionar problemas específicos e suas amplas ramificações sociais (Long, 2001:20).

26 Desde fora, por agentes externos (técnico, funcionários, etc.)

65

A proposta de Long (2001), que nós aderimos, supõe que a definição do problema

considere a visão dos atores sociais envolvidos, já que afirma que esses devem ser entendidos

como participantes ativos dos processos de criação da problemática, através de suas práticas

discursivas cotidianas. Mas como é que a preocupação pelas práticas discursivas se relaciona

com a análise de interface centrada no ator?

Long aponta:

Estou interessado em analisar as práticas discursivas sociais e heterogêneas criadas e interpretadas por atores sociais na construção e reconstrução de suas vidas e as dos outros (Long,2001:49).

O conceito de práticas discursivas tem desempenhado um papel fundamental neste

trabalho, pois é a partir dessa noção que se pode fazer uma distinção entre os discursos

cristalizados em documentos de domínio público, ou nas falas que se apóiam nos argumentos

contidos neles, e as práticas discursivas do cotidiano, usadas pelas pessoas para dar sentido

aos seus mundos.

Apóio-me em Spink, M.J. (1999), na sua proposta teórico-metodológica que considera

às práticas discursivas como linguagem em uso, ou em ação, e as define como “as maneiras a

partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas” (p. 45).

Nesse sentido, ao interagir com os interlocutores nos diálogos mantidos com eles,

participo nessa construção de sentidos, pois, é a partir da nossa conversa que as pessoas vão

se posicionando e posicionando a outros utilizando repertórios para argumentar tais situações;

ou seja, através da linguagem construída, vão se criando no cotidiano as relações sociais que

dão sentido aos mundos das pessoas. Por isso, compartilho com Spink, M.J. e Rose (1999) a

concepção de que a linguagem é uma prática social e deve ser analisada e compreendida como

tal.

Segundo Spink M.J. (2003b), baseando-se na proposta de Bakhtin (1994), as práticas

discursivas têm como elementos constitutivos: a dinâmica, ou seja, os enunciados orientados

por vozes; as formas, constituídas pelos gêneros de fala ou speech genres (temas e formas –

situações típicas de enunciação); e os conteúdos, que são os repertórios lingüísticos

(linguagens sociais ou repertórios prototípicos).

Para Bakhtin (1994), o enunciado é a unidade básica da comunicação.

Qualquer enunciado (oral ou escrito) implica a presença de interlocutores, presentes, passados e futuros, que se materializam nas noções de vozes e de endereçamento, e

66

que podemos compreender os textos escritos como práticas discursivas e acatar o princípio de que toda linguagem é dialógica (Spink, M.J. e Menegon, 2003:13).

Nesta proposta, se considera que todos os nossos discursos são produzidos por uma

voz ou vozes, portanto, os enunciados são falados ou escritos a partir de um ponto de vista.

Todo enunciado é sempre endereçado a alguém, presente ou ausente. O endereçamento, por

sua vez, refere-se à presença do outro, pois todo enunciado é resposta ao enunciado que o

precede, que implica a responsividade, a dialogicidade, e a interanimação dialógica. Enfim,

todo enunciado tem um autor e um destino, e é, definitivamente, endereçado. (Spink, M.J.,

2003b).

Como unidades de construção das práticas discursivas, os repertórios lingüísticos são

os termos, descrições, lugares comuns que proporcionam a construção dos múltiplos sentidos

possíveis (Spink, 2003a).

Por outro lado, sobre a análise das práticas discursivas, Spink, M.J. (2002) nos adverte

que:

O enunciado vai da pergunta de alguém até a finalização da fala de outra pessoa. É um elo na cadeia de comunicação. Daí a importância de não descontextualizar trechos das trocas discursivas em nossas análises, pois, ao tirarmos uma sentença do enunciado que lhe dá suporte, lhe roubamos o sentido (p.28).

Outra noção importante na perspectiva de Spink, M.J. (1999), que ela toma de Davies

e Harré (1990), é a de posicionamento, fenômeno da ordem da conversação, que parte da

premissa de que “ao falar e agir a partir de uma posição as pessoas trazem para a situação

particular sua história como seres subjetivos, ou seja, a história de alguém que esteve em

múltiplas posições e se engajou em diferentes formas de discurso” (Davies e Harré, 1990:5).

Os autores definem posicionamento como:

... o processo discursivo por meio do qual os selves são situados nas conversações como participantes observáveis e subjetivamente coerentes em linhas de história conjuntamente produzidas. Pode haver posicionamento interativo, onde o que uma pessoa diz posiciona a outra. E pode haver posicionamento reflexivo, no qual nos (auto) posicionamos (Davies e Harré, 1990:5).

Davies e Harré (1990) optam por uma noção de pessoa que se posiciona de formas

diferentes em uma conversação, que se alia “à experiência e demonstra aquele aspecto do self

que está envolvido na continuidade de uma multiplicidade de selves” (p.4). E acrescentam que

querem “defender a adoção de ‘posição’) como a expressão apropriada para referir-se à

67

produção discursiva de uma diversidade de selves – o panorama efêmero dos “eus” (me’s)27

invocados no curso das interações conversacionais” (p.5).

A partir das práticas discursivas, temos acesso a como as pessoas constroem suas

versões sobre a gestão da água, se posicionam e posicionam aos outros e dão sentido ao

cotidiano de seus mundos, já que como apontam Spink, M. J. e Medrado (1999):

O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta. (p. 41).

Apoiando-me no conceito de práticas discursivas, em um capítulo posterior, interpreto

e analiso as conversas e entrevistas dos atores no manejo da água no Vale de Quíbor e os

sentidos construídos à sua volta. Como disse Spink, M.J. (2003a) “quando buscamos entender

a dialogia nos processos cotidianos de produção de sentidos, trabalhamos com conversas do

cotidiano, de entrevistas, de grupos de discussão e depoimentos” (p.16).

Tendo em conta as interfaces dos atores, procuro as diferentes ligações entre as várias

versões sobre a água de irrigação e sua forma tradicional de gestão, assim como as

negociações, as possibilidades de acordos e os conflitos que surgem, buscando dar sentido a

esse complexo mundo cotidiano da água de irrigação durante a estiagem no Vale.

Baseado nessas noções utilizo, neste trabalho, variadas estratégias de aproximação ao

campo-tema que me permitem considerar o ponto de vista dos atores em Quíbor: observações

do cotidiano; coleta e análise de documentos de domínio público (Spink, 1999); conversas

informais gravadas, ou não; entrevistas gravadas e realizadas com pessoas selecionadas, sem

roteiros rígidos preestabelecidos, e deixando que surgissem as várias dimensões envolvidas na

problemática da escassez de água e os mecanismos de distribuição durante o período da

estiagem, questões que norteavam o trabalho. As estratégias foram executadas em três

momentos, misturando-se e aprofundando-se no decorrer da pesquisa entre, visitas, leituras de

documentos, observações e análise das conversas.

Como mencionado no prefacio, foi a partir de conversas com uma funcionária da

Gerencia de Desarrollo y Conservación da empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor

(SHYQ), que o problema da falta de água e as expectativas sobre o que aconteceria quando a

represa começasse a funcionar, introduzindo novas formas de gestão dá água, que tive uma

visão mais clara dos atores que poderiam participar da pesquisa. Surgiram questões acerca dos

27 A autora se refre aqui ao pronome me em inglés, em plural.

68

modos de organização dos agricultores − no discurso de funcionários do SHYQ, dizia-se que

as pessoas, e especialmente os agricultores do Vale, têm problemas para se organizar em

associações para “lutar” pelos seus direitos, ou para coordenar suas atividades, porém,

reconheciam que há formas organizativas tradicionais no manejo da água que consideram

elemento importante para o futuro Sistema de Irrigação que a empresa construirá. Isso não me

parecia lógico e sim contraditório, pois, como era então que essas pessoas tinham feito para

lidar com a estiagem e com a distribuição da água por tantos anos se não tivessem tido uma

organização efetiva nas suas relações cotidianas?.

No modo geral, no Vale de Quíbor não existe um sistema organizativo dos produtores que lhes permita abordar coletivamente a busca de soluções aos problemas que os afetam, assim como a coesão necessária para se relacionar vantajosamente com os outros setores da economia. O Sistema de produção tem se conformado sobre a base da individualidade-autonomia do sítio; cada produtor se propõe, e de fato consegue, em graus maiores ou menores, a alcançar suas aspirações econômicas e produtivas, sem recorrer a uma organização que o apóie (SHYQ, 1998:50).

Foram essas questões que me levaram a buscar informação sobre as formas de

obtenção, distribuição e controle da água para irrigação utilizadas no Vale. Os funcionários do

SHYQ apresentaram-me a alguns usuários das várias fontes de água no Vale, que me

contaram sobre as diversas formas de distribuir as águas e a forma tradicional de gestão, e

comecei a estabelecer um diálogo com eles sobre diferentes aspectos do cotidiano do trabalho

na agricultura e da falta de água durante a estiagem.

Estabelecendo os primeiros contatos.

Numa primeira aproximação com no Vale, entre os meses de setembro e outubro de

2002, identifiquei algumas instituições que lidam diretamente com a água para irrigação, elas

são:

- Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales (MARN), que tem como

função, entre outras, coordenar as atividades do executivo nacional para o fomento,

conservação, defesa, restauração e melhoramento do ambiente mediante o uso

coordenado dos recursos naturais, água, solos, ar, clima, atmosfera, espécies vivas, sua

proteção e a geração, coleta e sistematização da informação requerida (MARN, 2003).

- Ministerio de Agricultura y Tierras (MAT), que tem como missão formular,

coordenar e executar, dar continuidade e avaliar as políticas dirigidas a promover a

69

segurança alimentar, impulsionar o desenvolvimento dos circuitos agroprodutivos e

sistemas agroalimentares, impulsionar o desenvolvimento das zonas rurais do país,

assim como buscar a justa distribuição da terra e seu uso adequado, mediante a

instrumentação de um âmbito institucional – jurídico – operativo, atualizado e

coerente com as prioridades do Executivo, para o desenvolvimento do aparelho

produtivo nacional, no âmbito de um processo participativo entre os diferentes atores

públicos e privados, que permitam gerar maiores e melhores oportunidades de

desenvolvimento humano, socioeconômico e de utilização dos recursos existentes

(MAT, 2004a).

- Inder, Instituto de Desenvolvimento Rural, que tem como missão “contribuir para o

Desenvolvimento Rural Integral, estabelecido no art. 305 da Constituição da

República Bolivariana de Venezuela, com funções específicas em matéria de infra-

estrutura, capacitação e extensão, agindo conforme o princípio constitucional da

segurança alimentar, a construção de obras, a capacitação técnica e a elevação da

qualidade de vida da população do meio rural venezuelano” (MAT, 2004b).

- Hidrolara, empresa regional de capital público (50% do governo estadual e 50% das

prefeituras) que administra o serviço de distribuição de água potável e saneamento no

estado Lara.

- Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor (SHYQ), responsável pela construção da

represa Yacambú-Quíbor e do sistema de irrigação a ser implantado na região.

- Gobernación del Estado Lara, máxima autoridade política regional.

- Alcaldía del Municipio Florencio Jiménez (Prefeitura do Município).

- Aprosela, associação de produtores do Vale de Quíbor.

- Fundacebolla, associação dos grandes produtores de cebola do Vale.

- Aproagro, V.Q., associação de produtores agrícolas do Vale de Quíbor, composta,

em sua maioria, por pequenos e médios produtores.

A maioria dessas organizações faz parte, também, de uma comissão chamada

Comissão Técnica de Solos e Água do Vale do Quíbor (Cotesaguas V.Q.), representando o

governo e os produtores do Vale, e analisando temas diversos da produção agrícola e pecuária

da região. Por meio dessa comissão, por exemplo, se tramitam as licenças de abertura de

novos poços para a extração de água subterrânea.

70

Além das instituições e organizações mencionadas, entrei em contato com outras

organizações existentes no Vale, também de interesse para meu estudo. Após ter uma primeira

visão sobre a distribuição da água na época da chuva e da estiagem, selecionei esses atores, os

quais mostraram-se muito envolvidos com a problemática e ligados aos grupos que têm

construído parte das estratégias observadas, de coleta e distribuição de água para irrigação,

podendo contribuir para a ampliação de minha compreensão do cotidiano da gestão da água

em cada situação.

As entrevistas foram realizadas como conversas não estruturadas, quase sempre na

casa da pessoa ou no seu lugar de trabalho, e a temática foi dirigida para a gestão da água em

cada fonte de água utilizada; geralmente, estive acompanhado de algum dos funcionários da

empresa SHYQ, que me serviu de guia na região, pois, depois de escolher as pessoas, foi

através desses funcionários que pude chegar aos lugares de encontro e fazer contato com elas.

O objetivo era que as pessoas conversassem sobre a história e a atualidade da forma

tradicional de gestão de água que elas têm desenvolvido e, a partir daí, identificar algumas

questões relevantes para a pesquisa. As conversas foram gravadas com a prévia autorização

dos interlocutores.

Todos as organizações e empresas que aparecem no trabalho mantêm seus nomes

reais, os nomes das pessoas, tanto no meu texto como nas falas de outras pessoas, são

fictícios. As pessoas com as quais conversamos fazem parte das seguintes associações ou

empresas (ver tabela 1 no final deste capítulo).

Situando aos atores

a) a associação Aproagro, V.Q., integrada por 30 produtores que, juntamente com

outros usuários, utilizam como fonte a água da Quebrada Atarigua, um riacho cujas águas

fluem de forma quase permanente a partir das montanhas de Sanare, e seguem em direção ao

Vale, e que são desviadas do percurso por meio de bucos (canais maiores) e acequias (canais

menores), feitos de forma natural ou construídos pelos agricultores. Na época de chuvas esse

riacho fornece água de irrigação para mais ou menos 3 mil usuários em todo o Vale, mas, na

área em questão, só ficam os 30 pequenos produtores já mencionados, além de alguns outros

agricultores não associados. A distribuição e a administração da água dependem da

71

abundância ou escassez do recurso. As pessoas entrevistadas foram: o juiz28 de água do riacho

Atarigua e um membro fundador de Aproagro, V.Q.

Sanare é a capital do município Andrés Eloy Blanco, e é nas suas montanhas que está

o manancial do riacho. Antigamente pertencia ao município Florencio Jiménez, cuja capital é

Quíbor, mas, uma vez separada e convertida em capital do município Andrés Eloy Blanco,

passou a gerar novas formas de relacionamento entre os agricultores de ambas as populações

a respeito dessa água. Isso significou o estabelecimento de turnos de água para cada povo na

época da estiagem (ver apêndice 1). Assim, de janeiro a abril, os 20 agricultores de Sanare,

registrados pelo Ministério do Ambiente como usuários do riacho, compartilham a água com

os agricultores de Quíbor em turnos de 12 horas diários, de dia ou de noite e três vezes por

semana. Como exemplo, temos que no mês de janeiro, entre segunda e quarta, os agricultores

de Sanare recebem a água, em grupos de quatro, por 12 horas contínuas, e quinta, sexta e

sábado, a água é disponibilizada para os agricultores de Quíbor. Aos domingos não se

distribui a água, e só a utiliza quem quer. Esses turnos são determinados pelos próprios

agricultores no mês de dezembro de comum acordo, e o chefe do Ministério é o responsável

pela realização do quadro de turnos e de sua distribuição entre todos os agricultores

Pode-se dizer que Isidro (IS), o atual juiz do riacho, quase herdou essa função do seu

pai, que se chamava Periples. Ele foi muito famoso e respeitado por ter organizado a

distribuição da água e ter controlado a maioria das brigas causadas pelos roubos de água entre

os produtores vizinhos. Após mais de 25 anos como juiz, aposentou-se e deixou a atividade

para o filho, que ocupa o cargo atualmente. Sua eleição teve um importante apoio, baseado na

conduta correta do pai por tantos anos. A figura do juiz está estabelecida nas leis municipais

do Vale, conhecidas pelo menos desde meados do século XIX.

Apresentou-se como uma pessoa justa e compreensiva nos casos em que teve de

decidir a quem distribuir a água, principalmente quando se tratou de risco de perda da

colheita. Ele afirma fazer o possível para levar a água aos que mais precisam, mesmo tendo de

descumprir os turnos. Percorre o riacho várias vezes durante o dia procurando desvios ilegais

e dialogando com os produtores de Sanare para tentar evitar os conflitos. Conversamos duas

vezes: a primeira, num terreno que ele havia alugado para cultivar, e a outra, durante um

percurso que fizemos juntos por 7 km, ao longo do riacho Atarigua. O riacho é a fonte de

28 O chamado juiz de água, é quem faz realmente a distribuição da água durante a seca, de acordo com turnos estabelecidos.

72

água mais importante da região, devido à quantidade de água que corre pelo leito e ao número

de agricultores que se beneficiam dele.

Uma outra pessoa indicada pelo pessoal do SHYQ, como conhecedor da gestão de

água do riacho, foi o Andrés (AR), com quem me encontrei à beira de uma estrada, onde ele

estava descascando feijão-preto com mais dois empregados. Definiu-se como agricultor,

beneficiário das águas do riacho, e comentou que trabalhava na agricultura desde os 13 anos.

Foi fundador, como líder, de uma associação que se denomina Aproagro V.Q., criada, em fins

de 1980, para organizar a distribuição da água do riacho, motivado por uma série de conflitos

ocorridos entre os produtores do Vale e os de Sanare.

Segundo Andrés, o processo de formação da associação Aproagro V.Q. foi produto do

interesse de mais de 80 produtores em solucionar as pendências acerca da distribuição da água

entre os agricultores do Vale e os de Sanare,. Para isso, reuniu-se com pessoas do Ministério

do Ambiente e da Guarda Nacional, com as quais foi estabelecido um acordo pela distribuição

da água por sistema de turnos.

b) A Associação de Usuários do Portal de Saída29 da Água do Túnel Yacambú-Quíbor,

constituída em 1995 por um grupo de 34 produtores, utiliza como fonte a água do portal de

saída do túnel que está sendo construído pelo SHYQ e que permitirá, quando concluído,

transvasar a água da represa Yacambú para o Vale de Quíbor. A água não tem sempre o

mesmo caudal e às vezes não flui. Os usuários ganharam o direito de uso desta água por uma

Regulamentação Municipal, ela é distribuída por um juiz ou distribuidor, pago pelos usuários,

e utilizada para irrigação desde o ano 1982. Foram entrevistados o distribuidor da água do

túnel e um membro fundador da associação de usuários.

Diego (DI) é, há sete anos, distribuidor da água do túnel. Foi eleito pela comunidade

de Hato Abajo para exercer as funções de juiz da água que flui quase todos os dias e que é

usada pelos pequenos agricultores para encher lagoas artificiais, dar de beber aos animais ou

irrigar diretamente. Conversamos na sua casa e posteriormente numa reunião social e em

intercâmbios esportivos, organizados pelas comunidades e associações de produtores do Vale

e pela empresa SHYQ.

Seu trabalho é distribuir a água, começando de cima para baixo, na ordem que estão

localizadas as áreas de cultivos. Disse que há 32 usuários com direito a receber 24 horas de

água, que é quando acaba a distribuição para o último usuário, e recomeça o processo. Porém,

29 O túnel interconecta a represa com o Vale atravessando uma montanha, e existe uma água que flui até a zona de cultivos. Esta água é utilizada e distribuída por um repartidor.

73

ele esclareceu que há períodos em que não flui água do túnel e se perde a seqüência,

dificultando a distribuição.

Um dos membros fundadores da associação de usuários da água da represa Dos

Cerritos, e da água do túnel, é o Tiago (TE), produtor aposentado da atividade agrícola. Foi

presidente da junta que administra a água do túnel de transvase da represa Yacambú-Quíbor.

Administrou, também, a água fornecida pela antiga empresa Inos (Instituto Nacional de Obras

Sanitárias), hoje Hidrolara, na represa Dos Cerritos, através de um contrato de concessão.

Quando a cidade de Barquisimeto requereu mais água, o contrato foi cancelado. Tiago relata

que esse contrato foi assinado devido à aprovação um decreto do Presidente Raúl Leoni, em

meados dos anos 1960, que autorizou o uso da água excedente para os agricultores do Vale de

Quíbor. Um administrador encarregava-se da cobrança e tinha uma pessoa para organizar a

distribuição. Conversamos em sua casa, onde passa a maior parte do tempo.

As diversas fontes de água são usadas, às vezes, por várias comunidades de

agricultores, dependendo da quantidade de água necessária para irrigar suas terras. Neste caso,

Tiago menciona que antigamente eles utilizavam a água do riacho Atarigua e da represa Dos

Cerritos, e hoje utilizam a que vem do túnel. Pela sua idade avançada, ele já não trabalha na

mata, mas seus filhos e netos utilizam a água do túnel para irrigar suas culturas.

c) A associação de agricultores que antigamente era conhecida como Aproquíbor só

está hoje representada pelos habitantes de um povoado chamado Los Ortices. São, ao todo, 12

usuários da água que sobra quando são limpos os filtros da ampliação da Estação de

Tratamento Ciudad de Barquisimeto, da empresa Hidrolara. A limpeza desses filtros é feita

com regularidade, após a sedimentação da água da Represa Dos Cerritos 30. Isso significa que

há um distribuidor que reparte a água toda vez que os filtros são lavados. Ele utiliza um

regulamento baseado na lei do riacho Atarigua.

Alcides (AM), o distribuidor desta água, mora em Los Ortices, um povoado onde a

maioria das pessoas tem o sobrenome Ortiz. Conversamos na sua casa onde também tem uma

loja de comestíveis, refrigerantes e balas. Ele foi membro da cooperativa Aproquíbor, já que é

um dos pequenos produtores da região usuário da água. Foi eleito há mais de 15 anos pela

comunidade de irrigadores para a função de distribuidor. Define-se como um homem severo,

mas justo, pois dá água a todos por igual, e afirma que suas funções passam por vistoriar a

quantidade de água disponível e distribuí-la a todos os agricultores, dando prioridade a quem

30 A represa Dos Cerritos, localizada em El Tocuyo, supre de água para consumo humano as cidades de Barquisimeto, El Tocuyo, Quíbor e outras populações menores.

74

mais precisa. Conta que antigamente recebiam a água encanada, mas, pela falta de pagamento

à empresa estatal Inos, hoje só se beneficiam da água que sobra quando limpam os filtros,

água que ele chama de desperdícios.

d) As associações conformadas pelas Empresas Camponesas Yacambú, Cerro Pelón e

La Vigía, das quais fazem parte três grupos de pequenos produtores organizados, utilizam a

água da represa Dos Cerritos. Trata-se de água tratada que vai, principalmente, para a cidade

de Barquisimeto, e os produtores, por meio de canais de cimento, repartem entre si certa

quantidade de água de uso agrícola. Organizaram-se a partir de um decreto presidencial de

Carlos Andrés Pérez, durante seu primeiro mandato, entre 1974 e 1978. As promessas

materializadas no decreto foram de terra, água e créditos para produzir. Hoje, eles têm

pouquíssima água, não têm créditos e só resta a terra.

Elian é um dos membros fundadores de uma das empresas camponesas do Vale, a

Empresa Campesina La Vigía. Conversamos no seu plantio, onde também está a sua casa,

perto de um povoado chamado San José de Quíbor, que dá seu nome a esse sistema de

irrigação.

Hoje em dia, segundo Elian, cada um trabalha por sua conta, mas distribuem a pouca

água que recebem, seja através do encanamento da represa Dos Cerritos, seja após seu

armazenamento em lagoas artificiais, seja da extração em poços artesianos. Comenta que pela

falta de pagamento, a empresa Inos fechava os canais de água para que não pudessem usá-la,

mas que os agricultores quebravam os cadeados colocados pela empresa, na torneira de

distribuição, e faziam o sistema funcionar novamente. Isso acontecia quase diariamente, até

chegarem a um acordo de pagamento. As três empresas têm turnos semanais de irrigação da

mesma água.

e) A Aciprosemcla ou Asociação Civil de Produtores de Sementes de Campo Lindo e

Campo Alegre – também chamados de Semilleristas31–, que produz mudas de tomate,

pimentão, cebola e repolho para a venda, foi formada em 1992 com a finalidade de

administrar a água da represa que passa através de um encanamento na sua trajetória para a

cidade de Barquisimeto, e, dessa forma, garantir o melhor aproveitamento da mesma. Hoje

eles têm um contrato de uso com a empresa estatal Hidrolara, que administra o recurso,

pagando o serviço. Porém, a história está cheia de conflitos entre os produtores e a empresa

que administrava anteriormente o serviço, o Inos, o que em parte originou a formação da

associação.

31 Chama-se de “Semilleristas” àqueles produtores que se encarregam da produção de sementes para a venda.

75

Eliseo (ES) é o presidente de uma associação que se formou para negociar com a

empresa Hidrolara o uso da água da represa Dos Cerritos. Segundo ele aponta, o

encanamento teria sido violado pelos produtores, com a instalação de mangueiras ilegais, para

não pagarem pela água. Logo após uma série de enfrentamentos com a empresa, e a Guarda

Nacional, conseguiram um acordo para usar e pagar pelo recurso. Conversamos sobre sua

história e a da associação num lugar onde se fazem experimentos com irrigação por aspersão

em estufas.

f) Existem dois grandes produtores, proprietários das terras onde há lagoas de

oxidação utilizadas para irrigação. Cada um deles tem duas lagoas para tratar todo o esgoto da

cidade de Quíbor. Após um processo de tratamento, a água é utilizada para irrigar diversos

cultivos. Outros médios e pequenos produtores usam eventualmente essa água para irrigar,

quando sobra. Entrevistamos um usuário ocasional da água das lagoas de oxidação, um

produtor tipo médio, que repartia essa água com outros dois.

Luís (LM) é um médio produtor do Vale, natural de Valência, Espanha, de 74 anos,

que usa como fonte alternativa a água de esgoto das lagoas de oxidação, localizadas nos

terrenos de um vizinho, e que foram construídas pelo Inos. Na visita que fiz à sua fazenda,

mostrou duas grandes lagoas que armazenam tanto água de chuva como água dos riachos e

das lagoas de estabilização do vizinho, quando resta.

De volta ao Vale

Numa segunda visita ao Vale, durante os meses de dezembro 2002 e janeiro de 2003,

entrevistei outras pessoas da região; um produtor e membros de instituições que têm relações

com os agricultorese que, pelos seus vínculos com a problemática da água, iriam me fornecer

informações adicionais. Foram realizadas quatro entrevistas com: 1) um médio produtor de

Sanare, usuário da água do riacho Atarigua, 2) uma funcionária do Ministério do Ambiente,

que toma conta dos problemas ambientais em nível estadual, 3) um vereador da Prefeitura do

Município Florencio Jiménez (cuja capital é Quíbor), que é o Presidente da Comissão de

Agricultura e 4) um funcionário da Empresa SHYQ, especialista em sistemas de irrigação.

Sergio (SI) é oriundo das Ilhas Canárias e mora e trabalha como agricultor nas

montanhas que circundam o riacho Atarigua. Ele faz parte de uma das famílias de produtores

mais importantes da região. Meu encontro com ele foi produto da viagem que fiz com o juiz

do riacho, quando de passagem por suas terras. Logo depois, tornamos a encontrá-lo na

estrada, quando ele ia para a cidade de Sanare, num trator, e eu voltava para a cidade de

76

Quíbor. Conversamos sobre o uso da água do riacho Atarigua para a irrigação, em Sanare, e

da relação entre os produtores de cima e os de baixo, além de sua preocupação com a situação

política e econômica da Venezuela32, e sobre sua decisão de não cultivar durante esse ano,

devido às más condições gerais na agricultura, sobretudo, pelos altos custos da produção.

Amanda (AE) trabalha num escritório do Ministério que é responsável por outorgar as

permissões para a exploração dos recursos do solo e da água no estado Lara, que inclui o

município Florencio Jiménez, entre outros. Segundo ela, seu trabalho depende da

coordenação do Sistema Nacional do Planejamento e Ordenamento do Território (POA), em

Caracas. Afirma também que o Ministério tem abandonado o planejamento dos recursos

hídricos desde os anos 1980. A entrevista foi realizada no seu escritório, na cidade de

Barquisimeto.

Fernando (FR) é o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara de Vereadores

da Prefeitura do Município Florencio Jiménez. Na comissão que preside, são tratados os

problemas vinculados às áreas agropecuárias, paroquiais e vicinais. Atende às denuncias sobre

problemas por roubo de água, falta de cumprimento do sistema de turnos, perda de culturas

por falta de água, além de controlar o trabalho do juiz do riacho Atarigua e dos distribuidores

das demais fontes de água do Vale. Fernando apresentou-se como um ex-agricultor que

entende esses problemas e fiel cumpridor das normas e leis sobre uso da água na região.

Conversamos na Câmara Municipal, em Quíbor.

Na condição de funcionário da empresa SHYQ, conversei com José (JE). Engenheiro

agrônomo trabalha na empresa desde 1990, como especialista em sistemas de irrigação. Sua

função é fazer levantamento de informação básica sobre o uso da terra, os tipos de solo, a

informação agrológica, os tipos de cultivo, as magnitudes de uso da água por cultivo, e o que

ele chama de “negócio pecuário”. Também é responsável, juntamente com uma equipe, pela

montagem do sistema de irrigação do Vale, para o qual se prevê que sejam organizadas

associações de usuários para a gestão da água, que será distribuída assim que for concluída a

obra hidráulica da represa.

José diz que os agricultores de Quíbor aproveitam ao máximo o recurso para a

irrigação e reconhece os trabalhos bem-sucedidos dos imigrantes canários na região. Porém,

em muitos dos relatórios da empresa onde trabalha, e que são referidos neste trabalho, se

aponta a grande perda de água causada pela evaporação e pelo tipo de solo.

32 Nessa época, a Venezuela passava por uma das maiores greves de sua história. O governo havia estabelecido um forte controle de câmbio que impedia a compra livre de dólares e criava uma situação de incerteza para os produtores que precisavam importar grande parte dos insumos agrícolas.

77

Adicionalmente, conversei com dois funcionários da Guarda Nacional (GN)

(responsável, entre outras coisas, pela vigilância ambiental), no posto San José de Quíbor,

sobre suas funções na área ambiental, na região do Vale de Quíbor. A conversa girou em

torno das leis e dos deveres e direitos dos cidadãos e da necessidade de fazer cumprir as leis,

promovendo campanhas de orientação e punindo quando necessário. Não foi fácil manter

diálogo com os guardas, suas respostas estavam limitadas ao espaço legal e não foi possível

que comentassem sobre o seu trabalho cotidiano além de respostas como: “a gente faz

cumprir a Lei”, “fazemos o relatório e, conforme o caso, encaminhamos a pessoa para onde

for necessário, pagar uma multa o ir para cadeia”, “nos encarregamos de cuidar para que não

se cometam irregularidades”, e daí por diante.

Numa terceira visita, em janeiro de 2004, conversei de novo com três dos

interlocutores: Elian, Alcides e Diego. As conversas tiveram a intenção de conhecer com mais

detalhe suas noções sobre o que era água e de quem é propriedade a água que utilizam. Todas

as entrevistas, com exceção da conversa com os guardas, foram gravadas com o

consentimento das pessoas e posteriormente transcritas, e fazem parte da análise.

Sobre a análise

Olhando os múltiplos documentos, as entrevistas e observações, podemos retomar a

nossa discussão anterior sobre o campo-tema e ver como se insertam as noções de matriz e de

interface neste estudo. O primeiro passo para comprender os sentidos sobre a água que

circulavam no Vale foi a construção de um quadro sobre os sentidos atribuídos à água em

Quíbor (ver apêndice 2), utilizando para isso, as entrevistas de com os atores e os documentos

de domínio público disponíveis, sobre o tema. Partindo da idéia de que as pessoas quando

falam fazem-o dentro de uma matriz de múltiplas materialidades e sociabilidades (Hacking,

1999), no quadro, tento visualizar como as falas dos diferentes atores se entrecruzam ou não,

em volta das definições sobre a água, as formas de gestão, os direitos e os regulamentos e

sobre os conflitos.

O quadro em questão, me permitiu observar como os juizes, os agricultores, os

funcionários e os docuimentos de domínio público considerados, podem estar falando de

coisas similares ou não, com relação aos temas focalizados no complexo mundo das relações

com a água. Aparece ai também, algumas das interfaces que se realizam no Vale, na hora de

administrar/distribuir a água (Long, 2001). Esse quadro, é analisado com maior detalhamento

no Capítulo VI deste trabalho.

78

Num segundo momento, e tendo como guia os 65 sentidos selecionados do quadro

anteriormente comentado, analiso as conversas dos atores utilizando, como um segundo

recurso metodológico, sua divisão em três categorias que emergem da primeira análise

realizada e que considerou os objetivos da pesquisa: como é considerada a água, quem tem

direito a ela, e como se faz a gestão na distribuição.

As três categorias que emergiram são: Bem Comum (entendido como propriedade

coletiva), Direito (fixado tanto nas leis como nas tradições) e Gerenciamento (formas de

gestão propriamente ditas). Elas surgiram das falas dos agricultores ao narrar como eles se

relacionavam com a água de acordo à fonte da qual são usuários, assim como também, dos

depoimentos de funcionários de empresas ou instituições que têm a ver com as políticas locais

de gerenciamento dessas águas. Isto, permitiu focalizar alguns elementos específicos do meu

campo-tema de estudo, a gestão tradicional de água no Vale de Quíbor.

Tendo em conta ditas categorias, construí então, o Mapa das Categorias de Análise

(ver apêndice 3). Nele, as entrevistas e os documentos são distribuídos em concordancia à

categoria à qual fazem referencia. Assim, os diferentes atores, as leis e regulamentos, os

documentos das empresas e os relatórios de conferencias sobre a água, são visualizados na

busca de entender e comparar, como eles se expressam com relação à noção do que é a água,

a quem pertence e quais os direitos sobre ela e como se concebe ou se pratica o gerenciamento

das águas.

Posteriormente selecionei os temas que aparecem relacionados com o Gerenciamento

(ver tabela 2, Temas do Gerenciamento, no Capítulo IV). Para tanto selecionei os temas

segundo algumas das estratégias de gestão, que no caso dos juízes e agricultores são utilizadas

por eles e, no que diz respeito aos funcionários, são o dever ser da gestão. Posteriormente, e

devido ao que o tema dos conflitos na distribuição da água, apareceu em todos os atores do

Vale, construí uma Tabela para dar visibilidade a quem era referido por cada ator, quando se

falava do tema. Denominei a tabela em questão como Os conflitos pelo uso da água (ver

tabela 3), e forma parte da análise realisada no Capítulo V, sobre os problemas com a gestão

de água nas diferentes fontes estudadas.

Finalmente, escolhi os temas que me pareceram relevantes nas falas sobre a primeira

categoria, Bem Comum, e construí uma tabela denominada Como se definem a água e seu

uso (ver tabela 4, no Capítulo VI). Esses temas são analisados, também, no Capítulo VI, e

conforman parte dos sentidos atribuídos à propriedade da água na sua estreita ligação com as

outras categorias, o Direito e Gerenciamento, que são analisadas no Capítulo seguinte.

79

Tabela 1

Os atores

ATORES ASSOCIAÇÃO FONTE DE ÁGUA USUÁRIOS Isidro (juiz) e Andrés (produtor)

Aproagro V. Q. Riacho Atarigua De 30 a 3 mil

Sergio (produtor) Agricultores de Sanare

Riacho Atarigua 50 produtores

Diego(juiz/distribuidor) e Tiago (produtor)

Portal de Saída Água do túnel 34 produtores

Alcides (juiz/distribuidor)

Aproquíbor/Los Ortices

Estação de tratamento

12 produtores ou mais, se sobra água

Elian (produtor) Empresa Camponesa La Vigía

Represa Dos Cerritos

20 sócios produtores

Eliseo (presidente da associação)

Aciprosemcla Represa Dos Cerritos

19 semilleristas

Luís (médio produtor) Usuários de Águas Residuais

Águas do esgoto da cidade de Quíbor

4 médios e grandes produtores

Amanda (funcionária) Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais (MARN)

Organismo responsável pela regulamentação do uso das águas

José (funcionário) Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor (SHYQ)

Empresa responsável pela construção da represa e do sistema de irrigação

Fernando (vereador) Prefeitura do MunicípioFlorencio Jiménez

Governo municipal

2 Guardas do Posto de Cerro Pelón

Guarda Nacional (GN)

Instituição responsável pela vigilância e controle do meio ambiente

80

Capítulo IV

A água no cotidiano do Vale de Quíbor:

os múltiplos sentidos

81

Sobre os direitos e o gerenciamento

Os agricultores do Vale se organizam em torno de uma ou mais fontes de águas para

irrigação, tanto na época da chuva33 quanto na de estiagem. Para isso, eles têm leis,

normativas e regulamentos que guiam as formas de distribuir a água. No entanto, a prática

cotidiana apresenta variações que podem ser mais bem conhecidas por meio das ações

relatadas pelos próprios agricultores, ao se referir às maneiras utilizadas para esse fim.

As práticas discursivas das pessoas sobre a gestão exprimem as formas de

organização presentes no cotidiano, e que estão além das formas organizativas prescritas nas

leis e regulamentações. Isso pode ser compreendido partindo da forma como Spink (2001)

entende a relação entre a organização, definida por ele como forma, e a ação; “compreender a

forma como ação significa se movimentar para uma noção mais densa do dia-a-dia como o

lugar da coletividade, é compreender a forma como um processo contínuo de transformação

ou estruturação” (p. 16). O que quero dizer é que nas práticas discursivas dos atores de Quíbor

se constituem os sentidos sobre as formas de organização no cotidiano da gestão da água.

Essa é uma proposta desenvolvida no Noas da PUC/SP.

Outra das estratégias de análise que utilizei, a partir da construção do primeiro quadro

de noções sobre a água e das discussões teóricas, foi o desenho de um MAPA DAS

CATEGORIAS DE ANÁLISE (ver apêndice 3), usando as três categorias selecionadas, a

partir da realização e transcrição das entrevistas e conversas, e a leitura dos documentos e

textos acadêmicos. As categorias são: a água como bem comum, o Direito à água e o

Gerenciamento. Nesse mapa aparecem diversos atores que falam da água, tanto em âmbito

mundial como nacional e local. Entre eles, aparecem todas as pessoas entrevistadas, as

diversas leis de água da Venezuela, documentos de domínio público das conferências sobre

meio ambiente e água e de algumas instituições que trabalham com a água no país.

Num primeiro momento, o que pude constatar é que o tema do gerenciamento ocupa

uma grande parte das entrevistas, enquanto nas leis aparece o problema dos direitos e da

qualificação da água como de domínio público, e nas conferências internacionais, o problema

da água como um bem econômico. Isso me levou à construção de uma tabela sobre Temas de

Gerenciamento (ver tabela 2), mais focalizada nas formas de gerenciamento da água de

irrigação no Vale, para tentar visualizar melhor esta temática.

33 Na Venezuela, a época de chuvas é chamada de inverno, e a de estiagem, de verão.

82

Juízes Agricultores Func.

ATORESTEMAS

AM

D I

I S

AR

E L

E S

S I

T E

A E

J E

Distribuição: Que, a quem e por que • Todos X X X • Quem paga X • para salvar o plantio e/ou animais X X • direitos consuetudinários X X • eqüitativamente X • quem pede X • por decreto-lei X • segundo as necessidades individuais X X • água que sobra (filtros) X X • outras fontes de água X X X X X X X X • o esperto X • água de domínio público X X • água bem comum X

Formas de gestão • depende da quantidade de água X X X • por meio de lagoas (individuais ou

coletivas) X X X X X

• por turnos (acima, embaixo, Quíbor, Sanare)

X X X X X X X X

• com bombas elétricas X X X X • Ministério do Ambiente fixa os turnos X • o juiz decide os turnos X X X • com empregados por ‘tapas’ e zonas X X • no período da seca = período da chuva X X X X • os distribuidores regulam a água X X X X X • por meio de pagamento (juiz, prefeitura,

distribuidor, Hidrolara) X X X X X X

• roubando a água X X X • poços artesianos X • através de canais construídos/tubulações X X • através de canais naturais X • Represa Yacambú X X X X • através de comportas X

Formas de organização • faz-se o que eu digo X • por eleição popular X X • as associações e/ou juntas de usuários X X X X X X X

Formas de controle • por meio do diálogo X X X • reuniões (para evitar desordem) X • o juiz como autoridade X • a lei municipal X X X X • por meio da Guarda Nacional X X X X X X • por meio do Ministério do Ambiente X X • cortes de água X X • inspecionando X

• a Prefeitura X

Tabela 2. Temas de Gerenciamento

83

Nessa tabela, apresento os diversos temas sobre o gerenciamento nas falas dos

interlocutores entrevistados, o que me ajudou a focalizar as temáticas a serem analisadas com

maior detalhamento.

Os atores foram separados em três grupos: os juízes, os agricultores e os funcionários,

buscando-se entender os elementos comuns e diferentes entre eles; e os temas foram

agrupados em categorias: 1) Distribuição: que, a quem e por que, 2) Formas de gestão,

3) Formas de organização e 4) Formas de controle. A idéia é conhecer quais temas são

falados e quais deles são compartilhados pelos diversos interlocutores e em que forma.

Os juízes falam da distribuição como direito, tanto sustentado pelas leis como pelo

direito consuetudinário. A água deve ser distribuída para todos os usuários, um deles, porém,

critica e se desgosta com aqueles que não pagam o serviço e toma medidas vingativas. Um

critério importante para a distribuição da água é a necessidade de salvar animais ou culturas,

ou que significa modificar as normas pela urgência, avaliação a qual os agricultores confiam

ao juiz; em casos complexos, os agricultores podem pedir a intervenção das autoridades

municipais. Outro elemento importante é que há períodos em que se dispõem de várias fontes

de água ao mesmo tempo, sobretudo em época de chuvas, o que requer muita atenção do

distribuidor para fazer seu trabalho de forma eqüitativa ou às vezes, deixar que os mesmos

produtores distribuam a água, pois não é necessária a presença do juiz. Os funcionários só

fazem menção à característica da água como bem púbico e bem comum, pois eles não

conhecem o cotidiano de juízes e agricultores a respeito.

Nos discursos dos atores aparecem diversas noções: a água deve ser repartida seguindo

os turnos estabelecidos, dependendo da quantidade de água (época de estiagem ou de chuva) e

começando, geralmente, de cima para baixo. A construção de lagoas aparece como uma

maneira de obter água por mais tempo e poder irrigar melhor. O pagamento aparece como

algo necessário. Reconhece-se a importância dos juízes na distribuição da água e o problema

que existe a respeito dos roubos de água. A represa Yacambú aparece nos discursos como uma

forma de melhorar a situação de escassez. Um dos funcionários da empresa SHYQ, Jose,

compartilha a idéia com os agricultores e juízes sobre a gestão por turnos estabelecidos e,

juntamente com Amanda, falam da represa Yacambú como elemento importante para a nova

gestão que terão de estabelecer com os usuários do Vale.

No que chamo de formas de organização, as associações e as juntas de usuários são as

formas que aparecem como tradição para se relacionar em torno da distribuição da água. Esta

idéia é compartilhada pela maioria das pessoas entrevistadas, o que mostra que as

84

experiências tradicionais são bem conceituadas por todos. Um juiz fala da sua autoridade

como elemento de poder para o manejo, mas aparece como um caso isolado, pois, os outros

pensam que o diálogo e o consenso são o melhor caminho para se trabalhar. Dois juízes

reconhecem a importância da eleição popular para exercer esse cargo, pois isso lhes dá apoio

diante das difíceis decisões que às vezes têm que tomar.

Como forma de controle, a maioria reconhece o papel da Guarda Nacional para

resolver os problemas mais complicados com a água. Os juízes se apóiam na lei municipal e,

principalmente, no diálogo, como forma principal de persuasão.

A seguir apresento com maior detalhe as conversas das pessoas sobre as diversas

fontes de água. Retomo para isso duas das categorias a partir das quais organizei tais diálogos:

Direito e Gerenciamento. As fontes a serem discutidas são: o riacho Atarigua, o Portal de

Saída do Túnel, a represa Dos Cerritos, as águas residuárias e os poços profundos. Cada fonte

é analisada separada das outras por motivos metodológicos, porém, muitas delas são

utilizadas ao mesmo tempo pelos agricultores, dependendo da sua localização e da quantidade

de água disponível, por isso, um usuário do riacho, pode, eventualmente, usar a água dos

filtros, do túnel, ou ter acesso a um poço. Neste caso, privilegio na análise, a fonte principal

usada pelo agricultor na época de estiagem.

O riacho Atarigua: as terras que ele percorre e as pessoas que podem usá-lo

Na parte superior do riacho Atarigua ou Acarigua como também é conhecido, origina-se

uma corredeira importante (quase permanente) durante o ano todo, utilizada, junto com as águas

que afluem de outros riachos da região, para irrigação, tanto na zona alta (arredores de Sanare)

como na zona baixa (Vale de Quíbor), mediante irrigação direta ou pela armazenagem de água

em lagoas de diferentes tamanhos (SHYQ, 1995).

Quando as águas não são permanentes, como no caso de riacho Atarigua, existe a tradição de irrigar primeiro quem está mais perto das nascentes, e na seqüência, coforme a organização dos usuários água abaixo, isso se conhece no lugar como “ordem de tapas34” (Esteves,1999:28).

34 A “tapa” é uma medida usada na região para saber a quantidade de água que flui por um determinado canal.

85

Figura 3. Riacho Atarigua

A limitação do uso dessa importante fonte de aproveitamento reside no fato de que ela

não ocorre de forma permanente, já que a água dos leitos utilizada após as chuvas, se esgota

durante o período da seca. Devido aos custos e ao tipo de tecnologia requerida para a

armazenagem da água, as lagoas construídas pelos pequenos produtores não apresentam boas

condições técnicas e não contribuem para boa qualidade da água armazenada. No Vale de

Quíbor, as lagoas têm se tornado um investimento prórpio da atividade produtiva de grandes

fazendas, incrementando-se, nos últimos anos, a ocupação da área, com lagoas de grande porte,

passando de 450 hectares em 1972 para 1.933 hectares em 1990 (SHYQ, 1998).

Isidro é o juiz de água do riacho na região do Vale, e a pessoa encarregada pela

distribuição regulamentada da água de irrigação no riacho Atarigua, mas também toma decisões

no local seguindo a sua experiência de muitos anos, quando necessário. A presença da figura do

juiz no Vale está prevista nas leis municipais que ditam as normativas desde pelo menos 1850. O

juiz não julga nem penaliza, mas informa às autoridades competentes, à polícia, à guarda

nacional, à prefeitura, ao Ministério do Ambiente, etc., sobre as violações dessas normativas e

resolve os problemas cotidianos através do diálogo com os envolvidos nos desacordos. Sua

escolha é feita pelos próprios agricultores em eleições que se realizam a cada um ou dois anos,

ou dependendo da dinâmica do lugar; por exemplo, quando há uma estação muito chuvosa, ou o

trabalho do juiz é considerado muito bom, ou não há candidatos para o cargo, as eleições não são

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realizadas e o juiz atual se mantém no cargo. Ele é considerado uma pessoa muito importante

para falar sobre os direitos e o gerenciamento das águas do riacho, pela sua importância no

cotidiano da distribuição da água nesse lugar.

Isidro menciona os principais canais que levam a água do riacho e os direitos que

alguns dos agricultores têm sobre essa água. Ele faz questão de dizer que esses direitos são

legais, mostrando seu respeito pelas leis e pela tradição. Ele diz que os produtores do Vale

têm que brigar pelo que é, e sempre tem sido, deles: uma parte da água do riacho,

contrapondo-se à idéia sustentada pelos agricultores de Sanare de que como o riacho nasce

nos cumes de suas montanhas, no seu município, a água é deles.

Isidro. (…) ellos están arriba, se atienen a eso “nosotros estamos arriba y no podemos perder, el agua es de nosotros” (…) ellos son ya municipio y el agua ‘y que es de ellos’, dicen ellos, hasta ahí nosotros peleamos por lo que nos toca y siempre nos toca algo.

Esteves (1999) confirma a prioridade que teriam os agricultores localizados nas zonas

altas para desviar a água para suas terras:

Ao passar do tempo o riacho Atarigua diminui seu caudal como conseqüência das prolongadas secas, o desmatamento indiscriminado na sua bacia e o incremento considerável de irrigadores nas zonas altas de El Molino, Quebrada Seca e Cuara, que têm prioridade para derivar a água para os seus sítios por estarem mais pertos da ladeira da montanha, águas acima nas tomadas de água (p.63).

Logo, Isidro refere-se aos direitos que têm os produtores de Sanare sobre as águas do

riacho, os quais foram adquiridos pela tradição de usos e costumes e conhecidos no jargão do

direito como consuetudinários e, a partir do uso que os agricultores fazem de canais,

geralmente naturais35, legalmente estabelecidos, e que descem seguindo o fluxo da gravidade

da água. Ele também justifica o uso atual de bombas de motor para a coleta de água e seu

armazenamento em lagoas, para sua utilização em um grande número de áreas de cultivo, e

que tem aumentado nos últimos anos nessa região. O juiz faz uma descrição dos principais

canais por onde passa a água, e algumas das separações construídas, até chegar ao lugar

chamado de Quebrada Seca. Por fim, Isidro argumenta sobre os direitos dos agricultores do

Vale e menciona os canais principais de água na região.

35 A maior parte das águas do riacho flui por canais naturais, mas os agricultores também fazem canais artificiais para levar a água até seus plantios.

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Isidro. Sanare tiene dos derechos ahí que son: uno es de Hugo, creo que ese lo tiene Abilio, que ese se murió, que esos son bucos legales, bucos que están de gravedad, que esos no bombean con bomba de achique, bueno, ahorita sí porque están sembrando más pero tienen su derecho y el otro es Diogo, que ese lo tiene el otro Patricio que es Armando, de ahí viene Majá Vieja que es de Livio, después viene el Buco de La Caja, que llaman, que se llama el buco de El Totumo que es de Henrique, de ahí sigue El Hiscanero, a mano izquierda bajando, tiene sus ramales, eso tiene bastante tierras para regar, después viene El Rafaelero, que es uno que atraviesa Cuara, pero arriba, o sea de Quebrada Seca ahí se ve donde pasa él, eso riega por ahí legalmente, de ahí pasa son cuarenta tareas que riega nada más, ese es el derecho.

A distribuição das águas do riacho se realiza baseada nas leis nacionais e municipais,

as quais estabelecem turnos para a distribuição estabelecidos através de mútuos acordos entre

os agricultores de Sanare e de Quíbor. No início do período da estiagem, geralmente durante

o mês de janeiro, o Ministério do Ambiente entrega aos agricultores um impreso (ver

apêndice 1) que estabelece a forma como deverá ser organizada a distribuição desses turnos

entre os meses de janeiro e abril36. O sistema de irrigação do riacho abrange grande parte das

áreas de plantio ao redor dos povoados de Cuara, El Molino, San Antonio, El Tunal, Morón,

El Hato, El Cerro, Chaimare, El Jagüey, e outros menores (Esteves, 1999:64).

No terreno, Isidro organiza o trabalho com seus ajudantes37, quando tem, e o realiza

orientando-se pelos turnos, e não pela antiga lei municipal como era o costume, porque agora

existem as lagoas e alguns dos agricultores podem armazenar água. Isso modifica as decisões

que o juiz deve tomar de acordo com as circunstãncias do dia-a-dia. Por exemplo, quando

Isidro comenta que tem de levar água para quem tenha mais necessidade, mesmo que esteja

localizado mais abaixo que aquele que tem o turno nesse momento.

Isidro. Bueno, el trabajo es, mira, distribuirles a los agricultores, o sea que se va llevando, cuando la Ordenanza vieja era tapa por tapa, pero, eso se eliminó porque eso era cuando no había lagunas, no había depósitos, ahora con esto no. Usted por lo menos está del lado abajo, yo estoy regando aquí por lo menos, y usted está seco, yo tengo una cuestión, uno o dos riegos yo el agua se la llevo a usted, porque usted está más necesitado que yo, así esté yo arriba, esa es la cuestión aquí, el trabajo.

Seu serviço começa todos os dias num lugar chamado Vila Rosa. Ali, todos agricultores

que nesse momento têm plantações se reúnem e, tomando em conta os direitos de água que

possuem pela tradição ou pela compra de alguma terra e dos turnos, negociam a entrega da água

36 Isso vai depender da quantidade de chuva nesse período, pois, se houver água suficiente, os turnos não são mantidos. 37 Os ajudantes podem ser dois distribuidores e mais alguns encarregados, que devem percorrer todo o riacho e ficar atentos ao cumprimento dos turnos ou aos problemas que possam ocorrer.

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e tomam decisões sobre a distribuição, baseadas na quantidade de produtores com cultivos, os

tipos e tamanhos dos cultivos, a quantidade de água disponível, e outras situações que ele

destaca. Geralmente a água é levada de cima para baixo, mas pode haver exceções.

Isidro. Bueno mira, el reparto se hace ahí de Villa Rosa para abajo. J. Ajá. Isidro. Ahí la gente, ellos agarran una porción de agua todos los días y yo los turneo, cuando está el agua poca, yo los turneo, les doy dos días tres días, a que Helcio, de ahí vengo trayendo el agua de pa´bajo.

Nas suas palavras, temos a descrição de como ele faz o trabalho e as diferentes decisões

que toma, dependendo da situação: excesso de água, escassez extrema, perda de uma cultura ou

possibilidade de morte de animais, não cumprimento do turno por algum agricultor, ou o roubo

de água. Para isso ele tem a ajuda de distribuidores e encarregados que o acompanham nessa

vigília, fazendo percursos várias vezes ao dia, na época da estiagem. De acordo com seu relato

existem épocas nas quais ele tem de trabalhar sem ajuda nenhuma porque ninguém quer

trabalhar pela falta de pagamento ou pelo pouco que podem ganhar com esse trabalho.

Sobre a quantidade de dinheiro que recolhe e a falta de pagamento de um salário por

parte da Prefeitura, ele afirma que tem de dar 50% do valor cobrado aos agricultores para a

Prefeitura, os 50% restantes ele divide com os ajudantes. Segundo Isidro, ele não tem salário,

sustentando-se com o que recebe dos agricultores, e o juiz não ganha nada quando não há água.

J. Cuánto les pagan a ustedes por eso? Isidro. Mire aquí no le pagan, el Concejo Municipal no le paga a nadie, siempre, el Concejo Municipal hay que, yo recojo tanto, pongámosle 100 mil bolívares en el mes y yo tengo que darle 50% a ellos. Ellos no le tienen sueldo a nadie, o sea que uno se mantiene de los agricultores, ahí cuando no hay agua el juez de agua no gana nada, es así de simple.

Continuando com o tema do pagamento, as normativas estabelecem que os produtores

que recebem água do riacho devem pagar ao juiz uma quantidade já acordada, e que ele deve

repartir esse dinheiro com seus empregados e entregar uma parte à Prefeitura. Porém, segundo

ele, e após uma experiência de doze anos no cargo, aponta que a maior parte dos agricultores não

paga, ou paga menos do que deve, ou com retardo, mas ele não deixa de distribuir-lhes água por

isso. Umas das razões que apresenta para continuar distribuindo-lhes água, ainda que não

paguem por ela, é a necessidade que existe da passagem da água pelas terras desses agricultores.

Por isso, nesse caso, o pagamento é uma potestade do produtor que contribui à continuidade do

trabalho do juiz e da tradição.

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Isidro. Mire aquí hay personas, ya yo voy para doce años ya, ahorita los cumplo en enero, bueno, aquí hay tipos que no me han dado ni medio, en doce años de trabajo, pero bueno, yo tampoco estoy con eso. J. ¿Y usted le da el agua? Isidro. Sí, de todas maneras le doy su turno normal y... J. ¿Por qué le dicen que no le van a pagar? Isidro. Son carajos que los primeros días, “no, yo estoy quebrado, yo no tengo”, y yo no, para sacarlos, porque siempre hay alguna persona más abajo que ellos, hay que darle a ellos, para pasar el agua para abajo.

Andrés, usuário do riacho, dá sua versão do trabalho do juiz. Ele argumenta que o juiz é

quem manda na água, dando a ele toda a autoridade.

J. ¿Quién es el que le da el agua?

Andrés. El juez de agua, nosotros tenemos un juez de agua, un repartidor y un recomendado. El juez de agua, actualmente se llama Isidro. J. ¿Cuáles son las funciones que él cumple, qué es lo que él hace?

Andrés. El manda el agua.

Peço que acrescente a informação sobre o trabalho do juiz, ele aponta que o juiz tem um

distribuidor e um encarregado, e que, dependendo da quantidade de água, ele dá parte dela para

que o distribuidor administre no povoado de Cuara e parte para que o encarregado leve a outros

lugares.

J. ¿Y él manda a quién a que dé el agua, con quién se comunica? Andrés.Él es el que las da y las reparte. Él tiene un repartidor y entonces le dice, vamos a suponer hay cinco aguas, saca un agua, le deja dos aguas a Cuara, que se las entrega al recomendado de acá que es Santiago y las otras dos o tres, que estén para allá, las lleva con el repartidor.

O portal de saída do túnel: os restos, usando até a última gota

Na construção do túnel de transvase da represa Yacambú-Quíbor, são produzidas

algumas filtrações de água, resultado da escavação da massa rochosa drenada por meio do portal

de saída (ver figura 4) e da chamada ‘janela inclinada’. A água flui por uma tubulação colocada

desde o final da perfuração do túnel até a saída, por onde ela segue, por gravidade, até chegar às

terras dos agricultores (ver figura 5).

A descarga contínua de água tem gerado um desenvolvimento agrícola sob irrigação,

águas abaixo do ponto de saída do portal, já que o caudal atravessa as terras de 33 produtores

(SHYQ, 1995). Trata-se de uma região que abrange as comunidades de Hato Viejo, El Jagüey e

Chaimare, assim como outros usuários que utilizam bombas a motor para a extração da água.

90

O Diego é o distribuidor dessas águas, tendo a responsabilidade de organizar e de mediar

as situações cotidianas com os agricultores. Para efeitos de gestão, Diego cumpre as mesmas

funções de um juiz de água. Figura 4. Portal de Saída do Túnel de Transvase

Figura 5. Saída da água do túnel pela tubulação

Em 1982, os usuários dessa água organizaram-se, num primeiro momento, em uma

associação denominada Aproquíbor (Asociación de Productores de Quíbor), buscando fazer uma

melhor distribuição da água que sai pelo portal de saída do túnel de transvase da represa

Yacambú e, de outras fontes de água; embora essa água não seja permanente, eles a usam,

quando podem, para irrigação na época de estiagem. Atualmente, uma Junta Administrativa

eleita pelos próprios beneficiários encarrega-se de administrar e supervisionar a distribuição

eqüitativa dessa água entre os 33 agricultores membros da associação denominada Junta de

Usuarios del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor (SHYQ, 1995).

O regulamento de uso da água reconhece no seu artigo 2.° que:

Os produtores que têm direito ao aproveitamento da água do portal de saída do túnel Yacambú-Quíbor para usos agrícolas se constituíram em usuários em virtude de que é disposto nas leis emanadas da Prefeitura de Jiménez, pela tradição acumulada no setor, e pelas gestões da Comissão de Assuntos Camponeses e Desenvolvimento Rural da Prefeitura (Junta Administradora del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor, 1995:4).

O volume de água extraído do túnel de transvase, mediante bombeamento, é

descarregado num leito natural e distribui-se ao longo de 5.150 metros de longitude, momento

em que aparecem vários pontos de derivação para os terrenos cultivados (SHYQ, 1995).

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O trabalho do distribuidor baseia-se no regulamento feito para tal fim e assinado por

todos os usuários, porém, geralmente, ele deve tomar algumas decisões que não agradam a

todos, por situações que se apresentam e que não estão determinadas nas normativas escritas.

O artigo 3° aponta que “a água mencionada no artigo anterior tem sido utilizada em comum,

desde 1982 pelos produtores usuários águas abaixo dessa fonte, sendo administrada por um

distribuidor” (p.4). O regulamento determina, em 5 seções e 33 artigos, as disposições que

devem ser seguidas na administração da água, entre elas, os deveres e direitos do distribuidor;

dos usuários com lagoas (laguneros) e dos usuários que possuem bombas a motor para

extração (bomberos); as funções do distribuidor, e da Junta Administradora; do pagamento do

serviço; a criação de um fundo para obras; dos turnos de água; e algumas disposições gerais.

Ao descrever seu trabalho, Diego destaca que ele tem que distribuir a água quando há,

começando pelos agricultores que estão na parte de cima e continuar, segundo o esquema de

turnos, levando água desde cima, em La Ceibita, até os que ficam abaixo do Portal, onde ele

mora, Hato Abajo.

J. Qué tienes que hacer tu? Diego. Darle el agua a la persona que, empezando de arriba, hacia abajo. J. Adónde arriba, tienes que explicarme porque yo no conozco nada por aquí, cómo se llama el sitio? Diego. ¿Aquí dónde? J. Cómo se llama esto? Diego. A esto lo llaman aquí Hato Abajo. J. ¿Y dónde tú hablas de arriba es..? Diego. Donde yo hablo de arriba es de allá donde Esteban, La Ceibita, por ahí viene el agua del túnel.

Eles são chamados os usuários da água do túnel, e, quando se termina a distribuição ao

último de baixo, o processo se reinicia. Ele faz a distribuição por períodos de 24 horas para

cada um dos 32 usuários, e os produtores armazenam o que podem nas lagoas. Ele destaca

que esse tempo de distribuição não é suficiente para encher as lagoas, porque às vezes não sai

água do túnel ou é pouca a quantidade de água para o número de usuários.

J. ¿Es el agua del túnel, ustedes son los usuarios del agua del túnel? Diego. Los usuarios del agua del túnel son: Orlando, el primero, el agarra 24 horas de agua, el segundo viene Teofilo, agarra 24, todos 24 horas de agua, cuando llego allá al último abajo, vuelvo aquí otra vez. J. ¿Cuántos días en total, cuántos usuarios son? Diego. 32 usuarios. J. Entonces, cada uno agarra 24 horas de agua corridas. Diego. 24 horas, sí, yo a veces me perdía porque no salía agua del túnel, hay noches que no sale. J. Ah, y ahí no puedes repartir.

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Diego. Ahí no puedo repartir, tengo que esperar que salga el agua. J. O sea que si a mí me tocó agua el día cinco, ¿me vuelve a tocar agua el día 7 del otro mes? Diego. Sí cada mes. J. ¿Y con esas 24 horas lleno una laguna? Diego. No, no se llena, se siembra poco con la poca agua que agarra, una hectárea, hectárea y media.

Diego fala também sobre os agricultores que possuem bombas para extrair água do

Portal, disse que eles não têm lagoas, ou sega, irrigam diretamente, e têm sua própria

normativa e seu tempo estipulado para usá-las. No entanto, como estão localizados na parte de

cima, ele tem que controlá-os, pois, se ele não desligar as bombas, os bomberos, como são

chamados, deixam os outros sem água. As estratégias que utiliza para que isso não aconteça

são desligar as bombas e conversar com eles para que entendam o prejuízo que causam aos

outros produtores.

Diego. Los bomberos están hacia arriba, entonces, el que tenga laguna aquí abajo no agarra nada. J. ¿Los bomberos para llenar los tanques de ellos? Diego. No para la siembra directo, de una vez. J. ¿Qué bomberos?, ah, ¿los que tienen bombas? Diego. Bombas. J. Le meten bomba y le sacan agua. Diego. Y agarran agua para la siembra. J. ¿Pero esos no están en la asociación? Diego. Sí están, están a veces hasta las tres de la tarde, entonces en la tarde voy yo, hablo con ellos, les apago la bomba y el agua pasa para abajo.

A represa Dos Cerritos: a estação de tratamento, a empresa camponesa La Vigia e Aciprosemcla.

A água da represa Dos Cerritos é utilizada pelos agricultores do Vale de Quíbor de

várias maneiras. Uma delas já não é mais praticada, pois foi um acordo que expirou pela falta

de pagamento dos agricultores. Em 1973, quando entrou em funcionamento a Estação de

Tratamento Cidade de Barquisimeto, a água era vendida crua, para os agricultores irrigarem

seus cultivos, estabelecendo-se o pagamento de uma quantidade fixada pela empresa

administradora – Inos – aos usuários associados numa cooperativa criada para tal fim e

denominada Aproquíbor. Porém, em finais de 1974 a empresa retira o subministro pela falta

de pagamento, o que significou o desaparecimento da associação.

Outra maneira é o uso que os agricultores fazem da água que sobra da limpeza dos

filtros da Estação (ver figura 6). Ao sair da Estação, essa água toma dois rumos através de

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canais de cimento, e depois pelos canais por onde fluem as águas do riacho Atarigua. Um dos

rumos leva a água em direção ao povoado conhecido como Los Ejidos e às áreas adjacentes,

essa água que sobra da limpeza dos filtros da antiga estação de tratamento e utilizada para

irrigação desde 1973. Hoje a distribuição dessa água está se fazendo em meio a um processo

conflituoso entre os usuários. O outro rumo que toma a água é para o povoado Los Ortices, e

outras áreas vizinhas, onde se distribuem as águas da limpeza dos filtros da nova estação

construída no ano 1986, por meio de um regulamento que estabelece a figura do distribuidor e

os turnos. Neste trabalho analiso apenas a forma de organização dos usuários criada em volta

da água dos filtros da nova estação.

Figura 6. Filtro para lavagem da água

Um outro uso da água da represa é a distribuição feita pelas empresas camponesas.

Nesse casso, um sistema de irrigação foi construído para ser utilizado por agricultores

organizados pelo governo. O resultado foi a criação de três empresas camponesas

denominadas: Yacambú, Cerro Pelón e La Vigía. Neste trabalho se analisa a forma de

organização atual da empresa La Vigía. Por último, inclui-se uma associação de produtores de

sementes que utiliza a água da represa se conectando ao encanamento principal, no seu

caminho para a cidade de Barquisimeto. Tal associação, depois de inúmeros problemas com a

empresa estadual de administração de águas, chegou a alguns acordos de uso, por meio do

pagamento da água.

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Numa distância de 2,5 km. ao sudoeste de Quíbor, no setor chamado La Morita, localiza-

se a Estação de Tratamento Ciudad de Barquisimeto. O pequeno sistema de irrigação constitui-se

de dois canais principais: El Jagüey e Chaimare. Desses canais, derivam-se canais menores que

levam água àqueles agricultores que não podem ter acesso aos canais principais (Esteves,1999).

Durante o funcionamento normal da estação, a lavagem de 16filtros descarta grande

quantidade de água. Essa água corre por canais (ver figura 7), através dos quais é distribuída

para as áreas de cultivo de produtores que, no caso do canal Jagüey (Los Ortices), fazem parte de

uma associação de usuários ou irrigadores (SHYQ, 1995).

Figura 7. Canal da água dos filtros.

A água que drena da lavagem dos filtros é distribuída por turnos, estabelecidos de acordo com a localização do prédio, obedecendo ao seguinte critério: primeiro é entregue a quem está águas acima, até completar o último usuário, depois se inicia novamente o ciclo, começando pelo primeiro usuário (Esteves, 1999:12).

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A água que flui pelo canal Jagüey é distribuída por um juiz, eleito por todos os

agricultores que se beneficiam dela. Ele tem mais de 20 anos nessa função, distribuindo o que ele

chama de desperdícios. A seguir, narra-se o processo que ocorre na estação antes que a água seja

vertida para os canais de distribuição. Alcides é distribuidor desse canal e de seus canais

menores, e por meio da conversa que tive com ele e, também, devido a sua importância dentro

do mini sistema de irrigação, tentei compreender como são trazidos os argumentos para sustentar

os direitos de uso e a forma de gestão.

Alcides recorre ao apoio que tem da Prefeitura e ao uso tradicional que a comunidade de

Los Ortices faz da água para sustentar sua opinião sobre os direitos. Quando começaram a usar a

água da estação, os produtores associaram-se em uma cooperativa (Aproquibor) para distribuir

essa água, porém, agora essa cooperativa não existe mais e eles se reúnem como vizinhos.

J. ¿Aproquibor, todavía existe? Alcides. No, la cooperativa no existe. J. ¿Y ahora cómo se reúnen? Alcides. Ahora, nosotros aquí, todos los de Los Ortices, estamos apoyados por el Concejo y todo eso pues, tenemos, como un permiso, pues, un poder, que no puede venir, por lo menos Ernesto y llevarse el agua, ya nosotros tenemos una base. J. ¿Como comunidad?

Alcides. Ajá, ya nosotros tenemos como comunidad, tenemos un derecho de uso.

Alcides considera produto de desperdício a água que distribui, pois, ela é o que sobra

da limpeza dos filtros. Confirma que antigamente os agricultores usavam a água da estação,

mas, pela falta de pagamento, a empresa Inos não deixou que eles utilizassem mais essa água,

por isso agora só se distribuem esses desperdícios. Ele explica o processo de entrada e saída

da água na antiga estação e como se faz a limpeza da água nos oito filtros da antiga estação,

mostra assim, que conhece todo esse processo desde que se inaugurou, mas comenta que não

tem podido entrar na nova estação e, portanto, não conhece como são os processos nela.

Comenta também, que os administradores da estação de tratamento não se importam com

quem pega essa água depois que ela é descarregada nos canais de escoamento para fora das

instalações.

Alcides. Ajá, entonces, ahí seguí yo repartiendo los desperdicios, como ahí hay o simentadores, a vaina filtros y dos simentadores donde entra el agua que viene de El Tocuyo, muchos creen que esa agua entra así, esa agua entra así, da la vuelta y entra así, en los simentadores, que esos son unos tanques, abajo de la tierra, pues, como si fueran una piscina, pero tienen como 100 metros de largo y para abajo tienen como 3 ó 4 metros, yo entraba en todo eso, entonces, ahorita, el agua entra en los simentadores, en los dos simentadores que hay, shhhssss, la planta vieja pues, en la nueva a esa nunca he entrado yo, entré pero no como en la otra, pues, entonces, el

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agua pasa por esos simentadores y entra a estos filtros, que son 8 filtros, que son como de 50 metros y tres metros de fondo para abajo, entonces el agua va a entrando a cada filtro, ahí le están haciendo pruebas cada 20 minutos, cada media hora, depende como llegue el agua, pues, si llega muy sucia le hacen una prueba más rápido, ahí toca lavar, lavan así por debajo, le inyectan el agua de un tanque que tiene aparte, entonces la van lavando y le echan una cosa para limpiar todo el depósito, le echan un clorine, una vaina así es, un polvito. Entonces lavan de un tanque que tienen ahí lavan hacia arriba, esos llevan unas metricas así, unas más grandes, otras más pequeñas, ahí lavan y entonces la botan para, para fuera, pues, ellos no tienen que ver con quien la agarre, quien no la agarre.

Essa água é utilizada por pelo menos 15 agricultores na época da estiagem e ele faz

questão de nomear os agricultores e dizer que distribui a água para cada um deles. Se houver

mais água, ela pode ser distribuída para outros povoados próximos. Alcides narra a ordem na

distribuição e diz que, se for preciso, leva a água até alguém que necessite para salvar seu

cultivo, inclusive até Chaimare, um povoado vizinho que fica águas abaixo.

Alcides. Ajá, esa la reparto yo para cada agricultor, por esta zona ahí mire, está Miguel, después sigue la señora Corina, después sigue Tomás y Manuel, después seguimos nosotros, después sigue Polanco y ahí regresa para acá, sigue para que David, para que Nelson, que compró unas tierras ahí que eran de Francisco, después sigue para que Fernando, porque se murió Jaime, después sigue para que los Reyes, que tienen una finca allá de ganado, después sigue para que Bernardo, después sigue para que Matías, después sigue para que los Tamayo, hasta ahí llega. Bueno, yo la sigo más abajo para salvar alguna siembra que esté perdida, que, si llega el deber mío es inspeccionar, si llega le puedo dar, para que salve la siembra, que es Arnoldo, ya eso es parte de Chaimare.

Diante da pergunta de como ele faz a distribuição, e de quais os instrumentos

utilizados para isso, Alcides explica que a faz de cima para baixo, repetindo o mesmo

esquema de distribuição utilizado por outras organizações já analisadas. A distribuição e feita

por meio de comportas metálicas, ou feita com sacos de terra que se colocam para conduzir a

água para o lugar que seja preciso. A água que sai da limpeza de um filtro flui durante 15 a 20

minutos, mas pode chegar até uma hora, dependendo de quanto esteja suja. Nesse tempo, ele

tem de distribuir eqüitativamente essa água, até a chegada de mais água de outro filtro, e

assim por diante.

J. Yo quiero entender un poco, porque no conozco mucho, ¿cómo hace usted para dividir el agua, son unas compuertas, unas tapas? Alcides. Sí, unas son compuertas, otras son bolsas de tierras. J. Que les pone para que el agua no pase y ¿eso va llenando lagunas aguas abajo? Alcides. Sí, hay lagunas que no se llenan. J. Ah, ¿usted le da una cantidad de agua? Alcides. Ah bueno, exactamente una porción o una cantidad para que vaya regando su siembra.

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J. ¿Tú le das por filtro? Alcides. Sí. J. ¿Cuánto dura el filtro? Alcides. A veces dura 15 minutos, 20 minutos, depende, como hay gente que lava y dura bastante, hay gente que lava y bota poquito. J. ¿Cuánto dura más o menos?, ¿el que dura menos dura cuánto y el que dura más dura cuánto? Alcides. El que dura más dura una hora, media hora. J. ¿Y eso es cada cuánto tiempo, que lavan los filtros? Alcides. Eso depende, como llegue el agua a la planta o como…

Acrescenta que há momentos em que a água vem limpa da represa, que os filtros não

são lavados, o que não é feito com muita regularidade, e que em conseqüência não resta nada

para ser distribuído. Como ele não sabe quantos filtros vão limpar ou que quantidade de água

vai resultar da lavagem de cada um, fica atento à quantidade de água que sobra da limpeza

dos filtros em cada oportunidade, e guia-se por aí , para distribuir de forma ‘eqüitativa’ a

porção de água respectiva. Tal limpeza pode durar de 15 minutos a 1 hora e meia, portanto, a

distribuição é decidida conforme a quantidade de água disponível no momento. Para poder

saber quanta água está fluindo e quanta foi distribuída a cada usuário, ele usa alguns

mecanismos no terreno, como marcar nas paredes do canal o limite da água ou afundar paus

de tamanhos diferentes para medir a profundidade do canal e saber a quantidade de água que

flui, além de contar com a ajuda de uma comadre que está atenta para contar o número de

filtros que foram limpos e que passam pelos canais.

J. O sea, que usted tiene que tener una alarma, van a lavar el filtro y… Alcides. No, yo, así como estamos ahorita, por el día, tengo que estar pendiente por si salen tres o cuatro filtros, porque usted agarra el día y si no le sale nada, porque hay días que no sale nada, ahorita como está muy revuelta sí están lavando a cada rato, a veces en el día botan dos o tres filtros J. ¿Y cómo sabes tú cuántos filtros le correspondió a cada persona? Alcides. Ah, porque yo estoy chequeando y tengo. J. ¿Tú vas y ves? Alcides. Voy y pongo una marca, por lo menos supongamos que este sea el canal, eso se hace cuando hay escasez pues. Por lo menos, usted va agarrar un sólo filtro, entonces yo voy para allá y pongo la marca, que nadie sepa, pongo dos, supongamos que sea un buco hondo pues, le pongo una abajo y otra arribota, ahí se yo, para saber si, un palo, puede ser una mata de paja, para saber si es grande o pequeño. J. ¿De cuánto fue el nivel de agua que se metió? Alcides. Ajá, ok, y ahí calcula uno si duró o no duró, porque yo también tengo una comadrecita que, ‘!epa! ponete a ver cuántos filtros pasan hoy’ y ella está pendiente, cuando uno está trabajando ella está pendiente.

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Alcides paga algumas das tarefas diárias dos seus ajudantes com uma pequena

quantidade de dinheiro, neste caso uns 50 centavos de dólar, dependendo do quanto ele

ganhou e da tarefa em questão.

J. Te ayuda, ¿tienes tu asistente? Alcides. Yo le doy unos mil bolívares, así.

A respeito da autoridade que tem adquirido na distribuição da água, Alcides aponta

que mesmo tendo de agir conforme as normativas e os acordos, pois foi eleito pelos

agricultores, comenta que todo mundo faz o que ele diz, ou seja, obedecem às decisões que

toma no cotidiano. Mostra assim o poder que tem na hora de executar as atividades para as

quais foi eleito.

J. O sea, ¿Sí hay una asociación de usuarios del agua? Alcides.Ajá, como si fuera una asociación, okey. Yo soy una persona que no me mando solo, pero aquí todo el mundo hace lo que yo diga, con respecto al agua pues.

Comenta algumas das estratégias que ele utiliza para poder cobrar o serviço da

distribuição de água, entre elas, aproveitando a época da pior estiagem, no verão, para não dar

água aos que não tenham pagado. Ele disse que fica rebelde se não for pago pelo trabalho e

informa aos inadimplentes que ele é quem manda, ameaçando se vingar na próxima estiagem,

não distribuindo água àqueles que não pagaram da última vez. E comenta, ainda, que alguns

deles se esquecem de que a estiagem vai voltar ou argumentam que têm problemas, para não

pagar, mas ele afirma: se me pagam lhes dou água, se não, não.

J. ¿Cómo se la aplica? Alcides. ¿Cómo se la aplico? Me le pongo rebelde, si usted no me da, como Savio hizo 3 millones y pico, eso no es plata ahorita, pues, pero para pagar un servicio de agua si es plata, entonces un día había mucha agua de buco, como yo no trabajé más con el agua de buco, entonces, ‘algún día viene el verano’ le digo, ‘algún día viene el verano y vamos a ver quién es el que está mandando, si mando yo o no, ahí veré yo qué hago, si me pongo los pantalones o no me los pongo’, le dije, ah, al tiempo vino, me regaló 50 mil bolívares. Yo a muchos los he ido prensandito, cuando viene el verano, tanta agua de buco que echó usted con filtro y no me ha dado ni medio, si me da le doy, sino no, claro (ríe), porque hay gente que se olvida, pero cuando están hasta aquí, ahí sí, no que esto y que lo otro.

Alcides utiliza um caderno para manter em dia as contas da quantidade de água

distribuída por agricultor e o dinheiro que devereceber dele. Disse para o produtor: “Você

pegou tanta água e tem que me pagar isto”. Ele toma como exemplo Patrício, que pegou 24

99

horas, de quem depois ele iria cobrar 20 mil bolívares, e em seguida anota no caderno, e assim

vai fazendo as contas.

J. ¿Cómo llevas tú la cuenta del agua que repartes?

Alcides. Yo cuando trabajaba con el agua, por lo menos, el agua viene, Olivio pues, yo marco la fecha, Olivio agarró agua doce horas, pues, o seis. Agarraba por lo menos Patricio, Patricio agarró 24 horas, entonces después yo le iba a cobrar, 20 mil bolívares, él me daba 20 mil bolívares y yo lo marcaba aquí, 20 mil. Yo le decía, usted agarró tantas aguas, tantas aguas y me debe esto y esto, y así arreglaba, sacaba la cuenta.

A partir de 1976 foi implantado um projeto piloto de desenvolvimento agrícola sob

irrigação, com o objetivo de pôr em prática as diretrizes gerais do Projeto Yacambú-Quíbor,

formuladas no documento Bases para o Desenvolvimento do Vale de Quíbor (Fudeco, 1973), e

ao mesmo tempo obter experiências que permitissem adequar o desenvolvimento proposto à

realidade do Vale (Fudeco, 1979).

O projeto, conhecido como Sistema de Irrigação San José de Quíbor, conformado por

uma rede de canais de cimento (ver figura 8), localiza-se nos terrenos baldios do vilarejo de San

José, a 5 km da cidade de Quíbor.

Figura 8. Canal de cimento.

100

O abastecimento de água para irrigação provém do aqueduto Alto Tocuyo e apóia-se

legalmente no Decreto Presidencial n.º 1.199, de 7 de setembro de 1968, do Congresso Nacional

da Venezuela, no qual se estabelecem as disposições sobre o uso da água da represa Dos

Cerritos. Nele destaca-se que na medida em que o volume da água, o equivalente a 3.500 litros

por segundos, não for utilizado para o abastecimento das cidades de Barquisimeto, El Tocuyo e

Quíbor, poderá ser aproveitado para a irrigação do Vale de Quíbor.

Nos últimos cinco anos, a disponibilidade de água tem sido restrita drasticamente devido

às pressões exercidas pela C.A. Hidroccidental, produto do aumento no consumo de água do

Aqueduto Metropolitano de Barquisimeto (SHYQ, 1995).

Elian, agricultor da empresa camponesa, La Vigía, dá sua versão do que era, e do que

é atualmente, o trabalho nessa empresa. O fato de terem sido criadas as empresas camponesas

origina-se no processo de reforma agrária que a Venezuela iniciou durante a década de 1970.

Em convera, ele relata o processo de formação das empresas, o direito de uso das águas de

represa para irrigação, e de como elas estão funcionando tentando se manter sem ajuda oficial,

utilizando os meios que lhes são disponíveis, às vezes com recursos próprios, e outras, com

ajuda de particulares, como uma forma de se manterem ativas como produtoras agrícolas.

J. ¿Por qué se constituyeron en empresa? Elian. Ah, porque eso fue, o sea, eso fue tres empresas que hubo aquí en Jiménez, cuando el primer mandato de Carlos Andrés Pérez, nos dieron el agua y nos dieron crédito y tierra para trabajar. J. Ah, ¿fue formada por el Estado, por el Municipio? Elian. Sí, por el Estado. J. El Estado, ¿a través de qué instituto, el IAN38? Elian. El IAN, se movió el IAN. J. ¿El MAC39? Elian. No, la Federación Campesina y la Gobernación también J. ¿De ahí decidieron que iban a usar el agua de Dos Cerritos? Elian. Ajá, sí para regadío.

Segundo Elian a idéia era de que eles tinham direito ao uso da água de forma gratuita

que vinha juntamente com a criação das empresas e a propriedade da terra, e de que alguém,

em algum lugar, tinha um documento que comprovava isso, pois era um decreto, porém, ele

nunca havia visto esse papel, apesar de tê-lo procurado por vários anos.

38 Instituto Agrario Nacional (IAN), hoje em processo de eliminação. 39 Ministerio de Agricultura y Cría (MAC), hoje substituído pelo Ministerio de Agricultura y Tierras.

101

Elian. Sí, nosotros estuvimos 20 años, por lo menos, sin pagar agua, porque el agua no la cobraban, pues, entonces, ese era el problema que había con la gente del INOS, que ahorita es HIDROLARA, entonces J. ¿Ellos se quejaban de que ustedes no pagaban? Elian. (…) eso era como un decreto porque eso nunca, nunca tuvimos un papel, dijeron que Yacambú lo tenía, pero, lo fuimos a buscar y no, un decreto como que era, un decreto presidencial, pues.

No início, a empresa La Vigía era formada por 32 agricultores, dos quais se esperava

que trabalhassem de forma coletiva. Porém, hoje só restam 20 do total de agricultores,

repartindo a terra que antes era comunal. Elian conta também que eles tentaram trabalhar

juntos, mas não conseguiram se acertar, logo fizeram grupos de cinco, mas também não deu

resultado, portanto, agora cada qual está fazendo o que acha melhor para o tipo de cultura que

planta.

J. ¿Cuándo empezaron a regar con el agua? Elian. Eso fue en el 74. J. Cuando usted dice nosotros, ¿es una cooperativa? Elian. Sí. J. ¿Está conformada por cuántos? Elian. Éramos 32 socios. J. Usuarios, ¿y están constituidos? Elian. Sí, ahorita habemos 20, 20 nada más. J. ¿Qué hacen en esa asociación? Elian. Bueno, estamos trabajando ahorita como individuales, repartimos la tierra y, repartimos la tierra ya ahorita estamos trabajando no como antes, que antes era todo junto y eso no caminaba nunca, uno trabajaba otro no trabajaba, entonces no resultó, después nos metimos en cinco, por grupos, tampoco, a última hora cada quien buscó por su lado, dentro de la misma empresa pero ahí estamos solos.

A distribuição está organizada por turnos alternados para as três empresas

camponesas, La Vigia, Yacambú e Cerro Pelón. A água flui por gravidade para as terras dos

agricultores por canais de cimento que foram construídos quando se criaram as empresas.

Elian. Sí, eso corre por unos canales. J. ¿Hechos de concreto? Elian. Sí, ajá. J. ¿Y ahí, se pegan con qué, por gravedad? Elian. Sí, o sea, ahorita nos toca, a La Vigía le toca el lunes, Yacambú le toca el martes, el miércoles le toca a Cerro Pelón, el jueves nos toca a nosotros otra vez y el viernes Yacambú y así va. J. ¿Y el Domingo no? Elian. No.

Elian reconhece que não há muita ordem na distribuição, afirmando que a questão da

distribuição é confusa, que ele tenta contornar com ajuda de um empregado que libera a água

102

e que, de acordo com os turnos, os produtores a recolhem e armazenam nas lagoas. Reitera

que os turnos são a cada três dias, portanto, La Vigía irriga às segundas e quintas, Yacambú às

terças e sextas e Cerro Pelón, às quartas e aos sábados. Acrescenta que isso não é suficiente e

que eles utilizam um poço para minimizar o problema.

J. ¿Cómo se pusieron de acuerdo para? Elian. No, eso es un lío ahí. J. ¿Usted está encargado de la parte de aquí, de Cerro Pelón? Elian. No. J. ¿Quién es? Elian. No, ahí está uno que es el que suelta el agua para todos. J. ¿Él suelta el agua? Elian. Uuhum. J. ¿Y ustedes se la recogen ustedes mismos, cada uno? Elian. Sí, pero nosotros, como le digo, a nosotros nos toca el día lunes, ahí ellos no riegan, o sea Yacambú riega los martes. J. Y Cerro Pelón, ¿los miércoles? Elian. Miércoles. J. Y La Vigía ¿le toca el lunes? Elian. El lunes y el jueves. J. Ah, La Vigía, ¿y es suficiente agua para regar cuánto? Elian. No, no es suficiente, ahí falta agua, pero, nosotros tenemos un pozo ahí.

Perante a realidade da escassez de água, a empresa La Vigía perfurou um poço, três

anos atrás, para compensar as necessidades dos agricultores. Desse poço, distribui-se para os

19 usuários da empresa. Também utilizam, às vezes, uma bomba para extrair água das lagoas

e distribuir para os produtores que não chegam a receber diretamente a água da represa pelos

canais, mas a tubulação está quebrada e por isso o trabalho não é feito da forma como eles

querem, que é com a tubulação colocada nas lagoas e com a bomba irrigando dia e noite.

J. Ah, ¿tienen pozo también, cuánto da ese pozo?, ¿todo el mundo tiene pozo? Elian. Tiene 6 pulgadas, no. J. Y los que no tienen pozo, están peor, ¿no? Elian. Sí, Cerro Pelón tiene un pozo, el viejito ese que está ahí y nosotros tenemos uno ahí también. J. ¿Pero eso es nuevo? Elian. No, tiene como tres años que se hizo. J. ¿Y cómo se divide el agua de ese pozo? Elian. Nosotros la subimos y la metemos al canal para que riegue a todos. J. A todos, porque están uno al lado del otro y van regando Elian. Sí, así como estamos, como estoy yo, lo que estamos en la parte de arriba, regamos siempre con el canal, con el agua de aquí y los que están del lado abajo, cuando se prende la bomba riegan con la bomba, pero muy poco se prende porque hace falta la tubería de donde está el pozo al canal y nosotros pensamos es meter esa tubería es de la bomba a la laguna para que trabaje día y noche, puro ratico es lo que trabaja, la idea es aprovechar de poner la tubería que son como 300 metros, 600 metros como que es la cosa, de la bomba a la laguna.

103

J. ¿Tienen una laguna para todos? Elian. Sí, hay dos lagunas. J. ¿Colectivas? Elian. Sí. J. ¿Siempre tienen agua o se secan? Elian. Hay una que agarra agua de invierno que es la primera que está aquí y la otra, si no, no agarra agua de invierno, tiene que ser por el canal, por la llave.

A Associação Civil de Produtores de Sementes de Campo Lindo e Campo Alegre

(Aciprosemcla), é uma associação de produtores de sementes, e plântulas, formada em 1992

com a finalidade de administrar a água da represa que passa, através de um encanamento

desde a represa Dos Cerritos até a cidade de Barquisimeto, e, dessa forma, garantir o melhor

uso possível dessa água. Os agricultores começaram, cada por sua conta, a usar a água da

represa de forma clandestina, roubando-a. Um dia, a Guarda Nacional, por ordem do prefeito,

colocou vários dos produtores na cadeia pelo roubo. Esse fato fez com que os outros

agricultores decidissem se organizar e apoiar os colegas para que fossem libertados. Dessa

situação, e assessorados por um advogado, surgiu a associação de produtores de sementes.

J. ¿Quién decidió vamos a parar, porque no podemos seguir en esto, cuándo decidieron eso, quién lo decidió? Eliseo. Eso lo decidimos un grupito como de 6, que estuvimos aquí, entonces, estaba la Guardia ahí en casa de un vecino, quitándole las mangueras, llevándole el motor y hasta se lo quería llevar preso, entonces, nosotros, los seis que estábamos dijimos, no, vamos a apoyar a ese señor, no lo podemos dejar sólo, porque él también es vecino, y así hicimos, nos acercamos hasta allá y hablamos con el alcalde, y él en ese tiempo se molestó y nos llevó detenidos también a nosotros, entonces, después que estuvimos allá, estuvimos 24 horas, de ahí, los que quedaron por fuera, los compañeros, también se unieron al grupo pues, y entonces, metimos a un abogado y ahí empezamos a hacer los trámites, el abogado nos asesoró y miré “hay que hacer esto así, los pasos que tenemos que dar son este y este”, y así fue que empezamos.

A associação éformada por 35 pessoas que moram em três comunidades vizinhas. A

idéia de se associar surgiu porque pensaram que estando mais organizados teriam uma melhor

capacidade de interagir com a empresa administradora da água e com a Prefeitura.

J. ¿Quienes son ustedes, cuántos son, dónde están ubicados? Eliseo. Al principio nos iniciamos 35 personas, que aquí, hay tres comunidades vecinas que no pasan de, en cuatro kilómetros estamos todos, estamos cerca, pues, todos. J. ¿Están todos ubicados en un perímetro de 4 kilómetros? Eliseo. Sí, más o menos por ahí, bueno y, por eso, como pensamos que por medio de una asociación y estando más organizados podíamos tener más trato, por lo menos lo que era en ese tiempo el Inos, el mismo Concejo, que nos apoyara.

104

Eliseo conta que dos 35 agricultores que começaram a associação só restam 19. Sobre

os outros, ele diz que faliram, não conseguiram vender a produção e foram trabalhar em

Quíbor em oficinas mecânicas ou migraram para outras regiões.

J. ¿Y hoy en día, la asociación, cuántos miembros son?

Eliseo. Hoy habemos 19. J. De los 35 iniciales son 19, ¿qué se hicieron los demás? Eliseo. Los otros, unos no siguieron trabajando, porque las ventas no fueron buenas y como se dicen, quebraron (sonríe) J. ¿Se dedican a qué, entonces? Eliseo. Bueno, migraron, unos se fueron hacia Quíbor, trabajan en talleres, bromas de esas.

Quando lhe peço que narre a história do processo de formação da associação e da

gestão da água, fala da gravidade da situação que eles viviam naqueles dias, pois, não podiam

trabalhar em paz com o medo de que a empresa lhes tirasse a água. Atualmente eles

conseguiram estabelecer acordos com a nova empresa Hidrolara, os quais lhes permitem

utilizar a água com maior controle e em novas formas de produção, como por exemplo, na

estufa. Eliseo aponta que eles tomaram consciência de que essa água é para consumo humano

e, portanto, sai cara, por isso, utilizam atualmente estufas para a produção de sementes, o que

gera uma economia de pelo menos 60% no consumo de água.

J. Cuéntame un poco como es el proceso para que ustedes tengan agua aquí, o sea, ¿cómo les llega el agua, quienes son ustedes? Eliseo. Bueno, este, nosotros tenemos aquí alrededor de 10 años trabajando con semilleros, quizás algo más, pero para ser más exactos 10. Entonces, la cuestión surgió de nuestra asociación fue que teníamos problemas con el agua, HIDROLARA, para ese entonces el INOS, nos trancaba el agua y nos quitaba las mangueras y entonces, decidimos un día, bueno, ya no podíamos seguir trabajando más así, entonces, nos reunimos todos y formamos una asociación, hasta ahora, bueno, gracias a Dios, eso se nos solucionó, que nos perseguían y nos quitaban el agua y eso, bueno eso se superó ya. Ahora en estos momentos, estamos trabajando pero ya hemos tomado más conciencia que ese es un agua que es tratada, que eso sale caro, y nosotros la utilizamos para riego, entonces, hemos tenido avances, por ejemplo, estamos ahorita usando lo que llaman invernadero, que por lo menos reduce, quizás en un 60% el gasto de agua que normalmente estamos gastando. Bueno, en cuestión del agua, en el manejo y eso, eso es lo que hemos manejado hasta ahora.

A água é distribuída por turnos no verão, no inverno o uso está liberado, mas, eles têm

que pagar por ela, de acordo com o que foi estabelecido entre a associação e a empresa

estadual de administração da água.

105

J. ¿Cómo les dan el agua?, o sea, ¿está abierta constantemente, ustedes mismos la regulan o hay una regulación de horas de ellos? Eliseo. No, este, en tiempo de invierno constantemente la tienen abierta y en tiempo de verano la racionan, por lo menos, la trancan 12 horas y dura 24 abierta, así. J. Ah, ¿en turnos? Eliseo. Uhum. J. Ahora sí, ¿todo el mundo tiene su conexión legal? Eliseo. Sí, ajá, eso. J. ¿Ustedes pagan por esa agua? Eliseo. Sí, se paga J. ¿Cuánto pagan? Eliseo. Pero, o sea, aquí como es campo se paga tarifa mínima, creo que son, ahorita está en 16 mil bolívares mensuales.

Os poços profundos

Atualmente, muitos agricultores utilizam essa fonte para compensar a escassez de água,

porém, os altos custos de perfuração não permitem, com raras exceções, que os pequenos

produtores consigam bancar esse tipo de investimento.

O volume de água extraída de poços profundos é igual às reservas renováveis (recarga)

mais uma parte das reservas permanentes ou geológicas, o que provoca o déficit e desequilíbrio

no balanço das águas subterrâneas (SHYQ, 1995). Os valores determinados atualmente para o

uso e reposição das águas subterrâneas conduzem a um esgotamento total do aqüífero, caso não

sejam tomadas medidas para a conservação do recurso dessa importante fonte de água. Para

evitar esse esgotamento, foi criada uma comissão, chamada Cotesaguas, que controla a abertura

de novos poços e atua na fiscalização da conservação dos aqüíferos do Vale. Quando os

agricultores solicitam permissão para abrir um poço restituído ou novo, a comissão determina as

características do poço (localização, profundidade, volume de água), assim como o consumo

diário de água permitido, e, baseando-se nessa informação, o Ministério do Ambiente concede

ou não a autorização, a qual é respeitada por todos.

As águas residuárias

Por outro lado, há também a reutilização de águas residuárias, ou de esgoto, que são

produzidas no Vale de Quíbor, principalmente na cidade de Quíbor. Essa água compartilha dos

canais naturais, ou artificiais, que integram a bacia Las Raíces, o que possibilita o incremento das

fontes de abastecimento local e contribui para a satisfação da demanda cada vez maior a que

estas fontes vêm sendo submetidas (SHYQ, 1995).

106

Segundo Esteves (1999),

Desde os anos de 1964-65, as águas residuais da cidade de Quíbor vinham sendo depositadas em uma lagoa (...) A água que se vertia pelo aliviadero40 era conduzida pelo canal denominado La Comunera e utilizada para irrigar por dois produtores, os senhores Luis e Jesús (p.72).

Posteriormente, em 1983, pelo aumento da população de Quíbor e do volume das águas

de esgoto, foram construídas duas lagoas de estabilização em um terreno que a Prefeitura

comprou do senhor Rafael, em El Veral. Essas lagoas recebem 30% do esgoto da cidade. A

distribuição dessas águas é feita segundo um acordo estabelecido entre os usuários e o Inos. Os

usuários não têm definidos turnos nem datas estabelecidas para o uso. A água é utilizada

principalmente para irrigar cana-de- açúcar (Esteves,1999).

Em 1991, foram construídas novas lagoas em terrenos da fazenda El Tunal.

Aproximadamente 70% das águas servidas produzidas em Quíbor deságuam nesse sistema de

lagoas de estabilização em série. Essas águas são totalmente utilizadas pelo dono da fazenda,

para irrigar pastagem e milho. O restante, 30%, que não deságua nesse sistema, flui para as

lagoas construídas pelo Inos, na zona de El Veral.

Essas iniciativas acompanham as propostas internacionais da utilização de águas

residuárias para múltiplos usos, entre elas a irrigação, já que pode ser muitas vezes mais

econômico tratar as águas de esgotos e reutilizá-las do que não fazer nada com elas e deixar

que contaminem os rios e aqüíferos (Tundisi, 2003).

Na conversa com Luis, usuário e dono de 25% dos direitos de uso das lagoas de El

Veral, à beira de uma lagoa na sua fazenda (ver figura 9), ele nos falou sobre as dificuldades

que existiam para o aproveitamento dessa água, pois, o vizinho, proprietário das terras onde se

localizam as lagoas, teria incrementado o tamanho dos cultivos e usado toda a água que

antigamente era compartilhada por eles. Ele se queixava do monopólio de uso dessa água pelo

vizinho, pois segundo ele, as lagoas de estabilização teriam sido feitas para serem utilizadas

coletivamente, porém, ninguém controlava seu uso. É bom comentar que esse tipo de água é

utilizado para a irrigação de determinados plantios, aqueles que não são consumidos

diretamente por humanos, mas, depois de ser processado, porém, se for necessário, pode ser

usado para irrigar qualquer tipo de cultivo, como o fazem Luis e outros agricultores, segundo

seus relatos..

40 Na falta de uma palavra que traduza aliviadero, mantivemos em espanhol para significar um canal por onde circula o excesso de água das lagoas.

107

Figura 9. Uma das lagoas de Luis

108

Capítulo V

As interfaces e a produção de sentidos

nas negociações, nos acordos e

conflitos sobre a água

109

Em 1995 Ismail Serageldin, na época vice-presidente do Banco Mundial para o

Desenvolvimento Sustentável do Ambiente, declarou, em entrevista para o jornal The New

York Times, que embora “muitas das guerras deste século tenham sido motivadas pelo

petróleo, as guerras do próximo século serão travadas por causa da água” (Crossette,

1995:A13). Isto tem gerado vozes a favor e em contra.

Referindo-se a essas declarações, Shiva (2003) comenta que já as guerras pela água

estão nosso cotidiano, porém, dificilmente são identificáveis como guerras pela água: elas são

relacionadas com brigas religiosas, problemas de terras ou ódios históricos, mas, quase nunca

com as discussões pelas fontes de água.

Tundisi (2003) concorda com a afirmação anterior, ao declarar que para ele “um dos

grandes desafios do século XXI deverá ser a resolução e o acompanhamento de conflitos

internacionais resultantes da disputa pela disponibilidade de água” (p.193).

Wolf (1997), em contraposição, aponta que em nível mundial só sete batalhas

menores, três delas sem um só disparo, se produziram no século passado pela água, enquanto

foram assinados 145 tratados entre diversos países para administrar conjuntamente a água, em

261 bacias. Ainda segundo esse autor, não se poderia dizer que não ocorreram conflitos

armados, mas, que tais conflitos se dão, geralmente, entre grupos tribais, diversos setores de

usuários da água ou dentro de um mesmo Estado/nação. Segundo ele, algumas das razões para

que isso aconteça é que “as guerras pela água não são nem estrategicamente racionais nem

hidrologicamente efetivas, nem economicamente viáveis” (p.257). O autor acrescenta que a

lição mais valorizada sobre as águas internacionais é o fato de se tratar de um recurso cujas

características tende a induzir à cooperação e só incitar à violência em casos excepcionais.

Comenta, aliás, como um exemplo do que tem acontecido com a administração de águas

compartilhadas, que a Food and Agriculture Organization (FAO) tem identificado mais de

3.600 tratados relativos ao uso de águas internacionais, datados entre os anos de 805 e 1984.

Wolf (1997) também reconhece que a escassez de água leva a pressões políticas intensas nas

regiões áridas e semi-áridas.

Petrella (2001) argumenta que “o tipo de conflito mais freqüente nos dias de hoje

envolve a competição sobre os usos da água que (...) se tornam mutuamente exclusivos em

uma estrutura caracterizada pela falta de solidariedade e pela escassez crescente” (p.61). Ele

atribui uma grande responsabilidade, pela magnitude do conflito, às políticas públicas:

Quando um conflito assume proporções importantes ou críticas, demonstra que a política regional ou nacional não foi capaz de desenvolver e implementar uma política

110

hídrica integrada, inspirada na supremacia do interesse de todos com relação a um produto ou bem comum (res publica), e cujo objetivo fosse estimular a solidariedade entre todos os membros de uma comunidade regional ou nacional (p. 63).

Batista (1998) parte do princípio de que a água é um recurso escasso e valioso para as

comunidades camponesas, além de ser a base das relações sociais, as quais podem ser

conflituosas ou cooperativas. Segundo ele, a suposição de que a gestão de água em sistemas

de irrigação é sempre conflituosa é discutível, mas considera como certo que é comum a

ocorrência de tensões e disputas que podem se agravar. Aponta, também, que há mecanismos

e procedimentos, formais ou informais, para evitar que tais conflitos apareçam ou para mantê-

los sob controle – gerando os menores danos possíveis – ou para serem resolvidos logo no

início.

Ainda segundo o mesmo autor, duas são as causas principais dos conflitos produzidos

pela água: a escassez, que, segundo ele, “não provoca conflitos, mas que é uma circunstância

importante ao aumentar a competição interna pelo recurso hídrico” (Batista, 1998:5), e a

desigualdade no seu acesso, pois, “em sistemas de irrigação há a tendência de se relacionar o

problema do acesso à água às desigualdades individuais e coletivas (...) em um contexto onde

a água seja escassa” (p.5).

Os conflitos podem ser: horizontais ou verticais e internos ou externos. Por um lado,

os conflitos horizontais ocorrem entre semelhantes, pessoas pertencentes a um mesmo “grupo

social”, enquanto que os verticais são desenvolvidos entre grupos que se encontram em

distintos níveis no que se refere ao acesso e/ou controle da sua gestão, o que pode ser

entendido como manifestações da luta de classe pela água. Por outro lado, os internos são

aqueles que se desenvolvem entre os diversos atores de um sistema de irrigação, e os externos

são conflitos em que aparecem envolvidos uma comunidade e algum elemento externo

(Batista, 1998).

Sutentado em essa classificação, se pode dizer que no Vale a maioria dos conflitos

narrados é de tipo interno horizontal ou externo vertical. No primeiro caso, trata-se de

problemas entre usuários de uma mesma fonte de água, com similar situação social, como os

conflitos pelo estabelecimento e cumprimento de turnos da água nas diversas fontes

analisadas neste trabalho. No segundo, trata-se de usuários que se encontram águas acima e

águas abaixo num mesmo sistema de irrigação, como no caso do riacho Atarigua, e os

desentendimentos entre os agricultores de Sanare e Quíbor.

111

Wateau (2000), em um trabalho etnográfico sobre os conflitos pela água de irrigação

em Melgaço, no noroeste de Portugal, onde procurou “investigar a lógica que preside à

construção da ordem social em Melgaço, através da observação de uma atividade técnica

agrícola, a rega, que mobiliza uma boa parte da população durante o verão” (p. 29), discorda

da premissa de alguns economistas de que a escassez de água seja motivo suficiente de brigas

pela água. A autora aponta que nessa região, mesmo não tendo uma escassez de água muito

pronunciada, com relação a outras regiões desse país, essa suposta escassez é utilizada como

pretexto para gerar conflitos no verão todos os anos. Isso fez com que ela procurasse por

outras explicações para justificar tais conflitos, que não simplesmente a escassez da água.

... em Melgaço − em cujos cumes montanhosos caem até 3.300 mm de água por ano e onde as inumeráveis nascentes brotam de todos os lados −, os camponeses esforçavam-se todos os anos por convencer-me de que esse argumento explicativo de escassez, por lhes permitir, inteligentemente, legitimar uma boa parte dos roubos de água praticados no Verão, sendo esses os principais causadores de conflitos, numa incontestável forma de afirmação (p.22).

Para a autora, os conflitos nessa região têm a ver com a importância que os

camponeses atribuem à água, o que revela a existência de tensões permanentes entre os

beneficiários da água, levando a crer que, “se a água de rega é um assunto que motiva toda a

população, é porque serve de suporte a outras questões mais profundas, sociológicas e

identitárias” (Wateau, 2000:22). Em seu estudo, ela comprovou que todas as pessoas em

Melgaço estão mais ou menos ligadas entre si por meio da água de irrigação e aduz que “a

água é um laço conflitual (...), mas também um laço que aproxima as pessoas” (p.141).

Pode-se considerar, então, que a possibilidade de que a água seja geradora de conflitos

é um tema que tem sido abordado a partir de várias perspectivas e por diversos autores, alguns

deles considerando que a escassez e a distribuição da água são por natureza geradoras de

conflitos, e outros entendendo que sejam algo comum, ainda que fonte de negociação, acordos

e possíveis conflitos excepcionais.

Neste estudo utilizo a noção de interface para analisar e compreender os sentidos

atribuídos aos conflitos pelas pessoas envolvidas na gestão da água de irrigação no Vale, já

que considero, tal como Long (2001) aponta, que é nos encontros de interface, entre as

diversas pessoas com participação no sistema de irrigação, em cada fonte em particular,

... que se podem evidenciar os tipos de descontinuidade que existem e suas dinâmicas e os caracteres emergentes dos conflitos e interações que aparecem, mostrando como

112

as metas, as percepções, os valores, os interesses e as relações das pessoas são reforçados ou reformados por esses processos (p. 191).

Os conflitos na distribuição das águas no Vale

A seguir apresento a análise de alguns dos conflitos que me foram relatados sobre a

gestão de água para irrigação no Vale de Quíbor.

Apesar de os conflitos com relação à água de irrigação não terem feito parte dos

elementos que seriam abordados em detalhe no começo deste trabalho, não foi a partir das

falas dos interlocutores que ficou claro que a distribuição da água no Vale tem gerado e

continua a gerar discussões, brigas, acordos e desacordos, mostrando-se como questão

fundamental para os agricultores da região a gestão desse recurso. Decidi então focalizar parte

desses conflitos que apareceram e detalhar o último conflito de que tomei conhecimento

referente à distribuição de água da limpeza dos filtros, na antiga estação de tratamento Cidade

de Barquisimeto, que tem mobilizado vários atores da região na busca de uma solução. A

seguir abordo esses conflitos a partir de aproximações sucessivas, à medida que fui tomando

conhecimento sobre eles.

Como uma primeira aproximação e para melhor visualizar quem é citado pelos atores

quando se fala de conflitos pela água no Vale, a partir das conversas com alguns dos atores

construí uma tabela (tabela 3) para tentar identificar quem aparece associado quando se fala

de discussões, brigas, negociações, acordos ou soluções sobre distribuição da água ou da

intervenção de pessoas não reconhecidas como usuários, numa determinada fonte.

No tabela aparecem em destaque pessoas ou instituições mais freqüentemente

referidas pelos interlocutores, em situações de conflito. Os mais citados são os de baixo

(Quíbor), os de cima (Sanare) e a Guarda Nacional. Tanto os agricultores como os

funcionários concordam em apontar para essas mesmas pessoas e instituições ao relatar os

conflitos acontecidos no Vale. Apesar de cada interlocutor falar dos conflitos mais próximos

de seu cotidiano e da sua fonte, os problemas que acontecem no riacho Atarigua são os que

mais aparecem nas falas dos vários interlocutores, isso porque o riacho, quando leva água em

abundância, é utilizado como fonte para irrigação por quase todos os agricultores que

participaram desta investigação. Muitos são os agricultores referidos por dois dos juízes como

as pessoas envolvidas em situações de conflitos, a maioria deles porque não obedece às

normas, provavelmente pelo desespero, pelo medo que tem de perder o cultivo, ou porque

utiliza as bombas para pegar mais água em prejuízo daqueles que não têm bombas.

113

A Guarda Nacional, como representante da institucionalidade militar no local, é

sempre referida, e de maneira unânime, como a responsável pela solução dos conflitos: ela é

chamada para pôr fim em qualquer problema não resolvido pelo diálogo. A polícia é menos

referida como órgão repressor, quiçá porque esse tipo de conflito é produto de situações

geradas por desacordos na distribuição da água, que é uma atividade agrícola e relacionada

com o ambiente, área de atuação que corresponde por lei à Guarda Nacional. A Prefeitura do

Município Jiménez e o Ministério do Ambiente também aparecem como instituições não

repressivas, responsáveis pelo estabelecimento e manutenção da legalidade dos acordos

assinados por todos os usuários.

Destaca-se, também, a instituição regional de administração das águas (anteriormente

Inos e agora Hidrolara), que é referida por três dos agricultores. Nesse caso, já mencionado

antes, como a fonte de água depende dessa instituição e a distribuição tem de ser paga, a

recusa ou a impossibilidade de pagamento têm gerado vários dos conflitos narrados.

Os juízes ou distribuidores, embora sendo os que distribuem a água todos os dias, não

se referem a si próprios envolvidos nos conflitos, porém, eles aparecem em quase todas as

discussões e brigas pela água, de uma ou de outra maneira, pois, são eles, em primeira

instância, os responsáveis por tentar resolver os problemas. Em conseqüência, o juiz participa

ora gerando o conflito ora na sua solução. Ele pode gerar conflito ao tentar cumprir com seu

trabalho, tentando evitar que alguém viole as normas ou tomando uma decisão que cause

desconforto em algum usuário. Por outro lado, ele também pode ser parte da solução do

problema, ao persuadir os usuários a não brigarem por mal-entendidos.

114

Tabela 3

Os conflitos pelo uso da água

INTERLOCUTORES QUEM É REFERIDO

AM

DI

IS

AR

EL

ES

SI

TE

AE

FR

JE

Os de baixo (Quíbor) X X X X X X Prefeitura de Jiménez X X X Prefeitura de Sanare X Autoridades X PB (juiz de água) X Os de cima (Sanare) X X X X X X Donos da fazenda das Galias X O prefeito X X Junta (Aproagro) X Meu compadre PL (Ministério do Ambiente Sanare) X Guarda Nacional X X X X X X Ministério do Ambiente X X X CU (juiz de água) X HC (associação) X TT (agricultor) X H (agricultor que pegava a água com bombas) X P (agricultor) X MG (agricultor) X Gente de Chaimare X DO (juiz de água) X SM (agricultor) X Eles (os agricultores) X X Os ‘bombeiros’ (usam bombas) X X Junta administradora da água do túnel X Os que têm plantios X Inos/Hidrolara X X X Governo do Estado X Empresas campesinas (La Vigía, Yacambú e Cerro Pelón) X AP (agricultor, seu irmão) X Os peritos ou técnicos X X Polícia do município (Comandante) X Extratores de areia do leito do riacho Atarigua X Grandes produtores (ET e EG) X Militares corruptos X Juiz de água de Atarigua X Setores que fazem denúncias X X

Juízes Agricultores Funcionários

115

Ao longo das conversas com as pessoas, o tema dos conflitos sempre foi referido, ora

motivado por alguma pergunta feita, ora porque o ator o trazia para completar sua

argumentação, na maioria das vezes surgia como parte da história que não queriam que se

repetisse. Como uma segunda aproximação a esta temática, selecionei alguns dos trechos das

entrevistas onde eram relatados conflitos que apareciam associados a cada fonte de água, pois

cada uma delas tem suas especificidades no que diz respeito à forma de organização,

distribuição da água, normativa, aos tipos de conflito e soluções, merecendo ser consideradas

de forma independente, ainda que o Vale seja o lugar de todas.

É necessário dizer que o panorama atual de uso da água do riacho tem, de um lado,

principalmente a presença dos pequenos produtores do Vale, donos de uma antiga tradição de

uso dessas águas e, de outro lado, os grandes produtores, geralmente de origem canária, cuja

localização mais recente, nas montanhas, e sua tecnologia os colocam em situação vantajosa

em relação aos que vivem e trabalham no Vale. Os conflitos referem-se ao envolvimento de

vários atores, como a intervenção de terceiros, pessoas não pertencentes à região que

procuram areia no riacho para ser usada na construção, passando pelos conflitos entre

usuários da mesma área e os que acontecem entre os agricultores de Sanare e do Vale.

Andrés, usuário das águas abaixo do riacho Atarigua, lembra os tempos em que os

produtores do Vale tinham problemas quase todos os dias com produtores de Sanare para

distribuir a água do riacho. Fala das reuniões que fizeram com eles, a Guarda Nacional e o

Ministério do Ambiente, e dos acordos que estabeleceram, e que as brigas, acontecidas antes

dos acordos, quase haviam acabado em mortes. Lembra que os agricultores de Sanare

utilizavam bombas a motor para extrair água e levá-la para as montanhas e, desta forma,

diminuir o fluxo para baixo, e que alguns dos agricultores do Vale, ele se exclui, subiam pelo

riacho quebrando as bombas, num eterno conflito.

É necessário dizer que o panorama atual de uso da água do riacho Atarigua tem, de um

lado, principalmente a presença dos pequenos produtores do Vale, donos de uma antiga

tradição de uso dessas águas e, de outro lado, os grandes produtores, geralmente de origem

canária, cuja localização mais recente, nas montanhas, e sua tecnologia os colocam em

situação vantajosa em relação aos que vivem e trabalham no Vale. Os conflitos referem-se ao

envolvimento de vários atores, como a intervenção de terceiros, pessoas não pertencentes à

região que procuram areia no riacho para ser usada na construção, passando pelos conflitos

entre usuários da mesma área e os que acontecem entre os agricultores de Sanare e do Vale.

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Andrés, usuário das águas abaixo do riacho Atarigua, lembra os tempos em que os

produtores do Vale tinham problemas quase todos os dias com produtores de Sanare para

distribuir a água do riacho. Fala das reuniões que fizeram com eles, a Guarda Nacional e o

Ministério do Ambiente, e dos acordos que estabeleceram, e que as brigas, acontecidas antes

dos acordos, quase haviam acabado em mortes. Lembra que os agricultores de Sanare

utilizavam bombas a motor para extrair água e levá-la para as montanhas e, desta forma,

diminuir o fluxo para baixo, e que alguns dos agricultores do Vale, ele se exclui, subiam pelo

riacho quebrando as bombas, num eterno conflito.

Andrés. Sí, después sí hubo problemas, pero no problemas de llegar a esos extremos, tuvimos un problema nosotros una vez con el agua entre Sanare y Quíbor, que es cuando el agua se achica, que a nosotros no nos dejaban usar el agua, de aquí, subíamos mucho, tumbábamos las tomas y ellos las volvían a hacer, después se volvió un zaperoco, porque la gente llegaba y le dañaba las bombas, no era Andrés Eloy, Blanco Distrito, era mandado por el Distrito Jiménez, entonces de aquí mandaban la Guardia y le traían las bombas, eso era un problema ya rotundo. J. ¿Las bombas eran de quienes? Andrés. De allá, de los agricultores de Sanare.

Apesar de considerar injusto que os agricultores de Sanare tirassem água deles, não

concorda com as ações violentas dos agricultores do Vale. Ele afirma ter temido que as

pessoas de Sanare os matassem em uma emboscada, pela localização deles na montanha.

Acrescenta que, apesar da intervenção da Guarda Nacional, só conseguiram ter paz com a

criação de uma associação que estabeleceu um acordo com o Ministério do Ambiente, a

Guarda e os agricultores de Sanare, da qual ele era o líder. A partir da assinatura desse acordo

ficou determinado que os turnos seriam de três dias de água para Quíbor e três para Sanare,

enquanto a água fosse pouca, na estiagem. Segundo ele, desde o acordo não têm acontecido

mais problemas entre eles.

J. ¿Y ustedes iban de aquí a echarles a perder las bombas? Andrés. No, yo no me incluí porque nunca me ha gustado eso, yo lo mal hecho, si uno no quiere que le hagan una cosa mal hecha no debe hacérselo a los demás, a mí no me gustó nunca eso, pero sí iban muchos de aquí y les dañaban las bombas. J. ¿Era injusto lo que hacían ellos? Andrés. Claro, ellos nos quitaban el agua injustamente no nos dejaban el agua, pero tampoco había que pagarles de esa manera, había que abrir un consenso, que fue cuando nosotros, yo me metí en eso un tiempo, que yo le estoy hablando en el 88, me metí yo en una Junta que coordinamos, formamos una asociación y yo me metí de cabecilla y les dije,” miren vamos a dialogar con esa gente, vamos a tratar de hacer consenso”, les dije yo,” porque no puede ser posible que nosotros vamos a vivir en este tiempo para allá y para acá, lo más probable es que ellos nos vayan a matar a nosotros porque nosotros estamos entre cerros y ellos fácil nos cazan y nos matan”, les dije yo.

117

J. Ya usted veía la emboscada. Andrés. Sí, no, era fácil de que nos tendieran una emboscada, bueno, vino la gente, y tomaron consenso, hicimos una reunión aquí, más de 80 productores, formamos la asociación y fuimos y hablamos, en ese entonces estaba un compadre mío que era que el que dirigía el Ministerio del Ambiente aquí en Sanare, yo le planteé el caso y él nos apoyó, hablamos con la Guardia y también nos apoyó, entonces, llamamos a la gente de Sanare, al Ministerio del Ambiente a Barquisimeto y fuimos los de aquí, y, fue duro, al principio fue duro para poder llegar a un consenso con ellos, pero sí, después llegamos a un acuerdo y se quedó, hicimos unos turnos de agua, son tres días para allá y tres días para acá, en lo que el agua se seca, ahora, en lo que hay agua suficiente, no tenemos nosotros ningún problema, pero sí quedó todo coordinado que son tres días para allá y tres días para acá.

Andrés comenta sobre a situação de paz alcançada por eles, dando-lhe muito crédito

por isso ao juiz de água atual. Ele lembra que sempre existe a pessoa que se acha mais valente

que as outras tirando água delas, mas que com a intervenção do juiz isso tem diminuído.

Acrescenta que eles têm se civilizado, porque acabaram com as brigas. A palavra civilizado é

usada por Andrés para explicar as mudanças nos comportamentos dos agricultores de Quíbor,

num processo que se pode denominar de evolutivo, segundo ele, onde ser civilizado implica

não se achar melhor que ninguém, não ferir ou matar outro pelos problemas de água, ou seja,

supostamente o fim dos conflitos.

J. ¿Y hoy en día, todo el mundo le hace caso a él, no hay conflictos? Andrés. No, se acabaron los conflictos, aquí no hay conflictos ahorita sobre el agua, porque él ha puesto eso en orden, al menos tiene carácter y la gente, yo digo para mí que nosotros nos hemos civilizado, porque antes la gente peleaba por el agua, tenía problemas que, no yo te quito un chorro, entonces venían los problemas, o no te la dejo pasar, porque siempre aquí existió eso, anteriormente, que el que era más guapo le quitaba el agua al otro, entonces ahí habían los problemas, tenía que intervenir.

Ao perguntar Andrés se recordava de alguma outra briga pela água, ele confirma que

muitos anos atrás até uma morte ocorreu, quando um homem esfaqueou outro por tentar ser

mais esperto do que ele e tirar sua água.

J. ¿Qué otros problemas usted recuerda que hubo por el agua? Andrés. Bueno, yo sé que ahí hasta muerto han visto, hacen muchos años mataron uno por, porque le quitó el agua al otro y quería ser más vivo y el otro lo vino y lo macheteó.

Isidro, juiz de água do riacho, dá sua versão dos conflitos que ocorrem na distribuição

da água. Ele é quem realiza a maioria das interfaces entre os produtores de Sanare e de

Quíbor, sendo essas, aliás, as mais problemáticas, por envolverem agricultores que dividem o

riacho, ficando um grupo deles na parte de cima, o que lhes dá uma certa vantagem, e os

118

outros, na parte de baixo. Em primeiro lugar, fala do descumprimento de turnos estabelecidos

pelo Ministério do Ambiente. Argumenta que a Guarda Nacional tenta controlar um pouco os

roubos e a falta de cumprimento dos turnos. No entanto, os agricultores de Sanare, pelo fato

de estar riacho acima, afirmam ser os donos da água, embora as pessoas do Vale continuem a

lutar pelo que consideram seu direito. Ele utiliza a expressão, “sempre a gente recebe algo”,

para se referir ao fato de que, ainda que pouca, eles sempre recebem água, resignado a que os

de cima “tenham mais direito” do que ele, que faz parte do grupo dos que estão riacho abaixo.

Isidro. …eso es una cuestión que la ha turneado el ambiente, pero eso en veces no se respeta, esa es una de las cuestiones J. ¿O sea que ustedes a veces tienen problemas con el agua porque los de arriba no les paran? Isidro. Sí los tenemos, vamos a la Guardia y la Guardia medio controla pero no es igual, ellos están arriba, se atienen a eso “nosotros estamos arriba y no podemos perder, el agua es de nosotros”, eso era cuando Quíbor pertenecía a…, Andrés Eloy pertenecía a Jiménez, era más distinto, pero ahorita no, porque ellos son ya municipio y el agua y que es de ellos, dicen ellos, hasta ahí nosotros, peleamos los que nos toca y siempre nos toca algo.

Nas interfaces com pessoas que não são usuárias da água, mas que tiram areia do

riacho para vender nas construções de prédios e casas, ele conta que apenas alguns deles se

juntam a ele para fazer o trabalho. Comenta um episódio em que quase teve de brigar com

vários operários de Barquisimeto, os quais ele afirma estarem drogados, porque não gostaram

que lhes dissessem o que tinham que fazer para não prejudicar a passagem da água pelo

riacho. Os trabalhadores o chamaram para se bater com as mãos, mas ele respondeu que não

estava ali para brigar e sim para trabalhar e organizar a extração da areia. Porém, menciona

que se tivesse um revólver ele o teria usado. Comenta que teve de ir à procura da Polícia, que

os obrigou a esvaziar os caminhões. No final, disse a eles que isso havia ocorrido por não

terem seguido suas instruções e que perderam o trabalho.

Isidro. Hay unos que son muy buenos y otros que se pasan de vivos, como hay gente que, yo el otro día a unos carajos de Barquisimeto, llegaron allí, si he tenido un revólver te digo que lo fuera cargado, palabra chico, les digo “aquí no vayan a acabar con esto, por esto”, unos carajos endrogados ahí, andaban como cinco, “ah, vamos pa allí, para que nos echemos”, (sonríe nervioso), “yo no ando, yo ando es trabajando, yo no ando peleando”, les dije, “los estoy es ubicando para que no, ni ustedes sean molestados ni yo tampoco, los que llevan el agua y tal”, entonces tuve que venirme, tuve que buscar a la Policía, después que habían hecho el trabajo completo, llenado los volteos, tuvieron que vaciar la arena otra vez, perdieron el trabajo, “eso pasa por ustedes, por que yo los estoy es ubicando para que hagan su trabajo”, les dije, “entonces, ustedes a cuenta de guapos”, no, la cosa aquí se ha trabajado más o menos.

119

Ele aponta que antigamente surgiam mais conflitos, e com conseqüências muito

piores. Acrescenta não ter colocado ninguém para brigar, o que quer dizer que suas decisões

na distribuição da água não têm levado a brigas nem confusões, por que, aliás, as pessoas têm

melhorado seu comportamento. Refere-se, também, ao homicídio de um agricultor pelo roubo

do turno de água. Isidro vai-se posicionando e mostrando as diversas arenas de encontros nas

quais as interfaces sociais têm resultados diversos, entre eles, a morte, ferimentos com armas

de fogo ou facão, ou discussões agressivas, todos causados, entre outras razões, pela má

distribuição da água.

No diálogo que mantive com Isidro aparecem várias questões interessantes sobre os

conflitos pelo uso da água. Ele parte da idéia de que as pessoas têm de ter palavra e manter as

decisões que foram tomadas. No conflito narrado, a partir da minha pergunta sobre se as

pessoas brigavam antigamente pela água, ele comenta que acha que Carlos agiu legalmente

quando matou Antonio (tio de Isidro) com um facão, pois ele sempre tirava o turno de água

dele até que Antonio se cansou e botou o corpo, atravessado, no canal, tingindo-o de sangue.

Isidro. …Hasta hoy no he tenido problema que no he echado a pelear a nadie, porque aquí la gente se han acomodado, aquí lo que hay que tener es palabra. J. ¿Antes se peleaban? Isidro. Sí, aquí han matado gente por cuestiones del agua. J. ¿A quién por ejemplo? Isidro. Aquí mataron a un carajo que era hasta tío mío, se llamaba Antonio, el papá de Alberto y todos esos carajos, lo mató un señor que él era, por cierto de El Hato era ese carajo, Carlos, pero te digo, él lo mató legalmente porque el hombre se la tenía aplicada, él tenía su, le daban su turno a él y el hombre, el otro se burlaba de él, se la quitaba y el hombre se obstinó, lo mató, lo mató en el buco.

Isidro conta outro conflito pela água quando Amado (que tinha assasinado Mario)

esfaqueou Cristiano por problemas de água, e ele não explica como não houve conseqüências

fatais. Ambas as pessoas envolvidas nessa briga já morreram.

Isidro … en El Molino hubo otro carajo, Cristiano, los dos están muertos ya, un tipo que lo mató un carajo de Playa Bonita, que mató a Mario, en esa curvita que está jodida ahí, ese lo mató, cómo se llama él, Amado, debe ser ese carajo, ese carajo macheteó, por un agua también a Cristiano, le cruzó el machete, yo no sé como no lo mató.

Segundo Isidro o último conflito aconteceu há 15 anos. Foi quando Luciano e Pedro

brigaram por uma água mal distribuída, pois, Cirilo, o distribuidor, deu o turno a Luciano, e

Hernam, o encarregado, deu o mesmo para Pedro, que, por sua vez, atirou em Luciano,

120

achando que o turno fosse dele. Isidro comenta que Pedro é muito bravo e que embora o

turno não fosse dele, e que o encarregado tenha cometido um erro, pois Luciano está antes na

distribuição, sacou o revólver e atirou. Para ele, os dois homens não quiseram ceder e por isso

começaram a briga.

Isidro. … y el lío que hubo últimamente ahí, que fue allí por el buco este, Luciano con el Pedro, por cuestiones de un agua, mal repartida porque Cirilo le dio el agua a uno y Hernam se la dio al otro y después no se entendieron ninguno y ellos en la tabla, Luciano está primero y Pedro no quería que se la quitara y le dio un tiro al otro, por agua. J. ¿Hace cuánto fue eso? Isidro. No, eso fue hacen ya creo, más de 15 años, fue por eso, por esa agua que se la dieron a los dos, entonces, ninguno se querían dejar y se vinieron a discusiones. J. ¿Eran dos repartidores? Isidro. No, había el juez de agua y un repartidor, el juez dijo uno y el repartidor dijo otro, entonces los muchachos se entendieron mal ahí, que no era porque si tú estás primero yo tengo que respetarte que tú estás primero, pero ellos no, porque Pedro se la da de más jodido, peló por el revólver y le dio un tiro al otro.

Tiago nega que na sua região tenha havido pessoas mortas por brigas pela água, mas,

narra o assassinato de uma outra pessoa cometido por Amado, que segundo ele, “já faz tempo

que aconteceu”, dando a enternder que por ter passado muito tempo o asunto tivesse

importância, porém, corrobora a versão do homicídio que Carlos cometeu em El Molino, que

coincide também com a narrativa de Isidro. Tiago não sabe qual o motivo específico das

mortes, mas disse que, com certeza, a causa das brigas foi a água.

Tiago. Que yo sepa, aquí en esta región, aquí no.

J. ¿Y allá arriba en El Molino? Tiago. Ah, en el Molino sí. J. Allá si hubo esos problemas? Tiago. Sí, allá sí, que yo recuerde que hayan matado a alguien por esa agua, fue, un señor Amado. Amado mató a alguien, pero eso hace bastante tiempo. Carlos mató a uno allá en El Molino y se vino para Quíbor y después a Carlos, por venganza de ese muerto le mataron a un hijo en El Molino, dos muertos que sepa yo por el problema del agua. J. ¿Era que a Carlos le quitaban el agua o era él el que le quitaba el agua a los demás? Tiago. Yo sé que el origen de la rencilla fue el agua, no sé más detalles J. ¿Ha variado mucho el clima entonces? Tiago. Sí, ha variado mucho.

Sergio, nascido nas Ilhas Canárias, tem mais de 35 anos trabalhando a terra nas

montanhas de Sanare e há um pouco menos desse tempo vem usando água do riacho Atarigua

para cultivar fora da época de chuvas. Comenta que sempre ocorreram problemas e que o

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primeiro que começou a roubar essa água para irrigação, utilizando bombas a motor, foi o

irmão dele, que, pelas queixas dadas pelos agricultores do Vale, era levado para a Polícia com

tudo e suas bombas. Reconhece que as pessoas do Vale tinham razão, pois, naquela época

essa água era utilizada para o consumo humano.

Sergio.…siempre ha habido problemas porque siempre usted sabe, antes, anteriormente cuando mi hermano estaba sembrando, que era el único que agarraba una aguita ahí, hasta la Guardia, la Policía de Quíbor, porque esto, esto pertenecía a Jiménez y venía, venía la Policía para arriba y se lo llevaba con todo y bomba para abajo de una vez, ajá, una aguita ahí de noche, robándosela, porque ahí si tenía razón Quíbor, porque era para tomar, el acueducto era de esta agua.

Durante a conversa com Sergio estive na companhia de Isidro (juiz de água), que nos

apresentou e lhe perguntou se podia conversar comigo sobre o uso da água do riacho em

Sanare. Por isso, em alguns trechos da conversa ambos aparecem fazendo referência um ao

outro, numa suposta brincadeira cheia de duplos sentidos. No trecho a seguir, por exemplo,

Sergio se posiciona como habitante de Sanare, que ele define como de melhor qualidade e

capacidade produtiva do que os agricultores de Quíbor. Dizendo isso, olha para o Isidro

esperando que concorde, mas este faz silêncio.

Sergio. ... la gente de Sanare, que somos mejores que los de Quíbor, no por decirlo yo, ¿ustedes mismos lo dicen, no?

Referindo-se aos turnos de água, Sergio aponta que algumas vezes se cumprem os

turnos, mas que, outras vezes, as pessoas de Sanare ficam muito nervosas pela falta de água e

não deixam passar água para Quíbor. Ele utiliza então algumas palavras como se fossem ditas

pelo Isidro, que está presente, é uma maldade tirar a água das pessoas de Sanare. Isidro, ante

este comentário de Sergio, confirma o dito por ele e diz; já a gente olha que a água não

chega. Sergio continua a argumentação dizendo que tirar essa água dos agricultores de Sanare

é uma maldade, pelo trabalho e os custos que significa vigiar, extrair e armazenar essa pouca

água e de que isso gera muita raiva.

Sergio. …Quíbor tiene 3 días y 3 noches y a nosotros 3 días y 3 noches. J. ¿Y eso se cumple? Sergio. Algunas veces, cuando la gente se pone brava que necesita mucho el agua, que no viene casi agua, no se cumple, vienen los días de Quíbor y que va, no la dejan pasar, entonces, va este, y viene siendo el que manda, el juez y dice, “mire, ya es una maldad quitarle el agua” Isidro. Ya uno está viendo que no llega. Sergio. Ya es una maldad, echan, para que llegue un día de agua tienen que echar tres días por ahí y les sale por lo menos por decirte algo 100 ó 200 mil bolívares la

122

bajada de agua, porque tienen que poner gente para que le llegue, en cada buco un tipo, entonces es una maldad que nos hacen a la gente de Sanare que todo se lo va chupando en el trayecto, que con eso nosotros, algo se logra, aquí lo ponemos nosotros, por hora, por días y tal, y tú bombeas 4 horas y yo bombeo 6, pero eso uno ha pasado aquí mucha rabia compañero.

Antes que nós três terminássemos a conversa, Isidro levantou uma questão que

chamou muito minha atenção, ele comentou que hoje em dia os agricultores de Sanare e

Quíbor estão brigando pelo esgoto de Sanare, pois, há uma lagoa de estabilização de águas

residuárias que recolhe toda essa água do povoado (ver figura 10). Essa lagoa, quando enche,

transborda, e as águas fluem junto com as do riacho Atarigua, em direção ao Vale, quando

isso acontece, eles utilizam o esgoto para irrigar suas plantações, geralmente sem discriminar

o tipo de cultivo, o que pode gerar problemas de saúde pública, em curto prazo. Essa situação

não é conhecida pelos meus interlocutores do Ministério do Ambiente nem do SHYQ, pois,

quando fiz referência a esse problema, nas conversas, eles se mostraram surpresos de que isso

estivesse acontecendo.

Figura 10. Lagoa de estabilização do esgoto de Sanare.

Diego, o distribuidor da água do Portal de Saída da água do Túnel, comenta algumas

das estratégias que utiliza para evitar as brigas entre os agricultores. Aponta que ele faz seu

123

trabalho tentando distribuir a todos a pouca água disponível e que, se algum dos produtores

ficar nervoso, ele não se importa: o problema é do produtor que terá de se contentar sozinho,

pois ele não põe ninguém para brigar, nem ele briga com ninguém.

J. ¿O sea que si a mí me tocó agua el día cinco, me vuelve a tocar agua el día 7 del otro mes? Diego. Sí cada mes. J. ¿Y con esas 24 horas lleno una laguna? Diego. No, no se llena, se siembra poco con la poca agua que agarra, una hectárea, hectárea y media J. ¿Y la gente no se pone brava? Diego. Sí se ponen. J. ¿Y qué hacen, pues? Diego. ¿Qué van a hacer?, contentarse ellos mismos porque yo no voy a echar a pelear, ni peleo yo ni pelean ellos, si se enojan, anoche casualmente voy a darle el agua a la laguna de Víctor y Reinaldo estaba seco aquí, tuve que darle en la noche de anoche y dársela otra vez a Víctor, otra vez, ya mañana es para Ramiro. J. Ah, ¿tuviste que hacer una división? Diego. Uhum. J. Te doy a tí un poco y a tí un poco y mañana les vuelvo a dar porque ¿este estaba seco? Diego. Para remediarlos a todos.

Para resolver os problemas e desentendimentos que ele não consegue por meio do

diálogo, Diego se dirige, também, ao posto da Guarda Nacional, segundo me respondeu.

Porém, mais adiante na conversa, disse não ter tido problemas graves com os agricultores e

que fazem reuniões para chegar a acordos que evitem as brigas e a necessidade de recorrer à

Guarda Nacional, que é o último recurso que utiliza. Comenta, ainda, que os produtores ficam

muito nervosos quando têm um cultivo e pensam que poderão perdê-lo pela falta de água,

esse é o momento de maior tensão.

J. ¿Y entonces, si tú tienes algún problema a quién acudes? Diego. Ah, a la Guardia, allá. J. ¿Y ellos te apoyan si hay algún agricultor que te está fregando? Diego. Ah, ok.

J. ¿Nunca has tenido que llamar a la Guardia? Diego. No, se hacen reuniones para que ellos apliquen las cosas, se le pone la condición a la gente, una semana lo cumplen y después siguen, no, pero no ha habido más bochinche. J. ¿Tú dirías que está controlada la cosa? Diego. Por los momentos. J. ¿Quién se embochincha, cuando no viene el agua y empieza la sequía? Diego. Los que tienen siembra, es muy bravo, por lo menos tener tres hectáreas sembradas y no tener agua.

124

O senhor Tiago, aposentado e antigo usuário da água do túnel, que agora é usada pelos

filhos, fala sempre em passado. Para ele não existem mais conflitos pela água na região, mas

argumenta que os problemas se apresentavam porque alguém plantava mais do que outro e,

como precisava sempre de mais água, se achava mais esperto que os demais, ocasionando

constantes brigas.

J. señor Tiago, ¿cuáles eran las dificultades que usted veía para administrar el agua aquí, qué problemas usted ve que eran los más importantes? Tiago. Los problemas que se presentaban aquí, eran que siempre uno sembraba más que otro y por supuesto, necesitaba más agua y quería siempre más agua que otra persona, y uno que se echa más de vivo que otro, como siempre, como todo pues.

Alcides narra uma situação que ele viveu na época que distribuía água da estação de

tratamento diretamente. Um agricultor, estabelecido na parte de cima do lugar e utilizando

uma bomba elétrica para encher sua lagoa, pegava mais água da que devia. Como distribuidor

da água, ele não tem poder para tomar atitudes contra aqueles que não cumprem as normas.

Por isso, comenta que conversou com o presidente da associação para que a situação não

continuasse. A solução encontrada foi fazer umas comportas na entrada das terras do

agricultor para controlar o fluxo da água, e aquele que não pagasse a primeira vez não deveria

receber água até fazer o pagamento. Porém, segundo ele, o presidente da associação

(Aproquíbor) não fez nada e, como não pagaram à empresa administradora, a entrega e

distribuição dessa água, que devia ser paga, foram suspensas.

Alcides. Él la halaba para bombeo y para otra laguna más, entonces, yo hablo con el presidente de la asociación que era Tiago,‘mire Tiago, aquí hay un problema’, le dije yo, ‘el agua dura 3 y 4 horas para llegar al canal, donde va a salir, en la quebrada pues, y Hugo la larga 4 ó 5 horas, mire si usted no quiere que haya problemas, usted tiene que hablar con Hugo, para hacerle las compuertas o se le hace pagar el agua, porque si seguimos así, que Hugo en la semana te va a agarrar, por lo menos para decir algo, si se suelta el agua todos los días, va a agarrar por lo menos 5 a 10 horas diarias, y entonces, va a acumular mucho billete y no la va a pagar, entonces, la cooperativa, el Inos no le va a vender más agua a la asociación del Hato, le dije. ‘Esa es una idea buena, hablar con Hugo, se le pone una compuerta para que se ponga al día’, ‘porque usted al que le de agua la primera vez, no debe darle la segunda vez hasta que no pague, si usted quiere que esto dure, que sea estable, porque a usted, por lo menos, estando con el Inos al día, uno podía conseguir agua, porque esa agua no es para los agricultores sino para consumo, pero puede haber una solución ahí, un acuerdo, pasarle a una siembra, una cuestión así, verdad?, entonces no me hizo caso, se acumuló mucha plata, entre Plinio, Hugo, Manuel, ah, no nos vendieron más agua.

Os problemas na empresa La Vigía começaram quando a empresa administradora

começou a pressionar os agricultores para que pagassem o serviço. Como eles não pagavam,

125

funcionários da empresa colocavam cadeados no lugar de distribuição de água. Os

agricultores, precisando dessa água para sobreviver, quebravam os cadeados e os substituíam.

Os funcionários quebravam, por sua vez, estes cadeados, numa rotina diária.

Elian conta que foram muitas as coletas perdidas pelos cortes da água. Alguns dos

cortes duravam um mês, outros duravam até dois meses, mas que os agricultores pensavam

que a água era grátis, mas a empresa pedia para eles pagarem. Ao perguntar o que eles faziam

diante dessa situação, Elian responde que não faziam nada mais do que suportar e fazer as

tramitações em Barquisimeto para solucionar o problema, e que andaram muito pela cidade

sem conseguir mudar a situação.

Elian. Ajá, supuestamente que el agua era regalada para los campesinos, para nosotros ahí, pero no sé, no, entonces ahí vinieron los cortes de agua, a veces que por dos meses, por un mes y esas siembras perdidas, porque se perdió mucha siembra, perdimos mucho. J. ¿Qué hacían ustedes cuando llegaba eso? Elian. Nada, pues, aguantar la mecha y hacer diligencias para Barquisimeto, nosotros caminamos mucho esa vaina, náguara, eso caminamos demasiado.

Logo veio o roubo de água, os cadeados foram quebrados para poder irrigar e manter

os cultivos, até o governo do estado teve de dar a autorização para que pudessem usar a água.

Elian. No, es que nosotros las últimas veces nos robábamos el agua, teníamos que robarla, reventábamos los candados para poder regar para no perder la siembra, entonces a última hora llegó una orden de que soltáramos el agua y la soltamos. J. ¿Que la soltaran quienes? Elian. Nosotros, una orden de la Gobernación que soltáramos esa agua para que no dejáramos perder las siembras que teníamos.

Os principais problemas foram os que tiveram com a Hidrolara, pelo pagamento da

água. Hoje em dia, os agricultores pagam uma quantidade estabelecida pela empresa e

recebem a água, mas, segundo Elian, ela não é suficiente para todos.

A problemática dos semilleristas é muito parecida com a dos usuários da empresa

camponesa. Os produtores de sementes colocavam mangueiras na tubulação que iam desde a

represa Dos Cerritos até a cidade de Barquisimeto. Isso fazia com que a empresa Inos, hoje

Hidrolara, ordenasse a desconexão das mangueiras, voltando os produtores a conectá-las, e

novo, e assim sucessivamente. Finalmente, chegaram a um acordo e estão pagando pelo

serviço.

126

J. ¿De dónde tomaban el agua ustedes, de dónde venía el agua, o de dónde viene, todavía? Eliseo. El agua viene de la represa de El Tocuyo. J. ¿Y por dónde pasa, es una tubería? Eliseo. Sí, una tubería y nosotros tomamos de una distribución que ellos tienen. J. ¿Se conectaban ahí? Eliseo. Exacto. J. Entonces, ¿venían ellos y les tumbaban las mangueras y después volvían de noche y la volvían a poner? Eliseo. Exacto, ajá. J. ¿Ese proceso? Eliseo. Ese proceso, sí.

Eliseo acrescenta que, por enquanto e há pelo menos 3 a 4 anos atrás, não têm ocorrido

mais problemas com o uso e a distribuição da água.

J.¿Han tenido racionamientos últimamente, han tenido algún problema o las cosas son regulares?. Eliseo. No, no, no, ha sido muy normal todo, desde hace como 3 ó 4 años para acá ya no hemos tenido problemas de ninguna clase.

Desde 1987, aproximadamente, segundo os relatos dos atores no Vale, as brigas têm

sido em menor proporção, e as mortes decorrentes dessas brigas são consideradas como coisa

do passado. No caso do riacho Atrigua, por exemplo, o juiz de água realiza percursos

regularmente, para verificar se estão sendo cumpridos as normas e os acordos entre os grupos

situados ‘riacho acima e riacho abaixo’, e entre os produtores de ambos os grupos, numa

tentativa de evitar novos confrontos com resultados fatais.

Segue agora o relato da minha experiência ao acompanhar o juiz de água de Atarigua

em um de seus percursos diários.

Em 28 de janeiro de 2003, às 9 horas da manhã, eu e Isidro começamos nossa descida

pela riacho, saindo da ponte do vilarejo chamado Bojo, na região montanhosa de Sanare (ver

figura 11). Ele começou brincando comigo, afirmando não acreditar que eu conseguisse fazer

o percurso. No início, não entendi porque ele fazia isso, mas, no final da caminhada ficou

muito claro para mim. O juiz estava usando botas de borracha, quase até os joelhos, e eu

sapatos impermeáveis, mas que não me protegeriam da profundeza do riacho, o que

significou que eu, ao terminar o percurso, acabasse ensopado.

O juiz faz o mesmo percurso várias vezes por dia, sendo pago pelos produtores do

Vale por seu trabalho, ainda que irregularmente, para cuidar que outros agricultores não

tirem a água que lhes correspondem pelos turnos estabelecidos. Andando juntos por sobre

127

rochas, fazendo equilíbrio sobre tijolos colocados para desviar a água do riacho, para não

cair por um precipício, e percorrendo alguns atalhos para encurtar o caminho, o juiz estava

à procura de possíveis desvios de água ilegais que produtores da região usam para extrair

água, independentemente de seu turno de coleta.

Uma das técnicas que usam para roubar o turno é colocar tampas de pedras ou sacos

de areia para desviar a água para uns canais de cimento, impedindo seu fluxo natural, por

gravidade. A água é depois levada para umas lagoas e, através do uso de bombas de motor e

tubulações de plástico, até as partes altas das montanhas para irrigar as culturas durante o

maior tempo possível, no período de estiagem.

O trabalho do juiz consiste em não permitir aos produtores de Sanare a colocação de

tampas para desviar o curso da água durante os três dias em que o turno de água

corresponde aos agricultores do Vale de Quíbor. Ele paga para algumas pessoas ajudarem-

no durante o processo de subida e descida ao longo do riacho, várias vezes ao dia.

Logo no início do percurso encontramos o único desvio ilegal que é imediatamente

eliminado pelo juiz, fazendo com que a água continue seu curso natural em direção ao Vale

(ver figura 12). O juiz diz saber quem estava roubando a água, mas não me dá nome, nem eu

pergunto.

Depois de um tempo de caminhada, vemos dois garotos num pequeno plantio,

aparentemente usando água roubada. Isidro informa-lhes que isso não pode ser feito, pois os

turnos de água desse dia eram dos produtores do Vale. Também disse para eles que eu era

um funcionário do Ministério do Ambiente que estava supervisionando com ele a situação da

distribuição da água. Os garotos não prestam muita atenção ao assunto e nós seguimos

nosso caminho.

Continuamos descendo por mais uma hora e meia, tendo de subir uma parede de terra

segurando-nos nas raízes das árvores mais próximas, já que o caminho pelo riacho estava

obstruído por um desabamento e essa era a única forma de continuar o percurso. Andamos

por vários terrenos cercados com arame, pulando e agachando-nos para prosseguirmos na

descida. Não achamos mais desvios ilegais. Como era terça e o turno de Quíbor é de segunda

a quarta, toda a água do riacho é direcionada para os agricultores do Vale. Só entre quinta e

sábado a água é distribuída entre os agricultores da parte alta. Pergunto se há distribuição

no domingo e o juiz me diz que não, que nesse dia não se trabalha, mas que quem quiser pode

pegar água por conta própria.

128

Logo depois, eu muito cansado e sem acreditar que ainda faltava mais um pouco e ele

como se nada estivesse acontecendo, chegamos a um ponto onde ele me diz que o percurso

pelo riacho já tinha acabado e que teríamos de procurar a estrada no cume da montanha.

Começamos então a subida por uma colina muito inclinada que quase me fez desistir de

continuar, até chegarmos num cruzamento. Ali, vimos de longe um homem, que depois soube

se chamava Sergio, trabalhando sua terra para plantar batatas. No mesmo momento que o

juiz estava me dizendo que aquele homem era um dos que colocavam as bombas e roubava

água, o homem olhou para nós e fez um gesto como se apontasse para nós com uma

espingarda. Aí ele disse que ‘tinha a gente na mira’, pronto para disparar caso fôssemos

invasores ou ladrões. Pensei que ainda bem que era só uma simulação feita com uma

ferramenta de trabalho e que aquela era uma brincadeira de mau gosto, pois de longe não

dava para enxergar direito e saber se na verdade aquilo era uma arma. A essa suposta

brincadeira o juiz respondeu dizendo-lhe que acabara de me falar que ele era um dos

maiores ladrões de água de Sanare. O homem respondeu, por sua vez, que nesse ano ele não

tiraria água dos produtores de Quíbor, que podiam ficar tranqüilos porque ele não pensava

em plantar absolutamente nada, sobretudo batata, já que não tinha interesse nenhum em

perder dinheiro ou em ganhar pouco, que o risco era grande e as políticas do governo, os

preços e os custos de produção estavam disparando após o estabelecimento do controle de

câmbio, motivo pelo qual tinha resolvido que era melhor não investir nesse ano, não plantar.

Figura 11. Vista do riacho Atarigua desde a ponte de Bojo

129

Figura 12. Saco de areia para bloquear ou desbloquear o desvio da água

O roubo de água do riacho é uma das problemáticas que mais aparecem nas narrativas

e conversas dos juízes e agricultores do Vale e é a situação que tem causado os maiores

conflitos entre eles e os produtores de Sanare. Por outro lado, parece ser uma das principais

razões para eles pagarem o juiz que controla a distribuição, apoiando-se, é claro, nas normas e

regulamentos estabelecidos.

Os turnos de distribuição são elaborados pelo Ministério do Ambiente e se baseiam na

tradição e nos conhecimentos acumulados pelos produtores sobre a melhor forma de se

organizar a respeito. Ambos os grupos se comprometem a respeitar o que é decidido a cada

ano, durante as épocas de estiagem e verão.

No caso do encontro com os jovens a estratégia utilizada pelo juiz, com a finalidade de

intimidá-los, foi invocar a institucionalidade do Ministério, como entidade coordenadora dos

usos de água no país, isso porque ele não tem autoridade para agir unilateralmente, mas pode,

por meio das relações que tem com a Polícia e a Guarda Nacional, denunciar os casos de

roubo para tentar impedir que continuem. Eu me senti muito incomodado com aquilo, pois

não me pareceu ético ser utilizado nas suas estratégias, porém, fiquei calado e não fiz nenhum

comentário a respeito. Entendi que sendo eu uma pessoa estranha no lugar ele se valeu da

minha presença para sustentar a autoridade que não tinha naquele momento .

130

O episódio com a espingarda pode ser entendido como um sinal da desconfiança que

existe na região e dos cuidados que se tem diante de pessoas estranhas, além de uma ameaça

para quem tenta roubar alguma coisa do produtor. Confesso que minha primeira sensação foi

de medo, pois não sabia quem era aquele homem, já tinha escutado sobre mortos e feridos

nessa região pelo roubo de água e eu era um estranho no lugar. Nas relações do juiz com os

outros agricultores acontece esse tipo de situações, nas quais ele, segundo comentou, na sua

função de juiz, utiliza o diálogo para chegar a acordos que permitam a convivência pacífica

entre todos.

Pareceu-me importante registrar essa conversa, pois ela mostra a realidade do desvio

(roubo) declarado e consciente da água, a cotidianidade do não-respeito aos turnos de

distribuição da água, além de permitir que eu observasse outra situação de interface e de

relações entre os diversos atores (produtores, guardas e juízes), e os posicionamentos para

argumentar e justificar as ações.

Podemos notar, também, as diferenças entre os episódios violentos narrados na

entrevista e o episódio que vivenciei, no qual uma pessoa chama a outra de ladrão de água,

sem produzir, aparentemente, o menor sinal de constrangimento nem reação violenta, pela

suposta ofensa. Chamar alguém de ladrão e que a pessoa se reconheça como tal e reaja com

calma aparente é completamente diferente de ferir ou matar alguém por tirar o turno de água

ou por um mal-entendido na distribuição dos turnos.

Os sentidos negociados podem mudar, e de fato mudam ao longo do tempo, e as

práticas discursivas dos atores do Vale mostram essas modificações, ao se posicionarem uns

com os outros e em suas diversas formas de reagir. Embora existindo leis, ordenanças e

normas escritas e mantidas por tradição, essas pessoas evidenciam, nas suas falas, formas

próprias de se relacionar não estabelecidas nesses documentos, negociando cotidianamente e

se organizando para o manejo da água de irrigação.

O episódio narrado também permite refletir sobre os diferentes tipos de agência

(Long, 2001) dos atores do Vale: as habilidades e capacidades para negociar seus pontos de

vista, os vários jeitos de olhar o mundo e dar sentidos a um cotidiano em que a violência é

uma das alternativas possíveis, mas em que negociações e acordos também são perfeitamente

viáveis como resposta às interfaces complexas. Do mesmo modo, mostra como, a partir da

Psicologia Social, podemos entender alguns dos processos e mecanismos que se estabelecem

131

na co-construção de “mundos de vida”41 ou projetos pessoais, às vezes confluentes entre as

várias pessoas, mas contraditórios em outros casos , em situações como a da gestão de água

de irrigação no semi-árido venezuelano.

Um conflito em negociação

A questão dos conflitos volta a ser o centro de dinâmica da distribuição de água em

uma parte do Vale de Quíbor. Trata-se de uma briga pelos direitos de uso da água dos filtros

da antiga estação de tratamento de água, cidade de Barquisimeto, entre antigos usuários que

deixaram de usar essa água e os que continuaram a fazê-lo a partir de um acordo estabelecido

com o novo dono de uma fazenda por onde ela passa.

A seguir, faço uma descrição detalhada da construção desse conflito atual a partir,

principalmente, das versões dadas por funcionários de duas entidades públicas chamadas a

mediar o conflito: Cotesaguas e SHYQ.

É por meio de correspondência que me foi enviada por dois funcionários do SHYQ,

via correio eletrônico, que fazem interfaces de maneira constante com os agricultores de

Quíbor, que tomei conhecimento da problemática, considerando importante incluí-la, como

conflito atual, na discussão que faço dos conflitos acontecidos no Vale pela distribuição de

água de irrigação. A partir da correspondência faço uma análise das versões desses

funcionários e de como elas são articuladas para explicar o complexo sistema de relações do

Vale.

Em comunicação que estabeleço com Alexander, engenheiro agrônomo funcionário da

empresa SHYQ, residente da cidade de Barquisimeto, tentando esclarecer os detalhes do

conflito, peço a ele sua versão sobre o problema atual da água em Los Ejidos, além de

informação sobre algumas das reuniões que estavam sendo realizadas na sede de Cotesaguas,

com a finalidade de encontrar soluções possíveis para o conflito. Dessas reuniões resulta um

relatório que utilizo para a análise. Nas versões do Alexander e Cotesaguas (ente externo),

não estão presentes, diretamente, as vozes dos agricultores, mas, o estão as vozes de outras

pessoas que fazem interfaces com os agricultores e conhecem, a partir de seu ponto de vista,

parte do problema.

41 Segundo Long (2001), os “Mundos de vida é o termo usado por Schutz, para descrever os mundos “vivenciados” (lived-in) e “tidos como óbvios” (take it for granted) dos atores sociais. Eles envolvem a moldagem da ação prática que passa pelas intencionalidades e pelos valores e são essencialmente definidos pelo ator” (p. 54).

132

Eis aqui parte da informação enviada, na qual Alexander faz uma síntese da

problemática, assim como um relatório técnico e algumas minutas de reunião da Cotesaguas.

As informações encaminhadas a mim incluem uma cronologia muito parecida com um

relatório técnico em que se conta como Alexander vê a problemática de Los Ejidos e sua

história42.

Segundo ele, o principal motivo do conflito foi a venda de um sítio que colida com a

estação de tratamento, pois o novo dono tenta se apropriar de todo o volume da água que flui

pelos canais em direção às várias propriedades de Los Ejidos, entrando emconflito com os

outros usuários tradicionais dessa água.

Entre los años 1995 – 1997 se produce la venta de la finca Los Guayabos. El cambio de dueño de la finca introduce cambios sustanciales en el patrón de distribución del agua del lavado de los filtros. El nuevo propietario de la finca busca apropiarse de la totalidad el volumen que arroja la planta de tratamiento, generando conflicto con el resto de los usuarios.<nota aquí?>

Os 14 usuários, chamados laguneros porque possuem lagoas nas suas propriedades,

têm reações diversas. Alexander conta que apenas 3 desses proprietários se enfrentaram com o

dono do sítio, com pouco apoio do restante. A partir desse confronto, os 3 laguneros chegam

a um acordo e daí em diante o dono cede um pouco da água, mas fica com o controle do resto

por considerar que tem direito a ele.

Frente a esta situación, los 14 laguneros reaccionan de forma diferencial frente al conflicto planteado. Sólo 3 laguneros se enfrentan frontalmente al propietario de la finca Los Guayabos, recibiendo poco apoyo del resto (Arturo y sus hermanos). Esta posición les permitió llegar a un “acuerdo” con el propietario del finca, quién cedió parte del agua disponible, pero el resto del volumen arrojado por los filtros lo controlan totalmente por considerarse con derecho dado el poco respaldo recibido por los restantes usuarios.

Diante dessa nova realidade, os demais laguneros, que não brigaram pela água no

começo e que não estão incluídos no acordo, começam a executar uma série de ações para

modificar a situação e ter acesso a esse recurso. Para isso, eles têm buscado ajuda das diversas

instituições ligadas à problemática da água na região, mas ainda não obtiveram nenhum

resultado.

42 Mantenho o idioma em espanhol da informação da Alexander, por ser uma comunicação especialmente dirigida a mim nesse idioma.

133

Frente al control del agua por 3 usuarios, los restantes laguneros (Nidia lidera este grupo) han desarrollado un conjunto de acciones para buscar modificar la situación actual, y lograr acceso al recurso proveniente de la planta de tratamiento. Para ello han recurrido al MARN, Guardia Nacional, Alcaldía, Junta Parroquial, Cotesaguas, SHYQ.C.A.,Cámara Municipal, sin lograr alcanzar su propósito.

Acredita-se que é necessário fazer uma regulamentação para que se possa administrar

coletivamente a água, com a participação de todos os usuários. Porém, Alexander aponta que

a participação tem sido pouco ativa por parte dos usuários que atualmente controlam a água,

por isso não têm havido avanços muito importantes na definição do regulamento.

La participación en la elaboración del reglamento, por parte de los usuarios que controlan actualmente el agua ha sido poco activa e irregular, dada su posición de no ceder el recurso a los restantes usuarios.

Alexander termina o relatório informando que atualmente existe um projeto de

regulamento que ainda deve ser discutido com os usuários e instituições participantes no

processo, para que seja submetido à consideração da Câmara Municipal da Prefeitura de

Jiménez.

En la actualidad se posee un borrador del reglamento y sólo falta la discusión final con los usuarios y entes participantes, para luego someterla a consideración de la Cámara Municipal.

No relatório técnico da Cotesaguas sobre a situação, faz-se uma apresentação, também

cronológica, do problema em Los Ejidos. A intervenção da Comissão acontece por meio da

solicitação feita por membros de Aproagro,V.Q., associação à que pertencem alguns dos

usuários afetados pela impossibilidade de usar a água dos filtros da velha estação de

tratamento.

No dia 29 de julho do ano 2003, na sede da Comissão Técnica de Solos e Águas do Vale de Quíbor (COTESAGUAS-VQ), foi recebida uma representação da Associação de Produtores Agropecuários do Vale de Quíbor (APROAGRO-VQ), a qual fez entrega de uma comunicação e, ao mesmo tempo, expôs a problemática que vêm confrontando os agricultores da comunidade Los Ejidos, com relação ao manejo da água da Estação de Tratamento “Ciudad de Barquisimeto”, administrada por HIDROLARA (Cotesaguas, 2003:1).

No relatório se menciona um acordo subscrito entre a Comissão e a Associação,

estabelecendo-se um compromisso para que a Comissão visite o setor Los Ejidos, com a

134

finalidade de ter contato direto com os agricultores e escutar deles as reclamações e as

sugestões que queiram formular.

Produto do acordo subscrito em Cotesaguas-VQ, na reunião n.º 12-2003, do dia 29 de julho, visitou-se o setor Los Ejidos com a finalidade de fazer contato direto com os agricultores (Cotesaguas, 2003:1).

O motivo da participação da Comissão no conflito é, segundo o relatório, dar sua

opinião sobre a melhor forma de aproveitar a água e os solos do Vale e orientar os organismos

competentes na administração e no aproveitamento do uso “racional” das águas subterrâneas e

superficiais em Quíbor.

Esta participação tem a ver especificamente com uma das funções desta Comissão no sentido de poder emitir opinião sobre o aproveitamento dos recursos água e solo no Vale de Quíbor, além da consultoria que pode oferecer aos órgãos competentes no que se refere à administração, ao aproveitamento e uso racional das águas subterrâneas e superficiais na área (Cotesaguas, 2003:1).

A história começa, segundo o relatório, em 1989, com a criação de um ‘Comitê de

Água’ no setor de Los Ejidos para ordenar o uso comum da água dos filtros da estação de

tratamento. Nessa ocasião se reafirmam as normas existentes: uso por turnos de 4 filtros de

água por cada proprietário de lagoa pequena; não deve usar o turno o proprietário que não

esteja plantando no momento; cada usuário poderá fazer um pequeno pagamento ao

distribuidor e há o compromisso dos usuários de manter os canais e as comportas em bom

estado. Porém, esses acordos foram respeitados pelos agricultores até dois anos atrás, quando

se aprofundaram os conflitos e a água passou a ser aproveitada por apenas três usuários, os

quais defendem esta situação por terem sido os únicos que brigaram pela água, logo após a

venda do sítio Los Guayabos, e do conflito que se gerou a partir da negativa do novo dono de

dividir a água.

No dia 23 de julho de 1989, cria-se um Comitê da água no setor Los Ejidos, que regulamenta o “uso comum das águas que sobram da lavagem dos“sedimentadores” da Estação de Tratamento de Quíbor”. Nessa oportunidade, reafirmaram-se as regras existentes há alguns anos no manejo da água, as quais se resumem a seguir:

Uso de quatro filtros para cada proprietário de pequenas lagoas, em forma de turnos.

Os usuários no devem usar turnos de água se não possuem cultivos. Cada usuário, por vontade própria, pode fazer um pequeno pagamento ao

distribuidor.

135

Os usuários se comprometem a manter os canais e comportas em bom estado de funcionamento.

Os acordos anteriores foram respeitados pelos agricultores até aproximadamente dois anos, quando se aprofundaram os conflitos devido a alguns sócios não atender às normas estabelecidas na ata do ano 1989, chegando à situação de que só três pessoas utilizam atualmente a água dos filtros, impedindo o uso da mesma aos demais usuários da comunidade. Esse grupo de produtores defende seus direitos sobre o uso da água, alegando que representam as únicas pessoas que participaram da recuperação da água, que anteriormente só estava sendo utilizada na fazenda Los Guayabos (Cotesaguas, 2003:2).

Da análise feita pela Cotesaguas, surgem algumas recomendações para a solução do

problema, entre elas há duas que me parecem mais importantes: 1) a Comissão considera que

se deve formar uma junta com a participação de todos os usuários e que seja feito um

regulamento de uso das águas da estação; 2) há necessidade de que exista um facilitador

externo que oriente e acompanhe o processo organizativo.

1) Deve-se formar uma junta ou organização com participação de todos os usuários reconhecidos na área, para a qual se deve promover a nomeação de uma diretiva ou Junta Administradora que se dedique em primeiro lugar à redação de um Regulamento de Uso da Água da Estação de Tratamento. 2) Para adiantar o processo de organização e regulamentação no uso da água, sugere-se aos usuários de Los Ejidos a incorporação de um facilitador externo a fim de que oriente e acompanhe o processo de organização (Cotesaguas, 2003:7).

Na última informação que me foi enviada, recebi de Alexander uma cópia do projeto

de regulamento. Nesse projeto aparecem muitas das normativas que existem nas leis e

regulamentos de uso hoje em outras fontes de água e as recomendações que a Cotesaguas

formulou no seu relatório. O regulamento é baseado na tradição dessas normativas no Vale. A

sua elaboração foi feita por representantes da Prefeitura do Município Jiménez, dos usuários

em conflito, dos usuários das águas do riacho Atarigua, da empresa Hidrolara e da

Cotesaguas. No projeto é historiado, de forma breve, os usos das águas da estação de

tratamento e se aponta que:

… devido a inconvenientes na distribuição dessas águas na Comunidade de Los

Ejidos, propõe-se formular una lei municipal para o uso da água proveniente dos filtros da Estação de Tratamento Cidade de Barquisimeto (Hidrolara) nesse setor, para isso se toma em consideração a tradição e a experiência existentes no Vale de Quíbor para a organização dos usuários de águas de diversas fontes. Tal tradição está representada no “Regulamento das águas do riacho Atarigua”, “Regulamento para o uso da água dos filtros da Estação de Tratamento – Setor Los Ortices” e “Regulamento para o uso da água do Portal de Saída do Túnel Yacambú-Quíbor” (Cámara Municipal de Jiménez, 2004:6).

136

No projeto mantêm-se as normas gerais dos regulamentos conhecidos e mencionados

acima, entre elas: a conformação de uma junta administradora da água; a eleição de um

distribuidor; a distribuição por turnos na ordem de cima para baixo; a consideração da época

(chuva ou estiagem) para distribuir a quantidade de água; o pagamento do serviço e as

sanções pela falta de cumprimento das normas. Ou seja, quando um conflito acontece no Vale

entre agricultores por uma fonte de água e eles mesmos não conseguem resolver o assunto, os

que se sentem prejudicados pela falta de acesso à fonte se valem de outras pessoas que têm a

ver com a gestão de águas, mas que não são produtores dessa região, recorrendo à Guarda

Nacional, à Prefeitura, ao Ministério do Ambiente, à Cotesaguas e à empresa SHYQ. Isto

porque acreditam que com essa intervenção e alegando o apego às tradições de distribuição,

nessa fonte ou nas outras fontes do Vale, vão ter muito mais chance de resolver a situação

problemática. Neste caso, o projeto de lei municipal é uma esperança para eles, pois, garante,

por escrito e sob a tutela do Estado, o direito sobre a fonte de água que acreditam lhes

pertencer.

Uma outra versão sobre o conflito em questão é a de Guillermo, manifestada por meio

de uma comunicação escrita que me foi enviada por ele43. Guillermo é funcionário do SHYQ

e pequeno produtor de Los Ejidos. Ele foi uma das pessoas da empresa que me

acompanharam durante muitas das visitas que fiz no Vale e apresentou alguns dos agricultores

que logo seriam meus interlocutores. Tivemos muitas conversas sobre o tema da água em

Quíbor, nas quais Guillermo se posicionava de maneira crítica diante da ‘falta de

participação’ e de ‘pensamento coletivo’ na região.

Logo após meu retorno ao Brasil, pedi a ele, em março deste ano, para enviar algumas

das idéias que tinha apontado em nossos encontros. Ele mandou para mim parte de sua versão

sobre a situação da água em Quíbor e sobre os conflitos atuais. Guillermo comenta que, a

partir de uma abordagem sociológica, as brigas pela água são conseqüência do individualismo

e da falta de valores de cooperação, no caso de Los Ejidos, ou do não reconhecimento de um

setor dos usuários pelas conquistas realizadas por outro setor, assim como a pouca

comunicação entre eles e as diferenças familiares, que são parte do problema que existe

atualmente no uso da água. É importante assinalar que tanto em Los Ejidos como em outros

povoados do Vale é muito comum que a maior parte das pessoas moradoras no lugar

pertençam apenas a uma ou duas famílias.

43 Mantenho o idioma em espanhol por ser uma comunicação especialmente dirigida a mim nesse idioma.

137

Guillermo. Las disputas por el agua se pueden estudiar desde el ámbito sociológico, son consecuencias del individualismo, ausencia de criterios y valores de cooperación, al interés de tener más hectáreas cultivadas y por ende mayores ingresos, entre otras razones (quien tiene los medios de producción tiene el poder). En Los Ejidos, por ejemplo, hay un problema de reconocimiento a un sector por haber logrado conquistar en cierto momento el agua para riego, de comunicación entre usuarios en el entendido de que sí sentaran a definir sus intereses pudieran llegar a acuerdos distinguir y definir las múltiples opciones que tienen para distribuirse el agua, y aprovechar parte del agua que se pierde y que nadie aprovecha. Las diferencias familiares también entran en el juego.

Acrescenta que, às vezes, não se respeitam os acordos na administração e distribuição

da água, pois se corrompe aos juízes e aos distribuidores de água.

Guillermo. Por otro lado, en muchos casos, no se valora y respeta los acuerdos en la administración y distribución del agua, puesto que se vulnera a los jueces y repartidores, corrompiendo de esta manera los actos legales de estos entes.

Ele aduz, como uma outra causa da problemática, que os agricultores têm pouca

informação e conhecimentos de tecnologias apropriadas para um melhor desenvolvimento das

suas terras, assim como uma carência de valores associativos que impede que assumam ações

coletivas.

Guillermo. La falta de información y conocimientos por parte de los agricultores en relación al uso de tecnologías apropiadas para desarrollar mejor sus parcelas y la ausencia de valores asociativos y de corresponsabilidad en el accionar en colectividades agrícolas, origina muchos de los problemas que hoy aquejan a los productores, muchos de ellos tienen relación con el agua.

Gostaria de ressaltar que uma das soluções apontadas, tanto nos relatórios de

Alexander e de Cotesaguas como nos comentários de Guillermo, para que os conflitos se

acabem, é a criação de associações, pois, para eles, a falta de participação e de organização

faz parte da causa de tais problemas. Por isso a insistência na criação de associações, juntas

de usuários, associações de irrigadores e de regulamentos escritos e referendados pelos

usuários e o Estado. Wateau (2000), porém, acha que essa maneira de entender os conflitos

pela água é equivocada, porque a organização formal dos usuários e sua participação ativa, a

qual não é definida com clareza nesses relatórios, não são parte das soluções que ela

encontrou no seu estudo.

A bibliografia portuguesa, em meu entender, não dá explicações satisfatórias para a causa dos comportamentos agonísticos criados à volta da água. A conflitualidade é justificada pela complexidade dos sistemas de distribuição da água e a ausência de documentos escritos. Ora, no Minho, a constituição da Associação de Proprietários de

138

Água levou, por vezes, a uma simplificação efetiva dos processos de distribuição e a um registro escrito das principais regras de partilha (...). Mas nem por isso acabou a conflitualidade criada à volta da água (Wateau, 2000:22).

A autora acrescenta que “em Melgaço, as associações de proprietários de água de rega

não exercem nenhuma autoridade e nenhum controle sobre o grupo, não podendo solucionar

os conflitos e resolver tensões melhor do que outra instância” (Wateau, 2000:57). Portanto,

não parece que a só criação de associações seja a solução, ou que com maiores conhecimentos

e participação dos usuários (qual e como?) acabarão os conflitos no Vale de Quíbor. É

evidente que há uma falta de pensamento coletivo em algumas pessoas, mas, o modelo

individualista é quase monoprodutor e a grande escala dos grandes produtores, com seu

suposto sucesso, atenta em contra de pensar que coletivamente os pequenos e médios

produtores terão melhores resultados. Por outro lado, há algumas experiências em que uma

associação criada por interesses momentâneos fracassa num tempo curto, fortalecendo a idéia

de que não é possível trabalhar em conjunto. Talvez seja necessário mostrar aos próprios

agricultores a grande tradição de agir coletivamente, que eles têm tido como tradição, e que

serve de referência para os funcionários, técnicos e estudiosos da problemática da água no

Vale.

Também não parecem suficientes a suposta escassez e a má distribuição da água como

geradoras de conflitos, ou ter-se civilizado como única forma de solução, como vimos, há uma

matriz complexa de elementos que têm de ser considerados para esclarecer melhor quais são

as suas causas e procurar as possíveis soluções. Ainda se faz necessário aprofundar a questão

dos conflitos na tentativa de promover soluções mais abrangentes e duradouras, pois, como

foi visto, os agricultores em Quíbor têm encontrado muitos e variados mecanismos para

resolver os problemas do cotidiano na distribuição da água durante a estiagem.

A represa como solução possível

A idéia de que com a culminação das obras da represa Yacambú-Quíbor e a posterior

construção do sistema de irrigação vão ser solucinados todos, ou em grande parte, os

problemas de escassez de água em Quíbor circula cotidianamente nas conversas do Vale. Em

muitas delas, seja porque eu trouxe o tema para ser discutido seja porque o interlocutor fez

algum comentário sobre isso, a represa Yacambú aparece em qualquer possível solução à

escassez de água na região. Atualmente, a represa está praticamente concluída, faltando

139

apenas o túnel de transvase e o sistema de irrigação, ainda em construção. Como já foi

apontado, a culminação das obras tem um atraso considerável, por variadas razões, e nas

práticas discursivas dos interlocutores e da própria empresa SHYQ aparecem versões diversas

que falam tanto de uma próxima entrada em funcionamento da represa como de que ela nunca

funcionará, ou até mesmo, que estarão mortos quando ela começar a funcionar e as obras

estiverem totalmente concluídas.

São muitas as expectativas geradas em torno do funcionamento da represa. Alguns

pensam que ela possibilitará um aumento na produção agrícola da região, pela quantidade de

água adicional que chegará ao Vale desde as montanhas. Porém, há quem acredite que os que

serão favorecidos são os grandes produtores e que as desigualdades se incrementarão como se

incrementará o número de hectares que eles cultivam hoje. O SHYQ (1998), por sua vez,

aponta que a distribuição de água deverá ser eqüitativa, permitindo que todos se beneficiem e

em conformidade com a sua capacidade como produtor e a quantidade de terra disponível.

Trago a construção da represa à discussão porque, sendo um projeto que tem mais de 30 anos

em construção, ainda é uma esperança para os agricultores, mas não fica claro que influência

terá nas relações de produção e entre as pessoas, e quais benefícios se produzirão quando

estiver funcionando junto com o sistema de irrigação.

A seguir apresento algumas das conversas que tive com vários dos interlocutores do

Vale sobre essa complexa situação.

Como o sistema de irrigação não vai passar pelas terras de todos os agricultores do

Vale, pergunto para Elian se eles, nas empresas camponesas, vão contar com o serviço. Ele

diz que tem dúvidas sobre se será verdade que isso vai acontecer, acrescentando, em meio a

sorrisos, que provavelmente eles morram antes de a represa ser concluída. Comenta que estão

cansados de esperar e que cada dia alguma nova informação aparece sobre os anos que ainda

faltam para que a obra esteja concluída, mas nada acontece.

J. ¿Y a ustedes les va a llegar agua de Yacambú, de la represa? Elian. Bueno, eso está en proyecto, vamos a ver si se da. J. ¿Desde cuándo están esperando a Yacambú? Elian. (Sonríe) Nosotros nos morimos todos y no vemos nada de esa vaina, ello ya estamos muy cansados, que faltan seis (6) años, que no se qué, que faltan siete (7), que faltan cinco (5) y nada.

Pergunto para Isidro, juiz de água, sua opinião sobre a represa. Ele diz que bem que

gostaria que estivesse pronta, pois tem esperança de vê-la funcionando, mencionando que um

engenheiro da empresa construtora declarou, em uma reunião, que para o ano 2006 estaria

140

terminada, mas que alguns dos assistentes duvidaram dessa afirmação e diziam que esse

assunto tinha se tornado uma conversa fiada (puro “bla, bla”, como dizem na Venezuela). Ao

lhe perguntar como será feita a distribuição da água, tive como resposta que ele acredita que

devam colocar um engenheiro agrônomo para fazer esse trabalho, pois sabem que tipo de

cultivo pode ser plantado com essa água.

J. ¿qué opina usted de la represa de Yacambú?

Isidro. Bueno, pa mí debe ser que llegue, chico, pa siquiera uno ve, pues, tú no sabes la reunión que hizo el ingeniero ahorita, el que es, firma, este, un altote él de lente, la hicieron en el Concejo, eso hace como dos meses, el carajo no sé lo que es ahí, y dijo que para el 2006, la represa estaba lista, y le dijeron algunos, “será verdad, porque eso ya tiene treinta y pico de años que pa este año sí”, se ha vuelto puro bla, bla la cosa. J. ¿qué piensa usted cuando llegue esa agua, qué va a pasar, será que es necesario un repartidor? Isidro. Bueno, yo le digo la verdad, tendrán que poner un ingeniero aunque sea que distribuya, porque, un ingeniero que sepa de, por lo menos agrónomo pues, que sepa qué siembra necesita el agua, y esto, es mejor con técnico.

Sergio, produtor de Sanare, diz que a represa é a solução do estado Lara e de outros

estados vizinhos, pois sem essa represa o Vale de Quíbor não pode fazer nada, mas,

acrescenta que a conclusão da obra tem se convertido em um problema sem solução. Ele

compara a problemática da construção da represa com a dos túneis que se constroem na

Europa, como o que há entre a Inglaterra e a França, afirmando que, se esse túnel pôde ser

feito, o da represa também pode, mas acredita que há falta de vontade.

J.¿Qué soluciones le ve usted al problema del agua, usted cree que Yacambú, la represa, vendría a solucionar algo, cómo piensa usted o si hay algún pensamiento colectivo? Sergio. Yo por lo menos pienso que esa viene siendo la solución del estado Lara y parte de otros estados, la represa esa, sin esa represa, esos valles de Quíbor, qué hacen?, están trabajando, como quien dice, esa sería la gran solución, pero como eso se volvió un cangrejo ahí, eso echa más para atrás que para adelante, coño porque eso no es tanta broma señor, ¿si hicieron un túnel de Francia a Alemania (Inglaterra), por debajo del mar, cómo no van a hacerlo por ahí?, eso pasa ahí mismo en esa montaña, ah porque está igual que el gobierno, no hay voluntad, no hay voluntad de ninguna parte, ni de uno ni de otro.

Pergunto para ele, na conversa junto com Isidro, como deveria ser distribuída a água,

mas como ele acha que ela não vai chegar em Sanare, não se importa muito com isso.

Efetivamente, a água da represa não vai passar pela região montanhosa de Sanare porque os

agricultores dessa zona têm outras fontes de água disponíveis.

141

J. ¿Cómo debería distribuirse el agua aquí, como podría ser la distribución? Isidro.¿Cuál? J. ¿El agua de la quebrada, o el agua de la represa cuando venga? Sergio. A mí me parece que el agua de la represa para aquí no va a tocar J.¿Aquí no llega? Sergio. No, aquí no llega, esa llega para abajo.

Fernando, vereador da Prefeitura do Município Florencio Jiménez, posiciona-se de

maneira otimista em relação ao tema da represa. Ele faz parte da Junta Diretiva da empresa

SHYQ, que é a encarregada da construção da represa e do sistema de irrigação. Fernando

confia que a represa será concluída, afirmando que, entre 2004 e 2006, o túnel e o sistema de

irrigação estarão prontos, respectivamente. Acredita que em 2010 as tubulações do sistema

estarão no Vale, tal como a empresa o programou.

Fernando. … soy optimista, yo que también estoy en Yacambú, en el directorio, por la Cámara, pensamos que Yacambú está a la vuelta de la esquina, los criterios técnicos de la empresa señalan que en el año 2006 estarán listos en el Valle, ya listo el túnel, por supuesto, en el 2004 estará listo el túnel, en el 2006, estará listo el sistema de riego y en el 2010, ya estaría en el valle de Quíbor, por vía de tuberías, las aguas en los diferentes sitios que Yacambú estipuló, como centro de población para que llegue el agua a cada zona.

Tento questionar a veracidade de que a represa será um dia concluída. Ele diz ter

confiança nisso, mas que se trata de um projeto muito complexo. Fernando explica as

dificuldades que têm havido na construção do túnel e fala da grande experiência da empresa

estrangeira que está construindo o túnel, argumentando que os problemas têm tido sua origem,

entre outras coisas, nos tipos de rochas diversas e nas filtrações que há no túnel e que geram

complicações técnicas na hora da escavação, contribuindo para o fracasso das diferentes

tecnologias ali utilizadas − entre elas o afundamento de uma toupeira mecânica não apta para

a perfuração desse tipo de rochas. Acrescenta que, segundo os técnicos, o túnel da represa

Yacambú-Quíbor é um dos túneis mais complexos do mundo, no qual até empresas do

exterior têm fracassado.

J. ¿Y sí será que Yacambú llega alguna vez?

Fernando. Bueno yo tengo confianza. J. Tantos años esperando y esperando. Fernando. Lo que pasa es que Yacambú es un proyecto muy complejo, quizás tú conoces que ha sido visitada por gente experta israelíes, japoneses, por supuesto los mismos europeos y alemanes que han estado trabajando con la “Lavalit Internacional” que trabajaron el túnel, tienen una experiencia muy propia de lo que allí se está haciendo, es un túnel muy complejo, quizás uno de los más complejos del mundo, por cuanto ahí se consiguen diferentes rocas, en un metro se consigue un tipo

142

de roca diferente, en un metro siguiente se consigue otro tipo de roca diferente, por decirte algo, lo que llamamos nosotros roca mala o roca buena en un metro, después en el metro siguiente se consigue roca buena o filtraciones de agua, está el caso de por ejemplo, el topo que se quedó enterrado allí y hubo que sacarlo despedazado, porque, y las tecnologías han fracasado, aquí han venido del exterior y han fracasado, lo del topo fracasó, lo de, este, otras tecnologías han fracasado, han fracasado porque la máquina solamente servía para roca buena, la dura, la más dura, y se han ido adaptando al túnel, sistemas que los mismos ingenieros han ido construyendo equipos, adaptándolos a la forma de la roca (…) uno de los túneles más complejos del mundo, según los técnicos que han estado allí.

Fernando comenta que os pequenos produtores que moram nos povoados menores do

Vale acreditam em Yacambú apesar das dificuldades que a obra tem tido, pois, a Junta

Diretiva da empresa SHYQ tem levado os agricultores de Quíbor para observarem os avanços

da obra, percorrendo o túnel, o portal de saída, vendo como avança o túnel, apesar das

dificuldades. Assim, as pessoas de Quíbor acreditam agora no que está sendo feito pela

empresa, como parte da gestão do Estado. Acredita e repete, apoiando-se nos critérios

apontados pelos técnicos, que para o ano 2004 o túnel já estará pronto e que para o ano 2010

ou 2011 os sistemas de irrigação deverão estar em funcionamento.

Fernando. …el productor pequeño que está en las zonas, en los caseríos, cree en Yacambú, a pesar de las dificultades que hay en el país, creen en Yacambú, porque nosotros, en el Sistema Hidráulico Yacambú, en la empresa, hemos llevado a los productores para que vean cómo está la obra, hemos ido, hemos recorrido Sanare, viendo cómo está el túnel, cómo el túnel avanza, hemos ido al portal de salida viendo cómo avanza el túnel, que a pesar de las dificultades avanza, lento pero avanza, y eso ha traído como consecuencia que la gente crea en lo que estamos haciendo como empresa del Estado. Hay criterios técnicos bueno que, los técnicos te hablan de que en el 2004 estaría listo el túnel, como decía al principio y para el 2006 estaría listo el sistema de riego, así que en el 2010, 2011 estaría lista el agua para el valle de Quíbor con todos los sistemas de riego en referencia para tal fin.

Pergunto a José, como funcionário da empresa SHYQ responsável pela construção das

obras, sobre a possibilidade de que a água da represa não seja suficiente para satisfazer as

necessidades atuais dos usuários da cidade de Barquisimeto e do Vale de Quíbor. Ele

confirma que a água não será suficiente para abastecer as cidades e o sistema de irrigação e de

que as pessoas terão que continuar administrando a água com critérios de escassez. Comenta

que só 19.300 hectares dos 43 mil totais que existem para aproveitamento agrícola no Vale

terão acesso ao sistema de irrigação, que, aliás, segundo ele são as melhores terras, o restante

continuará sendo irrigado com as fontes atuais e com critérios de escassez.

143

J. ¿Y tú crees que el agua de Yacambú va a alcanzar, va a ser suficiente o, bueno, habrá gente que no le llegará agua o habrá gente que tendrá que conformarse, como dices tú, con un cupo y punto? José. Uhum. J. ¿Será suficiente el agua? José. No, en el caso del Valle de Quíbor, en agua seguirá siendo un recurso escaso, nosotros, para efectos de planificación no hemos considerado todo el área de aprovechamiento, todas las 43 mil hectáreas juntas del área de aprovechamiento agrícola, sino solamente la parte que tiene las mejores tierras, que es toda el área que llega hasta la autopista, hasta la carretera que va para Carora, entonces, en términos de áreas físicas son 19.300 hectáreas más o menos, todo el resto del área quedará regando con lo que tiene actualmente, o sea, que eso demuestra que hay un elemento de escasez y dentro de estas 19mil, 12mil metros² por hectárea no es suficiente para regar el 100% del área, entonces, tienen que continuar manejando ese criterio de escasez de agua.

Confirmando o que a empresa SHYQ aponta para o Sistema de Irrigação a ser

implementado no Vale, José fala da proposta da empresa de entregar água por setores, para

que seja administrada por juntas de usuários, mas, estudando as características de cada usuário

e da sua propriedade. Ou seja, dependendo da quantidade de hectares, o agricultor receberá

determinada quantidade de água estabelecida pelo SHYQ.

J. ¿Y es por eso que el Sistema está planteando una forma de organización de la administración del agua?, o sea, yo oí que estabas diciendo que el Sistema tiene una propuesta de usuarios del agua. José. Sí, el Sistema tiene la propuesta de que a nivel de cada sector de riego se organicen juntas de usuarios y que el Sistema le entregue el agua a nivel de ese sector para que ellos administren el agua del sector, a través de la junta de usuarios, por eso es que ahí, eso tiene que ver con lo que habíamos hablado anteriormente de que de repente, se entregará agua a alguna parcela de 1 hectárea y de repente a alguna parcela de 50 hectáreas, si 50 es el tope, digamos.

Pergunto a Amanda, funcionária do Ministério do Ambiente, sobre a represa e seu

impacto no Vale,. Ela comenta que não tem nenhuma opinião formada a respeito, embora

tenha acompanhado a construção desde o início, pois, o Ministério é o responsável pelo

projeto. Acrescenta que tem a maior disposição e esperança de que o projeto esteja pronto em

um curto tempo, mas confessa achar que as coisas não vão ter esse final tão rapidamente.

J. ¿Cómo ves tú lo de la represa Yacambú, metida en este medio, en esta situación? Amanda. (Sonríe) Te digo que sinceramente no tengo ninguna opinión con respecto a la represa, porque yo he estado desde el principio en eso, nosotros como Ministerio del Ambiente, que somos los responsables del proyecto pues, con la mayor disposición y con la mayor esperanza de que eso se dé en el corto tiempo, pero bueno, aparentemente las cosas como que no se van a dar.

144

Ao perguntar sobre a quantidade de água que se espera que seja distribuída pelo

sistema e o requerido pelo Vale e a população em geral, ela acha, respondendo em linguagem

técnica, que os mais de 10 metros cúbicos que regularia a represa estão muito comprometidos,

do ponto de vista urbano, pois me lembra que a represa Yacambú vai complementar o sistema

já existente na cidade de Barquisimeto. Disse ainda que a previsão de consumo humano

parece que será ultrapassada. No que diz respeito à irrigação, ela comenta que há muitas

limitações e que, segundo a lei, serão entregues concessões para a utilização privada da água,

e que as pessoas terão de pagar de alguma maneira pelo uso da água, com dinheiro ou com

terras.

J. ¿Y sí va a solucionar en parte los problemas, sí crees que esa es una oferta suficiente de agua o ya va a ser escasa también? Amanda. Aparentemente, los 10 y tantos metros cúbicos que regularía la presa, aparentemente como que está muy comprometido, desde el punto de vista urbano hay una población que ha estado creciendo, recuerda que Yacambú va a ser para complementar el sistema que actualmente existe para Barquisimeto, lo que es el Sistema Barquisimeto, que es Barquisimeto, Quíbor, Bobare, Cabudare, aparentemente, parece que va a ser, las previsiones con lo que se planificó parece que han sido rebasadas y lo que se planificó, parece que va a ver que ampliar ese porcentaje de agua que va para Barquisimeto-humano, ahora, desde el punto de vista de riego, hay unas limitaciones que es lo que tú decías, lo de la propiedad de la tierra, o sea que va a ser un agua, básicamente para privado, pero bueno hay un mecanismo del Estado para poder regular a través de las concesiones, bueno, te cobro por el agua o te doy agua pero me das tierras, hay maneras de hacerlo.

Parece, então, que a escassez de água continuará no Vale de Quíbor apesar da

conclusão da represa e do funcionamento do sistema de irrigação. Porém, as práticas

discursivas mostram como para alguns é uma esperança certa de melhoramento das condições

de trabalho para os produtores e de como eles esperam com grandes expectativas que

terminem as obras do projeto Yacambú-Quíbor. Para outros, não há muita esperança de

estarem vivos quando isso acontecer, se chegar a acontecer, eles continuam usando os

recursos disponíveis para seguir sobrevivendo nas condições atuais. O que parece importante

é saber que a represa e o sistema de irrigação virão a transformar as formas de gestão e

estabelecer novas formas de manejo da água, nas quais se espera uma participação importante

dos agricultores e das demais pessoas envolvidas nesses projetos, para depois poder pensar

em ter o sucesso esperado, sobretudo, pelos funcionários da empresa SHYQ, do Ministério do

Ambiente e pelo vereador, os mais otimistas.

145

Capítulo VI

O Bem Comum

146

Construindo um conceito

São vários os sentidos que podem ser encontrados na literatura atribuídos à noção de

bem comum; de um lado, a idéia ética e filosófica de que o bem comum tem a ver com a

procura do bem-estar das pessoas, e, de outro, as religiões, definindo o bem comum como um

caminho a seguir, como um imperativo para a melhor convivência dos seres humanos.

Por outro lado, na área do direito, por exemplo, fala-se dos bens comuns matrimoniais

e de todas as implicações que isso traz para a boa convivência do casal, assim como os

problemas a serem resolvidos ao término do relacionamento, quando é preciso dividir aqueles

bens adquiridos durante o casamento.

A primeira discussão acadêmica que se conhece sobre os bens comuns data de 1739,

com a publicação do livro de David Hume, Treatise of Human Nature, no qual se discutem,

também, as noções de propriedade, na sua relação entre público e privado. Adam Smith, cerca

de trinta anos depois, retoma a temática em seu Inquiry into the Nature and Causes of the

Wealth of Nations, o que mostra a antiguidade dessa discussão e a variedade de assuntos

referidos aos ‘bens públicos’ (Kaul et al., 1999). Um período razoável de tempo transcorreu

desde que Hume escreveu seu tratado, mas a discussão sobre esta temática continua atual.

Apresentamos aqui a discussão acerca da noção de bem comum e posteriormente, a água

como bem comum, com especial atenção na água para irrigação.

Há uma grande quantidade de termos que relacionam a água com seu aproveitamento

como um bem, entre eles: bem comum, bem público, bem coletivo, e outros que se agregam à

noção de patrimônio da humanidade. Kaul (1999) e colaboradores mencionam a ampla

literatura e a diversidade de termos utilizados para denominar o que se conhece como bem

público, o que mostra a polissemia e a complexidade de se trabalhar com esse termo, ou com

outros similares.

A diferença que se apresenta entre o bem comum e o bem público é que enquanto o

bem comum é administrado pela comunidade, como auto-gestão, o bem público é

administrado pelo Estado. Temos que distinguir, então, entre algumas das definições dadas

sobre o bem comum e a definição de bem público. Olvera (2004), por exemplo, aponta que o

Estado também persegue um bem comum, que beneficie a todos e que por ser o Estado o

representante de uma sociedade mais ampla, existe uma distinção entre o bem comum

particular e o bem comum público, segundo os interesses particulares ou públicos. Assim,

podemos concluir que o bem comum, perseguido pelo Estado, é o bem público.

147

Segundo Argandoña (1999), “o conceito de bem comum não tem lugar próprio na

ciência econômica, pelo menos tal e como esta se tem desenvolvido até agora” (p.1), mas

aponta que a economia não pode prescindir desse conceito e que deve considerar o termo para

se tornar em uma ciência mais completa e abrangente. O conceito que apresenta coloca na

decisão das sociedades a definição do que será para cada uma delas o bem comum. O autor

argumenta também que “cada sociedade humana tem seus próprios bens comuns, que serão

distintos para uma família, uma empresa, um clube esportivo, a comunidade local, uma nação

ou o conjunto da sociedade humana” (Argandoña, 1999:3).

Baseando-se nas leis espanholas, González (2002) define os bens comunais como

“aqueles bens de domínio público nos quais seu aproveitamento corresponde ao comum dos

vizinhos” (p.1), apontando a propriedade do estado sobre os bens, mas, considerando a

administração coletiva. A autora acrescenta que se tem que tomar em conta que a origem e

natureza desses bens comunais dependerá do uso, destino e qualificação dado pelas pessoas,

para diferenciá-los dos bens particulares e baldios (González, 2002).

Para Peña (2001), as raízes da noção bem comum são gregas, porém, considera que a

idéia sobre bem comum que mais influencia na filosofia medieval e post medieval é a romana.

A idéia jurídico-romana do bem comum se expressa, por exemplo, na noção de bens do povo

romano. O povo se perfila, assim como a pessoa cujo bem é superior ao bem dos indivíduos

que o conformam. Ou seja, se reconhece a propriedade coletiva acima da propriedade

individual. Na ordem da justiça romana, o critério que guia é o bem comum, mas, em caso de

conflito o bem do indivíduo se subordina ao bem da sociedade. Com relação à autoridade que

deve assegurar a busca desse bem comum, o poder reside na própria comunidade, em ipsa res

publica, mas, uma vez delegado aos governantes, só pode ser revogado em caso de uma

tirania intolerável.

Para a Igreja Católica, por sua vez, na voz do Papa João XXIII,

O bem comum consiste e procura se concretizar no conjunto daquelas condições sociais que favorecem o desenvolvimento integral dos seres humanos, da sua própria pessoa (...) Alcança a o homem todo, tanto as suas necessidades corporais como as do espírito (Pacem in terris, 58) (Malavasi, 1999).

Segundo Malavasi (1999), Leão XIII dirá sobre o bem comum que: “(...) este bem é,

depois de Deus, a primeira e a última lei na sociedade” (Au milieu dês sollicitudes, 23:718).

Trata-se de um apontamento espiritual do que é o bem comum.

148

Do conceito de bem comum, entendido como o direito que todos têm de utilizar um

bem sem causar prejuízo aos outros, deriva-se a proposta interpretativa de Hardin (1968),

conhecida como a Tragédia dos Bens Comuns. Nela se afirma que o crescimento populacional

traz o fim dos recursos comuns, pela ineficiente administração coletiva. O autor parte da idéia

de que não há solução técnica para esse problema, e que a saída é privatizar, e exercer coerção

externa, para controlar o uso dos bens e ter um crescimento populacional igual a zero. Hardin

(1968) argumenta que, se o espaço comum (bens comuns) se justifica como meio de vida,

somente o faz sob condições de baixa densidade populacional.

Ostrom (1990), por sua vez, a partir da perspectiva da Nova Economia Institucional,

utiliza o conceito Recursos de Uso Comum (RUC) (common-pool resources) para se referir a

um sistema natural, ou feito pelo homem, suficientemente abrangente, para que não se torne

onerosa a exclusão de beneficiários potenciais (mas não impossível), e que possam se

beneficiar deles.

A Nova Economia Institucional critica alguns trabalhos acadêmicos que aderem à

noção da Tragédia dos Bens Comuns, como o de Hardin (1968), que propõe duas alternativas

de gestão: 1) que o Estado controle os recursos naturais para prevenir sua destruição; e 2) a

privatização da administração desses recursos. A crítica se baseia em que com o decorrer do

tempo, nem o Estado nem o mercado têm governado os recursos com um razoável nível de

sucesso.

Ostrom (1990) também se contrapõe aos três modelos44 que têm guiado as políticas

públicas na área, e que fundamentam, as soluções de Estado (centralizadoras) e de mercado

(privatizadoras) sobre o problema da administração de bens comuns. Ela sustenta que o que

torna tão perigosos esses modelos – quando utilizados metaforicamente para fundamentar

políticas públicas – é que as suas limitações são assumidas sem críticas, como atos de fé,

acreditando-se na intervenção de atores externos que impõe soluções aos atores internos.

Estudiosos de casos empíricos, nos quais se evidenciam os dilemas dos bens comuns, clamam

pela imposição de uma solução que implique a ingerência de um ator externo.

Quando se trata do aproveitamento de um bem comum, a situação fica ainda mais

complicada, ao se acrescentar o conceito de propriedade (Ostrom e McKean, 2003), pois esse

aproveitamento passa, então, pelas discussões sobre quem tem direito ao desfrute do bem. Por

44 Os três modelos são: a Tragédia dos Bens Comuns, o Jogo do Dilema do Prisioneiro e a Lógica da Ação

Coletiva.

149

isso, se considerarmos que determinado bem é comum, através de uma análise dos usos do

recurso poderemos ver o quanto esse tem de comum, quanto de público e quanto de privado.

Depois de ver como é discutido o termo bem comum, que considera desde os

problemas conjugais, o que é público ou privado, a propriedade individual ou coletiva dos

bens, a busca pelo estado do benefício de todos, a busca da riqueza espiritual; a noção que me

interessa discutir tem a ver com a gestão da água de irrigação como um bem comum. Sendo a

água um dos bens comuns fundamentais, a discussão sobre de que trata esta noção a partir da

Psicologia Social abre um novo caminho que pode contribuir para a compreensão dos

problemas de gestão, não só no Vale de Quíbor como em qualquer lugar.

A discussão mundial sobre os bens comuns está dando visibilidade às formas

tradicionais de gestão coletiva desses bens, que, contrariamente ao que muitos acreditam, têm

sido bem-sucedidas e podem ser consideradas como sustentáveis, noção com a qual todos os

que discutem essa temática concordam. Essas formas de gestão se apresentam como

alternativas viáveis e possíveis de substituição do papel do Estado, como de fato

historicamente têm feito, em termos de sua responsabilidade com a administração de bens

públicos, os quais passam a ser reconhecidos como bens comuns, de propriedade coletiva.

Finalmente, o termo bem comum utilizado neste trabalho refere-se à propriedade

coletiva de bens, naturais ou criados pela humanidade, como, por exemplo, o ar, os oceanos,

os lugares de pescaria, os rios, os sistemas de irrigação, os bosques, as represas, as usinas

elétricas, etc., que não têm um proprietário particular e sim uma comunidade que dispõe

desses bens para seu proveito. A água de irrigação pertence a esses bens, vejamos então como

é discutida a água na literatura especializada.

Finalmente, o termo bem comum utilizado neste trabalho refere-se à propriedade

coletiva de bens, naturais ou criados pela humanidade, como por exemplo, o ar, os oceanos,

os lugares de pescaria, os rios, os sistemas de irrigação, os bosques, as represas, as usinas

elétricas, etc., que não têm um proprietário particular e sim uma comunidade que dispõe

desses bens para seu proveito. A água de irrigação pertence a esses bens, vejamos então,

como é discutida a água na literatura especializada.

A água como bem comum

Um elemento importante a se observar é o fato de que há grande discussão entre

autores que analisam a água como um direito, como uma necessidade, e os que pensam que

150

são ambas. A escolha de algumas dessas posturas irá direcionar os posicionamentos perante a

questão da água.

Na literatura sobre o tema, existem autores que reconhecem a água como patrimônio

comum da humanidade e, portanto, o direito à água seria um direito humano universal

(Paquerot, 2003; Gleick, 1999; Deléage, 2003; Maris, 2003; Petrella, 2001, 2003; Barlow e

Clarke, 2003).

Maris (2003), por exemplo, diz que “a criação de uma Organização Mundial da Água,

órgão ligado às Nações Unidas, gerando um patrimônio da humanidade, deveria colocar o

princípio da gestão além das nações e além de todo princípio de propriedade privada” (p. 25).

Enquanto Deléage (2003) menciona “o acesso à água como direito fundamental de todo ser

humano” (p. 7).

De Villiers (2002), por sua vez, considera a água um bem econômico, fazendo parte

das necessidades humanas, e, portanto, sujeita a negociações como qualquer mercadoria.

A água tem um valor econômico em todas as suas diferentes formas de distribuição – que competem entre si –, e uma fixação de preço só fará com que se alcancem padrões mais sustentáveis de seu uso e gerará os novos recursos necessários para a expansão dos serviços (De Villiers, 2002:417).

Barlow e Clarke (2003) apontam, que sendo a água essencial para a vida, “o acesso

universal à água é um direito humano básico, e esse direito deve ser o princípio fundamental

de uma nova ética de água” (p. 261), criticam, aliás, que ainda neste século algumas pessoas,

as quais eles chamam de elites, não reconheçam o direito universal à água.

Em pleno século XXI, algo tão fundamental quanto a água ainda não é reconhecido como um direito universal pelas elites econômicas e políticas dominantes. Sendo designada como uma necessidade, a água foi submetida às forças de demanda e suprimento do mercado global, onde a distribuição de recursos é determinada com base na capacidade de pagamento (p. 97).

Porém, há outros autores que destacam a dupla condição da água como bem público e

bem de produção (Bartolomé, 1998; Saldanha, 2003; Selborne, 2002; Morelli, 2003).

Selborne (2002) ressalta que:

Alguns reclamam que promover a noção de água como um bem comercializável distrai a percepção do público da realidade da água como bem comum, e do sentido de responsabilidade e dever compartilhados. Em outras palavras, há implicações éticas profundas na percepção de que somos, com relação à água, cidadãos e não simples consumidores. Ver a água como um bem comum põe o foco nessa sua característica,

151

enquanto que a questão de propriedade pública ou privada acentua a posição de “consumidor” (p. 59).

Bartolomé (1998) discute as contradições presentes na legislação espanhola sobre a

água como bem ou como recurso:

A conclusão seria que a água atua economicamente com uma dupla função: a principal, ser um ‘bem fundo’, na terminologia de Naredo (1987), ou um ‘ativo ecossocial’, no conceito de Aguilera (s.d), determinante e configurador do ecossistema, um autêntico bem público econômico que satisfaz direitos e necessidades de uso e serviço público. A segunda, ser um recurso natural disponível para as diversas funções produtivas, na obtenção de bens e serviços (p. 1).

No caso do Brasil, como exemplo do que acontece em alguns dos países da América

Latina, segundo Leme (2002), “o domínio público da água, afirmado na Lei 9.433/1977, não

transforma o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água, mas o torna o gestor

desse bem, no interesse de todos” (p. 25).

O autor acrescenta que, “salientemos as conseqüências da conceituação da água como

‘bem de uso comum do povo': o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa,

física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial” (p.25), em

concordância com o que foi dito anteriormente sobre: o direito de todos ao uso da água para

suprir suas necessidades.

Ainda no âmbito do direito, e também no Brasil, Freitas (2002), acrescenta,

A água (...) passou a ser um bem de domínio público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, nos termos do art. 1.°, incs. I e II da lei 9.433, de 08.01.1997. Isso significa que o usuário deve pagar para utilizá-la. Atualmente, o que se paga é a prestação dos serviços de captação de água e seu tratamento (...) portanto não há no Brasil águas particulares (p.21).

Num trabalho sobre o reconhecimento ou não, por parte das Nações Unidas, e de

outros organismos internacionais, do direito à água, realizado por Gleick (1999), o autor

mostra como o tema do direito à água não aparece explícito na discussão dos direitos

humanos até a Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre a Água de 1977, em Mar del

Plata. Porém, até hoje, esse direito vem sendo contestado, devido à quantidade de interesses

envolvidos nessa suposição. Gleick conclui que o reconhecimento desse direito, pelos Estados

membros da ONU, só se refere à água como uma necessidade básica, ou seja, que os Estados

devem suprir às pessoas com o mínimo necessário do recurso, para que se possa garantir sua

152

subsistência como seres humanos. Ele diz, “o acesso às necessidades básicas de água deve ser

considerado um direito humano fundamental” (Gleick, 1999:11).

Paquerot (2003) aponta para as dificuldades que os Estados vão enfrentar no

cumprimento desse dever, pois, a cada dia é mais comum a privatização dos serviços públicos

de abastecimento e tratamento de água, o que afasta os Estados da possibilidade de

administrar o acesso e a preservação de tal recurso. A autora também questiona a

possibilidade de que os princípios da água, como patrimônio comum da humanidade e como

direito fundamental, sejam inseridos num debate ideológico, prejudicando, assim, o desfrute

do recurso pela população. Paquerot defende que, ... toda política sobre a água deve apoiar-se

no reconhecimento deste recurso como parte do patrimônio comum da humanidade e sobre o

reconhecimento do direito fundamental do acesso à água potável (p. 3).

Voltando ao termo bem comum, na perspectiva de Marticorena (2003), pode ser

definido como qualquer recurso compartilhado por um grupo de pessoas, ou seja, aqueles

bens que “pertencem a todos, ou, quando menos, a uma ampla comunidade de pessoas” (p. 1).

O mesmo autor considera a água como bem comum quando escassa. Isso faz com que a

característica principal do conceito tenha a ver com o uso que fazem as pessoas do recurso em

questão. Assim, a terra, as águas, o ar, o solo, as florestas, os peixes de mares e rios, entre

outros, podem ser reconhecidos como bens comuns. O bem comum é reconhecido também

como um antigo princípio cultural e econômico para as pessoas se organizarem.

Bartolomé (1998), por sua vez, define os bens públicos como “aqueles bens ou

serviços de consumo coletivo, para os quais, em princípio, o consumo por parte de uma única

pessoa não indica a disponibilidade do mesmo para outros membros da sociedade” (p. 2), o

que o faz considerar a água de domínio público-jurídico quando as pessoas ou usuários a

utilizam para o sustento, ou lazer, ou seja, um direito. Quando as pessoas ou demandantes

usam a água para produzir ou tirar algum proveito econômico, ela passa a ser um bem

público-econômico, ou seja, uma mercadoria. Segundo o autor, isso gera muita confusão nas

leis e políticas públicas e nas propostas de gestão da água.

No caso do uso da água para irrigação no Vale de Quíbor, esse bem pode estar ligado,

entre outras coisas, à propriedade da terra, aos direitos adquiridos pela tradição, às formas de

organização ou aos conflitos e acordos entre as pessoas envolvidas no uso da água.

153

Os sentidos sobre a água

Mostro a seguir a análise sobre os sentidos atribuídos à água no Vale de Quíbor,

tentando me aproximar de uma compreensão das noções de matriz e de interface numa

situação específica. Para isso, construí, utilizando as práticas discursivas das pessoas e os

discursos contidos em documentos de domínio público, um quadro chamado de SENTIDOS

ATRIBUÍDOS À ÁGUA EM QUÍBOR (ver apêndice 2), a partir de dois eixos: sentidos

sobre a água e atores que expressam ditos sentidos. Assim, o quadro busca mostrar alguns dos

sentidos sobre a água que circulam nos discursos dos vários atores, e os seus graus de

relacionamento. Para isso foram utilizados documentos de domínio público, como os do

Simpósio Internacional de Gestão de Água e Ambiente45, realizado entre os dias 11 e 13 de

dezembro de 2002, em Barquisimeto; alguns documentos das empresas ou organismos ligados

à água na região (Marn, Hidrolara e SHYQ); os textos de algumas leis que regulamentam o

uso da água no país e em Quíbor; e também entrevistas que realizamos com pessoas

diretamente envolvidas na questão do uso, da distribuição e da regulamentação da água no

Vale.

No quadro referido, procuramos dar visibilidade aos sentidos atribuídos à água pelos

atores. Nas colunas explicitamos os atores através das respectivas siglas adotadas pelo autor:

Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais (MA), Hidrolara, empresa regional de

administração das águas (HI), Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor, empresa construtora da

represa (SH), um vereador da Prefeitura do Município Florencio Jiménez (FR), o juiz de água

do riacho Atarigua (IS), o distribuidor da água dos filtros (AM), o distribuidor da água do

túnel (DI), um representante dos agricultores usuários do riacho Atarigua (AR), um agricultor,

fundador da Aproquíbor (TE), um agricultor membro das empresas camponesas (EL), um

produtor de sementes, presidente de Aciprosemcla (ES), um agricultor de Sanare (SI), uma

funcionária do Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais (AE), um funcionário da

empresa Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor (JE), alguns depoimentos de participantes do

simpósio sobre água e meio ambiente (SM), as conversas com dois Guardas Nacionais (GU),

a Polícia do Município, como referida pelos atores (PO) e as Leis sobre a água da Venezuela

(Constituição, Lei Forestal de Solos e Águas) (LE).

45 O Simpósio foi patrocinado pelo governo do estado Lara, Hidrolara e a Universidad Centro Occidental “Lisandro Alvarado” (UCLA).

154

Nas linhas, explicitamos e numeramos 65 sentidos expressos pelos diversos atores e

que foram agrupados em quatro temas: das definições da água, da gestão da água, dos

direitos e regulamentações sobre a água, e dos conflitos pela água. No quadro, as

interseções entre os sentidos e os atores são identificadas com números. O número 1, em

negrito, indica que esse sentido corresponde ao discurso desse(s) interlocutor (es), e o número

1, sem negrito, indica que esse sentido é “muito central” em seu discurso. O número 2 indica

que o sentido está “presente usualmente”, e o número 3 indica que está “eventualmente

presente”. O espaço em branco indica que não existe ligação entre esse sentido e o discurso

desse ator.

Dessa maneira, buscamos ter uma idéia dos sentidos atribuídos à água a partir dos usos

que são feitos pelos atores de determinados termos, formas discursivas, conceitos, etc. As

formas de uso/importância foram analisadas como uma primeira aproximação aos discursos

dos atores no Vale, buscando ter um panorama o mais amplo possível de quem e como se

discutia a questão da água no Vale e das ênfases dadas às variadas dimensões envolvidas

nessa questão.

Em primeiro lugar, pode-se observar uma ampla variedade de sentidos presentes no

discurso de técnicos e funcionários. Alguns deles se entrecruzam com sentidos atribuídos

pelos agricultores e os mediadores (chamo assim, para efeitos da análise, ao juiz e aos

distribuidores, por cumprirem funções similares). Trata-se dos sentidos atribuídos à água

como algo vital46, de propriedade coletiva, tendo o consenso de todos os interlocutores, e que

é estabelecido como um dos princípios da Lei de Solos e Águas na Venezuela. A água é de

todos os usuários, daqueles que têm direitos tradicionais, daqueles que têm culturas e

precisam dela.

O fato de que a água seja um recurso limitado também faz com que as pessoas

concordem em considerá-la como possível causa de conflitos. A resolução dos conflitos é

referida como uma responsabilidade da Guarda Nacional e da Polícia, como instâncias de

vigilância da lei e de punição pela sua violação.

A conservação das bacias é também um sentido compartilhado pelas instituições

políticas e técnicas do Vale, sendo incluída nas leis e regulamentações e muito referida no

simpósio realizado em Barquisimeto. Chama atenção que a conservação das bacias se

encontram de maneira relevante nos discursos globais sobre a água que há cerca de 15 anos

estão circulando no mundo, sobretudo desde a conferência Eco/92, no Rio de Janeiro, e nos

46 Os trechos em itálico foram traduzidos por mim para efeitos metodológicos.

155

eventos posteriores, o que mostra que em nível mundial o discurso é difundido rapidamente

para as regiões e países.

Um sentido importante que merece ser discutido é de que a água deve ser paga −

embora, para os agricultores, o pagamento esteja se referindo, principalmente, ao serviço

prestado pelo juiz. Por exemplo: quem cobra a água é o juiz ou quem não paga a água não

tem direito. Os agricultores e o juiz, geralmente, chegam a acordos sobre qual a quantidade a

pagar pelo trabalho que o juiz e os seus ajudantes fazem no terreno: percorrendo os canais,

abrindo e fechando comportas, eliminando desvios de água, fazendo respeitar os turnos e as

normativas, etc. Na discussão, em nível nacional e internacional, a questão do pagamento pela

água é consensual, sobretudo para aqueles que a consideram como um valor econômico, e o

tema em debate é o valor a ser pago e os critérios para estabelecer os custos. No discurso dos

funcionários aparece o sentido de que: o Estado deve cobrar pelo uso da água. Ainda há

alguns que consideram que a água não deve ser paga, pois ela é um direito humano universal.

No que diz respeito à distribuição da água (gestão), os agricultores que a usam para

irrigar não estão organizados da maneira proposta pelos técnicos em documentos produzidos

pelo SHYQ. As formas organizativas existentes se baseiam na tradição, nos usos e nos

costumes, para além de modelos preestabelecidos pelo governo, mostrando agência na

distribuição da água: Os turnos são feitos pelo distribuidor em concordância com as

necessidades dos agricultores ou te dou um pouco para ti, e outro pouco para ti e amanhã

lhes dou de novo, porque se está seco tenho que remediar a todos. Os funcionários e técnicos

recomendam que exista uma gestão integral para a sustentabilidade com uma ativa

participação dos usuários ou. mais especificamente, a entrega da água exigirá a prévia

conformação de organização de irrigadores. É neste setor da tabela em que se visualiza uma

maior disparidade de sentidos e onde encontramos claras diferenças entre os sentidos

atribuídos pelos técnicos e funcionários, com relação aos atribuídos pelos juízes e

agricultores. Enquanto os primeiros têm consenso ao falar de gestão integral,

desenvolvimento sustentável, proteção das fontes, conservação e capacitação, como

prioridades para a gestão das águas, os segundos falam dos turnos de águas e das suas

experiências no manejo cotidiano da água de irrigação, ignorando, como mostram os espaços

em branco na tabela, as questões que são fundamentais para técnicos e funcionários. Essas

disparidades podem estabelecer limitações para as interfaces possíveis entre eles, pois os

discursos são produzidos sobre argumentos e repertórios não compartilhados.

156

No que diz respeito ao direito sobre as águas, os agricultores consideram que a água

deve ser para todos, e também deve ser distribuída de forma justa. Para isso, os juízes

argumentam sobre a idéia de justiça, como, por exemplo, dar-lhes a água mesmo que não me

paguem, todo mundo tem que ter água, o juiz não pode se vender por dinheiro, parentesco ou

amizade. Isso nos remete ao conceito da água como um bem comum, que, ainda sem

aparecer com esse nome, passa a idéia de que todos podem usar a água disponível sem

prejuízo de ninguém. Por outro lado, a distribuição justa refere-se à ética que os juízes devem

ter para distribuir eqüitativamente a água, sem favorecer mais alguns que outros, ainda que

seja um parente.

O uso da lei municipal serve também para justificar as ações para fazer cumprir os

acordos e regulamentos: isso está escrito, estamos apoiados, ou fazer menção às autoridades:

se tiver problemas chamo a Guarda; sempre tem alguém que quer ser mais esperto, mas a

Polícia se encarrega disso; temos uma ordem do Ministério, e assim por diante. Essas idéias

são compartilhadas pelos organismos e pelas autoridades, já que são produto e produtoras de

muitas interfaces entre agricultores e instituições.

Existem algumas versões construídas com relação à distribuição de água para irrigação

que falam de uma lógica dos juízes, mas que devem ser tanto produto da experiência como

das decisões tomadas em casos específicos. Fala-se de ter que levar água para os cultivos que

mais precisam, de adaptar às pessoas à abundância do líquido, de tentar consertar com

diálogo o que antes se resolvia com brigas, e até com mortes, de remediar a todos lhes dando

água racionalmente, tomando em consideração o tipo de cultura, seu estado e a extensão

cultivada. Isso mostra as habilidades necessárias para lidar com conflitos no dia-a-dia e poder

continuar com o trabalho sem maiores dificuldades.

Por último, acreditamos ser importante para este estudo discutir aqui a questão do

estabelecimento de turnos, por parte dos próprios agricultores do riacho Atarigua, e com o

aval do Ministério do Ambiente. Essa forma de organizar a distribuição é uma tradição

centenária e serve de modelo na distribuição das águas em outras fontes de água no Vale. A

distribuição por turnos tem gerado uma convivência relativamente pacífica entre os

agricultores, à medida que permite uma distribuição da pouca água disponível durante o

período da estiagem. Assim, dependendo da quantidade de água nessa época, ou de situações

problemáticas específicas a cada produtor, a distribuição da água por turnos pode se

flexibilizar desconsiderando tais turnos.

157

A seguir continuo com a análise, desta vez, utilizando trechos das entrevistas com os

diferentes atores e as leis e regulamentos sobre a água na Venezuela e em Quíbor.

Nos relatos dos agricultores a água aparece como uma propriedade de todos, os

habitantes do povoado, os venezuelanos, os usuários. Essa noção de propriedade coletiva

sobre a água se apóia nas antigas leis municipais e nos regulamentos recentes que sustentam

os repertórios utilizados pelos agricultores. Os funcionários do Marn e do SHYQ, por sua vez,

falam claramente da água como um patrimônio comum, um bem econômico, como de

domínio público, que mostra concordância com os discursos que aparecem nos eventos

mundiais sobre a água e nas leis nacionais que guiam o proceder dessas pessoas no seu

trabalho.

Segundo Alcides, agricultor e distribuidor da água dos filtros da Estação de

Tratamento, por exemplo, contando sobre uma ocasião em que havia a possibilidade de os

agricultores de Chaimare, povoado vizinho, tirarem a água deles, ele enfrentou as pessoas

argumentando que a água era para todos, mas as pessoas de Los Ortices, como donos dessa

água e usuários pioneiros, teriam o direito como comunidade, como se fossem uma associação

e com o aval da Prefeitura, de fazer uso dessa água, mesmo sem ter nada escrito, e que

ninguém, ainda que com o apoio de algum vereador, ia tirar a água deles, e que, em todo caso,

teriam de pedir permissão a eles. No relato, ele se posiciona diante das pessoas de Chaimare

como a autoridade da água, valendo-se do argumento do uso tradicional dessa água.

Alcides. Porque el otro día de Chaimare vinieron unas gentes con un permiso del Concejo para llevarse el agua, entonces, yo le digo al chamo, ‘ustedes dos no se llevan esa agua’, la tenía Juan, se la quitaron a Juan, Juan se la dejó quitar. ‘Yo sólo no me la dejo quitar el agua de ninguno de ustedes, que me dejen el agua a mí, les dije, por qué?, porque ustedes tienen que pedirla primero, tienen que hablar con la gente de Los Ortices, nosotros no somos el amo del agua, el agua es para todos, pero nosotros tenemos, desde que empezó la planta vieja, que llamamos nosotros, que inauguró Caldera, estamos nosotros beneficiando con esa agua, entonces, ustedes no van a venir con orden del Concejo, aquí no manda ningún concejal, aquí no manda nadie, aquí manda Alcides’, les dije yo, así sin tener, sin tener nada escrito.

Aponta, também, que segundo a lei municipal quem não paga não tem direito à água.

Esse pagamento refere-se ao dinheiro que ele, como distribuidor, deve receber pelo seu

trabalho.

Alcides. Sí, hay una ley en la quebrada Atarigua, la Ordenanza, el que no paga el agua no tiene derecho al agua.

158

Em uma conversa posterior, Alcides, perante a minha pergunta de a quem pertence a

água, ele responde que o governo (Estado) é o dono e manda na água por intermédio do

Ministério do Ambiente, isso, provavelmente, porque é esse organismo que outorga a

permissão para o uso, assim como cria as normas e os turnos de algumas das fontes de água

para irrigação da região.

J. (entrevistador)

J. ¿A quién pertenece el agua, quien es el dueño? Alcides. Es el gobierno, por que el que manda en el agua es el Ministerio del Ambiente.

Outros agricultores, Andrés e Tiago são menos específicos ao definir a água, mas

chamam atenção para o uso tradicional que se tem feito da água na agricultura dessa região,

seja como usuário atual, no caso de Andrés, seja como produtor aposentado e conhecedor da

situação, no caso de Tiago. Andrés se apresenta como usuário da água do riacho Atarigua,

enquanto Tiago, sua família e outros produtores do Vale, que antigamente tinham essa água

como sua principal fonte, agora só utilizam a água do Portal de Saída, já que a do riacho não

alcança as terras que eles cultivam.

Andrés. Yo utilizo el agua de la quebrada Atarigua en cuanto a los riegos.

Tiago. El agua de la quebrada, la que pasa por el Molino, la que viene de Sanare. Esa ha sido la, la primera que se utilizó aquí, fue esa.

O agricultor de Sanare, Sergio, não falou sobre a propriedade, mas aponta que a água

é vida e que a água que ele usa, do riacho Atarigua, é muito pouca para todos os agricultores

de Sanare e Quíbor. Disse também que eles têm turnos para distribuir cada gota de água e,

com isso, fazem milagres, lamentando-se da quantidade de agricultores que têm de dividir a

pouca água do riacho.

Sergio. (…) Nosotros hacemos milagros ahí, sabe que sin agua no hay vida. Y yo le estaba diciendo a estos, que nosotros estamos turneados por esa gota de agua. No se si usted ha visto el caudal de agua que lleva la quebrada? J. Sí, recorrimos la quebrada ahorita. Sergio. Esa aguita es como, para que sé yo, para todo Sanare.

Na lei municipal de 1984, confirma-se que a propriedade das águas do riacho e de seus

afluentes é de todos os habitantes do Município Capital, e está relacionada à tradição no uso,

159

que segundo eles, está longe da memória das pessoas. Esta Lei serve de modelo e suporte para

a criação dos regulamentos particulares de outras fontes.

Gaceta Municipal del Municipio Jiménez Sección I. De Quebrada “Acarigua”. Artículo 1. Las aguas de la Quebrada “Acarigua”, que nacen en las montañas altas del Distrito Andrés Eloy Blanco, así como las de sus afluentes quebradas “Las Rositas”, “Seca” y otros nacimientos en esta Jurisdicción Distrital, quedan sujetas a las disposiciones del presente Reglamento. Artículo 2. Las aguas mencionadas en el Artículo anterior pertenecen en común desde tiempo inmemorial a los habitantes de este Municipio Capital.

No regulamento do uso da água do Portal de Saída, se reconhece que há alguns

produtores com direito ao uso dessa água, e que, para os efeitos da distribuição, esses se

constituem em usuários. Tal norma está intimamente relacionada com os repertórios dos

funcionários e os documentos das propostas da empresa SHYQ de criar associações ou juntas

de usuários para entregar a administração da água do sistema de irrigação, já que a água que

sai do Portal é produto das obras de construção da represa Yacambú-Quíbor.

Reglamento para el Uso del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor. II. . De los usuarios del agua: Artículo 2: Los productores que tienen derecho al aprovechamiento del agua proveniente del portal de salida del túnel Yacambú-Quíbor para fines agrícolas, se constituyen en usuarios en virtud de lo dispuesto en las ordenanzas emanadas del Concejo Municipal de Jiménez, la tradición acumulada en el sector y las gestiones de la Comisión de Asuntos Campesinos y Desarrollo Rural del Concejo Municipal.

Perguntei para Diego, agricultor e distribuidor da água do Portal de Saída do Túnel, a

quem pertence essa água, ao que ele me respondeu que considera esse recurso pertencente aos

usuários, aos que utilizam essa água para trabalhar os seus cultivos, argumentando a relação

entre uso e propriedade.. J. ¿A quién pertenece el agua? Diego. El agua pertenece a todos los usuarios del agua del Túnel, los que trabajan con ella, los que siembran.

Fiz a mesma pergunta – sobre a quem pertence a água– para Elian, agricultor que

pertence à empresa camponesa La Vigía e usuário da água da represa Dos Cerritos, ao que me

disse não saber a quem pertence, mas que a considera pertencente a todos os venezuelanos,

argumento que abrange o sentido de propriedade, provavelmente, porque a água que ele usa é

a que utilizam as pessoas das cidades para seu consumo, e os agricultores a aproveitam em

sua passagem pelos canais.

160

J. Y sobre el dueño del agua, ¿a quién pertenece el agua? Elian. La verdad es que ahí no sé yo a quien pertenece, pero yo creo que el agua debe pertenecer a todos los venezolanos porque si, porque el agua es de nosotros.

No caso da associação dos produtores de sementes (Aciprosemcla), que também

utiliza a água da represa Dos Cerritos, ligando-se ao encanamento principal que vai para a

cidade de Barquisimeto, Eliseo, presidente da associação, disse que eles tomavam a água

porque necessitam dela. No começo, e como a água é para consumo humano, a empresa

estadual Inos, e agora Hidrolara, tirava as mangueiras que eles usavam para pegar a água, e

eles logo voltavam a colocá-las para continuar com essa situação, que durou vários anos até

que chegaram a um acordo, pois sem essa água era impossível continuar com o trabalho. O

argumento de Eliseo sobre o uso da água pela necessidade justifica para ele as ações que

relata sobre as conexões ilegais, assim como a constante luta mantida com a empresa até

chegar ao acordo atual.

J. Cuéntame un poco como es el proceso para que ustedes tengan agua aquí, o sea, ¿cómo les llega el agua, quienes son ustedes? Eliseo. Bueno, este, nosotros tenemos aquí alrededor de 10 años trabajando con semilleros, quizás algo más, pero para ser más exactos 10. Entonces, la cuestión surgió de nuestra asociación fue que teníamos problemas con el agua, Hidrolara, para ese entonces el Inos, nos trancaba el agua y nos quitaba las mangueras. J. ¿De dónde tomaban el agua ustedes, de dónde venía el agua, o de dónde viene, todavía? Eliseo. El agua viene de la represa de El Tocuyo. J. ¿Por dónde pasa, es una tubería? Eliseo. Sí, una tubería y nosotros tomamos de una distribución que ellos tienen. J. ¿Entonces venían ellos y les tumbaban las mangueras y después volvían de noche y la volvían a poner? Eliseo. exacto, aja.

Como funcionária do Ministério do Ambiente, na sede de Barquisimeto, Amanda,

responde que todas as águas são de domínio público e o Estado deve administrá-las e fazer

contratos com os usuários, sobretudo a partir da nova Constituição do ano 1999. Aponta que

se deve cobrar por esse aproveitamento que as pessoas fazem, tal e qual diz a lei. Amanda fala

a partir da sua função e não como usuária ou agricultora, seu repertório é trazido das leis e

regulamentos e não se permite fazer qualquer comentário fora dessa situação.

Amanda. …Las aguas se están dando, ahora, a partir del año 99, mediante un contrato que se hace entre el particular y el Estado. Entonces, el Estado debe cobrar por el uso del agua. J. Entonces, el principio es que el agua es del Estado o es de todos? Amanda. El agua es del dominio público.

161

José, funcionário do SHYQ, foi o único entrevistado que utilizou o termo ‘bem

comum’ para definir a água, concedendo a propriedade ao coletivo, mas, colocando a função

de controle do uso no Estado. Pode-se entender sua argumentação na sua qualidade de técnico

e funcionário do Estado, com acesso a informação que circula nos eventos internacionais

sobre a água.

José. El agua es un bien común, un bien colectivo, y como bien colectivo el Estado tiene que velar porque se utilice de la mejor forma.

Acrescenta que o manejo da água numa economia de mercado deve considerar os

custos de represá-la, transportá-la e demais atividades para torná-la potável ou utilizável na

agricultura. Argumenta, então, se posicionando como especialista, pela necessidade da

cobrança através de tarifas, seja a água para consumo humano, seja para irrigação, pois esses

custos têm que ser reembolsados.

José. …El manejo del agua en una economía de mercado en la cual hasta el presente estamos viviendo (sonríe), el agua tiene unos costos de embalsarla, transportarla, llevarla, etc., y de alguna forma alguien tiene que pagar esos costos y que esos costos se traducen en tarifa, entonces, cualquier uso del agua, ya sea, agua potable o agua para riego tiene que pagarse a través de una tarifa.

Ao manter esta postura de defesa do pagamento da água pelos agricultores, Jose cai

em contradição, por um lado aponta que a água é um bem comum cuja propriedade é do

coletivo, mas por outro lado, diz que todos devem pagar pelo uso que fazem desse recurso.

Nesse sentido, assume a postura da empresa SHYQ e do governo de Venezuela, através do

projeto de lei de águas, atualmente em discussão.

O vereador da Prefeitura do Município Florencio Jiménez baseia sua argumentação na

Lei de Solos e Águas, na qual as águas são consideradas como propriedade da nação, como

um recurso natural. Fernando utilizou os argumentos legais para se posicionar durante toda

nossa conversa.

Fernando. El agua es de la Nación. El agua, según la Ley de Suelos y Aguas le corresponde a la Nación, es un recurso natural de la nación.

Na Constituição da República Bolivariana de Venezuela, as águas na sua totalidade

são bens de domínio público da nação, o que significa que o Estado deve administrá-las e

controlar os diversos usos que dela se façam.

162

Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Artículo 304. Todas las aguas son bienes de dominio público de la Nación, insustituibles para la vida y el desarrollo.

Esta Constituição, criada em 1999, visa uma nova relação entre o Estado e os usuários

das águas, que significa a realização de um contrato entre eles, representado neste caso pelo

Ministro do Ambiente, mas, por enquanto, não está claro como vai funcionar está relação,

pois, segundo a funcionária do Ministério do Ambiente, Amanda, não se tem gerado

concessão alguma entre particulares e o Estado desde 1999, e só se sabe de acordos entre

entidades do Estado e o Estado, por exemplo, entre empresas petroleiras como Petroleos de

Venezuela S.A. (PDVSA), a empresa estatal de petróleos do país e o Estado venezuelano.

Amanda. …a partir del 99, ahora, todo uso de agua tiene que ser dado en concesión, es decir, un agricultor que requiera 2 litros ó 3 litros de agua tiene que hacer un contrato con la nación, con el Ministro del Ambiente, para poder utilizar el agua, por supuesto que eso implica, a lo mejor, yo no sé todavía, pero como te digo, como todavía no hemos tramitado ninguna concesión, de ese estilo, por lo menos acá en Lara no, a nivel de Caracas se han dado concesiones con las petroleras y en el Zulia y en los estados que son petroleros se han otorgado concesiones.

Na Lei Florestal de Solos e Águas, declara-se de utilidade pública todas as águas,

sejam públicas ou privadas, reconhecendo que há águas que pertencem a particulares. Essa

noção está relacionada às concessões de uso que o Estado outorga para o uso temporal das

águas com diversos fins: como força hidráulica ou para irrigação.

Ley Forestal de Suelos y Aguas Artículo 2. Se declara de utilidad pública: 1. La protección de las cuencas hidrográficas 2. Las corrientes y caídas de aguas que pudieran generar fuerza hidráulica. Artículo 4. Las disposiciones de esta Ley se aplican a: 2. Las aguas públicas o privadas.

No tabela 4, Como se define a água e seu uso, é possível visualizar algumas das

noções que os atores expressaram sobre água enquanto bem de uso coletivo. Pode-se observar

que a noção de uso da água pela sua disponibilidade é usada pelos juízes (todos eles também

agricultores) e agricultores propriamente ditos, na sua totalidade. Enquanto que a água como

pertencente a eles aparece tanto maioria de suas práticas discursivas como nas leis e

regulamentos locais. Isso pode ser interpretado como uma amostra da ligação profunda entre

os usuários da água, a tradição e as leis feitas para sustentar essa união. Por outro lado, a água

163

como um bem público, da Nação, é parte das práticas discursivas de um funcionário e o

vereador, e é o discurso que se estabelece na Constituição e na Lei nacional, discurso que

institui uma separação visível entre funcionários e leis nacionais, por um lado, e agricultores e

leis municipais, pelo outro.

A água aparece como valor, como bem econômico ou social, somente nos documentos

das conferências internacionais, o que mostra que essas noções não são do uso do cotidiano

nas conversas dos juízes nem dos agricultores nem dos outros interlocutores. Essa noção é

aparentemente nova, produto das recentes intenções e propostas de converter a água em

mercadoria, o que parece, por enquanto, não ter muito eco no Vale.

Por outro lado, no Vale de Quíbor há o reconhecimento de que se tem de pagar pela

água. Isso, a partir de dois eixos diferentes: enquanto alguns agricultores e as leis municipais

consideram que o serviço que fornece o juiz ou o distribuidor de água deve ser pago, e deixar

um fundo para gastos gerais do sistema de irrigação, como determina a legislação municipal,

por outro lado, outros agricultores, os funcionários e os organismos internacionais que

organizam as megaconferências sobre a água, apontam que os usuários têm de pagar o serviço

da água, pelo fato de alguém ter de arcar com os custos de estrutura e manutenção da rede de

encanamentos ou de canais, no caso de um sistema de irrigação, para compensar esses

investimentos. Isso já foi visto acima, quando se apresentaram as propostas sobre a água no

mundo. Por último, a água como propriedade pública ou privada (as que se entregam em

concessão) só aparece na antiga, mais ainda vigente, Lei de Solos e Águas de 1966, o que

leva à espera por uma lei mais recente, ainda em discussão.

164

Tabela 4

Como se definem a água e seu uso

Juizes47 Agricultores Funçaõ Leis Conf

47 Todos os juízes ou distribuidores são também agricultores.

ATORES

NOÇÕES

ALCIDES

DIEGO

ISIDRO

ANDRES

TIAGO

ELISEO

ELIAN

SERGIO

AMANDA

FERNANDO

JOSE

CONSTITUIÇÃO

LEI FLORESTAL

LEI MUNICIPAL

REGULAMENTO

BONN

DUBLIN

A água que usamos, que está disponível

X X X X X X X X

A água que é nossa, da comunidade

X X X X X X X X

A água é de todos os venezuelanos

X

A água é um bem da nação

X X X X X

A água é um bem comum X A água como valor econômico

X X

Tem de pagar pelo uso da água

X X X X X X X X X X X X

A água é compartilhada X A água como valor social XA água é de utilidade pública

X

165

Considerações gerais

166

Comecei a tese expondo como circulam as idéias sobre o que deve ser considerada a

água para alguns setores envolvidos mundialmente com esse elemento fundamental para

nossa existência, e que é chamado por alguns como recurso. Por um lado, há uma postura a

qual chamei de hegemônica, liderada, principalmente, pelas diretrizes do Banco Mundial e

das grandes empresas multinacionais comercializadoras da água, que, por meio das

“declarações finais” dos grandes eventos internacionais, como simpósios e conferências,

transmitem a idéia de que à água é uma mercadoria qualquer, e que por isso as pessoas têm

que pagar para ter acesso a ela, colocando como imperativo a “recuperação de custos” para a

sustentabilidade dos empreendimentos de setores privados, nessa matéria. Também, circulam

as idéias do “bom governo”, para que os países chamados “em desenvolvimento” ou do

Terceiro Mundo administrem de forma adequada um recurso que devem dividir ou entregar às

entidades externas, pois eles, por si só, não seriam supostamente capazes de fazê-lo. O caso

do Chile é um exemplo de como as multinacionais estão comprando os direitos dos chilenos

sobre suas águas, numa situação denominada livre mercado, onde tudo pode ser vendido.

Por outro lado, a postura que chamei de alternativa, representada pelo Manifesto da

Água e o Projeto Planeta Azul, resiste à idéia de considerar a água como mercadoria,

propondo reconhecê-la como um direito humano universal e ao qual seja garantido o acesso

de forma gratuita a todos os habitantes do planeta. Muitos desses projetos lutam, de maneira

desigual, com as grandes multinacionais e os Estados que promovem a privatização da água a

todo custo. Na América Latina temos exemplos desses confrontos, sobretudo, o episódio

acontecido em Cochabamba, na Bolívia, no qual a população conseguiu, após dias de brigas

nas ruas da cidade, com mortos e feridos, que o Governo cancelasse a concessão do serviço da

água a uma empresa multinacional.

Entre essas duas propostas contrapostas, há outras que promovem como solução mais

efetiva a parceria entre os setores público e privado, como forma intermediária para

administrar a água. Teria que se estudar com detalhe alguns exemplos dessa prática para saber

quais os resultados. Todas as propostas têm em comum a idéia de que o desenvolvimento da

humanidade tem de ser sustentável e de que os direitos das gerações futuras devem ser

preservados, garantindo que elas possam contar com recursos suficientes para sua

subsistência, porém, a forma como esse desenvolvimento deve ser realizado ainda não está

clara e se observam propostas contraditórias que são reflexo dos interesses particulares de

diversos grupos que discutem essa questão.

167

A água de irrigação tem garantido a sobrevivência das populações e graças a ela têm

se desenvolvido as grandes civilizações, alguns autores, como Wittfogel (1957), chegaram a

falar de governos despóticos nas culturas que se baseavam em sistemas hidráulicos, porém, o

uso indiscriminado da irrigação tem causado, em parte, o desaparecimento de algumas dessas

civilizações. Entre algumas das razões ligadas à irrigação que se dão para explicar tais

situações, e que se repetem hoje em dia, estão: os danos que o excessivo uso da água causa ao

solo, o esgotamento das fontes superficiais, as perdas por evaporação e pela permeabilidade

do solo e o fracasso em gerar formas alternativas de manutenção da produção agrícola. Por

isso, hoje há uma busca por fazer uso da água com muito maior cuidado e com critérios de

conservação, por meio de alternativas como a irrigação por gotejamento, que utiliza só o

necessário para que a planta produza com a menor perda possível de água.

No Vale é possível olhar essas diferenças a partir da apropriação, cada vez maior, da

terra produtiva, que fica em menos mãos. Os pequenos produtores vêm sendo ‘engolidos’

pelos grandes, que contam com recursos financeiros e tecnológicos para continuar

“crescendo”, consumindo água, agrotóxicos, adubos orgânicos ou não, e acumulando lucros

extraordinários, em detrimento dos pequenos que se vêm obrigados a vender suas

propriedades pela falta de créditos e financiamento para seus empreendimentos, geralmente

de auto-sustento. Esta pesquisa abrange só parte dessa problemática, pelo que se faz

necessário pesquisar a partir de outras perspectivas e focalizando outros campos-tema para ter

um melhor conhecimento do que acontece em Quíbor, suas possíveis causas e soluções.

Este trabalho foi realizado conciliando várias estratégias metodológicas que têm como

suporte epistemológico o construcionismo social. Portanto, utilizei, principalmente, as noções:

campo-tema, matriz, interface e práticas discursivas para compreender o complexo mundo de

relações de médio alcance48 que se dão no manejo de um bem comum como a água. Neste

caso particular, a água de irrigação de várias fontes, utilizada por algumas comunidades de

produtores do Vale de Quíbor.

Minha intenção foi mostrar como diferentes pessoas, num mesmo lugar, atribuem

diversos sentidos à água de irrigação, de acordo com os variados interesses que possuem e os

lugares de onde falam e se posicionam. Para tanto, faço um entrelaçamento de quatro noções

teórico-metodológicas de cunho construcionista. Utilizei a noção de matriz (Hacking, 1999)

para mostrar o cenário social complexo conformado pelas subjetividades e as materialidades

48 Entende-se aqui por médio alcance, segundo Spink (2004), as ações que múltiplos atores realizam, com diferentes competências, inserções e formas de percepção do problema, para resolver questões que atingem a todos, por meio de acordos e negociações.

168

dos sistemas de irrigação de cada fonte de água. A partir disso, podemos entender que há uma

série de elementos que fazem parte dessa matriz, os canais de água, as terras cultivadas, as

ferramentas, mas também os regulamentos e leis, os acordos sobre os turnos de distribuição, e

daí por diante.

As relações que os atores estabelecem podem ser evidenciadas nas interfaces sociais

(Long, 2001), cheias de discrepâncias, mas também de negociações e acordos. A noção de

interface permitiu-me olhar para as relações que se produzem no Vale e, quem participa nas

interfaces, pois nelas se confrontam os interesses e se negociam os sentidos. Conversei então

com juízes de água, pequenos e médios produtores, funcionários de empresas públicas e do

governo e representantes do poder político regional, focalizando as práticas discursivas

(Spink, M.J., 1999) desses interlocutores, como elementos discursivos fundamentais na

construção de sentidos, e alguns discursos oficiais de entidades e empresas envolvidas com a

gestão da água no país e no Vale de Quíbor.

Parto de um lugar da zona rural do ocidente da Venezuela, que escolhi como campo-

tema desta pesquisa (Spink, 2003a), para mostrar as possibilidades que a Psicologia Social

brinda como disciplina das Ciências Sociais, para dar conta destes estudos que não têm sido

parte de seus temas preferidos, nem em nível internacional, e menos ainda em nível local.

Espero assim ter conseguido construir um olhar diferente sobre coisas que acontecem em esse

lugar chamado Vale de Quíbor, mas, também, e principalmente, em aqueles lugares desde

onde pude compartilhar conversas sobre o tema da água de irrigação com os atores.

Sobre o gerenciamento

As maiores discrepâncias entre os diversos atores, usuários ou não, das fontes de água

do Vale aparecem na distribuição e no gerenciamento dessas águas. Neste trabalho mostro

algumas formas tradicionais de organização dos agricultores para administrar a água,

especialmente a escassa água na época de estiagem, o que significa que existem no Vale

formas organizativas que permitem o convívio de interesses particulares, em benefício da

sobrevivência de todos. Isso mostra que os produtores de Quíbor têm habilidades e

capacidades de agir, ou seja, formas de agência (Long, 2001), para negociar e chegar a

acordos, apesar das dificuldades por que passam.

As pessoas se organizam em associações, juntas administradoras, juntas de usuários,

empresas camponesas, cooperativas, ou simplesmente agem juntas em prol do benefício

comum. Mostram com isso o conhecimento acerca das negociações dos diversos tipos de

169

poder que existem na região para se distribuir a água. Esses poderes podem-se manifestar em

diversas arenas, como, por exemplo, quando o juiz tem de defender a água de sua fonte,

agindo por meio da persuasão com o diálogo ou solicitando o apoio das autoridades regionais,

ou entre agricultores que querem usar mais água do que têm direito e utilizam mecanismos

como o desvio ou o bloqueio da água, impedindo que outros se beneficiem dela, ou, ainda,

quando entidades externas intervêm como forma de controle das diferenças entre agricultores

que não podem ser resolvidas por outros mecanismos.

Apesar da generalizada crença de que as pessoas no Vale de Quíbor apresentam

dificuldades de pensar e agir de forma coletiva, entendo que a a sua real dificuldade é de se

organizar seguindo padrões externos e pré-estabelecidos de organização, baseado no

pressuposto de alguns funcionários ou especialistas que acreditam que essas formas são as

únicas ou as válidas para que se consiga o entendimento e a ação conjunta de pessoas num

lugar determinado, no que se refere a um bem como a água. Há muitas experiências de

negociações e acordos entre os produtores do Vale que podem servir para orientar questões

novas que surgem, como, por exemplo, a venda de uma fazenda a um produtor externo, não

acostumado com as normas e procedimentos estabelecidos e aceitos pelo grupo de usuários de

determinada fonte de água, o que contribuiu para gerar conflitos e desarranjos na dinâmica

cotidiana.

Neste estudo pode-se observar que existe organização, que as pessoas vão e

conversam, negociam, chegam a acordos, e que também, às vezes, brigam, mas que elas

podem fazê-lo, e geralmente o fazem, sem a tutela de pessoas ou entidades externas às suas

comunidades, e que essa tutela pode muito bem ajudar, mas não condicionar a forma de lidar

com o cotidiano da distribuição da água.

Personagem central nesse mundo da gestão tradicional da água é o juiz de água. É ele

que tem de negociar dia-a-dia, em primeira instância, como vai ser distribuída a água entre os

agricultores. Ele tem, também, nas interfaces com as autoridades, a potestade de agir tomando

decisões muitas vezes não estabelecidas nos regulamentos e leis, pela agência, o

conhecimento e o poder que lhe é dado, na sua condição de eleito pelos próprios produtores,

ainda que isso não garanta que ele represente a todos. Mais ainda, os juízes ou distribuidores

têm de tentar resolver os conflitos que surgem constantemente, ainda que em menor

quantidade se comparado com épocas passadas, em meio a uma questão tão delicada como a

distribuição eqüitativa da água em situações de escassez.

170

Long (2001) chega a semelhantes conclusões numa pesquisa realizada sobre um

sistema de irrigação no México, denominado Autlán-El Grullo, no qual trabalham seis

guardas da água (canaleros), responsáveis, em grande parte, pela distribuição de água no

sistema. Ele aponta que os canaleros “estão localizados em alguns pontos críticos de

interseção no manejo do sistema de irrigação” (Long, 2001:74), pois na distribuição da água

eles têm de interagir com seus colegas para garantir água suficiente a cada um dos

agricultores; negociar com os produtores que estão localizados na parte de cima para que não

prejudiquem os que estão embaixo; realizar no terreno ações que provavelmente não

coincidem com as que planejaram os engenheiros, e que devem ser negociadas, por sua vez,

com todos os usuários; e como esses usuários têm diferentes necessidades de água pelas

diferentes extensões de suas terras, o canalero deve ter cuidado para não favorecer a alguns

em prejuízo de outros.

Embora os sistemas de irrigação não sejam iguais, pois os canaleros respondem a uma

estrutura hierárquica e têm de seguir os planos do chefe do sistema, as situações e relações

que se estabelecem, assim como as estratégias utilizadas, são bastante similares, sobretudo,

porque tanto os juízes como os canaleros tomam decisões no terreno que não podem ser

previamente planejadas, daí que suas formas de agência, seus conhecimentos e seus poderes,

dentro do sistema, são de grande ajuda para resolver os problemas cotidianos que enfrentam

na tarefa de distribuição da água. Como aponta Long (2001), sobre a complexidade dessas

relações na distribuição de água e o papel dos distribuidores nesse cotidiano: “a natureza

complicada e demandante das práticas de gestão da água, produz conhecimentos específicos

enraizados localmente, o que, por vezes, outorga aos guardas da água um certo grau de

autoridade e alguma liberdade na tomada de decisões” (2001:74).

A gestão de água do riacho Atarigua serve de exemplo, como forma tradicional de

gestão, para as outras fontes coletivas de água de irrigação no Vale. A figura do juiz,

sustentada nas antigas leis, constitui na região uma experiência fundamental,valorizada por

todos os interlocutores. O sistema de distribuição por turnos é utilizado para estabelecer

acordos e evitar que surjam conflitos, ou que esses tragam conseqüências graves para os

agricultores. O juiz do riacho deve se relacionar com todos os usuários dessa água, mas,

também, com os funcionários do Ministério do Ambiente, da empresa SHYQ, quando é

preciso, e com pessoas alheias ao sistema de irrigação. Nessas interfaces ele tem de

demonstrar capacidade para negociar e chegar a acordos ou utilizar sua autoridade e poder

para fazer cumprir as normativas que ele conhece muito bem (Long, 2001). Nas suas práticas

171

discursivas ele utiliza argumentos sobre a importância do papel do juiz na distribuição da

água, para justificar e dar sentido ao cotidiano que compartilha com todos esses outros atores

do Vale, principalmente na época de estiagem, quando os interesses particulares entram em

conflito com os interesses coletivos. Embora não pareça existir nos agricultores uma idéia de

trabalho coletivo, como alguns funcionários e técnicos apontaram, fica, muitas vezes, evidente

que quando se fala sobre qual é o interesse maior, a idéia do coletivo prevalece sobre o

individual, o que mostra um certo senso de união entre os usuários dessa água.

Quanto à distribuição da água do Portal de Saída do Túnel, ela se faz seguindo a

normativa expressa no regulamento, que deriva das leis municipais do riacho Atarigua. Isso

dá sustentação a uma forma de administração da água que se tem mostrado bem-sucedida.

Apesar de essa água ter suas próprias características, o distribuidor vale-se da experiência do

juiz de Atarigua para fazer seu trabalho, usando, também, suas estratégias pessoais nos

momentos que são requeridas. Deve-se levar em conta que a associação de usuários que

administra a água foi constituída com o apoio da empresa SHYQ, apesar de os agricultores já

terem se organizado espontaneamente para distribuir essa água quando ela começou a fluir.

Tal forma de organização para a utilização da água é uma amostra de como os agricultores de

Quíbor podem ser criativos na hora de resguardar seus cultivos. Aproveitar para irrigação uma

água que sai da abertura de um túnel é um recurso inteligente que diz muito a respeito da

agência dos agricultores do Vale para enfrentar o complexo mundo da produção agrícola no

lugar. Não há limites na hora de encontrar a oportunidade e fazer uso dela.

Outro exemplo de como os agricultores procuram se organizar para distribuir a águas

da melhor forma possível é o compartilhamento da água dos Filtros da Estação de

Tratamento, no vilarejo Los Ortices. Ainda não tendo a possibilidade de continuar utilizando

a água da Estação, os usuários têm se organizado para aproveitar “os desperdícios” da limpeza

dos filtros e, assim, tirar proveito de qualquer gota da água que possa ser utilizada para irrigar.

A figura do distribuidor aparece como fundamental para evitar situações problemáticas, não

só entre agricultores locais, mas, também, com pessoas de vilarejos vizinhos, necessitados do

líquido para suas plantações, prevalecendo, porém, o uso por parte daqueles que se

consideram pioneiros na administração da fonte.

Há um dito popular na Venezuela que pode descrever o que significa essa situação

com a água dos filtros. Ela diz: agarrando aunque sea fallo, que quer dizer, temos que usar

qualquer coisa que pudermos, ainda que não seja a melhor. Isso me faz refletir sobre como o

Estado venezuelano tem descuidado com a agricultura em algumas áreas do país, o que tem

172

levado os agricultores a não só irrigarem com desperdícios, mas, com qualquer tipo de água,

ainda que proveniente de esgoto não tratado, para procurar a subsistência.

Sendo construída para abastecer de água potável a cidade de Barquisimeto, e outras

cidades vizinhas, a represa Dos Cerritos é aproveitada como fonte para irrigação de várias

formas. Neste trabalho só foram analisados: a empresa camponesa La Vigia e o grupo dos

Semilleristas. Embora tais fontes não tenham um juiz ou distribuidor para a gestão de água,

muitos dos elementos que aparecem na administração da água, como a implementação de

turnos, têm a ver com as tradições e costumes presentes nas leis e nos regulamentos que

guiam essas atividades onde há juízes ou distribuidores, o que é uma forma de constatar a

influência dessa prática tradicional na região.

Quanto à Empresa Camponesa La Vigia, produto da reforma agrária dos anos 1970,

ela e outras duas começaram a utilizar a água da represa, supostamente gratuita, para irrigar

no verão. Os agricultores sentiram-se enganados frente ao Estado pela falta de um documento

no qual se certificassem seus direitos sobre o uso da água. Porém, e apesar das dificuldades,

continuam a utilizá-la, mesmo com um pagamento acordado, e distribuindo em forma

eqüitativa, sem a necessidade de um distribuidor ou juiz. Isso porque o sistema de canais leva

à maioria dos sítios a água, que, depois, eles armazenam em lagoas ou utilizam nas plantações

irrigando diretamente. Não existe, portanto, regulamento escrito pelos agricultores das

empresas sobre como administrar a água da represa, os próprios usuários se organizam para a

tarefa.

Os cortes de água foram incentivos para a organização em defesa dos direitos de uso

da água, embora, após aceitarem que tinham de pagar pela água da represa, os agricultores,

agrupados nas empresas camponesas, não agiram coletivamente, mostrando com isso a

fragilidade da criação dessas empresas que, a princípio, foram promovidas para incentivar a

produção agrícola de tipo cooperativo, mas que fracassaram por ter-se constituído de forma

vertical a partir de um decreto do governo nacional.

Outra forma particular de organização dos agricultores é a associação dos

semilleristas, que, conectados à tubulação da represa, obtêm água diretamente para seus

cultivos, pagando pelo uso à empresa estadual administradora de águas Hidrolara. Isso tem

garantido uma certa tranqüilidade para essas pessoas, que se associaram em busca de um

melhor tratamento por parte do governo local, pois, acreditaram que unidos fariam diferença

na hora de lutar pelos direitos de uso dessa água, única fonte de que dispõem na época de

estiagem. Estão organizados como uma associação, com interesses coletivos e, até agora, o

173

funcionamento tem sido bem-sucedido. Como se pode observar neste trabalho, também os

agricultores de sementes tiveram sérios problemas para continuar irrigando com a água da

represa. Esse problema e a repressão por parte das autoridades foram uma espécie de

detonador para a formação da associação, como mecanismo para enfrentarem juntos uma

situação que consideravam injusta. Hoje em dia, a associação de produtores de sementes

mantém, através de medidores colocados em cada sítio, um pagamento mensal à empresa

Hidrolara pelo serviço de água e, freqüentemente, estabelece novos mecanismos para o

melhor aproveitamento do líquido indispensável para a produção.

Retomo aqui, à maneira de reflexão, as palavras de Spink (2001a) sobre o que

significa para ele a forma como ação, pois esse conceito me permitiu estabelecer um vínculo

com o que observei nas formas associativas presentes no Vale de Quíbor.

Quando se tenta, de maneira séria, compreender o vocabulário da forma como ação ou da ação como forma, a primeira conclusão cambaleante à que se chega é sua variedade. As palavras mudam em cada situação, para descrever de maneira prática o que acontece. Comitês viram movimentos que, por sua vez, criam comissões, que, por sua vez, se transformam em associações (2001a:17).

Dessa forma, em Quíbor as pessoas se agrupam de diferentes formas, buscando assim

ter maior força para exigirem seus direitos perante o Estado, empresa ou outro grupo que

possam concorrer ou dificultar o aceso à água. Os agricultores têm se organizado

desconsiderando, por vezes, as formas preestabelecidas em novos regulamentos e sugeridas

por técnicos e funcionários da empresa SHYQ. Portanto, há formas de ação cotidianas que se

expressam nas palavras e que mostram os jeitos diferentes de se reunir, considerando os

objetivos e interesses comuns.

Sobre as causas possíveis dos conflitos e suas soluções

Uma outra idéia que circula muito em nível mundial é a suposta escassez de água no

planeta e as conseqüências bélicas que isso pode trazer. O que existe é uma desigualdade na

distribuição da água. Há países com imensas reservas de água, como Canadá, Rússia e Brasil,

e outros com muito pouca ou quase nada, como Kuwait, Malta ou Quatar (Rebouças, 2002).

Também existem desigualdades no consumo e na distribuição da água entre os países e

mesmo dentro de um mesmo país. Isso requer que se façam modificações de comportamento,

não apenas no uso doméstico e industrial, mas na área agrícola, sobretudo pelos que mais

consomem água, como uma autêntica via de solução para a suposta escassez.

174

Como todos os atores do Vale que participaram desse trabalho reconhecem, existem e

têm existido conflitos na região pelo uso da água para irrigar no verão. Esses conflitos podem

ter origem e resultados diversos e estão relacionados com a fonte disponível para a irrigação.

Como vimos ao longo desse trabalho, a idéia de que só a simples escassez de água pode gerar

conflitos está em discussão. Para que eles ocorram, é necessário que outros elementos estejam

relacionados a ela . As experiências internacionais mostram que as pessoas preferem chegar a

acordos do que brigar pela água. Porém, é evidente que existem problemas cuja razão

principal tem a ver com a distribuição que o ser humano faz desse líquido indispensável para

a vida.

Uma das razões ligadas à escassez e que pode gerar brigas é a desigualdade no acesso

à água. Essa desigualdade pode ser produzida pela localização dos agricultores com relação à

fonte (os de cima com preferência aos de baixo), pelos direitos tradicionais perante aos dos

novos usuários, pelo descumprimento das normas, pela corrupção de juízes que podem dar

preferência a uns em prejuízo de outros, e daí por diante.

Outra razão importante para que se tenham produzido conflitos em Quíbor é que

alguns dos produtores dependem da água administrada por uma empresa do Estado, a

qualcondiciona a distribuição ao pagamento por esse serviço. Tal fato acarretou problemas,

pois os agricultores não estavam acostumados a pagar, ou não tinham dinheiro para fazer

esses pagamentos, ou foram usuários dessa água por muitos anos sem pagar e, de repente,

foram exigidos a fazê-lo ou ameaçados de perder o acesso ao recurso. Como vimos, em três

das fontes, as brigas entre agricultores e as empresas administradoras de água foram, por um

lado, pela defesa de seus direitos, levando aos produtores (de sementes) a formalizarem a

associação para melhor defenderem seus direitos. Por outro lado, as brigas têm motivado os

agricultores das empresas camponesas a aceitarem, finalmente, fazer o pagamento pelo

serviço e perceber que o que eles pensavam a respeito do direito que tinham sobre o uso da

água da represa Dos Cerritos era um engano. O outro caso é o da Aproquíbor, associação

criada para fazer uso e administrar a água da represa fazendo um pagamento acordado entre a

associação e a empresa Inos. O resultado foi a eliminação do serviço pela falta de pagamento

e a utilização, por parte dos produtores, dos “desperdícios” dessa água proveniente da limpeza

dos filtros na estação de tratamento.

Cada fonte de água deve ser estudada com maior detalhe para que se possa entender

quais as razões dos conflitos e de que forma serão resolvidos. Não adianta tentar usar as

mesmas estratégias de análise e de solução para cada caso em particular. Deve-se conhecer

175

bem as diversas causas que levaram aos conflitos, como se mostrou neste trabalho: às vezes,

pode ser que a venda de uma propriedade para alguém que desconhece as normas do lugar

traga um conflito imprevisto, ou a possessão de terras riacho acima, por pessoas que vêm de

outras partes, gere mal-entendidos entre os velhos e os novos usuários. Também, a

modificação do estatuto de um povoado, parte de um município, que passa a ser um município

independente, como no caso de Sanare. Os conflitos, então, têm diferentes níveis de

conflituosidade e diferentes níveis de solução. Em alguns dos casos, os próprios agricultores,

às vezes contando com a participação do juiz, resolvem o problema sem maiores

conseqüências, mas, em outros, precisa-se da intervenção de todos aqueles que possam

contribuir com alguma solução definitiva para o impasse. Esse, por exemplo, é o caso de Los

Ejidos, que até agora, mesmo com a intervenção da maioria dos envolvidos e das autoridades

e outras entidades, não tem tido uma solução satisfatória.

Fica claro para mim que a água não é um problema per se, mas as relações humanas

que se constroem em volta dela podem gerar muitos conflitos, se procurarmos olhar só as

brigas que se produzem, geralmente pela má distribuição dela, e não o complexo mundo de

relações, que geram maior quantidade de acordos que de conflitos.

A represa Yacambú-Quíbor

A represa tem se tornado a grande esperança de melhoria para alguns produtores e

funcionários no Vale, porém, também há quem duvide de que ela os beneficie na hora da

distribuição dessa água. Os inúmeros problemas que a construção tem tido e que vêm

atrasando o funcionamento pleno da represa, as informações contraditórias nos jornais, que

falam de datas que nunca se cumprem, têm contribuído com esse ambiente de incerteza que se

manifesta nas falas das pessoas.

O fato de a empresa SHYQ estabelecer determinados requisitos para que a água do

sistema de irrigação seja distribuída, tais como, a necessidade de que os produtores se

associem em junta de usuários, que paguem uma tarifa predeterminada à empresa pelo serviço

de distribuição, e que em alguns lugares o sistema de irrigação não chegará, faz dessa uma

situação muito complexa, que requer participação de todos os envolvidos para que se possa

constituir em uma oportunidade de ajuda na solução de alguns dos problemas que confrontam,

sobretudo, os pequenos produtores do Vale. Lembro aqui que a situação da propriedade da

terra, ligada intimamente ao uso da água, é muito complicada em Quíbor. Há muitas

propriedades que são da municipalidade, mas que estão em mãos de particulares. Muitas

176

terras que têm sido vendidas ou passadas de geração em geração, sem que exista um registro

adequado dessas transações, e freqüentemente se observa que os grandes proprietários

adquirem terras daqueles, que, por carecerem de recursos, abandonam a lavoura agrícola.

Por outra parte, e depois de transcorridos 30 anos e muito dinheiro investido, o fato de

que a represa e o sistema de irrigação ainda não estejam concluídos me leva a pensar sobre

quanto será ao final o custo dessas obras. Quem vai pagar por elas? Os agricultores? O

Estado? Ambos? Quanto deverá pagar cada um? Será possível algum dia pagar essas obras?

Portanto, penso que a conclusão da represa e do sistema de irrigação no Vale oferece

uma grande oportunidade de melhoria para algumas das situações problemáticas que

enfrentam os produtores de Quíbor, sobretudo com relação à falta de água, porém, tudo isso

vai depender da possibilidade de juntar projetos de vida, agências, formas de conhecimento e

poder de todos os envolvidos neste lugar.

Sobre os sentidos da água

O tema sobre quem é o proprietário da água não é discutido pelos agricultores no

Vale: o direito ao uso está determinado pela tradição. A água é deles e isso não está em

discussão. O direito mais importante é o consuetudinário, aquele que vem da tradição e

certifica, pela memória das pessoas e pelas antigas leis municipais desde pelo menos 150 anos

atrás, que elas são depositárias desse direito e podem e devem fazer uso da água para seu

benefício.

Para os agricultores do Vale de Quíbor, a água é um bem comum, indispensável para a

vida, necessária para que todos possam plantar e viver. Ainda que não seja utilizada a

expressão bem comum, o que aparece nas suas falas é o sentido da propriedade coletiva da

água, de que ela “é da gente”, pois, numa região onde a água é escassa, tudo o que é

propriedade do coletivo deve ser aproveitado, para isso, os produtores têm se organizado de

acordo com a fonte de água disponível, sobretudo na época da estiagem. Alguns aproveitam

as águas dos riachos, outros os poços, as águas residuárias e/ou as da represa Dos Cerritos,

que abastece às cidades e populações da região.

Parece importante, então, que qualquer intento de privatizar a água ou seus serviços,

implementar o cobro com tarifas ou tentar agrupar as pessoas de forma compulsóriadeve

tomar em consideração que os agricultores de Quíbor, ao considerar a água como um bem

comum de propriedade coletiva, podem não aceitar facilmente que lhes seja modificado um

177

direito, o suficientemente fixado nas tradições, e que lhes tem garantido por muito tempo a

subsitência de suas famílias.

A categoria bem comum mostra-se importante na atualidade, sobretudo num mundo

onde parece estar se desfazendo a noção de autoridade do Estado sobre os bens públicos e se

considera a possibilidade de sua substituição pelos bens coletivos. A noção de bem comum

transpassa a noção de propriedade individual; ela permite pensar na administração coletiva

bem-sucedida, na idéia de que as negociações e acordos podem substituir a confrontação, a

briga e até a guerra, que tem sido anunciada com tanta insistência. Obviamente, minha tese

não trata disso de forma focal, mas a Psicologia Social deve ter a coragem de entrar nesse

espaço da cidadania coletiva. Aprofundar tal questão será o foco de outros estudos que ainda

não sei para onde podem me levar, mas que espero possam contribuir para essa discussão, a

partir desta experiência no Vale.

De cara ao futuro

Penso que ainda ficam muitas coisas por fazer no Vale de Quíbor, a partir desta

pesquisa. A primeira delas é compartilhar este trabalho com aqueles que contribuíram para

sua construção. Mostrar o que tenho analisado e aprendido e escutar o que eles podem

achar disto, para deixar as portas abertas para próximas pesquisas. Sou grato pelas atenções

que me dispensaram as pessoas com as quais conversei. Senti nelas a possibilidade de que,

ao falar desses temas comigo, alguma coisa ocorreria para modificar aquilo com o qual não

estavam satisfeitos. Eu sinto, por sua vez, que sou uma nova voz que fala, tentando traduzir

da melhor maneira possível essas ânsias de mudança.

Uma das idéias que surgem com esta pesquisa, a respeito da necessidade dos

agricultores de se associarem para receber a água da represa, é que não podemos fazer com

que as pessoas se organizem do jeito que pensamos que elas devem fazê-lo, mas, devemos

facilitar a elas que vejam algumas coisas que não estão olhando e procurem, então, seus jeitos

de se organizar.

Finalmente, acho possível a convivência dos diferentes tipos de produtores em Quíbor,

porém, é necessário que os que têm menos possibilidades de se manter, contem com o apoio

definitivo e formal do Estado. Espero que este estudo possa servir para que as discussões

sobre o futuro do Vale, da represa e dos agricultores, tenham outros elementos que possam ser

considerados para a discussão com todos os envolvidos, e que seja possível também a

sobrevivência daqueles produtores que pouco ou nada têm, e que poderão ter muito se

178

utilizarem todas as suas capacidades e habilidades. Para isso, devem contar, não só com água

suficiente, mas, com formas de produção em condições dignas e permanentes.

179

Referências bibliográficas

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Apêndices

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Apêndice 1 TABELA DE DISTRIBUIÇÃO DOS TURNOS DE ÁGUA ENTRE SANARE E QUÍBOR (Amostra).

Año 2003 E N E R O F E B R E R O L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D L M M J V S D

Produtor Horas 6 7 8 9 10

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1 AP (h) 12 D N N D 2 SP 12 D N N D 3 CV 12 N D D N 4 ST 12 N D D N

5 ET 12 D N D N 6 HM 12 D N D N 7 PaB 12 N D N D 8 PB 12 N D N D

9 AL 12 D N D N 10 OL 12 D N D N 11 CA 12 N D N D 12 HJ 12 N D N D

13 EL 12 N D N D N 14 JA 12 N D N D N 15 JH 12 D N D N D 16 LV 12 D N D N D

17 AP (p) 12 N D N D 18 AP 12 N D N D 19 SJ 12 D N D N 20 RG 12 D N D N Quibor 24 D=Día Fonte: Ministério del Ambiente y de los Recursos Naturales (Marn) (Versão do autor)

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Apêndice 2 SENTIDOS ATRIBUÍDOS À ÀGUA EM QUÌBOR

Juizes Agricultores Funcion. Organismos

ATORES SENTIDOS

I S IDRO

ALCIDES

DIEGO

TIAGO

ELIAN

ANDRES

S ERGIO

ESLI SEO

AMANDA

JOSE

VEREADOR

HI DROLARA

SHYQ

GUARDA

POLICIA

S IMPOS IO

LEI S

Das Definições 1) Não tem nada tão vital como a água 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 3 3 1 1 4) Por ser um recurso limitado, conflitos latentes 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 1 1 5) A água é um bem econômico, tem de ser pago 2 2 2 2 2 2 1 2 1 1 1 1 1 3 3 1 1 10)Todas as águas são de domínio público 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 64) A água é um bem comum 1 Da Gestão 2) Precisa-se da ativa participação dos usuários 3 1 1 1 1 1 1 3 3 1 1 3) Gestão integral para a sustentabilidade 1 1 1 2 1 1 3 3 1 1 6) Se conservarmos a bacia teremos água 3 3 2 1 3 2 1 1 2 3 1 1 7) Tem que haber desenvolvimento sustentável 1 1 1 2 1 1 1 1 8) Temos de proteger as fontes de água 3 2 2 2 2 1 1 2 1 1 9) Temos de capacitar às comunidades (na gestão da água) 1 2 1 3 2 1 1 1 11)Tem de haver maior descentralização na gestão da água 2 2 2 1 1 1 1 1 12)Os turnos são feitos pelo distribuidor em concordância com as necessidades dos agricultores

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13)A água que sobra é para irrigação 2 1 1 1 1 2 2 2 3 2 2

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14)Nós não sabemos como melhorar a distribuição 1 3 1 1 1 15)Tenho de dar água às pessoas, começando de acima para baixo 1 1 1 1 16)Mesmo a quem não me pague continuo dando água 1 1 17)Te dou um pouco, e outro pouco para ele e amanhã lhes dou de novo, porque se está seco tenho de remediar a todos

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18)Aqui ninguém compartilha água, o que a pega leva toda 1 1 1 1 1 21)Quando (agricultores) não têm água, culpam ao juiz 2 2 1 22)Eu reparto os desperdícios (da água) 1 2 1 1 24)A gente quando trabalha com água (o juiz), não pode se vender 1 1 1 2 2 2 1 26)Quando eu vejo que têm grana (os agricultores) e não querem me dar eu me vingo deles no verão

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27)Tem de levar a água quando o cultivo esta se perdendo 1 1 1 1 1 28)O juiz dá a ordem, mas você vai decidir de acordo com a quantidade de água 1 1 1 1 1 30)O trabalho do juiz é distribuir água aos agricultores 1 1 1 1 1 1 1 1 3 3 1 32)O Ministério do Ambiente é quem reparte os turnos 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 33)Se há muita água o que está embaixo pode pegar primeiro a água 1 1 1 1 1 34)A gente(os juízes) se mantém pelos agricultores 1 1 1 1 1 1 1 35)Têm pessoas que não me pagam. De todo modo eu dou a água a eles 1 1 39)Eu tenho às pessoas adaptadas, quando há bastante, recebem bastante, quando há pouca recebem pouca

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40)A construção de lagoas foi o jeito de racionar mais a água 1 1 1 1 1 1 41)Temos turnos de água 1 1 1 1 1 1 1 1 1 42)Você sabe que a água vem de cima, irrigando de cima para baixo 1 1 1 1 1 2 1 43)Quase todos os dias a gente (os agricultores) se encontra com o juiz de água para pedir-lhe a água

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45)Foi duro no começo para chegarmos ao consenso, mas depois fizemos os turnos de água (com Sanare)

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47)Temos uma seca depois de dezembro, aí é que estava o problema, agora temos os turnos 1

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48)A gente conta com um universo de produtores altamente experimentados nas diversas

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modalidades de irrigação 1 1 49)A entrega da água exigirá a prévia conformação de organização de irrigadores 1 1 50)A gente se constituiu como empresa por decreto 1 51)Trabalhamos agora como particulares 1 55)Formamos uma associação 2 1 1 1 57)Chegamos a um acordo com Hidrolara 1 1 1 58)Nós bombeamos a água 1 60)Quando chove, todos somos amigos 1 1 1 1 1 1 1 1 63)Quem cobra a água é o juiz 1 1 1 1 1 1 65) O Estado deve cobrar pelo uso da água 1 1 1 1 Dos Direitos, Regulamentações 20)Isso está escrito no regulamento de uso da água 1 1 1 1 1 1 23)Estamos apoiados (nos juízes) pela Prefeitura, é como uma permissão, um atestado 1 1 1 2 2 1 25)Todo mundo tem água, rico e pobre, mas a pessoa tem de sabê-la ganhar 1 1 1 1 1 29)Quem não paga a água não tem direito 1 1 1 2 2 1 1 1 1 1 1 52) O governo nos deu água, créditos e terras 1 Dos Conflitos 19)Se tiver algum problema, vou com a Guarda Nacional 1 1 1 1 1 1 1 1 31)A água é de eles (de Sanare) dizem eles, nós brigamos pela nossa parte, eles estão acima

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36)Sempre tem alguém que quer ser mais vivo, mas a Polícia se encarrega disso 1 1 1 1 1 1 1 1 1 37)Tenho tido problemas, discussões, mas as pessoas no final cedem, converso com elas, sem implicar

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44)A gente tem-se civilizado, porque antes brigávamos pela água, quem era mais forte ficava com ela

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46)Temos uma ordem do Ministério do Ambiente para chamar a Guarda sempre que tivermos problema

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53)Roubávamos a água 1 1 1 54) Nos perseguiam e tiravam a água da gente 1 1 56)A Guarda nos levou para cadeia 1

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59)Brigamos pelo esgoto de Sanare 1 1 61)O uso das bombas tem gerado enfrentamentos 1 1 1 1 62)Houve um homicídio pela água 1 1 1 1

ATORES ISIDRO (Juiz de água do riacho Atarigua) ALCIDES (Distribuidor da água dos filtros da estação de tratamento DIEGO (Distribuidor da água do portal de saída do túnel da represa) TIAGO (Agricultor, fundador de Aproquibor) ELIAN (Agricultor das empresas camponesas) ANDRÉS (Agricultor de Cuara) SERGIO (Agricultor de Sanare) ELISEO (Produtor de sementes) AMANDA (Funcionária do MARN) JOSÉ (Funcionário do SHYQ) VEREADOR (Prefeitura de Florencio Jiménez) MARN (Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais) HIDROLARA (empresa regional de administração dos serviços de água) SHYQ (Sistema Hidráulico Yacambú-Quíbor) GUARDA (Guarda Nacional) POLÍCIA SIMPÓSIO (Simpósio sobre água e ambiente) LEIS (Leis venezuelanas sobre o uso da água)

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Apêndice 3 MAPA DAS CATEGORIAS DE ANALISE

Categorias Interlocutores

Bem Comum Direito Gerenciamento

JUIZES ALCIDES AM. Yo también soy

consumidor (11). J. ¿Ajá, la que botan es la que ustedes agarran? AM. Ajá, y el desperdicio que pasa ahí que pasa ahí, yo no sé si usted lo vió, el chorrito que pasa ahí J. Esa es una, ¿y la otra que usted estaba hablando, que se estaban cogiendo ellos que no pagaron? AM. Era esa misma, esa misma era J. ¿Era esa misma? AM. Es de la que vendían, pero de la misma planta, estos son los desperdicios (53-62). AM. La gente de los Ortices, nosotros somos el amo del agua, el agua es para todos (106-107). AM. Le he ido orientando, pues, que las cosas no son como él piensa, que el agua tiene que ser, por lo menos, obligada para una persona, para todos (266-267).

AM.El tanque de almacenamiento se llenaba, entonces se la vendían a Aproquíbor aquí (2-3). AM. Esa agua no es para los agricultores sino para el consumo (32). AM. No nos vendieron más agua (35). AM. Ellos no Tienen que ver con quien la agarre, quien no la agarre (52-53). AM. Nosotros aquí, todos los de los Ortices, estamos apoyados por el Concejo, (...) tenemos un permiso, pues, un poder, (...) ya nosotros tenemos una base (90-92). AM. Como comunidad tenemos un derecho de uso (94). AM. Pero nosotros tenemos, desde que empezó la planta vieja, que llamamos nosotros, que inauguró Caldera, estamos nosotros benefiicando con esa agua (107-109). AM. Aquí no manda nadie, aquí manda Alcides, les dije yo así, así sin tener, sin tener nada escrito (109-111). AM. Sí, hay una ley en la quebrada Atarigua, la Ordenanza, el que no paga el agua no tiene derecho al agua (337-338).

AM. Seguí yo repartiendo los desperdicios (37). J. ¿Ahora les quedaron nada más que los desperdicios? AM. Ajá, esa la reparto yo para cada agricultor (65-66). AM. Yo la sigo más abajo para salvar alguna siembra que está perdida, que si llega, el deber mío es inspeccionar, si llega le puedo dar para que salve la siembra (73-74). AM. Nosotros tenemos una junta ahí, junta de vecino y junta de la directiva del agua J. Ajá, o sea, ¿sí hay una asociación de usuarios del água? AM. Ajá, como si fuera una asociación, okey. Yo soy una persona que no me mando solo, pero aquí todo el mundo hace lo que yo diga, con respecto al água (97-99). J. Entonces, ¿ustedes nombraron a Ramiro, y no sirvió? AM. Ajá, después nombraron a Sergio y tampoco sirvió, entonces me nombraron a mí, y yo duré tres meses trabajando sin ganar medio (114-116). J. ¿Qué hacía allá arriba, qué hacía en la planta? AM. ¿Quién? J. Usted. AM. Esperar que si se llenaban los tanques me daban el agua para llenar las lagunas (124-127) J. Entonces, ¿cuál es el proceso, viene el agua y se van llenando laguna por laguna? AM. No, no, eso, lo que viene de EL Tocuyo entra a la planta, ahora, ellos se la vendían a la cooperativa de El Hato cuando se llenaban los tanques en Barquisimeto, cuando no se llenaban no me daban nada, entonces yo perdía la noche (128-131). AM. Le dije Tiago, alante de todo el público que está aquí yo le voy a presentar un problema, porque yo me trasnocho, y nadie me paga, algunos que me regalan una propinita, le dije yo, entonces ahí me puso un sueldo de, cada agricultor me podía pagar dos mil, tres mil bolívares, dependiera de lo

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que ganaba (141-144). AM. Después hubo un problema, como le estaba echando el cuento de la gente de Chaimare que querían llevarse el agua, levantaban las compuertas, llévarsela a juro, entonces yo, para que no hubiera problemas de enfrentarse uno al otro, me fui para la Guardia, para el puesto de San José, me vine con ellos, una cita para todo el mundo, para todos los que echaban agua (153-157). J. O sea, ¿usted tiene que tener una alarma, van a lavar el filtro y…? AM. No, yo, así como estamos ahorita, por el día, tengo que estar pendiente por si salen tres o cuatro filtros, porque usted agarra el día y si no le sale nada, porque hay días que no sale nada, ahorita como está muy revuelta sí están lavando a cada rato, a veces en el día botan dos o tres filtros (184-188). AM. Usted le puede preguntar aquí, a todo el que usted quiera, yo me he portado muy bien con todo el mundo, gracias a Dios (204-206). J. ¿Desde cuándo está usted entonces como repartidor de agua, cuánto tiempo ya tiene? AM. Náguara, yo tengo.. JH. Desde que inauguraron la planta, vinieron dos y después usted AM. Sí J. Por lo menos 15 años. AM. Más o menos 15 a 20 años (239-244). AM. Hay gente que saca la siembra y no me da nada, “no me fue mal”, está bien, pero cuando yo veo que carga plata y no quiere darme se la aplico también, ah vamos a ver quién manda entonces, digo yo, que se baje de la mula (251-253). J. ¿El agua de Atarigua llegaba, llega hasta aqui? AM. Pasa hasta el Roble, hasta Río Seco, pues. J. Cuando hay agua, y entonces, ¿usted la tomaba para acá? AM. Yo la administraba para las lagunas. Le toca por lo menos, por orden, ahora cuando una persona tiene agua y el otro no tiene, hay que llevársela donde tengan siembra perdida (268-272). J. Pero si hay algún problema, ¿usted lo soluciona con la Guardia y el Concejo? AM. Si (280-281)

DIEGO DI. El água del túnel (24-5). J. Es el agua del túnel, ustedes son los usuarios del agua del túnel. DI. Los usuarios del agua del túnel son:

DI. Yo empecé fue por Guillermo que me eligieron para eso, entonces hubo votaciones, hubo varias reuniones para eso y hubo votaciones y me eligieron a mí (4-5)

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Orlando, el primero, el agarra 24 horas de agua, el segundo viene Tiago agarra 24, todos 24 horas de agua, cuando llego allá al último abajo, vuelvo aquí otra vez (23-29). DI. Cuando se juntan las aguas negras y el túnel, no, se las lleva el que pueda (89-90).

J. ¿qué tienes que hacer tu? DI. Darle el agua a la persona que, empezando de arriba hacia abajo (16-17) J. ¿Cuántos días en total, cuántos usuarios son? DI. 32 usuarios J. ¿Cada uno agarra 24 horas de agua corridas? DI. 24 horas, sí, yo a veces me perdía porque no salía agua del túnel, hay noches que no sale (30-33) J. ¿Esa agua corre todo el dia? DI. Hay veces que se seca, como hay veces que corre todo el día, pero la agarran los bomberos, los bomberos están hacia arriba, entonces, el que tenga laguna aquí abajo no agarra nada (52-55). J. ¿Te pagan por eso? DI. Si. J. ¿Quién te paga? DI. Los usuarios del agua, unos pagan, otros no pagan. J. ¿Y al que no paga que le haces tú? DI. Le sigo dando agua, ¿qué voy a hacer? (rie) (65-70). DI. Cuando hay agua de buco es peor, porque el agua del buco choca con la del túnel y tienes que llevársela una noche a uno otra noche al otro por allá (78-79). DI. Aquí no se comparte agua, compartir, saca un chorro por aquí y otro por allá, no aquí se la lleva toda el que la agarra (108-109). J. Y entonces, ¿si tú tienes algún problema a quién açudes? DI. Ah, a la Guardia allá (139-140). J. Cómo se llama la Junta? DI. Junta Administradora del Agua del Túnel. J. ¿Tú tienes los estatutos y tienes todo? DI. Todo (153-156). J. ¿Cuánto tiempo tiene el túnel echando água, diez años? DI. Más, yo tengo como 7 ya de repartidor (180-181). J. ¿Nunca has tenido que llamar a la Guardia? DI. No, se hacen reuniones para que ellos apliquen las cosas, se le pone la condición a la gente, una semana lo cumplen y después siguen, no, pero no ha habido más bochinche. J. ¿Tú dirías que está controlada la cosa? DI. Por los momentos. J. ¿Quién se embochincha, cuando no viene el agua y empieza la sequía?

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DI. Los que tienen siembra, es muy bravo, por lo menos tener tres hectáreas sembradas y no tener agua (191-198).

ISIDRO IS. Ellos, claro, con razón, porque también no pueden perder tanto arriba, pero eso es una cuestión que la ha turneado el ambiente, pero eso en veces no se respeta, esa es una de las cuestiones(15-7) IS. Ellos están arriba, se atienen a eso “nosotros estamos arriba y no podemos perder, el agua es de nosotros”, eso era cuando Quíbor pertenecía a, Andrés Eloy pertenecía a Jiménez, era más distinto, pero ahorita no, porque ellos son ya municipio y el agua y que es de ellos, dicen ellos, hasta ahí nosotros peleamos por lo que nos toca y siempre nos toca algo (19-23)

J. ¿Cuál es su trabajo? IS. El trabajo es mira, distribuirle a los agricultores, o sea que se va llevando, cuando la Ordenanza vieja era tapa por tapa, pero, eso se eliminó porque eso era cuando no habían lagunas, no habían depósitos, ahora con esto no. Usted por lo menos está del lado abajo, yo estoy regando aquí por lo menos, y usted está seco, yo tengo una cuestión, uno o dos riegos yo el agua se la llevo a usted, porque usted está más necesitado que yo, así esté yo arriba, esa es la cuestión aquí, el trabajo (3-8). J. ¿Cuál es su función entonces, la función es, viene el agua de la quebrada? IS. Bueno, se reparte lo que llegue, cuando, o sea, por lo menos ya en enero, los laguneros de Sanare, los ribereños pues, que llaman, ellos están turneados, ellos tienen su turno allá y se turnea el agua tres días para allá y tres días para acá, que siempre ellos, agarran más ellos que nosotros porque usted sabe que siempre está la gente ahí, tienen sus obreros en la quebrada y eso te quita, para acá correrán, yo calculo 24 horas de agua y ellos recogen lo demás (9-15) J. ¿O sea que ustedes a veces tienen problemas con el agua porque los de arriba no les paran? IS. Si los tenemos, vamos a la Guardia y la Guardia medio controla pero no es igual (18-19). J. ¿El Ministerio es el que da las pautas para los turnos? IS. Sí, el Ministerio del Ambiente, ajá, ellos turnean allí la broma (33-34). IS. Cuando está el agua poca yo los turneo, les doy dos días tres días, a que Hugo, de ahí vengo trayendo el agua de pa´ abajo (54-55). IS. Ahora cuando hay crecientes pues, y el agua pasa, es mucho el que agarra primero que otro porque la gente, “caramba, que este tipo agarró que está más abajo”, pero bueno si él está abajo y el agua creció, pues, eso es cuestión del caudal de agua (57-60). IS. O sea, que uno se mantiene de los agricultores, ahí cuando no hay agua el juez de agua no gana nada, es así de simple (78-79). IS. Aquí hay tipos que no me han dado ni medio, en doce años de trabajo, pero bueno, yo tampoco estoy con eso. J. ¿y usted le da el água? IS. Sí, de todas maneras le doy su turno normal (84-87).

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J. Esos nueve bucos que tú nombraste, ¿qué nombres tienen? IS. Mira, empezando por encima, pues, Sanare, bueno, Sanare tiene dos derechos ahí que son: uno es de H, creo que ese lo tiene A, que ese se murió, que esos son bucos legales, bucos que están de gravedad, que esos no bombean con bomba de achique, bueno, ahorita sí porque están sembrando más pero tienen su derecho y el otro es DP, que ese lo tiene el otro PD que es A, de ahí viene Majá Vieja que es de Los Ortices, después viene el Buco de La Caja, que llaman, que se llama el buco de El Totumo que es de HO, de ahí sigue El Hiscanero, a mano izquierda bajando, tiene sus ramales, eso tiene bastante tierras para regar, después viene El Rafaelero, que es uno que atravieza Cuara, pero arriba, o sea de Quebrada Seca ahí se ve donde pasa él, eso riega por ahí legalmente, de ahí pasa son cuarenta tareas que riega nada más, ese es el derecho (107-118). J. ¿Cómo hace usted en invierno, o cuando tiene que repartirle a todo el mundo, una sola persona para todo? IS. No, no, yo tengo mis empleados, lo que pasa es que, el juez de agua nombra un repartidor y unos recomendados por cada buco, pero como la vaina está tan mala, le digo, esto no da, la gente me fueron abandonando, me quedé prácticamente solo, con un sólo repartidor por Cuara y uno de El Hato (125-130). J. ¿Y los problemas, cuando surgen entre los agricultores, cómo los resuelven, si han habido problemas? IS. No, sí, claro gente en veces que se la quieren dar de más vivo, porque siempre ha habido, pero la Policía se encarga de eso. J. ¿Usted lleva la denuncia? IS. Yo voy a la Policía y solicito, porque yo tengo un carnet, que eso me acredita que yo voy a la Policía y digo, mire, en tal sitio hay un problema, esta gente me quieren, no me dejan pasar el agua, me la quieren quitar y viene la Policía J. ¿La Policía del Município? IS. Del Municipio, de Jiménez, yo llego a Quíbor de una vez porque hablo con el comandante de una vez, aquí en Cuara lo que hay es un sólo policía y el tipo no (153-63). J. ¿Cómo haces tú para controlar eso? IS. Caramba, yo te digo, yo he tenido problemas, discusiones, pero sí la gente al final, ceden pues, y yo les hablo, no con braveza ni un carajo, “mire a usted va a tener tal día, porque el señor aquí no tiene agua, tiene la siembra

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seca” y van entendiendo pues (230-233). J. ¿Y ustedes hablan de eso aquí en la comunidad, tienen alguna asociación? IS. Estábamos en una asociación ahí, pero esa se volvió, se quedó quieta porque la gente no, que por cierto por ahí estuvimos, yo hasta la foto la tengo, un carnet que, yo tengo un carnet, pero después me volví a meter, pero la gente no se qué pasó, estaba era aquí, el loco aquel Delio, uno que tiene la oreja jodida J. ¿Esa era APROAGRO? IS. Sí, APROAGRO (249-255). IS. Mira, aquí hay años que legalmente el juez de agua está es de payaso, pa arriba y pa abajo, sin repartir y sin ganar, porque si no hay que repartir (273-274). IS. Ya uno tiene a la gente adaptada ya, que cuando hay bastante se le da bastante y cuando hay poca se le da poca (296-297).

AGRICULTORES ANDRES AR. Soy beneficiario de la

quebrada Acarigua. Pero nunca se llevaba a cabo lo equitativo del agua (2-8).

AR. Yo nací el 17 de junio de 1948, vivo aquí , soy nativo de aquí de Cuara y soy agricultor desde la edad de 13 años, soy beneficiario de la Quebrada Atarigua, he sido uno de los que ha estado luchando por las reivindicaciones del agua, porque nosotros teníamos problemas aquí, anteriormente, que los más vivos agarraban el agua, no se la dejaban siempre a los de abajo, teníamos que ir al Concejo a pedir siempre a las autoridades, para que nos ayudaran con el asunto del agua (1-7). J. qué significa ser beneficiario? AR. Significa que yo utilizo el agua de la quebrada Atarigua en cuanto a los riegos (35-36). AR. La gente de los Ortices, que era gente pudiente y tenían plata, ellos tuvieron el agua por caciquismo muchos años, que ellos no dejaban bajar el agua hacia abajo (121-122).

AR. A pesar de que teníamos un juez de agua, (...) entonces, llegó un juez de agua, que duró más o menos como 25 años mandando, que se puso de acuerdo con nosotros y fue mejorando la equitatividad del agua, y puso el agua, ya en, le decían, racionamiento, para que cada quien agarrara el agua y nadie perdiera, siempre había una equitatividad, entonces, nosotros tenemos aquí un juez de agua, que se administra el agua por medio de una ordenanza que fue hecha en mil ochocientos y tanto, no me recuerdo la fecha, fue modificada en 1948 y ha sido frecuente modificada a loa ámbitos del agricultor, siempre en la consecuencia del agricultor, porque aquí anteriormente no habían lagunas, antes se regaba directamente, usted pedía el agua y tenía que regar de noche o de día, a la hora que le tocaba y regar directo, se perdía más agua. Después que empezaron en el 62, más o menos, la construcción de las lagunas, fue la forma de racionar más el agua, se utilizaba más y se botaba menos, entonces aquí hubo un juez de agua que se llamó, PB, fue el que se puso, como dicen, los pantalones y mandó por la ordenanza el agua y hizo que los de arriba cedieran el agua a los de abajo (11-21). AR. Y el hijo de él ha seguido mandando, ya tiene veinti pico de aõs mandando y há estado mandando igual al papá, como él se la pasaba com el papá, y nosotros le dejamos el apoyo porque vemos que en realidad lo está haciendo de buena manera, han tratado muchas veces los concejales de

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AR. El agua se ha venido mejorando aquí, les fueron quitando los derechos a ellos, en el 63 en adelante J. ¿Ustedes se agruparon, cómo? AR. Nos agrupamos y.. J. ¿Hicieron un grupo y vamos a resolver este problema, cómo fue eso, a quién se le ocurrió eso, a su papá? AR. Esos fueron los viejos de antes, hubieron varios de ellos que se pusieron de acuerdo, que cómo iba a ser posible que ellos perdieran la comida de los hijos y que los demás estuvieran regando pasto para los animales, entonces se reunieron, fueron al Concejo, hablaron con el presidente del Concejo, vinieron, ellos tomaron cartas en el asunto (132-141). J. ¿Entonces hicieron un grupo y fueron al Concejo de Quíbor? AR. Fueron al Concejo, sí, J. ¿Y ahí fue que eligieron al juez de agua? AR. No, el juez de agua ya existe, eso existe desde hace muchos años. J. ¿No les hacía caso? AR. El juez de agua, él hacía pero no. J. ¿No tenía poder? AR. No tenía poder para quitársela, entonces, el que vino com fuerza fue Pastor Barrientos, que fue el que eliminó todos esos vicios que habían, porque habían muchos vicios, entonces él lo eliminó, porque él dijo que si no lo apoyaba el consejo municipal, pues, él no estaba haciendo nada, entonces mejor entregaba, entonces lo apoyaron y hizo que el agua fuera equitativa (151-162). J. ¿Era injusto lo que hacían ellos?

cambiarlo, pero, por la misma unión de los agricultores no han podido, porque nosotros lo queremos a él, porque él es que nos está beneficiando el agua como nosotros la queremos (28-33). AR. Uno llega y pide el turno de agua, porque aquí le dan un turno de agua, 12 horas de agua, si hay abundancia, como llama uno, creciente, le dan 24 horas, si hay escasez, le dan 6,4 horas, de acuerdo a la escasez que haya porque, buscando que uno saque el riego y que los demás se beneficien también. J. ¿Quién es el que le da el agua? AR. El juez de agua, nosotros tenemos un juez de agua, un repartidor y un recomendado. El juez de agua, actualmente se llama Isidro. J. ¿Cuáles son las funciones que él cumple, qué es lo que él hace? AR. El manda el agua (36-45). J. ¿Ustedes se reunen con él, hablan con él, tienen alguna fecha o cuando tienen algún problema van, cómo es la relación com el juez de agua? AR. No, nosotros, la mayoría, casi todos los días nos vemos con el juez de agua, el juez de agua tiene su casa aquí y todos los días está en la toma, todos los días, a la una y media, a las dos de la tarde está en la toma, que uno va y habla con él, a pedirle el agua, es lo más que uno va y si tiene algún problema va y se lo manifiesta a él. J. ¿O sea que él desde la toma puede coordinar la distribución del agua? AR. Claro, sí. J. ¿Y todos los agricultores van dicen, mire tengo esto, estoy sembrando? AR. Sí. J. Plantean su situación. AR. Y si uno quiere sembrar, va y le plantea también, si hay agua suficiente le dan agua, sino, cuando no hay agua para la siembre él le dice a uno, no hay agua para siembra o está, primero está la prioridad de la siembras que hay. J. ¿Hoy en día, todo el mundo le hace caso a él, no hay conflictos? AR. No, se acabaron los conflictos, aquí no hay conflictos ahorita sobre el agua, porque él ha puesto eso en orden, al menos tiene carácter y la gente, yo digo para mí que nosotros no hemos civilizado, porque antes la gente peleaba por el agua, tenía problemas que, no yo te quito un chorro, entonces venían los problemas, o no te la dejo pasar, porque siempre aquí existió eso, anteriormente, que el que era más guapo le quitaba el agua al otro, entonces ahí habían los problemas, tenía que intervenir (165-185).

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AR. Claro, ellos nos quitaban el agua injustamente no nos dejaban el agua, pero tampoco había que pagarles de esa manera, había que abrir un consenso, que fue cuando nosotros, yo me metí en eso un tiempo, que yo le estoy hablando en el 88, me metí yo en una Junta que coordinamos, formamos una asociación y yo me metí de cabecilla y les dije, miren vamos a dialogar con esa gente, vamos a tratar de hacer consenso, les dije yo, porque no puede ser posible que nosotros vamos a vivir en este tiempo para allá y para acá, lo más probable es que ellos nos vayan a matar a nosotros porque nosotros estamos entre cerros y ellos fácil nos cazan y nos matan, les dije yo (203-211) J. ¿El juez de agua en esa época de los 80, los apoyaba a ustedes o él fue parte importante en la defensa de los derechos? AR. No, no, en ese tiempo fue Carlos Uchoa y también se metió a la asociación, fue muy receptivo, fue uno de los que nos ayudó a solucionar el problema porque se metió tratando de que no hubiera más problema, tanto los de aquí como los de allá, porque era muy bravo que uno llegara, se trabajaba todo el día y toda la noche y no le llegaba el agua aquí, entonces teníamos problemas con la gente de allá, por no tener diálogo, porque era lo que hacía falta (227-234).

J. ¿Qué otros problemas usted recuerda que hubo por el agua? AR. Bueno, yo sé que ahí hasta muerto han visto, hacen muchos años mataron uno por, porque le quitó el agua al otro y quería ser más vivo y el otro lo vino y lo macheteó. J. ¿Ese es el último caso que usted recuerda? AR. Sí, después sí hubo problemas, pero no problemas de llegar a esos extremos, tuvimos un problema nosotros una vez con el agua entre Sanare y Quíbor, que es cuando el agua se achica, que a nosotros no nos dejaban usar el agua, de aquí, subíamos mucho, tumbábamos las tomas y ellos las volvían a hacer, después se volvió un zaperoco, porque la gente llegaba y le dañaba las bombas, no era Andrés Eloy Blanco Distrito, era mandado por el Distrito Jiménez, entonces de aquí mandaban la Guardia y le traían las bombas, eso era un problema ya rotundo J. ¿Las bombas eran de quienes? AR. De allá de los agricultores de Sanare J. ¿Y ustedes iban de aquí a echarles a perder las bombas? AR. No, yo no me incluí porque nunca me ha gustado eso, yo lo mal hecho, si uno no quiere que le hagan una cosa mal hecha no debe hacérselo a los demás, a mí no me gustó nunca eso, pero sí iban muchos de aquí y les dañaban las bombas (185-202). J. Ya usted veía la emboscada. AR. Sí, no, era fácil de que nos tendieran una emboscada, bueno, vino la gente, y tomaron consenso, hicimos una reunión aquí, más de 80 productores, formamos la asociación y fuimos y hablamos, en ese entonces estaba un compadre mío que era que el que dirijía el Ministerio del Ambiente aquí en Sanare, yo le plantié el caso y él nos apoyó, hablamos com la Guardia y también nos apoyó, entonces, llamamos a la gente de Sanare, al Ministerio del Ambiente a Barquisimeto y fuimos los de aquí, y, fue duro, al principio fue duro para poder llegar a un consenso con ellos, pero sí, después llegamos a un acuerdo y se quedó, hicimos unos turnos de agua, son tres días para allá y tres días para acá, en lo que el agua se seca, ahora, en lo que hay agua suficiente, no tenemos nosotros ningún problema, pero sí quedó todo coordinado que son tres días para allá y tres días para acá. J. ¿Esa asociación, todavía existe? AR. Sí. J. ¿Cómo se llama? AR. APROAGRO V.Q. (212-26)

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J. ¿Ellos también tienen juez de agua, en la zona alta? AR. No, nosotros habíamos quedado que se iba a hacer un jurado de agua entre nosotros aquí y ellos allá, pero yo creo que no ha sido necesario porque nos hemos coordinado bien que el juez de agua de aquí, nosotros perdimos los permisos de agua aquí, les llevamos los permisos a ellos allá, siempre que tenemos problemas vamos a la Guardia, citamos a los que están echando broma y se normaliza la cosa, porque nosotros tenemos por medio del Ministerio del Ambiente orden de cualquier cosa, llamar a la Guardia, para que solvente el problema (235-242). J. ¿Cómo se le ocurrió a usted asociarse, buscar a la gente, llamar, o sea, por qué, de dónde le vino ese..? AR. Por la misma broma que teníamos un sosiego, eso era, el problema que teníamos nosotros era grave, usted sabe lo que es que uno vea que estábamos perdiendo la siembra aquí, teníamos problemas com la gente, entonces, ya últimamente cuando la gente dijeron aquí a echarles a perder las bombas, les agarraban a tiros los tubos, entonces ya uno tiene que buscar un, me salió a mí y a otro señor ahí que nos pusiéramos de acuerdo con la gente (243-249). AR. Sí, depués del 89 nosotros no hemos tenido más problemas, gracias a Dios. J. ¿Por agua aquí nadie deja de plantar? AR. Bueno, sí, aquí hay una sequía después de diciembre, tenemos una sequía que ahí es donde está, se relacionaba el problema? J. ah, ok, cuando se ponía la sequía es que empezaba. AR. Sí, era el problema grave, ahorita aquí en la zona, el problema es que aquí llueve y el agua se acaba porque las cuencas está deterioradas, esas las acabaron, les acabaron las montañas y cae un invierno y se lava, y la poca que queda es la aguita que nos mantiene, pero nosotros el problema que teníamos ahí, fue resuelto, que es el mes de diciembre a marzo, abril, siempre que seca el agua, tenemos los turnos ya hechos, que nosotros lo que hacemos es renovar los turnos cuando se vencen, vamos allá, hablamos las partes y se regula (274-285).

ELIAN J. ¿Me puede contar cómo ha sido el proceso del uso del agua aquí en La Cooperativa? EL. ¿Usted quiere desde un principio de como fue eso,

EL. Entonces, al tiempo de, como a los dos años que nosotros teníamos el agua fija, ahí, una cuota de agua, porque nosotros no pagábamos el agua tampoco, quedamos como más o menos 20 años sin pagar agua (5-7).

J. y de qué vivían pues, si no podían sembrar y perdían la siembra? EL. No, es que nosotros las últimas veces nos robábamos el agua, teníamos que robarla, rebentábamos los candados para poder regar para no perder la siembra, entonces a última hora llegó una hora de que soltáramos el agua y la soltamos. J. ¿Que la soltaran quienes?

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verdad? Bueno, al principio, del agua esa de Dos Cerritos, de la represa de El Tocuyo, antes teníamos bastante agua para las tres empresas, La Vigía, Yacambú y Cerro Pelón (1-5).

EL. Ah, porque eso fue, o sea, eso fue tres empresas que hubieron aquí en Jiménez, cuando el primer mandato de Carlos Andrés Pérez, nos dieron el agua y nos dieron crédito y tierra para trabajar J. ¿Fue formada por el Estado, por el Municipio? EL. Sí, por el Estado. J. ¿El Estado, a través de qué instituto, el IAN? EL. El IAN, se movió el IAN. J. ¿El MAC? EL. No, la Federación Campesina y la Gobernación también. J. ¿De ahí decidieron que iban a usar el agua de Dos Cerritos? El. Ajá, sí. J. ¿Para regadío? EL. Sí, nosotros estuvimos 20 años, por lo menos, sin pagar agua, porque el agua no la cobraban, pues, entonces, ese era el problema que había con la gente del INOS, que ahorita es HIDROLARA, entonces. (25-26). J. ¿Ellos se quejaban de que ustedes no pagaban? EL. Sí, eso era como un decreto porque eso nunca, nunca tuvimos un papel, dijieron que Yacambú lo tenía, pero, lo fuimos a buscar y no, un decreto como que era, un decreto presidencial, pues. J. ¿Donde decía qué? EL. Ajá, supuestamente que el agua era regalada para los campesinos, para nosotros ahí, pero no sé, no, entonces ahí vinieron los cortes de agua, a veces que por dos meses, por un mes y esas siembras

EL. Nosotros, una orden de la Gobernación que soltáramos esa agua para que no dejáramos perder las siembras que teníamos. J.G. O sea que la utilizaran EL. Sí, y como nos pasa a dentro de la siembra de la empresa, de todas maneras nosotros soltábamos la llave, rebentábamos el candado y poníamos otro, sí así estábamos. J. ¿Y pasa la tubería y ustedes se conectan con una tubería? EL. No, es que aquí está la cosa donde se suelta el agua, eso no es. J. ¿El agua sale corriente, sale por un buco? EL. Sí, eso corre por unos canales. J. ¿Hechos de concreto? EL. Sí, ajá. J. ¿Y ahí se pegan com qué, por gravedad? EL. Sí, o sea, ahorita nos toca, a La Vigía le toca el lunes, Yacambú le toca el martes, el miércoles le toca a Cerro Pelón, el jueves nos toca a nosotros otra vez y el viernes Yacambú y así va. J.G. ¿Y el Domingo, no? EL. No. J. ¿cómo se pusieron de acuerdo para EL. no, eso es un peo ahí J. ¿Usted está encargado de la parte de aquí, de Cerro Pelón? EL. No. J. ¿quién es? EL. No, ahí está uno que es el que suelta el agua para todos. J. ¿él suelta el agua? EL. Uhum (51-80). J. Ah, La Vigía, y ¿es suficiente agua para regar cuánto? EL. No, no es suficiente, ahí falta agua, pero, nosotros tenemos un pozo ahí (88-9). J. ¿Y cómo se divide el agua de ese pozo. EL. Nosotros la subimos y la metemos al canal para que riegue a todos. J. ¿A todos, porque están uno al lado del otro y van regando? EL. sí, así como estamos, como estoy yo, lo que estamos en la parte de arriba, regamos siempre con el canal, con el agua de aquí y los que están del lado abajo, cuando se prende la bomba riegan con la bomba, pero muy poco se prende porque hace falta la tubería de donde está el pozo al canal y nosotros pensamos es meter esa tubería es de la bomba a la laguna para que

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perdidas, porque se perdió mucha siembra, perdimos mucho (25-47).

trabaje día y noche, puro ratico es lo que trabaja, la idea es aprovechar de poner la tubería que son como 300 metros, 600 metros como que es la cosa, de la bomba a la laguna. J. ¿Tienen una laguna para todos? EL. Sí, hay dos lagunas. J. ¿Colectivas? El. Sí. J. ¿Siempre tienen agua o se secan. EL. Hay una que agarra agua de invierno que es la primera que está aquí y la otra si no, no agarra agua de invierno, tiene que ser por el canal, por la llave (97-113). J. ¿Cómo es el sistema de pago ahorita? EL. Como que son 190 mensuales, cada empresa. J. ¿190 qué, bolívares? EL. 190 mil mensuales. J. ¿190 mil mensuales en agua? EL. A veces 195, 200. J. ¿Eso tienen que agarrarlo entre todos, todos los usuarios tienen que poner una parte? EL. Sí, ajá. J. ¿y el que no está sembrando, no pone EL. No, no pone (144-153). J. ¿Lo del pozo fue un crédito, cómo fue lo del pozo. EL. Por lo menos, los tubos los dió el IAN y nosotros pusimos la otra parte, eso salió caro ese pozo, la bomba sí, la puso como que fue la Gobernación. J. ¿Sin pagar nada ustedes? EL. No (200-204).

ELISEO ES. Ese es un agua que es tratada, que eso sale caro y nosotros la utilizamos para riego (10-1). J. ¿De dónde tomaban el agua ustedes, de dónde venía el agua, o de dónde viene, todavía? ES. el agua viene de la represa de El Tocuyo. J. ¿Por dónde pasa, es una

J. Entonces, venían ellos y les tumbaban las mangueras ¿Y después volvían de noche y la volvían a poner? ES. Exacto, ajá. J. ¿Ese proceso? ES. Ese proceso, sí. J. Entonces, ¿Quién decidió vamos parar, porque no podemos seguir en esto, cuándo decidieron eso, quién lo decidió? ES. Eso lo decidimos un grupito como de

J. Eliseo, cuéntame un poco como es el proceso para que ustedes tengan agua aquí, o sea, ¿Cómo les llega el agua, quienes son ustedes? ES. Bueno, este, nosotros tenemos aquí alrededor de 10 años trabajando con semilleros, quizás algo más, pero para ser más exactos 10. Entonces, la cuestión surgió de nuestra asociación fue que teníamos problemas con el agua, Hidrolara, para ese entonces el INOS, nos trancaba el agua y nos quitaba las mangueras y entonces, decidimos un día, bueno, ya no podíamos seguir trabajando más así, entonces, nos reunimos todos y formamos una asociación, hasta ahora, bueno, gracias a Dios, eso se nos solucionó, que nos perseguían y nos quitaban el agua y eso, bueno eso se superó ya (1-8).

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tubería? ES. Sí, una tubería y nosotros tomamos de una distribución que ellos tienen J. ¿Se conectaban ahí? ES. Exacto (23-8).

6, que estuvimos aquí, entonces, estaba la Guardia ahí en casa de un vecino, quitándole las mangueras, llevándole el motor y hasta se lo quería llevar preso, entonces, nosotros, los seis que estábamos dijimos, no, vamos a apoyar a esse señor, no lo podemos dejar sólo, porque él también es vecino, y así hicimos, nos acercamos hasta allá y hablamos con el alcalde, y él en ese tiempo se molestó y nos llevó detenido también a nosotros, entonces, después que estuvimos allá, estuvimos 24 horas, de ahí, los que quedaron por fuera, los compañeros, también se unieron al grupo pues, y entonces, metimos a un abogado y ahí empezamos a hecer los trámites, el abogado nos asesoró y miré “hay que hacer esto así, los pasos que tenemos que dar son este y este”, y así fue que empezamos. J. ¿Es un abogado de Quíbor? ES. De aquí mismo un vecino de aquí mismo. J. Ah, que es abogado. ¿Y a partir de ahí cómo se, usted a qué conclusión llegó, o sea, cuánto duró el proceso, primero? ES. El proceso duró, creo que duró cerca de un mes. J. ¿Y al final un juez decidió? ES. Sí, bueno, hasta el alcalde tuvo problemas con nosotros (riendo), lo cambiaron, lo sacaron, bueno, de ahí. J. ¿Qué decide el juez? ES. Bueno, hicimos un pacto con ellos, como especie de un pacto com HIDROLARA, que por ejemplo en tiempo

J. ¿Cuántas hectáreas, qué tamaño es eso, al ojo? ES. Sí eso, un promedio será de una hectárea por persona, creo yo, todavía es demasiada tierra para eso. J. ¿Para sacar las semillas? ES. Uhum. J. ¿Y cómo le dan el agua, o sea, está abierta constantemente, ustedes mismos la regulan o hay una regulación de horas de ellos? ES. No, este, en tiempo de invierno constantemente, la tienen abierta y en tiempo de verano la racionan, por lo menos, la trancan 12 horas y dura 24 abierta, así. J. Ah, en turnos. ES. Uhum. J. ¿Ahora sí, todo el mundo tiene su conexión legal.? ES. Sí, ajá, eso. J. ¿Ustedes pagan por esa agua? ES. Sí, se paga. J. ¿Cuánto pagan? ES. Pero, o sea, aquí como es campo se paga tarifa mínima, creo que son, ahorita está en 16 mil bolívares mensuales. J. ¿Y a raíz de ese proceso, del problema, ustedes crearon una asociación? ES. Sí (59-78).

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de invierno, que no había tanta escasez de agua, podíamos trabajar, echar más semilla pues, trabajar con más semillero, y en tiempo de verano reducir la siembra para que gastáramos menos agua (29-58).

SERGIO SI. Sabe que sin agua no hay vida (4).

SI. Y yo le estaba diciendo a estos, que nosostros estamos turneados por esa gota de agua, no se si usted ha visto el caudal de agua que lleva la quebrada. J. Sí, recorrimos la quebrada ahorita. SI. Ajá, entonces que es lo que pasa, que esa aguita es como para que se yo, para todo Sanare, los agricultores aquí, vamos a decir, estamos como 50 agricultores, pero de 50, vivimos como 3.000, eso todo se relaciona. Ajá, pero normalmente somos como 18 (4-10). J. ¿A esa quebrada le llega agua de cloacas? SI. Sí, todo Sanare. J. ¿Todo Sanare va para la quebrada? IS. Eso digo yo, Palo Verde y El Molino están peleando por las cloacas (Ríe) (85-88).

J. ¿Y antiguamente cómo hacían, siempre ha habido esa extracción del agua, porque me imagino que antes no habían bombas, en que año llegó usted aquí, cómo se hacía antes SI. Bueno, yo llegué aquí, cuando yo llegué aquí sembramos nosotros de Travesía para arriba, vamos a poner, sembramos de la quebrada hacia arriba, ahí donde se llama Monte Carmelo, toda esa montaña. Que normalmente por ahí llueve, pero, sembrábamos por ahí en abril, comenzábamos a sembrar, y de abril en adelante ya es primavera y entonces nosotros sembrábamos para arriba, ahora, por aquí abajo no se sembraba, se sembraba un maicito y eso, con un hermano mío comenzó, Santiago, comenzamos a sembrar ahí, donde están unas lagunas y la gente decía “ese musiú está loco, ahí no se logra ni la caraota ni el maiz, se va a lograr”, entonces el bombeó, pusimos nuestras bombitas, chiquitas, Wisconsin, que se les daba, halaba una cabuya y prendía, y poníamos un charquito allí, otro charquito más arriba y entonces íbamos así (38-49). J. ¿Aquí, porque tradicionalmente aquí hay agua, o ha habido agua? SI. No, no, no, no, aquí hay veces que hay agua, pero, hay agua, vamos a poner, de julio en adelante, junio, julio, agosto, septiembre, octubre, noviembre hasta diciembre, hasta enero practicamente hay agua, porque ya nosotros no la necesitamos, aquí es poco el que siembra de travesía, digamos, pues, como dice uno a los meses de septiembre, agosto, muy poca gente la utiliza, porque como el caudal está aumentado, pero siempre ha habido problemas porque siempre usted sabe, antes, anteriormente cuando mi hermano estaba sembrando, que era el único que agarraba una aguita ahí, hasta la Guardia, la Policía de Quíbor, porque esto, esto pertenecía a Jiménez y venía, venía la Policía para arriba y se lo llevaba com todo y bomba para abajo de una vez, ajá, una aguita ahí de noche, robándosela, porque ahí si tenía razón Quíbor, porque era para tomar, el acueducto era de esta agua (sonríe) (79-80). SI. Cuando aquí estamos nosotros, lo que tenemos empleados en esas papas grandes y no hay con que regar y todo el mundo llorando, mire, a las 12 de la noche, hay más gente en la quebrada que en la plaza, todo el mundo por un

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chorrito de agua, porque, vamos a ver cómo le quito un chorrito a este, al otro tal, porque lo demás le toca a Quíbor, Quíbor tiene 3 días y 3 noches y a nosotros 3 días y 3 noches. J. ¿Y eso se cumple? SI. Algunas veces, cuando la gente se pone brava que necesita mucho el agua, que no viene casi agua, no se cumple, vienen los días de Quíbor y que va, no la dejan pasar, entonces, va este, y viene siendo el que manda, el juez y dice, “mire, ya es una maldad quitarle el agua”(93-101).

TIAGO TE. La de la quebrada Atarigua. Esa ha sido la que tiene más tiempo aquí funcionando J. El agua de la quebrada? TE. El agua de la quebrada, la que pasa por el Molino, la que viene de Sanare. Esa ha sido la, la primera que se utilizó aquí, fue esa(1-4). TE. Antes el agua, aquí se sembraba era conuco de maiz y, una parte se utilizaba el agua de lluvia, porque en épocas anteriores llovía com más frecuencia, ahora no, ahora llueve menos y a veces no llueve. Aquí muy rara vez pasaba un año sin llover, ahora sucede, pero con más frecuencia y ahorita que hay el poquito agua del túnel(4-8).

TE. Aquí tuvimos también el excedente del agua del acueducto de Dos Cerritos, el contrato con el INOS que era el que funcionaba anteriormente, nosotros conseguíamos un contrato con ellos y nos suministraban el agua cuando ya los tanques que están en la autopista que va hacia Barquisimeto tenían un nivel de nueve metros, que eso sucedía era de noche, porque por lo general de noche hay menos consumo, consumo humano y entonces de allá nos daban el agua, cuando empezaba ya la madrugada nos quitaban el agua, a nosotros para llevarla toda para Barquisimeto(8-14). TE. Porque ahí existe, un decreto del presidente de la república, que me parece que era el Dr. Leoni, Raúl Leoni, donde titulaba que el excedente de Dos Cerritos podía ser utilizado por lo agricultores del Valle de Quíbor, por intermedio del INOS claro. Nosotros la utilizamos un tiempo, no duró mucho porque Barquisimeto creció mucho y muchos caseríos tomaron agua de ese mismo acueducto y nos quitaron el agua, estamos sin ese servicio del excedente de Dos Cerritos (20-25).

J. ¿Cómo se agruparon, cómo hacían para dividirse el agua? TE. Nosotros hicimos una asociación y aquella asociación nombró conjuntamente, nosotros tuvimos que hacer lo siguiente, reunirnos un representante, había una junta administradora, un representante de la asociación, uno del Ministerio de Agricultura y Cría que era uno del IAN y el otro, éramos tres. Existía una dependencia del Minisiterios de Agricultura y Cría que se llamaba MAC-riego que se ocupaba del agua. J. ¿Entonces esa junta decidía cómo se repartía el agua? TE. Nombraba un administrador para cobranza de los suministros de agua y un repartidor. J. ¿Pero el repartidor no cobraba? TE. Sí. J. ¿También? TE. También, el repartidor cobraba J. ¿Y le pasaba el dinero al administrador? TE. El administrador se encargaba de pagarle al repartidor y al INOS. J. ¿Y cómo eran los turnos, cómo se dividieron? Cuales eran las bases para pasarle el agua a este, a este no? Cómo se llegaba a los acuerdos? TE. Eso lo hacía siempre el repartidor de agua, de acuerdo con las necesidades que tuviera cada agricultor. J. ¿El repartidor era el juez de agua o son dos personas distintas? TE. No, el repartidor es el mismo juez de agua (26-45). J. ¿Y usted era el presidente de la asociación que se creó? TE. Sí. J. ¿Esa asociación se creó por esa agua? TE. Precisamente por esa agua. J. ¿Qué vamos a hacer ahora con esa agua y entonces se asociaron. TE. Exactamente. J. ¿Y dura la asociación todavía o ya…

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TE. Cuando ya el agua, bueno, la gente perdió el interés, el interés era el agua. La gente nos organizamos por el interés de aquella agua, cuando se acabó el suministro de agua, se acabó la asociación, más nadie fue, la abandonaron, todo el mundo abandonó. J. ¿Hoy en día cómo hacen con el agua los agricultores? TE. Bueno, la de de Sanare, la del Molino pues, con un repartidor que está aquí, hablan con él. J. ¿El mismo Alcides? TE. Sí. J. ¿Es el agua de Atarigua, y el agua de los filtros no llega aquí? TE. Es muy lejos, llega pero hasta cierto punto, que está cerca de la planta de tratamiento. Alcides me parece que es el que reparte, la de los filtros. J. ¿Y la del Portal, el agua del túnel, no llega aquí? TE. Sí llega J. ¿Esa cómo la reparten? TE. También con un repartidor. J. ¿Es otro? TE. Ese es otro. J. ¿Cómo se llama él? TE. Él se llama Diego. J. Ajá, ese es Diego. TE. Familia del morochito Alcides (61-88).

INSTITUIÇÕES PÚBLICAS

MARN AMANDA

AE. Recurso hídrico (8). AE. El recurso agua (10). AE.El agua, son de dominio público. (56) AE. El uso del recurso. Siempre el recurso es escaso. AE. Recursos hidráulicos

AE. A raiz de la aprobación de la Constitución, el régimen cambió, ya de las aguas, solamente se dan en concesiones y en asignaciones (45). AE. Qué quiere decir esto, que entonces las aguas, a partir de ahora, se dan mediante un contrato, por lo menos para el particular (48).. AE. El Estado debe cobrar por el uso del agua (53).

AE.El Valle de Quíbor, desde el púnto de vista hídrico, fue declarado como reserva hidráulica, que es un régimen de administración especial, que tiene como objetivo principal, digamos, proteger o conservar, manejar el recurso agua, porque se supone que tiene características que limita, ya sea por calidad o cantidad (8). AE.Lo mejor es que la misma, los interesados, apoyados, asesorados, por el ente técnico, se organice y distribuya y administre el agua (242).

PREFEITURA FERNADO

FR. El agua es de la Nación. FR. El agua, según la Ley de Suelos y Aguas le corresponde

FR. Ellos aduciendo que el agua nace en Sanare, dicen que es de ellos. FR. Elos aducen que son de allá, que el

FR. Nos corresponde legislar en materia,...en este caso en materia de la distribución de las aguas de la quebrada Atarigua. FR. Hicimos una Ordenanza para como para que controlar los turnos de

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a la Nación, es un recurso natural de la nación. FR. El agua que sale del túnel Yacambú, por el Portal de Salida, que está saliendo allí, como consecuencia de que hay filtraciones en el túnel. FR. Donde también hay una reglamentación que se da cuando lavan la planta de la INOS, esa agua que botan, ella sirve para irrigar el Valle de Quíbor.

agua nace en Sanare y es de ellos. agua. Pero nosotros, la Municipalidad, la reglamentó para administrarla, en el cual, los productores pagan un turno de agua. FR. Hay otra ordenanza, una ordenanza creada por los productores.

SHYQ JOSE

JE. El agua es un bien común, un bien colectivo, y como bien colectivo el Estado tiene que velar porque se utilice de la mejor forma (251).

JE. Porque lo que se persigue es la equidad, no la igualdad, yo no puedo pretender hacer una revolución de igualdad (432).

JE. El Sistema tiene la propuesta de que a nivel de cada sector de riego se organicen juntas de usuarios y que el Sistema le entregue el agua a nivel de ese sector, para que ellos administren el agua del sector a través de la junta de usuarios (312). JE. Hay que establecer un reglamento especial para el uso del agua en el Valle de Quíbor (430).

LEIS Constitución de la República Bolivariana de Venezuela.(1999) Título IV. Del Sistema Socio Económico. Capítulo I. Del Régimen Socio Económico y de la Función del Estado en la Economía.

Artículo 304. Todas las aguas son bienes de dominio público de la Nación, insustituibles para la vida y el desarrollo.

La ley establecerá las disposiciones necesarias a fin de garantizar su protección, aprovechamiento y recuperación, respetando las fases del ciclo hidrológico y los criterios de ordenación del territorio. Artículo 305. El Estado promoverá la agricultura sustentable. Artículo 307. ..El Estado protegerá y promoverá las formas asociativas y particulares de propiedad para garantizar la producción agrícola.

Código Civil. (1982).Capítulo II. De las Limitaciones Legales a la Propiedad Predial y

Artículo 644. Las limitaciones legales de la propiedad predial tienen por objeto la utilidad pública o privada. Artículo 645. Las limitaciones legales de la propiedad predial que tienen por objeto

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de las Servidumbres Prediales. Sección I. Limitaciones Legales de la Propiedad Predial.

la utilidad pública, se refieren a la conservación de los bosques, al curso de las aguas, al paso por las orillas de los ríos y canales navegables, a la navegación aérea, a la construcción y reparación de los caminos y otras obras públicas. 1°. De las limitaciones de la Propiedad Predial que se derivan de la Situación de los Lugares. Artículo 647. Los predios inferiores están sujetos a recibir las aguas que, naturalmente y sin obra del hombre, caen de los superiores, así como la tierra o piedras que arrastran en su curso. Ni el dueño del predio inferior puede hacer obras que impidan esta limitación, ni el del superior obras que la hagan más gravosa. Artículo 652. Aquel cuyo fundo está limitado o atravesado por aguas que, sin trabajo del hombre, tienen su curso natural, pero que no son del dominio público, y sobre las cuales no tiene derecho algún tercero, puede servirse de ellas, a su paso, para el riego de su propiedad o para el beneficio de su industria, pero con la condición de devolver lo que quede de ellas a su curso ordinario. Artículo 653. El propietario de un fundo tiene derecho a sacar de los ríos y conducir a su predi, el agua necesaria para sus procedimientos agrícolas e industriales, abriendo al efecto el rasgo correspondiente; pero no podrá hacerlo, si la cantidad de agua de los ríos no lo permite, sin perjuicio de los que tengan derechos preferentes. Artículo 655. El propietario o poseedor de

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aguas podrá servirse de ellas libremente y disponer de las mismas en favor de otros, cuando no se oponga a ello un título o la prescripción; pero, después de haberse servido de ellas, no puede desviarlas de manera que se pierdan en perjuicio de los predios que pudieran aprovecharla, sin ocadionar rebosamiento u otro perjuicio a los dueños de los predios superiores, y mediante una justa indemnización pagada por el que quiera aprovecharlas, cuando se trate de un manantial o de otra agua perteneciente al propietario del predio anterior. Artículo 682. Las concesiones de aprovechamiento de aguas hechas por el Estado, se consideran siempre hechas sin lesionar los derechos anteriores adquiridos legalmente.

Ley Forestal de Suelos y Aguas. Título I. Disposiciones Generales. Capítulo I.(1966)

Artículo 2. Se declara de utilidad pública: 1. La protección de las cuencas hidrográficas 2. Las corrientes y caídas de aguas que pudieran generar fuerza hidráulica. 3. Los Parques Nacionales, los monumentos nacionales, las zonas protectoras, las reservas de regiones vírgenes y las reservas forestales.

Artículo 4. Las disposiciones de esta Ley se aplican a: 2. Las aguas públicas o privadas.

Artículo 3. Se declara de interés público: 1. El manejo racional de los recursos a que se refiere el artículo 2 de esta Ley

Proyecto de Ley de Aguas. 1º Discusión 20/9/2001 (Aprobada) EXPOSICIÓN DE MOTIVOS

La Constitución de la República Bolivariana de Venezuela contempla en el Artículo 304, lo siguiente: "Todas las aguas son bienes del dominio público de la Nación, insustituibles para

Esta declaratoria significa que las aguas no son susceptibles de apropiación privada, sino que es propiedad de la Nación pero su uso pertenece a todos, y abarca a todas las aguas, lo que brinda la posibilidad al país de contar con una Ley de aguas que

Estos tres objetivos fundamentales (protección, aprovechamiento y recuperación), contemplados en la Constitución, están presentes en todo el contenido del presente Proyecto de Ley y concuerdan con tres premisas internacionalmente aceptadas, las cuales son: Primera: la gestión eficaz de los recursos hídricos exige un enfoque integral que vincule el desarrollo social y económico con la protección de los

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la vida y el desarrollo. La ley establecerá las disposiciones necesarias a fin de garantizar su protección, aprovechamiento y recuperación, respetando las fases del ciclo hidrológico y los criterios de ordenación del territorio." TITULO IDISPOSICIONES GENERALES ARTICULO 4: Los principios que rigen la gestión integral de las aguas son: 1. Todas las aguas son bienes del dominio publico y su aprovechamiento deberá asegurar su conservación tanto en calidad como en cantidad. 2. El agua es un recurso único, vulnerable, de uso múltiple y esencial para la vida, las actividades humanas y el ambiente, que debe conservarse a objeto de mantener las posibilidades de uso de las generaciones futuras. 3. El agua es un recurso natural que se renueva a través del ciclo hidrológico. 4. La cuenca hidrográfica, sin perjuicio de la división político territorial del país, constituye la unidad territorial de gestión de las aguas y de integración de la política ambiental.5. El agua tiene un carácter nacional y es determinante en la

promueva el bienestar colectivo sobre las bases de un desarrollo sustentable. TITULO IV DE LA ADMINISTRACION En relación con los derechos, se reconocen los usos y aprovechamientos preexistentes, solo si éstos no coliden con el interés general o bien común, sin olvidar que deben comprobarse dichos derechos alegados y que efectivamente se ajusten a esta Ley. El otorgamiento de nuevos derechos al uso y aprovechamiento se prevé a través de las figuras de concesiones y asignaciones, y se incorpora la licencia de vertido dirigida específicamente al control y protección de la calidad de las aguas. Se establece que la distribución de las aguas entre las distintas actividades que la demanden la efectuará el Ejecutivo Nacional atendiendo a los beneficios sociales y a la importancia económica de las actividades, e igualmente, que dicha distribución se efectuará según los criterios de disponibilidad del recurso, las previsiones de los planes y las necesidades reales. TITULO X DISPOSICIONES Y TRANSITORIAS Y FINALES CAPÍTULO II DEL RÉGIMEN DE ADECUACIÓN ARTICULO 210: Se derogan las disposiciones vinculadas a las aguas, contempladas en la Ley Forestal de Suelos y de Aguas y su Reglamento, las leyes de vigilancia para impedir la contaminación de las aguas por el petróleo y todas las

ecosistemas naturales, con inclusión de enlaces entre las tierras y las aguas de las cuencas de captación o los acuíferos subterráneos; Segunda: el fomento y gestión de las aguas debería hacerse en un criterio participativo que incluya a los usuarios, los planificadores y los responsables de las políticas en todos los niveles; y, Tercera: el agua tiene un valor económico en todos sus usos competitivos y debería ser reconocida como un bien económico. TITULOIV DE LA ADMINISTRACION Por otra parte, en este Título se promueve la activa participación de las comunidades en la gestión integral de las aguas; de esta manera se enfatiza el hecho de educar y concientizar al colectivo en la conservación del recurso y las cuencas hidrográficas. Se respalda la figura de Jurados de Agua, de oficio, o por Resolución o a solicitud de parte como instancia de conciliación, así como otras modalidades de organización para la participación de los usuarios TITULOI DISPOSICIONES GENERALES ARTICULO 6: La gestión integral de las aguas se efectuará siguiendo los lineamientos siguientes: 6. El ejercicio de la administración de las aguas mediante el otorgamiento de concesiones, asignaciones y licencias para su uso y/o aprovechamiento. CAPITULOIV DE LA PARTICIPACIÓN DE LA COMUNIDAD EN LA GESTION DE LAS AGUAS ARTÍCULO 124: La participación ciudadana en la gestión integral de las aguas se entiende como el ejercicio ciudadano, democrático y responsable, mediante el cual los diferentes sectores de la sociedad actúan de manera concertada y buscando el beneficio colectivo. ARTÍCULO 126: La participación de los usuarios de las aguas en la conservación del recurso y de las cuencas hidrográficas se reglamentará mediante decreto, el cual establecerá las variables a tomar en cuenta en la determinación de los aportes financieros necesarios para la ejecución de los programas de conservación, así como otras modalidades de participación en dichos programas. ARTÍCULO 127: Los usuarios de las aguas podrán constituir voluntariamente asociaciones para el aprovechamiento más eficiente y

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gestión ambiental. 6. El agua es un recurso dotado de valor, cuya gestión debe compatibilizar la oferta y la demanda de acuerdo a los aspectos económicos que correspondan en cada caso, y a los beneficios sociales que del aprovechamiento se deriven. 7. La cantidad y calidad de las aguas deben ser protegidas, así como la integridad de los seres humanos y sus bienes de los efectos perjudiciales que pueden provocar.8. Las aguas requieren de una gestión y coordinación integral, coherente, descentralizada y de la participación de los diversos niveles político territoriales de gobierno, sus usuarios y las comunidades. 9. La participación ciudadana y el compromiso de todos los venezolanos son condiciones indispensables pare el logro de los objetivos de la gestión integral de las aguas. 10.- La información básica, la capacitación de recursos humanos y la investigación científica y tecnológica son factores determinantes para la gestión integral de las aguas

disposiciones contrarias a la presente ley. coordinado del recurso, así como para la defensa de sus intereses, conforme a sus estatutos internos. La constitución y estatutos de las asociaciones de usuarios se redactarán y aprobarán por los propios usuarios. ARTÍCULO 128: El Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales, mediante resolución, de oficio o a solicitud de las asociaciones de usuarios, podrá crear jurados de aguas con carácter permanente o temporal, en los ríos o en sectores de estos que creyere conveniente, como instancia de conciliación entre los usuarios, sin perjuicio del cumplimiento de las previsiones contenidas en las licencias y concesiones correspondientes y de las competencias que le fueron atribuidas como autoridad administrativa de las aguas. ARTICULO 129: Los jurados de aguas establecerán los turnos de riego, captación o uso de cada ribereño comprendido bajo su jurisdicción. Se organizarán y funcionarán de conformidad con lo dispuesto en la resolución que los cree. TITULO VIII DE LOS ASPECTOS ECONOMICOS Y FINANCIEROS CAPITULO I DEL VALOR Y DEL PAGO ASOCIADOS AL USO Y APROVECHAMIENTO DE LAS AGUAS ARTÍCULO 171: El agua en sus condiciones naturales tiene un valor. Su precio será determinado conforme a lo establecido en el reglamento, tomando en cuenta su escasez, calidad, variabilidad de régimen de escurrimiento, posibilidad de utilización, energía potencial y cualquier aprovechamiento y la realidad social y económica presente en el país en el momento de su fijación. El Ministerio del Ambiente y de los Recursos Naturales decidirá, según las circunstancias propias de cada situación, cuándo se ha de cobrar el valor del agua. ARTÍCULO 177: Salvo en casos excepcionales, el uso de aguas provenientes de obras hidráulicas pertenecientes al Estado, no podrá ser a título gratuito.

Gaceta Municipal del Municipio Jimenez. Año

Sección I. De Quebrada “Acarigua” Artículo 1. Las aguas de la Quebrada “Acarigua”, que nacen enmontñas altas del

Siendo tradicionalemnte administradas conforme a las Ordenanzas emanadas de esta Cámara Municipal y sus productos de administración por concepto de contribución o tasa sobre riego de conucos, huertas, hortalizas, llenas de

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LXVII. Mes: VI. Quíbor, 13 de junio de 1984. Número Extraordinario. Reglamento de las Aguas de la Quebrada “Acarigua”

Distrito Andrés Eloy Blanco, así como las de sus afluentes quebradas “Las Rositas”, “Seca” y otros nacimientos en esta Jurisdicción Distrital, quedan sujetas a las disposiciones del presente Reglamento. Artículo 2. Las aguas mencionadas en el Artículo anterior pertenecen en común desde tiempo inmemorial a los habitantes de este Municipio Capital,

lagunas, etc., constituyen ingresos a las rentas municipales para a tender a los gastos del servicio prestado por el personal que cuida y distribuye dichas aguas. Artículo 3. Para atender a la administración y servicio de las aguas de la Qubrada “Acarigua”, habrá un Juez de aguas con sus respectivos suplentes y un guarda Bosques para el cuido de los respaldos forestales de dicha quebrada y sus afluentes.

Reglamento para el Uso del Agua del Portal de Salida del Túnel Yacambú-Quíbor.(1995)

I. Disposiciones Generales: Artículo 1: El uso del agua por parte de los productores proveniente del portal de salida del túnel Yacambú-Quíbor, queda sujeta a las disposiciones del presente Reglamento. II. . De los usuarios del agua: Artículo 2: Los productores que tienen derecho al aprovechamiento del agua proveniente del portal de salida del túnel Yacambú-Quíbor para fiens agrícolas, se constituyen en ususarios en virtud de lo dispuesto en las ordenanzas emanadas del Concejo Municipal de Jiménez, la tradición acumulada en el sector y las gestiones de la Comisión de Asuntos Campesinos y Desarrollo Rural del Concejo Municipal.

Artículo 3: el agua mencionada en el artículo anterior ha sido utilizada en común por los productores ususarios aguas abajo de esta fuente, siendo administrada por un repartidor. III. De la administración y distribución del agua. Artículo 8: para atender a la administración, distribución y servicio del agua habrá un repartidor de agua y una Junta Administradora.

CONFERENCIAS DUBLIN Conferencia Internacional sobre el Agua y el Medio Ambiente (CIAMA). Dublín, Irlanda, 26 al 31 de enero de 1992. Declaración de Dublín sobre el Agua

1. El agua dulce es un recurso finito y vulnerable. 4. El agua tiene un valor económico en todos sus diversos usos en competencia a los que se destina y debería reconocérsele como un bien económico.

1. Esencial para sostener la vida, el desarrollo y el medio ambiente. 4. En virtud de este principio, es esencial reconocer ante todo, el derecho fundamental de todo ser humano a tener acceso a un agua pura y al saneamiento por un precio asequible.

1. La gestión eficaz de los recursos hídricos requiere un enfoque integrado que concilie el desarrollo económico social y la protección de los ecosistemas naturales. La gestión eficaz establece una relación entre el uso del suelo y el aprovechamiento del agua en la totalidad de una cuenca hidrológica o un acuífero. 2. El aprovechamiento y la gestión del agua debe inspirarse en un planteamiento basado en la participación de los usuarios, los planificadores y los responsables de las decisiones a todos los niveles. 3. La mujer desempeña un papel fundamental en el abastecimiento, la

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y el Desarrollo Sostenible.

gestión y la protección del agua

BONN Conferencia Internacional sobre el Agua Dulce. Bonn, Alemania, 3 a 6 de diciembre de 2001. Recomendaciones de acción.

El agua es un elemento clave del desarrollo sostenible, indispensable en sus aspectos sociales, económicos y ambientales. El agua es vida,e sencial para la salud humana. El agua es un bien económico y un bien social que debe distribuirse en primer lugar para satisfacer necesidades humanas básicas.

Muchos consideran que el acceso al agua potable y al saneamiento constituye un derecho humano.

Medidas de Buen Gobierno.(Idem)

1. Garantizar el acceso equitativo de todos al agua.

2. Velar porque la infraestructura y los servicios de abastecimiento de agua atiendan a los pobres.

3. Promover la igualdad de género. 4. Distribuir apropiadamente el agua entre los distintos sectores que compiten por ella. 5. Compartir los beneficios. 6. Promover la participación en los beneficios de los grandes proyectos. 7. Mejorar la administración del agua . 8. Proteger la calidad del agua y los ecosistemas. 9. Manejar el riesgo para hacer frente a la variabilidad y al cambio climático. 10. Promover unos servicios más eficientes. 11. Administrar el agua en el nivel más bajo que resulte apropiado. 12. Luchar eficazmente contra la corrupción.

Medidas para la movilización de recursos financieros

13. Lograr un aumento considerable de todos los tipos de financiamiento. 14. Reforzar las capacidades de financiamiento público. 15. Mejorar la eficiencia económica para sostener las operaciones y la inversión. 16. Hacer atractiva el agua para la inversión privada. 17. aumentar la asistencia al desarrollo destinada al agua.

Medidas de fomento de la capacidad e intercambio de conocimietnos

18. Centrarse en la educación y la formación sobre el agua. 19. Centrar la investigación y la gestión de la información en la solución de problemas. 20. Hacer más eficaces las instituciones dedicadas al agua. 21. Compartir el conocimiento y las nuevas tecnologías.

AGENDA 21 A água é necessária em todos os aspectos da vida.

O objetivo geral é assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de

As demandas por água estão aumentando rapidamente, com 70-80 por cento exigidos para a irrigação, menos de 20 por cento para a indústria e apenas 6

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Capítulo 18: Proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos: aplicação de critérios integrados no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos

boa qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo tempo em que se preserve as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da capacidade da natureza e combatendo vetores de moléstias relacionadas com a água.

por cento para consumo doméstico. O manejo holístico da água doce como um recurso finito e vulnerável e a integração de planos e programas hídricos setoriais aos planos econômicos e sociais nacionais são medidas de importância fundamental para a década de 1990 e o futuro. Objetivo: O objetivo global é satisfazer as necessidades hídricas de todos os países para o desenvolvimento sustentável deles. O manejo integrado dos recursos hídricos baseia-se na percepção da água como parte integrante do ecossistema, um recurso natural e bem econômico e social cujas quantidade e qualidade determinam a natureza de sua utilização. Com esse objetivo, os recursos hídricos devem ser protegidos, levando-se em conta o funcionamento dos ecossistemas aquáticos e a perenidade do recurso, a fim de satisfazer e conciliar as necessidades de água nas atividades humanas. Ao desenvolver e usar os recursos hídricos deve-se dar prioridade à satisfação das necessidades básicas e à proteção dos ecossistemas. No, entretanto, uma vez satisfeitas essas necessidades, os usuários da água devem pagar tarifas adequadas. O manejo integrado dos recursos hídricos, inclusive a integração de aspectos relacionados à terra e à água, deve ser feito ao nível de bacia ou sub-bacia de captação.

SAN JOSÈ Conferencia organizada por la Organización Metereológica Mundial (OMM) y el Banco Interamericano de Desarrollo (BID) sobre Evaluación y Estrategias de Gestión de Recursos Hídricos en América Latina y el Caribe. San José de Costa Rica, 8-11 de mayo de 1996

El Plan de Acción ha tenido en cuenta los principios del Capítulo 18 del Programa 21 de la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y el desarrollo (CNUMAD) (1992), y estrategias en desarrollo por el BID. La Conferencia recomendó que: Los gobiernos nacionales, con apoyo de los organismos de las Naciones Unidas (UN), las instituciones de financiamiento y regionales, deberían: a) formular y mejorar, segú corresponda, políticas

El Objetivo de la reunión fue elaborar un Plan de Acción dentro del contexto del desarrollo sostenible, para que la evaluación completa y la gestión integrada de los recursos hídricos reflejen las necesidades socioeconómicas de los países y sus poblaciones, así como la preservación del medio ambiente. El Plan de Acción que recomendó la Conferencia abarca las esferas de gestión integrada de los recursos hídricos, el marco institucional y legal, la evaluación completa de recursos hídricos, información básica para la gestión integrada de los recursos hídricos, recursos humanos y capacitación, educación y participación de la comunidad, desastres naturales, recursos hídricos transfronterizos, papel de los organismos internacionales, recomendaciones regionales y el seguimiento del Plan de Acción.

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nacionales de aguas que reconozcan el valor social, económico, ecológico y ambiental, y la necesidad de la gestión sostenible de los recursos hídricos, con la participación de las comunidades y el sector privado.