141
Marcelo A. Cabral

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

  • Upload
    ufms

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Marcelo A. Cabral

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Prefácio

Este singelo trabalho nasceu da necessidade acadêmica do autor-aluno em ter sempre à mão um resumo simples e consolidado (se é que isso é possível, em face da amplidão das Ciências Farmacêuticas), de tópicos importantes sobre farmacologia clínica. Trata-se de uma compilação pessoal dos textos contidos em diversas obras de referência em farmacologia, e com uma visão estritamente voltada para os mecanismos de ação dos principais fármacos empregados no cotidiano da Atenção Farmacêutica. Desta maneira, não foram abordados neste resumo os conceitos básicos de farmacocinética, farmacodinâmica e demais áreas afetas aos medicamentos.

Respeitando-se a finalidade deste resumo, as patologias abordadas aqui foram explicitadas de maneira suscinta, geralmente no início de cada capítulo, com objetivo de facilitar a compreenção quanto às bases da terapêutica farmacológica.

Mais uma vez é importante resaltar, que este trabalho artesanal não possui outra pretensão se não a de satisfazer a necessidade pessoal do autor quanto à aquisição de conhecimentos na área da Farmacologia. Contudo, é muito gratificante imaginar a possibilidade de que as informações aqui contidas possam algum dia vir a beneficiar outros acadêmicos.

Marcelo A. Cabral

Nova Friburgo, 04 de janeiro 2010.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Indice Capítulo 1 – Medicamentos Colinérgicos

Capítulo 2 – Medicamentos Adrenérgicos

Capítulo 3 – Fármacos Antinflamatórios não Esteroidais – AINES

Capítulo 4 – Fármacos Glicocorticóides

Capítulo 5 – Fármacos Anti-hipertensivos

Capítulo 6 – Fármacos Antidiabéticos

Capítulo 7 – Fármacos para Tratamento das Dislipidemias

Capítulo 8 – Fármacos para Tratamento da Asma

Capítulo 9 – Fármacos na Quimioterapia do Câncer

Capítulo 10 – Fármacos Ansiolíticos e Hipnóticos

Capítulo 11 – Fármacos Antipsicóticos

Capítulo 12 – Fármacos Antidepressivos

Capítulo 13 – Fármacos Antiepilépticos

Capítulo 14 – Tratamento Farmacológico das Anemias e Leucemias

Capítulo 15 – Tratamento Farmacológico da Dor com Opióides

Capítulo 16 – Agentes Anestésicos Gerais

Capitulo 17 – Agentes Anestésicos Locais

Capítulo 18 – Farmacologia da Insuficiência Cardíaca

Capítulo 19 – Farmacologia das Disritmias Cardíacas

Capítulo 20 – Farmacologia da Isquemia Cardíaca

Capítulo 21 – Fármacos Antialérgicos

Capítulo 22 – Fármacos Antivirais

Capítulo 23 – Fármacos Antifúngicoss

Capítulo 24 – Fármacos Anti-helminticos

Capítulo 25 – Fármacos Antiprotozoários

Capítulo 26 – Fármacos nos Distúrbios da Hemostasia

Capítulo 27 – Fármacos nos Distúrbios Neurodegenerativos

Capítulo 28 – Farmacologia do TGI

Capítulo 29 – Fármacos no Tratamento da Artrite Gotosa

Capítulo 30 – Fármacos no Tratamento do Glaucoma

Capítulo 31 – Fármacos no Tratamento da Tuberculose

Capítulo 32 – Fármacos Antibióticos

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

11

1) medicamentos que atuam no sistema nervoso autônomo - colinérgicos

1) – Síntese, liberação e metabolismo da acetilcolina

A síntese da acetilcolina, que é o neurotransmissor do sistema nervoso parassimpático, se dá nos terminais pré-sinápticos, quando a colina e a acetilCoA combinam-se formando a acetilcolina, reação catalisada pela colina acetiltransferase.

A despolarização do neurônio colinérgico pré-sináptico permite a abertura dos seus canais de Ca+. O aumento da concentração intracelular de cálcio causa a exocitose da acetilcolina na fenda sináptica.

A cetilcolina se difunde pela fenda sináptica e se combina com os receptores especializados, levando a um aumento localizado da permeabilidade iônica (receptores nicotínicos) ou a ativação de segundos mensageiros intracelulares (receptores muscarínicos).

Por outro lado, a acetilcolinesterase está presente na membrana pós-sináptica, e é a responsável pela degradação da acetilcolina em colina e acetato.

2) - Receptores colinérgicos

Existem dois tipos principais de receptores colinérgicos: os receptores nicotínicos, que são canais iônicos dependentes de ligantes; e os receptores muscarínicos, que pertencem à superfamília das proteínas G.

2.1 - Receptores nicotínicos

Os receptores nicotínicos estão diretamente acoplados aos canais iônicos e medeiam a transmissão sináptica excitatória rápida na junção neuromuscular, nos gânglios autônomos e em vários locais no SNC. O mecanismo de ação, tanto na placa motora quanto nos gânglios, é baseado no fato de que esse receptor para a cetilcolina é também um canal iônico para Na+ e K+.

Quando o receptor nicotínico é ativado pela acetilcolina, o canal se abre e ambos, Na+ e K+, fluem por ele, reduzindo os respectivos gradientes eletroquímicos (o Na+ entra na célula e o K+ saí dela), isso causa a despolarização da membrana celular. Com a despolarização da membrana, ocorrem o disparo neuronal (nos gânglios) e contração do músculo esquelético (placa motora).

A liberação de acetilcolina na fenda sináptica, através da fusão de vesículas (exocitose), depende da despolarização da terminação axônica (despolarização pré-sináptica) e da abertura dos canais de cálcio dependentes de voltagem. A entrada de Ca+ no axônio pré-sináptico facilita a ligação das proteínas que medeiam a fixação e a fusão das membranas vesiculares.

Os receptores nicotínicos são canais iônicos regulados

por ligantes (subtipos Nn e Nm). A ligação simultânea de duas moléculas de acetilcolina em sua subunidade alfa deflagra uma alteração na conformação do receptor que, por sua vez, cria um poro seletivo para cátions (entrada de Na+ e saída de K+ que despolarizam a célula).

Na placa motora, os receptores nicotínicos pré-sinápticos aumentam a entrada de cálcio no neurônio pré-sináptico, aumentando assim a fusão das vesículas e liberação de acetilcolina (retro-alimentação). Os receptores nicotínicos pós-sinápticos são excitatórios através da despolarização celular.

A ligação da ACh liberada pelos neurônios motores alfa para os receptores nicotínicos na membrana da célula muscular resulta em despolarização (entrada de Na+) da placa motora terminal (geração do potencial de placa terminal – PPT), com conseqüente aumento da condutância dos canais de Ca+ nas células musculares, que promoverão a ligação actina/miosina – contração muscular.

Nos gânglios, a acetilcolina despolariza o axônio pós-sináptico com conseqüente formação de um novo potencial de ação (transmissão neuroquímica).

A baixa afinidade do receptor nicotínico para acetilcolina permite a rápida dissociação da ACh do receptor e a volta da configuração do receptor ao estado de repouso.

A ocupação prolongada dos receptores nicotínicos por um agonista anula a resposta efetora, isto é, o disparo do neurônio pós-ganglionar cessa (efeito ganglionar), e a célula do músculo esquelético relaxa (efeito da placa terminal neuromuscular). Dessa maneira, verifica-se a indução de um estado de “bloqueio despolarizante”, que é refratário à reversão por outros agonistas. Esse efeito pode ser explorado para a produção de paralisia muscular. Quando os níveis de acetilcolina permanecem elevados, os receptores nicotínicos colinérgicos podem sofrer rápida dessensibilização.

2.2 - Receptores muscarínicos Os receptores muscarínicos são receptores acoplados à

proteína G. Os subtipos M1, M3 e M5 estão acoplados à proteína G responsáveis pela estimulação da fosfolipase C, com conseqüente formação de IP3 e DAG – aumento da

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

concentração de Ca+ e ativação da proteína cinase C que fosforiza proteínas intracelulares, ativando-as.

Por outro lado, os subtipos M2 e M4 estão acoplados a proteínas G responsáveis pela inibição da adenilil cliclase e ativação dos canais de K+ (hiperpolarização da célula). Com isso, os subtipos M2 e M4 pré-sinápicos inibem a entrada de Ca+ no neurônio pré-sináptico, diminuindo a fusão das vesículas e a liberação de acetilcolina.

Os receptores M1 (neuronais) produzem excitação lenta dos glânglios; os receptores M2 (cardíacos) produzem redução da freqüência e da força de contração cardíacas; os receptores M3 (glandulares) causam secreção, contração da musculatura lisa visceral e relaxamento vascular.

Os receptores muscarínicos são encontrados principalmente nos órgãos efetores (coração, pulmão, bexiga, sistema gastrintestinal, olhos, glândulas lacrimais, glândulas sudoríparas) e nas células endoteliais da vasculatura.

Embora os receptores muscarínicos como classe possam ser ativados seletivamente e apresentem acentuada estereosseletividade entre agonistas e antagonistas, o uso terapêutico dos agentes colinomiméticos é limitado pela escassez de drogas seletivas para subtipos específicos de receptores muscarínicos. Essa falta de specificidade, combianda aos efeitos de amplo espectro da estimulação muscarínica sobre diferentes sistemas orgânicos, torna o uso terapêutico das drogas colinomiméticas um verdadeiro desafio, de modo que a cuidadosa análise das propriedades farmacocinéticas das drogas desempenha papel importante na tomada de decisões terapêuticas.

3) - Neurotransmissão colinérgica na Junção Neuromuscular

Na junção neuromuscular, os neurônios motores inervam um grupo de fibras musculares. A área das fibras musculares inervadas por um neurônio motor individual é conhecida como região de placa terminal. Múltiplas terminações pré-sinápticas estendem-se a partir do axônio do neurônio motor. Quando um neurônio motor é despolarizado, suas vesículas fundem-se com a membrana pré-sináptica, liberando acetilcolina na fenda sináptica. Os receptores de acetilcolina na junção neuromuscular são exclusivamente nicotínicos, e a estimulação desses receptores resulta em despolarização da membrana da célula muscular e em geração de um potencial de placa terminal.

O potencial de placa terminal gerado despolariza os Túbulos T, causando a abertura dos canais de Ca+ no retículo sarcoplasmático. Isso proporciona o aumento da concentração intracelular do íon, que por sua vez se liga à troponina C, causando sua mudança conformacional. A mudança conformacional da troponina C faz a tropomiosina (que estava bloqueando a interação entre a actina e miosina) mover-se, de modo que a ligação miosina-actina ocorra, formando as chamadas pontes cruzadas. A formação dessas pontes está associada à hidrólise de ATP e à geração de força.

O relaxamento ocorre quando o Ca+ é reacumulado no retículo sarcoplasmático pela Ca+ATPase de sua membrana. Assim a concentração de Ca+ diminui, não sendo possível mais a sua ligação à troponina C. quando o cálcio é liberado da

troponina C, a tropomiosina retorna à sua posição de repouso, bloqueando o local de ligação para a miosina na actina.

4) - Neurotransmissão Ganglionar

No sistema nervoso autônomo os gânglios simpáticos se localizam próximos à medula espinhal, e os gânglios parassimpáticos se localizam nos órgãos alvos ou em suas proximidades.

Os neurônios pré-ganglionares parassimpáticos se originam em núcleos do tronco encefálico (nervos facial, glossofaríngeo, oculomotor e vago) e segmentos sacrais da medula espinhal (origem crânio-sacral). Por outro lado, os neurônios pré-ganglionares simpáticos possuem origem toraco-lombar.

De maneira simplificada, a neurotransmissão ganglionar se dá da seguinte forma:

- despolarização da membrana neuronal pré-sináptica ganglionar, com liberação de acetilcolina por exocitose,

- ativação dos receptores nicotínicos pós-sinápticos ganglionares pela acetilcolina, com conseqüente abertura dos canais de Na+;

- a abertura dos canais de Na+ despolariza a membrana do neurônio ganglionar pós-sináptico, dando origem ao potencial excitatório pós-sináptico (PEPS);

- quando o PEPS atinge uma amplitude crítica, dá-se origem ao potencial de ação no nervo pós-sináptico;

- o potencial de ação é transmitido pelo neurônio até sua terminação (sinapse) simpática ou parassimpática;

- a ativação neuronal pós-ganglionar parassimpática, ativa os receptores muscarínicos nos órgãos alvos causando os efeitos que estão relacionados na tabela 1.2.

- a ativação neuronal pós-ganglionar simpática, ativa os receptores adrenérgicos (alfa e beta) e produz, entre outros efeitos, taquicardia; midríase; constipação, diminuição do tônus e da motilidade gastrintestinal; retenção urinária; xerostomia; acomodação para visão para longe.

No Sistema Nervoso Somático, as fibras inervam diretamente seus alvos, os músculos esqueléticos, causando contração muscular através da ativação dos receptores nicotínicos.

A glândula supra-renal faz parte do sistema nervoso simpático, apesar de ser ativada através de receptores nicotínicos.

A transmissão ganglionar é muito complexa. Os agonistas ganglionares (nicotina, tetrametilamônio - TMA e dimetilfenilpiperazino – DMPP) podem produzir efeitos simpáticos ou parassimpáticos, além de poderem estimular ou inibir a transmissão ganglionar, dependendo da dose (bloqueio despolarizante em altas doses).

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

O bloqueio dos receptores nicotínicos ganglionares resulta em resposta dos órgãos efetores opostas àquelas produzidas pelo tônus autônomo normal (se predominante o simpático ou o parassimpático). O bloqueio não despolarizante ganglionar (que pode ser produzido clinicamente pelo trimetafano e pela mecamilamina) de tônus predominantemente simpático pode causar vasodilatação com hipotensão, aumento do fluxo sanguíneo periférico, dilatação das veias com redução do débito cardíaco, redução do suor e diminuição da estimulação do trato genital. Por outro lado, o bloqueio ganglionar de tônus predominantemente parassimpático pode causar taquicardia; midríase; ciclopegia – visão à distância; redução do tônus, das secreções e da motilidade gastrintestinais, retenção urinária, xerostomia, inibição da ereção peniana.

Os fármacos bloqueadores ganglionares são utilizados clinicamente para o controle inicial da pressão arterial em pacientes com aneurisma aórtico dissecante agudo, ou para produzir uma condição de hipotensão controlada visando diminuir hemorragia em cirurgias, sobretudo aquelas realizadas em vasos sanguíneos.

5) – Neurotransmissão colinérgica nos Órgão Efetores

A estimulação neuronal pós-ganglionar parassimpática, ativa os receptores muscarínicos nos órgãos alvos, causando os efeitos que estão relacionados na tabela 1.2.

6) – Efeitos da acetilcolina no SNC

As funções da acetilcolina no SNC consistem principalmente em modulação do sono, estado de vigília, aprendizagem e memória; supressão da dor ao nível da medula espinhal. Esta última pode ser comprovada clinicamente através da injeção de inibidores da acetilcolinesterase no líquido cefalorraquidiano.

7) – Medicamentos Colinérgicos

Os parassimpaticomiméticos podem ser diretos e indiretos. Os primeiros estimulam diretamente os receptores muscarínicos e nicotínicos (agonistas colinérgicos). Os indiretos atuam por meio da inibição de acetilcolinesterase (anticolinesterásicos), preservando a ação da acetilcolina endógena.

Fig. 02 - Estimulação colinérgica

7.1 – Agonistas colinérgicos

Ao se ligarem aos receptores muscarínicos, esses fármacos geram potencial pós-sináptico excitatório nos órgãos inervados pelo parassimpático. No sistema cardiovascular destacam-se bradicardia e diminuição da velocidade de condução do estímulo elétrico, particularmente no nódulo atrioventricular, que pode ter sua condução bloqueada por altas doses de um parassimpaticomimético. Nos vasos, onde há receptores muscarínicos a despeito da mínima inervação parassimpática, os parassimpaticomiméticos produzem típica vasodilatação intermediada pelo estímulo à liberação de óxido nítrico, com conseqüente queda da pressão arterial. Os parassimpaticomiméticos aumentam a motilidade, tono e atividade secretora no sistema gastrintestinal, incluindo o trato biliar. No sistema urinário, estimulam a motilidade uretral, contraem o músculo detrusor e relaxam o músculo esfíncter interno. Promovem broncoconstrição e aumento da secreção nasal e traqueobrônquica. No globo ocular, promovem miose por estímulo ao músculo constritor da pupila e perda da capacidade de acomodação por contração do músculo ciliar.

Os agonistas dos receptores nicotínicos são utilizados clinicamente para indução de paralisia muscular.

Os agonistas colinérgicos raramente são administrados por injeção IM ou IV, visto que são quase imediatamente degradados por colinesterases presentes nos espaços intersticiais, bem como no interior dos vasos sanguíneos. Além disso, os agonistas colinérgicos atuam rapidamente e podem provocar uma crise colinérgica (superdose do fármaco, resultando em fraqueza muscular extrema e possível paralisia dos músculos utilizados na respiração).

Os principais medicamentos agonistas colinérgicos são:

- Acetilcolina, Betanecol, Carbacol e Pilocarpina.

A utilidade terapêutica da Acetilcolina é limitada em virtude de sua falta de seletividade como agonista para diferentes tipos de receptores colinérgicos e de sua rápida degradação por colinesterases. Essa dificuldade foi superada, em parte, pelo desenvolvimento de três derivados de ésteres de colina: Metacolina, Carbacol e Betanecol.

Betanecol é empregado para estimular a motilidade gastrintestinal em quadro de íleo paralítico e a micção em casos de bexiga neurogênica ou retenção urinária não obstrutiva. Também serve, junto com metacolina, como alternativa à pilorcapina para promover salivação em casos de xerostomia. O betanecol é um agonista seletivo dos receptores muscarínicos e resistente à degradação pelas colinesterases.

Acetilcolina (solução a 1%) e carbacol (solução de 0,01 à 3%) têm uso intraocular em cirurgia para produzir miose. Carbacol e pilocarpina (solução de 0,25 a 1%) são eficazes no tratamento do glaucoma (miótico), visto que a contração do músculo ciliar traciona a rede trabecular, aumentando a sua porosidade e permeabilidade ao efluxo do humor aquoso. A contração do esfíncter da íris pela pilocarpina afasta a íris periférica da rede trabecular,

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

abrindo assim, a via para o efluxo de saída do humor aquoso. O carbacol é menos seletivo para receptores muscarínicos, porém é resistente à colinesterases.

A metacolina possui seletividade pelos receptores muscarínicos, é resistente à pseudo-colinesterase e pouco suscetível à ação da colinesterase. A metacolina é utilizada para identificar a presença de hiper-reatividade brônquica em pacientes sem asma clinicamente aparente. Para essa indicação, o fármaco é administrado por inalação, e os pacientes que podem desenvolver asma geralmente apresentam contração exagerada das vias aéreas. Ao terminar o teste, pode-se administrar um broncodilatador (agonista beta-adrenérgico) para anular o efeito broncoconstritor.

Esses efeitos são produzidos pela ativação dos receptores muscarínicos (ver tabela 1.2).

Todas as drogas são muito hidrofílicas e não atravessam as membranas, uma vez que retêm o grupamento amônio quaternário do componente colina da acetilcolina.

A pilocarpina é um alcalóide colinomimético de ocorrência natural. Trata-se de uma amina terciária que atravessa as membranas com relativa facilidade. Por conseguinte, é rapidamente absorvida pela córnea do olho e tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica. Ela é um agonista puro dos receptores muscarínicos e não é afetada pela colinesterase. A pilocarpina deve ser utilizada no lugar de inibidores da AChE para o tratamento do glaucoma de ângulo fechado.

A metacolina, o betanecol e a pilocarpina são agonistas seletivos dos receptores muscarínicos, enquanto o carbacol e a acetilcolina podem ativar os receptores muscarínicos e nicotínicos.

A hipotensão potencialmente perigosa produzida pela ativação dos receptores muscarínicos representa uma importante limitação para administração sistêmica de agonistas muscarínicos. Com administração de baixas doses de agonistas muscarínicos, essa hipotensão desencadeia a ativação de uma estimulação reflexa simpática compensatória do coração. A estimulação simpática aumenta a freqüência cardíaca e o tônus vasomotor, anulando, em parte a resposta vasodilatadora direta. Por conseguinte, a taquicardia provocada por agonistas muscarínicos é indireta e paradoxal. Com o aumento da dose, a ativação dos receptores M2 no nodo AS e nas fibras AV passam a predominar, causando bradicardia e redução da velocidade de condução AV. Doses muito altas de agonistas muscarínicos podem produzir bradicardia letal e bloqueio AV.

A succinilcolina é utilizada para produzir paralisia muscular em cirurgia devido ao seu efeito de bloqueio despolarizante sobre os receptores nicotínicos.

7.2 – Anticolinesterásicos

Os agentes anticolinesterásicos bloqueiam a ação da enzima acetilcolinesterase, impedindo a degradação da

acetilcolina. O acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica resulta numa maior ativação dos receptores nicotínicos e muscarínicos. Os agentes anticolinesterásicos são divididos em duas categorias, segundo a duração do bloqueio da acetilcolinesterase:

- reversíveis: ambemônio, donepezil, edrofônio, neostigmina, fisostigmina, piridostigmina e tacrina.

Os agentes anticolinesterásicos reversíveis bloqueiam a degradação da acetilcolina durante minutos ou horas, ao passo que o efeito bloqueador dos agentes irreversíveis perdura por vários dias ou semanas. Isto se dá devido ao tipo de ligação química que ocorre entre os medicamentos e a acetilcolinesterase.

- irreversíveis: os agentes anticolinesterásicos irreversíveis exercem efeitos de longa duração e são utilizados basicamente como inseticidas tóxicos e pesticidas (carbamatos e organofosforados) ou como gás dos nervos na guerra química. Apenas um deles possui utilidade terapêutica: o ecotiopato.

Os agentes anticolinesterásicos possuem utilidade terapêutica no tratamento do glaucoma e de outras condições oftalmológicas, bem como na facilitação da motilidade gastrintestinal e vesical; além disso, influenciam a atividade na junção neuromuscular do músculo esquelético, aumentando a força muscular na miastenia gravis. Os agentes anticolinesterásicos que atravessam a barreira hematoencefálica demonstraram ter eficácia limitada no tratamento da doença de Alzheimer.

Portanto, os locais de ação dos anti–CHE de importância terapêutica incluem o SNC (doença de Alzheimer - tacrina, donepezil, rivastigmina e galantamina - ), o olho (glaucoma - ecotiopato), o intestino (íleo paralítico e atonia da bexiga - neostigmina) e a junção neuromuscular da musculatura esquelética (miastenia gravis – piridostigmina, neostigmina e ambemônio).

No olho, os anticolinesterásicos causam hiperemia conjuntival e miose (pela contração do músculo esfíncter da pupila), acomodação da visão para perto (devido constrição do músculo ciliar), e redução da pressão intra-ocular quando alta (facilitação do escoamento do humor aquoso).

No trato gastrintestinal a neostigmina intensifica as contrações gástricas e aumenta a secreção de ácido gástrico, além de aumentar a atividade motora do intestino delgado e grosso.

Os agentes anti-ACHE revertem o antagonismo causado por agentes bloqueadores neuromusculares competitivos (antagonistas colinérgicos). A neostigmina não é eficaz contra a paralisia da musculatura esquelética causada pela succinilcolina, visto que este agente provoca bloqueio neuromuscular por despolarização.

O edrofônio, um agente quaternário cuja atividade se limita às sinapses do sistema nervoso periférico, tem afinidade moderada pela acetilcolinesterase e possui eliminação renal rápida, o que explica sua curta duração de

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

ação. Já a tacrina e o donepezil têm maior afinidade pela ACHE, são mais hidrofóbicos (mais lipofílicos) e atravessam a barreira hematoencefálica, inibindo a ACHE no sistema nervoso central.

Os efeitos muscarínicos de utilização clínica dos anticolinesterásicos são os mesmos dos agonistas colinérgicos. A neostigmina pode ser empregada em quadros de íleo paralítico e atonia de bexiga. A fisostigmina tópica (colírio) é usada em associação com agonistas colinérgicos no tratamento do glaucoma.

Os anticolinesterásicos também são utilizados no tratamento das intoxicações por fármacos antagonistas colinérgicos (como a atropina), antidepressivos tricíclicos, pelos alcalóides da beladona e pelos narcóticos. Nesses casos, se houver manifestações centrais, deve-se usar fisostigmina que ultrapassa a barreira hematoencefálica.

Os anticolinesterásicos tacrina, donezepil, rivastigmina e galantamina, vêm sendo utilizados também no tratamento da demência de Alzheimer.

A doença de Alzheimer caracteriza-se por acentuada atrofia do córtex cerebral e perda de neurônios corticais e subcorticais. A base anatômica do déficit colinérgico é a atrofia e degeneração dos neurônios colinérgicos subcorticais. Da constatação deste fato surgiu a “hipótese colinérgica”, segundo a qual uma deficiência de acetilcolina é decisiva na gênese dos sintomas da DA. Porém, é necessário assinalar que o déficit observado na DA é complexo, envolvendo múltiplos sistemas neurotransmissores, incluindo a serotonina, o glutamato, além de apresentar destruição dos neurônios corticais e do hipocampo.

Já os efeitos nicotínicos dos anticolinesterásicos são empregados para reverter bloqueio neuromuscular produzido por relaxantes musculares periféricos competitivos (não despolarizantes) e no tratamento da miastenia gravis.

As reações adversas associadas aos anticolinesterásicos são: náusea, vômitos, diarréia, dispnéia, respiração sibilante e convulsões.

É importante saber que, em concentrações terapêuticas, os inibidores da AChE não ativam os receptores colinérgicos em locais que não recebem estimulação sináptica colinérgica, como os receptores muscarínicos endoteliais, de modo que o seu uso não está associado ao mesmo risco de produzir respostas vasodilatadora acentuada.

7.3 - Diagnóstico diferencial da miastenia

A miastenia é uma falha na transmissão neuromuscular, cuja causa é uma resposta auto-imune que provoca perda dos receptores nicotínicos da acetilcolina na junção neuromuscular. Ocorre acentuada melhora clínica com neostigmina (7,5 mg), piridostigmina (30 a 60 mg) ou ambemônio (2,5 a 5 mg), administrados oralmente.

Pode ser difícil definir se o paciente está apresentando uma resposta tóxica ao medicamento colinérgico (dose excessiva) ou uma crise miastênica (fraqueza muscular extrema e grave dificuldade respiratória). Pode-se utilizar o edrofônio (que é reversível – de curta duração) para diferenciar um efeito farmacológico tóxico de uma crise miastênica. Se houver melhora após o uso da injeção de edrofônio, a causa é a miastenia, e indica-se mais anticolinesterásico. Se não houver melhora, deve-se diminuir a dose de anticolinesterásico. Quando administrado o edrofônio, é preciso ter a disposição aparelho de aspiração, oxigênio, ventilação mecânica e medicamentos de emergência (como atropina) em caso de possível ocorrência de crise colinérgica.

7.4 - Efeitos adversos dos medicamentos colinérgicos:

Devido à sua ligação a receptores presentes no sistema nervoso parassimpático, os agonistas colinérgicos podem produzir efeitos adversos em qualquer órgão inervado pelos nervos parassimpáticos, tais como: náuseas, vômitos, cólicas e diarréias, visão turva, bradicardia, hipotensão arterial, dispnéia, freqüência urinária aumentada, aumento da salivação e sudorese.

7.5 – Bloqueadores colinérgicos

Os medicamentos bloqueadores colinérgicos (anticolinérgicos) interrompem os impulsos nervosos parassimpáticos no SNC e no sistema nervoso autônomo- são antagonistas competitivos da acetilcolina em receptores muscarínicos.

Os principais anticolinérgicos são os alcalóides da beladona: atropina, beladona, homatropina, sulfato de hiosciamina, bromidrato de escopolamina, glicopirrolato, propantelina, benztropina, trexifenidil, etopropazina e oxibutinina.

Os anticolinérgicos são frequentemente utilizados no tratamento dos distúrbios GI e suas complicações, tais como condições espásticas ou hiperativas do trato GI e das vias urinárias, visto que relaxam os músculos e diminuem as secreções GI. Os compostos de amônio quaternário, como a propantelina, constituem os fármacos de escolha para estas condições, pois causam menos reações adversas do que os alcalóides da beladona.

O controle do acesso aos receptores muscarínicos no sistema nervoso central por uma amina terciária (atropina, escopolamina, ciclopentolato e tropicamida) versus grupamento de amônio quaternário (ipatrópio, glicopirrolato, propantelina) é fundamentalmente importante na seleção de agentes antimuscarínicos.

Os medicamentos anticolinérgicos são administrados por injeção antes dos exames de endoscopia ou sigmoidoscopia para relaxar a musculatura lisa do trato GI. Eles ainda são administrados antes de uma cirurgia para: reduzir as secreções orais e gástricas; reduzir as secreções no sistema respiratório; e impedir queda na freqüência

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

6

cardíaca causada por estimulação nervosa vagal durante a anestesia.

Embora os agonistas muscarínicos tipicamente não apresentem seletividade para os receptores muscarínicos, alguns antagonistas muscarínicos são seletivos na sua capacidade de bloquear determinados subtipos de receptores muscarínicos.

Tabela 1.1 - Efeitos dos agentes bloqueadores muscarínicos

Tecido ou sistema Efeitos

Pele Inibição da sudorese; rubor.

Visual Ciclopegia; midríase; aumento da PI.

Gastrintestinal Diminuição da salivação e secreções; redução do tônus e motilidade do TGI.

Urinário Retenção urinária; relaxamento do ureter.

Respiratório Dilatação brônquica e diminuição das secreções.

Cardiovascular Bradicardia em baixas doses; taquicardia em altas doses.

Sistema nervoso central Diminuição concentração, memória; sonolência; sedação.

A atropina e outros antagonistas dos receptores muscarínicos produzem efeitos mínimos sobre a circulação na ausência de agonistas muscarínicos circulantes. Isso porque o endotélio vascular não é inervado pelo parassimpático, mas possui receptores muscarínicos. Não existindo agonistas circulantes, não haverá alteração no estado de relaxamento endotelial. Por sua vez, os fármacos antagonista por si só carecem de atividade intrínseca.

A atropina é uma mistura racêmica de DL-hiosciamina, em que apenas o isômero levorrotatório constitui a forma farmacológica ativa. Ela constitui o fármaco escolhido para tratar a bradicardia sinusal e as arritmias causadas por anestésicos. A acetilcolina liberada das fibras nervosas parassimpáticas ativa os receptores muscarínicos (M2) no nodo SA e AV. A ativação desses receptores inibe a adenilato ciclase, além de aumentar a condutância do canal de K+. Como resultado, o nodo SA é despolarizado com menos freqüência e dispara menos potenciais de ação por unidade de tempo (diminuição da freqüência cardíaca). Quando se administra atropina, o medicamento compete com a acetilcolina pela sua ligação aos receptores colinérgicos presentes nos nodos SA e AV. Bloqueando a ação da acetilcolina, a atropina acelera a frequência cardíaca. Além disso, esse fármaco é usado em quadro de infarto do miocárdio, acompanhado de hiperatividade vagal, com bradicardia e hipotensão.

A atropina e a escopolamina são utilizados como antiespasmódicos, visando o controle de cólicas intestinais, renal e uterina.

Os anticolinérgicos (ciclopentolato e tropicamida) são usados também como ciclopégicos (paralisam os músculos ciliares) e como midriáticos para dilatar as pupilas. A pressão intra-ocular pode aumentar perigosamente em pacientes com glaucoma de ângulo estreito.

Os alacalóides da beladona atuam como antídotos contra drogas colinérgicas e agentes anticolinesterásicos. A atropina é o fármaco escolhido para o tratamento do envenenamento por pesticidas organofosforados. A atropina também neutraliza os efeitos dos agentes bloqueadores neuromusculares.

Os fármacos antagonistas dos receptores muscarínicos (hioscina e escopolamina) bloqueiam a ação da acetilcolina nos receptores muscarínicos localizados na zona do vômito. A hioscina mostra-se eficaz contra náuseas e vômitos de origem labiríntica e contra os vômitos causados por estímulos locais no estômago, porém é ineficaz contra substâncias que atuam diretamente sobre a ZGQ. Ela é o agente mais potente disponível para prevenção da cinetose, embora seja menos útil uma vez instalada a náusea. Sua ação antiemética torna-se máxima 1 - 2 horas após sua ingestão. Pode causar sonolência e ressecamento da boca. A escopolamina (fármaco antagonista muscarínico similar à atropina e que atravessa a barreira hematoencefálica) também é indicada como profilaxia em cinetose cujos estímulos são de curta duração (viagem de 4 a 6 horas), porém provoca alta incidência de efeitos adversos, sendo assim os antagonistas H1 apesar de menos potentes, são agentes de escolha na profilaxia da cinetose. O mecanismo farmacológico consiste no bloqueio dos sítios colinérgicos nos núcleos vestibulares e na formação reticular.

Os antagonistas dos receptores muscarínicos (triexifenidil, benzotropina e difenidramina) são utilizados também no tratamento da doença de Parkinson e no tratamento dos sintomas extrapiramidais causados por medicamentos. Isso pode ser explicado pelo fato de que os receptores muscarínicos da acetilcolina exercem um efeito excitatório, oposto ao da dopamina, sobre os neurônios estriatais, bem como um efeito inibitório pré-sináptico sobre as terminações nervosas dopaminérgicas. Por conseguinte, a supressão desses efeitos compensa, em parte, a falta de dopamina. Esses fármacos diminuem mais o tremor do que a rigidez ou a hipocinesia. Seus efeitos colaterais são boca seca, constipação, retenção urinária e visão turva. Os efeitos indesejáveis são sonolência e confusão.

Além da atropina e da escopolamina, diversos fármacos possuem propriedades antimuscarínicas, incluindo antidepressivos tricíclicos, fenotiazinas e anti-histamínicos. A fisostigmina tem sido utilizada no tratamento da intoxicação aguda por esses agentes.

Os antagonistas da acetilcolina são utilizados principalmente no tratamento da doença de Parkinson em pacientes que recebem agentes antipsicóticos (que são antagonistas da dopamina e que, portanto, anulam o efeito da levodopa).

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

7

Além disso, o brometo de ipratrópio é empregado na profilaxia e tratamento da asma e da bronquite.

Os fármacos antagonistas nicotínicos (D-tubocurarina, pancurônio, vecurônio e mivacúrio) são utilizados para causar bloqueio neuromuscular não despolarizante (bloqueio competitivo com a acetilcolina) durante procedimento cirúrgico – produzem paralisia flácida semelhante à miastenia. Seus efeitos podem ser revertidos pelos inibidores da acetilcolinesterase. O trimetafano pode ser utilizado para produzir bloqueio ganglionar no tratamento da hipertensão em pacientes com dissecação da aorta, pois atenuam os reflexos simpáticos.

7.5.1 - Cuidados especiais com bloqueadores colinérgicos

Como os bloqueadores colinérgicos retardam a passagem dos alimentos e das drogas pelo estômago (por inibirem a motilidade gastrintestinal), estas permanecem em contato prolongado com a mucosa do TGI. Esse efeito eleva a quantidade do fármaco absorvido e, portanto, aumenta o risco de efeitos adversos.

Os agentes bloqueadores muscarínicos são contra-indicados no glaucoma de ângulo fechado. Além disso, é preciso ter cautela em indivíduos com glaucoma de ângulo aberto ainda não tratado, cardiopatia, hipertireoidismo ou hipertrofia prostática. Além disso, esses fármacos não devem ser administrados em pacientes com infecções gastrintestinais, visto que essas drogas diminuem a motilidade gástrica e promovem a retenção dos microrganismos infecciosos no TGI.

O risco da toxicidade da digoxina aumenta quando é administrada juntamente com um bloqueador colinérgico. Isto se dá devido ao aumento da absorção da digoxina no TGI e também ao bloqueio da ação do nervo vago, o que causa um aumento da freqüência cardíaca (taquicardia).

A absorção de comprimidos de nitroglicerina colocados sob a língua é reduzida quando ingeridos com bloqueador colinérgico, devido à inibição das glândulas salivares.

7.5.2- Reações adversas dos anticolinérgicos

Esses fármacos possuem uma margem de segurança (ou janela terapêutica) estreita. As principais reações adversas são boca seca, visão borrada, redução das secreções brônquicas, aumento da freqüência cardíaca e diminuição da sudorese.

8) – Toxicologia Colinérgica

8.1 – Organofosforados

Inseticidas organofosforados têm grande importância toxicológica. As manifestações de intoxicação aguda são explicadas pelos efeitos da acetilcolina em receptores muscarínicos e nicotínicos, centrais e periféricos. Em casos leves e moderados, destacam-se o aumento da secreção e a constrição da musculatura lisa dos tratos respiratórios e gastrintestinal, salivação, miose, dor ocular e dificuldade visual. Nos casos graves, há bradicardia, hipotensão,

micção e defecação involuntárias. Efeitos na placa motora exteriorizam-se inicialmente por fasciculação, seguindo-se paralisia flácida. Manifestações centrais incluem confusão, ataxia, diminuição dos reflexos, convulsões, coma e paralisia do centro respiratório. A morte sobrevém em tempo que varia de 5 minutos a 24 horas. O tratamento da intoxicação é feito com medidas gerais, anticolinérgicos (atropina) e regeneradores da acetilcolinesterase (pralidoxima, IH6). A oxima deve ser administrada antes de ocorrer o “envelhecimento” da acetilcolinesterase, (que é perda de um grupamento alcóxi da enzima fosforilada). A pralidoxima é uma enzima quaternária, por isso não atravessa a barreira hematoencefálica e, portanto, não é útil na reativação das colinesterases no SNC. A atropina pode antagonizar todos os efeitos produzidos em receptores muscarínicos (porque ela não antagonisa os efeitos da ativação dos receptores nicotínicos?). Injetam-se inicialmente 2 a 4 mg, por via intravenosa, seguidos de 2 mg a cada 5 -10 minutos, até o desaparecimento dos efeitos muscarínicos.

8.2 – Toxina botulínica

A toxina botulinica é uma proteína produzida pelo bacilo Clostridium botulinum. Ela bloqueia a liberação de acetilcolina dos terminais pré-sinápticos, ao interferir na ação fisiológica da VAM, da SNAP-25 e da SINTAXINA, que são as proteínas de membranas envolvidas no mecanismo de mobilização e migração das vesículas. A intoxicação botulínica provoca paralisia motora e parassimpática progressiva, com ressecamento da boca, turvação da visão e dificuldade na deglutição, juntamente com paralisia respiratória progressiva. O tratamento com antitoxina só é eficaz quando administrado antes do aparecimento dos sintomas, visto que , quando a toxina está ligada, sua ação não pode ser revertida. A taxa de mortalidade é elevada, e a recuperação leva várias semanas. Os anticolinesterásicos e as drogas que aumentam a liberação de transmissores (tetrametilamônio) são ineficazes na restauração da transmissão. A toxina botulínica, injetada localmente em músculos, é utilizada no tratamento de uma forma de espasmo palpebral persistente e incapacitante (blefarospasmo), bem como em outros tipos de espasmo muscular local, como, por exemplo, na espasticidade.

8.3 – Curare

O curare é uma mistura de alcalóides de ocorrência natural, que são encontrados em diversas plantas da América do Sul, são utilizados como veneno para flechas pelos índios desta região. Ele compete com a acetilcolina pelos receptores da placa motora, em doses máximas produz paralisia dos músculos respiratórios e morte.

8.4 – Beta-bungarotoxina

A beta-bungarotoxina é uma proteína contida na peçonha de várias serpentes da família das cobras; possui ação semelhante à da toxina botulínica.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

8

8.5 - Toxina tetânica

A toxina tetânica (tetanospasmina) tem principalmente ação central, pois é transportada de modo retrógrado ao longo do neurônio motor até o seu corpo na medula espinhal. A partir daí, a toxina migra para os neurônios inibitórios que fazem sinapse com o neurônio motor e bloqueia a exocitose do neurônio inibitório. O bloqueio do neurotransmissores inibitórios (glicina e o GABA) dá origem ao tétano ou paralisia espástica: estado de hipertonia com espamos e contraturas dolorosas. O tratamento é realizado, além da administração de soro antitetânico e gamaglobulina, com a administração de miorrelaxantes potentes, como o curare.

8.6 - Toxina da viúva negra

A toxina do veneno da aranha viúva-negra (alfa-latrotoxina) se liga às neurexinas, proteínas transmembranas existente na membrana da terminação nervosa, o que dá origem a uma exocitose maciça de vesículas sinápticas colinérgicas. Isso causa mialgia, sudorese profusa e agitação psicomotora, dor abdominal, priapismo, hipertensão e taquicardia.

9 - Lista dos principais fármacos colinérgicos e suas aplicações clínicas:

• Toxina botulínica – (degrada a sinaptobrevina, impedindo a fusão da vesícula sináptica com a membrana do neurônio pré-sináptico) estrabismo, torcicolo, acalasia, rugas e blefaroespasmo.

• Anticolinesterásicos:

- neostigmina, edrofônio, fisostigmina, piridostigmina e ambemônio – tratamento da miastenia. - fisostigmina – reverte envenenamento de agente anticolinérgico – penetra no cérebro e medula por ser uma amina terciária. - tacrina, donepezina, rivastigmina e galantamina – tratamento da doença de Alzheimer. * agonistas muscarínicos: - metacolina – utilizada apenas para o diagnóstico da asma; - carbacol – uso tópico para tratamento glaucoma (produz miose – facilita esvaziamento

- betanecol – promove a motilidade do TGI e do trato urinário. - pilocarpina – agente miótico, e tratamento da xerostomia.

• Agonistas nicotínicos: - succinilcolina – utilizada para produzir paralisia em cirurgia devido ao efeito de bloqueio despolarizante.

• Antagonistas muscarínicos: - atropina – utilizada para induzir midríase (exames oftalmológicos); reverter bradicardia sinusal; inibir excesso salivação e de secreção de muco; impedir reflexos vagais induzidos por traumatismo cirúrgicos em órgãos viscerais, e anular envenenamento muscarínico. Possui pouca afinidade pelos receptores nicotínicos. - escopolamina (hioscina) – prevenção e tratamento da cinetose; náusea associada à quimioterapia. - metescopolamina e glicopirrolato – diminuição das secreções orais; tratamento de úlceras pépticas; redução do espasmo do TGI. - brometo de ipatrópio – tratamento da DPOC. Tratamento e profilaxia da asma e bronquite. - oxibutinina, propentalina, terodilina, tolterodilina – tratamento da bexiga hiperativa. Obs: os antimuscarínicos são contra-indicados aos pacientes com glaucoma, hipertrofia prostática e em individuais idosos.

• Antagonistas nicotínicos: São utilizados para causar bloqueio neuromuscular não despolarizante (bloqueio competitivo com a ACh) durante procedimento cirúrgicos – produzem paralisia flácida semelhante à miastenia. Seus efeitos podem ser revertidos pelos inibidores da acetilcolinesterase. - D-tubocurarina - pancurônio - vecurônio - mivacúrio - trimetafan – utilizado para produzir bloqueio ganglionar no tratamento da hipertensão em pacientes com dissecação da aorta, pois atenua os reflexos simpáticos.

Tabela 1.2 - Principais efeitos da ativação dos receptores muscarínicos:

Local Efeito Fisiologia Vasculatura vasodilatação A estimulação dos receptores muscarínicos M3, localizados nos

vasos sanguíneos, ativa o sistema de segundo mensageiro de Ca+ e promove a entrada direta de Ca+ no citosol. O aumento de Ca+ ativa o complexo de Ca+-calmodulina, que estimula a óxido nítrico sintase endotelial, uma enzima que catalisa a formação de NO a partir da l-argenina. O óxido nítrico ativa a guanil ciclase, uma enzima que aumenta a concentração de GMPc. O GMPc ativa a miosina fosfatase, que desfosforila a cadeia leve de miosina, impedindo a formação de pontes cruzadas de actina-miosina, causando o relaxamento do músculo liso vascular. Obs: os agentes bloqueadores ganglionares também provocam vasodilatação, pois inibem a inervação simpática pós-ganglionar que chega aos vasos sanguíneos.

Iris Contração e miose O tamanho da pupila é controlado reciprocamente por dois músculos da Iris: o dilatador da pupila (radial) e o constritor da pupila (esfíncter). O músculo dilatador da pupila é controlado pela inervação simpática através de receptores alfa1. A ativação desses receptores provoca a contração do músculo radial e a dilatação da pupila, ou midríase. O músculo constritor da pupila é controlado pela inervação parassimpática, através de receptores muscarínicos. A ativação desses receptores provoca a contração do músculo esfíncter da pupila, levando à constrição da pupila, ou miose.

Músculo ciliar Acomodação da visão para perto

A contração do músculo ciliar, através da ativação dos receptores muscarínicos, leva o cristalino a um maior grau de “arredondamento” e a um aumento em seu poder de refração.

Glândula salivar Aumento de Secreção rala Os nervos cranianos VII (facial) e IX (glossofaríngeo) liberam aceltilcolina que ativam os receptores muscarínicos nas células acinares e ductais, responsáveis pela formação da saliva. O aumento na formação de IP3 e Ca+ produzem a ação fisiológica de secreção salivar aumentada.

Brônquios Constrição e aumento das secreções

Constrição do músculo liso brônquico.

Coração Bradicardia Dois fatores são responsáveis pela diminuição da contratilidade atrial causada pela estimulação parassimpática, através da ativação dos receptores muscarínicos M2:

1) a acetilcolina diminui a corrente de entrada de Ca+ durante o platô do potencial de ação; e

2) a acetilcolina aumenta a corrente de saída de K+, portanto encurtando a duração do potencial de ação e diminuindo indiretamente a corrente de entrada de cálcio.

Juntos, esses dois efeitos diminuem a quantidade de Ca+ que penetra nas células atriais durante o potencial de ação, diminuindo o cálcio disparador e diminuindo a quantidade de Ca+ liberado do retículo sarcoplasmático.

TGI Aumento do tônus, das secreções e relaxamento dos esfíncteres.

Aumento do tônus: a ativação dos receptores muscarínicos aumenta a freqüência e a força das contrações gástricas, da mesma forma que aumenta a contração do músculo liso intestinal. Aumento das secreções: quando a acetilcolina liberada pelo nervo vago se liga aos receptores muscarínicos M1 das células parietais do estômago, ativa-se a fosfolipase C. Esta enzima libera DAG e IP3 dos fosfolipídeos de membrana e, a seguir, o IP3 libera cálcio dos estoques intracelulares. O Ca+ e o DAG ativam proteína-cinases que produzem a ação fisiológica final: a secreção de H+ pelas células parietais para formação de HCl. Além disso, a inervação parassimpática também estimula a secreção pancreática.

Bexiga Aumento da atividade – micção. O nervo sacral número 3 libera acetilcolina que ativa os receptores muscarínicos localizados na bexiga, causando a contração do músculo detrusor (contração da bexiga) e relaxamento do esfíncter interno.

Trato reprodutor Ereção A estimulação parassimpática resulta na liberação de óxido nítrico, que provoca o relaxamento do músculo liso trabecular dos corpos cavernosos. O óxido nítrico ativa a guanil ciclase, uma enzima que aumenta a concentração de GMPc, que provoca o relaxamento do músculo liso. Esse relaxamento possibilita o influxo de sangue para o interior dos seios dos corpos cavernosos sob pressões que se aproximam das pressões do sistema arterial.

A ejaculação e o relaxamento peniano possuem inervação simpática. Útero Variável Dor Modulação - Diminuição da

dor. Acredita-se que a acetilcolina liberada pelos neurônios colinérgicos liga-se aos receptores muscarínicos localizados em neurônios sensitivos secundários em via sensitivas aferentes (medula espinhal), resultando em supressão do disparo de potenciais de ação nessas células e, consequentemente, em analgesia.

* O bloqueio dos receptores muscarínicos produz ações inversas as acima citadas.

Referências Bibliográficas 1) RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2) KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3) CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4) GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5) FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6) GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7) CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8) PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

2) medicamentos que atuam no sistema nervoso autônomo - adrenérgicos

Síntese, armazenamento, liberação e metabolismo da noradrenalina

A noradrenalina é sintetizada através da conversão da L-tirosina em DOPA pela tirosina hidroxilase nos neurônios catecolaminérgicos. Por sua vez, a DOPA é convertida em dopamina pela descarboxilase. Em seguida, a dopamina é convertida em noradrenalina pela dopamina-beta-hidroxilase, localizada nas vesículas sinápticas. Na medula supra-renal, a noradrenalina é convertida em adrenalina pela feniletanolamina-N-metil transferase.

A noradrenalina é armazenada em vesículas sinápticas, juntamente com ATP e cromogranina, e seu transporte para o interior das vesículas é realizado por transportador (VMAT – transportador de monoamina vesicular) que pode ser bloqueado pela reserpina. Atualmente a reserpina não possui utilidade clínica devido ao seu efeito irreversível sobre o VMAT e de sua associação com depressão psicótica.

A liberação do neurotransmissor ocorre normalmente por exocitose mediada por Ca2+ (geração de um potencial de ação – despolarização da membrana – abertura dos canais de cálcio – entrada de cálcio – fusão da vesícula e descarga por exocitose), e é controlada pela retroalimentação auto-inibitória, mediada pelos receptores alfa-2. Essa liberação de catecolaminas é iniciada por sinais que se originam em um conjunto de áreas de processamento no SNC, particularmente no sistema límbico. Esses neurônios do SNC projetam axônios que fazem sinapse em neurônios pré-ganglionares simpáticos nas colunas intermédio-laterais da medula espinhal. Os axônios pré-ganglionares projetam-se para os gânglios simpáticos, onde liberam acetilcolina. Esse neurotransmissor inicia potenciais pós-sinápticos excitatórios nos neurônios pós-ganglionares, ativando os receptores nicotínicos de acetilcolina. Os axônios pós-ganglionares simpáticos formam varicosidades ou sinapses nos órgãos-alvos ou sobre eles. A chegada de um potencial de ação nessas terminações abre os canais de Ca+ regulados por voltagem, e o consequente influxo de cálcio deflagra o processo de exocitose das vesículas sinápticas contendo catecolaminas. A noradrenalina sofre rápida difusão da varicosidade pré-sináptica e regula localmente as respostas teciduais através da ativação dos receptores adrenérgicos pós-sinápticos.

A noradrenalina modula numerosas funções vitais, incluindo a frequência e a força da contração cardíaca, a resistência dos vasos sanguíneos e bronquíolos, a liberação de insulina e a degradação da gordura.

A ação desse neurotransmissor é interrompida principalmente por recaptação pelas terminações nervosas, através do transportador de noradrenalina (NET). Essa captação é bloqueada por antidepressivos tricíclicos, pela fenoxbenzamina, cocaína e anfetaminas. Além disso, as catecolaminas (noradrenalina, dopamina e serotonina) são metabolizadas pelas enzimas MAO e pela COMT.

Receptores adrenérgicos

A principal classificação farmacológica divide os receptores adrenérgicos em alfa e beta. Por sua vez, existem os subtipos alfa-1 e alfa-2, beta1, beta2 e beta3, todos pertencentes à super-família dos receptores acoplados à proteína G.

Os receptores alfa-1 ativam a fosfolipase C, produzindo assim, IP3 e DAG como segundos mensageiros; os receptores alfa-2 inibem a adenilato ciclase e, portanto, diminuem a formação de AMPc; todos os tipos de receptores beta estimulam a adenilato ciclase.

Os principais efeitos da ativação dos receptores adrenérgicos estão relacionados na tabela 1.1, em anexo.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Efeitos dos fármacos simpaticomiméticos sobre sistemas e órgãos

a) vasos sanguíneos: O tônus do músculo liso vascular é regulado por receptores adrenérgicos. Os receptores alfa aumentam a resistência arterial, enquanto os receptores beta-2 promovem o relaxamento do músculo liso. Os vasos cutâneos apresentam receptores alfa e sofrem contração na presença de adrenalina e noradrenalina. Os vasos no músculo esquelético podem contrair-se ou dilatar-se, dependendo da ativação dos receptores alfa ou beta. Portanto, os efeitos globais de um agente simpaticomimético sobre os vasos sanguíneos dependem das atividades relativas das drogas nos receptores alfa e beta.

b) coração: os efeitos diretos sobre o coração são determinados, em grande parte, pelos receptores beta-1, embora estejam envolvidos os receptores beta-2 e, em menor grau, os receptores alfa. A ativação dos receptores beta resulta em aumento do influxo de cálcio nas células cardíacas, com consequências tanto elétricas quanto mecânicas: aumento da frequência e força de contração cardíacas.

c) pressão arterial: os efeitos das drogas simpaticomiméticas sobre a pressão arterial podem ser explicados com base nos seus efeitos sobre o coração, a resistência vascular periférica e o retorno venoso. Um agonista alfa puro (fenilefrina) aumenta a resistência arterial periférica e diminui a capacitância venosa, além de poder exercer uma ação inotrópica positiva moderada. Por outro lado, a resposta da pressão arterial a um agonista puro dos receptores beta aumenta o débito cardíaco (ativação dos receptores beta-1), além de reduzir a resistência periférica ao ativar os receptores beta-2, produzindo vasodilatação em certos leitos vasculares. O efeito final consiste em manter ou elevar levemente a pressão sistólica, permitindo, ao mesmo tempo, uma queda da pressão diastólica.

d) olho: a ativação dos receptores alfa do músculo dilatador da pupila da íris (fenilefrina) provoca midríase. Os estimulantes alfa e beta adrenérgicos exercem efeitos importantes sobre a pressão intra-ocular. Os agonistas alfa aumentam o efluxo de humor aquoso do olho, enquanto os antagonistas beta diminuem a produção de humor aquoso. Essas classes de fármacos são usadas no tratamento do glaucoma (brimonidina + timolol).

e) trato respiratório: o músculo liso brônquico contém receptores beta-2 que causam relaxamento. A ativação desses receptores resulta em broncodilatação. Os vasos sanguíneos da mucosa das vias respiratórias superiores contêm receptores alfa. A ação dos descongestionantes dos receptores adrenérgicos é clinicamente útil.

f) trato gastrintestinal: é possível produzir relaxamento do músculo liso gastrintestinal com agentes alfa e beta estimulantes. Os receptores beta, que parecem estar localizados diretamente nas células musculares lisas, medeiam o relaxamento através de hiperpolarização e diminuição da atividade em espícula nessas células. Os agonistas alfa-2 diminuem a atividade muscular indiretamente através da redução pré-sináptica da liberação de acteilcolina e de outros estimulantes do sistema nervoso entérico.

g) trato geniturinário: o útero humano possui receptores alfa e beta-2. a ativação dos receptores beta-2 do útero produz relaxamento. A ativação dos receptores alfa da bexiga, uretra e próstata promovem a continência urinária.

h) glândulas exócrinas: as glândulas salivares contêm receptores adrenérgicos, e sua ativação causa redução da produção da saliva (boca seca). Por outro lado, as glândulas sudoríparas que se localizam na palma das mãos são estimuladas pelos simpaticomiméticos. Essas glândulas estão associadas ao estresse psicológico.

e) efeitos metabólicos: a ativação dos receptores beta adrenérgicos nas células adiposas resulta em aumento da lipólise, com liberação aumentada de ácidos graxos livres e glicerol no sangue. Por outro lado, a ativação dos receptores alfa-2 dos lipócitos inibe a lipólise. Os receptores alfa e beta adrenérgicos expressos nas ilhotas pancreáticas tendem a aumentar e a diminuir a secreção de insulina, respectivamente, embora o principal regulador da liberação de insulina seja a concentração plasmática de glicose.

h) função endócrina e leucocitose: a secreção de renina é estimulada pelos receptores beta-1 e inibida pelos receptores alfa-2. a adrenalina e agentes relacionados em altas concentrações causam leucocitose, em parte, ao promover a desmarginação dos leucócitos sequestrados da circulação geral.

i) efeitos sobre o sistema nervoso central: a ação dos agentes simpaticomiméticos sobre o sistema nervoso central varia acentuadamente, dependendo de sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica. As catecolaminas são quase totalmente excluídas por essa barreira. Por outro lado, as não catecolaminas de ação indireta, como as anfetaminas, que penetram facilmente no SNC a partir da circulação, produzem desde leve estado de alerta, elevação do humor, insônia, euforia, anorexia e até um comportamento psicótico. Esses efeitos não são facilmente atribuídos a ações mediadas pelos receptores alfa e beta e podem representar uma intensificação dos processos mediados pela dopamina ou outros efeitos dessas drogas no sistema nervoso central.

1) Medicamentos adrenérgicos:

Os medicamentos adrenérgicos são também denominados simpaticomiméticos em virtude de sua capacidade de produzir efeitos semelhantes aos produzidos pelo sistema nervoso simpático.

A capacidade dos agonistas dos receptores adrenérgicos de iniciar uma sinalização distal é proporcional ao número de receptores ativados. Por conseguinte, a ocorrência de mudanças na densidade dos receptores existentes sobre a superfície celular irá alterar a eficácia aparente de um agonista. Assim, as alterações tanto em curto prazo (dessensibilização) quanto em longo prazo (infra-regulação) no número de receptores adrenérgicos funcionais são importantes na regulação da resposta do tecido. Quando um agonista ativa o receptor adrenérgico, a dissociação das proteínas G heterotriméricas leva a uma sinalização distal, bem como a um mecanismo de retroalimentação negativa que limita as respostas dos tecidos. O

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

acúmulo das subunidades BY na membrana recruta uma cinase do receptor acoplado à proteína G (GRK), que fosforila o receptor nos resíduos da extremidade C-terminal, que atuam como importantes alvos de proteínas inativadoras (dessensibilização). Alternativamente, a proteinocinase A e a proteinocinase C podem fosforilar as proteínas G. o estado fosforilado de uma proteína G pode ligar-se a outra proteína denominada B-arrestina, que inibe estericamente a interação receptpr-proteína G, silenciando efetivamente a sinalização do receptor. Em uma escala temporal maior, o complexo receptor-b-arrestina é seuqestrado, através de um mecanismo dpendente de clatrina, em um compartimento endocítico para internalização, um processo denominado infra-regulação. Cada um desses processos é importante na regulação da responsividade do tecido em curto ou em longo prazo.

Os simpaticomiméticos ditos indiretos promovem a liberação do neurotransmissor para a fenda sináptica, por deslocá-lo de vesículas de armazenamento. Já os diretos acoplam-se a receptores simpáticos pós-sinápticos. Os medicamentos adrenérgicos produzem seus esfeitos ao estimular os receptores alfa e/ou beta adrenérgicos. Eles são classificados em dois grupos segundo as suas estruturas químicas: as catecolaminas e as não-catecolaminas.

a) Catecolaminas: são os simpaticomiméticos com núcleo catecólico (o-diidroxibenzeno). As catecolaminas mais comuns são a dobutamina, dopamina, adrenalina, noradrenalina, cloridrato e sulfato de isoproterenol.

As catecolaminas não podem ser administradas por via oral, visto que são destruídas pelas enzimas digestivas, por outro lado, são absorvidas rapidamente quando administradas por via sublingual. A absorção por via SC é lenta, pois esses fármacos provocam constrição dos vasos sanguíneos ao redor do local de aplicação. A absorção IM é mais rápida devido a menor constrição dos vasos sanguíneos locais.

A adrenalina em baixas concentrações possui efeitos predominantemente beta-adrenérgicos, ao passo que, em altas concentrações, predominam os efeitos alfa. É um vasoconstritor e estimulante cardíaco muito potente. Promove a elevação da pressão arterial sistólica devido suas ações inotrópica e cronotrópica positivas (ativação dos receptores beta-1) e pela vasoconstrição induzida em muitos leitos vasculares (ativação receptores alfa). A adrenalina também ativa os receptores beta-2 existentes em alguns vasos (vasos sanguíneos do músculo esquelético), resultando em sua dilatação. Por conseguinte, a resistência periférica total pode diminuir, explicando a queda da presão diastólica após injeção de adrenalina. A ativação dos receptores beta-2 relaxa a musculatura lisa brônquica, aumenta as concentrações de glicose e de ácidos graxos livres no sangue.

A adrenalina é utilizada no tratamento da crise asmática aguda e anafilaxia. Aplicada localmente em altas doses provoca vasoconstrição e prolonga a ação dos anestésicos locais. Ela possui rápido início e breve duração de ação, sendo ineficaz por via oral. O aumento da excitabilidade cardíaca induzido pela adrenalina pode levar a arritmias cardíacas, e a acentuada elevação da pressão arterial pode provocar hemorragia cerebral.

A noradrenalina e a adrenalina apresentam efeitos semelhantes sobre os receptores beta-1 do coração, com potência também semelhante nos receptores alfa. A noradrenalina tem pouco efeito sobre os receptores beta-2. Por conseguinte, a noradrenalina aumenta a resistência periférica e a pressão arterial tanto sistólica quanto diastólica.

A noradrenalina também aumenta a freqüência cardíaca, porém esse efeito é tipicamente superado pela atividade vagal reflexa em resposta à elevação da pressão arterial. Ela é utilizada com frequência no tratamento de emergência do choque distributivo (caracterizado pela queda do tônus vasomotor por vasodilatação e hipovolemia relativa – comum acontecer em choque séptico, depressão do SNC, traumatismos graves, etc).

O isoproterenol é um agonista muito potente dos receptores beta, que exerce pouco efeito sobre os receptores alfa. A droga possui ações cronotrópica e inotrópica positivas. O isoproterenol é um potente vasodilatador, pois atua exclusivamente sobre os receptores betas.

A dopamina, precursor metabólico imediato da noradrenalina, ativa os receptores D1 em vários leitos vasculares, resultando em vasodilatação. O fenoldopam também é um agonista dos receptores D1, sendo indicada sua administração intravenosa para o tratamento da hipertensão grave. A dopamina é administrada em baixas doses para melhorar o fluxo sanguíneo dos rins, uma vez que faz dilatar os vasos sanguíneos renais. Neste caso, os receptores dopaminérgicos D1 ativam a adenilil ciclase nas células musculares lisas vasculares, resultando em aumento dos níveis de AMPc e em vasodilatação. Em concentrações suprafisiológicas, a dopamina também pode atuar como agonista nos receptores alfa-1(vasoconstrição) e beta-1 (inotropismo positivo). Em face disso, a dopamina é utilizada no tratamento do choque, particularmente nos estados de choque causados por baixo débito cardíaco e acompanhados de comprometimento da função renal, resultando em oligúria (volume da urina excretada menor que o necessário para eliminação de catabólitos). Apesar de a dopamina ser um neurotransmissor proeminente do SNC, a sua administração sistêmica tem poucos efeitos sobre o SNC, visto que ela não atravessa facilmente a barreira hematoencefálica.

As catecolaminas que estimulam os receptores alfa são utilizadas no tratamento da hipotensão. As catecolaminas que estimulam os receptores B1 são utilizadas no tratamento da bradicardia, do bloqueio cardíaco e no tratamento da taquicardia nodal ou atrial paroxística noturna (surto de frequência cardíaca rápida).

As drogas B1 adrenérgicas (isoproterenol e adrenalina) também são usadas no tratamento da fibrilação ventricular, na assistolia e na parada cardíaca. Já as drogas que possuem atividade B2 (isoproterenol e dobutamina) são utilizadas no tratamento da asma brônquica, enfisema, bronquite e nas reações de hipersensibilidade aguda às drogas.

As reações adversas às catecolaminas podem incluir: inquietação, ansiedade tonteira, cefaléia, palpitações, arritmias

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

cardíacas, hipotensão, hipertensão, AVC, angina e aumento da glicemia.

b) Não-catecolaminas: Os principais representantes são: mefentermina, metaraminol, metoxamina, fenilefrina, albuterol, salbutamol, efedrina, terbutalina e metaproterenol.

A fenilefrina é um agonista alfa relativamente puro. Como não se trata de um derivado catecólico, a fenilefrina não é inativada pela COMT e apresenta duração de ação muito mais prolongada que as catecolaminas. Trata-se de um midriático e descongestionante eficaz, que pode ser utilizado para elevar a pressão arterial.

A efedrina é encontrada em várias plantas e vem sendo utilizada na China há mais de 2.000 anos. Como se trata de uma fenilpropanolamina não-catecólica, a efedrina possui alta biodisponibilidade e duração de ação relativamente longa. Devido a seu acesso ao SNC, atua como estimulante leve. A pseudo-efedrina, um dos quatro enantiômeros da efedrina, é disponível sem prescrição médica como componente de muitas misturas descongestionantes.

O metaraminol provoca vasoconstrição e é utilizado no tratamento da hipotensão em casos de choque grave (ativação dos receptores alfa-1). A ritodrina e a terbutalina são administradas para interromper o trabalho de parto pré-termo (ativação dos receptores beta-2).

O salbutamol, salmeterol, ritodrina e a terbutalina são agonistas seletivos dos receptores beta-2 adrenérgicos, isentos, nas doses usuais, de efeitos estimulantes cardíacos. Por efeito de relaxamento das musculaturas brônquica e uterina, são utilizados clinicamente para alívio da crise de asma, e administrados intravenosamente no trabalho de parto prematuro. Com aumento da dose ocorrem efeitos beta-1, e a taquicardia, tremores e nervosismo são os principais efeitos adversos.

Os medicamentos adrenérgicos não catecolaminas são utilizados para:

- produzir a contração local ou sistêmica dos vasos sanguíneos (mefentermina, metaraminol, metoxamina e fenilefrina) (receptores alfa-1);

- descongestão nasal e ocular, e dilatação dos bronquíolos (salbutamol, efedrina, isoetarina, metaproterenol e terbutalina) (receptores beta-2);

- relaxamento do músculo liso (ritodrina e terbutalina) (receptores alfa-2 e beta-2).

É importante lembrar que os agonistas alfa-2 adrenérgicos seletivos têm importante capacidade de reduzir a pressão arterial através de ações no sistema nervoso central, embora sua aplicação local direta a um vaso sanguíneo possa causar constrição. Como exemplo desses fármacos pode-se citar a clonidina, a metildopa, a guanfacina e o guanabenz.

Os agentes alcalizantes da urina, como a acetazolamida e o bicarbonato de sódio, retardam a excreção dos medicamentos não-catecolaminas, prolongando sua ação.

As reações adversas às não-catecolaminas são: cefaléia, inquietação, ansiedade, irritação, tremor, sonolência, insônia, aturdimento, convulsão, hipertensão, hipotensão, bradicardia, taquicardia, parada cardíaca, etc.

2) Medicamentos bloqueadores adrenérgicos:

Esses fármacos atuam ao bloquear a transmissão dos impulsos nos neurônios adrenérgicos ou nos receptores adrenérgicos.

De acordo com seu local de ação, os medicamentos bloqueadores são classificados em:

- bloqueadores alfa-adrenérgicos; e

- bloqueadores beta-adrenérgicos.

Efeitos dos antagonistas alfa-adrenérgicos

Como o tônus das arteríolas e das veias é determinado, em grande parte, pelos receptores alfa no músculo liso vascular, as drogas antagonistas dos receptores alfa produzem redução da resistência vascular periférica e da pressão arterial. Os antagonistas dos receptores alfa podem causar hipotensão postural e taquicardia reflexa. A hipotensão postural é devida ao antagonismo da estimulação dos receptores alfa-1 pelo sistema nervoso simpático no músculo liso venoso. A taquicardia pode ser mais pronunciada com agentes que bloqueiam os receptores alfa-2 pré-sinápticos no coração.

Os efeitos de menor importância que indicam bloqueio dos receptores alfa em outros tecidos incluem miose e congestão nasal. O bloqueio dos receptores alfa-1 da base da bexiga e da próstata está associado a uma redução da resistência ao fluxo de urina.

Fármacos antagonistas alfa-adrenérgicos

Os principais fármacos antagonistas alfa-adrenérgicos são a fentolamina, a tolazozina, a fenoxbenzamina, prazosina, terazosina e doxazosina.

A fentolamina, derivado imidazólico, é um potente antagonista competitivo no nível dos receptores tanto alfa-1, quanto alfa-2. A fentolamina produz redução da resistência periférica através do bloqueio dos receptores alfa-1 e, possivelmente, dos receptores alfa-2 no músculo liso vascular. A estimulação cardíaca induzida pela fentolamina é devida à ativação da estimulação simpática do coração em resposta a mecanismos barorreflexos. O antagonismo dos receptores alfa-2 pré-sinápticos pode provocar aumento da liberação de noradrenalina dos nervos simpáticos (inibição da retroalimentação).

Os principais efeitos adversos da fentolamina estão relacionados à estimulação cardíaca, que pode causar taquicardia intensa, arritmias e isquemia do miocárdio, particularmente após administração intravenosa.

Este fármaco tem sido utilizado no tratamento do feocromocitoma (intra-operatório) bem como da disfunção

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

erétil masculina através de injeção intra-cavernosa e administração oral.

A fenoxibenzamina liga-se de forma covalente ao receptor alfa, causando bloqueio irreversível de longa duração. A droga também inibe a recaptação da noradrenalina liberada pelas terminações nervosas adrenérgicas pré-sinápticas. A fenoxibenzamina bloqueia os receptores histamínicos H1, de acetilcolina e de serotonina, bem como os receptores alfa. O aspecto mais importante do seu uso consiste na capacidade da fenoxibenzamina de atenuar a vasoconstrição induzida pelas catecolaminas. O seu principal uso é encontrado no tratamento do feocromocitoma. Os efeitos adversos mais comuns do seu uso são a hipotensão postural, taquicardia, fadiga, sedação e náusea.

A prazosina é eficaz no tratamento da hipertensão. É altamente seletiva para os receptores alfa-1. Isso pode explicar a ausência relativa de taquicardia observada com o uso da prazosina, em comparação com a relatada com a fentolamina e a fenoxibenzamina. A prazosina provoca relaxamento do músculo liso tanto arterial quanto venoso, devido ao bloqueio dos receptores alfa-1.

A terazosina é outro antagonista alfa-1 seletivo e reversível que se mostra eficaz na hipertensão. Foi também aprovada para uso em homens com sintomas urinários causados por hiperplasia prostática benigna (HPB).

A doxazosina mostra-se eficaz no tratamento da hipertensão e da HPB. Difere da prazosina e da terazosina, pela sua meia-vida mais prolongada, cerca de 22 horas.

As drogas antagonistas alfa-adrenérgicas são utilizadas no tratamento do feocromocitoma (fenoxibenzamina e fentolamina), e no tratamento da hipertensão crônica. A fentolamina tem sido utilizada para reverter a vasoconstrição local intensa causada por infiltração inadvertida de agonista alfa no tecido subcutâneo durante a administração intravenosa. O antagonista alfa é administrado por infiltração local no tecido isquêmico. Diversos estudos demonstraram a eficácia de vários antagonistas dos receptores alfa-1 em pacientes com HPB. Os antagonistas alfa-2 têm relativamente pouca utilidade clínica.

Efeitos dos antagonistas beta-adrenérgicos

Os efeitos dessas drogas são devidos, em sua maior parte, à ocupação e ao bloqueio dos receptores beta. Entretanto, algumas ações podem resultar de outros efeitos, incluindo atividade de agonista parcial nos receptores beta e ação anestésica local, que diferem entre os beta-bloqueadores. Os principais fármacos bloqueadores beta adrenérgicos são o propranolol, o metropolol, atenolol, nadolol, labetalol, carvedilol, esmolol e o timolol.

a) efeitos sobre o sistema cardiovascular:

Os fármacos beta-bloqueadores, quando administrados de forma crônica, reduzem a pressão arterial em pacientes com hipertensão. Os mecanismos envolvidos podem incluir efeitos sobre o coração e os vasos sanguíneos, supressão do sistema renina-angiotensina e, talvez, efeitos sobre o sistema nervoso central. Em contraste, essas drogas, quando administradas em

doses convencionais, geralmente não causam hipotensão em indivíduos sadios com pressão arterial normal.

Os antagonistas dos receptores beta execem efeitos proeminentes sobre o coração. Os efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos são previsíveis, com base no papel desempenhado pelos receptores adrenérgicos na regulação dessas funções. No sistema vascular, o bloqueio dos receptores beta opõe-se à vasodilatação mediada por beta-2. As drogas beta-bloqueadoras antagonizam a liberação da renina induzida pelo sistema nervoso simpático. De qualquer modo, enquanto os efeitos agudos dessas drogas podem incluir um aumento da resistência periférica, a sua administração crônica resulta em queda da resistência periférica em pacientes com hipertensão.

b) efeitos sobre o trato respiratório:

O bloqueio dos receptores beta-2 no músculo liso brônquico pode determinar um aumento da resistência das vias aéreas, particularmente em pacientes com asma. Os antagonistas dos receptores beta-1, como o metoprolol ou o atenolol, podem ter alguma vantagem sobre os antagonistas beta não-seletivos quando se deseja um bloqueio dos receptores beta-1 no coração, enquanto o bloqueio dos receptores beta-2 não é desejável.

c) efeitos sobre o olho:

Vários agentes beta-bloqueadores reduzem a pressão intra-ocular, particularmente em olhos com glaucoma. Em geral, o mecanismo relatado consiste em diminuição da produção de humor aquoso.

d) efeitos metabólicos e endrócrinos:

Os antagonistas beta, como o propranolol, inibem a estimulação da lipólise pelo sistema nervoso simpático. A glicogenólise no fígado humano seja, pelo menos parcialmente, inibida após bloqueio dos receptores beta-2. Os antagonistas beta adrenérgicos devem ser usados com muita cautela em pacientes diabéticos insulino-dependentes, visto que as catecolaminas podem constituir os principais fatores na estimulação da liberação da glicose pelo fígado, em resposta à hipoglicemia. Os antagonistas beta-adrenérgicos são muito mais seguros em pacientes com diabete tipo 2 que não apresentam episódios de hipoglicemia.

O uso crônico de antagonistas dos receptores beta-adrenérgicos tem sido associado a um aumento das concentrações plasmáticas de colesterol das VLDL e uma redução das concentrações de colesterol da HDL. Ambas as alterações são potencialmente desfavoráveis em termo de risco de doença cardiovascular.

A ação anestésica local, também conhecida como ação “estabilizadora das membranas”, constitui um efeito proeminente de vários beta-bloqueadores. Explicar esta merda...

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

6

Fármacos antagonistas beta-adrenérgicos

O propranolol é o protótipo das drogas beta-bloqueadoras. Sua biodisponibilidade é baixa e dose-dependente, em virtude do extenso metabolismo de primeira passagem no fígado.

O metropolol e o atenolol são membros do grupo beta-1 seletivo. Esses fármacos podem ser mais seguros para pacientes que apresentam broncoconstrição em resposta ao propranolol. Como a sua seletividade beta-1 é bastante limitada, esses fármacos devem ser utilizados com muita cautela, ou até mesmo ser evitados em pacientes com história de asma. Os antagonistas beta-1 seletivos podem ser preferíveis em pacientes com diabete ou com doença vascular periférica, quando há necessidade de terapia com beta-bloqueador, visto que os receptores beta-2 são provavelmente importantes no fígado (recuperação da hipoglicemia) e nos vasos sanguíneos (vasodilatação).

O nadolol é notável pela sua duração de ação muito longa. Seu espectro de ação se assemelha ao do timolol. O timolol é um fármaco não-seletivo desprovido de atividade anestésica local. Possui excelentes efeitos hipotensores oculares quando administrado topicamente no olho. Por outro lado, o esmolol é um antagonista dos receptores adrenérgicos beta-1 seletivos de ação ultra-curta. O esmolol é potencialmente muito mais seguro do que os antagonistas de ação mais longa para pacientes criticamente enfermos que necessitam de antagonista dos receptores beta-adrenérgicos. O esmolol pode ser útil no controle das arritmias supraventriculares, das arritmias associadas à tireotoxicose, da hipertensão peri-operatória e da isquemia do miocárdio em pacientes agudamente doentes.

O carvedilol é um antagonista não-seletivo dos receptores beta que tem alguma capacidade de bloquear os receptores alfa-1 adrenérgicos. Esse fármaco antagonisa as ações das catecolaminas com mais potência nos receptores beta do que nos receptores alfa.

As drogas antagonistas beta-adrenérgicas são utilizadas no tratamento da hipertensão, geralmente em associação com um diurético. Os bloqueadores beta-adrenérgicos reduzem a freqüência dos episódios de angina e melhoram a tolerância ao exercício em muitos pacientes com angina. Essas ações estão relacionadas ao bloqueio dos receptores beta cardíacos, resultando em diminuição do trabalho cardíaco e da demanda de oxigênio. A redução da freqüência cardíaca e a sua regularização podem contribuir para os benefícios clínicos

observados. Essa classe de fármacos também se mostra eficaz no tratamento das arritmias ventriculares e supra-ventriculares.

Verificou-se que a administração de beta-bloqueadores reduz a pressão intra-ocular em pacientes com glaucoma. O mecanismo parece envolver uma diminuição da produção de humor aquoso pelo corpo ciliar, que é fisiologicamente ativada pelo AMPc. O timolol mostra-se apropriado para uso local no olho, visto que carece de propriedade anestésica local.

Vários estudos demonstram um efeito benéfico do propranolol na redução da freqüência e da intensidade da enxaqueca.

A cafeína é um antagonista competitivo dos receptores de adenosina no SNC. Esses receptores, que estão localizados em neurônios noradrenérgicos pré-sinápticos, quando ativados pela adenosina, atuam para inibir a liberação da noradrenalina em sinápses no SNC. O antagonismo desses receptores de adenosina pela cafeína faz com que a liberação de noradrenalina não seja inibida, produzindo os efeitos estimulantes característicos da droga.

Inibidores da síntese de catecolaminas

os inibidores da síntese de catecolaminas possuem utilidade clínica limitada, visto que esses agentes inibem de modo inespecífico a formação de todas as catecolaminas. A alfa-metiltirosina é um análogo estrutural da tirosina que é transmportado nas terminações nervosas, onde inibe a tiroxina hidroxilase, a primeira enzima na via de biossíntese das catecolaminas. Esse agente é utilizado em certas ocasiões no tratamento da hipertensão associada ao feocromocitoma.

A tiramina é uma amina, presente na dieta, normalmente metabolizada no trato gastrintestinal e no fígado pela MAO. Em pacientes que fazem uso de inibidores da MAO (IMAO), a tiramina é absorvida no intestino, transportada pelo sangue e captada por neurônios simpáticos, onde é transportada até as vesículas sinápticas pelo VMAT. Através desse mecanismo, um estímulo agudo com grandes quantidades de tiramina (como a ingestão de queijo envelhecido e vinhos)

Pode provocar deslocamento agudo da noradrenalina vesicular e liberação não-vesicular maciça de noradrenalina das terminações nervosas, através da reversão do NET.

Tabela 1.1 - Efeitos da ativação dos receptores alfa-1 adrenérgicos: 1) Agonista se liga ao receptor α1, 2) mudança conformacional proteína Gq– substituição de GDP por GTP e liberação da subunidade αq – 3) ativação da fosfolipase C que catalisa a liberação de IP3 e DAG a partir do PIP2 – 4) IP3 provoca liberação de Ca+ dos retículos endoplasmáticos – 5) o Ca+ liberado e o DAG ativam a proteína cinase C que fosforila proteínas – 6) as PTN fosforiladas produzem ações fisiológicas finais.

Local Efeito fisiológico Mecanismo

Músculo liso vascular

Contração Estimulação dos receptores alfa-1 aumenta a concentração de Ca+ intracelular devido a geração de IP3, ativação da calmodulina, fosforilação da cadeia leve de miosina, interação de actina e miosina é aumentada provocando a contração muscular.

Músculo liso intestinal

Músculo liso genitourinário

Coração Aumento do inotropoismo e excitabilidade.

Fígado Glicogenólise e gliconeogênese.

Efeitos da ativação dos receptores alfa-2 adrenérgicos: 1) O agonista se liga ao receptor α2 – 2) mudança conformacional da proteína Gi– substituição de GDP por GTP e liberação da subunidade αi – 3) a subunidade αi se une e inibe a adenilato ciclase causando uma diminuição dos níveis de AMPC. Além disso, os rcpts α2 ativam os canais de K+ e inibem os canais de Ca+ controlados pela proteína G (subunidades By da ptn Gi) levando à hiperpolarização da membrana celular - produção da ação fisiológica final (relaxamento, diminuição das atividades).

Local Efeito fisiológico Mecanismo

Terminações pré-sinápticas

Inibição da transmissão sináptica.

Atuam como auto-receptores para mediar a inibição da transmissão sináptica por retroalimentação.

Células beta do pâncreas

Inibição da liberação de insulina

Plaquetas Inibição da agregação plaquetária

SNC Diminuição da descarga simpática na periferia

Diminuição da liberação de noradrenalina nas terminações simpáticas, causando diminuição da contração do músculo liso vascular - diminuição da pressão arterial.

Efeitos da ativação dos receptores beta-1 adrenérgicos: 1) Agonista se liga ao receptor β1 , 2) mudança conformacional proteína Gs– substituição de GDP por GTP e liberação da subunidade αs – 3) ativação da adenilato ciclase que catalisa conversão de ATP em AMPC – 4) o AMPC ativa as proteínas cinases. Estas por sua vez fosforilam proteínas, incluindo canais iônicos, produzindo ações fisiológicas finais.

Local Efeito fisiológico Mecanismo

Coração Aumeto do cronotropismo e inotropismo = aumento do débito cardíaco.

O efeito inotrópico é mediado pela fosforilação dos canais de Ca+, incluindo os canais de cálcio no sarcolema. O aumento do cronotropismo resulta de um aumento mediado pelos receptores beta-1 na taxa de despolarização da fase 4 das células marca-passo do nodo sinoatrial.

Coração Aumento da velocidade de condução AV.

O aumento da entrada de cálcio estimulado pelos receptores beta-1 aumenta a taxa de despolarização das células do nodo atrioventricular.

Células justaglomerulares renais

Secreção de renina.

Efeitos da ativação dos receptores beta-2 adrenérgicos: 1) Agonista se liga ao receptor β1 , 2) mudança conformacional proteína Gs– substituição de GDP por GTP e liberação da subunidade αs – 3) ativação da adenilato ciclase que catalisa conversão de ATP em AMPC – 4) o AMPC ativa as proteínas cinases. Estas por sua vez fosforilam proteínas, incluindo canais iônicos, produzindo ações fisiológicas finais.

Local Efeito fisiológico Mecanismo

Músculo liso Relaxamento A proteinocinase A fosforila diversas proteínas contráteis, especialmente a cinase da cadeia leve de miosina. Essa fosforilação diminui a afinidade da cadeia leve de miosina pela cálcio-calmodulina, resultando em relaxamento do aparelho contrátil.

No músculo liso brônquico, o efluxo aumentado de K+ leva a hiperpolarização das células musculares lisas e, portanto, opõe-se à despolarização necessária para produzir contração.

Fígado Glicogenólise (...) e gliconeogênese (...).

Nos hepatócitos, a ativação da cascata de sinalização dá início a uma série de eventos de fosforilação intracelulares, que resultam em ativação da glicogênio-fosforilase e catabolismo do glicogênio. Por conseguinte, o resultado da estimulação dos hepatócitos pelos receptores beta-2 consiste em aumento dos níveis plasmáticos de glicose.

Músculo esquelético

Glicogenólise e captação de K+.

A ativação das vias de sinalização intracelular estimula a glicogenólise e promove a captação de K+.

Tecido adiposo – receptores beta-3.

Lipólise. A ativação dos receptores beta-3...

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3) ANTINFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS

A reação inflamatória está presente em quase todas as lesões produzidas no organismo humano. Traumas, lesões térmicas, infecções, isquemia, reações imunitárias a agentes externos e processos auto-imunes acompanham-se, em maior ou menor grau, de reações inflamatórias. As manifestações clínicas do processo inflamatório são dor, hiperalgesia, eritema, edema e limitação funcional.

Os antiinflamatórios só são indicados quando o desconforto advindo das manifestações inflamatórias (dor, edema, limitação funcional) suplanta o benefício da regeneração tecidual determinado pela reação inflamatória. Em trauma e em infecção não parece racional antagonizar a inflamação, componente indispensável à reparação tecidual no primeiro caso e à defesa do organismo no segundo. O tratamento, então, deve ser direcionado especificamente à gênese do problema (por exemplo, administração de antimicrobianos na infecção).

Os AINES são medicamentos sintomáticos e inespecíficos, sendo assim, não modificam a história natural da doença.

A ação antiinflamatória dos AINEs decorre da inibição da síntese de prostaglandinas, efetuada mediante a inativação das cicloxigenases constitutiva (COX-1) e induzível (COX-2). A primeira é responsável pelos efeitos fisiológicos das prostaglandinas em sítios gástricos e renais. A segunda surge nos locais de inflamação. Os AINES podem ser seletivos ou não para COX-2.

Tendo como sítio de ação as cicloxigenases, os AINES não inibem a via das lipoxigenases, não suprimindo a formação dos leucotrienos, que possuem ação broncoconstritora e aumentam a permeabilidade vascular.

Síntese de prostanóides:

O fosfolipídio de membrana das células lesadas é metabolisado pela enzima fosfolipase A2, resultando em araquidonato e liso-glicerol fosforicolina. Por sua vez, o araquidonato pode ser metabolisado pelas enzimas cicloxigenases originando os prostanóides.

O termo “prostanóides” abrange as prostaglandinas (que são, em sua maioria,

vasodilatadoras) e os tromboxanos (TXA2 – que possui ação trombótica e vasoconstritora, além de atraírem os leucócitos para o local da lesão). As prostaglandinas estão mais consistentemente envolvidas no processo inflamatório, e além de promoverem a vasodilatação, elas sensibilizam os nociceptores e estimulam os centros hipotalâmicos de termo regulação (febre).

Ações farmacológicas dos AINEs

Os AINEs possuem três ações principais, todas as quais decorrem da inibição das cicloxigenases (COX-1 e COX-2) do ácido araquidônico das células inflamatórias, e da conseqüente redução na síntese de prostanóides (PGE2 e PGI2 e tromboxanos): • Ação antinflamatória: os AINEs inibem a ciclo-

oxigenase e, consequentemente, provocam a redução das prostaglandinas vasodilatadoras (PGE2 e PGI2) o que está associada a menor vasodilatação e, indiretamente, menos edema. Não há redução do acúmulo de células inflamatórias, porém os AINES impedem a saída do exsudato (enzimas, células de defesa, citocinas, proteínas do complemento). O paracetamol não possui ação antinflamatória considerável.

• Ação antipirética: Devido, em parte, à diminuição

da prostaglandina do tipo “E” (PGE2) que é responsável pela elevação do ponto de ajuste hipotalâmico para o controle de temperatura na febre. Os estímulos inflamatórios ativam o hipotálamo e este induz a expressão de COX2 que por sua vez produz as prostaglandinas. Os antipiréticos só estão indicados quando a temperatura acerca-se de 39ºC.

• Ação analgésica: A diminuição na produção de

prostaglandinas significa menor sensibilização das terminações nervosas nociceptivas a mediadores inflamatórios, como a bradicinina. O alívio da cefaléia é provavelmente devido à menor vasodilatação cerebral mediada pelas prostaglandinas. As prostaglandinas são responsáveis por diminuir o limiar de excitabilidade dos nociceptores das fibras C e Ag responsáveis pela sensação de dor.

Classe Medicamentos Salicilatos AAS, Diflunisal. Propiônicos Ibuprofeno, Naproxeno Oxicams Peroxicam, Tenoxicam Pirazolônicos Dipirona, Fenilbutazona Ácido Acético Diclofenacos Outros Paracetamol, Nimesulida,

etc.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

Principais classes de AINES:

Todos os AINEs não seletivos possuem eficácia antiinflamatória similar. A escolha deve basear-se visando a menor intensidade dos efeitos adversos. Desta maneira, os derivados da pirazolona (dipirona e fenilbutazona) só devem ser administrados como último recurso.

Nas gestantes, os AINEs não são recomendados. Se forem necessários, o AAS em baixas doses é provavelmente o mais seguro, pois não está associado à teratogênese. Todavia, deve ser suspenso antes do prazo previsto para o parto a fim de evitar complicações como trabalho de parto prolongado, aumento de hemorragia pós-parto e fechamento intra-uterino prematuro do ducto arterial. Um outro AINE indicado durante a gestação é o paracetamol. Salicilatos (AAS - aspirina, diflunisal):

O ácido salicílico (um ceratolítico, antisséptico, bacterisotático e antifúngico) foi originalmente descoberto devido às suas ações antipirética e analgésica. Desde 400 a.C, que se sabe que a casca do salgueiro possuía estas propriedades. Em 1827, o seu princípio ativo, a salicilina, foi isolado. Dele se extrai o álcool salicílico, que pode ser oxidado para o ácido salicílico.

Porém, descobriu-se depois que este ácido pode ter uma ação corrosiva nas paredes do estômago. Para contornar isto foi adicionado um radical acetil à hidroxila ligada diretamente ao anel aromático, dando origem a um éster de acetato, chamado de ácido acetil-salicílico (AAS), menos corrosivo mas também menos potente. A aspirina provoca inativação irreversível da COX1 e COX2.

A aspirina também se mostra eficaz, em baixas doses, em distúrbios cardiovasculares devido sua ação antiplaquetária.

Os tipos de dor que habitualmente são aliviadas pelos salicilatos são de pouca intensidade e originam-se mais de estruturas tegumentares que das vísceras, especialmente cefaléia, mialgia e artralgia. Este fármaco esta epidemiologicamente ligado a um tipo de encefalite (Síndrome de Reye) quando administrado a crianças com infecções virais.

Se for administrada junto com a varfarina, a aspirina pode causar aumento potencialmente perigoso no risco de sangramento. Além disso, ela interfere no efeito dos agentes uricosúricos como a probenecida e sulfimpirazona, portanto o medicamento não deve ser usado na gota.

Nos últimos 10 anos proliferaram os AINES, nenhum deles sobrepujando a eficácia do ácido acetilsalicílico.

Acido acetil salicílico - Aspirina Usos: Anti-inflamatório – antipirético – analgésico – aumenta ventilação alveolar (doses terapêuticas) – diminui a agregação plaquetária – prevenção da angina pectoris e do infarto do miocárdio – prevenção do

câncer de colo e do reto. A aspirina tem sido classificada por alguns

autores como droga cardiovascular devido á importante ação antiplaquetária (acetila irreversivelmente a enzima cicloxigenase, único AINE que inibe a agregação plaquetária e a desgranulação de forma irreversível), diminuindo a incidência de angina pectoris e infarto do miocárdio em pacientes predispostos a estas doenças. Enquanto com os demais AINEs o efeito somente é mantido enquanto estes fármacos permanecem no plasma, com o uso da aspirina a recuperação da hemostasia normal depende da produção de novas plaquetas funcionais, que ocorre após 7 a 10 dias (fato que deve ser lembrado antes de cirurgias). Estudos recentes têm verificado que doses de aspirina superiores a 325 mg provocam a inibição da síntese de prostaciclinas no endotélio, provocando, portanto, efeito contrário à prevenção do infarto agudo do miocárdio, pois, a prostaciclina inibe a agregação plaquetária e leva a vasodilatação.

O uso externo é indicado para hiperqueratoses, calos e erupções causadas por fungos. Efeitos adversos:

Desconforto epigástrico – náuseas - vômitos – em infecções virais pode provocar em crianças < 2 anos a Síndrome de Reye, que consiste em hepatite fulminante associada a edema cerebral que pode levar ao óbito (Usar em crianças o paracetamol). A aspirina é absorvida principalmente no meio ácido do estomago. Não pode ser utilizada em pacientes hemofílicos ou que usam heparina ou anticoagulantes orais, devido ao risco de hemorragias. A ingestão de salicilatos causa o prolongamento do tempo de sangramento. Este efeito é devido à acetilação irreversível da cicloxigenase plaquetária e à conseqüente redução da formação de tromboxano A2. Para a restauração da agregação plaquetária é necessária a produção de novas plaquetas contendo nova cicloxigenase.

Deve-se tomar cuidado ao empregar os salicilatos em pacientes que apresentem lesões hepáticas, hipoprotrombinemia, deficiência de vitamina K, hemofilia ou quando tomam anticoagulantes orais. A inibição da hemostasia plaquetária pode resultar em hemorragia severa.

Devido a possibilidade da trombocitopenia (diminuição da quantidade de plaquetas), e risco de hemorragia, os salicilatos não devem ser administrados a pacientes que estejam com a suspeita da doença Dengue.

Em homens, principalmente com idade superior a 30 anos tem ocorrido alguns casos de idiossincrasia com a aspirina como a crise asmática, embora ainda não seja explicado este mecanismo, possivelmente, pode estar relacionado ao fato das prostaglandinas (principalmente a prostaciclina) sejam potentes broncodilatadores, ação inibida pela aspirina.

A aspirina e a doença Dengue

A doença Dengue é causada pelos quatros subtipos de Flavivírus. A doença pode ser do tipo clássica ou hemorrágica. Esta última se caracteriza por

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

hemoconcentração e trombocitopenia, o que pode levar a um estado de choque e causar a morte do paciente. A forma clássica da doença apresenta um quadro mais leve (cefaléia, dor articular, lombalgia, e, outros), mas também pode desenvolver hemorragias, por exemplo, gengivais ou epistaxe. Os salicilatos, como por exemplo, o ácido acetilsalicílico, não devem ser utilizados no tratamento da doença Dengue por possuir propriedade antiagregante plaquetária. O ácido acetilsalicílico provoca a acetilação da enzima cicloxigenase plaquetária, inibindo a formação do tromboxano A2, o que leva a uma redução na formação de plaquetas, podendo agravar o quadro de trombocitopenia, que favorece as hemorragias. Adalimumab (Humira) – é um antiinflamatório resultante da biotecnologia destinado ao tratamento da artrite reumatóide, artrite psoriáica e espondilite anquilosante grave. O adalimumab é um anticorpo monoclonal que foi desenhado para reconhecer e se ligar a uma estrutura específica (segundo mensageiro) denominada fator de necrose tumoral (TNF). O TNF está envolvido no processo de inflamação e encontra-se em níveis elevados nos doentes com artrite reumatóide, artrite psoriática e espondilite anquilosante. Seu principal papel está relacionado à regulação e equilíbrio da ação das células imunes. Através do bloqueio do TNF, o adalimumab melhora a inflamação e outros sintomas destas doenças.

O medicamento deve ser administrado associadamente com o metotrexato, na dose única subcutânea de 40 mg em semanas alternadas, ou toda semana quando administrado isoladamente. (o metrotexato é um antagonista do ácido fólico com atividade citotóxica e imunossupressora, que possui forte ação anti-reumatóide). Fenilbutazona e Dipirona Usos: Potente ação antiinflamatória, mas são discretos como analgésicos e antipiréticos. Não devem ser utilizados por mais de uma semana devido aos efeitos adversos. Alguns autores não consideram a dipirona como fármaco de potente ação antiinflamatória, referindo-se a este medicamento apenas como bom analgésico e antipirético devido sua ação no SNC. Administração: oral – retal – parenteral Efeitos adversos:

Em metade dos pacientes tratados ocorre efeito adverso, pois, a fenilbutazona é transformada pelo fígado em oxifenilbutazona, e ambas são lentamente excretadas pelo rim devido à ligação às proteínas plasmáticas.

Provocam retenção de sódio, cloro e água ao nível renal, reduzindo o volume urinário e aumentando o volume plasmático, o que pode levar a alteração cardíaca.

Os efeitos adversos mais freqüentes são: náuseas, vômitos, erupções cutâneas e desconforto epigástrico. Pode também ocorrer diarréia, insônia, vertigem, visão turva, euforia ou nervosismo e hematúria.

Reduz a captação de iodo pela tireóide podendo levar ao hipotireoidismo.

Os efeitos mais graves são a agranulocitose e a anemia aplástica. Têm ocorrido casos de agranulocitose com o uso da dipirona (alguns autores denominam de metamizol) com doses baixas, assim como, após diversas semanas de tratamento ou quando volta a usar a medicação após a suspensão durante algum tempo. Tem sido criticado o uso da dipirona como analgésico, recomendando que somente deve ser utilizado em convulsões febris em crianças ou em doenças que provoquem a febre e não seja possível controlar a febre por outro meio ou fármaco. Paracetamol Usos: Analgésico – antipirético. Utilizado em crianças em infecções virais (incluindo a catapora), pois não provoca a Síndrome de Reye. Pode ser usado em pacientes com a doença Gota. Apresenta fraca ação anti-inflamatória porque em tecidos periféricos tem menor efeito sobre a cicloxigenase (alguns autores não consideram o paracetamol como AINE verdadeiro), mas, no SNC tem ação efetiva sendo utilizado como analgésico e antipirético. Não apresentam também ação plaquetária e nem tem efeito no tempo de coagulação, e apresenta a vantagem sobre a aspirina de não ser considerado irritante para o trato gastrintestinal. A via de administração é oral. Efeitos adversos: Em doses terapêuticas são mínimos os efeitos adversos, como erupções cutâneas e reações alérgicas que raramente ocorrem. Em longo prazo pode provocar necrose tubular renal e coma hipoglicêmico. O risco mais grave ocorre com doses altas que pode provocar a hepatoxicidade e levar ao óbito (devido a reações bioquímicas com os grupamentos sulfidrila das proteínas hepáticas, formando reações covalentes, o que leva a formação do metabólito Nacetilbenzoquinona). Os sintomas da toxicidade do paracetamol são: Náuseas, vômitos, dores abdominais, sonolência, excitação, e, desorientação. Em casos de uso de doses altas, dentro de dez horas após a administração do paracetamol, a administração de N-acetilcisteína pode ser salvadora, pois a N-acetilcisteína contém grupamentos sulfidrila aos quais o metabólito tóxico pode ligar-se. DERIVADOS DO ÁCIDO ACÉTICO Indometacina Usos: Potente anti-inflamatório (mais do que a aspirina) – em casos agudos dolorosos como artrite gotosa aguda, espondilite anquilosante e osteoartrite coxo-femural, controle da dor associada a uveíte e/ou pós-operatório de cirurgia oftalmológica.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

Em neonatos prematuros a indometacina tem sido utilizada para acelerar o fechamento do ducto arterioso patente. (Geralmente, não deve usado para baixar a febre, exceto quando a febre é refratária a outros antipiréticos como na Doença de Hodgkin). A via de administração é oral ou retal. Efeitos adversos: Metade dos pacientes tratados apresenta efeitos adversos, tais como: náuseas, vômitos, anorexia, diarréia e dor abdominal, podendo levar a ulceração do trato gastrintestinal (TGI), inclusive perfuração e hemorragia. No SNC pode provocar a cefaléia frontal, tontura, vertigem e confusão mental. O uso prolongado de indometacina e fenilbutazona em pacientes acometidos pela osteoartrose no quadril pode levar à necrose asséptica na cabeça femural. Embora raramente, pode também ocorrer pancreatite aguda, hepatite, icterícia, neutropenia, trombocitopenia, e, anemia aplásica. Como interações medicamentosas, a indometacina pode reduzir o efeito anti-hipertensivo de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (por exemplo, o captopril), da prazosina, da hidralazina, do propranolol, e da ação de diuréticos como da furosemida e da hidroclorotiaziada. O uso de penicilinas (em geral) pode aumentar a toxicidade da indometacina. Diclofenaco (Voltaren) (Cataflam) Também é um derivado do acido acético, e, tem atividade analgésica, antipirética e antiinflamatória, sendo útil para o tratamento de curta duração das lesões musculoesqueléticas agudas, das tendinites, das bursites, da dor do pós-operatório e da dismenorréia, e pode ter uso crônico em pacientes com Artrite Reumatóide, Osteoartrite e Espondilite anquilosante. Além da via oral e retal, também é usado por via oftálmica. Cerca de 40 a 50% do diclofenaco são biotransformadas na primeira passagem pelo fígado (meia-vida curta) em 4-hidroxidiclofenaco que tem fraca ação antiinflamatória, embora a concentração nos locais inflamados tenha a duração de 12 a 24 horas. Assim, pela via de administração intramuscular, o fármaco alcança maior concentração sistêmica e no local da inflamação. Alguns estudos indicam que o diclofenaco potássico (sal potássico) tem ação mais rápida (sendo inclusive mais indicado para a dismenorréia), e que o diclofenaco sódico (sal sódico) tem ação mais duradoura. Por via oral, o diclofenaco tem melhor absorção na presença de alimentos. Efeitos adversos: Apresenta efeitos gastrintestinais semelhantes aos demais AINEs e pode provocar aumento dos níveis de enzimas hepáticas. Síndrome de Nicolau. A necrose tecidual local induzida pela aplicação intramuscular de certos fármacos, como os antiinflamatórios não esteroidais (incluindo o

diclofenaco) e as penicilinas, é denominada Síndrome de Nicolau. Trata-se de uma dermatite de observação pouco freqüente, descrita inicialmente por Nicolau em referência a injeção intra-arterial acidental de sais de bismuto em suspensão oleosa, na era pré-penicilínica, para o tratamento da sífilis. Posteriormente, foram descritos casos relacionados à aplicação de outros fármacos distintos do bismuto.

Embora sua etiologia não esteja completamente elucidada, a Síndrome de Nicolau muitas vezes está associada à injeção intra-arterial acidental do medicamento. Os sintomas e sinais clínicos da Síndrome incluem dor imediata no local da aplicação, seguida de escurecimento e edema; sintomas de embolia arterial ocorrem nas extremidades inferiores, podendo evoluir para necrose; alguns pacientes podem desenvolver complicações graves, incluindo septicemia e coagulação intravascular disseminada. Acidentes isquêmicos após injeções intramusculares não são raros e, devido à relativa ineficácia das medidas terapêuticas existentes, os efeitos podem ser graves e mutilantes.

Em pesquisa na literatura, foram encontrados 33 casos descritos de Síndrome de Nicolau relacionados ao diclofenaco intramuscular. Destes casos, dezesseis ocorreram no Brasil, 22 após a administração de apenas uma dose de 75 mg (uma ampola); 19 envolveram a região glútea e quatro pacientes faleceram em decorrência da reação.

Os prescritores devem avaliar cuidadosamente a relação risco/benefício antes de indicarem o uso do diclofenaco intramuscular. Este medicamento não deve ser usado para condições triviais ou quando a administração oral for possível. A via retal (supositórios) deveria ser considerada como primeira alternativa, antes da via intramuscular, quando o alívio da dor for inadequado pela via oral. Reações adversas sérias são menos comuns com o uso da via retal. Interações medicamentosas do diclofenaco: Aumenta o efeito dos anticoagulantes orais e da heparina; aumenta a toxicidade da digoxina, do lítio e dos diuréticos poupadores de potássio; diminui o efeito terapêutico de outros diuréticos. Pode aumentar ou diminuir os efeitos de hipoglicemiantes orais. DERIVADOS DO ÁCIDO ENÓLICO ou OXICAMS:

Possui a vantagem de ter a meia-vida mais longa, e, apenas cerca de 20% dos pacientes apresenta efeitos adversos, entretanto, aumenta o tempo de coagulação e pode interferir na eliminação renal de lítio. O piroxicam tem a meia-vida de 50 horas (faixa de 30 a 86 horas), o tenoxicam tem a meia-vida plasmática de 70 horas, e o meloxicam tem a meia-vida de cerca de 20 horas.

Além de serem usado para o tratamento das doenças inflamatórias,o piroxicam é também utilizado no tratamento das lesões músculo esqueléticas, na dismenorréia e na dor do pós-operatório.

O piroxicam e o tenoxicam podem levar as interações medicamentosas semelhantes as que

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

ocorrem com o diclofenaco, mas o meloxicam não interage com a maioria dos medicamentos que interagem com o diclofenaco, como a digoxina, furosemida e outros. DERIVADOS DO ÁCIDO FENILANTRANÍLICO: Ácido mefenâmico (Ponstan) O principal uso tem sido na dismenorréia devido a ação antagonista nos receptores da PGE2 e PGF2alfa. A via de administração é oral. A limitação tem sido a diarréia e inflamações intestinais, e, tem sido relatados casos de anemia hemolítica. DERIVADOS DO ÁCIDO PROPIÔNICO (ou ácido fenilpropiônico): NAPROXENO (Naprosyn)(Flanax) - IBUPROFENO (Artril)(Artrinid)(Dalsy) CETOPROFENO (Profenid) – FLURBIPROFENO (Ocufen) (Targus) INDOPROFENO (Flosin) – FLURBIPROFENO (Ocupen) (Targus) FENOPROFENO (Algipron) (Trandor) – LOXOPROFENO (Loxonin) PRANOPROFENO (Difen) Usos:

Apresentam potência semelhante à indometacina como anti-inflamatório, analgésico e antipirético, e a baixa toxicidade leva a melhor aceitação por alguns pacientes, com menor incidência de efeitos adversos do que a aspirina e a indometacina.

O naproxeno sódico é absorvido mais rapidamente, e o pico da concentração plasmática ocorre em período mais curto do que a forma não sódica.

Alteram a função plaquetária e o tempo de sangramento, especialmente o naproxeno. Não alteram os efeitos dos hipoglicemiantes orais. Efeitos adversos: Semelhantes aos da aspirina, porém em incidência muito menor. Pode reduzir o efeito anti-hipertensivo de diuréticos tiazídicos, de alça (furosemida), de agentes beta-bloqueadores e de inibidores de ECA. INIBIDORES SELETIVOS DA ENZIMA CICLOXIGENASE-2: NIMESULIDA (Nisulid) (Scaflam) – CELECOXIB (Celebra) ETORICOXIB (Arcoxia) – VALDECOXIB (Bextra) Estes fármacos têm a ação específica sobre a enzima cicloxigenase-2 (COX-2) sendo também conhecidos como coxibes. Usos: Antiinflamatórios – analgésicos – antipiréticos

Devido à ação seletiva sobre a cicloxigenase-2, a incidência de efeitos gastrintestinais é inferior a 20% dos casos, entretanto, os coxibes não são mais eficazes como antiinflamatório e analgésico do que os AINEs convencionais, e não tem ação plaquetária, portanto não podem substituir a aspirina na prevenção de doença coronariana, pois não reduzem a produção

endógena do tromboxano A2, que é o principal produto da enzima COX-1 plaquetária, causando a agregação plaquetária, vasoconstrição e proliferação vascular.

No ano de 2004, o fabricante do Rofecoxib (Vioxx) retirou do mercado este medicamento devido à incidência de efeitos adversos tromboembólicos graves (infarto agudo do miocárdio e AVC isquêmico), e estudos recentes têm demonstrado que a COX-2 é a principal geradora da prostaciclina (uma das prostaglandinas) no endotélio que inibe a agregação plaquetária, causa a vasodilatação, e inibe a proliferação de células do músculo liso vascular (in vitro).

Assim, a inibição da síntese da prostaciclina (provocada por estes inibidores da COX-2) pode levar ao aumento da pressão arterial e aceleração da aterogênese (devido à ação do tromboxano que tem a produção estimulada enzima COX-1 e que não é inibida pelo coxibe), sendo recomendada cautela com o uso dos demais fármacos deste grupo. O alto custo também tem limitado o uso destes medicamentos.

Efeitos indesejáveis dos AINEs: a) distúrbios gastrointestinais (diarréias, náusea, vômito, lesão gástrica devida à inibição das prostaglandinas protetoras do estômago – PGE2). A administração oral de análogos das prostaglandinas, como o misoprostol, pode diminuir a lesão gástrica induzida pelos AINES; b) Efeitos renais (insuficiência renal aguda em indivíduos susceptíveis). Os AINEs inibem a síntese de prostaglandinas que servem para manter a perfusão renal em pacientes com fluxo sangüíneo renal e volume sangüíneo diminuídos. Nesses pacientes, a administração de AINEs pode precipitar descompensação renal evidente, reversível após a suspensão do tratamento. Os AINEs podem diminuir a eficácia dos diuréticos e de outros fármacos anti-hipertensivos. Os fármacos seletivos para a COX-2 (Celocoxib, rofecoxib, nimesulida, etodolaco) apresentam menores complicações gastrintestinais associadas, e possuem eficácia analgésica e antiinflamatória similar à dos demais AINEs.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

4) GLICOCORTICÓIDES

O emprego dos glicocorticóides na terapêutica deve-se

principalmente ao fato destes apresentarem poderosos efeitos antinflamatórios e imunossupressores. Eles inibem manifestações tanto iniciais quanto tardias da inflamação, isto é, não apenas a vermelhidão, o calor, a dor e o edema iniciais, mas também os estágios posteriores de cicatrização e reparo de feridas e reações proliferativas observadas na inflamação crônica.

Estes fármacos têm atividade sobre todos os tipos de

reações inflamatórias, sejam elas causadas por patógenos invasores, por estímulos químicos ou físicos ou por respostas imunes inadequadamente desencadeadas, como as observadas na hipersensibilidade ou na doença auto-imune.

Quando usados clinicamente para suprimir a rejeição de

enxertos, os glicocorticóides suprimem o desencadeamento e a produção de uma nova resposta imune com mais eficiência do que uma reposta já estabelecida, na qual já ocorreu proliferação clonal.

Os fármacos glicocorticóides, de uma maneira geral,

apresentam vários efeitos adversos, uma vez que eles interferem no metabolismo geral do organismo. Estes compostos são capazes de reduzir a captação e utilização da glicose e aumentar a gliconeogênese, desencadeando glicemia de rebote, com conseqüente glicosúria, além de aumentar o catabolismo e reduzir o anabolismo protéico.

O principal estímulo fisiológico para a síntese e liberação

dos glicocorticóides endógenos é a presença de corticotropina (ACTH) secretada pela glândula adeno-hipófise. Principais drogas glicocorticóides: De ação curta (8 a 12 horas): cortizona e hidrocortizona; De ação intermediária (12 a 36 horas): predinisona, prednisolona e metilprednisolona; De longa ação (36 a 72 horas): dexametasona, betametasona, fluticasona e mometasona.

A potência dos GC é avaliada pela sua afinidade aos receptores citoplasmáticos e pela duração de ação. Neste sentido, a dexametasona e a betametasona possuem maior potência antinflamatória (tanto é são administradas em doses menores em relação aos demais GC). Ações metabólicas dos glicocorticóides: - Sobre os carboidratos: os glicocorticóides produzem redução da captação e utilização da glicose e aumento da gliconeogênese, resultando em hiperglicemia; - Sobre as proteínas: produzem aumento do catabolismo e redução do anabolismo com perda de massa muscular.

- Sobre as gorduras: causam efeito permissivo sobre os hormônios lipolíticos e redistribuição da gordura (Sindrome de Cushing: caracterizada pela presença de corcova de búfalo, hipertensão, pele fina, braços e pernas finos devido atrofia muscular, cataratas, face de lua cheia com bochechas vermelhas, aumento da gordura abdominal, equimoses e cicatrização deficiente das feridas). Síndrome de Cushing:

- Sobre os íons: reduzem a absorção de Ca+ e aumentam a excreção de Ca+ ocasionando um balanço negativo de cálcio com perda desse íons nos ossos – osteoporose. O aumento de glicocorticóides produz ação mineralcorticóide o que significa retenção de sódio e excreção de K+ resultando em hipertensão e edema periférico. Ações reguladoras dos glicocorticóides: - Sobre o hipotálamo: ação de retroalimentação negativa, resultando em diminuição da liberação dos glicocorticóides endógenos; - Sobre os eventos musculares: vasodilatação reduzida e diminuição de exsudação de líquidos; - Sobre os eventos celulares: redução do influxo e da atividade dos leucócitos, redução da atividade das células mononucleares; diminuição da expansão clonal das células Th. Redução da função dos osteoblastos e maior atividade dos osteoclastos o que significa osteoporose. - Sobre os mediadores inflamatórios: diminuição na produção e ação das citocinas, diminuição da produção de eicosanóides

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

(prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos), diminuição da produção de IgG, diminuição dos componentes do complemento no sangue. Menor produção de histamina. Efeitos globais dos glicocorticóides: redução da inflamação crônica e nas reações auto-imunes; entretanto, ocorre também deteriorização da cicatrização e diminuição nos aspectos protetores da resposta inflamatória. Os glicocorticóides agem em todas as fases da inflamação e afetam todos os tipos de reação inflamatória. São indicados no tratamento da Doença de Addison, terapia antinflamatória ou imunossupressora (asma, hipersensibilidade, artrite, enxertos, transplantes e dermatite), doenças neoplásicas, e ainda na terapia de reposição em pacientes com deficiência da supra-renal e renal. Mecanismo de ação dos glicocorticóides:

O glicocorticóide cruza a membrana citoplamática por difusão passiva, se liga ao receptor intracelular que sofre, então, uma mudança conformacional expondo o domínio de ligação com o DNA. Em seguida, o complexo GC-receptor forma dímeros, migra para o núcleo e se liga ao DNA. Ocorre então a repressão e a indução de genes específicos responsáveis pela síntese de proteínas envolvidas na inflamação (COX-2, citocinas, NOS, lipocortina-1).

Em outras palavras, os glicocorticóides interagem com

receptores intracelulares; os complexos esteróides-receptor resultantes formam dímeros (pares) e a seguir, interagem com o DNA. Com isso, modificam a transcrição gênica, induzindo a síntese de algumas proteínas, como a lipocortina-1 que é importante na retroalimentação e como antiinflamatório pois

inibe a fosfolipase A2 que é a responsável pela degradação dos fosfolipídeos da membrana celular com formação de ácido arquidônico. Este ácido é o substrato das ciclo-oxigenases na formação dos eicosanóides: quimiotaxinas, lipoxinas, prostaglandinas, tromboxanos, leucotrienos. Além disso, inibe a síntese de outras substâncias tais como a COX-2, fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucina-1, interleucina-4, as citocinas e NOS. Efeitos indesejáveis dos glicocorticóides:

Os efeitos indesejáveis são observados principalmente com uso sistêmico prolongado como agentes antiinflamatórios ou imunossupressores (caso em que todas as ações metabólicas tornam-se indesejáveis), mas não habitualmente com terapia de reposição. Os mais importantes são: supressão da resposta à infecção; supressão da síntese de glicocorticoídes endógenos (atrofia da supra-renal); ações metabólicas; osteoporose; Síndrome de Cushing iatrogênica; catarata; hipertensão; hipertensão craniana e equimoses.

A interrupção abrupta do tratamento com glicocorticóides pode resultar em insuficiência supra-renal aguda (Síndrome de Addison iatrogênica), visto que o hipotálamo e a hipófise necessitam de várias semanas a meses para o restabelecimento da produção adequada de hormônio adeno-corticotrófico (ACTH). Durante esse período, a doença subjacente pode agravar-se, devido à desinibição do sistema imune. Para impedir estas últimas complicações, a dose de glicocorticóides deve ser reduzida lentamente no processo de interrupção do tratamento.

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

5) FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS

A hipertensão representa a elevação da pressão arterial sistólica e/ou diastólica. O diagnóstico de hipertensão é feito quando a pressão arterial sistólica atinge valor igual ou superior a 140 mm Hg e a pressão diastólica um valor igual ou superior a 90 mm Hg. Acredita-se que a patogenia da hipertensão essencial resida: a) no rim e no seu papel de regular o volume vascular através da eliminação de sal e água; b) no sistema renina-angiotensina-aldosterona através dos seus efeitos sobre o tono vascular sanguíneo, regulação do fluxo sanguíneo renal e metabolismo de sais; e c) no sistema nervoso simpático, que regula o tono dos vasos de resistência.

As medicações utilizadas no tratamento da hipertensão exercem seus efeitos através de um ou mais desses mecanismos reguladores, e podem ser classificadas em diuréticos, agonistas alfa-2 de ação central, vasodilatadores diretos, antagonistas dos canais de cálcio, inibidores da ECA e antagonistas dos receptores de angiotensina-2.

Os pressoreceptores arteriais (de alta pressão), que efetuam o controle fisiológico da pressão arterial, participam do mecanismo reflexo mais importante para o controle da pressão momento a momento, e geram potenciais de ação pelas variações na forma da parede dos vasos, que são conduzidos ao núcleo do trato solitário no sistema nervoso central. Esses eventos promovem como resposta o aumento da atividade vagal, redução da atividade simpática para o coração e vasos, diminuição da freqüência e contratilidade cardíacas, da resistência vascular periférica e da capacitância venosa.

A hipertensão não controlada produz demandas aumentadas sobre o coração (resultando em hipertrofia ventricular esquerda e insuficiência cardíaca), bem como sobre os vasos do sistema arterial (levando a aterosclerose, doença renal e derrame).

A) Diuréticos: Os diuréticos exercem ação anti-hipertensiva

mediante diminuição da volemia. Promovem a excreção de sódio e potássio, diminuindo assim a osmalaridade plasmática com conseqüente diminuição do volume plasmático.

Os diuréticos podem ser classificados de acordo com os efeitos predominantes em diferentes pontos do néfron. Cada categoria, em função de intensidade de efeito diurético e das propriedades farmacocinéticas, é usada preferencialmente em determinadas patologias. Os diuréricos de alça, tiazídicos e poupadores de potássio são utilizados no tratamento da hipertensão. Diuréticos de alça (alça ascendente de Henle): furosemida, bumetanida, ácido etacrínico, torasemida, piretanida. Atuam ao inibir o co-transportador Na+/K+/2Cl- na alça ascendente espessa. Aumentam a perda de K+ e Ca+. Diuréticos tiazídicos (porção proximal do túbulo distal): bendroflumetiazida, benzotiazida, clorotiazida, clortalidona, hidroclorotiazida, hidroflumetiazida, indapamida, meticlotiazida, metolazona, politiazida, quinetazona, triclorometiazida. Atuam ao inibir o co-transportador Na+/Cl-

no túbulo contorcido distal. Aumentam a perda de K+ e reduzem a perda de Ca+. Indapamina

A indapamida é um diurético derivado indólico da clorossulfonamida. Embora feqüentemente classificada no grupo das tiazidas, a indapamida não possui o anel tiazídico na molécula.

Seu efeito anti-hipertensivo deve-se, basicamente, a uma ação vascular direta: inibição da hiperreatividade às aminas vasopressoras, aumento da síntese das prostaglandinas vasodilatadoras, inibição da síntese de tromboxano A 2 e inibição do fluxo de íons cálcio nas fibras musculares lisas, reduzindo a resistência vascular periférica. Sua ação hipertensiva tem início em doses nas quais suas propriedades diuréticas são mínimas.

Os efeitos renais da indapamida manifestam-se clinicamente apenas em doses superiores à dose de 2,5mg/dia, que é a dose onde o efeito anti-hipertensivo é máximo. No rim, age no tubo contornado distal, inibindo a reabsorção de sódio. A indapamida é rapidamente absorvida no trato digestivo após administração oral e fixa-se preferencialmente à parede vascular, devido à sua natureza lipofílica. Sofre transformação hepática em vários metabólitos ativos, que são eliminados principalmente por via urinária, com meia-vida de 16 horas. Diferentemente dos demais tiazídicos, a indapamida não interfere no perfil lipídico nem no metabolismo da glicose, mesmo em longo prazo. Diuréticos poupadores de potássio (túbulo distal): espirolactona, triantereno e amilorida. Atuam nos túbulos coletores e são diuréticos muito fracos. A amilorida e o triantereno atuam ao bloquear os canais de Na+ controlado pelo mediador protéico da aldosterona. Já a espirolactona é um antagonista do receptor de aldosterona. A função principal da aldosterona é a manutenção do volume de fluido extracelular, por conservação do Na+ corporal; a sua produção depende de aferências renais, estimuladas quando é detectada uma redução no volume de fluido circulante. Quando há redução do sódio extracelular, a diminuição do volume plasmático e do fluido extracelular diminui o fluxo e a pressão de perfusão renais, o que é detectado pelas células justaglomerulares renais, que segregam, como resposta, renina para a circulação periférica. A renina converte o angiotensinogênio em angiotensina-I que, depois, é clivada pela enzima conversora de angiotensina (ECA) presente em muitos leitos capilares (pricipalemente no pulmão), originado angiotensina-II. A agiotensina-II fixa-se a receptores membranares específicos à nível supra-renal, produzindo segundos mensageiros como o Ca+ e derivados do IP3. a ativação da proteinocinase C altera a expressão enzimática, favorecendo a síntese de aldosterona. Diuréticos osmóticos (túbulo proximal, alça ascendente de Henle e túbulo coletor): manitol. Formam um complexo com a água e impedem sua reabsorção no interior do túbulo. Não se mostram úteis no tratamento de condições associadas à retenção de sódio. São usados em elevação aguda da pressão

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

intracraniana ou intra-ocular e prevenção da insuficiência renal aguda. Diuréticos inibidores da anidrase carbônica (túbulo contornado proximal): acetalozamida, diclorfenamida, metazolamida e brinzolamida. São usados no tratamento de glaucoma e não mais como diuréticos. Diuréticos uricosúricos (túbulo proximal, alça ascendente de Henle e porção inicial do túbulo distal): ticrinafem, ácido indacínico. Agem ao inibir a reabsorção de urato no túbulo contorcido proximal. Podem ser usados no tratamento da gota, porém foram suplantados pelo alopurinol.

B) Agonistas alfa-2 de ação central (clonidina,

guanabenzo e metildopa)

A clonidina (Atensina) estimula os receptores alfa-2 adrenérgicos no SNC, inibindo a liberação de noradrenalina nas terminações nervosas simpáticas (retroalimentação negativa), reduzindo a atividade simpática e promovendo sedação e diminuição do tônus vasomotor e da freqüência cardíaca.

A eficácia anti-hipertensiva desse grupo de medicamentos como monoterapia é, em geral, discreta. Até o presente momento, não existe experiência clínica suficiente em nosso meio com o inibidor dos receptores imidazolidínicos. Essas drogas podem ser úteis em associação com medicamentos de outras classes terapêuticas, particularmente quando existem evidências de hiperatividade simpática.

Entre os efeitos indesejáveis, destacam-se aqueles decorrentes da ação central (pela inibição da ação simpática), como sonolência, sedação, boca seca, fadiga, hipotensão postural e impotência. Especificamente com a alfametildopa, pode ocorrer ainda, com pequena freqüência, galactorréia, anemia hemolítica e lesão hepática. O emprego da alfametildopa é contra-indicado na presença de disfunção hepática. No caso da clonidina, destaca-se a hipertensão rebote, quando da suspensão brusca da medicação.

Bloqueadores alfa-1 (prazosina, terazosina e doxazosina): O bloqueio de receptores alfa-1 adrenérgicos inibe a vasoconstrição induzida por catecolaminas, podendo ocorrer vasodilatação arteriolar e venosa, com queda da pressão arterial devida à diminuição da resistência periférica.

Apresentam baixa eficácia como monoterapia, devendo

ser utilizados em associação com outros anti-hipertensivos. Podem induzir o aparecimento de tolerância farmacológica, que obriga o uso de doses crescentes. Têm a vantagem de propiciar melhora do metabolismo lipídico (discreta) e da urodinâmica (sintomas) de pacientes com hipertrofia prostática. Os efeitos indesejáveis mais comuns são: hipotensão postural (mais evidente com a primeira dose), palpitação e, eventualmente, astenia. Bloqueadores beta (propanolol, atenolol, esmolol, timolol, pindolol e nadolol): Efeitos resultantes de bloqueio dos receptores beta-1 incluem diminuição de freqüência e força contrátil cardíacas, consequentemente reduzindo o débito e consumo de oxigênio cardíacos, justificativa para uso desses bloqueadores em cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial e arritmias cardíacas. O efeito anti-hipertensivo é ainda atribuído ao bloqueio de receptores beta pré-sinápticos, desse modo diminuindo a transmissão adrenérgica. Entre as reações indesejáveis dos betabloqueadores destacam-se: broncoespasmo, bradicardia excessiva (inferior a 50 bat/min), distúrbios da condução atrioventricular, depressão miocárdica, vasoconstrição periférica, insônia, pesadelos, depressão psíquica, astenia e disfunção sexual. Do ponto de vista metabólico, podem acarretar intolerância à glicose, hipertrigliceridemia e redução do HDL-colesterol. C) Vasodilatadores diretos: A hidralazina exerce efeito anti-hipertensivo por relaxamento direto da musculatura lisa arteriolar, cujo mecanismo molecular não é conhecido. A vasodilatação associa-se, por reflexo barorreceptor-mediado, a poderoso estímulo do sistema nervoso simpático, resultando em aumento de freqüência e contratilidade cardíaca. Hidralazina aumenta a liberação de noradrenalina pelos terminais nervosos simpáticos. Também aumenta a atividade de renina plasmática e a retenção hídrica. Esses efeitos neutralizam o efeito anti-hipertensivo da hidralazina, exigindo terapia combinada com agentes que diminuem os aumentos compensatórios no tônus simpático e a retenção de sal e água. Outros vasodilatadores: nitroprussiato, minoxidil e diazóxido. D) antagonistas dos canais de cálcio: o nitrendipino inibe o influxo do íon através dos canais de cálcio no músculo liso vascular e cardíaco, resultando em dilatação de artérias e arteríolas periféricas e vasos cerebrais. Com alto grau de seletividade para o músculo liso vascular, diminui a resistência vascular periférica e reduz a pressão sanguínea. Outros antagonistas dos canais de cálcio: diltiazem, nifedipina e verapamil. E) Inibidores da ECA (captropil, enalapril e benazepril): inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) antagonizam os efeitos da angiotensina II e são potencializadores dos efeitos da bradicinina. Esta última é responsável por alguns dos efeitos adversos dos IECA, como a tosse (mecanismo: supressão da atividade da cininase II com conseqüente acúmulo de bradicinina e substância P – a bradicinina estimula as vias nervosas envolvidas no evento da tosse, além de estimular as células inflamatórias e os

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

peptídeos pró-infamatórios. A inflamação localizada determina um quadro irritativo nas vias aéreas, com estimulação dos receptores nervosos e o reflexo vagal da tosse. A tosse produzida pelos IECA tem melhora com os antinflamatórios sulindaco e indometacina). Inibidores da ECA reduzem a pressão arterial por diminuir a resistência vascular periférica, com mínimo ou nenhum efeito sobre a freqüência e débito cardíacos ou volume arterial circulante.

Fisiologicamente, o angiotensinogênio circulante de origem hepática é rapidamente convertido em angiotensina 1 por renina, enzima de origem renal, seqüestrada pelas células da parede arterial. Angiotensina 1, decapeptídeo intermediário, se transforma em angiotensina 2 (octapeptídeo), por ação da enzima conversora ou convertase, presente na face luminal das células endoteliais. Angiotensina 2 é um potente vasoconstritor e libera aldosterona que aumenta a reabsorção tubular distal e proximal de sódio. Com isso, diminui a excreção urinária de sódio e água e aumenta a caliúria.

Além de alterar a resistência vascular periférica e a função renal, a angiotensina 2 também provoca mudanças na estrutura cardíaca, por meio de migração, hipertrofia e hiperplasia de células vasculares e cardíacas e aumento de matriz protéica extracelular por células musculares lisas e fibroblastos cardíacos. Ainda aumenta a pré e pós-carga, contribuindo para a hipertrofia e remodelagem do coração. Dessa forma participa em várias doenças cardiovasculares. Os iECAS são aparentemente menos eficazes na redução da pressão arterial em pacientes negros, do que em pacientes não negros. Isso ocorre, possivelmente, devido a uma maior prevalência de níveis plasmáticos reduzidos de renina na população negra hipertensa. Os inibidores da ECA também são de primeira escolha nos pacientes hipertensos que não sejam negros ou idosos. Como referimos, são indicados em pacientes hipertensos diabéticos, graças aos efeitos benéficos na prevenção da glomeruloesclerose progressiva, e porque não alteram o metabolismo de carboidratos.

Os iECAS não devem ser usados em mulheres grávidas. São contra-indicados durante o 2º e 3º trimestres de gravidez devido ao risco de hipotensão fetal, anúria e insuficiência renal algumas vezes associados à má-formação fetal e morte. São também contra-indicados em pacientes hipertensos com estenose da artéria renal bilateral ou com rim único.

F) antagonistas dos receptores de angiotensina-2- (Losartan , Valsartan, Ibesartan, Candersartan):

O sistema renina-angiotensina é visto, tradicionalmente, como um sistema endócrino clássico. A renina em circulação, de origem renal, atua sobre o angiotensinogênio (de origem hepática) para produzir a angiotensina I no plasma; por sua vez, a angiotensina I é convertida, tanto pela ECA circulante no plasma, quanto pela

ECA do endotélio pulmonar, para angiotensina II; a angiotensina II é então levada para seus órgãos-alvo (artérias, coração e rins) pela corrente sangüínea, onde produz a devida resposta fisiológica (vasoconstrição e liberação de aldosterona, que aumenta a absorção de sódio).

Mecanismo de ação

Bloqueio dos receptores AT1 da angiotensina II, inibindo a ação do eixo da renina. O mensageiro final do eixo renina-angiotensina é a angiotensina II, que ligando-se ao receptor AT1 causa vasoconstricção e retenção hídrica, ambos levando ao aumento da pressão arterial. O bloqueio do receptor AT1 resulta na redução da pressão arterial e nos efeitos benéficos na ICC. Portanto os efeitos são similares aos inibidores da enzima conversora, com as vantagens de não atuar sobre a bradicinina e de atuar sobre o ponto final do eixo renina angiotensina, e portanto, sobre a angiotensina II resultante das vias não dependentes da enzima conversora.

Farmacocinética

As quatro drogas do grupo possuem caracteristicas próprias. Lozartan e Candersartan possuem metabólitos ativos, enquanto Valsartan e Ibersartan não. Todos têm metabolismo de eliminação basicamente hepático, mas o candersartan possui dupla eliminação hepática e renal. As meia-vidas diferem entre todos, sendo 5 horas para o Lozartan, 6 horas para o Valsartan, 13 horas para o Ibersartan e 10 horas para o Candersartam. Todos os medicamentos desse grupo são usados em dose única diária.

Uso Clínico

Eficaz como monoterapia para a HAS, no entanto não são tão eficazes na redução da PA quanto os IECA. Tem indicação atual de substitutos do IECA, nos pacientes com indicação de uso dessa droga, mas com intolerância devida efeitos colaterais. São úteis também no tratamento da insuficiência cardíaca, mas atualmente também tem a mesma indicação de uso como substitutos do IECA, como na hipertensão arterial.

Efeitos colaterais

Efeitos colaterais são raros e com taxas semelhantes ao placebo nos estudos realizados. Tosse seca ocorre em menos de 1% enquanto com o IECA chega a 5.5%. Efeitos adversos raros atribuídos ao uso dos bloqueadores AT1 incluem: hepatotoxicidade, edema angioneurótico, e sintomas neuropsiquiátricos. Precauções Estenose renal bilateral, estenose renal em rim único. Contra-indicação absoluta na gravidez.

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006;

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

6) FÁRMACOS ANTIDIABÉTICOS

O diabetes é um distúrbio do metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídeos, decorrente de desequilíbrio entre a disponibilidade de insulina e a necessidade desta. Pode constituir deficiência absoluta de insulina, distúrbio da liberação da insulina pelas células beta pancreáticas, receptores para insulina inadequados ou defeituosos, ou produção de insulina inativa ou de insulina destruída, antes que possa exercer sua ação. Uma pessoa com diabetes não-controlado é incapaz de transportar glicose para as células adiposas e musculares; em conseqüência disso, as células entram em inanição e aumenta a decomposição dos lipídeos e proteínas. O diabetes é classificado em tipo 1 e tipo 2. O diabetes mellitus do tipo 1 caracteriza-se pela destruição imunológica das células beta pancreáticas em indivíduos geneticamente suscetíveis com deficiência absoluta de insulina. O diabetes mellitus tipo 2 caracteriza-se pelo distúrbio de secreção de insulina, pela resistência à insulina nos tecidos alvos ou pela dessensibilização dos receptores de insulina, ou seja, ocorre hiperglicemia em jejum apesar da disponibilidade de insulina.

O diagnóstico do diabetes mellitus baseia-se nos sinais clínicos da doença (polidipsia, polifagia, poliúria e visão turva) níveis sanguíneos de glicose em jejum (> 126 mg/dL), medidas ao acaso da glicose plasmática (> 200 mg/dL) e resultados do teste de tolerância à glicose (resultado maior de 200 mg/dL quando ingeridos 75g de glicose). Um nível de glicose em jejum entre 110 mg/dL e 126 mg/dL, ou teste de tolerância com valores entre 140 a 200 mg, são significativos, sendo definidos como distúrbio da glicemia em jejum. Atualmente, o valor normal para a glicemia em jejum é de menor que 100 mg/dL. As três principais complicações agudas do diabetes são a cetoacidose diabética (CAD), síndrome hiperglicêmica hiperosmolar não-cetótica (HHNC) e hipoglicemia. As complicações crônicas do diabetes consistem em neuropatias, distúrbios da microcirculação (neuropatias, nefropatias e retinopatias), complicações macrovasculares e úlceras do pé. Há duas categorias de drogas antidiabéticas: a insulina e as medicações orais.

1) Insulina: a insulina é um hormônio essencialmente anabolizante (de síntese), propicia a utilização periférica da glicose nos tecidos muscular e adiposo, inibe a glicogenólise e a neoglicogênese hepáticas e aumenta as sínteses protéica e lipídica. A insulina humana é de escolha para o controle crônico do diabetes mellitus tipo 1 e dos pacientes com diabetes tipo 2 não controlados por dieta, exercícios ou antidiabéticos orais.

A insulina é um hormônio produzido pelas células beta das Ilhotas de Langhans. O principal mecanismo de liberação da insulina se dá da seguinte forma: - a glicose circulante se liga ao receptor GLUT-2 na membrana das células beta, sendo transportada para o interior dessas células; - o metabolismo da glicose ocorre no interior da célula beta e o ATP, um dos produtos desse metabolismo, promove o fechamento dos canais de potássio e abertura dos canais de cálcio;

- o aumento da concentração intracelular de cálcio promove a exocitose da insulina que estava armazenada em vesículas. A insulina também pode ser liberada por certos aminoácidos, estímulo vagal e outros açúcares;

- a insulina liberada ganha a circulação e liga-se a receptores especializados presentes nas membranas da maioria dos tecidos. Os tecidos-alvos primários são o fígado, o músculo e o tecido adiposo;

- após ligar-se aos receptores, a insulina desencadeia uma rede de fosforilação no interior das células e resulta em múltiplos efeitos, incluindo a translocação dos transportadores da glicose (particularmente o GLUT-4) para a membrana celular, com conseqüente aumento da captação de glicose; atividade da glicogênio sintetase e aumento na formação de glicogênio; múltiplos efeitos sobre a síntese de proteína, a lipólise e a lipogênese; a ativação de fatores de transcrição que aumentam a síntese de DNA e o crescimento e a divisão das células;

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Portanto, a insulina promove o armazenamento de

gordura e de glicose no interior das células-alvos especializadas e influencia o crescimento celular e as funções metabólicas de uma ampla variedade de tecidos (músculos, fígado e tecido adiposo).

2) Antidiabéticos orais: os medicamentos para o diabetes agem de duas maneiras: estimulando diretamente o pâncreas a fabricar insulina ou melhorando a ação da insulina, ao diminuir a resistência do corpo à sua ação.

2.1 - Secretagogos: agem primeiramente pelo estímulo da secreção de insulina pelas células beta do pâncreas. Ligam-se a receptores nessas células, inibindo o canal de potássio ATP dependente (K-ATP). A estabilização do efluxo de potássio (fechamento da saída de K+) causa despolarização e ativação do canal de cálcio tipo L. O influxo de cálcio, por sua vez, estimula a fase 1 (rápida) de liberação de insulina.

Entre os secretagogos, temos o grupo das sulfoniluréias como exemplo a clorpropamida, glibenclamida, glipirida, glimepirida entre outros, medicamentos com os quais se tem uma longa experiência de utilização. Mais recentemente, com a importância que tem sido dada ao controle da glicemia pós prandial, secretagogos de ação curta, como as meglitinidas (repaglinida e nateglinida), têm se destacado para o melhor controle da glicemia após as refeições, minimizando o problema de hiperinsulinização proporcionado pelas drogas de ação mais prolongadas.

2.2 - Diminuidores da resistência à insulina – tiazolidionas (glitazonas): a metformina é um anti-hiperglicêmico oral (diminui a produção de glicose hepática, não é hipoglicemiante) do grupo das biguanidas que melhora o controle glicêmico em pacientes com diabetes melito não-insulino dependente ou diabetes do tipo 2. Diminui a produção de glicose hepática (gliconeogênese) e sua absorção intestinal de glicose, aumenta a sensibilidade periférica à insulina e a utilização celular de glicose.

2.3 - Inibidores da alfa-glicosidase (arcabose e miglitol): o inibidor de alfaglicosidade disponível no Brasil é a arcabose, o primeiro agente direcionado especificamente à hiperglicemia pós-prandial. Esse agente inibe a ação das glucosidases intestinais, limitando a quebra de oligossacarídeos em monossacarídeos, retardando a absorção da glicose e proporcionando uma menor excursão glicêmica pós-prandial.

2.4 -Inibidores da dipeptidil peptidase-4 (DPP-4): a vildagliptina inibe uma enzima de nome DPP-4, resultando no aumento dos níveis de incretina. Com a inibição da DPP-4, a vida média do GLP-1 (que é um dos tipos de incretinas produzidas pelo intestino) aumenta e a secreção de insulina no pâncreas fica estimulada. As incretinas são hormônios produzidos pelas células do aparelho digestório e ativam o funcionamento das células pancreáticas responsáveis pela produção da insulina e reduzem a produção exagerada de glucagom pelas células alfa das ilhotas pancreáticas. Acredita-se que as incretinas desempenham papel na prevenção de mudanças estruturais que levam à morte das

células beta, o que reduziria a progressão da disfunção do pâncreas.

2.5 - Incretinas (sintéticas): o fosfato de sitagliptina é uma forma sintética da própria incretina GLP-1. Atua imitando sua ação no organismo e não é substrato da DPP-4. A origem desse princípio ativo é inusitada: o composto foi sintetizado de uma substância derivada da saliva do Monstro de Gila. Observação: o glucagom é utilizado no tratamento de emergência das reações hipoglicêmicas graves que ocorrem em pacientes com diabetes tipo-1, pois ele estimula o fígado a liberar glicose na corrente sanguínea. A disfunção progressiva das células beta é responsável pela deterioração do controle da glicemia em pacientes com diabetes tipo-2. O declínio é de aproximadamente 4% ao ano, independentemente do tratamento.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

07) FÁRMACOS PARA TRATAMENTO DAS DISLIPIDEMIAS

Dislipidemia é a alteração nos níveis plasmáticos dos lipídeos, tais como o colesterol, triglicerídeos e fosfolipídeos. As lipoproteínas (que são complexos macromoleculares de lipídeos e proteínas) transportam os lipídeos e o colesterol através da corrente sanguínea. Esse tipo de sistema de transporte é essencial à vida, porém concentrações excessivas no plasma de uma importante classe de lipoproteínas, conhecida como lipoproteínas de baixa densidade – LDL, aumenta o risco de cardiopatia isquêmica e aterosclerose. As lipoproteínas se dividem segundo as suas dimensões e densidades em: lipoproteína de alta densidade (HDL); lipoproteína de baixa densidade (LDL); lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL); e quilomicrons. As lipoproteínas de maior interesse são a LDL, que transporta o colesterol do fígado para os vasos sanguíneos e para o tecido adiposo e muscular; e a HDL que é responsável pelo transporte de colesterol dos tecidos periféricos de volta ao fígado. As dislipidemias podem ser classificadas em primárias – que são geneticamente determinadas; e secundárias – que representam a conseqüência de outras condições, como o diabetes melito, alcoolismo, síndrome nefrótica, insuficiência renal crônica, hipotireoidismo, hepatopatia e administração de drogas, como por exemplo antagonistas dos receptores beta-adrenérgicos e diuréticos tiazídicos. As dislipidemias primárias podem ser causadas por um aumento da produção da lipoproteína pelo fígado ou diminuição do catabolismo da VLDL, isto é, redução do processo de lipólise da lipoproteína, catalisado pela lípase. Pode ainda ser causada pela diminuição da síntese da lípase ou diminuição da sua atividade. O acúmulo de LDL no plasma resulta em hipercolesterolemia, devido a defeito no gene do receptor de LDL, diminuindo o catabolismo da lipoproteína pelo fígado. As dislipidemias são um fator de risco para a aterosclerose, que é um processo dinâmico, evolutivo, a partir de dano endotelial de origem multifatorial, com características de reparação tecidual. A doença aterosclerótica é a principal causa de morte no Brasil. Na aterosclerose, os fatores de risco são capazes de lesar o endotélio vascular, causando disfunção endotelial. A partir do dano vascular, ocorre a expressão de moléculas de adesão que mediarão a entrada de monócitos em direção ao espaço intimal, que por sua vez englobarão lipoproteínas modificadas, originando células espumosas. Diferentes mediadores inflamatórios são liberados no espaço intimal, perpetuando e ampliando o processo, levando finalmente à formação da placa aterosclerótica. As placas podem ser estáveis ou instáveis. O LDL-C é fator causal e independente de aterosclerose sobre o qual devemos agir para diminuir a morbidade e a mortalidade. Classificação laboratorial das dislipidemias: a) hipercolesterolemia isolada – colesterol total (CT) maior

que 240 mg/dL; e/ou LDL-C maior que 160 mg/dL; b) hipertriglicidemia isolada - triglicerídeo maior que 200

mg/dL; c) hiperlipidemia mista – colesterol total e triglicerídeo

maiores que 240 e 200 mg/dL respectivamente; d) diminuição do HDL-C para menos que 40 mg/dL.

Tratamento farmacológico das dislipidemias

1) Inibidores da HMG-Coa redutase – Estatinas (sinvastatina, pravastatina, lovastatina, atorvastatina): Esses fármacos inibem a enzima HMG-Coa redutase, enzima chave na síntese do colesterol, levando à redução na síntese do colesterol hepático e ao aumento da expressão dos receptores da LDL na superfície do fígado. Consequentemente, haverá menor síntese das VLDL e LDL pelo fígado, além de aumentar a remoção dessas lipoproteínas. As vastatinas elevam também o HDL-C em 5 – 15% e reduzem os TG em 7 – 30%, podendo assim também ser utilizadas nas hipertrigliceridemias leves a moderadas.

Podem ocorrer níveis elevados das enzimas hepáticas em pacientes submetidos a terapia prolongada com lovastatina, sendo necessário monitorizar os resultados das provas de função hepática.

Principais efeitos adversos das estatinas: cefaléia, flatulência, dispepsia, dores musculares, prurido, e hepatotoxicidade. Estão conhtra-indicadas aos pacientes portadores de doenças hepáticas.

2) Resinas de ligação de ácidos biliares (colestiramina e colestipol): a colestiramina e o colestipol são resinas de troca aniônica, e são utilizadas para o tratamento da hipercolesterolemia. Quando administradas por via oral, seqüestram ácidos biliares do intestino e impedem sua absorção e recirculação enterohepática. O resultado consiste em redução da absorção do colesterol exógeno e no aumento

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

do metabolismo do colesterol endógeno em ácidos biliares no fígado. Este processo resulta em maior expressão dos receptores de LDL nos hepatócitos e, portanto, em aumento na remoção das LDL do sangue e redução das concentrações plasmáticas de LDL-C. Essas drogas são utilizadas em associação com uma estatina.

As resinas interferem na absorção das vitaminas lipossolúveis (A, D e K) e de certas drogas, como clorotiazida, digoxina e varfarina que por conseguinte devem ser ingeridas pelo menos uma hora antes ou 4-6 horas depois da resina. As resinas não devem ser usadas quando já houver hipertrigliceridemia pois elas agravam essa situação. As resinas são as únicas drogas permitidas para crianças e adolescentes que apresentam hipercolesterolemia resistente às medidas de restrição alimentar.

3) Fibratos (clofibrato, bezafibrato, fenofibrato, genfibrosila, etofibrato e ciprofibrato) são fármacos derivados do ácido fíbrico. Não se conhece ainda seu mecanismo exato de ação.

Eles estimulam a síntese de PPAR-alfa via ativação de um receptor nuclear de transcrição gênica (receptor PPAR - peroxisome proliferator activated receptor), a atividade de beta-oxidação de lípideos dos peroxisomas celulares. Estimulam a enzima lipase das lipoproteínas, destruindo os VLDL e libertando os lípidos para consumo nos músculos.

Os derivados de ácido fíbrico produzem um risco aumentado de sangramento quando administrados com um anticoagulante oral.

Principais efeitos adversos dos fibratos: efeitos gastrintestinais, diminuição da libido, fraqueza muscular, distúrbios do sono, alteração nos níveis das enzimas hepáticas e creatinina. 4) Ácido nicotínico - Niacina, acipimox

Inibe a atividade das lipases hormônio-sensíveis, diminuindo a liberação de ácidos graxos livres para o fígado e a síntese de VLDL; estimula a síntese e secreção de HDL e de apo A1, o que contribui para o aumento dos valores de HDL-colesterol. A administração é VO e a eliminação é urinária. A tolerância é baixa devido seus para-efeitos: rubor facial, prurido, arritmia atrial, dores abdominais, aumento das enzimas hepáticas, da glicemia e da uricemia e raramente acantose nigricans. É indicado na hipertrigliceridemia endógena, nas hiperlipidemias mistas e também na hipercolesterolemia isolada, como alternativa as vastatinas e fibratos.

5) Omega-3 Reduz a concentração plasmática de triglicerídeos, porém aumenta o colesterol, além de aumentar o tempo de sangramento. 6) Orlistat O orlistat atua exclusivamente na luz intestinal ligando-se covalentemente aos sítios catalíticos das lípases gástrica e pancreática. Com a inibição da lípase, a lipólise do triglecerídeo dietético é substancialmente reduzida e, como conseqüência, cerca de 30% dos triglicerídeos ingeridos são excretados inalterados nas fezes. 7) inibidores da absorção de colesterol - Ezetimibe

O ezetimibe diminui o tranmsporte de colesterol das micelas para os enterócitos através da inibição seletiva da captação de colesterol por uma proteína da borda em escova, denominada NPC1L1.

Em concentrações terapêuticas, o ezetimibe diminui em cerca de 50% a absorção intestinal de colesterol, sem reduzir a absorção de triglicerídios ou de vitaminas lipossolúveis. O resultado final consiste na redução das concentrações plasmáticas de colesterol LDL. A redução da absorção de colesterol diminui o conteúdo de colesterol dos quilomicrons e, portanto, reduz o moviemnto do colesterol do intestino para o fígado. No interior do fígado, o colesterol derivado dos remanescentes de quilomicrons contribui para o colesterol acondicionado nas partículas de VLDL. Por conseguinte, a inibição da absorção de colesterol diminui a sua incorporação em VLDL e também diminui as concentrações plasmáticas de colesterol LDL. Além disso, o conteúdo hepático diminuído de colesterol leva à supra-regulação do receptor de LDL, que também contribui para o mecanismo de redução das LDL por inibidores da absorção de colesterol.

O ezetimibe, em dose diária única, reduz as concetrações de colesterol LDL em cerca de 15 a 20%, além de diminuir as concentrações de triglicerídios em cerca de 8% e eleva em pequeno grau (cerca de 3%) o colesterol HDL. A associação do ezetimibe com uma estatina aumenta em 15% a eficácia da terapêutica farmacológica, em relação à administração somente de estatinas.

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

08) TRATAMENTO FARMACOLOGICO DA ASMA

A asma é uma doença caracterizada pela inflamação crônica das vias aéreas, envolvendo particularmente mastócitos, eosinófilos e linfócitos T. Em indivíduos suscetíveis, esta inflamação causa episódios recorrentes de broncoespasmos, dispnéia, opressão torácica e tosse predominantemente noturna ou no início da manhã. Estes sintomas estão invariavelmente associados à limitação generalizada do fluxo aéreo, que pode reverter-se espontaneamente ou sob tratamento. A inflamação está relacionada também com a hiper-reponsividade brônquica a vários estímulos alérgicos e não alérgicos. Seu curso clínico é caracterizado por exacerbações e remissões.

Tratamento farmacológico: O tratamento farmacológico da asma consiste basicamente na administração por aerossóis de: 1) Broncodilatadores: agonistas beta2-adrenérgicos,

xantinas e antagonistas dos receptores muscarínicos; e 2) Antiinflamatórios: glicocorticóides.

Broncodilatadores:

a) Agonistas beta2-adrenérgico (salbutamol – Aerolin, terbutalina – Brycanil, salmeterol, fenoterol – Berotec):

Os agonistas dos receptores beta-adrenérgicos são os

melhores fármacos para aliviar os ataques repentinos de asma (fármacos de resgate) e prevenir os ataques que o exercício possa causar. Ao estimularem os receptores beta-adrenérgicos, causam a broncodilatação e inibição da função de várias células inflamatórias. Esses fármacos estimulam receptores do tipo beta2-adrenérgicos da membrana celular, resultando em aumento do AMPC intracelular, que causa relaxamento da musculatura lisa, aumento da freqüência do batimento ciliar e redução da viscosidade do muco. Por causa da presença dos receptores beta2-adrenérgicos em muitos tecidos, efeitos indesejáveis ocorrem pela absorção sistêmica destes agonistas. A prevenção de tais efeitos pela redução da concentração plasmática da droga é uma das vantagens da administração dos beta-agonistas por via inalatória.

Os broncodilatadores que atuam seletivamente sobre os receptores beta2-adrenérgicos, que se encontram, sobretudo nas células pulmonares, têm poucos efeitos nos restantes dos órgãos. Esses broncodilatadores, como o albuterol, provocam menos efeitos secundários que os broncodilatadores que atuam sobre todos os receptores beta-adrenérgicos (como no caso da adrenalina, que atualmente não é mais usada para esse fim). Nesse último caso, o efeito adverso mais comum são:

- tremor: devido à ativação dos receptores beta2 no músculo esquelético;

- taquicardia e arritmia: devido à vasodilatação com taquicardia reflexa, e estímulo beta2 no coração; e

- vasodilatação periférica. Os agonistas podem ser classificados ainda em agentes de

ação curta ou longa. Essa subdivisão é útil sob o ponto de vista farmacológico, porque os agonistas de ação curta (albuterol, metaproterenol, terbutalina e pirbuterol) são usados apenas para o alívio sintomático da asma, enquanto os de ação longa (salmeterol) são utilizados profilaticamente no controle da doença.

É importante ressaltar que a estimulação dos receptores beta2-adrenérgicos inibe a função de várias células inflamatórias, incluindo os mastócitos, basófilos, eosinófilos, neutrófilos e linfócitos. Em geral, a estimulação dos receptores beta2-adrenérgicos dessas células provoca elevação do AMPc celular, desencadeando uma série de reações de

sinalização que levam à inibição da liberação dos mediadores inflamatórios e das citocinas.

b) Xantinas (teofilina, aminofilina) – inibidores das fosfodiesterases.

A teofilina é outro fármaco que produz broncodilatação, porém menos eficaz do que os agonistas beta-adrenérgicos. A teofilina inibe as enzimas fosfodiesterases (PDE) III e IV, que são as responsáveis por catalizarem a decomposição do AMPc e do GMPc. Isso aumenta os níveis de AMPc e GMPc nas células da musculatura lisa brônquica e nas células inflamatórias, o que facilita a transdução dos sinais efetivada por estas vias.

Além disso, a teofilina também é um antagonista competitivo dos receptores da adenosina, que pode atuar como autacóide. Geralmente, administra-se por via oral e encontra-se em várias apresentações, desde comprimidos de ação imediata e xaropes, até cápsulas e comprimidos de libertação controlada e ação prolongada. Nos EUA, esse fármaco foi praticamente relegado como uma terceira opção para os pacientes com asma difícil de controlar com outros mediadores. Quando se verifica um ataque grave de asma, pode administrar-se a teofilina por via endovenosa.

O valor da teofilina no sangue pode ser medido em laboratório e deve ser rigorosamente controlado por um médico (manter entre 10 a 20 microgramas/mililitro), dado que uma quantidade muito reduzida do fármaco no sangue proporciona escassos resultados, enquanto uma quantidade excessiva pode provocar uma freqüência cardíaca anormal ou convulsões potencialmente mortais. Uma pessoa com asma que toma teofilina pela primeira vez pode sentir náuseas ligeiras ou nervosismo. Ambos os efeitos secundários desaparecem, geralmente, quando o organismo se adapta ao fármaco. Quando se tomam doses maiores, produz-se muitas vezes um aumento da freqüência cardíaca ou palpitações. A pessoa pode também experimentar insônia, agitação, vômitos e convulsões.

c) Antagonistas de receptores muscarínicos (atropina, ipratrópio)

Os fármacos anticolinérgicos, como a atropina e o brometo de ipratrópio, impedem que a acetilcolina provoque a contração do músculo liso e a produção de mucosidade excessiva nos brônquios. Estes fármacos ajudam a alargar ainda mais as vias aéreas nos doentes que já receberam agonistas dos receptores beta2-adrenérgicos. Contudo, são pouco eficazes para o tratamento da asma.

O subgrupo de pacientes asmáticos que apresentam exacerbações psicogênicas pode ter resposta particularmente favorável ao ipatrópio. A broncodilatação produzida pelo ipatrópio nos pacientes asmáticos desenvolve-se mais lentamente e, em geral, é menos intensa do que a induzida pelos agonistas adrenérgcos. A variabilidade da resposta dos indivíduos asmáticos ao ipatrópio reflete provavelmente as diferenças de potência do tônus parassimpático e no grau com que a ativação reflexa das vias colinérgicas participa da geração dos sintomas de cada paciente. Desta forma, a utilidade do ipatrópio deve ser avaliada caso a caso por uma experiência terapêutica.

O tratamento simultâneo com ipatrópio e agonistas beta2-adrenérgicos possibilita uma broncodilatação

ligeiramente melhor e mais prolongada do que a conseguida com apenas um desses agentes na asma basal.

Antiinflamatórios: a) Glicocorticóides:

Os pacientes asmáticos que necessitam de 4 ou mais doses semanais de agonistas beta2-adrenérgicos inalados são considerados como candidatos aos glicocorticóides inalados, tais como abeclometasona, triancinolona, flunisolida e fluticasona.

Os corticosteróides evitam a resposta inflamatória do organismo e são excepcionalmente eficazes para reduzir os sintomas da asma. Esses agentes não relaxam a musculatura lisa das vias respiratórias e, por essa razão, têm pouco efeito na bronco constrição aguda. Por outro lado, esses fármacos são especialmente eficazes para inibir a inflamação das vias respiratórias. Quando são tomados durante períodos prolongados, os corticosteróides reduzem, gradualmente, as probabilidades dos ataques de asma, tornando as vias aéreas menos sensíveis a certos estímulos.

O glicocorticóide se liga ao receptor intracelular e este sofre uma mudança conformacional expondo o domínio de ligação com o DNA. Forma dímeros, migra para o núcleo e se liga ao DNA. Ocorre então a repressão de genes específicos responsáveis pela síntese de algumas proteínas envolvidas na inflamação tais como a COX-2 e citocinas, além de indução da sínteses de lipocortina-1 que é importante na retroalimentação e como antiinflamatório, pois inibe a fosfolipase A2, que é a responsável pela degradação dos fosfolipídeos da membrana celular com formação de ácido arquidônico. Esse mecanismo de ação promove uma redução na formação das citocinas, particularmente aquelas produzidas pelos linfócitos Th2, diminuição da ação dos eosinófilos e outras células inflamatórias, e formação reduzida de prostaglandinas.

Esses fármacos são mais utilizados profilaticamente para controlar a asma, em vez de para reverter os sintomas agudos da doença. Ao estabelecer a dose ideal do fármaco, deve-se ter em mente que o grau máximo de melhora da função pulmonar pode ocorrer apenas depois de várias semanas de tratamento.

No entanto, o uso prolongado de corticosteróides, por via oral ou em injeção, pode provocar escassa capacidade de cura das feridas, desenvolvimento insuficiente do crescimento das crianças, perda de cálcio dos ossos, hemorragia no estômago, cataratas prematuras, elevadas concentrações de açúcar no sangue, fome, aumento de peso e perturbações mentais. Os principais efeitos colaterais incluem: rouquidão, candidíase de boca ou garganta, além dos já citados para os corticosteróides sistêmicos.

Os corticosteróides por via oral ou injetados (sistêmicos) podem ser administrados durante uma ou duas semanas para aliviar um ataque grave de asma.

Geralmente, prescrevem-se corticosteróides por inalação para uso prolongado, dado que esta forma fornece 50 vezes mais fármaco aos pulmões do que ao resto do organismo. Os corticosteróides por via oral prescrevem-se para um tratamento de longa duração somente quando nenhum outro tratamento consegue controlar os sintomas. b) Cromogligato dissódico - Cromolim: O cromoglicato dissódico, parece ser capaz de reduzir a liberação de mediadores por sua ação sobre a membrana dos mastócitos e basófilos. Trata-se de fármaco de uso profilático que não deve ser usado durante as crises. O cromoglicato e o nedocromil inibem a liberação, por parte dos mastócitos, de substâncias químicas inflamatórias e

fazem com que as vias aéreas sejam menos propensas a contrair-se. São úteis para prevenir os ataques, mas não para os tratar. Estes fármacos são especialmente úteis nas crianças e nos doentes que sofrem de asma induzida pelo exercício. São muito seguros, mas relativamente caros e devem ser tomados regularmente, inclusive quando a pessoa está livre dos sintomas. Antagonistas dos receptores de leucotrienos: Zafirlukast, Prankulast e Montelukast

Esses agentes funcionam, bloqueando a interação dos leucotrienos (LTs) com o receptor cis-LT1, bloqueando, assim, a resposta do órgão-alvo aos LTs.

A evidência para o papel dos cisteinil-LTs (LTC4, LTD4, e LTE4) na asma é a presença deles no pulmão humano, após broncoprovocação e a capacidade de induzir características da asma, como broncoespasmo, secreção de muco, transporte de muco diminuído, migração de eosinófilos para o pulmão e proliferação de músculo liso. Além disso, o desenvolvimento dos antagonistas de receptores somou dados sobre o papel importante desses mediadores na asma. Inibidores de síntese de leucotrienos – Zileuton

Uma abordagem também promissora para o tratamento de asma é diminuir a formação dos leucotrienos. Os cisteinil-Ts são derivados do metabolismo do ácido aracdônico pela 5-lipoxigenase (5-LO). Várias drogas que inibem a ação da 5-LO estão em desenvolvimento e testes, por exemplo ZD-2138 e ABT-761. O zileuton está disponível para o uso clínico e é o inibidor da 5-LO mais estudado, incluído em vários trabalhos clínicos. O tratamento com zileuton proporcionou melhora da função pulmonar, redução dos sintomas, redução do uso de b-agonistas e das exacerbações de asma.

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

9) QUIMIOTERAPIA DO CÂNCER

O câncer é uma doença caracterizada pela multiplicação e propagação descontroladas no corpo de formas anormais das próprias células corporais.

Existem três abordagens principais para o tratamento do câncer: excisão cirúrgica, irradiação e quimioterapia.

Atualmente têm sido pesquisadas outras abordagens para o tratamento do câncer, tais como: imunoterapia, uso de inibidores da angiogênese, terapia com genes e modificadores da resposta biológica.

Ao ser comparada à quimioterapia das doenças bacterianas, a quimioterapia do câncer apresenta um complicado problema. Em termos bioquímicos, os microrganismos diferem das células humanas tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo, ao passo que as células cancerosas e as células normais, por serem tão semelhantes em inúmeros aspectos, dificultam a pesquisa de diferenças bioquímicas gerais exploráveis entre elas.

Para compreendermos como atuam os agentes antineoplásicos atuais, é importante considerarmos mais detidamente as características especiais da célula cancerosa.

As células cancerosas apresentam em graus variáveis quatro características que as distinguem das células normais: - proliferação descontrolada; - desdiferenciação e perda da função; - poder de invasão; e - metástases.

Inicialmente as células normais são estimuladas a sofrer divisão pelos fatores de crescimento. Com isso, a progressão através do ciclo celular é determinada por um sistema de controle do ciclo celular constituído por duas famílias de proteínas – as ciclinas e suas respectivas quinases ciclina-dependentes (cdks) – codificadas pelos proto-oncogenes nucleares. A ação das ciclinas e das cdks é modulada por várias forças negativas, como por exemplo o gene p53 e o gene do retinoblastoma (Rb). Há dois pontos de controle, um entre G1 e S (ponto 1) e o outro entre G2 e M ( ponto 2). Se houver lesão do DNA, esses inibidores interrompem o ciclo no ponto de controle 1, permitindo o reparo. Se o reparo falhar, inicia-se o processo de apoptose. A apoptose refere-se ao mecanismo intrínseco de autodestruição da célula, que consiste numa seqüência geneticamente programada de eventos bioquímicos que levam à morte celular. Ela atua como defesa de primeira linha contra mutações – removendo as células com DNA anormal que poderiam se tornar malignas.

Nas células cancerosas, ocorre perda do controle do

ciclo celular em conseqüência de:

- anormalidade na função dos fatores de crescimento; - função anormal da ciclina e cdks; - síntese anormal de DNA em decorrência da atividade de oncogenes; e -diminuição anormal das forças reguladoras negativas, devida a ocorrência de mutações dos genes supressores tumorais (p53/retinoblastoma).

Outra característica das células cancerosas é a perda da

capacidade de diferenciação, ocasionando a perda da sua função. Além disso, elas apresentam poder de invadir outros tecidos sem sofrer a ação dos fatores apoptóticos. As células normais, ao invadirem outros tecidos senão aquele que lhe é próprio, sofrem apoptose. As células cancerosas não apenas perdem os fatores de restrição (apoptose) que atuam sobre as células normais, como também secretam as enzimas (metaloproteinas) que decompõem a matriz extracelular, permitindo sua introdução nesse espaço e a criação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) necessários à nutrição do tumor.

As metástases são tumores secundários formados por células que foram liberadas pelo tumor inicial ou primário e atingiram outros locais através dos vasos sanguíneos e linfáticos ou em decorrência de sua descamação em cavidades corporais.

Uma célula normal transforma-se em célula cancerosa em conseqüência de uma mutação no seu DNA, que pode ser herdada ou adquirida com o tempo. Existem duas categorias principais de alterações genéticas que levam ao desenvolvimento de câncer: - inativação dos genes supressores tumorais (que identificam alterações na formação do DNA, quando interrompem o ciclo celular para que haja o devido reparo, ou caso contrário, defragam a apoptose – exemplo proteína p53); e - ativação de proto-oncogenes (que controlam o crescimento e a diferenciação normal) em oncogenes. Os oncogenes são os que conferem malignidade a uma célula.

As neoplasias que contêm células bem diferenciadas, agrupadas em uma única massa são consideradas benignas. Já as neoplasias malignas são menos diferenciadas e têm a habilidade de se destacar, entrar nos sistemas circulatório ou linfático, bem como formar tumores malignos em outros locais

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Os tumores benignos são designados por terminação

“oma” (por exemplos, adenoma, osteoma etc). Os tumores malignos são designados por “carcinoma” (por exemplo, adenocarcinoma). Os malignos de origem mesenquimal são designados por “sarcoma” (por exemplo, osteossarcoma).

As neoplasias benignas são caracterizadas por taxa lenta e progressiva de crescimento que pode se manter ou regredir, modo expansivo de crescimento, presença de cápsula fibrosa bem definida e por não formar metástases. São compostas por células bem diferenciadas que se assemelham às células do tecido de origem. Os tumores benígmos parecem ter perdido a habilidade de suprimir o programa genético para replicação celular, mas conservam o programa para diferenciação celular normal.

As neoplasias malignas tendem a crescer independentemente de sua localização original. Devido à sua rápida taxa de crescimento, os tumores malignos tendem a comprimir vasos sanguíneos e impedir o fluxo sanguíneo, causando isquemia e necrose tissular; privar os tecidos normais dos seus nutrientes essenciais; e liberar enzimas e toxinas que destroem os tecidos tumoral e normal. A natureza destrutiva dos tumores malignos é relacionada a sua falta de diferenciação celular, características celulares, taxa de crescimento e habilidade de se espalhar e formar metástases. Seu crescimento é invasivo por infiltração.

O termo anaplasia é usado para descrever a falta de diferenciação celular no tecido canceroso.

Em muitos tipos de câncer, a primeira evidência de doença disseminada é a presença de células tumorais nos linfonodos que drenam a área tumoral. Como os canais linfáticos têm acesso ao sistema venoso, as células cancerosas que sobrevivem podem, eventualmente, soltar-se e passar ao sistema venoso. Um dos primeiros sinais de alerta do câncer colorretal é o sangramento nas fezes.

O sistema de classificação TNM classifica o câncer em

estágios usando três componentes tumorais:

T – indica a extensão do tumor primário: Tx = o tumor não pode ser avaliado corretamente; T0 = sem evidência do tumor primário; Tis = carcinoma in situ (existente no local); T1-4 = aumento progressivo em tamanho ou envolvimento do tumor. N – indica o envolvimento dos linfonodos: Nx – linfonodos não podem ser avaliados corretamente; N0 = sem evidências de metástases; N1 – 3 = linfonodos regionais. M – indica metástases: Mx = não avaliado corretamente; M0 = sem metástases distantes; M1 – presença de metástases distantes. Princípios gerais de ação dos agentes antineoplásicos citotóxicos:

Os agentes antineoplásicos são, em sua maioria, antiproliferativos, danificam o DNA e, portanto, desencadeiam o processo da apoptose. Eles agem somente no processo de divisão celular. Esses fármacos não exercem nenhum efeito

inibitório específico sobre o poder invasivo, a perda da diferenciação ou sobre a tendência a sofrer metástase. Isso se torna um grande problema para a quimioterapia pois as células de um tumor sólido podem ser divididas em três compartimentos:

O compartimento A, que consiste em células em divisão que, possivelmente, estão continuamente no ciclo celular;

O compartimento B, que consiste em células em repouso (na fase Go – células quiescentes) – células que, apesar de não estarem se dividindo, são potencialmente capazes de fazê-lo; e

O compartimento C, constituído por células que não são mais capazes de sofrer divisão, mas que contribuem no volume do tumor. Praticamente apenas as células que se encontram no compartimento A, que podem constituir apenas 5% de alguns tumores sólidos, são suscetíveis aos principais fármacos atualmente disponíveis. As células do compartimento C não representam um problema – é a existência de células no compartimento B que torna difícil a quimioterapia do câncer, visto que essas células não são muito sensíveis aos agentes citotóxicos, mas têm tendência a retornar ao compartimento A depois de um curso de quimioterapia.

Além disso, como o efeito principal dos agentes antineoplásicos citotóxicos é exercido sobre a divisão celular, eles irão afetar todos os tecidos normais que se dividem rapidamente, podendo produzir, em maior ou menor grau, os seguintes efeitos tóxicos gerais: - toxicidade da medula óssea, com redução da produção de leucócitos e, portanto, menor resistência à infecções; - cicatrização deficiente de feridas; - queda dos cabelos (alopecia); - lesão do epitélio gastrintestinal; - depressão do crescimento em crianças; - esterilidade; - teratogenicidade. - podem causar câncer; - deposição de uratos nos túbulos renais causando lesão renal; - náuseas e vômitos. Exemplos de estratégias para contornar os principais efeitos indesejáveis dos quimioterápicos: ANTINEOPLÁSICOS PLAQUETAS LEUCÓCITOS HEMÁCEAS TRANSFUSÃO FATOR DE ERITROPOETINA CRESCIMENTO ANTINEOPLÁSICOS MUCOSITE CANDIDÍASE NÁUSEAS DIARRÉIA BICARBONATO ANTIFÚNGICOS ANTIEMÉTICOS ATROPINA SÓDIO LOPERAMIDA SUCRALFATO

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

As principais classes de fármacos utilizados na quimioterapia oncológica são:

- Agentes alquilantes – ciclofosfamida, lomustina e cisplatina – esses fármacos se ligam ao DNA causando a ruptura da cadeia, ou a sua replicação defeituosa, o que deflagra a apoptose, Atuam durante todas as fases do ciclo celular. - Agentes antimetabólicos – metrotexato, fluorouracil, citarabina, mercaptopurina, fludarabina e pentostatina – esses fármacos bloqueiam a síntese de DNA ao bloquear as enzimas necessárias a esse processo, ou ao fraudarem seus substratos. Agem na fase S do ciclo celular. - Antibióticos citotóxicos – doxorrubicina, bleomicina, dactnomicina e mitomicina – inibem a síntese de DNA ao intervirem nas enzimas envolvidas no processo (DNA-girase, RNA polimerase) ou através da formação de um agente alquilante; - Derivados de vegetais - vincristina, etoposida, paclitaxel e irinotecano – esses fármacos agem sobre a enzima topoisomerase, ou se ligam a tubulina ou aos microtúbulos, inibindo a mitose ou a formação do DNA. Interferem na formação do fuso mitótico durante a fase M do ciclo celular.

Com freqüência, embora o tumor primário possa responder de modo satisfatório à quimioterapia, as células metastáticas mais diferenciadas respondem de modo precário. A disseminação metastática frequentemente representa um sinal de prognóstico sombrio.

De uma forma geral, os tumores são mais sensíveis à quimioterapia quando apresentam crescimento rápido. Além disso, oc cânceres que expressam uma p53 selvagem são muito responsivos à quimioterapia (câncer de testículos, leucemias e os linfomas). Por outro lado, os câneceres que apresentam uma mutação em p53 (câncer de pâncreas, de pulmão ou de cólon) exibem uma resposta mínima ou mesmo são resistentes aos fármacos que produzem lesão ao DNA. Fármacos usados na quimioterapia do câncer: 1) Agentes alquilantes: esses fármacos possuem grupo alquil que pode formar ligações covalentes com substituintes celulares; o intermediário reativo é um íon carbônico, que é altamente reativo e reagem instantaneamente com um doador de elétrons, como os grupos amina, -OH e –SH que são encontrados no DNA. A maioria apresenta dois grupos alquilantes e pode formar ligações cruzadas entre dois sítios nucleofílicos, como o N7 da guanina no DNA. A ligação cruzada pode causar replicação defeituosa, devido ao pareamento de alquilguanina com timina, resultando em substituição de GC por AT, ou excisão da guanina e ruptura da cadeia.

Seu principal efeito é observado durante a síntese de DNA; a lesão resultante do DNA desencadeia o processo da apoptose. Os efeitos adversos incluem mielosupressão, esterilidade e risco de leucemia não linfocítica. Portanto, esses agentes alteram o DNA em formação provocando o processo apoptótico da célula.

Os principais agentes alquilantes são:

- Mostardas nitrogenadas: por exemplo, a ciclofosfamida, a qual é ativada produzindo aldofosfamida, que é então convertida em mostarda de fosforamida. A mielosupressão causada pela ciclofosfamida afeta particularmente os linfócitos. Devem ser usados doadores de sulfidrila, como N-acetilcisteína ou mesna (sulfonato de sódio-2-mercapto-etano) para reduzir as náuseas e os vômitos. - Nitrosuréias: por exemplo, a lomustina pode atuar sobre as células que não estão se dividindo; pode atravessar a barreira hematoencefálica; e causar mielotoxidade cumulativa tardia. Já a cisplastina provoca ligação intra-filamento no DNA resultando na ruptura das pontes de hidrogênio entre as bases guanina e citosina o que impede a duplicação do DNA que é essencial à divisão celular; possui baixa mielotoxidade, mas provoca náuseas e vômitos intensos (o que pode ser contornado com ondasetrona – antagonista dos receptores 5-HT3) e pode ser nefrotóxica. Revolucionou o tratamento de tumores nas células germinativas (ovários e testículos). 2) Agentes Antimetabólicos: Esses fármacos bloqueiam ou subvertem a síntese de DNA. - antagonistas do folato – os folatos são essenciais para a síntese de nucleotídeos de purina e do timidilato, os quais por sua vez são indispensáveis para a síntese de DNA e a divisão celular. O metotrexato inibe o diidrofolato redutase, impedindo a produção de tetraidrofolato; a principal conseqüência consiste na interferência na síntese de timidilato. O metotrexato é captado nas células pelo transportador de folato e, a exemplo deste último, é convertido na forma de poliglumato. As células normais afetadas por altas doses podem ser resgatadas com ácido folínico. Efeitos adversos: mielosupressão, possível nefrotoxidade. - análogos da pirimidina – o fluorouracil é convertido num nucleotídio fraudulento e inibe a síntese de timidilato e, por conseguinte, na síntese de DNA. A citarabina na sua forma trifosfato inibe a DNA polimerase; trata-se de um potente mielossupressor. - análogos da purina – a mercaptopurina é convertida num nucleotídio fraudulento. A fludarabina na sua forma trifosfato inibe a DNA polimerase (que é a responsável pela polimerização das novas fitas de DNA); possui efeito mielossupressor. A pentostatina inibe a adenosina desaminase – uma via essencial no metabolismo das purinas. 3) Antibióticos citotóxicos:

A doxorrubicina inibe a síntese de DNA e de RNA; o efeito sobre o DNA decorre principalmente da interferência na ação da topoisomerase II (ou DNA girase, que é responsável pelo espirilamento do DNA). Efeitos adversos: náusea e vômito, mielossupressão, queda de cabelo; é cardiotóxica em altas doses. A bleomicina causa fragmentação de cadeias de DNA. Pode atuar sobre as células que não estão se dividindo. Efeitos adversos: febre, alergias, reações mucocutâneas, fibrose pulmonar. Praticamente não produz mielossupressão. A dactnomicina intercala-se no DNA, interferindo na RNA

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

polimerase e inibindo a transcrição. Interfere também na topoisomera II. A mitomicina é ativada, produzindo um metabólito alquilante. 4) Agentes antineoplásicos derivados de vegetais: a vincristina inibe a mitose na metáfase ligando-se à tubulina. Relativamente atóxica, mas pode causar efeitos neuromusculares indesejáveis. A ectoposida inibe a síntese de DNA por agir sobre a topoisomerase II; além disso, inibe a função mitocondrial. Os efeitos adversos comuns incluem vômitos, mielossupressão e alopécia.

O paclitaxel estabiliza os microtúbulos, inibindo a mitose; relativamente tóxico; ocorrem reações de hipsersensibilidade.

O irinotecano liga-se a topoisomerase I e a inibe; ocorrem relativamente poucos efeitos tóxicos. 5) hormônios e isótopos radioativos: os hormônios ou seus antagonistas são utilizados em tumores sensíveis a hormônios: - glicocorticóides para leucemias e linfomas;

- tamoxifeno para tumores de mama; - análogos do GnRH para tumores de próstata e de mama; - antiandrogênios para câncer de próstata; - inibidores da síntese de hormônios sexuais para o câncer de mama pós-menopáusico; 6) agentes antineoplásicos diversos: A procarbazina inibe a síntese de DNA e RNA e interfere na mitose; A crisantaspase mostra-se ativa contra células da leucemia linfoblástica aguda que não podem sintetizar asparagina. A hidroxiuréia inibe a ribonucleotidio redutase. A ansacrina atua sobre a topoisomerase II. A mitoxantrona provoca ruptura na cadeia do DN O mitotano interrompe a síntese de esteróides cortiço-supra-renais.

Resumo dos mecanismos e locias de ação dos principais antineoplásicos:

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

10 ) FÁRMACOS ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS Os fármacos ansiolíticos são utilizados no tratamento dos sintomas da ansiedade, enquanto os fármacos hipnóticos são utilizados no tratamento da insônia. Apesar dos objetivos clínicos serem diferentes, as mesmas drogas são frequentemente usadas para ambas as finalidades, variando-se neste caso somente a dose para cada fim, devido ao fato de que as drogas que aliviam a ansiedade geralmente produzem certo grau de sedação e sonolência, que é um dos principais inconvenientes do uso clínico dos ansiolíticos. Os principais grupos de agentes ansiolíticos e hipnóticos são: os benzodiazepínicos, os agonistas dos receptores de 5-HT, os barbitúricos (obsoletos) e os antagonistas dos receptores beta-adrenérgicos (propanolol). 1 – Benzodiazepínicos: Os benzodiazepínicos são usados como ansiolíticos e hipnóticos (triazolam, midazolam, zolpidem, lorazepam, alprazolam, nitrazepam, diazepam, clordiazepóxido, flurazepam, e clonazepam). Esses medicamentos não exercem efeitos antidepressivos. Os benzodiazepínicos agem através de sua ligação a um sítio regulador específico sobre o receptor GABAa potencializando, assim, o efeito inibitório do GABA. O aumento na condutância dos íons de cloreto, induzido pela interação dos benzodiazepínicos com o GABA, assume a forma de um aumento na freqüência de abertura dos canais. Afetam principalmente o sistema límbico (unidade responsável pelas emoções). O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do cérebro, pois ao se ligar aos seus receptores, aumenta a freqüência de abertura dos canais de cloreto (Cl-). A entrada de cloreto no neurônio ocasiona a sua hiperpolarização com conseqüente queda da excitabilidade celular. Existem subtipos do receptor GABAa em diferentes regiões do cérebro, que diferem na sua sensibilidade aos benzodiazepínicos. Os benzodiazepínicos ansiolíticos são agonistas nesse local regulador. Outros benzodiazepínicos, como por exemplo, o flumazenil, são antagonistas e impedem as ações dos benzodiazepínicos ansiolíticos. O flumazenil pode ser usado no caso de superdosagem de benzodiazepínicos, e para reverter a ação sedativa dos benzodiazepínicos administrados durante a anestesia. O flumazenil não antagoniza a ação dos barbitúricos e do etanol. Os benzodiazepínicos causam: - redução da ansiedade e da agressão; - sedação, resultando em melhora da insônia; - relaxamento muscular e perda da coordenação motora; - supressão das convulsões (efeito antiepilético). Os benzodiazepínicos são ativos por via oral e diferem principalmente quanto à sua duração de ação. Os agentes de ação curta (lorazepam e temazepam) são utilizados como pílulas para dormir. Alguns agentes de ação prolongada (diazepam e clordiazepóxido) são convertidos em metabólitos ativos de ação prolongada (convertidos em nordazepam). Os benzodiazepínicos são relativamente seguros em superdosagem. Suas principais desvantagens consistem em interação com álcool, efeitos prolongados de ressaca e

desenvolvimento de dependência. Em virtude dos sintomas físicos da abstinência (aumento da ansiedade, tremor e vertigem), os pacientes têm dificuldade em abandonar o uso dos benzodiazepínicos. A tolerância é diminuída em relação aos barbitúricos. Além disso, eles se ligam fortemente às proteínas plasmáticas e muitos se acumulam gradualmente na gordura corporal em virtude da sua elevada solubilidade lipídica. Os principais efeitos colaterais dos BZD consistem em sonolência, confusão, amnésia e comprometimento da coordenação motora. Quando os benzodiazepínicos são administrados juntamente com outros depressores do SNC (álcool e anticonvulsivantes), o resultado consiste em aumento dos efeitos sedativos e depressores do SNC, incluindo perda da consciência, diminuição da coordenação muscular, depressão respiratória e morte. 2 – Barbitúricos (pentobarbital, fenobarbital e tiopental): Todos os barbitúricos exercem atividade depressora sobre o sistema nervoso central, produzindo efeitos semelhantes aos dos anestésicos de inalação. Causam morte por depressão respiratória e cardiovascular se forem administrados em grandes doses, constituindo um dos motivos pelos quais são atualmente pouco utilizados como agentes ansiolíticos e hipnóticos. Os barbitúricos que continuam sendo utilizados amplamente são os que exibem propriedades específicas, como o fenobarbital – utilizado por sua atividade anticonvulsivante, e o tiopental – amplamente utilizado como anestésico intravenoso. Os barbitúricos compartilham com os benzodiazepínicos a capacidade de potencializar a ação do GABA; entretanto, ligam-se a um sítio diferente no receptor de gaba/canal de cloreto, e sua ação parece ser muito menos específica. Parecem aumentar a duração da abertura dos canais de cloreto regulados pelo GABA. Além do risco da superdosagem perigosa, as principais desvantagens dos barbitúricos residem no fato de que induzem um elevado grau de tolerância e de dependência; além disso, induzem acentuadamente à síntese do citocromo P-450 hepático e das enzimas de conjugação. Portanto, aumentam a velocidade de degradação metabólica de muitas outras drogas, dando origem a diversas interações farmacológicas potencialmente incômodas. A tolerância – que consiste numa diminuição da responsividade a determinada droga após exposição repetida – constitui uma característica comum dos sedativos-hipnóticos. A tolerância pode ser explicada em parte pelo aumento do metabolismo da droga no caso dos barbitúricos, e devido a infra-regulação dos receptores de benzodiazepínicos no cérebro. A dependência fisiológica pode ser descrita como um estado fisiológico alterado que exige a administração contínua da droga para impedir o aparecimento de uma síndrome de abstinência. No caso dos sedativos-hipnóticos essa síndrome caracteriza-se por estados de maior ansiedade, insônia e

excitabilidade do SNC, que podem progredir para convulsões. Os sedativos-hipnóticos são em sua maioria capazes de produzir dependência fisiológica quando utilizados de modo crônico. Canal de Cloreto:

3 – Agonistas dos receptores 5-HT (buspirona, ipsapirona e gepirona): Além da via do GABA, muito outros neurotransmissores e moduladores foram implicados na ansiedade e no distúrbio do pânico, particularmente a 5-HT, a noradrenalina e os neuropeptídeos. A serotonina possui efeitos inibitórios e excitatórios no SNC. A buspirona é um potente agonista (apesar de não ser seletivo) a nível do receptores 5-HT1A (inibitórios da serotonina). Porém, ela não possui ação hipnótica, anticonvulsivante ou miorelaxante. A ipsapirona e a gepirona são semelhantes. Eles atuam sobre os receptores pré-sinápticos inibitórios, reduzindo assim a liberação de 5-HT e de outros mediadores. Além disso, inibem a atividade dos neurônios noradrenérgicos do lócus celúreos, e desta maneira, interferem nas reações de reatividade. Entretanto, são necessários dias ou semanas para que a buspirona produza seu efeito no homem, sugerindo um mecanismo de ação indireto mais complexo, o que também torna o fármaco inapropriado para o tratamento da ansiedade aguda. A buspirona é ineficaz nos episódios de pânico. Esses medicamentos não causam sedação nem descoordenação motora, e não foram relatados efeitos de abstinência.

4 – Antagonistas dos receptores beta-adrenérgicos (propranolol): Essas drogas são utilizadas no tratamento de algumas formas de ansiedade, particularmente quando os sintomas físicos são incômodos, como sudorese, tremor e taquicardia. Sua eficácia depende mais do bloqueio das respostas simpáticas periféricas do que de qualquer efeito central. Algumas vezes são usados por atores e músicos para reduzir os efeitos do medo do palco. OBS: a injeção letal, utilizada nos EUA para a execução da pena de morte, é composta por tiopental (para sedar) + bometo de pancurônio (para paralisar o diafragma) + brometo de potássio (para paralisar o coração).

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

11) FÁRMACOS ANTIPSICÓTICOS

As psicoses são caracterizadas por uma ou mais das seguintes manifestações: perda de encadeamento lógico do pensamento, incapacidade de julgamento, percepção incorreta da realidade, alucinações, ilusões, excitação extrema, e comportamento violento.

Os tipos mais importantes de psicose são: - a esquizofrenia; - distúrbios afetivos (depressão e mania); - psicoses orgânicas (causados por traumatismo, álcool ou outras doenças orgânicas).

A esquizofrenia é uma doença psicótica caracterizada por delírios e distúrbio do pensamento (sintomas positivos), juntamente com isolamento social e achatamento das respostas emocionais (sintomas negativos).

Atualmente, uma das hipóteses mais aceitas como sendo relacionadas na patogenia da esquizofrenia fala de uma combinação de hiperfunção da dopamina e hipofunção dos glutamatos no sistema neuronal, juntamente com um envolvimento pouco esclarecido dos receptores da serotonina (5HT2) e um balanço entre esses receptores com os receptores dopamínicos (D2).

Os fármacos antipsicóticos são usados para o tratamento da esquizofrenia. Os principais fármacos antipsicóticos típicos (bloqueiam somente os receptores D2) são: Clorpromazina Levomepromazina Triflupromazina Tioridazina Flufenazina Trifluoperazina Perfenazina Pipotiazina Tiotixeno Haloperidol Droperidol Triperidol.

A expressão “antipsicótico atípico” é utilizada para descrever os agentes mais efetivos e associados a riscos significativamente menores de efeitos extrapiramidais, e por bloquearem os receptores D2 e de outras monoaminas, tais como os de 5HT-2. Os representantes deste grupo são: Clozapina Olanzapina Quetiapina Respiridona, em pequenas doses.

Dentre os antipsicóticos tradicionais, clorpromazina foi o representante fenotiazínico selecionado como referência pelo efeito mais sedativo, útil no surto psicótico, e haloperidol para tratamento de manutenção.

A causa da esquizofrenia continua indefinida, porém envolve uma combinação de fatores genéticos e ambientais. A “teoria da dopamina”, apesar de ser controversa, prevê que há uma hiperatividade da dopamina no cérebro dos pacientes esquizofrênicos. Por outro lado, a hipoatividade da dopamina nos gânglios da base é a principal causa da doença de Parkinson.

A teoria envolvendo o glutamato e receptores NMDA, que também tenta explicar a etiopatologia da esquizofrenia, baseia-se no fato da fenciclidina (um antagonista dos receptores NMDA) induzir sintomas positivos e negativos da esquizofrenia; enquanto testes realizados com agonistas dos receptores NMDA combatem os sintomas da doença (ver figura 03). Na atualidade são conhecidas cinco vias ou sistemas dopaminérgicos importantes no cérebro. A primeira via – a mais estreitamente relacionada ao comportamento – é a via mesolímbico-mesocortical, que se projeta dos corpos celulares próximos da substância negra para o sistema límbico e neocórtex. A segunda via – a via nigroestriatal – consiste em neurônios que se projetam da substância negra até o caudado e o putame; essa via está envolvida na coordenação dos movimentos voluntários. A terceira via – o sistema tuberoinfundibular – liga os núcleos arqueados e neurônios periventriculares ao hipotálamo e à hipófise posterior. A dopamina liberada por esses neurônios inibe fisiologicamente a secreção de prolactina. A quarta via dopaminérgica – a via medular-periventricular – consiste em neurônios no núcleo motor do vago, cujas projeções ainda não estão bem definidas. Esse sistema pode estar envolvido no comportamento da alimentação. A quinta via – a via incerto-hipotalâmica – estabelece conexões entre a zona incerta medial e o hipotálamo e a amígdala.

Figura 01 – Vias dopaminérgicas no SNC:

Acredita-se que a ação antipsicótica seja produzida

pela capacidade das drogas de bloquear a dopamina nos sistemas mesolímbico e meso-cortical. Além disso, o antagonismo da dopamina no sistema nigro-estriatal explica o efeito indesejável do parkinsonismo provocado por esses fármacos.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

2

A hiperprolactinemia, que acompanha o tratamento com fármacos antipsicóticos, é causada pelo bloqueio do efeito inibitório tônico da dopamina sobre a liberação de prolactina pela hipófise. Por conseguinte, a mesma ação farmacodinâmica pode ter consequências psiquiátricas, neurológicas e endocrinológicas distintas.

As pesquisas atuais são orientadas para a descoberta de compostos antipsicóticos atípicos que sejam mais seletivos para o sistema mesolímbico (a fim de reduzir seus efeitos sobre o sistema extrapiramidal). Via Corpo Celular Inervação Resposta

s Doença Associada

Mesolímbica Mesencéfalo (Área Ventral)

Sistema Límbico

Emocionais e Via do prazer

Dependência e Esquizofrenia

Mesocortical Mesencéfalo (Área Ventral)

Córtex Frontal Córtex Temporal

Emoção e Cognição

Esquizofrenia

Túbero-Infundibular

Hipotálamo Hipófise Endócrinas

Patologias endócrinas: Plasil® - Antiemético estimulador da lactação – inibe PIH.

Nigro-Estriatal Substância Negra

Corpo Estriado

Controle motor fino

Parkinson

Vários outros transmissores, particularmente a 5-HT –

que exerce um efeito modulador sobre as vias da dopamina -, a noradrenalina e o glutamato, interagem fortemente com as vias da dopamina e podem ser importantes em relação às ações das drogas antipsicóticas e, possivelmente também, na etiologia da esquizofrenia. Apesar dos neurolépticos tradicionais bloquearem receptores adrenérgicos, serotoninérgicos, colinérgicos e histaminérgicos, todos eles têm em comum a ação farmacológica de bloquear os receptores dopaminérgicos.

É em relação a estes últimos que os estudos têm demonstrado os efeitos clínicos dos neurolépticos. O bloqueio dos outros receptores, além dos dopaminérgicos, estaria relacionado mais aos efeitos colaterais da droga do que aos terapêuticos.

A esquizofrenia e transtornos esquizofreniformes podem ser manejados em dois momentos distintos: fase aguda e fase de manutenção.

Na fase aguda (surto psicótico), o objetivo do tratamento é o alívio e redução dos sintomas, com melhora do funcionamento social do indivíduo. O tratamento visa evitar danos advindos da agressividade e permitir rápido retorno a melhor nível de funcionamento. Medicamentos antipsicóticos (principalmente os mais sedativos) são indicados em quase todos os episódios psicóticos agudos. Os benzodiazepínicos podem ser administrados juntamente com antipsicóticos para evitar os efeitos colaterais nesta fase.

Embora seja importante que o paciente participe da decisão quanto ao uso de medicamentos, no surto psicótico sua administração costuma ser feita independentemente do desejo do paciente. Do ponto de vista de eficácia e segurança, os antipsicóticos convencionais e alguns dos novos, como a risperidona, são opções para tratamento inicial da esquizofrenia.

Na fase de manutenção, objetiva-se manter o paciente assintomático ou ainda melhorar o nível de funcionamento e a qualidade de vida

1, além de reduzir as recaídas. Em pacientes

com pouca adesão ao tratamento, formas intramusculares de depósito - que permitem grande espaçamento entre doses – constituem alternativa.

Quando o paciente não responde a tentativas adequadas (4 a 6 semanas com doses plenas) de pelo menos dois antipsicóticos, fica caracterizada a refratariedade, indicação para uso de clozapina. Em pacientes com contra-indicação ao emprego desse medicamento, pode-se considerar o uso de olanzapina ou a associação de antipsicóticos com lítio, carbamazepina, ácido valpróico ou benzodiazepínico.

Os sintomas positivos da esquizofrenia (delírios e distúrbios do pensamento) são mais passíveis de responder à terapia com antipsicóticos típicos. Já os sintomas negativos (isolamento social e diminuição das respostas emocionais) respondem mais favoravelmente às drogas antipsicóticas atípicas.

Mecanismo de ação das drogas antipsicóticas:

Todas as drogas antipsicóticas típicas são antagonistas ao nível dos receptores D2 pós-sinápticos da dopamina. Os antipisicóticos atípicos também bloqueiam outros receptores de monoaminas, particularmente 5HT. A clozapina também bloqueia os receptores D4.

A ativação pela dopamina dos receptores D2 pós-sinápticos inibe a produção de adenilato ciclase através das proteínas Gi, o que impede a conversão de ATP em AMPc, e consequentemente, interrompe a ativação da proteína cinase C. Além disso, ativa os canais de K+ (hiperpolarização celular) e suprime as correntes dos canais de Ca+ controlados por voltagem, caracterizando um efeito inibitório (ver figura 02A).

A inibição desses receptores pelos fármacos antipsicóticos faz com que o ATP passe a ser convertido em AMPc e este aumente a atividade da proteína cinase C. A PKC por sua vez fosforila os canais de K+, determinando seu fechamento e a repolarização sináptica. O resultado desse evento é o favorecimento dos processos de despolarização da membrana com a conseqüente inibição dos sintomas positivos da doença (ver figura 02B).

Por outro lado, os autoreceptores D2 (pré-sinápticos) suprimem a síntese de dopamina ao reduzir a fosforilação da tirosina-hidroxilase (enzima necessária à síntese de dopamina a partir da tirosina). Além disso, limitam a liberação de dopamina através da modulação dos canais de K+ e Ca+. O aumento da abertura dos canais de K+ resulta em uma maior corrente que hiperpolariza o neurônio, de modo que é necessária uma maior despolarização para atingir o limiar de descarga. A diminuição da abertura dos canais de Ca+ resulta em níveis diminuídos de Ca+ intracelular. Como o cálcio é necessário para o deslocamento da vesícula sináptica e sua fusão com a membrana pré-sináptica, a diminuição das concentrações intracelulares de cálcio resulta em liberação diminuída de dopamina. Esses receptores são alvos das pesquisas de novos fármacos para o tratamento da esquizofrenia.

Os antipsicóticos levam dias ou semanas para exercer seus efeitos. Isto se dá devido ao fato de possuírem uma meia-vida longa, e pelo fato de que um fármaco alcança níveis estáveis somente após aproximadamente 5 tomadas.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

3

No homem, o efeito das drogas antipsicóticas consiste em produzir um estado de apatia e menor iniciativa. O indivíduo mostra menos emoções, demora a responder a estímulos externos e tende a adormecer. Entretanto, é facilmente despertado e pode responder com precisão a eventuais perguntas, não havendo nenhuma perda acentuada da função intelectual. As tendências agressivas são fortemente inibidas.

Efeitos colaterais dos antipsicóticos: Muitos dos efeitos adversos dos antipsicóticos são

provavelmente mediados pela ligação desses fármacos aos receptores D2 nos núcleos da base e na hipófise.

Os efeitos colaterais comuns à maioria das drogas antipsicóticas consistem em distúrbios motores extrapiramidais e os distúrbios endócrinos.

O sistema extrapiramidal é constituído pelas vias motoras que conectam o córtex cerebral com as vias dos nervos espinhais. Quando estimulados produzem síndrome Parkinsoniptica, acatisia (inquietação incontrolável) e reações distônicas agudas.

As distonias agudas consistem em movimentos involuntários, tremor e rigidez que provavelmente são conseqüentes ao bloqueio dos receptores de dopamina nigroestriais.

A discinesia tardia caracteriza-se principalmente por movimentos involuntários da face dos membros, aparecendo dentro de vários meses ou anos depois do tratamento antipsicótico. Pode estar associada à proliferação de receptores de dopamina no corpo estriado.

A incidência das distonias agudas e da discinesia tardia é menor com os agentes antipsicóticos atípicos, sendo particularmente baixa com a clozapina

Os distúrbios endócrinos consistem no aumento da liberação de prolactina, com consequente amnorréia, galactorréia, teste falso-positivo de gravidez, ginecomastia e diminuição da libido nos homens.

A sedação, a hipotensão e o aumento do peso corporal também são comuns. Esses efeitos são secundários ao bloqueio dos receptores da dopamina.

Outros efeitos colaterais, tais como: boca seca, visão turva e hipotensão, são devido ao bloqueio de outros receptores, particularmente dos alfa-adrenérgicos e dos receptores muscarínicos de acetilcolina.

A síndrome maligna antipsicótica é uma reação idiossincrásica rara, porém potencialmente perigosa. Clinicamente se observa um grave distúrbio extrapiramidal acompanhado por intensa hipertermia (de origem central) e distúrbios autonômicos. Leva a óbito numa proporção de 10% dos casos.

Como os tecidos adiposos liberam lentamente os metabólitos fenotiazídicos acumulados no plasma, as fenotiazidas podem produzir efeitos por um período de até três meses após sua interrupção.

Observações: muitos fármacos antagonistas da dopamina (fenotiazinas, metoclopramida) possuem atividade antiemética pois existem receptores D2 na área do bulbo (zona do gatilho quimiorreceptora) associados ao desencadeamento do vômito.

Figura 02 - Mecanismo e ação dos receptores D2 da dopamina:

A) - Ativação dos receptores D2: em condições normais a dopamina se liga ao receptor D2 que ativa a subunidade alfa da proteína G que se desloca e liga-se à adenilciclase inibindo-a. Este mecanismo impede a conversão do ATP em AMPc e a sinalização de segundos mensageiros, no caso a proteína cinase C (PKC). Esta cascata de eventos mantém os canais de K+ abertos, do que resulta a hiperpolarização da membrana celular. O incremento da função dopaminérgica promove os sintomas característicos da esquizofrenia. B) - Bloqueio de receptores D2: neste caso, não ocorre a ativação da proteína G e ligação da subunidade alfa à adenilciclase. O ATP passa a ser convertido em AMPc e este aumenta a atividade da PKC. A PKC por sua vez fosforila os canais de íons K+, determinando seu fechamento e a repolarização da membrana sináptica. O resultado destes eventos é o favorecimento dos processos de despolarização da membrana com a consequente inibição dos sintomas positivos da doença. Figura 03 – Circuitos neuronais e neurotransmissores envolvidos na esquizofrenia:

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

4

Esquema representativo dos circuitos neuroniais e neurotransmissores que participam na gênese da esquizofrenia. Projeções glutamatérgicas corticais (excitatórias) ativam as vias dopaminérgicas na área tegmental ventral. A dopamina atua inibindo o estriado ventral e este o tálamo, estrutura que transmite as informações sensoriais para o córtex. Se um excesso da transmissão tálamocortical ocorrer, devido à diminuição da atividade glutamatérgica e aumento da função dopaminérgica (desinibição da via dopaminérgica mesolímbica), sintomas positivos podem aparecer. Sinal + indica sinápses excitatórias e sinal – sinápses inibitórias. DA- dopamina; glu- glutamato e GABA- ácido gama-aminobutírico. Figura 04 – representação da hipofunção cortical dos receptores glutamatérgicos tipo NMDA:

Representação hipotética associando a hipofunção cortical (redução da atividade de receptores NMDA) e os sintomas da esquizofrenia. A hipofunção cortical repercute sobre o sistema dopaminérgico mesolímbico determinando a desinibição do sistema mesolímbico e o consequente aparecimento dos sintomas positivos. A atividade dos neurônios mesolímbicos depende da estimulação de vias descendentes corticais de forma que a hipofunção cortical (associada aos déficits cognitivos) determina o predomínio da atividade dopaminérgica no sistema límbico (sintomas positivos). Isto pode explicar o aparecimento sequencial de sintomas positivos e negativos no curso da esquizofrenia.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

5

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

12) FÁRMACOS ANTIDEPRESSIVOS

Os distúrbios afetivos caracterizam-se mais por alterações do humor (depressão ou mania) do que por distúrbios do pensamento. A depressão constitui a manifestação mais comum, podendo variar de uma condição muito discreta, formando uma fronteira com a normalidade, até a depressão grave – algumas vezes denominada depressão psicótica – acompanhada de alucinações e delírios.

Os sintomas da depressão incluem componentes emocionais e biológicos: - sintomas emocionais: aflição, apatia e pessimismo, baixa auto-estima, sentimento de culpa, inadequação e feiúra, indecisão e perda da motivação; incapacidade de vivenciar o prazer. - sintomas biológicos: retardo do pensamento e da ação, perda da libido, distúrbio do sono e perda do apetite.

A mania é, na maioria dos aspectos, exatamente o oposto, com exuberância excessiva, entusiasmo e autoconfiança, acompanhados de ações impulsivas. Esses sinais estão geralmente combinados com irritabilidade, impaciência e agressividade, e, algumas vezes, com delírios de grandeza do tipo napoleônico.

Existem dois tipos distintos de síndrome depressiva: a depressão unipolar, em que as flutuações do humor ocorrem sempre na mesma direção, e o distúrbio afetivo bipolar, em que a depressão alterna com a mania.

A principal teoria bioquímica da depressão é a hipótese da monoamina, que estabelece ser a depressão causada por um déficit funcional dos transmissores das monoaminas (noradrenalina e/ou 5-HT) em certos locais do cérebro, ao passo que a mania resulta de um excesso funcional. Apesar de a hipótese da monoamina em sua forma mais simples não ser mais sustentável como explicação para a depressão, a manipulação farmacológica da transmissão de monoaminas continua sendo a abordagem terapêutica mais bem sucedida.

O aumento de neurotransmissores na fenda sináptica se dá através do bloqueio da recaptação da NE e da 5HT no neurônio pré-sináptico ou ainda, através da inibição da Monoaminaoxidase (MAO) que é a enzima responsável pela inativação destes neurotransmissores. Será, portanto, nos sistemas noradrenérgico e serotoninérgico do Sistema Límbico o local de ação das drogas antidepressivas empregadas na terapia dos transtornos da afetividade.

Os fármacos antidepressivos são classificados nas seguintes categorias: - antidepressivos tricíclicos (TCA): imipramina e amitriptilina. Trata-se de inibidores não seletivos da captação de monoaminas (noradrenalina e serotonina); - inibidores seletivos da captação de 5-HT: fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, sertralina; - inibidores da MAO: fenelzina, tranilcipromina – que não são seletivos para MAO-A/MAO-B; clorgilina e moclobemida, que são MAO-A seletivos. - antidepressivos atípicos: nomifensiva, maprotilina, mianserina, bupropiona e trazodona. a) Antidepressivos tricíclicos (imipramina, desipramina, clomipramina, amitriptilina, nortriptilina, protriptilina): O principal efeito do TCA consiste em bloquear a recaptação de aminas (noradrenalina e/ou 5-HT) pelas terminações nervosas

pré-sinápticas através de sua competição pelo sítio de ligação da proteína transportadora. Foi sugerido que a melhora dos sintomas emocionais reflete principalmente uma potencialização da transmissão mediada pela 5-HT, e o alívio dos sintomas biológicos resulta da facilitação da transmissão noradrenérgica. Parece haver também, com o uso prolongado dos ADT, uma diminuição do número de receptores pré-sinápticos do tipo Alfa-2, cuja estimulação do tipo feedback inibiria a liberação de NE

Os TCA produzem acentuada potencialização dos efeitos do álcool por motivos que ainda não estão bem esclarecidos, podendo ocorrer a morte devido depressão respiratória. Os TCA também interagem com vários agentes anti-hipertensivos tendo conseqüências potencialmente perigosas, razão pela qual sua administração a pacientes hipertensos exige rigorosa monitorização. Além disso, não devem ser administrados junto com IMAO.

Os ADT são potentes anticolinérgicos e por esta característica seus efeitos colaterais são explicados. Efeitos colaterais importantes: sedação (bloqueio H1); hipotensão postural (bloqueio dos receptores alfa-adrenérgicos), boca seca, visão turva, constipação (bloqueio muscarínico). b) inibidores seletivos da captação de 5-HT (fluoxetina, fluvoxamina, paroxemina, sertralina, citalopram): As drogas desse tipo (denominadas SSRI – inibidores seletivos da recaptação de serotonina) incluem a fluxetina, a fluvoxamina, a paroxetina e a sertralina. Na atualidade a fluoxetina é o agente antidepressivo mais prescrito. Além de exibir seletividade para a captação de 5-HT em relação a captação de noradrenalina, tem menos tendência a causar efeitos colaterais anticolinérgicos em comparação com os TCA e são menos perigosos em superdosagem. O efeito antidepressivo dos ISRS parece ser conseqüência do bloqueio seletivo da recaptação da serotonina (5-HT). Os efeitos colaterais comuns consistem em náuseas, anorexia, insônia, perda da libido e falta de orgasmo. Pode ocorrer uma perigosa “reação da serotonina” (hipertermia, rigidez muscular, colapso cardiovascular) se forem administrados com IMAO

c) Inibidores da MAO (fenelzina, tranilcipromina, iproniazida, pargilina, clorgilina, selegilina, moclobemida):

A monoamina oxidase, juntamente com a catecol-O-metil transferase, são as principais enzimas de degradação das catecolaminas.

No interior dos neurônios simpáticos, a MAO controla o conteúdo de dopamina e noradrenalina, e a reserva liberável de noradrenalina aumenta quando a enzima é inibida.

O principal efeito dos IMAO consiste em aumentar as concentrações citoplasmáticas das monoaminas (5-HT, noradrenalina e dopamina) nas terminações nervosas (principalmente do cérebro), sem afetar acentuadamente as reservas vesiculares que formam o reservatório passível de liberação com a estimulação nervosa. Nos seres humanos normais, os IMAO causam aumento imediato da atividade motora, e verifica-se o aparecimento de euforia e de excitação no decorrer de poucos dias. Isto se opõe à ação dos TCA, que só

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

causam sedação e confusão quando administrados a indivíduos sem depressão.

A ação desses medicamentos é de longa duração (semanas), em virtude da inibição irreversível da MAO. A moclobemida possui curta duração.

Os principais efeitos colaterais são a hipotensão postural (bloqueio simpático), efeitos semelhantes ao da atropina, aumento do peso corporal, estimulação do SNC, causando inquietação, insônia, lesão hepática (rara). A superdosagem aguda causa estimulação do SNC, e algumas vezes convulsões.

Pode ocorrer uma resposta hipertensiva grave a alimentos contendo tiramina (Reação do queijo) A tiramina é normalmente metabolizada pela MAO localizada no trato gastrintestinal e no fígado. Em pacientes que fazem uso dos inibidores da MAO, a tiramina é absorvida no intestino, transportada pelo sangue e captada por neurônios simpáticos, onde é transportada até as vesículas sinápticas pelo VMAT (transportador vesicular de monoaminas – transporta noradrenalina citosólica para o interior das vesículas). Através desse mecanismo, um estímulo agudo com grandes quantidades de tiramina (como acontece na ingestão de queijos e vinhos)

pode provocar deslocamento agudo da noradrenalina vesicular e liberação não vesicular maciça de noardrenalina das terminações nervosas, através de reversão do NET (transportador de noradrenalina – transporta, normalmente, noradrenalina da sinápse para o meio intracelular).

Os IMAO não devem ser administrados juntamente com os TCA e SSRI. d) Antidepressivos atípicos (nomifensina e maprotilina, mianserina, trazodona e bupropiona):

Esses fármacos são heterogêneos. Não possuem um mecanismo de ação em comum. Alguns são bloqueadores fracos da captação de monoamina, ao passo que outros atuam através de mecanismos desconhecidos. A maioria é de ação bastante curta. Os efeitos indesejáveis e a toxidade aguda variam, mas são menores do que a dos TCA.

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

13) FARMACOS ANTIEPILEPTICOS

O evento característico da epilepsia é a convulsão, que está associada à descarga episódica de alta freqüência de impulsos por um grupo de neurônios no cérebro. O local da descarga primária e a extensão de sua propagação é que determinam os sintomas, que vão desde um breve lapso de atenção até uma crise convulsiva completa, que dura vários minutos. Os sintomas particulares produzidos dependem da função da região cerebral que está afetada.

A classificação clínica aceita da epilepsia reconhece duas categorias: as crises convulsivas parciais e as convulsões generalizadas, embora haja alguma superposição e muitas variedades em cada uma.

As convulsões parciais são crises em que a descarga começa localmente e, com freqüência, permanece localizada.

As convulsões generalizadas envolvem todo o cérebro, incluindo o sistema reticular, produzindo, assim, uma atividade elétrica anormal em ambos os hemisférios. A perda imediata da consciência é característica das convulsões generalizadas. As principais categorias são as convulsões tônico-clônicas e as ausências. A convulsão tônico-clônica consiste numa vigorosa contração inicial de toda a musculatura, causando espasmo extensor rígido. A respiração é interrompida, e, com freqüência, ocorrem defecção, micção e salivação. Essa fase tônica tem duração de cerca de um minuto e é acompanhada de uma série de espasmos sincrônicos violentos, que desaparecem gradualmente em 2 – 4 minutos. O paciente permanece inconsciente durante alguns minutos e, a seguir, recupera-se gradualmente, sentindo-se mal e confuso.

As crises de ausência ocorrem em crianças; são muito menos dramáticas, mas podem ocorrer mais freqüentemente do que as crises tônico-clônicas. O paciente interrompe bruscamente o que quer que esteja fazendo, parando algumas vezes de falar no meio de uma frase, e demonstra um olhar fixo e vazio por alguns segundos, com pouco ou nenhum distúrbio motor. O paciente não tem consciência daquilo que o cerca e recupera-se subitamente, sem nenhum pós-efeito.

A descarga epiléptica repetida pode causar morte neuronal (excitotoxicidade).

Do ponto de vista farmacológico, existe uma distinção clara entre os fármacos que são eficazes nas crises de ausência e os que são eficazes em outro tipo de epilepsia, apesar de a maioria exibir pouca seletividade com relação às outras subdivisões clínicas.

Com a terapia farmacológica ótima, a epilepsia é totalmente controlada em cerca de 75% dos pacientes.

Dois mecanismos principais parecem ser importantes na ação das drogas anticonvulsivantes:

a) potencialização da ação do GABA (neurotransmissor inibitório). Isto pode ser obtido por uma potencialização da ação pós-sináptica do GABA (fenobarbital e benzodiazepínicos), inibição da GABA

transaminase (vigabatrina) ou uso de drogas com propriedades diretas GABA-agonistas; e

b) inibição da função dos canais de sódio, reduzindo a excitabilidade elétrica das membranas celulares, possivelmente através do bloqueio uso-dependente dos canais de sódio (fenitoína, carbamazepina, valproato e lamotrigina).

Mais recentemente foi observada a importância de fármacos que inibem os canais de cálcio tipo T e HVA no tratamento da epilepsia.

Locais de ação de alguns fármacos antiepilépticos, e aumento da transmissão sináptica do GABA:

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Fármacos antiepilépticos:

Fenitoína e Carbamazepina

A fenitoina atua diretamente sobre os canais de Na+, diminuindo a velocidade de recuperação do canal de seu estado inativado para o estado fechado. O canal de sódio existe em três conformações – fechada, aberta e inativada, e a probabilidade de um canal existir em cada um desses estados depende do potencial de membrana. Ao diminuir a velocidade de recuperação do estado inativado para o estado fechado, a fenitoína aumenta o limiar dos potenciais de ação e impede a descarga repetitiva. O efeito resultante é a estabilização do foco da convulsão ao impedir o desvio despolarizante paroxístico que inicia a convulsão parcial. Além disso, a fenitoína impede a rápida propagação da atividade convulsiva para outros neurônios, respondendo pela sua eficácia nas convulsões secundariamente generalizadas.

A fenitoina atua sobre os canais de sódio de uma maneira dependente do uso, por conseguinte, apenas os canais que estão abertos e fechados em alta freqüência têm probabilidade de serem inibidos. Essa dependência diminui os efeitos da fenitoína sobre a atividade neuronal espontânea e evita muito dos efeitos adversos observados com os potencializadores do GABAa (que não são dependentes do uso).

Esse fármaco é utilizado no tratamento das convulsões parciais e tônico-clônicas. Não é utilizada nas crises de ausência.

A carbamazepina atua de maneira semelhante à fenitoína, sendo utilizada nas convulsões parciais devido a sua ação dupla na supressão dos focos convulsivos e prevenção da propagação da atividade.

Etossuximida

A etossuximida reduz as correntes dos canais de cálcio tipo T de baixo limiar de maneira dependente da voltagem. O canal de cálcio do tipo T é despolarizado e inativado durante o estado de vigília. Nas crises de ausência, acredita-se que a hiperpolarização paroxística ativa o canal no estado de vigília, iniciando as descargas que caracterizam esse tipo de convulsão.

A etossuximida é utilizada nas crises de ausências não complicadas, não sendo efetiva para o tratamento das convulsões parciais ou generalizadas secundárias.

Ácido Valpróico

O ácido valpróico diminui a velocidade de recuperação dos canais de Na+ do estado inativado. Em concentrações ligeiramente mais altas, limita a atividade do canal de cálcio do tipo T de baixo limiar.

Outro mecanismo de ação proposto ocorre em nível do metabolismo do GABA. Ele aumenta a atividade da ácido glutâmico descarboxilase, a enzima responsável pela síntese do GABA, enquanto inibe a atividade das enzimas que degradam o GABA. Acredita-se que esses efeitos em conjunto, aumentam a disponibilidade de GABA na sinápse e, portanto, aumentam a inibição mediada pelo GABA.

Talvez em virtude de seus numerosos locais potenciais de ação, o ácido valpróico é um dos agentes antiepilépticos mais efetivos no tratamento de pacientes com síndromes de epilepsia generalizada com tipos mistos de convulsão.

Gabapentina

A gabapentina é um análogo estrutural do GABA, e visa aumentar a inibição mediada pelo GABA. Todavia, o principal efeito anticonvulsivante da gabapentina parece ocorrer através da inibição dos canais de cálcio HVA, resultando em diminuição da liberação de neurotransmissores (glutamato e aspartato).

A gabapentina não parece ser um agente antiepiléptico particularmente efetivo para a maioria dos pacientes.

Benzodiazepínicos: Diazepam, Lorazepam, Midazolam e Clonazepam

Os benzodiazepínicos aumentam a afinidade do GABA pelo receptor GABAa e intensificam a regulação do canal de GABAa na presença de GABA, aumentando, assim, o influxo de Cl- através do canal . Essa ação tem o duplo efeito de suprimir o foco Ada convulsão (através da elevação do limiar do potencial de ação) e de fortalecer a inibição circundante.

Esses fármacos são apropriados para o tratamento das convulsões parciais e tônico-clônicas, porém devido aos seus efeitos colaterais são empregados tipicamente apenas para interrupção aguda das convulsões.

O diazepam, administrado por via intravenosa, é utilizado no tratamento do estado de mal epiléptico, uma condição potencialmente fatal, em que ocorrem crises epilépticas quase sem interrupção. Sua vantagem nessa situação reside na sua ação muito rápida em comparação com outros agentes antiepilépticos. A maioria dos benzodiazepínicos possui efeito sedativo demasiado e efeito antipsicótico muito curto, o que inviabiliza o seu emprego na terapia antiepiléptica de manutenção.

Barbitúricos: Fenobarbital

O fenobarbital liga-se a um sítio alostérico no receptor de

GABAa e, portanto, potencializa a ação do GABA endógeno ao aumentar acentuadamente a duração de abertura dos canais de Cl-. Esse aumento da inibição mediada pelo GABA, semelhante ao dos benzodiazepínicos, pode explicar a eficiência do fenobarbital no tratamento das convulsões parciais e tônico-clônicas.

Esse fármaco é utilizado primariamente como fármaco alternativo no tratamento das convulsões parciais e tônico-clônicas. Entretanto, devido a seus efeitos sedativos pronunciados, o uso clínico de fenobarbital diminui com a disponibilidade de medicações antiepilépticas mais efetivas.

Inibidor dos receptores de glutamato: Felbamato

Os receptores de glutamato ionotrópicos medeiam os efeitos do glutamato, o principal neurotransmissor excitatório do SNC. A ativação excessiva das sinapses excitatórias constitui um

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

componente essencial da maioria das formas de atividade convulsiva. Desta forma, estudos demonstram que a inibição dos subtipos NMDA e AMPA de receptores de glutamato pode inibir a geração de atividade convulsiva e proteger os neurônios da lesão induzida pela convulsão. Entretanto, nenhum dos antagonistas específicos e potentes dos receptores de glutamato tem sido utilizado clinicamente de modo rotineiro para o tratamento das convulsões, devido a seus efeitos adversos inaceitáveis sobre o comportamento. O felbamato possui uma variedade de ações, incluindo a inibição seletiva dos receptores NMDA que possuem subunidades NR2B. Como essa subunidade particular do receptor não é expressa de maneira ubíqua no cérebro, o antagonismo dos receptores NMDA pelo felbamato não é tão disseminado quanto aquele observado com outros antagonistas NMDA. Essa seletividade relativa pode explicar por que o felbamato carece dos efeitos adversos comportamentais observados com o uso dos outros agentes.

O felbamato é um agente antiepiléptico extremamente potente e também possui o benefício adicional de não apresentar os efeitos sedativos comuns a muitos outros fármacos utilizados no tratamento da epilepsia. Entretanto, foi constatado que o

felbamato esteve associado a certo número de casos de anemia aplásica fatal e insuficiência hepática, de modo que, hoje em dia, seu uso está essencialmente restrito a pacientes com epilepsia extremamente refratária.

Duas drogas foram recentemente introduzidas no tratamento da epilepsia:

A vigabatrina, que atua ao inibir a enzima GABA transaminase, que é a responsável pela inativação do GABA; e a tiagabina, que inibe a recaptação do GABA.

Por conseguinte, ambas potencializam a ação do GABA como transmissor inibitório. Esses fármacos são utilizados para o tratamento das crises parciais (com ou sem generalização secundária) não controladas satisfatoriamente com outros medicamentos antiepilépticos.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

14) TRATAMENTO FARMACOLOGICO DAS ANEMIAS E LEUCEMIAS

As anemias são laboratorialmente definidas pela diminuição da concentração de hemoglobina, em geral acompanhada da diminuição da hematimetria e do hematócrito, e classificada pela produção de reticulócitos e pela alteração do volume das hemácias (VCM).

• Hematimetria – a hematimetria (H ou E) é a contagem de eritrócitos por milímetro cúbico. Valores de referência (M/microlitro) para homens 5,3 (+-0,8) e para mulheres 4,7 (+- 0,6). As populações negras têm números aproximadamente 5% inferiores; residentes em áreas muito acima do nível do mar, pelo estímulo eritropoetínico causado pela baixa tensão de oxigênio, têm elevação da ordem de 0,2 a 0,3 M/microlitro por Km de altitude.

• Hematócrito – (Hct) é volume da massa de eritrócito de uma amostra de sangue, expressa em porcentagem (ou através de fração decimal) do volume desta amostra. Valores de referência (%): homens 47 (+- 7,0) e mulheres 42 (+- 6,0).

• Hemoglobina: (Hb) segundo a Organização Mundial de Saúde é considerado anemia quando um adulto apresentar Hb < 12,5g/dl, uma criança de 6 meses a 6 anos Hb < 11g/dl e crianças de 6 anos a 14 anos, uma Hb < 12g/dl.

• VCM (Volume Corpuscular Médio): é o índice que ajuda na observação do tamanho das hemácias e no diagnóstico da anemia: se pequenas (devido à falta de conteúdo) são consideradas microcíticas (< 82fl, para adultos), se grandes consideradas macrocíticas(> 98fl, para adultos) e se são normais, normocíticas (82 - 98fl). Anisocitose: é denominação que se dá quando há alteração no tamanho das hemácias. As anemais microcíticas mais comuns são a ferropriva e as síndromes talassêmicas. As anemias macrocíticas mais comuns são as anemias megaloblástica e perniciosa. O resultado do VCM é dado em fentolitro. A macrocitose e a microcitose assumiram a posição de parâmetros mais importantes para o diagnóstico diferencial laboratorial das anemias. No alcoolismo o VCM não excede 106 fL. A macrocitose alcoólica não se nota ao microscópio, sendo um achado da tecnologia.

• HCM (Hemoglobina Corpuscular Média): é o peso da hemoglobina na hemácia, ou em outras palavras, a quantidade média de hemoglobina por eritrócito. Seu resultado é dado em picogramas. O intervalo normal é 26-34pg

• CHCM (Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média): é a concentração da hemoglobina dentro de uma hemácia. O intervalo normal é de 32 - 36g/dl. Como a coloração da hemácia depende da quantidade de hemoglobina elas são chamadas de hipocrômicas (< 32), hipercrômicas (> 36) e hemácias normocrômicas (no intervalo de

normalidade). É importante observar que na esferocitose o CHCM geralmente é elevado.

• RDW (Red Cell Distribution Width): é um índice que indica a anisocitose (variação de tamanho), sendo o normal de 11 à 14%, representando a percentagem de variação dos volumes obtidos. Nem todos os laboratórios fornecem o seu resultado no hemograma. RDW aumentado sugere patologia eritróide. A principal função dos eritrócitos consiste em transportar oxigênio, e esta capacidade depende de seu conteúdo de hemoglobina. Cada grama de hemoglobina possui 3,3mg de ferro, e a produção de hemoglobina depende do suprimento de ferro. A hemoglobina é composta por 4 grupos heme. Cada gupo heme tem a capacidade de transportar uma molécula de oxigênio, que se liga reversivelmente ao ferro e a um resíduo de histidina. Esta ligação reversível constitui a base do transporte de oxigênio.

A anemia com aumento da produção de reticulócitos

(reticulocitose) possui resposta medular adequada. As anemias hemolíticas causadas por defeitos das hemácias (hemoglobinopatias, membranopatias e enzimopatias) e por “agressão” às hemácias, imunológica e física (fragmentação), são os melhores exemplos.

A anemia com diminuição da produção de reticulócitos (reticulocitopenia) possui resposta medular inadequada. É prontamente classificada pela alteração do volume das hemácias em microcíticas (anemia ferropênica) e macrocíticas (anemia megaloblástica).

Por fim, as anemias normocíticas com reticulocitopenia são associadas às doenças sistêmicas (doença renal crônica, doenças inflamatórias e doenças endrócrinas) e às doenças medulares (aplasia pura de eritroblastos e anemia sideroblástica).

Por outro lado, a aplasia de medula óssea pode acometer as demais classes celulares do sangue (principalmente linfocitopenia, neutropenia, plaquetopenia).

Tratamento Farmacológico da anemia e da neutropenia:

Os fatores de crescimento hematopoiéticos (epoetina alfa) orientam a divisão e a maturação da progênie das células primordiais pluripotentes. A eritropoetina, produzida pelos rins, é o fator que regula a linhagem eritrocitária, e o sinal para sua produção consiste em perda de sangue e/ou baixa tensão tecidual de oxigênio.

Os fatores de estimulação de colônias (sargramostin, filgrastim) regulam as divisões mielóides (neutrófilos) da linhagem de leucócitos, sendo a infecção o principal estímulo para sua produção. A falta de fatores de estimulação de colônias propicia a instalação de infecções bacterianas e virais. Desta maneira, a avaliação do hemograma, e quando necessário, do mielograma, é importante para se chegar às causas de base de infecções recorrentes e de difícil erradicação, como aquelas que ocorrem em recém-nascidos (causadas por P. aeruginosa) que apresentam deficiência dos elementos da linhagem de leucócitos, devido à falta de fatores de crescimento.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

1) Epoetina Alfa

O fármaco mimetiza a ação da eritropoetina natural, sendo usada nas anemias associadas a uma resposta eritropoiética deficiente (anemia da insuficiência renal crônica). A eritropoetina alcança a medula óssea através da circulação sanguínea e estimula os precursores de hemácias a proliferarem e diferenciarem, aumentando assim o número de hemácias circulantes.

Sargramostim (GM-CFS)

Estimula a mielopoiese. Tem sido usado para encurtar o período de neutropenia e reduzir a morbidade em pacientes submetidos à quimioterapia intensiva. Também é usado em pacientes submetidos a transplante de medula óssea autóloga. Além disso, estimula a mielopoise em alguns pacientes com neutropenia cíclica, mielodisplasia, anemia aplásica ou neutropenia associada a AIDS.

2) Filgrastim (G-CSF)

O fármaco estimula o fator de unidade formadora de colônias para granulócitos (CFU-G) para aumentar a produção de neutrófilos, além de intensificar as funções fagocíticas e citotóxicas dos neutrófilos. É eficaz no tratamento da neutropenia grave que surge após transplante de medula óssea autóloga e quimioterapia em altas doses. Utilizado também para converter a neutropenia resultante do tratamento de aidéticos com zidovudina (AZT).

3) Trombopoetina Humana Recombinante (RHUTPO)

Protótipo de fármaco (ainda em teste) que estimula seletivamente a megacariocitopoiese, com conseqüente aumento do número de plaquetas.

5) Sulfato Ferroso

É o mais barato dos preparados de ferro, e constitui o tratamento de escolha para a deficiência de ferro. A dose máxima de ferro no tratamento da anemia ferropriva é de 200 mg por dia administrados em 3 doses de 65 mg para adultos. A injeção de ferro dextrano (intravenoso ou intramuscular) é utilizada quando há má absorção do ferro, intolerância grave ao ferro oral e em pacientes com doença renal tratados com eritropoetina. A vitamina C estimula a absorção de ferro pelo instestino. Por outro lado, a tetraciclina forma um quelato insolúvel de ferro, resultando em comprometimento da captação de ambas as substâncias.

Perdas hemorrágicas pequenas e repetidas não causam quadro de anemia aguda, mas esgotam as reservas de ferro, originando a anemia microcítica característica.

6) Vitamina B12 (cianocobalamina) e ácido fólico (ácido pteroilglutâmico)

São usados no tratamento da anemia megaloblástica (eritrócitos macrocíticos anormais). A deficiência de vitamina B12 e/ou de ácido fólico resulta em síntese defeituosa de DNA em qualquer célula em que estejam ocorrendo replicação e divisão dos cromossomos. Como os tecidos dotados de maior taxa de renovação celular são os que exibem as alterações mais proeminentes, o sistema hematopoiético é especialmente sensível à deficiência dessas vitaminas.

Além disso, a deficiência de B12 provoca danos neuronais. A deficiência de vitamina B12 em gestantes aumenta o risco de

malformação fetal, ocasionando defeito no tubo neural e constituindo-se numa das mais comuns alterações congênitas. A deficiência de vitamina B12 inibe a função da metionina sintase e da L-metilmalonil-coA mutase, gerando Hcy (homocisteína) e comprometendo as reações de metilação que levarão ao desenvolvimento de patologias principalmente cérebrais e cardiovasculares de diferentes graus de severidade, podendo até mesmo tornarem-se irreversíveis.

A principal causa de deficiência de vitamina B12 consiste em redução da absorção da vitamina, devido à carência de fator intrínseco ou a condições que interferem na sua absorção no íleo. O fator intrínseco é uma proteína secretada pelo estômago (células parietais) essencial para absorção da vitamina B12. Sua falta causa “anemia perniciosa”.

A deficiência de folato é uma complicação comum de doença do intestino delgado, que interfere na absorção do folato alimentar e na absorção do folato pelo ciclo enteroepático. Os folatos são essenciais para a síntese de DNA visto que atuam como co-fatores na síntese de purinas e pirimidinas. O álcool promove ação tóxica sobre as células parenquimatosas do fígado (células responsáveis pela captação de folato), constituindo a causa mais comum de eritropoiese megaloblástica por deficiência de folato A deficiência de folato nunca ou raramente esta associada a anormalidades neurológicas.

Os preparados de vitamina B12 para uso terapêutico contêm cianocobalamina ou hidroxicobalamina, visto que apenas esses derivados permanecem ativos após armazenamento. A vitamina B12 é disponível na forma pura para injeção ou administração oral. A escolha de um preparado deve basear-se sempre no reconhecimento da causa da deficiência (dieta deficiente, deficiência de fator intrínseco, doença ileal) – em adultos, raramente a causa é dieta deficiente.

Deve-se ter em mente o potencial de tratar incorretamente

um paciente portador de deficiência de vitamina B12 com ácido fólico. A administração de grandes doses de ácido fólico pode resultar em melhora aparente de anemia megaloblástica, entretanto, a terapia com folato não impede nem alivia os efeitos neurológicos da deficiência de B12 que podem progredir e se tornar irreversíveis. Por conseguinte, é importante determinar se uma anemia megaloblástica é devida a uma deficiência de folato ou de vitamina B12. A quantificação laboratorial de MMA (ácido metl-malônico) e Hcy (homocisteína) poderia ser útil devido à possibilidade de diferenciação entre deficiência de vitamina B12 e deficiência de folatos. O MMA estará elevado apenas na insuficiência de vitamina B12, enquanto a Hcy se eleva na deficiência de vitamina B12 e também na de folatos.

Leucemias

As neoplasias do tecido hematopoético são proliferações clonais, originadas de células que sofre mutações na seqüência de bases do DNA, rearranjos cromossômicos com expressão inadequada de oncogenes, e/ou inibição de mecanismos de controle proliferativo. Sabe-se que elas decorrem de predisposição genética, da interferência de retrovírus, da ação

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

prévia de drogas antiblásticas ou de exposição à radiação ionizante.

As células neoplásicas amadurecem lenta e incompletamente, mostram-se inapropriadas às funções normais e desenvolvem desvios funcionais deletérios ao microambiente, à proliferação das células normais remanescentes e à global do organismo. Essas proliferações culminam por desenvolver um acúmulo de células neoplásicas que, quando são próprias da medula, ou invadem a medula, substituem parcial ou totalmente a mielopoese normal.

Neoplasias, tanto linfóides como mielóides, quando se oiginam ou precocemente disseminam-se na medula óssea e, de modo sistemático ou usual, invadem o sangue periférico, são ditas leucemias. Estas podem ser classificadas em leucemias agudas ou crônicas. Nas leucemis agudas, a proliferação faz-se a partir de células primitivas da mielopoese ou de precurores linfóides, que perdem a capacidade maturativa; a expansão dos clones é rápida e causa insuficiência hematopoética fatal se não for contida pelo tratamento. Nas leucemias crônicas, embora possam originar-se igualmente de evento oncogênico em células primtivas, a capacidade maturativa é mantida, a insuficiência hematopoética é tardia e a sobrevida medida em meses ou anos.

Leucemia Linfóide e Mielóide Agudas

A leucemia aguda (LA) pode ter origem linfóide (LLA) ou mielóide (LMA). Na infância, predomina a LLA (85% dos casos); no adulto a LMA (80% dos casos). A LA não tratada causa insuficiência hematopoética progressiva, rapidamente fatal. A quimioterapia com protocolos de indução, seguidos de longo período de manutenção, leva à remissão duradoura e à cura de 70% dos casos de LLA. Com quimioterapia agressiva de indução, seguidas de doses de consolidação, obtém-se redução de 70% dos casos de LMA em pacientes abaixo de 60 anos; as recidivas, contudo, são a regra, de modo que a curabilidade é inferior a 20%. Havendo doador compatível, o transplante de medula óssea é, muitas vezes, indicado e pode ser curativo. Em pacientes idosos, as perspectivas de cura são quase nulas.

Deve-se pensar em leucemia aguda quando forem notados:

- empalidecimento ou outros sinais de anemia de rápida instalação, sem perda de sangue que a justifique;

- púrpura recente;

- febre ou outros sinais de infecção – é a apresentação clássica de LA; são sinais de pancitopenia (anemia, trombocitopenia e neutropenia);

- dor óssea (40% dos casos) – pesquisá-la pela pressão digital do esterno;

- linfonodomegalias – presente em 60% dos casos de LLA e raros em LMA;

- esplenomegalia – o baço é palpável em 70 % dos casos de LLA e em 30% de LMA;

- dores reumáticas em crianças; e

- gengivite hipertrófica.

Na leucemia aguda o hemograma mostra pancitopenia, e o diagnóstico diferencial de anemia aplásica se faz através do exame clínico (dor óssea ou organomegalias). Além disso, pode apresentar blastos, promielócitos com bastões de Auer.

Leucemia Mielóide Crônica

A LMC é a neoplasia decorrente da proliferação clonal de célula hematopoética primitiva que sofreu a translocação recíproca em que os genes BCR e ABL passam a formar um gene de fusão no cromossomo 22, denominado cromossomo Ph (Philadélphia). O produto do gene BCR-ABL é uma tirosinoquinase anormal que interfere de modo leucemogênico na proliferação celular. A progênie leucêmica conserva capacidade maturativa e tem predominância proliferativa sobre a mielopoese normal, a qual substitui progressivamente na medula, invade o sangue, e expande-se ao baço e ao fígado. Com o passar dos meses ou anos, surgem novas alerações cromossômicas, com subclones de malignidade progressiva, até que a medula fica tomada de uma proliferação blástica, refratária a tratamento, que leva rapidamente ao óbito por insuficiência hematopoética.

A leucemia mielóide crônica é rara na infância; a incidência aumenta a partir da terceira década. A sobrevida mediana histórica é inferior a quatro anos. O transplante de medula óssea (TMO), quando há doador compatível, pode ser curativo. Com a evolução da doença, o paciente começa a apresentar os sinais de doença crônica: astenia, anorexia, emagrecimento, suores notunos; o diagnóstico é suspeitado ao notar-se esplenomegalia. Nessa altura o hemograma é esclarecedor: há anemia, trombocitose, grande leucocitose à custa de toda a série mielóide, e basofilia, geralmente acentuada. Faz-se exame citogenético para o cromossomo Ph, ou exame de biologia molecular para a fusão BCR-ABL, e com isso omprovar o diagnóstico e justificar o tratamento medicamentoso e/ou TMO, ambos de preço considerável.

O tratamento apropriado normaliza o quadro. Após meses ou anos de manutenção eficaz, nota-se uma mudança no aspecto do hemograma e uma progressiva deterioração clínica. Surge anemia refratária, trombocitose, grande basofilia; a seguir, o hemograma converte-se aos poucos em um quadro semelhante ao de leucemia aguda: persiste a basofilia, surge anemia, trombocitopenia e um número crescente de blastos. Este estágio caracteriza-se pela refratariedade ao tratamento e a sobrevida usual é de três a seis meses.

Leucemia Linfocítica Crônica

A LLC usual é uma proliferação clonal de linfócitos B, com acúmulo de linfócitos pequenos de aspecto maduro, na medula óssea, no sangue, nos órgãos linfóides, eventualmente noutros órgãos.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

A LLC é virtualmente inexistente na infância, raríssima antes dos 30 anos, e aumenta de incidência com a idade, sendo muito comum após os 60 anos; predomina no sexo masculino. Em um paciente assintomático, o hemograma indicado por motivo fortuito, mostra linfocitose de moderada a considerável, sem outras alterações significativas. Outras vezes o paciente consulta já por sintomas da doença: mal-estar, perda de peso, suores noturnos; há linfonodomegalias e esplenomegalia. Com o envolvimento extenso da medula óssea, surgem anemias e trombocitopenia progressivas. O número de linfócitos no sangue pode ultrapassar 400.000/microlitro. Pode ocorrer suscetibilidade a infecções.

A leucemia linfocítica crônica é incurável, mas, como muitos casos são indolentes, a sobrevida mediana é de sete anos. A quimioterapia, por ser paliativa, só deve ser indicada para controlar sintomas e sinais que interfiram na qualidade de vida do paciente. São drogas eficazes: clorambucil, fludarabina, 2-cloro-deoxiadenosina e combinações similares às usadas para a quimioterapia de linfomas.

Tratamento farmacológico das Leucemias

1) Leucemia Linfocítica Aguda:

Tratamento de indução: vincristina mais prednisona. Manutenção da remissão: mercaptopurina, metotrexato e ciclofosfamida em várias associações.

Outros fármacos valiosos: asparginase, daunorrubicina, carmustina, doxorrubicina, citarabina, alopurinol, radioterapia cranioespinhal com metrotexato.

2) Leucemia Mielóide Aguda:

Poliquimioterapia: citarabina e mitoxantrona ou daunorrubicina ou idarrubicina.

Outros fármacos valiosos: metotrexato, tioguanina, mercaptopurina, alopurinol, mitoxantrona, azacitidina, ansacrina e etoposida.

3) Leucemia Linfocítica Crônica:

Clorambucil e prednisona, fludarabina.

Outros fármacos valiosos: alopurinol, doxorrubicina, cladribina.

4) Leucemia Mielóide Crônica:

Imatinib, bissulfato ou interferon, transplante de medula óssea.

Outros fármacos valiosos: vincristina, mercaptopurina, hidroxiuréia, melfalan, interferon, alopurinol.

Associações de antineoplásicos resultam em maior taxa de resposta. Para realizá-lo, os fármacos combinados devem ter:

Atividade antitumoral demonstrada em monoterapia;

Diferentes mecanismos de ação;

Toxicidades diferentes sobre tecidos normais;

Ausência de resistência cruzada.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004 9. R, Failace. Hemograma: Manual de Interpretação. 4 edição. Rio de Jnaeiro: ARTMED, 2003.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

15) TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA DOR COM OPIÓIDES

A dor é uma sensação protetora (fisiológica) bem como perturbação física e emocional desagradável, originada em receptores de dor (nociceptores) que respondem à muitos estímulos e ameaças a integridade tissular.

Existem duas vias para a transmissão da dor:

- a via para dor rápida, discriminada de modo preciso, que se movimenta diretamente do nociceptor para a medula espinhal usando fibras Aб mielinizadas e a partir da medula espinhal para o tálamo, usando o trato neo-espinotalâmico.

- a via para a dor conduzida de forma lenta e contínua, transmitida do nociceptor à medula espinhal utilizando fibras C não mielinizadas, e, a partir da medula espinhal para o tálamo, empregando o trato paleoespinotalâmico com maior riqueza de circuitos e condução mais lenta.

O processamento central das informações de dor inclui:

a) a transmissão do tálamo ao córtex somatossensorial, onde as informações de dor são percebidas e interpretadas;

b) ao sistema límbico, em que os componentes emocionais da dor são vivenciados; e

c) transmissão aos centros do tronco cerebral, onde as respostas do sistema nervoso autônomo são recrutadas.

A modulação da experiência de dor ocorre por meio do centro analgésico endógeno no mesencéfalo, nos neurônios noradrenérgicos pontinos e o núcleo da rafe magno na medula, que envia sinais inibitórios aos neurônios do corno dorsal na medula espinhal. O corno dorsal funciona como uma estação relé (liga-desliga) de transmissão da dor. A transmissão no corno dorsal está sujeita a diversas influências moduladoras, constituindo o mecanismo de “controle do portão”, ou seja, este sistema regula a passagem de impulsos das fibras aferente periféricas para o tálamo através de neurônios de transmissão que se originam no corno dorsal. Os interneurônios inibitórios são ativados por neurônios inibitórios descendentes ou por estimulação aferente não nociceptiva. Essa inibição descendente é mediada principalmente por encefalinas, 5-HT, noradrenalina e adenosina. Os opióides causam analgesia por ativar essas vias descendentes da dor, por inibir a transmissão aferente do corno dorsal e por inibir a excitação das terminações nervosas sensoriais da periferia.

Cientificamente, a dor é encarada dentro do contexto da nocicepção. A nocicepção se refere à atividade do sistema nervoso aferente (que transporta o sinal da periferia ao SNC), induzida por estímulos nocivos, tanto exógenos (mecânicos, químicos, físicos e biológicos) quanto endógenos (inflamação, aumento de peristaltismo, isquemia tecidual). Sua recepção em nível periférico se dá em estruturas específicas, situadas nas terminações nervosas livres denominadas nociceptores. Os nociceptores são terminações nervosas receptivas que respondem aos estímulos mecânicos, térmicos e químicos.

Os neurônios nociceptivos transmitem impulsos aos neurônios do corno dorsal empregando neurotransmissores

químicos. As vias neo-espinotalâmica e paleoespinotalâmica são usadas para transmitir a informação dolorosa ao cérebro.

O cérebro modula a dor, mediante vias eferentes inibitórias neuroanatômicas, servindo-se dos peptídeos opióides endógenos. Assim, a sensação dolorosa é resultante desses dois processos (transmissão dos impulsos nervoisos pela via aferente e sua modulação pela via eferente).

Toda essa atividade nervosa está vinculada à presença de neurotransmissores, tanto na vias aferentes (substância P, GABA, colecistocina, somatostatina e encefalinas) quanto nas eferentes (acetilcolina, dopamina, noradrenalina, serotonina e encefalinas). É possível atuar sobre essas substâncias endógenas. Assim, clonidina, agonista alfa-2-adrenérgico, produz significativa analgesia quando administrada no líquido cefaloraquidiano; antidepressivos tricíclicos, preservadores de serotonina, modulam impulsos descendentes do cérebro, reduzindo dor neuropática; baclofeno, composto gabaérgico, produz analgesia no tratamento da neuralgia do trigêmeo não-responsiva a outros agentes.

A reatividade emocional à dor corresponde à interpretação afetiva dessa sensação, de caráter individual, influenciada por estados ou traços psicológicos, experiências prévias e fatores culturais, sociais e ambientais. Esses fatores são capazes de filtrar, modular ou distorcer a sensação dolorosa, que é aproximadamente igual em todos os indivíduos que possuem as vias nervosas íntegras.

No caso de muitas condições patológicas, a lesão tecidual constitui a causa imediata da dor, havendo conseqüente liberação local de uma variedade de agentes químicos que se supõe irão atuar sobre as terminações nervosas, ativando-as diretamente ou potencializando sua sensibilidade a outras formas de estimulação.

Levando-se em conta a intensidade da dor, a dor leve é preferencialmente tratada com analgésicos não opióides (AINES – AAS 1000mg ou paracetamol 1000mg). Para a dor moderada ou para leve não responsivas às primeiras medidas, usam-se associações entre analgésicos opióides e não-opióides (codeína 30mg e paracetamol 500mg). No tratamento de dor intensa ou moderada não responsiva, são preferíveis os analgésicos opióides (morfina intravenosa).

É mais fácil prevenir a dor ou tratá-la bem precocemente do que tentar reverter a dor já instalada. O tratamento da dor instalada (analgesia) é mais difícil, pois já foram desencadeados mecanismos envolvidos na sensibilidade dolorosa, intensificando a dor.

Realiza-se analgesia quando se atinge um estado em que o indivíduo não sente mais dor. Já a anestesia significa a perda da sensação dolorosa e de outras sensações, associada ou não a perda da consciência. Os analgésicos suprimem a dor enquanto os anestésicos suprimem a sensibilidade. Analgésicos e anestésicos atuam em diferentes locais, desde o nociceptor periférico até o córtex cerebral, passando por estruturas de condução nervosa de dor.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Mecanismos da dor e nocicepção:

Os nociceptores polimodais (PMN) constituem o principal tipo de neurônio sensorial periférico que responde a estímulos nocivos. A maioria consiste em fibras C não mielinizadas, cujas terminações respondem a estímulos térmicos, mecânicos e químicos. Os estímulos químicos que atuam sobre os PMN causando dor incluem a bradicinina, a 5-HT e a capsaicina.

Os PMN são sensibilizados pelas prostaglandinas (abaixam o limiar de excitabilidade), o que explica o efeito dos AINES que inibem a ciclo-oxigenase (COX-1 e COX-2) do ácido araquidônico das células inflamatórias (araquidonato), e consequentemente reduzem a síntese de prostanóides (PGE2 e PGI2).

Portanto, as prostaglandinas em si não causam dor, mas potencializam acentuadamente o efeito de outros agentes na produção da dor, como a 5-HT ou a bradicinina. Elas sensibilizam as terminações nervosas a outros agentes, por inibir os canais de potássio e ao facilitar a abertura dos canais de cálcio (Ca+).

É importante assinalar que a própria bradicinina causa liberação de prostaglandinas e, por conseguinte, exerce um poderoso efeito de “auto-sensibilização” sobre os aferentes nociceptivos.

De forma simplificada, o mecanismo de transmissão da dor pode ser explicado da seguinte maneira:

1) os estímulos nocivos endógenos ou exógenos que agem sobre o corpo causam a liberação pelas células locais de substâncias (substância P, bradicinina, prostaglandinas, neurocinina A e neurocinina B etc.) que incidirão sobre os nociceptores ativando-os e/ou modulando sua atividade excitatória.

2) os neurônios nociceptivos ativados transmitem impulsos elétricos aos neurônios do corno dorsal da medula espinhal através de fibras Aб e C.

3) os corpos celulares dos neurônios nociceptivos

efetuam sinapses com os neurônios do trato espinotalâmico ao nível da medula espinhal, servindo-se para isso de neurotransmissores (principalmente do glutamato que age

sobre os receptores AMPA). Os impulsos nervosos conduzidos pelas fibras Aб (de condução rápida e localizada) são transportados do corno dorsal da medula espinhal ao córtex cerebral através da via neoespinotalâmica, enquanto os impulsos conduzidos pelas fibras C (de condução lenta) são comunicados ao córtex cerebral através da via paleoespinotalâmica.

4) no córtex somatossensorial as informações de dor são percebidas e interpretadas; já no sistema límbico os componentes emocionais da dor são vivenciados; e nos centros do tronco cerebral, as respostas do sistema nervoso autônomo são recrutadas.

5) O cérebro modula a dor diretamente mediante as vias eferentes inibitórias, e indiretamente através da Substância Gelatinosa. Essa modulação ocorre no corno dorsal localizado na medula e denomina-se “sistema de controle do portão”. Os neurônios inibitórios descendentes utilizam principalmente a 5-HT para exercerem as suas sinápses. A substância ‘gelatinosa consiste em interneurônios inibitórios curtos (utilizam encefalinas e GABA como neurotransmissores) que regulam a

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

transmissão na primeira sinapse da via nociceptiva entre as fibras nervosas primárias (Aб e C) e os neurônios de transmissão do trato espinotalâmico. A substância gelatinosa é ativada pelos neurônios inibitórios descendentes ou por estimulação aferente não nociceptiva. Por outro lado, ela é inibida pelos estímulos nociceptivos das fibras C, de modo que a atividade persistente das fibras C (dor crônica) facilita a excitação dos neurônios do trato espinotalâmico que encaminham o impulso de dor ao cérebro.

6) as ações do sistema nervoso autônomo em resposta ao impulso da dor consistem principalmente em elevação da freqüência cardíaca, sudorese, etc.

7) os opióides promovem analgesia ao excitar indiretamente (através do núcleo da rafe magna – NRM) os neurônios da via descendentes que por sua vez ativam a substância gelatinosa; agem também diretamente nas sinápses do corno dorsal e sobre as terminações periféricas dos neurônios aferentes nociceptivos.

Mediadores químicos na via nociceptiva:

Os principais grupos de substâncias que estimulam as terminações nervosas na pele são a 5-HT, histamina, acetilcolina, bradicinina, ácido láctico, ATP, ADP, K+, prostaglandinas (potencializam a ação da bradicinina) e a capsaicina (substância encontrada em pimentões e pimenta malagueta).

Transmissores e moduladores na via nociceptiva:

Dentre as substâncias destacam-se as taquicinas (substância P, a neurocinina A e a neurocinina B) que estão distribuídas no sistema nervoso central e periférico, e possuem os seus respectivos receptores: NK1, NK2 e NK3. Esses receptores são um potencial alvo para novas drogas analgésicas (antagonismo), apesar de ainda só terem sido desenvolvidas em modelos animais de dor inflamatória.

Uma outra classe de moduladores são os peptídeos endógenos beta-endrofina, met-encefalina, leu-encefalina e a dinorfina. Esses peptídeos estão amplamente distribuídos no cérebro.

Outros mediadores:

- o glutamato é liberado de neurônios aferentes primários e, ao atuar sobre os receptores AMPA, é responsável pela transmissão sináptica rápida na primeira sinapse no corno dorsal.

- o GABA é liberado por interneurônios da medula espinhal. Inibe a liberação de transmissores por terminações aferentes primárias no corno dorsal.

- a 5-HT é o transmissor dos neurônios inibitórios que vão desde o NRM (núcleo da rafe magna) até o corno dorsal.

- a noradrenalina é o transmissor da via inibitória do lócus ceruleus até o corno dorsal e, possivelmente também, de outras vias antinociceptivas.

- a adenosina tem dupla atividade ao regular a transmissão nociceptiva, em que a ativação dos receptores A1 provoca analgesia, enquanto a ativação dos receptores A2 exerce efeito inverso.

Receptores opióides:

Existem três tipos de receptores opióides, denominados µ, б e κ (mu, delta e capa), que medeiam os principais efeitos farmacológicos dos opiácidos, inclusive alguns efeitos indesejáveis tais como depressão respiratória, euforia, sedação e dependência. Os opióides analgésicos são em sua maioria agonistas dos receptores µ.

Os receptores б são provavelmente mais importantes na periferia, mas também podem contribuir para analgesia, além de constituirem o local de ação de certos agentes psicoticomiméticos.

Os receptores κ contribuem para a analgesia ao nível medular e podem induzir sedação e disforia, porém produzem relativamente poucos efeitos indesejáveis e não contribuem para a dependência. Alguns analgésicos são κ-seletivos.

Todos os receptores opióides estão ligados através das proteínas G à inibição da adenilatociclase. Além disso, facilitam a abertura dos canais de K+ (causando hiperpolarização) e inibem a abertura dos canais de Ca+ (inibindo a liberação de transmissores).

Fármacos não opióides (AAS, AINES, PARACETAMOL):

Os medicamentos analgésicos não narcóticos por via oral mais comuns são a aspirina, outros AINES e o paracetamol. A aspirina ou ácido acetilsalicílico atua em nível central e periférico, bloqueando a transmissão dos impulsos dolorosos. Também possui ação antipirética e anti-inflamatória. A aspirina e outros AINES inibem várias formas de prostaglandinas através da inibição da ciclooxigenase. O paracetamol é uma alternativa aos AINES. Embora considerado como um equivalente da aspirina como agente analgésico e antipirético, não possui propriedades anti-inflamatórias.

Fármacos analgésicos semelhantes à morfina (opióides):

O termo opióide aplica-se a qualquer substância, seja endógena ou sintética, que produz efeitos semelhantes aos

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

da morfina, que são bloqueados por antagonistas como a naloxona.

Análogos da morfina: são compostos cuja estrutura está intimamente relacionada com a da morfina, que são frequentemente sintetizados a partir da morfina. Podem ser agonistas (morfina, diamorfina ou heroína , e codeína), agonistas parciais (nalorfina e lrvalorfan) ou antagonistas (naloxona).

Derivados sintéticos com estruturas não relacionadas com a morfina: petidina ou meperidina, fentanil, metadona, dextropropoxifeno, pentazocina, ciclazocina, etorfina e buprenorfina.

Mecanismo de ação: todos os opióides agem através dos seus receptores que estão amplamente distribuídos no cérebro, e que pertencem à família dos receptores acoplados à proteína G. Inibem a adenilato ciclase, reduzindo assim o conteúdo intracelular de AMPC. Todos os três subtipos de receptores exercem esse efeito, além de exercerem efeitos sobre canais iônicos através de um acoplamento direto da proteína G ao canal. Através desse mecanismo, os opióides promovem a abertura dos canais de potássio e inibem a abertura dos canais de cálcio regulados por voltagem, que constituem os principais efeitos observados ao nível da

membrana. Esses efeitos sobre a membrana reduzem tanto a excitabilidade neuronal (visto que a condutância do potássio provoca hiperpolarização da membrana) quanto à liberação de transmissores (devido à inibição da entrada de cálcio). Por conseguinte, o efeito global é inibitório ao nível celular.

Os opióides possuem ação espinhal, supra-espinhal e periférica.

Ação espinhal

Os agonistas opióides inibem a liberação de transmissores excitatórios a partir dos nervos aferentes primários e inibem diretamente o neurônio transmissor de dor do corno dorsal. Por conseguinte, os opióides exercem um poderoso efeito analgésico diretamente na medula espinhal.

Ação supra-espinhal

Entretanto, os opióides aumentam a atividade em algumas vias neuroniais, presumivelmente ao suprimir a

deflagração dos interneurônios inibitórios. Os locais de ligação de opióides nas vias descendentes moduladoras da dor são de importância particular, incluindo a medula rostral ventral, o lócus cerúleus e a área da substância cinzenta periaquedutal do mesencéfalo. Nesses locais, bem como em outras regiões, os opióides inibem diretamente os neurônios; todavia, os neurônios que enviam projeções para a medula espinhal e inibem os neurônios transmissores da dor são ativados pelas drogas. Foi constatado que essa ativação (indireta) resulta da inibição de neurônios inibitórios em vários locais.

Ação periférica-local

A injeção de morfina na articulação do joelho após cirurgia produz analgesia eficaz, abalando o antigo princípio de que a analgesia é exclusivamente um fenômeno central. Essa hipótese é sustentada pela identificação de receptores “mu" funcionais nas terminações periféricas de neurônios sensitivos. Além disso, a ativação desses receptores periféricos resulta em diminuição da atividade dos neurônios sensitivos e da liberação de transmissor.

Portanto, os opióides se ligam aos seus receptores e com isso causam analgesia por inibir a transmissão da via aferente no corno dorsal, por ativar as vias descendentes da dor, e por inibir a excitação das terminações nervosas sensoriais na periferia,. Além disso, podem interferir na interpretação afetiva da dor, devido sua ação ao nível do sistema límbico.

Os principais efeitos farmacológicos da morfina são: analgesia, euforia e sedação, depressão respiratória e supressão da tosse, náusea e vômitos, constrição pupilar, redução da motilidade gastrintestinal e liberação de histamina causando broncoconstrição e hipotensão. Os efeitos indesejáveis mais incômodos consistem em constipação e depressão respiratória.

Agonistas e antagonistas dos receptores opióides:

Os opiódes variam não apenas na sua especificidade com os diversos tipos de receptores, como também na sua eficácia ao nível dos diferentes tipos de receptores. Assim, alguns agentes atuam como agonistas em um tipo de receptor e como antagonistas ou agonistas parciais em outros, produzindo um quadro farmacológico muito complicado.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

Agonistas puros: este grupo inclui a maioria das drogas típicas semelhantes à morfina. Todas possuem alta afinidade pelos receptores µ e, em geral, menor afinidade pelos receptores б e κ. Alguns fármacos deste tipo (codeína, metadona e dextropropoxifeno) são denominados agonistas fracos, visto que seus efeitos máximos, tanto analgésicos quanto indesejáveis, são menores do que o da morfina e não produzem dependência. Como exemplo de agonistas parciais e agonistas-antagonistas mistos são a nalorfina e pentazocina. Dentre os antagonistas, os representantes são a naloxona e a naltrexona.

Tolerância e dependência:

A tolerância aos opióides (isto é, aumento da dose necessária para produzir determinado efeito farmacológico), desenvolve-se rapidamente. A dependência é um fenômeno que envolve dois componentes separados: a dependência física e a dependência psicológica. A dependência física está relacionada a uma síndrome de abstinência fisiológica e que parece estar estreitamente relacionada com a tolerância. A morfina também produz uma acentuada dependência psicológica, manifestada na forma de desejo mórbido pela droga.

Uso clínico dos agentes analgésicos:

A escolha e a via de administração dos agentes analgésicos dependem da natureza e da duração da dor. Com freqüência, utiliza-se uma abordagem progressiva, começando-se com agentes anti-inflamatórios não esteroidais, suplementados em primeiro lugar por analgésicos opióides fracos e, a seguir, por opióides fortes.

Em geral, a dor aguda intensa (traumatismo, queimaduras, dor pós-operatória) é tratada com fármacos opióides potentes (morfina, fentanil) administrados por injeção. A dor inflamatória leve (artrite) é tratada com agentes anti-inflamatórios não-esteroidais (aspirina, paracetamol), suplementados por agentes opióides fracos (codeína, dextropropoxifeno, pentazocina) administrados por via oral.

A dor intensa (dor do câncer, a artrite grave, ou a lombalgia) é tratada com opióides potentes administrados por via oral, intratecal, epidural ou por injeção subcutânea. É comum o uso de sistemas de infusão controlados pelo paciente.

Fármacos adjuvantes no tratamento da dor:

São medicamentos como os antidepressivos tricíclicos, os anticonvulsivantes e agentes ansiolíticos. As medicações antidepressivas tricíclicas (imipramina, amitriptilina e doxepina), que bloqueiam a remoção da serotonina da fenda sináptica, são capazes de produzir o alívio da dor em algumas pessoas, principalmente nas neuralgias pós-herpéticas.

A dor neuropática crônica frequentemente não responde aos opióides, sendo tratada com agentes antidepressivos tricíclicos (amitriptilina) ou outras drogas, como a carbamazepina e fenitoína.

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

16) AGENTES ANESTÉSICOS GERAIS

Os anestésicos gerais são usados clinicamente em procedimentos cirúrgicos para tornar o paciente inconsciente e insensível à estimulação dolorosa. São administrados sistemicamente e exercem seus principais efeitos sobre o sistema nervoso central, diferente dos anestésicos locais, que atuam ao bloquear a condução de impulsos nos nervos sensoriais periféricos.

Os anestésicos podem ser divididos didaticamente em duas classes, conforme sua via de administração: anestésicos inalatórios e anestésicos intravenosos. Os anestésicos inalatórios geralmente são utilizados para a manutenção da anestesia. Os anestésicos intravenosos são empregados para induzir a anestesia, fornecer anestesia complementar ou permitir anestesia nos procedimentos operatórios curtos.

Nas últimas décadas, foram reunidas evidências consideráveis de que o principal alvo molecular de muitos anestésicos gerais é o canal de cloreto-receptor GABAa, um importante mediador de transmissão sináptica inibitória. Os anestésicos inalatórios, os barbitúricos, os benzodiazepínicos, o etomidato e o propofol facilitam a inibição mediada pelo GABA.

Além das ações sobre os canais de cloreto-GABA, foi relatado que os anestésicos inalatórios causam hiperpolarização da membrana através da ativação dos canais de potássio regulados por ligantes.

Os neurônios na substância gelatinosa do corno dorsal da medula espinhal são muito sensíveis à concentração relativamente baixa de anestésicos. A interação com neurônios nessa região interrompe a transmissão sensitiva no trato espinotalâmico, incluindo a transmissão de estímulos nociceptivos (sistema do portão).

Em nível celular, o efeito dos anestésicos consiste principalmente em inibir a transmissão sináptica, não sendo provavelmente importante na prática nenhum efeito sobre a condução axonal. A inibição na transmissão sináptica pode ser devida a uma redução da liberação de neurotransmissores, inibição da ação do transmissor ou redução da excitabilidade da célula pós-sináptica. Embora todos os três efeitos tenham sido descritos, a maioria dos estudos sugere que a redução da liberação de transmissor e a resposta pós-sináptica diminuída constituem os principais fatores.

De modo simplificado, podemos dizer que os anestésicos gerais agem em nível celular através de interações com componentes da membrana (ainda não totalmente identificados) que por sua vez alteram a ação dos canais de íons regulados por ligantes. Além disso, o principal alvo de muitos anestésicos gerais é o canal de cloreto mediado pelos receptores GABAa. De tudo isso resulta a inibição da transmissão sináptica em locais específicos do SNC, uma vez que ocorre:

1) a redução da liberação de transmissores excitatórios;

2) diminuição da resposta pós-sináptica por hiperpolarização da membrana através da ativação dos canais de K+; e

3) ativação direta dos receptores GABAa aumentando o fluxo de cloreto.

A região do cérebro mais sensível aos anestésicos parece ser constituída pelos núcleos de transmissão sensoriais talâmicos e pela camada profunda do córtex para a qual se projetam esses núcleos. Isto constitui a via seguida pelos impulsos sensoriais que alcançam o córtex , razão pela qual a ocorrência de inibição pode resultar em falta de percepção do estímulo sensorial. À medida que aumenta a concentração de anestésico, todas as funções cerebrais são afetadas, incluindo o controle motor e a atividade reflexa, a respiração e a regulação autônoma. Por conseguinte, não é possível identificar um local alvo fundamental no cérebro, responsável por todos os fenômenos da anestesia.

O estado anestésico, para fins clínicos consiste em três componentes principais, que são a perda da consciência, a analgesia e o relaxamento muscular. Na prática, esses efeitos são produzidos mais com uma combinação de drogas do que com um agente anestésico único. Um procedimento comum seria produzir rápida inconsciência com um agente de indução por via intravenosa (tiopental), manter a inconsciência e produzir analgesia com um ou mais agentes inalatórios (óxido nitroso, halotano), que poderiam ser suplementados com um agente analgésico intravenoso (um opiácido), e produzir paralisia muscular com um bloqueador neuromuscular (antracúrio).

A técnica anestésica varia, dependendo do tipo proposto de intervenção diagnóstica, terapêutica ou cirúrgica. Para procedimentos menores, utiliza-se a denominada anestesia monitorizada ou sedação consciente, que consiste na administração de sedativos por via oral ou parenteral em associação a anestésicos locais. Essa técnica proporciona analgesia profunda, enquanto o paciente conserva sua capacidade de manter as vias aéreas desobstruídas e de responder a comandos verbais. Para procedimentos cirúrgicos mais extensos, a anestesia frequentemente inclui a administração pré-operatória de benzodiazepínicos, indução da anestesia com tiopental ou propofol por via intravenosa e manutenção da anestesia com uma associação de fármacos anestésicos inalatórios e intravenosos.

Efeitos farmacológicos dos agentes anestésicos:

A anestesia envolve três alterações neurofisiológicas principais: perda da consciência, perda da resposta a estímulos dolorosos e perda dos reflexos.

Em doses supra-anestésicas, todos os agentes anestésicos podem causar morte em conseqüência da perda dos reflexos cardiovasculares e da paralisia respiratória.

Em nível celular, os agentes anestésicos afetam mais a transmissão sináptica do que a condução axonal. Tanto a liberação de transmissores excitatórios quanto a resposta dos

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

receptores pós-sinápticos são inibidas. A transmissão inibitória mediada pelo GABA é potencializada por alguns anestésicos.

Embora todas as partes do sistema nervoso sejam afetadas pelos agentes anestésicos, os principais alvos parecem ser o hipotálamo, o córtex e o hipocampo.

A maioria dos agentes anestésicos provoca depressão cardiovascular através de efeitos sobre o miocárdio e os vasos sanguíneos, bem como no sistema nervoso. Os agentes anestésicos halogenados provavelmente causam disritmias cardíacas, acentuadas pelas catecolaminas circulantes.

Agentes anestésicos inalatórios:

Anestésicos inalatórios são administrados por via inalatória nas fases de indução e manutenção da anestesia. Incluem o halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano e óxido nítroso.

Os pulmões constituem a única via quantitativamente importante através da qual os anestésicos inalatórios penetram no corpo e dele saem. Os anestésicos inalatórios são, sem exceção, moléculas lipossolúveis pequenas, que atravessam com grande facilidade a membrana alveolar. Por conseguinte, é a velocidade de liberação da droga para os pulmões e a partir deles, através do ar inspirado e da corrente sanguínea, que determina o comportamento cinético global de um anestésico. A razão pela qual os anestésicos variam quanto ao seu comportamento cinético é que suas solubilidades relativas no sangue e na gordura corporal variam de uma droga para a outra. A profundidade da anestesia é determinada pelas concentrações dos anestésicos no sistema nervosos central, e este, por conseguinte, é diretamente proporcional à presão parcial inspirada (PI).

As velocidades de indução e a de recuperação são determinadas por duas propriedades do anestésico: solubilidade no sangue (medida pelo coeficiente de partição sangue/gás que mede sua afinidade relativa pelo sangue em comparação com o ar) e lipossolubilidade.

Os agentes com baixos coeficientes de partição sangue/gás, ou seja, baixa solubilidade no sangue, produzem rápida indução e também rápida recuperação (óxido nitroso, desflurano), enquanto que os agentes com coeficientes de partição sangue/gás elevados apresentam indução e recuperação lentas (halotano).

Os fármacos que possuem pequeno coeficiente sangue/gás também possuem menor potência anestésica.

Os agentes com alta lipossolubilidade (halotano) acumulam-se gradualmente na gordura corporal e podem produzir ressaca prolongada se forem utilizados para uma operação de longa duração.

Alguns anestésicos halogenados (halotano e metoxiflurano) são metabolizados. Isto não é muito importante na determinação de sua duração de ação, porém contribui para a toxidade.

A administração de respiração artificial com oxigênio diminui o tempo necessário para a recuperação de um estado anestésico.

Efeitos sobre o sistema cardiovascular:

O halotano, o desfluano, o enflurano e o sevoflurano reduzem a pressão arterial média em proporção direta à sua concentração alveolar.

Os anestésicos inalatórios alteram a freqüência cardíaca diretamente ao alterar a freqüência de despolarização do nodo sinusal, ou, indiretamente, ao deslocar o equilíbrio da atividade do sistema nervoso autônomo. Com freqüência verifica-se a ocorrência de bradicardia com o uso do halotano, provavelmente através de uma estimulação vagal. Quando o nervo vago é estimulado, ocorre a liberação de acetilcolina que ativa os receptores muscarínicos M2. A acetilcolina diminui a corrente de entrada de Ca+ durante o platô do potencial de ação; e aumenta a corrente de saída de K+, portanto encurtando a duração do potencial de ação e diminuindo indiretamente a corrente de entrada de cálcio. Juntos, esses dois efeitos diminuem a quantidade de Ca+ que penetra nas células atriais durante o potencial de ação, diminuindo o cálcio disparador e diminuindo a quantidade de Ca+ liberado do retículo sarcoplasmático.

Todos os anestésicos inalatórios tendem a aumentar a pressão atrial direita de um modo relacionado à dose, refletindo a depressão da função miocárdica.

Efeitos respiratórios:

À exceção do óxido nitroso, todos os anestésicos inalatórios atualmente utilizados provocam diminuição dose-dependente do volume corrente e aumento da freqüência respiratória. Todos os anestésicos inalatórios são depressores respiratórios, sendo o sevoflurano e o enflurano os mais depressores.

Os anestésicos inalatórios também deprimem a função mucociliar nas vias aéreas. Por conseguinte, a anestesia prolongada pode levar a um acúmulo de muco, resultando posteriormente em atelectasia (colapso de um segmento, lobo ou todo o pulmão) e infecções respiratórias.

Outros efeitos:

Os anestésicos inalatórios diminuem a taxa metabólica do cérebro. Todos os anestésicos inalatórios diminuem em graus variáveis, a taxa de filtração glomerular e o fluxo plasmático renal efetivo. Eles também reduzem o fluxo sanguíneo hepático, variando de 15 a 45% do fluxo pré-anestesia.

Toxicidade:

Os anestésicos gerais são fármacos perigosos, haja vista que não possuem antagonistas farmacológicos para neutralizar níveis acidentalmente altos administrados ao paciente, e também por possuírem uma estreita janela terapêutica.

O halotano pode raramente causar hepatite grave num pequeno subgrupo de pacientes, que pode ser fatal.

O metabolismo do enfurano e do sevoflurano resulta na formação de íons de fluoreto, levantando a questão de nefrotoxicidade desses anestésicos.

A hipertermia maligna é um distúrbio genético autossômico dominante dos canais de Ca+ dos retículos sarcoplasmáticos do músculo esquelético que afeta indivíduos suscetíveis submetidos a anestesia geral com agentes inalatórios e relaxantes musculares. Na síndrome da

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

hipertermia maligna ocorre saída descontrolada de Ca+ dos retículos, o que causa o rápido início de taquicardia e hipertensão, rigidez muscular intensa (tetania), hipertermia, hipercalemia e desequilíbrio ácido-básico com acidose. A hipertermia maligna representa uma causa rara, porém importante, de morbidade e mortalidade por anestésicos. O tratamento consiste na administração de dantroleno (que impede a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático) e medidas apropriadas para reduzir a temperatura corporal e restaurar o equilíbrio eletrolítio e ácido-básico.

Agentes anestésicos intravenosos:

Os agentes anestésicos intravenosos pertencem a diferentes grupos farmacológicos, com estruturas químicas e mecanismos de ação diversificados. Compreendem os barbitúricos (tiopental, metoexital), benzodiazepínicos (midazolam, diazepam e lorazepam), propofol, etomidato, cetamida e analgésicos opióides (fentanil, sufentanil, alfentanil, remifentanil, meperidina e morfina).

Até mesmo os anestésicos inalatórios de ação mais rápida, como o óxido nitroso, levam alguns minutos para agir, causando um período de excitação antes de a anestesia ser produzida. Já os anestésicos intravenosos atuam muito mais rapidamente, produzindo inconsciência em cerca de 20 segundos, logo que a droga atinge o cérebro a partir de seu local de injeção. Normalmente o tiopental, etomidato e o propofol são utilizados para indução da anestesia.

Outras drogas utilizadas como agentes de indução por via intravenosa incluem certos benzodiazepínicos, como o diazepam e o midazolam, que atuam menos rapidamente que as drogas citadas anteriormente, e possuem propriedades sedativas e amnésicas. Mecanismo de ação: ativação dos receptores GABAa.

Os analgésicos opióides em altas doses têm sido utilizados para obter anestesia geral, particularmente em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca ou outra cirurgia de grande porte, quando a reserva circulatória é mínima. Os opióides causam analgesia por ativar as vias descendentes da dor, por inibir a transmissão aferente do corno dorsal e por inibir a excitação das terminações nervosas sensoriais da periferia.

O droperidol, um antagonista da dopamina relacionado com os agentes psicóticos pode ser utilizado em combinação com um analgésico opiácido, como o fentanil para produzir um estado de sedação profunda e analgesia (conhecido como neuroleptanalgesia), em que o paciente permanece responsivo a comandos e questões simples, mas não responde a estímulos dolorosos nem tem qualquer lembrança do procedimento. Essa técnica é utilizada para pequenos procedimentos cirúrgicos, como endoscopia.

O tiopental pertence à classe dos barbitúricos depressores do sistema nervoso central, sendo o único de maior importância em anestesia. As ações do tiopental sobre o sistema nervoso são muitos semelhantes à dos anestésicos inalatórios, embora não possua nenhum efeito analgésico. Mecanismo de ação: ativação dos receptores GABAa.

O etomidato passou a ser preferido ao tiopental em virtude de sua maior margem entre a dose anestésica e a dose necessária para produzir depressão respiratória e cardiovascular. Este fármaco produz rápida perda de

consciência, com hipotensão mínima, sem alteração na freqüência cardíaca e com baixa incidência de apnéia. Mecanismo de ação: facilita a inibição mediada pelo GABA.

O propofol também se assemelha ao tiopental nas suas propriedades; entretanto, tem a vantagem de sofrer metabolismo muito rapidamente, permitindo assim rápida recuperação sem qualquer efeito de ressaca. A ocorrência de náusea e vômito no pós-operatório é menos comum. Ele provoca acentuada redução da pressão arterial sistêmica durante a indução da anestesia, além de exercer efeitos inotrópicos negativos acentuados sobre o coração. Mecanismo de ação: facilita a inibição mediada pelo GABA.

A cetamida não exerce seus efeitos através da facilitação da função do receptor GABAa, todavia pode atuar através do antagonismo da ação do neurotransmissor excitatório, o ácido glutâmico, sobre o receptor NMDA. É o único anestésico intravenoso que possui propriedades analgésicas e produz estimulação cardiovascular. Em geral, a frequência cardíaca, a pressão arterial e o débito cardíaco estão significativamente aumentados. A cetamida produz estimulação cardiovascular através de excitação do sistema nervoso simpático central e, possivelmente, inibição da recaptação de noradrenalina nas terminações nervosas simpáticas. Este fármaco aumenta acentuadamente o fluxo sanguíneo cerebral, o cosumo de oxigênio e a pressão intracraniana, sendo potencialmente perigoso para aqueles pacientes com pressão intracraniana já aumentada. Em virtude da elevada incidência de fenômenos psíquicos pós-operatórios associados ao seu uso, a cetamida não é comumente utilizada em cirurgia geral.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

17) AGENTES ANETÉSICOS LOCAIS

Os anestésicos locais são fármacos que bloqueiam reversivelmente a condução do impulso nervoso, entre eles, aqueles envolvidos com estímulos nociceptivos. Seu mecanismo de ação está ligado ao bloqueio dos canais de sódio (Na+), impedindo a despolarização neuronal, mantendo a célula em estado de repouso. A anestesia local atua paralisando as terminações nervosas sensitivas periféricas, ou então, interrompendo a transmissão da sensibilidade à dor entre as terminações nervosas nociceptivas e o encéfalo. Como o próprio nome indica, são utilizados principalmente para produzir bloqueio nervoso local.

Dentre os principais agentes anestésicos locais de emprego clínico encontram-se:

- lidocaína: possui início de ação rápido e duração média (1 -2 horas) devido sua hidrofobicidade moderada. Sua ligação amida impede a degradação por esterases;

- bupivacaína: possui início de ação lento e duração prolongada (2 – 3 horas), pois é altamente hidrofóbica (> potência). A levobupivacaína é um enantiômero da bupivacaína e possui maior segurança e menor efeito cardiotóxico;

- prilocaína: possui início de ação médio e média duração, além de apresentar ação vasoconstritora intrínseca; e

- tetracaína (início de ação muito lento e duração prolongada).

A benzocaína é um anestésico local peculiar de solubilidade muito baixa, usado na forma de pó seco para tratamento de úlceras cutâneas dolorosas. A droga é liberada lentamente e produz anestesia de superfície de longa duração.

Química dos anestésicos locias

Todos os anestésicos locais possuem três estruturas: um grupo aromático, um grupo amina e uma ligação éster ou amida unindo esses dois grupos. A estrutura do grupo aromático influencia a hidrofobicidade (lipossolubilidade) do fármaco, a natureza do grupo amina influencia a velocidade de início e a potência do fármaco, e a estrutura do grupo amida ou éster influencia a duração de ação e os efeitos colaterais do fármaco.

O acréscimo de substituintes ao anel aromático ou ao nitrogênio amino pode alterar a hidrofobicidade do fármaco, que por sua vez afeta a facilidade com que o fármaco atravessa as membranas das células nervosas para alcançar o seu alvo, que é o lado citoplasmático do canal de sódio regulado por voltagem. Um anestésico local efetivo deve distribuir-se e difundir-se na membrana e, por fim, dissociar-se dela; as substâncias que têm mais tendência a sofrer esses processos possuem hidrofobicidade moderada.

Os anestésicos locais neutros atravessam as membranas com muito mais facilidade do que as formas com cargas positivas. Todavia, as formas com cargas positivas ligam-se

com muito mais afinidade ao sítio alvo de ligação do fármaco, o que lhe confere maior tempo de duração anestésica. Alguns fármacos não-ionizáveis, como a benzocaína, são permanentemente neutros, mas ainda têm a capacidade de bloquear os canais de sódio e os potenciais de ação. Todavia, no caso desses fármacos, o bloqueio é fraco e não depende do pH extracelular.

Introdução à fisiologia dos canais de sódio:

A propriedade de excitabilidade elétrica é que possibilita às membranas das células nervosas e musculares gerar potenciais de ação propagados, que são essenciais para a comunicação no sistema nervoso e para dar início à atividade mecânica no músculo cardíaco e estriado. Essa excitabilidade elétrica depende da existência de canais iônicos regulados por voltagem na membrana celular, principalmente canais de Na+ que são regulados de tal maneira quando a membrana é despolarizada tornando-se seletivamente permeável ao Na+.

As duas maneiras pelas quais a função dos canais pode ser modificada são:

- através do bloqueio dos canais; e

- através da modificação do comportamento do mecanismo de comporta.

Assim, o bloqueio dos canais de Na+ reduz a excitabilidade, enquanto o bloqueio dos canais de K+ tende a aumentar. De forma semelhante, um agente que afeta o sistema de comporta do Na+ de modo a aumentar a abertura do canal tenderá a aumentar a excitabilidade, e vice-versa.

Durante o início fisiológico ou propagação de um impulso nervoso, o primeiro evento consiste numa pequena despolarização da membrana, produzida pela ação de transmissores ou pela aproximação de um potencial de ação passando ao longo do axônio. Isso abre os canais de Na+, possibilitando o fluxo de uma corrente de íons de Na+ dirigida para o interior da célula, que despolariza ainda mais a membrana.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Por conseguinte, o processo é regenerativo, e o aumento na permeabilidade ao Na+ é suficiente para trazer o potencial da membrana próximo ao ENa+. Os canais de K+ abrem-se depois dos canais de Na+, e devido às concentrações intracelulares elevadas e extracelulares baixas do íon K+ ocorre uma corrente dirigida externamente (corrente de saída repolarizante), que ocorre depois da interrupção da corrente de entrada de Na+, contribuindo para o rápido término de potencial de ação.

Mecanismo de ação dos anestésicos locais:

Os anestésicos locais bloqueiam o início e a propagação dos potenciais de ação, impedindo o aumento na condutância de Na+ voltagem-dependente. Apesar de exercerem uma variedade de efeitos inespecíficos sobre a função da membrana, sua principal ação consiste em bloquear os canais de Na+, o que fazem fisicamente ao tampar o poro transmembrana através da sua ligação à parte interna do canal, interagindo com radicais do domínio da hélice transmembrana.

A atividade anestésica local depende acentuadamente do pH, sendo aumentada na presença de pH alcalino (isto é, quando a proporção de moléculas ionizadas é baixa – os anestésicos locais são bases fracas) e vice-versa. Isto decorre do fato de que o composto precisa penetrar na bainha do nervo e na membrana axônica para alcançar a extremidade interna do canal de Na+ (onde se encontra o sítio de ligação dos anestésicos locais). Como a forma ionizada não permeia a membrana, a sua penetração é muito precária em pH ácido.

Uma vez no interior do axônio, é a forma protonada da molécula anestésica local que se liga ao canal, pois quando ionizado o anestésico local possui maior afinidade pelos canais de Na+. Essa dependência em relação ao pH pode ser clinicamente importante, visto que os tecidos inflamados são freqüentemente ácidos e, portanto, levemente resistentes aos agentes anestésicos locais.

Os anestésicos locais bloqueiam a condução na seguinte ordem: pequenos axônios mielinizados, axônios não mielinizados, grandes axônios mielinizados. Por conseguinte, a transmissão nociceptiva e simpática é bloqueada em primeiro lugar.

Os anestésicos locais podem atuar como agentes antiarrítmicos, em virtude de sua capacidade de prevenir a taquicardia ventricular e a fibrilação ventricular. Além disso, esses fármacos podem reduzir a contratilidade cardíaca pela redução das reservas intracelulares de cálcio e diminuição da entrada de cálcio.

Os vasoconstritores (agentes simpaticomiméticos) são frequentemente adicionados aos anestésicos locais para retardar a absorção sistêmica do anestésico no seu local de injeção. Como retardam a absorção, esses medicamentos reduzem a toxicidade sistêmica do anestésico e o mantém em contato com as fibras nervosas por mais tempo, aumentando, portanto, o tempo de ação do medicamento. Nesse sentido, a adrenalina é a mais empregada. Deve-se ter cuidado quando os anestésicos locais contendo essa amina são administrados em pacientes com hipertensão.

Os vasoconstritores não são utilizados quando os anestésicos locais são administrados nas extremidades do

corpo, devido à circulação limitada nessas áreas favorecer a ocorrência de hipóxia tecidual.

O cloridrato de fenilefrina é um agonista alfa-adrenérgico puro que é ocasionalmente usado para o bloqueio subaracnóide e é comercializado com a procaína para uso odontológico. Possui pouco efeito cardíaco direto.

Principais efeitos indesejáveis dos anestésicos locais:

Os principais efeitos indesejáveis dos anestésicos locais afetam o sistema nervoso central e o sistema cardiovascular, constituindo a principal fonte de risco quando os anestésicos locais são utilizados clinicamente.

O principal efeito dos anestésicos locais sobre o sistema nervoso central consiste, paradoxalmente, em produzir estimulação (agitação e tremor que progridem para convulsões e depressão respiratória). A lidocaína e a prilocaína possuem efeitos centrais menos pronunciados.

Os efeitos cardiovasculares dos anestésicos locais decorrem da depressão do miocárdio e da vasodilatação. A redução da contratilidade miocárdia provavelmente resulta da inibição da corrente de Na+ no músculo cardíaco. A conseqüente redução do Na+ , por sua vez, diminui as reservas intracelulares de Ca+, reduzindo a força de contração. A vasodilatação afeta principalmente as arteríolas devido ao efeito direto sobre o músculo liso vascular e da inibição do sistema nervoso simpático. A depressão miocárdica e a vasodilatação combinadas levam a uma queda da pressão arterial, que pode ser súbita ou potencialmente fatal, ou até mesmo parada cardíaca. A injeção intravascular inadvertida resulta em grande quantidade de anestésico na circulação sistêmica, e esses fármacos se ligam rapidamente aos tecidos em despolarização (tecido cardíaco), ocasionando a depressão do músculo cardíaco.

Algumas vezes podem ocorrer reações de hipersensibilidade, geralmente na forma de dermatite alérgica e, em raras ocasiões, como reação anafilática aguda.

As reações alérgicas ocorrem quase que apenas com os anestésicos locais do tipo éster: cocaína, benzocaína, cloroprocaína, procaína e tetracaína. Isso acontece porque o metabolismo de todos os anestésicos locais ligados ao éster leva à formação do PABA, um conhecido alergênico para alguns indivíduos. Os anestésicos locais derivados de aminas são essencialmente isentos de propriedades alérgicas, tais como o cloridrato de lidocaína (que é o anestésico local mais usado), o cloridrato de bupivacaína, o cloridrato de levobupivacaína, a ropivacaína, o cloridrato de etidocaína, o cloridrato de mepicacaína e o cloridrato de prilocaína.

Curisodidade: a tetrodotoxina (TTX) é produzida por uma bactéria marinha e acumula-se nos tecidos do baiacu.

Ao se consumir o baiacu, seu fígado e ovários devem ser retirados para se evitar envenenamento acidental pela tetrodotoxina, que se manifesta por fraqueza intensa, evoluindo para paralisia total e morte. Essa toxina atua pelo lado externo das membranas, diferentemente dos anestésicos locais.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

18) FARMACOS UTILIZADOS NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

A insuficiência cardíaca é a incapacidade do coração de manter fluxo sanguíneo suficiente para atender às demandas metabólicas sem aumento anormal de pressões de enchimento ventricular. A insuficiência cardíaca pode decorrer de anormalidades de esvaziamento ou de enchimento ventricular (sístole ou diástole). Trata-se de uma condição altamente letal, cuja taxa de mortalidade de 5 anos é estimada, convencionalmente, em cerca de 50%.

A insuficiência cardíaca pode ser causada por diversas condições subjacentes, tais como a coronariopatia que resulta em infarto agudo do miocárdio; hipertensão; cardiopatia valvar; condições degenerativas do músculo cardíaco; e excessiva necessidade de trabalho do coração decorrente de insuficiência renal ou em estados hiper-metabólicos. Esses processos mórbidos podem levar à disfunção ou morte dos miócitos, com conseqüente substituição do miocárdio por tecido fibroso e comprometimento da contratilidade.

A fisiologia da insuficiência cardíaca envolve interação entre dois fatores:

a) a incapacidade do coração com insuficiência em manter um débito cardíaco suficiente para sustentar as funções corporais; e

b) o recrutamento de mecanismos compensatórios visando à manutenção da reserva cardíaca, tais como: aumento da frequência cardíaca, contratilidade cardíaca e resistência vascular periférica, retenção de sal e água. Os efeitos negativos dos mecanismos compensatórios devem ser levados em consideração no tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca.

Os sintomas cardinais da insuficiência cardíaca são a dispnéia, cansaço, taquicardia, cardiomegalia, tosse, sintomas digestivos, anorexia, terceira bulha, estertores pulmonares e edema periférico.

A insuficiência cardíaca pode ser classificada em direita, quando o sangue acumula-se na circulação sistêmica, causando edema periférico e congestão dos órgãos abdominais. Por outro lado, a insuficiência cardíaca esquerda ocorre quando o coração esquerdo não consegue mover o sangue da circulação pulmonar para a circulação sistêmica, conseqüentemente o sangue acumula-se na circulação pulmonar ocasionando edema pulmonar.

Contratilidade do miocárdio

A contração do músculo cardíaco decorre da interação do cálcio com o sistema actina-troponina-tropomiosina, liberando, assim, a interação actina-miosina. Esse cálcio ativador é liberado do retículo sarcoplasmático. A quantidade liberada depende da quantidade armazenada no retículo e da quantidade de cálcio desencadeante que penetra na célula durante o platô do potencial de ação. Por sua vez, a quantidade de cálcio desencadeante que penetra na célula depende da disponibilidade de canais de cálcio (principalmente do tipo L) e da duração de sua abertura. Os

agentes simpaticomiméticos (agonistas beta-adrenérgicos) provocam aumento do influxo de cálcio através de sua ação sobre esses canais. Por outro lado, os bloqueadores do canal de cálcio reduzem esse influxo e diminuem a contratilidade.

O ciclo do cálcio e a contratilidade do miocárdio nos miócitos cardíacos são regulados por três mecanismos principais de controle:

- no sarcolema, o fluxo de cálcio é mediado por interações entre a bomba de sódio e o trocador de sódio-cálcio

- no retículo sarcoplasmático, os canais e as bombas de cálcio regulam a extensão da liberação e recaptação de cálcio.

- as influências neuro-humorais, particularmente a via de sinalização beta-adrenérgica, também rmodulam o ciclo do cálcio através desses canais e transportadores.

Tratamento farmacológico da IC

O tratamento da insuficiência cardíaca objetiva diminuição de sintomas, melhora da qualidade de vida e aumento da sobrevida.

Quando a insuficiência cardíaca se torna moderada a grave, a polifarmácia passa a ser um tratamento padrão e inclui, com frequência, diuréticos, digoxina, inibidores da ECA e drogas bloqueadoras beta-adrenérgicas.

Por outro lado, simpaticomiméticos e inibidores da fosfodiesterase aumentam a mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca, a despeito de seu efeito inotrópico positivo.

A escolha dos fármacos é determinada em decorrência dos problemas causados pelos distúrbios cardíacos (disfunção sistólica ou diastólica) e os ocasionados pela ativação dos mecanismos compensatórios (retenção excessiva de líquido, ativação inadequada dos mecanismos simpáticos, etc).

1) - Fármacos para tratamento dos distúrbios cardíacos:

Os digitálicos (digoxina) têm sido um tratamento

reconhecido da ICC há centenas de anos. As diversas formas de digitálicos são designadas como digitálicos cardíacos. Eles melhoram a função cardíaca através:

a) Do aumento da força e da potência da contração cardíaca (efeito mecânico dos digitálicos); e

b) Da diminuição da atividade do nodo sinoatrial e da condução através do nodo atrioventricular (efeitos elétricos dos digitálicos), o que reduz a freqüência cardíaca e aumenta o tempo de enchimento diastólico.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Portanto, além de seus efeitos sobre a contratilidade do miocárdio, a digoxina exerce efeitos autônomos através de sua ligação à bomba de sódio nas membranas plasmáticas dos neurônios no sistema nervoso central e sistema nervoso periférico. Esses efeitos consistem em inibição do efluxo nervoso simpático, sensibilização dos barorreceptores e aumento do tônus parassimpático (estimulação vagal).

Em virtude de seus efeitos bradicárdicos e inotrópicos combinados, a digoxina é um fármaco particularmente útil para pacientes com IC e fibrilação atrial.

Nas células cardíacas, as drogas digitálicas agem através da sua ligação à sódio-potássio-ATPase na membrana celular, inibindo a “bomba de sódio-potássio”. Quando o sódio intracelular aumenta devido à inibição da bomba de sódio-potássio pelos digitálicos, a troca de cálcio intracelular por sódio extracelular realizada por um segundo canal trocador de íons é inibida; em conseqüência disso, ocorre o aumento da concentração de cálcio no citoplasma. Esse aumento de concentração facilita a interação do Ca+ com o complexo actina-troponina-tropomiosina (aumentando força de contração muscular) além de aumentar as reservas do retículo sarcoplasmático.

O relaxamento do músculo cardíaco se dá mediante a recaptação do Ca+ para o retículo sarcoplasmático, o que é realizado pela cálcio-ATPase.

A bomba de sódio e potássio é uma das estruturas pertencentes ao sistema de regulagem hidroeletrolítica da célula, sendo responsável, como o próprio nome diz, pela manutenção das concentrações iônicas do sódio e do potássio. A bomba localiza-se na membrana plasmática e depende de ATP para o transporte desses íons, principalmente do potássio, cujo trajeto vai contra um gradiente osmótico (o potássio é transferido do meio extracelular, onde é encontrado em pouca quantidade, para o interior da célula, que possui cerca de 30x mais potássio que o meio externo). Essa bomba eletrogênica permite manter o potencial de membrana em torno de – 70 mV, através do carreamento de íons contra o gradiente de concentração. De fato, bombeia-se um maior número de cargas positivas para fora da célula (3 íons Na+ para o exterior, em contrapartida a 2 íons K+ para o interior), deixando-se um déficit real de íons positivos no interior, o que produz carga negativa na face interna da membrana celular.

Em outras palavras, o mecanismo básico de ação dos glicosídeos cardíacos consiste em aumento da atividade vagal (retardando a condução atrioventricular) e inibição da bomba Na+/K+, aumentando assim a corrente de entrada de Na+ e diminuindo a extrusão de cálcio pela troca Na+/Ca2+. O cálcio livre no interior da célula é responsável, entre outras funções, pela contração do músculo cardíaco ao interagir com a troponina C. Ou seja, a interação entre os filamentos de actina e miosina é normalmente bloqueada pela tropomiosina ligada ao filamento de actina, portanto, quando ocorre ligação do cálcio à troponina C, a conformação do complexo de troponina modifica-se e, em consequência, a tropomiosina desloca-se, permitindo a ligação de pontes cruzadas de miosina à actina, desencadeando o processo de contração.

Os efeitos adversos são comuns e podem ser graves. Um dos principais inconvenientes do uso clínico dos glicosídeos cardíacos é a sua estreita margem entre a eficácia e a toxicidade. A DL50 da digoxina é de 10 – 15 mg para adultos, e de 6 – 10 mg para crianças. A concentração plasmática terapêutica da digoxina é de aproximadamente 1 ng/mL, sendo os efeitos tóxicos apresentados a partir de 2 ng/mL.

A digoxina administrada por via oral possui uma biodisponibilidade de cerca de 75%. Uma minoria de pacientes apresenta uma flora intestinal que metaboliza a digoxina ao metabólito inativo, a diidrodigoxina. Nesses pacientes, é algumas vezes necessária a co-administração de antibióticos para descontaminar o intestino e, portanto, facilitar a absorção oral da digoxina. Cerca de 70% do fármaco são excretados de modo inalterado pelos rins (isso mostra a importância da preservação da função renal para que não ocorra toxicidade farmacológica).

A digoxina interage com muitos fármacos. Os antagonistas beta-adrenérgicos diminuem a condução do nodo AV, e o uso combinado de antagonistas beta e digoxina pode aumentar o risco de desenvolvimento de bloqueio AV de alto grau. Tantos os antagonistas beta quanto os bloqueadores dos canais de Ca+ podem diminuir a contratilidade cardíaca e atenuar os efeitos da digoxina. Os diuréticos não poupadores de K+ podem aumentar a afinidade da digoxina pela Na+/K+-ATPase e, portanto, predispor à toxicidade da digoxina. A co-administração de digoxina com verapamil, quinidina ou amiodarona pode aumentar os níveis de digoxina, devido ao impacto desses fármacos sobre o volume de distribuição e/ou depuração renal da digoxina.

O tratamento da toxicidade da digoxina baseia-se na normalização dos níveis plasmáticos de K+ e na redução do potencial de arritmias ventriculares. Além disso, a toxicidade potencialmente alta da digoxina pode ser tratada com anticorpos antidigoxina. Esses anticorpos formam complexos com a digoxina, que são rapidamente eliminados do organismo.

Cedilanide

O deslanósido é um dos glicosídios naturais da Digitalis lanata; aumenta a contratilidade cardíaca, diminui a

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

freqüência cardíaca (pela prolongação do período refratário do nódulo AV) e alivia a sintomatologia clínica da insuficiência cardíaca (congestão venosa, edema periférico, etc.). A ação terapêutica começa entre 5-30 minutos após injeção intravenosa e o efeito máximo é obtido em 2-4 horas.

O cedilanide está indicado na insuficiência cardíaca congestiva aguda e crônica de todos os tipos.

2) - Fármacos utilizados no tratamento dos distúrbios

ocasionados pela ativação dos mecanismos compensatórios:

A diminuição do fluxo sanguíneo renal, provocada pela

ICC, faz com que os rins produzam hormônios no intuito de restabelecer o volume sanguíneo normal, pois nessa situação o órgão interpreta a diminuição do fluxo como se houvesse uma hemorragia aguda. Sendo assim, os rins produzem renina, que circula até o fígado, onde converte o angiotensinogênio em angiotensina-I. Esta circula para os pulmões onde é convertida em angiotensina-II pela ECA. A angiotensina-II liga-se ao seu receptor e aumenta a concentração intracelular de cálcio. Esse aumento provoca vasoconstrição pelas células musculares lisas vasculares, secreção de aldosterona pelas células da supra-renal e elevação do fluxo simpático central, além de aumentar a sede.

Esses mesmos mecanismos adaptativos são prejudiciais na ICC. Nesse sentido, os diuréticos estão entre as medicações mais frequentemente prescritas para a insuficiência cardíaca. Promovem a excreção do líquido de edema bem como ajudam a manter o débito cardíaco e a perfusão tecidual pela redução da pré-carga e por possibilitar ao coração operar numa parte mais ideal da curva de Frank-Starling (“um aumento no volume diastólico final do ventrículo esquerdo leva a um aumento do volume sistólico ventricular durante a sístole” – o volume diastólico aumentado aumenta o comprimento da fibra miocárdica. Em conseqüência, uma maior fração do comprimento do filamento de actina é exposta em cada sarcômero e, portantanto, torna-se disponível para a formação de pontes cruzadas de miosina quando o cardiomiócito é despolarizado – em outras palavras, a tensão desenvolvida pelos miócitos cardíacos durante a contração está diretamente relacionada com o comprimento das unidades sarcoméricas antes da contração.). São usados diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida) e de alça (furosemida, bumetanida, ácido etacrínico, torasemida, piretanida) que são os mais poderosos de todos os diuréticos. Em emergências como edema pulmonar agudo, podem-se administrar por via endovenosa diuréticos de alça, como a furosemida ou bumetanida. Quando administrados por via endovenosa, essas drogas agem rapidamente, reduzindo o retorno venoso por vasodilatação, de modo que o débito ventricular direito e as pressões vasculares pulmonares diminuem. Essa resposta à administração endovenosa de drogas é extra-renal e precede o início da diurese.

Os diuréticos tiazídicos atuam ao inibir o co-transportador Na+/Cl- no túbulo contorcido distal.

Os diuréticos de alça atuam inibindo o transporte do cloreto de sódio para fora do túbulo e para o interior do tecido intersticial ao inibir o transportador Na+/K+/2Cl- na membrana luminal. Os diuréticos, em geral, promovem a excreção de sódio e potássio, diminuindo assim a osmolaridade plasmática com consequente diminuição do volume plasmático.

A espirolactona – diurético poupador de K+ - também pode ser usada quando se quer evitar disritmias por perda desse íon, verificada com os demais diuréticos. A espirolactona inibe competitivamente a ligação da aldosterona aos receptores citosólicos de mineralcorticóides nas células epiteliais do túbulo distal terminal e ducto coletor do rim. A aldosterona intensifica a retenção de sal e de água à custa de uma excreção renal aumentada de potássio e hidrogênio. A espirolactona aumenta a diurese ao bloquear a retenção de sódio e de água, enquanto retém o potássio. Deve-se ter cuidado ao administrar a espirolactona juntamente com IECA, pois estes também promovem a retenção de potássio (hiperpotassemia).

Os inibidores da ECA (enalapril, captopril), que impedem a conversão da angiotensina I em angiotensina II pela ECA, além de inibirem a degradação das cininas que são agentes vasodilatadores, têm sido usados com eficácia no tratamento da insuficiência cardíaca, pois foi constatado que a maneira de melhorar a sobrevida desses pacientes não consistia em corrigir diretamente a bomba cardíaca enfraquecida, mas em reverter a vasoconstrição periférica inapropriada em decorrência da ativação neuro-humoral.

A atividade da renina eleva-se com frequência na insuficiência cardíaca, em consequência da diminuição do fluxo sanguíneo renal. O resultado final é um aumento da angiotensina II, o que causa vasoconstrição e aumento da produção da aldosterona, com um aumento subsequente na retenção do sal e água pelo rim. Ambos os mecanismos tornam maior a carga de trabalho do coração. Alguns estudos mostraram que os inibidores da ECA podem aliviar os sintomas e aumentar a sobrevida em pessoas com ICC sintomática.

Os bloqueadores dos receptores para a angiotensina II (losartan e valsartan) mais recentes têm a vantagem de não causar tosse, que para muitas pessoas é um efeito colateral problemático dos IECA. Os BRA foram desenvolvidos pois descobiru-se que outras enzimas celulares (que não a angiotensina-I), como as cinases e a tripsina, também podem elaborar angiotensina-II.

O mecanismo de ação dos bloqueadores dos receptores para a angiotensina pode ser explicado pelo bloqueio dos receptores AT1 da angiotensina II (receptor acoplado à proteína G), inibindo a ação do eixo da renina. O mensageiro final do eixo renina-angiotensina é a angiotensina II, que se liga ao receptor AT1 causando vasoconstrição e retenção hídrica, ambos levando ao aumento da pressão arterial. O bloqueio do receptor AT1 resulta na redução da pressão arterial e nos efeitos benéficos na ICC.

Os Beta-bloqueadores com eficácia clínica comprovada no tratamento da IC são: carvedilol, bisoprolol e succinato de metoprolol. A terapia prolongada com os

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

bloqueadores beta-adrenérgicos reduz a morbidade e a mortalidade em pessoas com insuficiência cardíaca crônica, pois a disfunção ventricular esquerda associa-se à ativação do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Por outro lado, a elevação crônica dos níveis de noradrenalina foi demonstrada como causando a morte das células musculares cardíacas e disfunção ventricular esquerda progressiva, associando-se a mau prognóstico na insuficiência cardíaca. Os efeitos resultantes de bloqueio dos receptores beta-1 incluem diminuição de freqüência e força contrátil cardíacas, consequentemente reduzindo o débito e o consumo de oxigênio cardíacos, justificativa para uso desses bloqueadores em cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial e arritmias cardíacas.

Agonistas beta-adrenérgicos A dobutamina, agonista dos receptores B1, é usada na

insuficiência cardíaca congestiva aguda quando tenta-se a redução urgente da pressão capilar pulmonar e da pressão de enchimento do átrio direito, juntamente com um aumento do débito cardíaco (se este estiver reduzido). A dobutamina possui vantagem sobre outros fármacos simpaticomiméticos

porque não aumenta significativamente o consumo de oxigênio, aumenta o débito tendo discreta alteração da freqüência cardíaca.

A ação da dobutamina no tratamento da ICC ocorre devido a ativação da adenil-cliclase, responsável pela produção de AMP cíclico - ativa a proteína-quinase - estimula a fosforilação do canal de cálcio - aumenta o influxo de cálcio para o interior da célula muscular cardíaca - levando ao aumento da contração do miocárdio.

Devido aumentar a condução atrioventricular, deve ser utilizada com cuidado na fibrilação atrial. Pode ocorrer tolerância com o uso prolongado, e, possui outros efeitos adversos semelhantes aos da adrenalina.

O uso de fármacos betagonistas no tratamento da insuficiência cardíaca deve ser encorajado apenas em situações agudas e refratárias (quando não ocorre melhora significativa com digitalicos, diuréticos e vasodilatadores) para adequação hemodinâmica a curto prazo, sempre lembrando que a maioria destes fármacos induz taquifilaxia e não apresenta efeitos benéficos validados sobre desfechos clínicos. A via de administração é intravenosa em infusão. Não deve ser diluída em solução alcalina.

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

19) TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA DISRITMIA CARDÍACA

A contração e o relaxamento rítmicos do coração baseiam-se no funcionamento das células especializadas do sistema de condução do coração. As células especializadas do nodo SA têm a mais rápida freqüência intrínseca de geração de impulsos e atuam como marcadoras do ritmo cardíaco. Os impulsos provenientes do nodo SA seguem através dos átrios até o nodo AV e daí ao feixe AV e ao sistema ventricular de Purkinje. O nodo AV constitui a única conexão entre os sistemas de condução dos átrios e ventrículos.

Os átrios e os ventrículos funcionam independentemente uns dos outros, ao ser bloqueada a condução do nodo AV.

Fig. 01 – Sistema de condução cardíaco

O potencial de ação do músculo cardíaco é dividido em cinco fases:

Fase 0 – representa a despolarização rápida do miócito induzida pela abertura dos canais de sódio controlados por voltagem. Esses canais se fecham após 1 a 2 milissegundos;

Fase 1 – é o período de repolarização curto e rápido que ocorre no pico de subida do potencial de ação, devido à inativação da corrente de entrada do Na+;

Fase 2 – ocorre o equilíbrio final entre as correntes iônicas de entrada (despolarização) e de saída (repolarização) mantendo o miócito em um estado despolarizado. Durante essa fase, o Ca+ entra na célula causando a liberação de mais Ca+ das reservas intracelulares e vinculando a despolarização elétrica à contração mecânica do músculo, em virtude da ação da actina e miosina;

Fase 3 – ocorre a corrente de saída de K+ repolarizando a célula; e

Fase 4 – ocorre a estabilidade elétrica dos miócitos atriais e ventriculares, com potencial de membrana em repouso sustentando em -90 mV e mantido pela corrente de fuga de saída de K+ e pelos trocadores iônicos. Nessa fase os canais de Na+ necessários para a despolarização dos miócitos atriais e ventriculares se recuperam completamente.

As implicações clínicas da ativação cardíaca desordenada variam de palpitações assintomáticas a arrtimia fatal. O controle farmacológico das arritmias utiliza medicamentos que exercem efeitos diretamente sobre as células cardíacas inibindo a função de canais iônicos específicos (canais de Na+ e de Ca+) ou alterando o aporte autônomo do coração (bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos).

Fig. 02 – Relação entre o eletrocardiograma e o potencial de ação ventricular

O eletrocardiograma é utilizado para demonstrar alterações nos impulsos cardíacos através do registro de potenciais elétricos em vários locais na superfície do corpo. O registro do ECG reflete alterações na excitação do miocárdio. A compreensão básica do ECG é útil para discutir as aplicações clínicas dos diversos agentes antiarrítmicos.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

O eletrocardiograma normal contém três formas de ondas elétricas: a onda P, o complexo QRS e a onda T. a onda P representa a despolarização atrial; o complexo QRS representa a despolarização ventricular; e a onda T representa a repolarização ventricular. O ECG não mostra de modo explícito a repolarização atrial, visto que a repolarização atrial é “dominada” pelo complexo QRS. O ECG também contém dois intervalos e um segmento: o intervalo PR, o intervalo QT e o segmento ST. O intervalo PR estende-se do início da onda P (despolarização inicial dos átrios) até o início da onda Q (despolarização inicial dos ventrículos). Por conseguinte, o comprimento do intervalo PR varia de acordo com a velocidade de condução através do nodo AV. por exemplo, se um paciente tiver um bloqueio elétrico nodo AV, a velocidade de condução através do nodo AV diminui, e o intervalo PR aumenta. O intervalo QT começa no inicio da onda Q e termina no final da onda T, representando toda a seqüência de despolarização e repolarização ventriculares. O segmento ST começa no final da onda S e termina no início da onda T. Esse segmento, que representa o período durante o qual os ventrículos estão despolarizados, corresponde à fase do platô do potencial de ação ventricular.

No ritmo sinusal normal, uma onda P precede cada complexo QRS, e os intervalos RR permanecem relativamente constantes ao longo do tempo.

Fig. 03 - Eletrocardiograma

As disritmias cardíacas constituem distúrbios do ritmo cardíaco relacionados a alterações na automaticidade, excitabilidade, condutibilidade ou refratariedade das células especializadas no sistema de condução do coração (células do nodo Sinoatrial, nodo Atrioventricular e Fibra de Purkinje).

Automaticidade designa a capacidade de geração espontânea de um potencial de ação por parte das células marcadoras do ritmo cardíaco. Normalmente, o nodo sinoatrial é o marcador do ritmo do coração devido à sua automaticidade intrínseca. Excitabilidade é a capacidade do tecido cardíaco de responder a um impulso e gerar um potencial de ação. Condutividade e refratariedade constituem a capacidade do tecido cardíaco de conduzir os potenciais de ação. A condutividade relaciona-se à capacidade de condução dos impulsos do tecido cardíaco e a refratariedade indica as interrupções temporárias na condutividade relacionadas à fase de repolarização do potencial de ação.

Fisiopatologia da disfunção elétrica

Os distúrbios do ritmo cardíaco ocorrem em conseqüência dos distúrbios na geração ou condução dos impulsos do coração.

1) Defeitos na geração do impulso elétrico:

1.1 - automaticidade alterada em condições fisiológicas – ocorre em função da estimulação provocada pelas catecolaminas sobre os receptores beta-1, ocasionando o aumento da freqüência cardíaca; ou pela estimulação do nervo vago que libera acetilcolina, ativando os receptores muscarínicos, com consequente diminuição da freqüência cardíaca.

1.2 automaticidade alterada em condições patológicas – nessa situação, as células marca-passo latentes assumem o papel do nodo sinuatrial como marca-passo do coração.

Um batimento ectópico ocorre quando as células marca-passo latentes desenvolvem uma freqüência de disparo intrínseca, que é mais rápida do que a freqüência no nodo sinuatrial.

A lesão tecidual direta (como o infarto) pode causar desorganização estrutural na membrana celular. As membranas acometidas são incapazes de manter gradientes iônicos, que são de suma importância na manutenção dos potenciais de membrana apropriados.

A perda da conectividade da junção comunicante constitui outro mecanismo pelo qual a lesão tecidual resulta em alteração da automaticidade.

1.3 – atividade deflagrada – uma pós-despolarização ocorre quando um potencial de ação normal deflagra despolarizações anormais adicionais. Se uma pós-despolarização precoce for sustentada, pode resultar em um tipo de arritmia ventricular, denominada “torsades de pointes”, que representa emergência médica.

2) – Defeitos na condução do impulso

A função cardíaca normal requer a propagação desobstruída e tempestiva de um impulso Elétrico através dos miócitos cardíacos. Em condições patológicas, a alteração da condução do impulso pode resultar de uma combinação de três mecanismos: reentrada, bloqueio da condução e vias acessórias.

Ocorre reentrada de um impulso elétrico quando um circuito elétrico auto-sustentado estimula uma área do miocárdio de modo repetitivo e rápido.

O bloqueio da condução é caracterizado quando um impulso não consegue se propagar, devido à presença de uma área de tecido cardíaco inexcitável. Essa área de tecido inexcitável pode consistir em tecido normal que ainda está refratário, ou pode apresentar um tecido lesado por traumatismo, isquemia ou cicatrização.

As vias acessórias são constatadas pela presença do Feixe de Kent, que é uma faixa do miocárdio que conduz impulsos diretamente dos átrios para os ventrículos, transpondo o nodo átrio-ventricular. O tecido ventricular

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

desses pacientes recebe impulsos tanto da via de condução normal quanto da via acessória.

Devido ao seu potencial de interferir na ação de bombeamento do coração, as disritmias que se originam dos ventrículos são consideradas mais graves do que as que se originam nos átrios.

As disritmias sinusais originam-se do nodo SA, consistindo na bradicardia sinusal (freqüência cardíaca < 60 batimentos por minuto), taquicardia sinusal (freqüência cardíaca > 100 batimentos por minuto), parada sinusal (assistolia) e síndrome da doença sinusal (alternância de períodos de bradicardia e taquicardia).

As disritmias atriais originam-se de alterações na geração de impulsos que ocorrem nas vias de condução ou no músculo dos átrios. Consistem em contrações atriais prematuras, flutter atrial (freqüência de despolarização atrial de 240 a 450 batimentos por minuto) e fibrilação atrial.

As alterações na condução dos impulsos através do nodo AV acarretam distúrbios na transmissão dos impulsos dos átrios aos ventrículos (bloqueio cardíaco de primeiro, segundo e terceiro graus).

As alterações na condução dos impulsos do feixe de HIS e do sistema de Purkinje causam alargamento e alterações na configuração do complexo QRS do ECG.

As disritmias ventriculares consistem em contração ventricular prematura (CVP) que é causada por um marcador do ritmo ventricular ectópico, a taquicardia ventricular (frequência de 70 a 250 batimentos por minuto) e a fibrilação ventricular (freqüência > 350 batimento por minuto) que será fatal se não for tratada com êxito pela desfibrilação.

Em geral as bradiarritmias não são controladas com a terapia farmacológica de longo prazo e podem demandar estimulação elétrica cardíaca permanente (implantação de marca-passo). As taquiarritmias frequentemente podem ser aliviadas com a terapia clínica de longo prazo.

Mecanismos gerais dos agentes antiarrítmicos

Como as arritmias são causadas por uma atividade marca-passo anormal ou por uma anormalidade na propagação dos impulsos, a terapia das arritmias tem por objetivo reduzir a atividade marca-passo ectópica e modificar a condução ou a refratariedade em circuitos de re-entrada para impedir movimento circular. Os principais mecanismos disponíveis para atingir esses objetivos são:

1 - o bloqueio dos canais de sódio;

2 - o bloqueio dos efeitos autônomos simpáticos no coração;

3 - o prolongamento do período refratário efetivo; e

4- o bloqueio dos canais de cálcio.

Os fármacos antiarrítmicos diminuem a automaticidade dos marca-passos ectópicos em maior grau do que a do nodo sinuatrial. Além disso, reduzem a condução e a excitabilidade e aumentam o período refratário nos tecidos despolarizados em maior grau do que no tecido normalmente polarizado. Isso é efetuado principalmente através do

bloqueio seletivo dos canais de sódio ou de cálcio das células despolarizadas.

Fármacos utilizados nas disritmias:

As drogas antidisrítmicas agem modificando a formação e condução desordenadas dos impulsos que podem induzir à contração do músculo cardíaco. Essas drogas são classificadas em quatro grupos principais de acordo com o efeito da droga sobre o potencial de ação das células cardíacas. Embora tenham efeitos semelhantes sobre a condução, drogas de uma categoria podem variar significativamente quanto aos seus efeitos hemodinâmicos.

As drogas da classe I agem bloqueando os canais rápidos de Na+, da mesma maneira que fazem os anestésicos locais. As drogas da classe I ligam-se aos canais mais fortemente quando estes se encontram no estado aberto ou refratário e menos fortemente aos canais no estado de repouso. Por conseguinte, sua ação mostra a propriedade de “dependência do uso”, isto é, quanto mais frequentemente os canais são ativados, maior o grau de bloqueio produzido. Elas afetam a condução dos impulsos, a excitabilidade e a automaticidade em graus variáveis, sendo, por isso, divididas, ainda, em três grupos: IA, IB e IC.

As drogas da classe IA (quinidina, procainamida, disopiramida, moricizina) diminuem a automaticidade, deprimindo a fase 4 do potencial de ação, tornam menor a condutividade, prolongando moderadamente a fase 0, e prolongam a repolarização, estendendo a fase 3 do potencial de ação. Por serem eficazes na supressão dos focos ectópicos e no tratamento das disritmias reentrantes, as referidas drogas são usadas nas disritmias supraventriculares e ventriculares.

As drogas da classe IB (lidocaína, fenitoína, tocainida, mexiletina, aprindina) diminuem a automaticidade, deprimindo a fase 4 do potencial de ação; têm pouco efeito sobre a condutividade, diminuem a refratariedade, tornando menor a fase 2, e abreviam a repolarização, diminuindo a fase 3. As drogas desse grupo são usadas unicamente no tratamento das disritmias ventriculares e têm pouco ou nenhum efeito sobre a contratilidade miocárdica.

As drogas da classe IC (flecainida, encainida, propafenona, indecainida) diminuem a condutividade, deprimindo acentuadamente a fase 0 do potencial de ação, mas têm pouco efeito sobre a refratariedade ou a repolarização. As drogas dessa classe são usadas nas taquicardias supraventriculares e disritmias ventriculares com risco de vida.

As drogas da classe II (propanolol, nadolol, atenolol, timolol, acebutol, pindolol, esmolol) são drogas bloqueadoras beta-adrenérgicas que agem amortecendo o efeito sobre o coração da estimulação do sistema nervoso simpático.

Embora o coração seja capaz de bater por si próprio sem inervação do sistema nervoso, as fibras tanto simpáticas quanto parassimpáticas inervam o nodo SA e o nodo AV e, portanto, alteram a freqüência de automaticidade. A estimulação simpa´tica libera noradrenalina, que se liga aos

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

receptores beta1 adrenérgicos nos tecidos nodais. A ativação desses receptores no nodo SA desencadeia um aumento na corrente marcapasso, que aumenta a freqüência de despolarização da fase 4 e, consequentemente, leva a um disparo mais freqüente do nodo. A estimulação dos receptores beta1 no nodo AV aumenta as correntes de Ca+ e K+, aumentando, assim, a velocidade de condução e diminuindo o período refratário do nodo.

Portanto, os antagonistas beta-1 afetam os potenciais de ação dos nodos SA e AV através das seguintes ações:

a) Diminuem a freqüência de despolarização da fase 4; e

b) Prolongam a repolarização.

A diminuição da freqüência da despolarização da fase 4 resulta em automaticidade diminuída, o que, por sua vez, reduz a demanda de oxigênio do miocárdio. A repolarização prolongada do nodo AV aumenta o período refratário efetivo, diminuindo ancidência de reentrada.

Essas drogas diminuem a automaticidade, deprimindo a fase 4 do potencial de ação; tornam menor a freqüência e a contratilidade cardíacas.

Tais medicações são eficazes no tratamento das disritmias e taqui-disritmias supraventriculares secundárias à atividade simpática excessiva, mas não muito eficazes no tratamento das disritmias graves, como a taquicardia ventricular recorrente.

As diferentes gerações de antagonistas beta-adrenérgicos produzem graus variáveis de efeitos adversos. Três mecanismos gerais são responsáveis pelos efeitos adversos desses fármacos. Em primeiro lugar, o antagonismo dos receptores beta-2 adrenérgicos provoca espasmo do músculo liso, resultando em broncoespasmo, extremidades frias e impotência. Esses efeitos são mais comumente causados pelos antagonistas beta não seletivos de primeira geração (propanolol). Em segundo lugar, a exageração dos efeitos terapêuticos do antagonismo dos receptores beta-1 pode levar a efeitos inotrópicos negativos excessivos, bloqueio cardíaco e bradicardia. Em terceiro lugar, a penetração do fármaco no SNC pode provocar insônia e depressão.

Cabe lembrar que, a acetilcolina diminui a freqüência cardíaca, devido à ação agonista sobre os receptores muscarínicos do nodo SA; por outro lado, a noradrenalina aumenta a frequência ao ativar os receptores beta-adrenérgicos no nodo SA.

As drogas da classe III (amiodarona, bretílio, sotalol, n-acetilprocainamida – NAPA) agem ampliando o potencial de ação cardíaco e a refratariedade. São usadas no tratamento das disritmias ventriculares graves.

A amiodarona é principalmente um agente antiarrítmico de classe III, mas também atua como agente das classes I, II e IV. Seu mecanismo de ação se dá através da alteração da membrana lipídica na qual se localizam os canais iônicos e os receptores. Em todos os tecidos cardíacos, a amiodarona aumenta o período refratário efetivo através do bloqueio dos canais de K+ responsáveis pela repolarização da célula. Esse prolongamento da duração do

potencial de ação diminui a reentrada. Como potente agente da classe I, a amiodarona bloqueia os canais de Na+ e, portanto, diminui a freqüência de disparo nas células marcapasso; exibe bloqueio dos canais de Na+ dependente de uso através de sua ligação preferencial aos canais que estão na conformação inativada. A amiodarona exerce atividade antiarrítmica de classe II através do antagonismo não-competitivo dos receptores alfa-adrenérgicos e beta-adrenérgicos. Como bloqueador dos canais de Ca+ (classe IV), a amiodarona pode causar bloqueio significativo do nodo atrioventricular e bradicardia, embora, felizmente, o seu uso esteja associado a uma incidência relativamente baixa de “torsade de pointes”.

O amplo espectro de ação da amiodarona é acompanhado de um conjunto de efeitos adversos graves, quando o fármaco é utilizado por longos períodos ou em altas doses, tais como: hipotensão, diminuição da contratilidade cardíaca, diminuição da função do nodo AV ou SA, pneumonite, hiper ou hipotireoidismo, elevação das enzimas hepáticas, neuropatia periférica, disfunção testicular e pigmentação cutânea.

O sotalol antagoniza não-seletivamente os receptores beta-adrenérgicos (ação de classe II) e também aumenta a duração do potencial de ação ao bloquear os canais de K+ (ação da classe III). Esse fármaco é utilizado nas arritmias ventriculares graves, particularmente em pacientes que não conseguem tolerar os efeitos colaterais da amiodarona. A exemplo de outros antagonistas beta, o sotalol pode causar fadiga e bradicardia; e, à semelhança de outros agentes antiarrítmicos da classe III, pode induzir torsades de pointes.

O bretílio, à semelhança da guanetidina, concentra-se nas terminações nervosas dos neurônios simpáticos, causando a liberação inicial de noradrenalina; todavia, a seguir, inibe a liberação adicional de noradrenalina. Esse fármaco efetua uma simpatectomia química e, portanto, exerce um efeito anti-hipertensivo. O bretílio também aumenta a duração do potencial de ação nas células cardíacas normais e isquêmicas. Os locais de atividade antiarrítmicas consistem principalmente nas fibras de Purkinje e, secundariamente, nos miócitos ventriculares. Não exerce efeito sobre o tecido atrial.

As drogas da classe IV (verapamil, diltiazem, nifedipina, bepridil, nitrendipina, isradipina, nicardipina) agem bloqueando os canais de cálcio sensíveis à voltagem, deprimindo, assim, a fase 4 e alongando as fases 1 e 2.

Bloqueando a liberação intracelular dos íons cálcio, essas drogas reduzem a força de contração do miocárdio e diminuem, assim, a necessidade miocárdica de oxigênio. São usadas para retardar a resposta ventricular nas taquicardias atriais e fazer cessar as taquicardias supraventriculares paroxísticas reentrantes, quando o nodo AV funciona como via de reentrada.

Esses fármacos atuam preferencialmente nos tecidos nodais SA e AV, visto que esses tecidos marcapasso dependem das correntes de Ca+ para a fase de despolarização do potencial de ação. Em contrapartida, os bloqueadores dos canais de Ca+ exercem pouco efeito sobre

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

os tecidos dependentes dos canais de Na+ rápidos, como as fibras de Purkinje e o músculo atrial e ventricular.

Como diferentes tecidos expressam subtipos diferentes de canais de Ca+, e diferentes subclasses de bloqueadores dos canais de Ca+ interagem preferencialmente com subtipos diferentes de canais de Ca+, os diversos bloqueadores dos canais de Ca+ exercem efeitos diferenciais em diferentes tecidos. A nifedipina exerce um efeito relativamente maior sobre a corrente de Ca+ no músculo liso vascular, enquanto o verapamil e o diltiazem são mais efetivos nos tecidos cardíacos.

Os agentes da classe IV podem provocar bloqueio nodal AV ao reduzir excessivamente a velocidade de condução. A administração de verapamil intravenoso a pacientes em uso de beta-bloqueadores pode precipitar insuficiência cardíaca grave e levar a uma dissociação eletromecânica irreversível.

Dois outros tipos de droga antidisrítmica, os glicosídeos cardíacos e a adenosina, não são incluídos nesse esquema de classificação.

Os glicosídeos cardíacos lentificam a freqüência cardíaca (através do aumento da atividade vagal), sendo

usados no controle das disritmias, como a taquicardia atrial, flutter atrial e fibrilação atrial.

A adenosina, um nucleosídeo endógeno presente em todas as células, é usada para o tratamento endovenoso emergencial da taquicardia supra-ventricular paroxística que envolve o nodo AV. Ela hiperpolariza o tecido de condução cardíaco interrompendo a condução nodal AV e torna mais lenta a descarga do nodo SA.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

20) FARMACOLOGIA DA ISQUEMIA CARDÍACA

A cardiopatia isquêmica é decorrente de balanço inadequado entre a oferta e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. É causada por situações de diminuída oferta de oxigênio (aterosclerose, trombose e espasmo coronariano) ou de consumo excessivo de oxigênio (miocardites e acentuada hipertrofia miocárdica). Delas, a predominante é a aterosclerose coronariana, associada ou não a trombose. Na prática médica, cardiopatia isquêmica é sinônimo de doença arterial coronariana. É uma doença crônica, de origem multifatorial, e com componente inflamatório bem definido.

A isquemia miocárdica resulta em angina ou infarto do miocárdio.

A angina de peito é a principal manifestação clínica da cardiopatia crônica. Ela ocorre quando o suprimento de oxigênio ao miocárdio é insuficiente para atender as suas necessidades. A dor tem uma distribuição característica no tórax, braço e pescoço, sendo desencadeada pelo esforço ou pela excitação.

Clinicamente são reconhecidos três tipos de angina:

- a angina estável caracteriza-se por dor previsível com o esforço. É produzida pelo aumento da demanda sobre o coração, sendo devida a um estreitamento fixo dos vasos coronarianos, quase sempre por ateroma.

- a angina instável é reconhecida por dor que ocorre com esforços cada vez menores, culminando com o aparecimento de dor em repouso. É causada por trombo de plaqueta- fibrina associada a ruptura de placa ateromatosa, porém sem oclusão completa do vaso.

- a angina variante é incomum e ocorre em repouso, sendo causada por espasmo da artéria coronária, geralmente em associação com doença ateromatosa.

Já o infarto de um segmento miocárdio se dá quando há o bloqueio de um vaso coronariano por trombose. Os miócitos cardíacos dependem do metabolismo aeróbico e, se seu suprimento de oxigênio permanecer abaixo de um valor crítico, sobrevém uma seqüência de eventos que conduzem à morte celular por necrose, ou também por apoptose.

A extensão da necrose do miocárdio após lesão isquêmica depende da ,massa do miocárdio suprida pela artéria ocluída, do tempo decorrido com oclusão total da artéria e do grau de circulação colateral.

A necessidade de oxigênio do miocárdio aumenta quando ocorrem aumentos da freqüência e contratilidade cardíacas, da pressão arterial ou aumento do volume ventricular. Esses eventos ocorrem frequentemente durante exercícios físicos e durante a descarga simpática.

Tanto da fisiopatologia quanto a abordagem clínica da cardiopatia isquêmica em pacientes com coronáriopatia crônica (angina estável) diferem daquelas de pacientes com síndromes coronarianas agudas (angina instável, e infarto do miocárdio com ou sem elevação do segmento ST do ECG).

Tratamento farmacológico da angina estável

Os três principais grupos de fármacos atualmente aprovados para uso na angina estável (beta-bloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio e nitratos orgânicos) diminuem a necessidade de oxigênio do miocárdio, ao diminuir os determinantes da demanda do oxigênio:

- a freqüência cardíaca;

- a tensão da parede ventricular; e

- a contratilidade cardíaca.

O tratamento da angina tem como principais objetivos terapêuticos interromper ou evitar um episódio agudo e aumentar a capacidade do paciente de efetuar exercícios físicos. Esses objetivos podem ser atingidos ao se reduzir a demanda global de oxigênio do miocárdio ou se aumentar o suprimento de oxigênio em áreas isquêmicas.

1) As drogas bloqueadoras beta-adrenérgicas (atenolol, propanolol, esmolol, nadolol e metaprolol) agem como antagonistas que bloqueiam as funções do sistema nervoso simpático mediadas pelos beta-receptores. Há dois tipos de receptores beta: beta1 e beta2. Os receptores beta-1 são encontrados principalmente no coração, enquanto os receptores beta-2 estão presentes nos músculos lisos (brônquios, vasculatura, etc) e em outras partes do corpo. Na angina, os principais benefícios das drogas bloqueadoras beta-adrenérgicas derivam de seus efeitos sobre os receptores beta-1 no coração, reduzindo a demanda de oxigênio ao diminuir a freqüência e a contratilidade cardíacas.

Os beta-bloqueadores não devem ser administrados juntamente com os bloqueadores dos canais de cálcio. Além disso, podem exacerbar o broncoespasmo em pacientes que

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

apresentam asma ou obstrução crônica das vias respiratórias. Os efeitos colaterais de ocorrência comum dos antagonistas beta consiste me fadiga, letargia, insônia e impotência, sendo está última ocasionada pelo bloqueio da vasodilatação periférica mediada pelos receptores beta2-adrenérgicos.

2) As drogas bloqueadoras dos canais de cálcio (verapamil, diltiazem e nifedipina) são, às vezes, designadas como antagonistas do cálcio. O cálcio intracelular livre serve para ligar muitos eventos iniciados na membrana a respostas celulares, como a geração dos potenciais de ação e a contração muscular. O músculo liso vascular não é provido do retículo sarcoplasmático e outras estruturas necessárias para o armazenamento intracelular adequado de cálcio; em vez disso, baseia-se no influxo de cálcio do líquido extracelular para a célula, a fim de desencadear e manter a contração. No músculo cardíaco, a lenta corrente de cálcio internamente dirigida contribui para o platô do potencial de ação e contratilidade cardíaca. A lenta corrente de cálcio é particularmente importante à atividade de marcação do ritmo do nodo sinoatrial e às propriedades de condução do nodo atrioventricular. O efeito terapêutico dos antagonistas do cálcio decorre da dilatação arterial coronária e periférica, bem como da redução do metabolismo miocárdico associada à diminuição da contratilidade miocárdica. Os bloqueadores dos canais de cálcio diminuem a força de contração miocárdica, o que, por sua vez, reduz as necessidades de oxigênio do miocárdio. A inibição da entrada de cálcio no músculo liso arterial está associada a uma redução do tônus arteriolar e da resistência vascular sistêmica, resultando em diminuição das pressões arterial e intraventricular. Como resultado de todos esses efeitos, o estresse da parede ventricular esquerda diminui, com conseqüente redução nas necessidades de oxigênio do miocárdio.

Os bloqueadores dos canais de cálcio diminuem a demanda de oxigênio do miocárdio ao diminuir a resistência vascular sistêmica e a contratilidade cardíaca. Em outras palavras, a ligação da droga nos canais de cálcio tipo L reduz a freqüência de abertura em resposta à despolarização. Em conseqüência, observa-se acentuada redução na corrente de cálcio transmembranosa associada, no músculo liso vascular, a um relaxamento prolongado; e no músculo cardíaco, a uma redução da contratilidade em todo o coração e diminuição na freqüência do marca-passo do nodo sinusal e na velocidade de condução no nodo atrioventricular. Disso resulta a redução do metabolismo miocárdico com conseqüente diminuição do consumo de oxigênio, e relaxamento das artérias coronárias com conseqüente aumento do influxo sanguíneo ao músculo cardíaco.

Cada uma das classes de antagonistas dos canais de cálcio liga-se à subunidade alfa-1 do canal de Ca+ cardíaco, porém em sítios distintos, cada um dos quais interage de modo alostérico entre si e com a estrutura de comporta do canal, impedindo indiretamente a difusão do Ca+ através de seu poro no canal aberto.

Esses fármacos são empregado, sobretudo, no tratamento do vaso espasmo coronariano crônico. Os bloqueadores dos canais de cálcio aliviam o vasoespasmo dos vasos coronários através da dilatação das artérias coronárias epicárdicas e dos vasos de resistência arteriolares.

A insuficiência cardíaca descompensada constitui uma contra-indicação para o uso de certos bloqueadores de cálcio, em virtude de seus efeitos inotrópicos negativos.

3) A nitroglicerina (trinitrato de gliceril) e os

nitratos de ação prolongada (mononitrato de isossorbida) são usados no alívio da dor anginal (ataque agudo) e da isquemia miocárdica silenciosa. Constituem drogas vasodilatadoras que relaxam os vasos venosos e arteriais. A dilatação venosa diminui o retorno venoso ao coração (pré-carga), reduzindo, assim, o volume ventricular e a compressão dos vasos subendocárdicos. Essas drogas também diminuem a tensão na parede do ventrículo esquerdo, de tal modo que é necessária menor pressão para bombear o sangue. O relaxamento das artérias reduz a pressão contra a qual o coração tem de bombear (pós-carga). Além dos seus efeitos vasodilatadores, os nitratos são considerados como tendo um efeito inibitório sobre a ativação e agregação das plaquetas que pode contribuir para seus efeitos benéficos em pessoas com coronariopatia.

O mecanismo de ação pode ser explicado pela liberação de óxido nítrico (NO) nas células do músculo liso vascular que estimula a enzima guanilil ciclase, responsável pelo aumento dos níveis do segundo mensageiro GMPc e, conseqüentemente, resulta no relaxamento do músculo liso pela desfosforilação da cadeia leve da miosina. A nitroglicerina relaxa todos os tipos de músculo liso, independentemente da causa do tônus muscular preexistente. Ela praticamente não exerce nenhum efeito direto sobre o músculo cardíaco ou esquelético.

Fig. 01 – Mecanismo de ação da Nitroglicerina

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

A nitroglicerina é absorvida pela circulação portal e destruída no fígado, quando administrada por via oral; por isso, é administrada por pílulas sublinguais ou aerossóis que contornam a circulação portal. A absorção sublingual é rápida, e o alívio da dor tem início geralmente em 30 segundos. A tolerância é uma consideração importante no uso dos nitratos. A dor torácica que não é aliviada com 2 ou 3 comprimidos dentro de 30 minutos pode ser causada por infarto agudo do miocárdio.

Outro aspecto importante é o fato de que o sindenafil (viagra – que atua ao aumentar o GMPc, inibindo a sua degradação pela isoforma 5 da fosfodiesterase) potencializa a ação dos nitratos utilizados para a angina. Foi relatada a ocorrência de hipotensão grave e de alguns casos de infarto do miocárdio em homens que fazem uso de ambas as drogas. Recomenda-se um intervalo de pelo menos 6 horas entre o uso de um nitrato e a ingestão de sildenafil.

4) Aspirina

Como a ativação das plaquetas possui importância crítica no processo de formação do trombo, os agentes antiplaquetários desempenham um papel central no tratamento de pacientes com coronariopatia. A aspirina inibe irreversivelmente a cicloxigenase plaquetária, uma enzima necessária para ageração do composto pró-agregante, o tromboxano A2 (TXA2). Por conseguinte, a inibição plaquetária que ocorre após a administração de aspirina persiste durante o tempo de sobrevida das plaquetas (cerca de 10 dias). Esse fármaco é utilizado para prevenir a trombose arterial que resulta em acidente vascular ecerbral e ataque isquêmico transitório, bem como o infarto do miocárdio. A aspirina é mais efetiva como agente antiplaquetário seletivo quando administrada em baixas doses e/ou a intervalos infreqüentes. Está contra-indicada para pacientes com alergia conhecida ao fármaco; nesta situação, indica-se o clopidogrel (um antagonista do receptor de ADP das plaquetas) como agente alternativo.

5) Agentes hipolipêmicos (Sinvastatina e Provastatina)

A administração de fármacos que reduzem os níveis séricos de colesterol LDL diminui o risco de eventos cardiovasculares isquêmicos. A seleção de um agente hipolipêmico específico baseia-se tanto em dados provenientes de estudos clínicos quanto ao fenótipo lipídico do paciente.

As estatinas inibem a enzima HMG CoA redutase, que é fundamental para a síntese hepática de colesterol. Essa redução na síntese de colesterol resulta em aumento da expressão hepática dos receptores LDL e, portanto, aumenta a depuração das partículas de lipoproteína contendo colesterol na corrente sanguínea. Os inibidores da HMG CoA redutase estão contra-indicados para mulheres que estão grávidas ou em fase de lactação ou passíveis de engravidar.

Tratamento farmacológico da angina instável e do infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST

O tratamento farmacológico dessas formas de coronariopatia tem por objetivo aliviar os sintomas isquêmicos e evitar a formação adicional de trombo no local de ruptura da placa. Tipicamente são utilizados aspirina, heparina, nitroglicerina e antagonistas beta-adrenérgicos. Outros agentes antiplaquetários (por exemplo, antagonistas GPIIb-IIIa e antagonistas do receptor de ADP das plaquetas) estão indicados para pacientes de alto risco, a fim de evitar a formação adicional de trombos. Os agentes trombolíticos estão contra-indicados para pacientes com angina instável e do infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST.

Tratamento farmacológico do infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST

O tratamento farmacológico para esse tipo de patologia tem por objetivo a reperfusão imediata da artéria coronária epicárdica ocluída. A aspirina e a heparina constituem o tratamento padrão. Entretanto, quando utilizados isoladamente, esses agentes não são suficientes para recanalizar uma artéria coronária ocluída. Existem duas abordagens terapêuticas: trombólise farmacológica; e realização de angioplastia ou derivação da artéria coronária de emergência.

Para a realização da trombólise são empregadas a estreptoquinase, a ateplase, tenecteplase e a reteplase.

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

21) Fármacos utilizados no tratamento das alergias

As reações de hipersensibilidade constituem mecanismos imunológicos que, ao mesmo tempo, são promotores de defesa e de destruição tecidual. Quando o antígeno (o elemento estranho) é combatido pelo anticorpo ou pela célula diretamente, surgem reações teciduais que podem variar de um simples prurido (coceira) até destruição completa, com necrose; essas reações são ditas "reações de hipersensibilidade".

Os vários tipos de hipersensibilidade podem ser classificados segundo a forma de reação imunológica:

1. Hipersensibilidade do tipo I - os anticorpos (IgE) reagem rápida e imediatamente à presença do antígeno; essa reação provoca a ativação dos mastócitos, com liberação da histamina e de outras enzimas vasoativas, provocando vasodilatação e exsudação; são reconhecidas duas formas de hipersensibilidade do tipo I: a imediata, cerca de 15 a 30 minutos após o contato com o antígeno, em que vemos as alterações anteriormente citadas, e a tardia, observada 6 a 8 horas após o contato com o antígeno, sendo caracterizada pela exsudação celular, principalmente de basófilos, eosinófilos, monócitos etc. O choque anafilático é um exemplo de hipersensibilidade do tipo I imediata, e exige intervenção clínica urgente.

A Anafilaxia é uma reação alérgica sistêmica, severa e rápida, a uma determinada substância, chamada alergênico ou alérgeno, caracterizada pela diminuição da pressão arterial, taquicardia e distúrbios gerais da circulação sanguínea, acompanhada ou não de edema de glote. A reação anafilática pode ser provocada por quantidades minúsculas da substância alergênica. O tipo mais grave de anafilaxia — o choque anafilático — termina geralmente em morte caso não seja tratado.

O chamado choque anafilático é uma emergência médica em que há risco de morte, por causa da rápida constrição das vias aéreas, que muitas vezes ocorre em questão de minutos após o início do quadro. Os primeiros socorros adequados ao choque anafilático consistem em obter cuidado médico avançado imediatamente.

Os sintomas podem incluir estresse respiratório, hipotensão, desmaio, coma, urticária, angioedema (inchaço da face, pescoço e garganta) e coceira. Os sintomas estão relacionados à ação da imunoglobulina e da anafilatoxina, que agem para liberar histamina e outras substâncias mediadoras de degranulação. A histamina induz à vasodilatação e ao broncoespasmo (constrição das vias aéreas), entre outros efeitos. Pode haver um colapso cardiovascular o que constitui uma das manifestações clínicas mais graves. Aí encontraremos isquemia miocárdica e arritmias ventriculares, ambas podendo causar ou serem causadas por hipotensão.

É sabido também que a hipotensão com bradicardia é reação vagal; hipotensão com taquicardia é reação anafilactóide. O rubor e a pele quente sugerem anafilaxia incipiente, sobretudo se aparece um exantema. Palidez e pele fria sugerem reação vasovagal, sobretudo quando acompanhadas por sudorese.

Quadro semelhante, porém não mediado por IgE, é denomindo de reação anafilactóide.

Tratamento paramédico deve incluir a injeção de adrenalina (que causa relaxamento do músculo liso bronquiolar ao atuar sobre os receptores beta-2 e contração do músculo vascular ao agir sobre os receptores alfa-1, aliviando tanto o broncoespasmo quanto a hipotensão), administração de oxigênio e, se necessária, entubação durante o transporte até um hospital. Se há angioedema profuso, uma traqueostomia de emergência pode ser requerida para manter a oxigenação. O tratamento clínico da anafilaxia por um médico e no hospital objetiva tratar a reação de hipersensibilidade celular, tanto quanto os sintomas. Drogas antihistamínicas (que inibem os efeitos da histamina nos receptores desta substância) são frequentemente requeridas. A hipotensão é tratada com fluidos intravenosos e às vezes com drogas vasoconstritoras (noradrenalina).

Em casos graves, tratamento imediato com adrenalina pode ser essencial para salvar a vida do paciente. A dose de ataque é de 0,5 mL em solução milisemal por via subcutânea ou intramuscular. Nos casos muito graves, recomenda-se injetar na veia , lentamente, 0,1 mL de solução de adrenalina, diluído em 10 mL de solução salina 0,85%. A infusão intra-venosa deve ser estabelecida antes do colapso vascular. Ocorrendo obstrução das vias aéreas e não havendo tempo suficiente para esperar pela melhora em resposta à injeção intramuscular de adrenalina, e se as vias não forem de fácil acesso, aplicar 0,5 mL de adrenalina, diretamente na musculatura da lingua. Cuidados de suporte com ventilação mecânica também podem ser requeridos imediatamente. Em seguida, pode-se entrar com os corticóides (hidrocortisona, 100 mg de 6 em 6 horas) ou os antihistamínicos (de 6/6 horas). Se a pressão ainda se encontrar em declínio ou se já se encontrar em níveis críticos, pode-se adicionar ao soro uma ou duas ampolas de noradrenalina.

Fig. 01 tratamento inicial do choque anafilático.

2. Hipersensibilidade do tipo II - os anticorpos reagem contra antígenos localizados nas membranas das células humanas normais ou alteradas; participam diretamente dessa reação o sistema complemento, provocando lise celular e tornando a célula susceptível a fagocitose, e participam também as imunoglobulinas do tipo G.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

3. Hipersensibilidade do tipo III - originada do complexo formado pelo antígeno e o anticorpo quando estão ligados. Esse complexo pode originar reações teciduais por ativar o sistema complemento, fazendo com que acione o seu mecanismo de cascata.

4. Hipersensibilidade do tipo IV - são as hipersensibilidades tardias, mediadas diretamente por células, mais especificamente pelos linfócitos T. É a que ocorre na tuberculose e na maioria dos granulomas causados por microorganismos de baixa virulência. O linfócito T entra em contato com antígenos dos microorganismos, transformando-se em T1 e passando a secretar uma série de citocinas que atuam diretamente no tecido, destruindo-o. Acredita-se que os linfócitos T sejam recrutados pelos macrófagos para o local agredido.

A hipersensibilidade ainda pode ser classificada em imediata ou tardia, dependendo do tempo necessários para que os sintomas clínicos se tornem manifestos após exposição do hospedeiro ao antígeno sensibilizante.

O tratamento da alergia (hipersensibilidade) consiste, conforme o caso, na administração de:

a) antihistamínicos (hidroxizina, prometazina, loratadina, cetiriza, fexofenadina etc);

b) agonistas adrenérgicos (adrenalina);

c) estabilizadores de mastócitos (cromoglicato dissódico);

d) agentes imunossupressores (azatioprina e metotrexato);

e) corticosteróides (dexametasona, prednisona, prednisolona e betametasona);

f) vacinas para dessensibilização (aminovac).

Fármacos antihistamínicos:

A histamina é encontrada na maioria dos tecidos do corpo, porém está presente em altas concentrações no pulmão e na pele e em concentrações particularmente elevadas no trato gastrintestinal. Em nível celular, é encontrada em mastócitos e basófilos, nas células enterocromafins da mucosa gástrica e em certos neurônios do SNC que utilizam a histamina cono neurotransmissor.

A histamina produz a sua ação por intermédio de um efeito sobre receptores histamínicos específicos, que são de três tipos principais: H1, H2 e H3.

O receptor H1 ativa a hidrólise do fosfatidilinositol mediada pela proteína G, resultando em aumento do IP3 e DAG. O IP3 desencadeia a liberação de Ca+ das reservas intracelulares, sumentando a concentração citosólica de Ca+ e ativando as vias distais. O DAG ativa a proteinocinase C, resultando em fosforilação de numerosas proteínas-alvo citosólicas. Em alguns tecidos, como músculo liso brônquico, o aumento do Ca+ citosólico provoca contração do músculo liso em decorrência da fosforilação da cadeia leve de miosina mediada por Ca+/calmodulina. Em outros tecidos, particularmente nos esfíncteres arteriolares pré-capilares e

vênulas pós-capilares, o aumento do Ca+ citosólico provoca relaxamento do músculo liso ao induzir a síntese do óxido nítrico. Os receptores H1 são expressos primariamente nas células endoteliais vasculares e nas células musculares lisas. Esses recpetores medeiam reações inflamatórias e alérgicas. As respostas específicas à estimulação dos receptores H1 incluem: edema, broncoconstrição e sensibilização das terminações nervosas aferentes primárias. Os receptores H1 também são expressos em neurônios histaminérgicos pré-sinápticos no núcleo túbero-mamilar do hipotálamo, onde atuam como auto-receptores para inibir a liberação adicional de histamina. Esses neurônios podem estar envolvidos no controle dos ritmos circadianos e no estado de vigília.

A histamina estimula a secreção de ácido gástrico e estimula a função cardíaca através de sua ação sobre os receptores H2. A ativaçãos desses receptores no estômago leva a um aumento de Ca+ intracelular nas células parietais e resulta em sercreção aumentada de ácido clorídrico pela mucosa gástrica. Nas células cardíacas, a histamina promove o influxo de Ca+ nos miócitos, o que resulta em inotropismo positivo; e o aumento da taxa de despolarização da fase 4 produz aumento cronotrópico.

Ocorre prurido se a histamina for injetada na pele ou aplicada à base de uma vesícula. O prurido é causado pela estimulação das terminações nervosas sensoriais.

Em resumo, as principais funções fisiopatológicas da histamina são:

a) atuar como estimulante da secreção de ácido gástrico (tratada com antagonistas dos receptores H2 – cimetidina e ranitidina); e

b) atuar como mediador de reações de hipersensibilidade do tipo 1, como urticária, febre do feno (tratadas com antagonistas dos receptores H1), ocasiões em que a liberação de histamina endógena provoca ardência e prurido cutâneos, seguidos de acentuado calor e eritema, queda da pressão arterial e aumento da freqüência cardíaca.

A histamina é secretada quando os componentes do complemento C3a e C5a interagem com receptores de membrana específicos, ou quando o antígeno interage com IgE fixada a células.

As vias oxidativas do fígado degradam rapidamente a histamina circulante a metabólitos inertes. Um importante metabólito da histamina, o ácido imidazolacético, pode ser medido na urina, e o nível desse metabólito é utilizado para estabelecer a quantidade de histamina liberada sistemicamente.

Antagonistas histamínicos compreendem bloqueadores de diferentes receptores e inibidores da liberação mastocitária. Antagonistas H1 ou anti-histamínicos clássicos bloqueiam reversível, seletiva e competitivamente receptores H1, por apresentarem semelhança estrutural com o agonista. Sua ação preventiva é mais marcada que a curativa. Essa última é limitada porque grandes quantidades de histamina já foram liberadas (aumento do agonista nos receptores) e desencadeiam reações não mais mediadas por histamina. Seus efeitos farmacológicos podem advir de bloqueio H1 ou serem

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

independentes dele, como os efeitos sedativos, os anticolinérgicos e o orexígeno. Esses compostos têm utilidade no manejo das reações de hipersensibilidade imediata e no antagonismo aos efeitos de histamina anormalmente elevada no organismo. Os antagonistas H1 ocupam um lugar importante e bem estabelecido no tratamento sintomático de várias reações de hipersensibilidade imediata. Além disso, as propriedades centrais de alguns fármacos da primeira geração são de valor terapêutico para a supressão da cinetose (prometasina) ou para sedação.

O mecanismo de ação dos anti-histamínicos pode ser explicado através da inibição competitiva e reversível sobre os receptores de histamina (H1 e H2) que pertencem a superfamília dos receptores acoplados à proteína G. Os receptores H1 estão acoplados a fosfolipase C, e a sua ativação leva à formação de IP3 e DAG. O IP3 induz rápida liberação do Ca+ do retículo endoplasmático. O diacilglicerol ativa a proteinocinase C e o Ca+ ativa as proteinocinases Ca+/calmodulina dependente e fosfolipase A2 na célula alvo, gerando a resposta característica. Por outro lado, os receptores H2 estão ligados à estimulação da adenililciclase e, portanto à ativação da proteinocinase AMPc dependente na célula alvo.

Mais recentemente, elaborou-se a hipótese de que os receptores H1 coexistem em dois estados de conformação – os estados inativo e ativo – que estão em equilíbrio conformacional entre si. A histamina atua como agonista para a conformação ativa do receptor H1 e desvia o equilíbrio para a conformação ativa. Os anti-histamínicos atuam como agonistas inversos, que se ligam à conformação inativa do receptor H1 e a estabilizam, desviando, assim, o equilíbrio para o estado inativo do receptor.

Os anti-histamínicos podem ser classificados em de primeira geração (doxepina, difenidramina, piriliamina, clorfeniramina, hidroxizina, prometazina e cipro-heptadina), e em de segunda geração (cetirizina, loratadina, fexofenadina).

Mesmo em doses terapêuticas, antagonistas H1 de primeira geração produzem efeitos em sistema nervoso central, como sonolência, redução do estado de alerta, incoordenação motora e prejuízo de função cognitiva. Para reduzir a repercussão desses efeitos, devem ser usados à noite. Antagonistas de segunda geração em doses usuais têm notadamente menor efeito sedativo que os de primeira, visto que não atravessam de modo apreciável a barreira hematoencefálica (são fármacos mais polares). No entanto, o aumento de dosagem acarreta prejuízo das funções de sistema nervoso central.

A sonolência induzida pelos anti-histamínicos de primeira geração pode ser causada pela inibição da transmissão envolvendo os neurônios do núcleo túbero-mamilar.

Os efeitos antimuscarínicos produzidos por esses fármacos consistem em ressecamento da boca e das vias respiratórias, retenção urinária e disúria. Foi também relatada a ocorrência de náusea, vômitos, constipação ou diarréia, tontura, insônia, nervosismo e fadiga. Pode-se verificar o desenvolvimento de tolerância a certos anti-histamínicos após administração prolongada.

Fármaco simpaticomimético:

Os fármacos simpaticomiméticos (por exemplo, a adrenalina) estimulam os receptores alfa-1 vascular (produzindo vasoconstrição), os receptores beta-1 cardíacos (produzindo efeito cronotrópico positivo), além de atuarem sobre os receptores beta-2 (produzindo broncodilatação). O representante usado no tratamento do choque anafilático, reações anafilactóides ou outras reações alérgicas graves é a adrenalina.

Seu mecanismo de ação é exercido através da ativação dos receptores alfa-1 e beta-1 adrenérgicos, os quais pertencem à família dos receptores ligados à proteína G. Desta maneira, a adrenalina promove o antagonismo dos efeitos farmacodinâmicos da histamina.

Seus efeitos alfa-1 adrenérgicos na árvore respiratória determinam vasoconstrição da mucosa, diminuição de edema da mucosa e de secreção brônquica, podendo reverter crises de asma brônquica em casos selecionados. Operando como antagonista de efeito de histamina e outros autacóides, reverte broncoespasmo, edema de glote e hipotensão.

Glicocorticoídes:

Os corticosteróides são úteis no tratamento das alergias a imunocomplexos, do tipo III, devido principalmente às suas propriedades antiinflamatórias. Nos casos graves pode-se administrar azatioprina ou ciclofosfamida (imunosupressores), a fim de suprimir a resposta imune e permitir o uso de quantidade reduzida de esteróides. O uso contínuo de corticosteróides em doses farmacológicas pode causar supressão adrenal e hiperadrenocorticismo. O risco de supressão renal depende da dose, bem como da duração da ação da droga específica e da duração do tratamento. A prednisona e a prednisolona, por exemplo, provocam menos complicações em comparação à betametasona e a dexametasona. De fato, a administração de uma droga de ação curta por período breve geralmente não causa toxicidade significativa. Costuma-se adotar a administração oral de corticosteróides em regime de dias alternados. Os pacientes sofrem menos reações adversas com este regime e causam menos supressão renal.

O mecanismo de ação dos glicocorticóides pode ser explicado por sua ligação ao receptor intracelular, fazendo com que este último sofra uma mudança conformacional expondo o domínio de ligação com o DNA. Forma dímeros, migra para o núcleo e se liga ao DNA. Ocorre então a repressão ou indução de genes específicos responsáveis pela síntese de proteínas (cox-2, citocinas, NOs, lipocortina-1).

Em outras palavras, os glicocorticóides interagem com receptores intracelulares; os complexos esteróides-receptor resultantes formam dímeros (pares) e a seguir, interagem com o DNA. Com isso, modificam a transcrição gênica, induzindo a síntese de algumas proteínas, como a lipocortina-1 que é importante na retroalimentação e como antiinflamatório pois inibe a fosfolipase A2 que é a responsável pela degradação dos fosfolipídeos da membrana celular com formação de ácido arquidônico. Este ácido é o substrato das ciclo-oxigenases na formação dos eicosanóides: quimiotaxinas, lipoxinas, prostaglandinas, tromboxanos, leucotrienos. Além disso, inibe a

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

síntese de outras substâncias tais como a COX-2, as citocinas e NOs.

Outros fármacos usados no tratamento da alergia:

O cromoglicato sódico impede a desgranulação dos mastócitos. O fármaco estabiliza o sistema de adenilciclase-cAMP, ao inibir a corrente de cloreto, mas não exerce nenhum efeito direto sobre a ação da histamina autacóides relacionados. O cromoglicato sódico é apenas útil como agente local; em geral, é utilizado na forma de pó, que é insuflado como aerossol ou depositado diretamente nas narinas. O fármaco foi também submetido a ensaios terapêuticos preliminares em pacientes com colite ulcerativa, doença com possível alteração do processo imune.

Os agentes imunossupressores que inibem a produção de auto-anticorpos e fagocitose são utilizados no tratamento das hipersensibilidades auto-imunes graves do tipo II. Com freqüência, os corticosteróides e a azatioprina ou metotrexato são utilizadas em associação. Doses elevadas de glicocorticóides podem ser úteis na atenuação do espasmo brônquico e do edema laríngeo. Nesta situação, os glicocorticóides também atuam no sentido de aumentar a contração cardíaca e realçar os efeitos vasculares das catecolaminas. Contudo, os efeitos máximos dos glicocorticóides não ocorrem se não varias horas após a administração. A inibição exercida por glicocorticóides sobre fenômenos imunológicos pode resultar de uma ou mais ações sobre as células linfóides: alteração na produção ou liberação de células da medula óssea, modificação de sua capacidade de migrar até zonas de reações imunológicas ou inflamatórias, remoção de células da circulação por destruição ou seqüestro em diversos compartimentos teciduais ou supressão direta de suas funções fisiológicas, tais como a produção de linfocinas e anticorpos. Outro mecanismo pode compreender a inibição da fagocitose e subseqüente digestão do antígeno por macrófagos, ocorrência indispensável ao desenvolvimento de algumas respostas imunológicas. A hidrocortisona interfere com a migração de neutrófilos e fagócitos mononucleares para o local da resposta alérgica (inflamação); a capacidade fagocitária e digestiva dos macrófagos também é reduzida. Finalmente, a hidrocortisona inibe a formação de tecido de granulação por retardar a proliferação capilar e fibroblástica e a síntese de colágeno (reduz a capacidade de cicatrização das feridas).

Inibidores da calcineurina – Tacrolimo e Pimecrolimo

Os inibidores da calcineurina de ação tópica surgiram da necessidade de utilizar medicamentos que controlem com eficácia o processo inflamatório e sejam bem tolerados sem o desenvolvimento de efeitos adversos, inclusive a longo prazo. São utilizados em dermatites.

A calcineurina é uma proteína citoplasmática presente em diversas células, incluindo linfócitos e células dendríticas.

Após ativação, atua como um fator de transcrição de IL

inflamatórias, tais como IL-2, IL-3, IL-4 e TNF-alfa. Essa ativação é mecanismo cálcio-dependente que inclui ainda dois tipos de proteínas: a calmodulina e as imunofilinas. Essas últimas foram assim denominadas por atuarem como receptores de substâncias inibidoras da calcineurina.

O tacrolimo foi descoberto em 1987 por pesquisadores japoneses que detectaram a produção de um macrolídeo com propriedades imunossupressoras por uma bactéria denominada Streptomyces tsukubaensis, daí o nome tacrolimo (tsukuba macrolide immunosuppressant). Embora inicialmente sintetizado para uso sistêmico na prevenção da rejeição de transplantes de órgãos sólidos, foi desenvolvida uma formulação de uso tópico com intuito de obter benefícios imunomoduladores locais sem desenvolvimento de efeitos colaterais sistêmicos. Como conseqüência, hoje seu uso é aprovado para controle dos processos eczematosos alérgicos.

O tacrolimo penetra na membrana das células envolvidas na inflamação da DA. Ao se ligar à calmodulina, inibe a síntese de calcineurina nos linfócitos, células dendríticas, basófilos e eosinófilos. As ações imunológicas que se seguem foram observadas em estudos experimentais e in-vitro, evidenciando-se: . nos linfócitos T, a redução da transcrição e síntese de IL-2, IL-3, IL-4, IL-5, GM-CSF (fator de estímulo ao crescimento de monócitos e granulócitos), fator de necrose tumoral e interferon gama; . diminuição das células dendríticas, que atuam como apresentadoras de antígenos e auxiliam no desencadeamento da resposta inflamatória alérgica; . diminuição da síntese de mediadores de mastócitos e basófilos produzidos pela via da calcineurina; . diminuição da liberação de histamina por basófilos periféricos (estudos in vitro); . redução dos níveis de substância P e fator de crescimento neuronal produzido pelos queratinócitos, colaborando para a redução do prurido. Essas ações permitem o controle do processo inflamatório, pois os linfócitos T estão menos ativados e as células dendríticas expressam menor quantidade de receptores de alta afinidade para IgE.

Mecanismo da Imunoterapia:

O mecanismo da dessensibilização ainda não está bem esclarecido. São conhecidas somente as mudanças imunológicas ocorridas durante o tratamento: aumento de IgG, diminuição de IgE específica, diminuição da atividade dos mastócitos e basófilos, e aumento de linfócitos T supressores.

A dessensibilização consiste na administração de vacinas contendo proteínas de vários tipos de alérgenos (exemplo: aminovac).

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

22) Fármacos antivirais

Os vírus consistem em DNA e RNA de filamentos

simples ou duplo circundado por um envoltório protéico, denominado capsídeo. Alguns vírus também possuem um envelope lipoprotéico que, da mesma forma que o capsídeo, pode conter proteínas antigênicas. A maioria dos vírus contém ou codifica enzimas essenciais à replicação viral no interior de uma célula hospedeira. Como os vírus não dispõem de maquinaria metabólica própria, usurpam a da célula hospedeira. Os agentes antivirais eficazes devem inibir eventos específicos da replicação do vírus ou inibir preferencialmente a síntese de ácidos nucléicos ou de proteínas dirigidas pelo vírus, e não aquelas dirigidas pela célula hospedeira. Em geral, os vírus de DNA penetram no núcleo da célula hospedeira, onde o DNA viral é transcrito em mRNA pela mRNA polimerase da célula hospedeira; o mRNA é traduzido de forma habitual pela célula hospedeira em proteínas específicas do vírus. Uma exceção a essa estratégia é representada pelo poxvírus, que tem sua própria RNA polimerase e consequentemente replicam-se no citoplasma da célula hospedeira. Os vírus de DNA incluem o poxvírus (varíola), herpesvírus (varicela, zoster, herpes), adenovírus (conjuntivite, faringite), hepadnavírus (hepatite B) e papiloma vírus (verrugas). Quanto aos vírus de RNA, a estratégia de replicação na célula hospedeira depende das enzimas contidas no virion (a partícula viral infecciosa completa) para sintetizar seu mRNA, ou do RNA viral, que ele próprio passa a atuar como mRNA. O mRNA é traduzido em diversas proteínas virais, incluindo a RNA polimerase, que dirige a síntese de mais mRNA viral. Determinados vírus como o influenza, necessitam de transcrição ativa no núcleo da célula hospedeira (é a exceção dos vírus de RNA). Os exemplos dos vírus de RNA incluem o vírus da rubéola (sarampo alemão), os rabdovírus (raiva), os picornavírus (poliomielite, meningite, resfriados), os arenavírus (meningite, febre lassa), os arbovírus (febre amarela, encefalite transmitida por artrópodes, e diversas febres como a febre amarela) os ortomixovírus (influenza) e os paramixovírus (sarampo, caxumba). Os retrovírus possuem uma atividade enzimática de trasncriptase reversa, que produz uma cópia de DNA a partir do modelo de RNA viral. A seguir, a cópia de DNA é integrada no genoma do hospedeiro, quando passa a ser denominada pró-vírus; é transcrita tanto no RNA genômico quanto no mRNA para tradução em proteínas virais, dando origem à geração de novas partículas virais. O Vírus da AIDS é um exemplo de retrovírus.

Dentre as doenças mais comuns causadas econtram-se o “resfriado” e a gripe. Apesar da sintomatologia dessas duas doenças serem muito semelhantes, são causadas por tipos diferentes de vírus.

O Resfriado

É uma infecção aguda virótica (os rinovírus são os principais agentes causadores), geralmente sem febre, na qual as principais manifestações clínicas envolvem as vias aéreas superiores, com secreção nasal (coriza) ou obstrução nasal como sintoma predominante.

Com a exposição ao agente, a infecção pode ser facilitada por fadiga excessiva, distúrbios emocionais e alérgicos. A gripe

É uma infecção respiratória aguda causada por um virus específico, denominado INFLUENZA, que ocasiona febre, prostação, coriza, tosse, dor de cabeça, dor de ganganta.

Existem vários tipos de vírus influenza. Todos apresentam moléculas em sua superfície que reconhecem as células animais para aderi-las, invadi-las e se replicar. As moléculas são duas: hemaglutinina e neuraminidase. São conhecidos atualmente 16 tipos diferentes de hemaglutinina e 9 tipos de neuraminidase. Sendo assim, os diferentes tipos de vírus influenza são clasificados conforme a apresentação das formas de hemaglutinina e neuraminidase (exemplo: H1N1 – gripe espanhola; H5N1 – gripe aviária, H3N2 – gripe clássica, e etc)

Mecanismos gerais de ação dos fármacos antivirais

Uma vez que os vírus compartilham muitos dos processos metabólicos da célula hospedeira, é difícil encontrar fármacos que sejam seletivos para o patógeno. Todavia, existem enzimas que são específicas do vírus, servindo, assim, de alvos potenciais para fármacos.

Os agentes antivirais atualmente disponíveis são, em sua maioria, apenas eficazes enquanto o vírus está se replicando. Nesse sentido, é importante o fato de que os herpesvirus, que são os cuasadores do herpes zoster, herpes genital e a esofagite, possuem a capacidade de se manterem latentes (sem replicação). Em seguida, os vírus podem sofrer reativação muito tempo depois da infecção primária, causando doença.

Os fármacos antivirais atuam através dos seguintes mecanismos:

a) Inibição da transcrição do genoma viral:

- inibidores da DNA polimerase;

- inibidores da transcriptase reversa;

- inibidores da protease.

b) Inibição da penetração na célula do hospedeiro

Inibidores da DNA polimerase (cidoforvir, penciclovir, foscarnete e aciclovir)

O cidofovir inibe a síntese do DNA viral ao retardar e, por fim, interromper o alongamento da cadeia. O cidofovir é metabolizado em sua forma difosfato ativa por enzimas celulares; os níveis de metabólitos fosforilados são semelhantes nas células infectadas e não-infectadas (possui pouca seletividade). O difosfato atua tanto como inibidor competitivo quanto como substrato alternativo para a DNA polimerase do citomegalovírus e do herpesvírus.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

O Penciclovir é um inibidor da síntese de DNA viral. Nas células infectadas por herpesvírus ou pelo vírus da varicela-zoster, o penciclovir é inicialmente fosforilado pela timidinocinase viral. O trifosfato de penciclovir atua como inibidor competitivo da DNA polimerase viral.

O Foscarnete inibe a síntese de ácidos nucléicos virais através de sua interação direta com a DNA polimerase do herpesvírus ou transcriptase reversa do HIV. Este fármaco bloqueia reversivelmente o local de ligação do pirofosfato da polimerase viral de forma não competitiva e inibe a clivagem do pirofosfato a partir dos trifosfatos de desoxinucleotídeos. O foscarnet exerce um efeito inibitório aproximadamente 100 vezes maior contra as DNA polimerases dos herpesvírus do que contra a DNA polimerase alfa celular.

Além dos fármacos acima citados, existem ainda valaciclovir, fanciclovir, trifluridina, ganciclovir, eribavirina, todos atuam através da inibição da DNA polimerase viral com conseqüente bloqueio da síntese de DNA.

Aciclovir

O aciclovir possui atividade clínica contra o vírus do herpes simples (HSV – 1-2) e contra o da varicela-zoster. São necessárias três etapas de fosforilação para ativação do aciclovir. Inicialmente, o aciclovir é convertido no derivado monofosfato pela timidina cinase específica do vírus e, a seguir, nos compostos di e trifosfato pelas enzimas celulares do hospedeiro. Devido à necessidade da cinase viral para a sua fosforilação inicial, o aciclovir é seletivamente ativado e só se acumula nas células infectadas (seletividade). O trifosfato de aciclovir inibe a síntese de DNA viral através de dois mecanismos: inibição competitiva do desoxiGTP para a DNA polimerase viral, com ligação ao molde de DNA na forma de complexo irreversível, e interrupção da cadeia após incorporação no DNA viral.

Fig. 01 – Local de ação do aciclovir, vidarabina, foscarnet e ganciclovir.

Inibidores da transcriptase reversa:

A transcriptase reversa é uma enzima viral que polimeriza moléculas de DNA a partir de moléculas de RNA do próprio vírus, exatamente o oposto do que geralmente ocorre normalmente nas células, nas quais é produzido RNA a partir de DNA. Após a entrada do retrovírus na célula hospedeira, a transcriptase reversa utiliza os nucleotídeos presentes no citoplasma para montar uma fita de DNA senso negativo a partir de sua fita de RNA senso positivo, utilizando como primer um tRNA presente no nucleocapsídeo, associado ao genoma. Após a síntese do duplex RNA/DNA, uma ribonuclease (RNAse H) é incumbida de degradar a fita de RNA viral por hidrólise, a partir da extremidade 3', deixando a fita simples de (-) DNA solta no citoplasma. A transcriptase reversa completa essa fita de DNA, tornando-a uma dupla hélice de deoxinucleotídeos. Esta dupla fita de DNA viral, denominada provírus, poderá ser integrada ao DNA da célula hospedeira com auxílio da enzima integrase. Uma vez integrada ao DNA da célula hospedeira, ocorre a transcrição de proteínas virais, necessárias à sua replicação.

Zidovudina

Atua como inibidor ativo da transcriptase reversa. É fosforilada por enzimas celulares à forma trifosfato, forma esta que compete pela transcriptase reversa do vírus com trifosfatos celulares equivalentes que constituem substratos essenciais para a formação do DNA pró-viral. Sua incorporação no filamento de DNA viral em crescimento resulta em término da cadeia. A zidovudina é utilizada na prevenção e tratamento da AIDS.

Didanosina

Na célula do hospedeiro, a didanosina é fosforilada no trifosfato, didesoxiadenosina, a forma que atua como elemento de término da cadeia e inibidor da transcriptase reversa viral. A didanosina é utilizada no tratamento da AIDS.

Zalcitabina

A zalcitabina é utilizada em associação com a zidovudina na terapia da AIDS. Trata-se de um inibidor da transcriptase reversa, que é ativado na célula T por uma via de fosforilação diferente daquela da zidovudina.

Efavirenz

É um inibidor da transcriptase reversa não-análogo de nucleosídeo. Teve a sua patente quebrada em maio de 2007, passando a ser importado da Índia e, em seguida, produzido nos laboratórios brasileiros (FIOCRUZ). O fármaco é utilizado como parte da terapia antiretroviral da AIDS.

Inibidores dos eventos pós-tradução – inibidores da protease (indinavir, saquinavir)

Saquinavir e indinavir

Os RNAm do hospedeiro codificam diretamente proteínas funcionais; todavia, no HIV, o RNA é traduzido em uma poliproteína bioquimicamente inerte. Em seguida, uma

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

protease específica viral converte a poliproteína em várias proteínas estruturais e funcionais através de clivagem nas posições apropriadas. Como essa protease é viral, trata-se de um bom alvo para intervenção quimioterápica. Os fármacos inibidores de protease (saquinavir e indinavir) e o seu uso em associação com inibidores da transcriptase reversa, transformaram o tratamento da AIDS.

Inibidores da penetração na célula do hospedeiro

Amantadina

A amantadina bloqueia o canal iônico de H+ do vírus (proteína de membrana viral M2), impedindo assim a acidificação do interior do virion e a dissociação da proteína da matriz. Com isso, susta-se o desnudamento do vírus e a sua penetração no núcleo da célula. Esse fármaco apresenta atividade exclusiva contra o vírus da influenza A.

Ribavirina

A ribavirina é um nucleosídeo sintético, que consiste de D-ribose acoplada a 1,2,4 triazole carboxamida. Esta droga tem um largo espectro de atividade antiviral in vitro contra os vírus do RNA e DNA.

A droga é prontamente transportada para dentro das células e então convertida por enzimas celulares a 5-mono-, di-, e derivados de trifosfato, os quais são responsáveis por inibir certas enzimas virais envolvidas na síntese do ácido nucleico viral. A Ribavirina produz seu efeito antiviral principalmente por alterar os agrupamentos de nucleotídeos e formação de RNA mensageiro normal, o qual pode ser responsável por sua eficácia contra os vírus de RNA e DNA. A droga é fosforilada ativamente de modo intracelular em mono-, di-, e trifosfatos. O monofosfato é um inibidor da inosina-monofosfato desidrogenase, que é envolvida na síntese de guanosina-monofosfato.

Oseltamivir

Oseltamivir é um fármaco antiviral seletivo contra o vírus influenza dos tipos A e B, produzido pelos laboratórios Roche sob o nome comercial Tamiflu®. O medicamento feito a partir deste princípio ativo foi o primeiro a ser usado na epidemia de gripe suína, que teve como país de origem o México, em 2009.

O oseltamivir é considerado uma pró-droga, ou seja, ela é biotransformada dentro do organismo em outra substância

para exercer seu efeito terapêutico. A principal característica de seu modo de ação é inibição seletiva de neuraminidases, que são glicoproteínas de liberação dos vírions. O medicamento não impede a contaminação com o vírus e é usado no tratamento da infecção.

Fig. 03 – Local de ação da amantadina e osetalmivir

Quadro resumo da aplicação clínica dos antivirais.

Anti-herpéticos Aciclovir, cidofovir, docosanol, fanciclovir, foscarnet, fomivirsen, ganciclovir, idoxuridina, penciclovir, trifluridina, brivudina, valaciclovir, valganciclovir, vidarabina.

Anti-influenza Amantadina, oseltamivir (tamiflu®), rimantadina, zanamivir, peramivir.

Anti-hepatite Adefovir, lamivudina, entricitabina

Anti-retrovirais

Inibidores de proteases

Saquinavir, indinavir, atazanavir, ritonavir, nelfinavir, amprenavir, lopinavoir.

Inibidores da

transcriptase reversa

Zidovudina, didanosina, estavudina, zalcitabina, lamivudina, abacavir, neviparina, efavirenz, delavirdina, tenofovir e adefovir.

Quimioterapia de combinação no tratamento do HIV

A quimioterapia de combinação (coquetéis) tornou-se o padrão de tratamento para os indivíduos infectados pelo HIV. Os coquetéis são mais eficazes do que os agentes isolados e produzem maiores reduções na carga viral do HIV. Esse esquema de tratamento também diminui o desenvolvimento de resistência, e reduz a toxicidade dos fármacos, pois podem ser administrados em suas doses mais baixas. Entretanto, os fármacos anti HIV só atacam os vírus em replicação e não os vírus latentes, os quai podem permanecer no corpo durante anos.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004. 9. UJVARI, Stefan Cunha. Pandemias: a humanidade em risco. São Paulo: Editora Contexto, 2011.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

23) Fármacos antifúngicos

As infecções por fungos são denominadas micoses e, de modo geral podem ser divididas em infecções superficiais (que afetam a pele, as unhas, o couro cabeludo ou as mucosas) e infecções sistêmicas (que afetam os tecidos e órgãos mais profundos). Muitos dos fungos passíveis de causar micoses vivem em associação com o homem como comensais e estão presentes no meio-ambiente.

As infecções fúngicas superficiais podem ser classificadas em dermatomicoses e candidíase. As dermatomicoses são infecções da pele, dos cabelos e das unhas causadas por dermatófitos. As mais comuns são produzidas por microrganismos do gênero Tinea, responsáveis por vários tipos de tinha. Tinea capitis afeta o couro cabeludo, Tinea cruris, virilha, Tinea pedis, o pé e Tinea corporis, o corpo. Na candidíase superficial, o microrganismo leveduriforme infecta as mucosas da boca (afta) ou da vagina ou pele.

As micoses profundas podem envolver orgãos internos ou acometer todo organismo do hospedeiro, produzindo variado quadro anatomo-patológico. Os fungos dimórficos estão muito frequentemente associados a esta condição. A maioria dos fármacos antifúngicos convencionais atua sobre a membrana plasmática do fungo, interferindo, em grande parte das vezes, no metabolismo do ergosterol. Fig. 01 – Alvos celulares dos agentes antifúnigicos:

Anfotericina A anfotericina é um antibiótico macrolídeo de estrutura complexa, caracterizado por um anel de átomos de carbono com múltiplos membros. A anfotericina B persiste como o agente mais eficaz para infecções fúngicas sistêmicas. Mecanismo de ação: A anfotericina liga-se às membranas celulares e interfere na permeabilidade e nas funções de transporte. Forma um poro na membrana, criando com a parte central hidrofílica da molécula um canal iônico transmembrana. Uma das conseqüências disso é a perda de íons potássio intracelulares. A anfotericina exerce uma ação seletiva, ligando-se avidamente às membrans de fungos e de alguns protozoários e com menor avidez às células de mamíferos, não havendo nenhuma ligação às bactérias. A especificidade relativa por fungos pode ser devida à maior avidez da droga pelo ergosterol (o esterol da membrana dos fungos) do que pelo colesterol, que é o principal esterol encontrado na membrana plasmática de células animais. A anfotericina mostra-se ativa contra a maioria dos fungos e leveduras.

Quando administrada por via oral, a anfotericina é pouco absorvida, razão pela qual só é administrada por esta via para infecções fúngicas do trato gastrintestinal. Nas infecções sistêmicas, é complexada com desoxicolato de sódio e administrada na forma de suspenção por injeção intravenosa lenta.

Os efeitos adversos associados à anfotericina B podem ser divididos em três grupos: reações sistêmicas imediatas (tempestade de citocinas), efeitos renais (toxicidade renal) e efeitos hematológicos (anemia secundária à diminuição da produção de eritropoetina pelos rins).

A toxidade renal constitui o efeito indesejável mais comum e mais gave da anfotericina. Observa-se um certo grau de redução da função renal em mais de 80% dos pacientes aos quais se administra o fármaco. Outros efeitos indesejáveis incluem comprometimento da função hepática, trombocitopenia e reações anafiláticas.

Nistatina

A nistatina é um antibiótico macrolídeo poliênico de estrutura semelhante à da anfotericina e com o mesmo mecanismo de ação. Praticamente não ocorre nenhuma absorção pelas mucosas do corpo ou a partir da pele, e seu uso limita-se a infecções fúngicas da pele e do trato gastrintestinal.

Flucitosina

A flucitosina é um agente antifúngico sintético que, quando administrada por via oral, mostra-se ativa contra uma gama limitada de infecções fúngicas sistêmicas, sendo principalmente eficaz naquelas causadas por leveduras. Quando administrada isoladamente, é comum o desenvolvimento de resistência à droga durante o tratamento, razão pela qual costuma ser associada com anfotericina para infecções graves, como a meningite

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

criptocócica. Isto se dá devido ao fato de ocorrer mutações na citosina permease ou citosina desaminase do fungo.

O fármaco é captado seletivamente pelas células fúngicas através de permeases específicas de citosina, que são apenas expressas nas membranas dos fungos.

Mecanismo de ação:

A flucitosina é convertida no antimetabólito 5-fluorouracil nas céluas dos fungos, mas não em células humanas. O 5-FU inibe a timidilato sintetase e, portanto a síntese de DNA. Em geral, a flucitosina é administrada por infusão intravenosa, mas também pode ser usada por via oral.

Fig. 02 – Ação da flucitosina nos fungos:

A vantagem farmacocinética dese agente reside no seu grande volume de distribuição, com excelente penetração no SNC, olhos e trato urinário. Os efeitos adversos depende da dose e consistem em supressão da medula óssea, que resulta em leucopenia e trombocitopenia, em náusea, vômitos, diarréia e disfunção hepática.

Griseofulvina

A griseofulvina é derivada do Penicilinum griseofulvum e inibe a mitose dos fungos através de sua ligação à tubulina e a uma proteína associada aos microtúbulos, rompendo, assim, a organização do fuso mitótico. Foi também relatado que p fármaco inibe a síntese de RNA e de DNA pelo funfo. A griseofulvina acumula-se nas células precursoras de queratina e liga-se firmemente à queratina nas células diferenciadas. A associação prolongada da griseofulvina com a queratina permite o novo crescimento da pele, dos cabelos ou das unhas livres de infecção por dermatófitos.

O fármaco não é efetivo contra leveduras e contra fungos dimóricos. Como a griseofulvina induz as enzims hepáticas do citocromo P450, pode aumentar o metabolismo

da varfarina e reduzir potencialmente a eficácia dos contraceptivos orais com baixo teor de strogênio. A griseofulvina deve ser evitada durante a gravidez, visto que foram relatadas anormalidades fetais.

Azóis

Os azóis constituem um grupo de agentes fungistáticos sintéticos, com amplo espectro de atividade. Os principais fármacos disponíveis incluem fluconazol, itraconazol, cetoconazol, miconazol e econazol.

Mecanismo de ação:

Os azóis inibem as enzimas P450 fúngicas (por exemplo, a esterol desmetilase) responsáveis pela síntese do ergosterol, o principal esterol encontrado na membrana das células fúngicas. A conseqüente depleção de ergosterol altera a fluidez da membrana, interferindo na ação das enzimas associadas à membrana. O efeito global consiste em inibição da replicação. Outra conseqüência é a inibição da transformação das células da levedura cândida em hifas, a forma invasida e patogênica do parasita (dimorfismo).

a) Cetoconazol:

O cetoconazol foi o primeiro azol a ser administrado por via oral no tratamento das infecções fúngicas sistêmicas. Mostra-se eficaz contra vários tipos diferentes de fungos todavia, é tóxico. Ele é bem absorvido pelo trato gastrintestinal. O principal risco do cetoconazol é a hepatotoxidade, que é rara, mas que pode se tornar fatal. A rifanpicina, os antagonistas dos receptores H2 e os antiácidos diminuem a absorção do cetoconazol e, por conseguinte, reduzem sua concentração plasmática.

b) Fluconazol:

O fluconazol pode ser administrado por via oral ou por via intravenosa. Atinge altas concentrações no líquido cefalorraquidiano e líquidos oculares, podendo tornar-se o fármaco de primeira escolha na maioria dos tipos de meningite fúngica. São também alcançadas concentrações fungicidas no tecido vaginal, saliva, pele e unhas.

Apesar do seu alto custo, o fluconazol é, hoje em dia, o agente antifúngico mais amplamente utilizado.

Os efeitos indesejáveis, que geralmente são leves, incluem náusea, cefaléia e dor abdominal.

c) Itraconazol:

O itraconazol é administrado por via oral e, após absorção, sofre extenso metabolismo hepático. Não penetra no líquido cefalorraquidiano. Os efeitos indesejáveis consistem em distúrbios gastrintstinais, cefaléia e tonteiras. Os efeitos indesejáveis raros consistem em hepatite, hipocalemia e impotência.

d) Miconazol:

O miconazol é administrado por via oral para o tratamento das infecções do trato gastrintestinal. Atinge concentrações terapêuticas no osso, nas articulações e no tecido pulmonar, mas não no SNC. Mais comunmente, este fármaco é utilizado para uso tópico contra fungos patogênicos e oportunistas.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

Os efeitos indesejáveis são relativamente raros, e os mais comuns consistem em distúrbios gastrintestinais, embora se tenha relatado a ocorrência de prurido, discrasias sanguíneas e hiponatremia. Devido a possibilidade de interações adversas, deve-se evitar a administração concomitante de antagonistas dos receptores H1, terfenadina e astemizol.

e) Clotrimazol, econazol, tioconazol e sulconazol:

Esses fármacos são angentes antifúngicos azóis utilizados apenas para aplicação tópica. O clotrimazol interfere no transporte de aminoácidos para o interior do microrgnismo através de uma ação sobre a membrana celular. Mostra-se ativo contra uma ampla variedade de fungos, incluindo microrganismo do gênero Cândida.

Terbinafina

A terbinafina é um composto fungicida ceratinofílico altamente lipofílico, que exibe atividade contra uma ampla variedade de patógenos cutâneos.

Mecanismo de ação:

Atua ao inibir seletivamente a enzima esqualeno epoxidase, que está envolvida na síntese do ergosterol a partir do esqualeno na parede celular dos fungos. O acúmulo de esqualeno no interior da célula é tóxico para o fungo.

A terbinafina é utilizada no tratamento de infecções fúngicas das unhas. Quando administrada por via oral, é rapidamente absorvida e captada pela pele, unhas e tecido adiposo. Quando administrda topicamente, penetra na pele e nas mucosas. Ocorrem efeitos indesejáveis em 10% dos indivíduos, que costumam ser leves e autolimitados. Incluem distúrbios gastrintestinais, exantema, prurido, cefaléia e tonteira.

Echinocandinas:

As enchinocandinas constituem a classe mais nova de agentes antifúngicos. Trata-se de grandes peptídeos cíclicos ligados a um ácido graxo de cadeia longa. A caspofungina, a micafungina e a anidulafungina são os fármacos aprovados nessa categoria de antifúngicos. A caspofungina é apenas disponível numa forma intravenosa.

Mecanismo de ação:

A caspofungina atua na parede celular do fungo ao inibir a síntese de beta-glucano. Essa inibição resulta em ruptura da parede celular e morte do fungo. A caspofingina é extremamente bem tolerada e a ocorrência de efeitos colaterais gastrintestinais mínimos e rubor têm sido relatados infrequentemente.

Atualmente, a caspofungina só é aprovada para terapia de recuperação em pacientes com aspergilose invasiva que não respondem à anfotericina B.

Tratamento farmacológico das micoses superficiais:

O tratamento da maioria das micoses muco-cutâneas superficiais pode ser feito com medicações tópicas. Apenas em algumas situações são necessários fármacos sistêmicos.

Antifúngicos tópicos:

- agentes imidazólicos (butoconazol, clotrimazol, cetaconazol, econazol, isoconazol, miconazol, oxiconazol e tioconazol).

-terconazol, nistatina, ciclopirox, haloprogina, tolnaftato, iodo e terbinafina.

Os antifúngicos imidazólicos, equivalentes entre si, são os fármacos de primeira escolha para o tratamento tópico da maioria das micoses cutâneas. Esses compostos são virtualmente ativos contra todos os fungos causadores de infecções superficiais da pele e mucosas. São muito eficazes, pouco tóxicos, com baixos níveis de resistência e pouco custo financeiro.

Nas infecções de pele, os agentes imidazólicos devem ser aplicados uma (oxiconazol) ou duas vezes ao dia (todos os demais fármacos dessa classe), por 2 a 3 semanas. Em pele espessa, aplicar 3 a 4 vezes ao dia, por 21 dias ou mais.

Nas infecções de couro cabeludo e unhas, imidazólicos tópicos podem ser utilizados como adjuvantes, mas é necessário tratamento sistêmico com griseofulvina ou com os próprios imidazólicos.

A candidíase vaginal responde bem a uma aplicação diária de clotrimazol por 7 dias, ou de econazol, por 3 a 5 dias.

A candidíase oral pode ser tratda com gel oral de miconazol, em 4 aplicações diárias, por 10 a 14 dias ou mais.

A terbinafina está disponível para uso tópico ou oral, sendo eficaz no tratamento de micoses superficiais da pele e das unhas, porém possui baixa atividade contra infecções causadas pela cândida albicans.

O ciclopirox e a haloprogina são eficazes no tratamento de dermatofitoses e ptiriase versicolor, além de atingirem também a cândida.

A nistatina é utilizada somente no tratamento de infecções cutâneas e mucosas superficiais por cândida.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

24) Fármacos anti-helmínticos

Os seres humanos constituem os hospedeiros primários (definitivos) na maioria das infecções helmínticas; em outras palavras, os helmintos, em sua maioria, têm a sua reprodução sexual no hospedeiro humano, produzindo ovos ou larvas que são eliminados do corpo e infectam o hospedeiro secundário (intermediário).

Existem dois tipos clinicamente importantes de infecções por helmintos: infecções em que o verme vive no tubo digestivo do hospedeiro e aquelas em que o verme estabelece residência em outros tecidos do hospedeiro.

Os principais exemplos de verme que vivem no tubo digestivo do hospedeiro são:

- Tênias (Taenia saginata, Taenia solium, etc.): os hospedeiros habituais dessas duas tênias mais comuns são o gado bovino e o suíno, respectivamente. Os seres humanos tronam-se infectados ao consumir carne crua ou mal cozida contendo as larvas que se encistaram no tecido muscular do animal. Em algumas circunstâncias, pode ocorrer desenvolvimento do estágio larvar de Taenia solium nos seres humanos, resultando em cisticercose, uma doença caracterizada por larvas encistadas nos músculos e nas vísceras ou, nos casos mais graves, nos olhos ou no cérebro.

- Nematódeos intestinais tais como Ascaris lubricoides, Enterobius vermiculares, Trichuris trichiuria, Strongiloydes stercolaris, Necator americanus e Ankyslostoma duodenale são responsáveis por um número muito grande de infecções.

Os principais exemplos de vermes que vivem nos tecidos do hospedeiro são:

- Trematódeos (Schistosomas) causam esquistossomose. Os vermes adultos de ambos os sexos vivem e acasalam-se nas veias ou vênulas da parede intestinal ou da bexiga. A fêmea põe ovos que passam para bexiga ou o intestino e causam inflamação desses órgãos, resultando em hematúria no primeiro caso e, em certas ocasiões, em perda de sangue nas fezes, no segundo caso. Os ovos eclodem na água após serem eliminados do organismo e liberam miracídios, que penetram no hospedeiro secundário – uma determinada espécie de caramujo. Depois de um período de desenvolvimento neste hospedeiro, surgem as cercárias que nadam livremente. Estas possuem a capacidade de infectar o homem ao penetrar na sua pele.

- Nematódeos teciduais (Trichinella spiralis, Dracunculus medinensis e as filárias).

As filárias adultas vivem nos vasos linfáticos, no tecido conjuntivo ou no mesentério do hospedeiro e produzem embriões vivos ou microfilárias, que alcançam a corrente sanguínea. Depois de certo período de desenvolvimento no interior do hospedeiro intermediário (mosquitos ou outros hematófagos), as larvas passam para as peças bucais do inseto e são reinjetadas nos seres humanos. As principais

filarioses causam obstrução dos vasos linfáticos, produzindo elefantíase; outras doenças relacionadas incluem a oncocercíase (cegueira devido microfilárias presentes no olho) e aloíase (inflamação da pele e outros tecidos).

Alguns nematódeos que vivem habitualmente no trato gastrintestinal de animais podem infectar os seres humanos e penetrar nos tecidos. Uma infestação cutânea, denominada “erupção serpiginosa” ou “larva migrans cutânea”, é causada pelas larvas dos ancilóstomos de gatos e cães. A toxiocaríase ou “larva migrans visceral” é causada por larvas de nematódeos de gatos e cães do gênero Toxocara.

Farmacos anti-helminticos:

Uma droga, para ser considerado fármaco anti-helmíntico eficaz, precisa ser capaz de penetrar na cutícula do verme ou ter acesso a seu trato alimentar.

O anti-helmíntico pode atuar ao produzir paralisia do verme ou ao lesar a sua cutícula, resultando em digestão parcial ou rejeição do verme por mecanismos imunológicos. Os agentes anti-helmínticos podem também interferir no metabolismo do verme e, como as necessidades metabólicas desses parasitas variam acentuadamente de uma espécie para outra, as drogas que se mostram altamente eficazes contra determinado tipo de verme podem ser ineficazes contra outros tipos.

Muitos agentes anti-helmínticos modulam a atividade neuromuscular dos parasitas através do aumento da sinalização inibitória, do antagonismo da sinalização excitatória (bloqueio não despolariante) ou da estimulação tônica da sinalização excitatória (bloqueio despolarizante).

Benzimidazóis:

Os anti-helmínticos benzimidazóis incluem o mebendazol, tiabendazol e o albendazol. Esses compostos são agentes de amplo espectro, que formam um dos principais grupos de anti-helmínticos utilizados na clínica.

Mecanismo de ação:

Os benzimidázois ligam-se à beta-tubulina livre, inibindo a sua polimerização e, assim, interferem na captação de glicose dependente de microtúbulos. Exercem ação inibitória seletiva sobre a função microtubular dos helmintos, sendo 250 – 400 vezes mais potentes nos helmintos do que nos tecidos de mamíferos. O efeito leva algum tempo para se manifestar, e os vermes podem não ser expelidos durante vários dias.

O mebendazol é administrado em dose única para os oxiúrus e duas vezes ao dia durante três dias para as infecções por ancilóstomos e nematódeos. Seus efeitos indesejáveis são poucos, todavia em certas ocasiões, podem ocorrer distúrbios gastrintestinais.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

O tiabendazol é administrado duas vezes ao dia, durante três dias, para infestações por Dracunculus e por estrongilóides, e por um período de até cinco dias para triquinose e para a larva migrans cutânea. Os efeitos colaterais com o tiabendazol são mais freqüentes do que com o mebendazol, porém geralmente transitórios; os mais comuns incluem distúrbios gastrintestinais, embora se tenha relatado a ocorrência de cefaléia, tonteira e sonolência, podendo ocorrer reações alérgicas.

O albendazol, o benzimidazol mais recentemente introduzido no mercado, é um anti-helmíntico de amplo espectro. É administrado por via oral. A concetração plasmática do metabólito ativo é 100 vezes maior do que a do mebendazol. Os efeitos indesejáveis – principalmente distúrbios gastrintestinais – não são comuns e, em geral, não exigem a interrupção do fármaco.

Praziquantel

O praziquantel é um anti-helmíntico de amplo espectro. Trata-se da droga de escolha para o tratamento de todas as espécies de esquistossomo, sendo eficaz na cisticercose, que antigamente não tinha tratamento eficaz.

Mecanismo de ação:

O praziquantel atua ao alterar a homeostasia do cálcio nas células do verme. Isso provoca contração da musculatura e, por fim, resulta em paralisia e morte do helminto.

O praziquantel afeta não apenas os esquitossomos adultos, como também as formas imaturas e as cercárias – a forma do parasita que infecta o homem ao penetrar na sua pele. Por outro lado, ele não exerce nenhum efeito farmacológico no homem na posologia indicada.

Ocorrem efeitos indesejáveis leves que consistem em distúrbios gastrintestinais, tonteira, dor muscular e articular, erupções cutâneas e febre baixa.

Piperazina

A piperazina pode ser utilizada no tratamento de infecções pela lombriga e pelo oxiúrus.

Mecanismo de ação:

A piperazina inibe reversivelmente a transmissão neuromuscular no verme, provavelmente ao atuar como o GABA, o neurotransmissor inibitório sobre os canais de cloreto operados por GABA no músculo do nematódeo. Os vermes paralisados são expelidos ainda vivos.

A piperzina é administrada por via oral. Seus efeitos indesejáveis são raros; todavia em certas ocasiões, ocorrem distúrbios gastrintestinais, urticária e broncoespasmo, e alguns pacientes apresentam tonteira, parestesias, vertigem e descoordenação. Quando utilizada no tratamento de infecções por nematódeos, é usada em dose única. Para os oxiúros, é necessário um curso mais prolongado (sete dias) com doses menores. A piperazina foi susbtituida, em grande parte, pelos benzimidazóis.

Pirantel

Acredita-se que o pirantel atue ao despolarizar a junção neuromuscular dos helmintos, causando espasmo e paralisia. Este fármaco é geralmente considerado droga segura. Os efeitos indesejáveis são leves e consistem principalmente em distúrbios gastrintestinais. O pirantel foi substituído, em grande parte, pelos benzimidazóis.

Niclosamida

A niclosamida era a droga de escolha para o tratamento da teníase; todavia, foi em grande parte suplantada pelo praziquantel.

Mecanismo de ação:

A niclosamida lesa irreverssivelmente o escólex (cabeça do verme com órgãos que se fixam às células intestinais do hospedeiro) e o segmento proximal. O verme separa-se da parede intestinal e é expelido.

Para a T. solium a droga é administrada em dose única após uma refeição leve, seguida de purgativo duas horas mais tarde. O purgativo se faz necessário porque os segmentos lesados da tênia podem liberar ovos, que não são afetados pelo medicamento, existindo, portanto, uma possibilidade teórica de desenvolvimento de cisticercose. Para outras infecções por tênias, não há necessidade de se administrar um purgativo após a administração da niclosamida. Os efeitos indesejáveis são poucos, infrequentes e transitórios. Podem ocorrer náuseas e vômitos.

Oxamniquina

A oxamniquina mostra-se ativa contra Schistossoma mansoni, afetando as formas maduras quanto imaturas. O mecanismo de ação pode envolver a intercalação no DNA, e sua ação seletiva pode estar relacionada com a capacidade de o parasita concentrar a droga.

Os efeitos indesejáveis consistem em tonteira e cefaléia transitórias, cuja ocorrência é relatada em 30 – 95% dos pacientes. Podem ocorrer sintomas causados pela estimulação do SNC, incluindo alucinações e episódios convulsivos.

Levamisol

O levamisol mostra-se eficaz nas infecções por lombriga. Exerce ação semelhante à da nicotina, estimulando e, posteriormente, bloqueando as junções neuromusculares. Os vermes paralizados são então eliminados nas fezes. Os ovos são destruídos.

O levamisol atravessa a barreira hematoencefálica. Os efeitos indesejáveis são poucos. Consistem em distúrbios gastrintestinais, tonteira e erupções cutâneas.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

Ivermectina

A ivermectina é um agente semi-sintético derivado de um grupo de substâncias naturais, as avermectinas, obtidas de um actinomiceto. Esse fármaco possui potente atividade anti-helmíntica contra microfilárias no homem, constituindo a droga de escolha no tratamento da oncocercose, que causa a “cegueira dos rios”. Porém, a droga não mata as filarias dultas. O fármaco é empregado para prevenir a lesão ocular mediada pelas microfilárias e diminuir a transmissão entre seres humanos e vetores, entretanto, não tem a capacidade de curar o hospedeiro humano com infestação por Onchocerca volvulus.

Como a ivermectina não é curativa, é tipicamente administrada a indivíduos infestados a cada 6 a 12 meses para a espectativa de vida dos vermes adultos (de 5 a 10 anos).

A droga também produziu bons resultados na infecção por Wuchereria bancrofti, que causa elefantíase.

A ivermectina reduz em até 80% a incidência da cegueira por oncocercose. A droga também exibe atividade contra infecções por alguns nematódeos: ascaris, trichuris, enterobios, mas não contra os ancilóstomos.

Mecanismo de ação:

Acredita-se que a droga paralisa o verme ao abrir os canais de cloreto mediado pelo GABA e ao aumentar a condutância do cloreto regulada pelo glutamato. O resultado consiste em bloqueio da transmissão neuromuscular e paralisia do verme.

A iermectina não interage com os receptores de GABA nos vertebrados, porém a sua afinbidade pelos receptores GABA dos invertebrados é de cerca de 100 vezes maior. Os cestódeos e os trematódeos carecem de receptores de ivermectina de alta afinidade, o que pode explicar a resistência desses organismos ao fármaco. A ivermectina não atravessa a barreira hematoencefálica, motivo pelo qual também não atua sobre os receptores gabaergicos humano.

Os efeitos adversos da ivermectina são habitualmente atribuídos a respostas inflamatórias ou alérgicas às microfilárias que estão morrendo (reação de tipo Mazzoti) e consistem em erupções cutâneas, febre, tonteira, cefaléia e dores musculares, articulares e nos linfonodos, fraqueza, dor abdominal e hipotensão. Em geral, a droga é bem tolerada.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

25) Fármacos antiprotozoários

Os principais protozoários que produzem doenças no homem são os que causam malária, amebíase, leishmaniose, tripanossomíase e tricomoníase.

a) A malária (impaludismo, maleita, febre- terçã)

A malária é causada por diversas espécies de plasmódios, dentre eles o P. falciparum, o P. vivax, P. malarie e P. ovale. Segundo a OMS, a malária mata uma criança africana a cada 30 segundos, e muitas crianças que sobrevivem a casos severos sofrem danos cerebrais graves e têm dificuldades de aprendizagem. As crianças menores de cinco anos representam 85% dos casos de malária em todo o mundo. A África concentra cerca de 80% dos casos de malária no mundo.

A malária causada pelo protozoário P. falciparum caracteriza-se inicialmente por sintomas inespecíficos, como dores de cabeça, fadiga, febre e náuseas. Estes sintomas podem durar vários dias (seis para P.falciparum, várias semanas para as outras espécies).

Mais tarde, surgem acessos periódicos de calafrios e febre intensos que coincidem com a destruição maciça de hemácias e com a descarga de substâncias imunogénicas tóxicas na corrente sangüínea ao fim de cada ciclo reprodutivo do parasita. Estas crises paroxísticas, mais frequentes ao cair da tarde, iniciam-se com elevação da temperatura até 39-40C°. São seguidas de palidez da pele e tremores violentos durante cerca de 15 minutos a uma hora. Depois cessam os tremores e seguem-se duas a seis horas de febre a 41C°, terminando em vermelhidão da pele e suores abundantes. O doente sente-se perfeitamente bem depois e até à crise seguinte, que ocorre dalí dois a três dias.

Se a infecção for de P. falciparum, denominada malária maligna, pode haver sintomas adicionais mais graves como: choque circulatório, síncopes (desmaios), convulsões, delírios e crises vaso-oclusivas. A morte pode ocorrer a cada crise de malária maligna. Pode também ocorrer a chamada malária cerebral: a oclusão de vasos sanguíneos no cérebro pelos eritrócitos infectados causa défices mentais e coma seguidos de morte (ou défice mental irreversível). Danos renais e hepáticos graves ocorrem pelas mesmas razões. As formas causadas pelas outras espécies ("benignas") são geralmente apenas debilitantes, ocorrendo raramente a morte.

Sintomas crônicos incluem a anemia, cansaço, debilidade com redução da capacidade de trabalho e da inteligência funcional, hemorragias e infartos de incidência muito aumentada, como infarto agudo do miocárdio e AVCs (especialmente com P. falciparum).

Se não diagnosticada e tratada, a malária maligna causada pelo P. falciparum pode evoluir rapidamente, resultando em morte. A malária "benigna" das outras

espécies resulta em debilitação crônica, porém mais raramente em morte.

Os principais parasitas que causam a malária são: Plamodium vivax, que causa a malária terçã benigna; e Plasmodium falciparum, que causa a malária terçã maligna.

Contágio e ciclo evolutivo da malária

O mosquito anófeles fêmea infectado injeta esporozoítas (forma assexuada do parasita), que podem desenvolver-se no fígado humano em:

- esquizontes teciduais (estágio pré-eritrocítico), que liberam merozoitas. Infectam os eritrócitos, formando trofozoítas móveis que, após o seu desenvolvimento, liberam outro lote de merozoítas que infectam eritrócitos e causam febre; isso constitui o ciclo eritrocítico. Os episódios periódicos de febre que caracterizam a malária são devidos à ruptura periódica sincronizada dos eritrócitos, com liberação de merozoítas e restos celulares. A elevação da temperatura está associada a um aumento na concentração plasmática do fator de necrose tumoral (TNF); e

- hipnozoítas dormentes, que podem liberar posteriormente merozoítas (estágios exoeritrocíticos).

- um pequeno número de merozoítas podem sofrer maturação, diferenciando-se em gametócitos que serão masculinos e femininos, os quais serão ser ingeridos por outros mosquitos.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Os eritrócitos infectados expressam proteínas que promovem sua adesão ao endotélio, reduzindo a probabilidade de depuração dessas células infectadas por seqüestro esplênico. A deposição pode afetar qualquer órgão como o cérebro, os pulmões e os rins. A lesão desse órgão resulta em hipóxia teci dual, necrose focal, e hemorragia.

Agentes antimaláricos

Os agentes antimaláricos atualmente disponíveis atuam contra alvos constituídos por quatro vias fisiológicas dos plasmódios:

- o metabolismo do heme (cloroquina, quinina, mefoclina e artmisina);

- o transporte de elétrons (primaquina);

- a tradução de proteínas (oxicilina, tetraciclina e clindamicina); e

- o metabolismo do folato (sulfadoxima-pirimetamina e proguanil).

Clinicamente, os agentes antimaláricos são classificados quanto à sua ação contra os diferentes estágios do ciclo de vida do parasita:

As drogas utilizadas para a quimioprofilaxia (cloroquina, mefloquina, proguanil, pirimetamina, dapsona e doxiciclina), para a prevenção dos ataques de malária numa área da doença, atuam sobre os merozoítas que emergem das células hepáticas.

As drogas usadas no tratamento agudo de malária (cura clínica ou supressiva – quinina, mefloquina, halofantrina, sulfonas, pirimetamina) atuam sobre os parasitas no sangue; podem curar infecções por parasitas que não possuem estágio exoeritrocítico.

As drogas utilizadas para a cura radical (primaquina) são ativas contra os parasitos no fígado. Algumas drogas atuam sobre os gametócitos e impedem a transmissão pelo mosquito.

1) Fármacos usados na profilaxia da malária

Cloroquina

A cloroquina é um agente esquizonticida sanguíneo muito potente, eficaz contra as formas eritrocíticas de todas as quatro espécies de plasmódios, mas que não exerce efeitos sobre os esporozoítas, hipnozoítas ou gametócitos. Possui um complexo mecanismo de ação que ainda não está totalmente esclarecido. A cloroquina inibe a digestão da hemoglobina pelo parasita e, assim, reduz o suprimento de aminoácidos necessários à viabilidade do parasita. Os plasmódios possuem capacidade limitada de síntese de aminoácidos de novo; por isso, dependem dos aminoácidos liberados pela digestão das moléculas de hemoglobina do hospedeiro. A degradação da hemoglobina libera os aminoácidos básicos e um metabólito do heme tóxico ao plasmódio, a ferriprotoporfirina IX. Esta última deve ser

polimerizada à hemozoína pela heme-polimerase. Se não for polimerizada, a ferriprotoporfirina provoca lesão lisossomal e toxicidade para o plasmódio.

A cloroquina também inibe a heme polimerase. A cloroquina é uma base fraca que penetra no vacúolo digestivo do plasmódio (que é um meio ácido), sendo protonada rapidamente. Isso impede sua saída do vacúolo digestivo. Em conseqüência, a cloroquina se acumula em grande quantidade e se liga a ferriprotoporfirina IX e inibe a metabolização desse metabólito do heme, que normalmente é realizado pela heme-polimerase. A ferriprotoporfirina não polimerizada leva à lesão oxidativa da membrana, sendo tóxica para o parasita. Por conseguinte, a cloroquina envenena o parasita ao impedir a destoxificação de um produto do metabólismo tóxico da hemoglobina.

Na atualidade o P. falciparum tornou-se resistente a cloroquina na maior parte do mundo.

A cloroquina possui poucos efeitos adversos quando administrada para quiomioprofilaxia. Com uso de doses mais altas no tratamento agudo, podem ocorrer náusea, vômitos, tonteira, visão turva, cefaléia e sintomas de urticária. Em altas doses pode provocar retinopatias. A droga é considerada segura para gestantes.

Mefloquina

A mefloquina é um composto esquizonticida sanguíneo que se mostra ativo contra P. falciparum e P. vivax. Entretanto, não exerce nenhum efeito sobre as formas hepáticas dos parasitas, razão pela qual o tratamento das infecções por P. vivax deve ser acompanhado de um curso de primaquina para erradicar os hipnozoítas.

A ação parasitária está associada à inibição da heme polimerase.

Quando a mefloquina é utilizada no tratamento agudo, ocorrem distúrbios gastrintestinais em 50% dos pacientes. Pode ocorrer toxicidade transitória do SNC – vertigem confusão, disforia, insônia. A mefloquina é contra-indicada para gestantes e mulheres propensas a engravidar.

2) Fármacoa usados no tratamento agudo da malária

Quinina

A quinina é um alcalóide derivado da casca da chinchona. Trata-se de um agente esquizonticida sanguíneo, eficaz contra as formas eritrocíticas de todas as quatro espécies de plasmódios, mas que carece de efeito sobre os gametócitos de P. falciparum.

Assim como a cloroquina, seu mecanismo de ação está associado à inibição da heme polimerase do parasita. Além disso, ela pode se ligar ao DNA do plasmódio, com conseqüente separação das fitas através do rompimento das pontes de hidrogênio, e impedimento da transcrição e tradução desse DNA.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

Dentre os efeitos adversos, apresenta-se o chinchonismo (náusea, tonteira, zumbido, cefaléia e visão turva), vômitos, liberação de insulina com hipoglicemia agravada pelo consumo de glicose por parte do parasita.

Halofantrina

A halofantrina é um agente esquizonticida sanguíneo. O fármaco mostra-se ativo contra cepas de P. falciparum resistentes a cloroquina, à pirimetamina e à quinina. É eficaz contra a forma eritrocítica de P. vivax, mas não contra hipnozoítas. Seu mecanismo de ação permanece desconhecido.

Como efeitos indesejáveis podem ocorrer dor abdominal, distúrbios gastrintestinais, cefaléia, elevação transitória das enzimas hepáticas, prurido, alteração no ritmo cardíaco e tosse.

Sulfadoxina-Pirimetamina

A sulfodoxina é um análogo do PABA, que inibe competitivamente a diidropteroato sintetase dos parasitas, uma enzima essencial na via de síntese do ácido fólico. A pirimetamina é um análogo do folato que inibe competitivamente a diidrofolato em tetraidrofolato. A sulfadoxina e a pirimetamina, quando utilizadas em combinação, atuam de modo sinérgico, inibindo o crescimento dos parasitas da malária. Essa combinação é altamente efetiva contra os estágios esquizontes sanguíneos do P. falciparum, mas não contra os gametócitos.

Infelizmente, a resistência disseminada dos parasitas da malária a essa combinação limitou acentuadamente a sua utilidade.

As reações adversas mais comuns são: reações cutâneas graves; efeitos hematológicos (anemia megaloblástica, leucopenia e trombocitopenia.

A sulfadoxina-pirimetamina não é utilizada como agente quimioprofilático contra a malária.

Artemisina

A artemisina, um extrato químico obtido da artemísia, é um esquizonticida sanguíneo de ação rápida, que tem sido eficaz no tratamento do ataque agudo da malária tanto vivax quanto falcípara. O artesunato, um derivado hidrossolúvel, e os análogos sintéticos, artemeter e arteter, exibem maior atividade e são mais bem absorvidos. O mecanismo de ação não é conhecido; pode envolver lesão da membrana do parasita por radicais livres ou alquilação covalente de proteínas. Esses compostos não exercem nenhum efeito sobre os hipnozoítas hepáticos e não são úteis para a quimioprofilaxia. Devido à resistência disseminada dos parasitas a outros agentes antimaláricos, a terapia de primeira linha para a malária não-complicada e complicada na África subsaariana envolve uma combinação de artemisina com um segundo agente antimalárico, com mecanismo de ação diferente e meia vida mais longa.

Foram observados poucos efeitos indesejáveis. Foi relatada a ocorrência de bloqueio cardíaco transitório, redução transitória dos neutrófilos sanguíneos e episódios breves de febre.

3) Fármacos usados na cura radical da malária

Primaquina

Sua atividade antimalárica é provavelmente atribuível à quinona, um metabpolito da primaquina que interfere na função da ubiquinona como transportador de elétrons na cadeia respiratória. Sua ação é exercida contra hipnozoítas hepáticos. Trata-se do único fármaco capaz de efetuar uma cura radical das formas de malária nas quais os parasitas possuem um estágio dormente no fígado – P. vivax e P. ovale. Sendo assim, a primaquina é o único fármaco que impede a recrudescência da malária.

A primaquina não afeta os esporozoítas e exerce pouca ou nenhuma ação contra o estágio eritrocítico do parasita. Entretanto exerce ação gametocida, constituindo o agente antimalárico mais eficaz na prevenção da transmissão da doença por todas as quatro espécies de plasmódios. É quase invariavelmente usado em combinação com outra droga, geralmente a cloroquina.

Os efeitos indesjáveis consistem principalmente em distúrbios do trato gastrintestinal e, em altas doses, metemoglobinemia. Ocorre hemólise em indivíduos com deficiência genética de glicose-6-fosfato desidrogenase eritrocítica, razão pela qual nunca deve ser administrada sem antes se confirmar a presença de atividade dessa enzima. Nunca de ser administrada em gestantes.

b) A Amebíase

A amebíase é uma infecção causada por Entamoeba histolytica, produzida por ingestão de cistos desse microrganismo. No intestino, os cistos desenvolvem-se em trofozoítas, que aderem às células epiteliais do cólon através de uma lectina presente na membrana do parasita, que possui semelhanças com as proteínas de aderência do hospedeiro. A seguir o trofozoíta lisa a célula do hospedeiro e invade a submucosa, onde pode secretar um fator que inibe os macrófagos ativados pelo interferon-gama que, caso contrário o matariam. Esse processo pode resultar em disenteria, o parasita pode invadir o fígado com conseqüente desenvolvimento de abscessos hepáticos e granulomas amebianos.

Os principais fármacos atualmente utilizados no tratamento da amebíase são: metronidazol, tinidazol e diloxanida. Esses agentes podem ser usados em combinação.

Metronidazol

O metronidazol mata os trofozoítas de E. histolytica, porém não exerce nenhum efeito sobre os cistos. Trata-se da droga mais eficaz disponível para a amebíase invasiva afetando o intestino ou o fígado.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

Acredita-se que o metronidazol atua através da lesão do DNA, da membrana e células-alvos do trofozoíta por produtos tóxicos de oxigênio (radicais livres) formados pelo próprio parasita a partir da droga.

São observados poucos efeitos indesejáveis com o uso de doses terapêuticas. Foram relatados distúrbios gastrintestinais, tonteira, cefaléia, neuropatias sensoriais. A droga interfere no metabolismo do álcool, de modo que é preciso evitar estritamente o consumo de bebidas alcoólicas. O metronidazol não deve ser utilizado durante a gravidez. Existem outros fármacos semelhantes, a exemplo do tinidazol e o mimorazol.

Diloxanida

A diloxanida e o furoato de diloxanida são eficazes contra o parasita intestinal não invasivo da ameba. As drogas exercem ação amebicida direta, afetando as amebas antes do encistamento. Não possuem graves efeitos adversos.

c) A Leishmaniose

A leishmaniose é uma infecção causada pelo microrganismo do gênero Leishmania. O parasita ocorre em duas formas – flagelada, encontrada no mosquito-pólvora (inseto vetor) que se alimenta de animais de sangue quente; e não flagelada, que ocorre no hospedeiro mamífero picado. Neste último o parasita é capturado pelo sistema fagocítico mononuclear, onde permanece vivo e viável. Existem vários tipos clínicos de leishmaniose – uma infecção cutânea simples, que pode ter cura expontânea, uma forma mucocutânea (na qual podem surgir grandes úlceras nas mucosas) e uma forma visceral (calazar). Nesta última, o parasita dissemina-se pela corrente sanguínea e causa hepatomegalia, esplenomegalia, anemia e febre intermitente.

Os principais fármacos para o tratamento da leishmaniose são o estibogliconato de sódio e o antimoniato de meglumina, que apresentam mecanismo de ação ainda não totalmente elucidado. Outros fármacos incluem a anfotericina e o metronidazol.

d) Tripanossomiase

Existem três espécies principais de tripanossomo que causam doenças no ser humano: o Tripanossoma gambiense e o Tripanossoma rhodesiense, responsáveis pela doença do sono na África, e Tripanossoma cruzi, responsável pela Doença de Chagas. Em ambos os tipos da doença surge uma lesão local inicial no ponto de entrada, seguida de surtos de parasitemia e febre. O dano aos órgãos é causado pelas toxinas liberadas, afetando o SNC (na doença do sono), o coração e, algumas vezes, o fígado, o baço, os ossos e o intestino (na Doença de Chagas).

As principais drogas utilizadas na doença do sono africana são a suramina, com a pentamidina como alternativa, no estágio hemilinfático da doença, e o composto melarsopol para o estágio avançado com comprometimento do SNC.

As drogas utilizadas na doença de chagas incluem primaquina e a puromicina, o nifurtimox e os benzimidazois. Todavia, não há ainda nenhum tratamento eficaz para esta doença.

Suramina

A suramina não mata imediatamente os parasitas, porém induz alterações bioquímicas que levam à aliminação dos microrganismos da circulação depois de um período de 24 horas.

A droga liga-se firmemente às proteínas plasmáticas do hospedeiro, e o complexo assim formado penetra no tripanossomo por endocitose; a seguir, é liberado por proteases lisossômicas. Possui ação seletiva sobre as enzimas tripanossômicas.

A suramina é relativamente tóxica, sobretudo em pacientes desnutridos, exercendo efeito tóxico principalmente sobre os rins.

e) Tricomoníase

O principal microrganismo do gênero Trichomonas que produz doenças no ser humano é o T. vaginalis. As cepas virulentas provocam inflamação da vagina nas mulheres e, algumas vezes, da uretra nos homens.

As principais drogas utilizadas na terapia são o metronidazol e o tinidazol.

f) Toxoplasmose

O Toxoplasma gondi é um protozoário que infecta gatos e outros animais. Os oocistos nas fezes do animal infectado podem infectar o ser humano, dando origem a esporozoítas, a seguir, a trofozoítas e, por fim, a cistos nos tecidos. Em muitos indivíduos a toxoplasmose é autolimitada ou até mesmo assintomática, porém a infecção pelo protozoário durante a gravidez pode causar grave doença no feto. Os indivíduos imunocomprometidos também são muito suscetíveis.

O tratamento de escolha consiste em pirimetamina-sulfadiazina (que deve ser evitado em gestantes); são também utilizados o trimetoprima-sulfametoxazol ou a pentamidina parenteral. Mais recentemente, a azitromicina mostrou-se promissora.

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

26) Fármacos utilizados nos distúrbios da hemostasia

A hemostasia é definida como interrupção da perda de sangue de vasos lesados, é essencial à vida. Os distúrbios da hemostasia são a hipercoagulabilidade e a hemorragia.

Estados de hipercoagulabilidade: didaticamente, podemos classificar os fatores envolvidos na hipercoagulabilidade em dois grupos principais: condições que aumentam a função plaquetária e condições que causam aceleração na atividade do sistema de coagulação.

a) condições que aumentam a função plaquetária:

- distúrbios do fluxo sanguíneo (aterosclerose, diabetes, tabagismo, dislipidemia e trombocitose);

- lesão endotelial;

- aumento da sensibilidade das plaquetas aos fatores que causam adesão e agregação;

b) condições que causam aceleração na atividade do sistema de coagulação:

- gravidez e puerpério;

- anticoncepcionais orais;

- estado pós-cirúrgico;

- imobilidade;

- ICC;

- doenças malignas; e

- diminuição da síntese dos fatores anticoagulantes.

Distúrbios hemorrágicos:

Os distúrbios hemorrágicos são causados por defeitos associados às plaquetas, aos fatores da coagulação e à integridade vascular.

Os distúrbios na formação do tampão plaquetário consistem na redução do número de plaquetas devido à sua produção inadequada (disfunção medular), na destruição excessiva das plaquetas (tombocitopenia), nas anormalidades da função plaquetária (trombocitopatia) ou nos defeitos do fator de von Willhebrand.

O comprometimento na etapa da coagulação é causado por deficiência de um ou mais fatores da coagulação, principalmente, pela falta de vitamina K, hepatopatia, distúrbios hereditários (hemofilia A, hemofilia B e doença de von Willhebrand). A deficiência do fator VII-FvW denomina-se hemofilia A e a deficiência do fator IX, hemofilia B.

Os distúrbios da integridade dos vasos sanguíneos resultam de fraqueza estrutural dos vasos ou lesão vascular devido á inflamação e mecanismos imunes.

Os principais fenômenos envolvidos na hemostasia são:

- adesão e ativação das plaquetas; e

- coagulação sanguínea (formação de fibrina).

O processo de coagulação sanguínea exige a presença de plaquetas produzidas na medula óssea, do fator de von Willhebrand produzido pelo endotélio, e dos fatores de coagulação sintetizados no fígado a partir da vitamina K.

Já a trombose é uma condição patológica decorrente da ativação inapropriada dos mecanismos homeostáticos. A trombose venosa geralmente está associada com estase do sangue. O trombo venoso possui um pequeno componente plaquetário e um grande componente de fibrina. A trombose arterial está associada com aterosclerose, é composto do denominado trombo branco, que consiste principalmente em plaquetas e leucócitos no interior de uma rede de fibrina.

O trombo pode desprender-se, seguir seu trajeto como êmbolo e alojar-se mais adiante, causando isquemia e infarto.

As drogas afetam a hemostasia e a trombose de três maneiras distintas:

1) ao modificar a coagulação sanguínea (formação de fibrina) – anticoagulantes tais como heparina, warfarina e dicumarol;

2) ao modificar a função das plaquetas – antiplaquetários tais como AAS, dipiridamol, sulfimpirazona e ticlopidina; e

3) ao afetar a remoção da fibrina (fibrinólise) – ateplase, anistreplase e estreptoquinase.

A coagulação sanguínea refere-se à transformação do sangue líquido em gel sólido ou coágulo. O principal evento

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

consiste na conversão do fibrinogênio solúvel em filamentos insolúveis de fibrina, a última etapa de uma complexa cascata enzimática. A iniciação do processo de coagulação depende da exposição do sangue a componentes que, normalmente, não estão presentes no interior dos vasos, em decorrência de lesões estruturais (injúria vascular) ou alterações bioquímicas (como liberação de citocinas). O fator tecidual é o principal ativador da coagulação sanguínea.

Etapas da hemostasia:

a) espasmo vascular, de caráter efêmero (dura em cerca menos de um minuto), devido à contração do músculo liso da parede do vaso lesionado;

b) formação do tampão plaquetário, que envolve a adesão plaquetária, que é a ligação das plaquetas à camada subendotelial do vaso, ocorre quando o receptor plaquetário se liga ao fator de von Willhebrand, produzido pelas células endoteliais, no local da lesão; e também a agregação plaquetária, que consiste na ligação de outras plaquetas que se tornam viscosas devido a ação do ADP e TXA2 liberados pelos grânulos das plaquetas iniciais.

c) formação do coágulo de fibrina insolúvel, que ocorre quando a via de coagulação é ativada na superfície da plaqueta e o fibrinogênio é convertido em fibrina. A cascata de coagulação, que envolve vários fatores de coagulação, é necessária para formar uma rede de fibrina que reterá os componentes sanguíneos juntos (estabilização do tampão hemostático).

d) retração do coágulo, que consiste na expelição do soro do coágulo e união das bordas do vaso lesado.

e) dissolução do coágulo (fibrinólise), que permite o restabelecimento do fluxo sanguíneo e o reparo do tecido permanente. Isto se dá principalmente pela ativação do plasminogênio (presente no sangue) em plasmina que digere as fibras de fibrina do coágulo. A plasmina circulante é rapidamente inativada pelo inibidor da alfa2-plasmina, que limita a fibrinólise ao coágulo local e impede a sua ocorrência em toda a sua extensão. O inibidor do ativador de plasminogênio (alfa2-plasmina), quando presente em altas concentrações, é associado à ocorrência de trombose venosa profunda, coronariopatia e infarto do miocárdio.

Vias de coagulação

Existem duas vias principais para a cascata de coagulação e conseqüente formação de fibrina. Uma delas tradicionalmente denominada “intrínseca” e outra “extrínseca”.

A via extrínseca (in vivo) é desencadeada por um fator tecidual (tromboplastina) que ativará o fator VII em fator VIIa. Este, por sua vez, ativará os fatores IX e X. A coagulação prossegue através da produção adicional de fator Xa pelo complexo IXa-VIIIa-cálcio-fosfolipídio.

O fator Xa, na presença de cálcio, de fosfolipídeo e do fator Va, ativa a protrombina (fator II) em trombina (fator IIa), principal enzima da cascata.

A trombina (fator IIa) cliva o fibrinogênio, produzindo fragmentos que sofre polimerização para formar a fibrina. Além disso, ativa o fator XIII, uma fibrinoligase, que reforça as ligações entre uma fibrina e outra, estabilizando, assim, o coágulo. Além de sua ação coagulante, a trombina também provoca agregação plaquetária, estimula a proliferação celular e modula a contração do músculo liso. Os efeitos da trombina sobre as plaquetas e musculatura lisa são desencadeados pela sua interação com receptores específicos de trombina, que pertencem à superfamília dos receptores acoplados à proteína G.

A via via intrínseca (de contato) começa quando o fator XII adere a uma superfície de carga negativa, convergindo para via in vivo (via extrínseca) no estágio de ativação do fator X. Deste ponto em diante, e na presença do fator Va, ocorre a ativação do fator II em fator IIa (trombina), que por sua vez transforma o fribrinogênio em fibrina.

Esta cascata enzimática de aceleração deve ser controlada por inibidores, visto que, de outro modo, todo o sangue do organismo se solidificaria em poucos minutos após o início da hemostasia. Um dos inibidores mais importantes é a antitrombina III, que neutraliza todas as serina proteases na cascata. O endotélio vascular também limita ativamente a extensão do trombo.

O cálcio é essencial para as três etapas, isto é, para as ações do fator IXa sobre o fator X; do fator VIIa sobre o fator X; e do fator Xa sobre o fator II (protrombina).

São utilizadas drogas para modificar a cascata quando existe um defeito da coagulação ou quando ocorre coagulação indesejável.

Os fatores ausentes podem ser supridos através da administração de plasma fresco ou preparações concentradas de fator VII ou de fator IX. Os defeitos adquiridos podem exigir tratamento com vitamina K.

1) - Vitamina K

A vitamina K é essencial para a formação dos fatores da coagulação II, VII, IX e X, pois participa como co-fator para a carboxilação do ácido y-carboxiglutâmico (GLa). Ela existe na natureza sob duas formas: K1 (fitomenadiona) originadas nas plantas e, K2 sintetizada por bactérias do trato gastintestinal.

O composto natural pode ser administrado por via oral, juntamente com sais biliares que facilitam sua absorção. A preparação sintética, o fosfato sódico de manadiol, é hidrossolúvel e não necessita de sais biliares, porém leva mais tempo para agir do que a fitomenadiona.

As indicações clínicas da vitamina K incluem o tratamento ou prevenção de sangramento devido ao uso de agentes anticoagulantes orais; doença hemorrágica do recém-nascido; e nas deficiências de vitamina K tais como o espru, doença celíaca, esteatorréia e ausência de bile.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

2) - Anticoagulantes orais

A doença trombótica e troboembólica é comum e possui graves conseqüências, incluindo infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, trombose venosa profunda e embolia pulmonar. As principais drogas utilizadas para os trombos brancos ricos em plaquetas são os agentes antiplaquetários (principalmente o ácido acetil-salicílico) e os agentes fibrinolíticos (ateplase, estreptoquinase e anistreplase), que são considerados adiante. Os principais fármacos utilizados na prevenção ou tratamento dos trombos vermelhos são:

- anticoagulantes orais (varfarina e compostos relacionados);

- anticoagulantes injetáveis (heparina e inibidores mais novos da trombina).

2.1 - Varfarina

A varfarina é a mais importante droga anticoagulante oral. Seu mecanismo de ação baseia-se em impedir a redução da viatmina K e consequentemente inibem a y-carboxilação de ácido glutâmico (glu) nos fatores da coagulação II, VII, IX e X.

São necessários vários dias para o aparecimento de seus efeitos, devido ao tempo levado para a degradação dos fatores carboxilados que já se encontravam no sangue.

Os anticoagulantes orais atravessam a placenta e não devem ser administrados nos primeiros meses de gravidez, uma vez que são teratogênicos.

A terapia é complicada não apenas devido ao fato de que o efeito de uma determinada dose só é observado dois dias após a sua administração, mas também em virtude da existência de numerosas condições que modificam a sensibilidade à varfarina (hepatopatia que diminui a síntese dos fatores de coagulação, febre e tireotoxicose que aumentam a degradação dos fatores de coagulação), além de interações com outras drogas. O tratamento com varfarina é monitorizado através da determinação do tempo de protombina, que é expresso com Relação Normalizada Internacional (INR). Em geral a dose é ajustada para fornecer uma INR de 2 – 4.

As principais drogas que interagem com a varfarina são:

- agentes que inibem o metabolismo hepático: cimetidina, imipramina, cloranfenicol, ciprofloxacina, metronidazol, amiodarona e azóis antifúngicos;

- drogas que inibem a função plaquetária: AINES, aspirina;

- drogas que deslocam a varfarina de seus sitos de ligação na albumina: hidrato de cloral e alguns AINES;

- drogas que inibem a redução da vitamina K: cefalosporinas;

- drogas que diminuem a disponibilidade de vitamina K: antibióticos de amplo espectro e algumas sulfonamidas, pois

deprimem a flora intestinal que normalmente sintetizam a vitamina K.

- as drogas que induzem o metabolismo hepático através da enzimas P450 aumentam a degradação da varfarina (rifampicina, carbamazepina, barbitúricos, griseofulvina). Da mesma forma, o hipotiroidismo diminui o efeito da varfarina devido ao fato da redução na degradação dos fatores de coagulação.

Os principais efeitos indesejáveis da varfarina são as hemorragias (particularmente a intestinal ou cerebral) e a teratogenicidade. Os efeitos dos anticoagulantes orais podem ser revertidos com administração de fitomenadiona (vitamina K1).

3) - Anticoagulantes injetáveis

3.1 - Heparina e heparina de baixo peso molecular

A heparina inibe a coagulação ao ativar a antitrombina III, um inibidor natural que inativa o fator Xa e também a trombina (fator IIa). A atividade anticoagulante é devida a uma seqüência peculiar de pentassacarídios, com alta afinidade para a AT III. Por isso, a deficiência de antitrombina III representa uma causa muito rara de resistência a heparinoterapia.

Por outro lado, as heparinas de baixo peso molecular aumentam apenas a ação da antitrombina III sobre o fator Xa, mas não aumentam a ação da antitrobina III sobre a trombina, como o faz a heparina.

A heparina não é absorvida pelo intestino em virtude de sua carga e de suas grandes dimensões; por conseguinte, é administrada por via intravenosa ou subcutânea.

O efeito da heparina é monitorizado pelo tempo de tromboplastina parcial ativado (APTT), devendo a dose ser ajustada para uma faixa-alvo de 1,5 – 2,5 vezes o valor de controle. Já as heparinas de baixo peso molecular (LMWH) não necessitam de monitorização quando utilizadas em uma dose padrão em relação ao peso corporal do paciente

O principal efeito indesejável é a hemorragia, que é resolvida interrompendo-se o tratamento e, se necessário, administrando-se o sulfato de protamina. Este antagonista da heparina, que é administrado por via intravenosa, é uma proteína fortemente básica que forma um complexo inativo com a heparina.

No uso clínico dos anticoagulantes orais, a heparina (frequentemente na forma de LMWH) é utilizada de forma aguda para ação em curto prazo, enquanto a varfarina é utilizada para terapia prolongada.

O uso de heparina não-fracionada durante a realização de angioplastia coronariana com ou sem implante de stent é mandatório.

3.3 - Hirudina

A hirudina é um inibidor específico e irreversível da trombina obtido da sanguessuga, que atualmente é disponível numa forma recombinante, como lepirudina.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

Sua ação não depende da antitrombina, o que significa que ela pode alcançar e inativar a trombina ligada à fibrina nos trombos. A lepirudina exerce pouco efeito sobre as plaquetas ou sobre o tempo de sangramento. Deve ser monitorizada através do TTPa.

4) - Fármacos antiplaquetários (aspirina, clopidogrel, ticlopidina, abciximab)

O endotélio vascular sadio impede a adesão das plaquetas. As plaquetas aderem a áreas enfermas ou lesadas ou tornam-se ativadas, constituindo o foco de localização para a formação de fibrina.

Quando ativadas, as plaquetas sofrem uma complexa seqüência de reações essenciais para a hemostasia e importantes para cicatrização de vasos sanguíneos lesados (além de desempenharem atividade na inflamação), tais como adesão através do fator de von Willebrand; alteração em sua forma que passa a apresentar pseudópodes; secreção do conteúdo de grânulos; biossíntese de mediadores lábeis; agregação das plaquetas entre si através das pontes de fibrinogênio; e exposição de fosfolipídeos ácidos promovendo a formação de trombina.

Devido à atividade essencial das plaquetas na doença tromboembólica, as drogas antiplaquetárias possuem imenso valor terapêutico potencial.

4.1 - Ácido acetilsalcílico (Aspirina)

A aspirina altera o equilíbrio entre o TXA2, que promove agregação, e a prostaciclina (PGI2), que a inibe. A aspirina inativa a ciclooxigenase (age, sobretudo sobre a COX-1) através da acetilação irreversível de um radical de serina em seu sítio ativo. Isso reduz tanto a síntese de TXA2 nas plaquetas quanto a síntese de prostaciclinas no endotélio. Entretanto, as células endoteliais vasculares são capazes de sintetizar nova enzima, ao passo que as plaquetas são incapazes de fazê-lo. Após a administração de aspirina, a síntese de TXA2 só se recupera após substituição da coorte afetada de plaquetas em 7 – 10 dias. Portanto, a aspirina reduz a síntese do tromboxano A2 nas plaquetas, que é o responsável pela agregação plaquetária.

A administração intermitente de baixas doses de aspirina diminui a síntese de tromboxano A2 sem reduzir drasticamente a síntese de prostaciclina.

A eficácia da aspirina é limitada pela existência de vias alternativas de ativação das plaquetas, idependentes do TXA2.

4.2 - Clopidogrel e ticlopidina

O clopidogrel e a ticlopidina reduzem a agreção plaquetária ao inibir a via do ADP das plaquetas. Essas drogas derivam da tienopiridina, que exercem seus efeitos antiplaquetários ao bloquear irreversivelmente o receptor de ADP nas plaquetas. Hoje em dia, o uso do clopidogrel ou da triclopidina na prevenção da trombose é considerado prática padrão em pacientes submetidos à colocação de uma endoprótese coronária. A principal vantagem do clopidogrel em relação à ticlopidina é sua maior tolerabilidade gastrintestinal e menor risco de neutropenia.

4.3 - Abciximab

O abciximab é um anticorpo monoclonal humanizado dirigido contra o complexo IIb/IIIa, ou seja, é um antagonista dos receptores IIb/IIIa. Este complexo de glicoproteína atua como receptor, principalmente para o fibrinogênio e a fibronectina, mas também para a fibronectina e o fator de von Willebrand. A ativação desse complexo receptor constitui a “via final comum” da agregação plaquetária. Os indivíduos que carecem desse receptor são portadores de um distúrbio hemorrágico denominado trombastenia de Glanzmann. A principal indicação dos antagonistas dos receptores IIb/IIa é no tratamento adjuvante de pacientes submetidos a angioplastia coronariana.

4.4 - Dipiridamol

O dipiridamol é um vasodilatador que inibe a função plaquetária ao inibir a captação de adenosina (ADP) e a atividade da GMPc fosfodiesterase. Este fármaco é utilizado em associação com a aspirina na prevenção da isquemia vascular cerebral. Pode ser também utilizado em associação com a varfarina.

5) - Agentes fibrinolíticos (estreptoquinase, anistreplase, ateplase, duteplase, uroquinase)

Uma cascata fibrinolítica é iniciada concomitantemente com a cascata da coagulação, resultando na formação, dentro do coágulo, de plasmina, que digere a fibrina. Diversos agentes promovem a formação da plasmina a partir de seu precursor plasminogênio (estreptoquinase e APSAC), ou agem através da ativação do plasminogênio tecidual (alteplase, reteplase, duteplase).

Vários agentes fibrinolíticos (trombolíticos) são utilizados clinicamente, sobretudo para desobstruir a artéria coronária ocluída em pacientes com infarto agudo do miocárdio.

5.1 - Estreptoquinase

A estreptoquinase, que é uma droga originada da bactéria Estreptococus beta-hemolítico, liga-se ao plasminogênio, expondo o sítio ativo de serina e resultando em atividade da plasmina. Quando infundida por via intravenosa, reduz a taxa de mortalidade no infarto agudo do miocárdio, sendo esse efeito benéfico aditivo com o da aspirina. Sua ação é bloqueada por anticorpos antiestreptocócicos, que aparecem cerca de quatro dias ou mais após a administração da dose inicial. É necessário um intervalo de pelo menos um ano para que possa ser novamente utilizada, devido à produção de anticorpos.

5.2 - Anistreplase

A anistreplase é uma pró-droga da estreptoquinase. A meia vida de ativação dura cerca de duas horas, tanto no sangue quanto no trombo. A anistreplase é administrda por via intravenosa e sua atividade fibrinolítica persiste por 4 – 6 horas.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

5.3 - Ateplase e duteplase

Esses fármacos são ativadores do plasminogênio tecidual recombinante. Sua atividade é potencializada na presença de fibrina, isto é, são mais ativas sobre o plasminogênio ligado à fibrina do que sobre o plasminogênio plasmático, sendo, portanto, consideradas “seletivas de coágulo”. O principal risco de todos os agentes fibrinolíticos consiste em sangramento, incluindo hemorragia gastrintestinal e acidente vascular cerebral. Quando grave, o sangramento pode ser tratado com ácido tranexâmico.

6) - Agentes antifibrinolíticos e hemostáticos

O ácido tranexâmico inibe a ativação do plasminogênio e, portanto, impede a fibrinólise. É utilizado no tratamento de diversas condições nas quais ocorre sangramento ou existe o

risco de sangramento, como hemorragia após prostatectomia ou extração dentária, na menorragia e após superdosagem de agente trombolítico.

Ácido aminocapróico

O ácido aminocapróico é um inibidor sintético da fibrinólise. Inibe competitivamente a ativação do plasminogênio. Este fármaco é utilizado clinicamente como terapia adjuvante na hemofilia, como agente terapêutico no sangramento decorrente da terapia fibrinolítica e como profilaxia contra o ressangramento de aneurismas intracranianos.

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral1

27) Farmacologia dos distúrbios neurodegenerativos

O tratamento farmacológico atualmente disponível para os distúrbios neurodegenerativos é sintomático e não altera o curso ou a evolução da doença subjacente. As terapias sintomáticas mais eficazes são aquelas para a doença de Parkinson.

Os distúrbios neurodegenerativos caracterizam-se pela perda progressiva e irreversível de neurônios de regiões específicas do cérebro. Os protótipos dos distúrbios neurodegenerativos incluem a doença de Parkinson (DP) e a doença de Huntington (DH), nas quais a perda de neurônios da estrutura dos gânglios da base resulta em anormalidades no controle dos movimentos; a doença de Alzheimer (DA), em que a perda de neurônios do hipocampo e do córtex leva ao comprometimento da memória e da capacidade cognitiva; e a esclerose lateral amiotrófica (ELA), em que a fraqueza muscular decorre da degeneração de neurônios motores espinhais, bulbares e corticais.

A diversidade dos padrões de degeneração neuronal levou à proposta de que o processo de lesão neuronal deve ser considerado como a interação de influências genéticas e ambientais com as características fisiológicas intrínsecas das populações de neurônios afetados.

A morte neuronal pode se dá por necrose ou apoptose. Os principais mecanismos que levam a morte neuronal são:

- a excitotoxicidade, que é a lesão neuronal que resulta da presença de glutamato em quantidades excessivas no cérebro. O excesso de glutamato eleva de maneira persistente a concentração intracelular de cálcio. A elevação do cálcio intracelular provoca morte celular por vários mecanismos, incluindo ativação de proteases, formação de radicais livres e peroxidação de lipídios. A formação de NO e ácido araquidônico também está envolvida.

- apoptose neuronal, que é iniciada pela inexistência de fatores de crescimento particulares, resultando na alteração de transcrição de genes e ativação de proteínas específicas de “morte celular”. A apoptose está frequentemente associada à excitotoxicidade.

- estresse oxidativo, apesar dos neurônios dependerem do metabolismo oxidativo para sua sobrevida, uma conseqüência desse processo consiste na produção de compostos reativos como o peróxido de hidrogênio ou oxirradicais. Essas espécies reativas, quando não controladas, podem levar à lesão de DNA, peroxidação de lipídios da membrana e morte neuronal.

A interrupção do suprimento sanguíneo para o cérebro desencadeia uma cascata de eventos neuronais responsáveis pela morte celular e, que posteriormente, resulta em edema cerebral e inflamação. A lesão cerebral isquêmica, causada por acidentes vasculares cerebrais, provoca despolarização dos neurônios e liberação de grandes quantidades de glutamato (excitotoxicidade). Ocorre acúmulo de cálcio, em parte como resultado da atuação do glutamato sobre os receptores NMDA; e

o nível de NO também aumenta, colaborando com a agreção neuronal. A lesão produzida pela oclusão de uma artéria cerebral importante é constituída de uma parte central na qual os neurônios sofrem rapidamente lesão irreversível e a partir da qual a neurodegeneração se propaga no decorrer de várias horas ou mais, afetando áreas vizinhas.

Tratamento farmacológico do Parkinsonismo

O mal de Parkinson é uma doença degenerativa dos gânglios da base, que se manifesta por 4 características fundamentais: bradicinesia (lentidão e escassez de movimentos), rigidez muscular, tremor em repouso (que desaparece habitualmente com o movimento voluntário) e comprometimento do equilíbrio postural, resultando em alterações da marcha e queda. É uma doença frequentemente idiopática, mas pode ocorrer após acidente vascular cerebral e infecção viral, podendo ser também induzida por drogas (reserpina e clorpromazina). A principal característica patológica da DP consiste numa perda dos neurônios dopaminérgicos pigmentados (perda de 70 a 80%) da parte compacta da substância nigra, com o aparecimento de inclusões intracelulares conhecidas como corpúsculos de Lewy. Esses neurônios são responsáveis pela síntese de dopamina que é liberada na sinapse. A razão pela qual ocorre a degeneração dos neurônios dopaminérgicos ainda permanece desconhecida. A DP não compromete apenas o sistema motor do paciente, mas, entre outras manifestações, provoca alterações cognitivas que podem estar presentes logo no início da doença. Essas alterações podem progredir com o avançar do tempo, configurando um quadro de demência. Sem tratamento, a DP progride no decorrer de 5 a 10 anos até um estado acinético rígido em que o paciente é incapaz de cuidar de si próprio.

É importante reconhecer que vários outros distúrbios, além da DP, também podem produzir parkinsonismo, incluindo acidente vascular cerebral e a intoxicação com bloqueadores dos receptores de dopamina. Os fármacos de uso clínico comum passíveis de causar parkinsonismo incluem antipissicóticos, como o haloperidol e a torazina, e antieméticos como a proclorperazina e a metoclopramida. O parkinsonismo decorrente de causas que não a doença de Parkinson costuma ser refratário a todas as formas de tratamento.

Os neurônios acometidos na Doença de Parkinson são principalmente os da chamada substância nigra, uma área do tronco cerebral que atua no controle dos movimentos, e que fornece inervação dopaminérgica ao estriado. Esses neurônios produzem dopamina. Com a morte dos neurônios, ocorre então uma falta de dopamina naquela região, causando a inflexibilidade muscular, a lentidão dos movimentos e tremor, efeitos característicos da doença.

A concentração normalmente elevada de dopamina (neurotransmissor responsável pelos movimentos) nos gânglios de base do cérebro encontra-se reduzida no parkinsonismo, e as tentativas farmacológicoas de restaurar a atividade dopaminérgica com levodopa e com agonistas dopamínicos têm

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral2

sido bem sucedidas no alívio de muitas manifestações clínicas da doença.

As drogas que se mostram eficazes no tratamento do parkinsonismo são classificadas nas seguintes categorias:

a) drogas que substituem a dopamina (levodopa) juntamente com inibidores da dopa descarboxilase de ação periférica (carbidopa e benserazida); a própria dopamina não é apropriada para o tratamento, pois não atravessa a barreira hemato-encefálica

b) drogas que imitam a ação da dopamina – agonistas dos receptores dopaminérgicos (bromocriptina, pergolida, lisurida);

c) inibidores da MAO-B (selegilina);

d) drogas que liberam dopamina (amantadina); e

e) antagonistas da acetilcolina (benztropina).

Levodopa

A levodopa constitui o tratamento de primeira linha da doença de Parkinson e quase sempre é combinada com inibidor da dopa-descarboxilase de ação periférica, a carbidopa ou benserazida, que reduz cerca de dez vezes a dose necessária e diminui os efeitos colaterais periféricos (predominantemente a náusea, devido à loigação dessa dopamina aos receptores de dopamina na área postrema). A dopa-descarboxilase é a enzima responsável por converter a levodopa em dopamina antes de esta chegar ao cérebro. A conversão em dopamina na periferia, que de outro modo, corresponderia a cerca de 95% da dose de levodopa, causando efeitos colaterais incômodos (náuseas), é impedida, em grande parte, pelo inibidor da descarboxilase. Por outro lado, a descarboxilação da levodopa continua ocorrendo rapidamente no cérebro (principalmente nas terminações pré-sinápticas dos neurônios dopaminérgicos no estriado), visto que esses inibidores da descarboxilase não penetram na barreira hematoencefálica.

Existem dois tipos de efeitos indesejáveis no tratamento com levodopa:

- discinesia – são movimentos involuntários da cabeça e do tronco que aparecem na metade dos pacientes cinco anos após o início da terapia com levodopa. O fenômeno de “desgaste” que surge com o passar dos anos faz com que seja necessária uma dose maior de levodopa para evitar a rigidez e a acinesia que ocorrem no final do intervalo entre as doses. Porém, o aumento da dose ocasiona a discinesia.

- efeito liga-desliga – são rápidas flutuações do estado clínico, em que a hipocinesia e a rigidez podem agravar-se subitamente por um período de alguns minutos até algumas horas (sem qualquer efeito benéfico das medicações), melhorando em seguida.

Existe uma suspeita de que o metabolismo da dopamina produza radicais livres que favorecem o estresse oxidativo e, portanto, a levodopa acabaria por acelerar o processo de perda de neurônios dopaminérgicos.

Agonistas dos receptores de dopamina (bromocriptina, pergolida, lisurida).

Uma alternativa para a levodopa consiste no uso de fármacos que atuam como agonistas diretos dos receptores de dopamina do estriado, uma abordagem que oferece várias vantagens potenciais: não é necessária a conversão enzimática para esses agentes; são mais seletivos do que a levodopa; duração mais longa; e não produzem radicais livres, portanto não favorecem o estresse oxidativo.

Os agonistas dopaminérgicos exercem seus efeitos através da estimulação dos receptores dopaminérgicos (principalmente D1 e D2 – família dos receptores ligados à proteína G) localizados nos neurônios pós-sinápticos.

Atualmente, dispõe-se de 4 agonistas dos receptores de dopamina: a bromocriptina e a pergolida (mais antigos e derivados do esporão do centeio) e o ropinirol e pramipexol (mais recentes). Diferem quanto a sua seletividade para os receptores D1 e D2, porém possuem ações terapêuticas semelhantes, além de possuírem particular eficácia no tratamento de pacientes que desenvolveram fenômenos de liga/desliga.

O tratamento inicial com pergolida ou bromocriptina pode causar hipertensão profunda de modo que ambos os fármacos devem ser iniciados em baixa dose. Induzem frequentemente náuseas e vômitos no tartamento inicial.

Inibidores da COMT (tolcapona e entacapona)

A COMT e a MAO são enzimas responsáveis pelo catabolismo da levodopa e da dopamina. Quando se administra a levodopa por via oral, quase 99% do fármaco são metabolizados e não alcançam o cérebro. A maior parte é convertida pela L-aminoácidos aromáticos descarboxilase (AAD) em dopamina, que provoca náuseas e hipotensão.

A adição de um inibidor da AAD (dopa-descarboxilase), como a carbidopa, reduz a formação de dopamina, porém aumenta a fração de levodopa que é metilada pela COMT. A principal ação terapêutica dos inibidores da COMT (tolcapona e entacapona) consiste em bloquear a conversão periférica da levodopa em O-metil-dopa, aumentando tanto a meia-vida plasmática da levodopa quanto à fração de cada dose que alcança o sistema nervoso central.

Os inibidores da COMT atualmente disponíveis são a tolcapona e a entacapona. Ambos os fármacos diminuem o metabolismo periférico da levodopa.

A tolcapona parace atuar através da inibição central e periférica da COMT. A hepatotoxicidade, devido ao aumento dos níveis séricos de alanina aminotransferase e aspartato trasaminase, constitui um importante efeito adverso associado ao uso da tolcapona, e está deve ser somente prescrita para pacientes que não responderam a outras terapias e com monitoração apropriada para o possível desenvolvimento de lesão hepática.

A ação da entacapona é atribuível principalmente à inibição periférica da COMT. A entacapona não tem sido

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral3

associada à hepatotoxicidade e não exige nehuma monitoração especial, constituindo o inibidor da COMT mais amplamente utilizado.

Inibidore seletivo da MAO-B (selegilina)

A selegilina é um inibidor da monoamina oxidase (MAO) seletivo para a MAO-B, que predomina em regiões que contêm dopamina no sistema nervoso central. Por conseguinte, carece dos efeitos periféricos indesejáveis dos inibidores não seletivos da MAO (fenelzina, tranilcipromina e isocarboxazida) e, ao contrário destes, não provoca a “reação do queijo” (resposta hipertensiva grave a alimentos contendo tiramina) nem interage tão frequentemente com outras drogas. A inibição da MAO-B protege a dopamina de degradação intraneuronal no estriado tendo sido inicialmente utilizada como adjuvante da levodopa.

Uma das desvantagens da selegilina é a formação de um metabólito tóxico, a anfetamina, que pode causar insônia e confusão, principalmente no idoso.

Amantadina - A amantadina foi introduzida como agente antiviral utilizado na profilaxia e no tratamento da influenza A. Na atualidade a maioria dos autores sugere, sem muita convicção, que o aumento da liberação de dopamina é primeiramente responsável pelos efeitos clínicos observados. A amantadina é menos eficaz que a levodopa e que a bromocriptina. O fármaco é utilizado no tratamento inicial da doença de Parkinson leve.

Antagonistas dos receptores muscarínicos (triexifenidil, benzotropina e difenidramina)

Os receptores muscarínicos da acetilcolina exercem um efeito excitatório, oposto ao da dopamina, sobre os neurônios estriatais, bem como um efeito inibitório pré-sináptico sobre as terminações nervosas dopaminérgicas. Por conseguinte, a supressão desses efeitos compensa, em parte, a falta de dopamina. Esses fármacos diminuem mais o tremor do que a rigidez ou a hipocinesia. Seus efeitos colaterias são boca seca, constipação, retenção urinária e visão turva. Os efeitos indesejáveis são sonolência e confusão.

Os antagonistas da acetilcolina são utilizados principalmente no tratamento da doença de Parkinson em pacientes que recebem agentes antipsicóticos (que são antagonistas da dopamina e que, portanto, anulam o efeito da levodopa).

Tratamento farmacológico do mal de Alzheimer

A doença de Alzheimer produz um comprometimento da capacidade cognitiva, de início gradual, mas de progressão inexorável. Em geral, a primeira manifestação clínica consiste no comprometimento da memória recente, enquanto a recuperação de memórias distantes é relativamente bem preservada durante a evolução da doença. A medida que o distúrbio progride, outras capacidades cognitivas são afetadas, como a capacidade de fazer cálculos, as habilidades visuespaciais e o uso de objetos e ferramentas comuns (apraxia ideomotora). A morte, mais frequentemente por uma complicação da imobilidade, como a pneumonia ou a embolia

pulmonar, ocorre habitualmente dentro de 6 – 12 anos após a instalação da doença.

A doença de Alzheimer caracteriza-se por acentuada atrofia do córtex cerebral e perda de neurônios corticais e subcorticais. A base anatômica do déficit colinérgico é a atrofia e degeneração dos neurônios colinérgicos subcorticais. Da constatação deste fato surgiu a “hipótese colinérgica”, segundo a qual uma deficiência de acetilcolina é decisiva na gênese dos sintomas da DA. Porém, é necessário assinalar que o déficit observado na DA é complexo, envolvendo múltiplos sistemas neurotransmissores, incluindo a serotonina e o glutamato, além de apresentar destruição dos neurônios corticais e do hipocampo.

A despeito dos recentes progressos na compreensão do mecanismo de neurodegeneração na doença de Alzheimer, ainda não existe nenhuma terapia eficaz.

Atualmente, a abordagem farmacológica para o tratamento da doença de Alzheimer baseia-se na administração de anticolinesterásicos, tais como a tacrina, o donepezil, a rivastigmina e a galantamina. Os agentes anticolinesterásicos bloqueiam a ação da enzima acetilcolinesterase, impedindo a degradação da acetilcolina. O acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica resulta numa maior ativação dos receptores nicotínicos e muscarínicos.

A tacrina é um potente inibidor da acetilcolinesterase de ação central. Devido a seu perfil de efeitos colaterias consideráveis, a tacrina não é amplamente utilizada na prática clínica.

O donepezil é um inibidor seletivo da AChE no SNC, com pouco feito sobre a AChE nos tecidos periféricos. Possui meia vida longa, permitindo a administração de dose única ao dia. A rivastigmina e a galantamina são administrados duas vezes ao dia e produzem um grau semelhante de melhora cognitiva. Os efeitos adversos desses fármacos incluem náuseas, diarréia, vômitos e insônia, porém não estão associados a hepatotoxicidade que limita o uso da tacrina.

Tratamento farmacológico da doença de Huntington

A doença de Huntington é um distúrbio hereditário que provoca degeneração cerebral progressiva. Surge na vida adulta e causa rápida deteriorização e morte. O gene alterado produz a proteína huntingtina que interage com as caspazes que participam nos processos de excitotoxicidade e apoptose dos neurônios do córtex e do estriado.

Nenhum fármaco atual consegue retardar a progressão da doença. O tratamento é sintomático, e necessário para pacientes deprimidos (fluoxetina), irritáveis, paranóides ou psicóticos (clozapina ou carbamazepina), excessivamente ansiosos e com distúrbios do movimento (antagonistas da dopamina – clorpromazina, e agonista do GABA – baclofeno).

Tratamento farmacológico da Esclerose Lateral Amiotrófica.

A ELA é um distúrbio dos neurônios motores do corno ventral da medula espinhal e dos neurônios corticais que

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral4

fornecem o impulso aferente. O distúrbio caracteriza-se por fraqueza rapidamente progressiva, atrofia muscular e fasciculações, espasticidade, disartria, disfagia e comprometimento respiratório. Em geral, a função sensorial é preservada, bem como as atividades cognitiva, autônoma e oculomotora. Em geral, a ELA é progressiva e fatal, com morte da maioria dos pacientes acometidos por comprometimento respiratório e pneumonia dentro de 2 – 3 anos.

A fisiopatologia apresenta perda proeminente de neurônios motores da medula espinhal e do tronco encefálico que se projetam para os músculos estriados, bem como perda dos grandes neurônios motores piramidais.

O rilusol é um agente com ações complexas sobre o sistema nervoso. Ele possui efeitos tanto pré-sinápticos como pós-sinápticos. Inibe a liberação de glutamato, mas também bloqueia os receptores de glutamato pós-sinápticos do tipo NMDA e cainato, e também inibe os canais de sódio dependente de voltagem. Embora a magnitude do efeito do rilusol sobre a ELA seja pequena, o fármaco representa um marco terapêutico significativo no tratamento de uma doença refratária a todos os tratamentos anteriores.

O agente mais útil para o tratamento sintomático da espasticidade na ELA é o baclofeno, um agonista GABA-B. Além deste último, é também utilizada a tizanidina (agonista Alfa2-adrenérgico de ação central).

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

28) Farmacologia do trato gastrintestinal

Além de sua principal função na digestão e absorção dos alimentos, o trato gastrintestinal é um dos principais sistemas endrócrinos do corpo. Possui também sua própria rede neuronal integrativa, o sistema nervoso entérico, que contém aproximadamente o mesmo número de neurônios da medula espinhal. As principais funções do trato gastrintestinal que são importantes do ponto de vista farmacológico são:

- secreção gástrica; - vômito; - motilidade do intestino e expulsão das fezes; - formação e excreção de bile. O trato gastrintestinal é inervado pelos plexos

mioentérico e submucoso. Os plexos estão interconectados, e suas células recebem fibras parassimpáticas pré-ganglionares do vago, que são principalmente colinérgicas e excitátórias.

As fibras simpáticas que chegam são, em grande parte, pós-ganglionares e inervam os vasos sanguíneos, o músculo e células glandulares, além de possuírem terminações nos plexos, onde inibem a secreção de acetilcolina.

Os neurônios no interior dos plexos (que constituem o sistema nervoso entérico) secretam acetilcolina, noradrenalina, serotonina, purinas, óxido nítrico. O plexo entérico possui neurônios sensoriais que respondem a estímulos mecânicos e químicos.

Os principais hormônios secretados pelo trato gastrintestinal são:

- a gastrina, que possui como função principal estimular a secreção de ácido gástrico pelas células parietais. Além disso, aumenta indiretamente a secreção de pepsinogênio (que é o responsável, juntamente com o HCl, pela digestão de proteínas) e estimula o fluxo sanguíneo e a motilidade gástrica. A secreção de gastrina é inibida quando o pH do conteúdo gástrico vai para 2,5 ou menos.

- a histamina, que estimula as células parietais através dos receptores H2. A histamina provém dos mastócitos localizados nas células parietais. Ocorre liberação basal uniforme de histamina, que aumenta sob a ação da gastrina e da acetilcolina.

A acetilcolina, um neurotrasmissor, estimula receptores muscarínicos específicos presentes na superfície das células parietais e na superfície das células que contêm histamina.

O estômago secreta pepsinogênio, ácido clorídrico e fator intrínseco, provenientes das células principais e parietais. O muco é secretado por células especializadas localizadas entre as células superficiais por toda a mucosa gástrica. Íons bicarbonato também são secretados e aprisionados no muco, criando um gradiente de pH de 1 – 2 na luz e 6 – 7 na mucosa. O muco e o bicarbonato formam uma camada inerte, semelhante a um gel, que protege a mucosa contra o suco gástrico. O álcool e a bile podem destruir essa camada. As prostaglandinas PgE2 e PgI2 produzidas localmente estimulam a secreção de muco e de bicarbonato, e inibem a secreção de ácido clorídrico.

Acredita-se qua os distúrbios nas funções secretórias acima descritos estejam envolvidos na patogenia da úlcera

péptica, de modo que a terapia desta condição envolve fármacos que modificam cada um desses fatores.

O ácido clorídrico é secretado pelas células parietais gástricas por uma bomba de prótons (K+/H+-ATPase). Os estímulos principais para a secreção de ácido clorídrico são a gastrina, a histamina e a acetilcolina. Simplificadamente, pode-se explicar o controle fisiológico da secreção de ácido clorídrico da seguinte maneira:

A célula parietal possui receptores H2 para histamina, receptores M2 para acetilcolina e receptores de gastrina. A estimulação dos receptores H2 aumenta o AMPc, enquanto a estimulação dos receptores M2 e de gastrina aumenta o cálcio do citosol. Esses mensageiros atuam de modo sinérgico, produzindo a secreção ácida. A gastrina e a acetilcolina, além de estimularem diretamente as células parietais, promovem a secreção de histamina pelas células secretoras de histamina.

A acetilcolina é proveniente dos nervos colinérgicos, a histamina provém das células secretoras de histamina e de mástócitos, enquanto a gastrina, produzida pelas células endócrinas da mucosa do antro gástrico e duodeno, é liberada pela corrente sanguínea nas células parietais. A ação da acetilcolina é bloqueada pela atropina; a ação da histamina é interrompida diretamente pelos antagonistas H2 (cimetidina), e a atropina inibe a secreção de histamina pelas células secretoras; a ação da gastrina nos receptores das células parietais é inibida pela proglumida; as prostaglandinas E2 e I2 inibem diretamente a produção de ácido clorídrico; o misoprostol inibe a produção de ácido através da estimulação dos receptores de prostaglandinas das células parietais; e finalmente, os inibidores da bomba de prótons (omeprasol, etc) interrompem a atividade da K+/H+ - ATPase (esta bomba é responsável pela troca do K+ por H+ no processo de formação de HCl – ou seja, nessa ocasião, o K+ retorna ao interior da célula parietal em troca da secreção de H+ necessário à formação do HCl).

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Terapia farmacológica da disfunção secretória ácida As principais condições patológicas nas quais é útil

reduzir a secreção ácida são a ulceração péptica (provavelmente causada por H. pylori e pelo desvio no equilíbrio entre mecanismos protetores e mecanismos agressores da mucosa gástrica), a esofagite de refluxo (lesão do esôfago provocada por suco gástrico) e a Síndrome de Zollinger-Éllison (tumor produtor de gastrina).

A terapia anti-secretória da úlcera péptica e da esofagite de refluxo envolve a diminuição da secreção de ácido com antagonistas dos receptores H2 ou inibidores da bomba de prótons e/ou a neutralização do ácido secretado com antiácidos. Todavia o tratamento da úlcera péptica deve incluir a erradicação do H. pylori com o emprego de antimicrobianos, tais como a amoxicilina e metronidazol, além da administração do omeprazol e quelato de bismuto como protetor da mucosa gástrica.

A bactéria H. Pylori produz a enzima urease, que converte uréia em amônia e CO2 que posteriormente é convertido em bicarbonato. A liberação da amônia é benéfica para a bactéria, já que neutraliza parcialmente o ambiente ácido do estômago. Pensa-se que a amônia, juntamente com proteínas de H. Pylori, tais como, proteases, catalases e fosfolipases, causem danos às células epiteliais.

1) Inibidores H2 (cimetidina, ranitidina, nizatidina e

famotidina) Os antagonistas dos receptores H2 inibem

competitivamente as ações da histamina em todos os receptores H2, porém sua principal aplicação clínica consiste na sua atuação como inibidores da secreção de ácido gástrico. Inibem a secreção gástrica estimulada pela histamina e pela gastrina e reduzem a secreção ácida estimulada pela acetilcolina. Esses agentes reduzem a secreção ácida basal e estimulada por alimentos, além de promoverem a cicatrização das úlceras duodenais.

Os efeitos indesejáveis são raros. A cimetidina inibe o citrocromo P450 e pode retardar o metabolismo (e assim potencializar a ação) de anticoagulantes orais, fenitoína, carbamazepina, quinidina, nifedipina, teofilina e antidepressivos tricíclicos. Pode causar confusão no indivíduo idoso.

2) Inibidores da bomba de prótons (omeprazol,

lanoprazol e pantoprazol) Esses fármacos agem através da inibição irreversível da

H+/K+-ATPase (bomba de prótons – ela é a responsável pela troca do K+ por H+ no processo de formação de HCl), que constitui a etapa final na via da secreção ácida.

Apesar de ter meia-vida de cerca de uma hora, a administração diária de uma dose única afeta a secreção ácida durante 2-3 dias, devido a seu acúmulo nos canalículos. Com uma posologia diária, verifica-se um efeito anti-secretório crescente por um período de até cinco dias, quando se atinge um platô.

Os efeitos indesejáveis não são comuns. Incluem cefaléia, diarréia e erupções cutâneas.

3) Antiácidos (hidróxido de magnésio, trissilicato de

magnésio, gel de hidróxido de alumínio, bicarbonato de sódio e alginatos)

Os antiácidos atuam ao neutralizar o ácido gástrico, elevando, assim o pH gástrico. Isso só tem por efeito inibir a atividade péptica, que praticamente cessa com um valor de pH de 5.

Os antiácidos de uso comum consistem em sais de magnésio e de alumínio, que formam cloretos de magnésio e cloretos de alumínio. Os sais de magnésio causam diarréia, enquanto os sais de alumínio provocam constipação, razão pela qual podem ser utilizadas misturas desses dois sais para preservação da função intestinal normal.

Apesar de o bicarbonato de sódio elevar rapidamente o pH para 7, ocorre liberação de dióxido de carbono, causando eructação. O CO2 estimula a secreção de gastrina (o CO2 é encontrado em abundância nos refrigerantes) e pode resultar em elevação secundária da secreção ácida. Como ocorre abasorção de algum bicarbonato de sódio no intestino, o uso de grandes doses ou administração freqüente pode causar alcalose.

4) Drogas que protegem a mucosa (quelato de

bismuto, sucralfato e misoprostol) O quelato de bismuto é usado em esquema de

combinação no tratamento da infecção por H. pylori na úlcera péptica. O fármaco possui efeito tóxico contra o bacilo, impede sua aderência à mucosa, inibe as enzimas proteolíticas da bactéria, reveste a base da úlcera, adsorve a pepsina, potencializa a síntese local de prostaglandinas e estimula a solução de bicarbonato.

O misoprostol é um análogo estável da prostaglandina E1. Inibe a secreção ácida gástrica, tanto basal quanto a que ocorre em resposta a alimentos, à histamina, pentagastrina e cafeína através de uma ação direta sobre a célula parietal. Mantém o aumento do fluxo sanguíneo da mucosa e aumenta também a secreção de muco e de bicarbonato. É utilizado na prevenção da lesão gástrica que pode ocorrer com o uso crônico de AINES.

Podem ocorrer diarréia, cólicas abdominais e contração uterina.

Terapia farmacológica do vômito

O ato de vomitar é um processo complicado e exige atividade coordenada dos músculos respiratórios somáticos e abdominais, bem como dos músculos involuntários do trato gastrintestinal. Consiste na expulsão abrupta do conteúdo gastrintestinal através do esôfago relaxado, associada a contrações sustentadas de diafragma e músculos abdominais, e o aumento da pressão intra-abdominal. A náusea é a sensação de urgência de vomitar, ocorrendo simultaneamente a perda de tônus e peristalse gástricos, contração de duodeno e refluxo de conteúdo intestinal para o estômago.

Os vômitos repetidos em jato podem indicar a estenose pilórica ou refluxo gastroesofágico. A obstrução do intestino delgado alto por aderências duodenais causa o vômito bilioso.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

A estrutura anatômica integradora do vômito é o centro bulbar do vômito, localizado na formação reticular lateral. Esse centro é estimulado por meio de duas vias.

Na primeira via, o estímulo provém de outro centro, denominado zona do gatilho quimioreceptora (ZGQ), localizado na área postrema do quarto ventrículo. A zona do gatilho, por sua vez, é estimulada por substâncias endógenas e exógenas que se ligam a receptores adrenérgicos, dopaminérgicos e opióides, razão pela qual os antagonistas desses receptores têm efeito antiemético. Estímulos periféricos, tais como alterações em aparelho vestibular (como na cinetose, por exemplo), e substâncias não-identificadas por receptor específico (quimioterápicos, por exemplo) que desencadeiam vômitos provavelmente atuam por meio de estimulação dessa zona.

A segunda via de estimulação do centro do vômito tem origem em sinais provenientes da faringe, trato gastrintestinal, mediastino e áreas do cérebro relacionadas à visão e ao olfato. As vias eferentes incluem os núcleos dorsal do vago e ambíguo, nervo frênico, espinhais e viscerais que inervam, respectivamente diafragma, musculatura abdominal, esôfago e estômago.

Analgésicos opióides, glicosídeos cardíacos, estrógenos, anticoncepcionais hormonais, anestésicos e agentes citotóxicos são agentes emetizantes que também sensibilizam a zona do gatilho. Não se conhece, até o momento, emético que aja diretamente no centro do vômito. Os quimioterápicos induzem o aparecimento de náuseas e vômitos pelo menos em parte por estimularem a liberação de serotonina em neurônios de centro do vômito, zona do gatilho e células cromafínicas do trato gastrintestinal.

A ocorrência de episódio de vômito não requer obrigatória terapia antiemética, pois pode ser autolimitada e até resolutivo de alguma agressão externa. Por outro lado, o vômito requer controle porque, além do desconforto, pode causar complicações sistêmicas, como desidratação, alcalose hipoclorêmica e pneumonia aspirativa, dentre outras. Sempre que possível, a abordagem terapêutica deve ser voltada para o fator causal, pois a correção deste pode ser suficiente para a reversão do quadro, prescindindo-se dos antieméticos. Isso adquire importância quando se considera que esses agentes são apenas sintomáticos e sua toxicidade pode ser bastante acentuada.

São utilizados diferentes agentes antieméticos para condições diferentes, embora possa haver alguma superposição. As classes mais importantes de antieméticos são:

- antagonistas dos receptores H1; - antagonistas dos receptores muscarínicos; - antagonistas da serotonina; - fenotiazinas; - metoclopramida; - canabinóides; - esteróides. Os agentes antieméticos são de importância particular

como adjuvantes na quimioterapia do câncer para combater as náuseas e os vômitos provocados por numerosos agentes citotóxicos.

Quando se utilizam drogas no tratamento do enjôo matinal da gravidez, é preciso considerar o problema de lesão potencial do feto. Em geral, todas as drogas devem ser evitadas, se possível, durante os primeiros três meses de gravidez. A prometazina mostra-se eficaz nas náuseas matinais da gravidez, sendo administrada após o terceiro mês de gravidez.

1) Antagonistas dos receptores H1 Esses fármacos exercem pouca ou nenhuma atividade contra

os vômitos produzidos por substâncias que atuam diretamente sobre a ZGQ, porém são eficazes na cinetose e contra vômitos causados por substâncias que atuam localmente no estômago. Os exemplos incluem a cinarizina, a ciclizina, dimenidrinato e a prometazina.

Os antagonistas dos receptores H1 são mais eficazes se forem administrados antes do início da náusea e dos vômitos.

2) Antagonistas dos receptores muscarínicos Esses fármacos antagonizam a acetilcolina nos receptores

muscarínicos localizados na zona do vômito. A hioscina mostra-se eficaz contra náuseas e vômitos de origem labiríntica e contra os vômitos causados por estímulos locais no estômago, porém é ineficaz contra substâncias que atuam diretamente sobre a ZGQ. Ela é o agente mais potente disponível para prevenção da cinetose, embora seja menos útil uma vez instalada a náusea. Sua ação antiemética torna-se máxima 1 - 2 horas após sua ingestão. Pode causar sonolência e ressecamento da boca. A escopolamina (fármaco antagonista muscarínico similar à atropina) também é indicada como profilaxia em cinetose cujos estímulos são de curta duração (viagem de 4 a 6 horas), porém provoca alta incidência de efeitos adversos, sendo assim os antagonistas H1 apesar de menos potentes, são agentes de escolha na profilaxia da cinetose. A cinetose (terror dos marinheiros recém embarcados!) é uma forma de vertigem fisiológica normal, sendo provocada pela estimulação rítmica e repetida do sistema vestibular. Esse sistema é responsável por manter o equilíbrio através da detecção das acelerações angulares e lineares da cabeça. A informação sensorial, proveniente do sistema vestibular, é então usada para prover uma imagem visual estável para a retina (enquanto a cabeça se move) e fazer ajustes na postura para manter o equilíbrio. O órgão vestibular localiza-se no interior do osso temporal, adjacente ao aparelho auditivo.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

A vertigem, o mal-estar, a náusea e o vômito são os principais sintomas da cinetose. Sinais autônomos, como hipotensão, taquicardia e transpiração excessiva, podem ocorrer.

Se o estímulo da cinetose persistir na mesma intensidade, desenvolve-se tolerância ao fenômeno em 2 a 3 dias.

3) Antagonistas da serotonina

A serotonina, que é liberada no SNC ou no intestino (ZGQ e aferentes viscerais do TGI), atua como importante transmissor no vômito. Antagonistas seletivos dos receptores da serotonina, por exemplos a ondansetrona, a granisetrona e a tropisetrona, são utilizados na prevenção e no tratamento dos vômitos cusados por agentes citotóxicos. Os efeitos indesejáveis consistem em cefaléia e distúrbios gastrintestinais.

4) Antagonistas dos receptores dopaminérgicos

A metoclopramida, assim como as fenotiazinas antipsicóticas (clorpromazina, proclorperazina e a trifluoperazina) são antagonistas dos receptores dopaminérgicos, que atuam na ZGQ. Seus efeitos indesejáveis estão relacionados com o bloqueio de outros receptores dopamínicos no SNC, e incluem distúrbios dos movimentos, sonolência, fadiga, torcicolo espasmódico, crises oculógiras (movimentos involuntários rápidos dos olhos). A metoclopramida também possui ações periféricas, aumentando a motilidade do estômago e do intestino, sem estimulação concomitante da secreção ácida gástrica, o que contribui para seu efeito antiemético, podendo ser usada na terapia de distúrbios gastrintestinais.

5) Canabinóides

A nabilona, derivado sintético do canabinol, diminui os

vômitos provocados por agentes que estimulam a ZGQ, provavelmente através dos receptores opióides. Seus efeitos indesejáveis consistem em sonolência, tonteira e ressecamento da boca. Alguns pacientes sofrem alucinações e reações psicóticas, lembrando o efeito de outros canabinóides.

Atualmente, alguns países como os EUA, vêm liberando o uso da maconha (Cannabis sativa) com o objetivo de aliviar os efeitos indesejáveis da quimioterapia no tratamento do câncer. O tetraidrocanabinol (THC) é o principio ativo em maior quantidade liberado com o fumo da maconha. O emprego da maconha in natura (fumada) tem sido polêmica.

6) Outros agentes antieméticos

Os antipsicóticos não fenotiazínicos, haloperidol e droperidol produzem bons resultados contra agentes citotóxicos fortemente eméticos (por exemplo, a cisplatina). A domperidona, um antagonista dos receptores D2 da dopamina, também é utilizada como agente antiemético nos vômitos pós-operatórios e contra agentes antineoplásicos moderadamente emetogênicos.

Farmacologia nos distúrbios da motilidade gastrintestinal

Os fármacos que aumentam os movimentos incluem os purgativos, que aceleram a passagem do alimento através do intestino, e os agentes que aumentam a motilidade do músculo liso gastrintestinal, sem causar purgação. Os principais agentes que reduzem os movimentos são os antidiarréicos e os antiespasmódicos. 1) Purgativos

O trânsito do alimento através do intestino pode ser acelerado por vários métodos diferentes:

- aumentando-se o volume dos resíduos sólidos não absorvíveis com laxativos de bolo fecal; - aumentando-se o conteúdo de água com laxativos osmóticos; - alterando-se a consistência das fezes com emolientes fecais; - aumentando-se a motilidade e a secreção (purgativos estimulantes). 1.1 – laxativos formadores de bolo fecal Os laxativos formadores de bolo fecal incluem a

metilcelulose e certas resinas vegetais, como por exemplos estercúlia, agar, farelo e casca de ispaghula. Esses agentes são polímeros de polissacarídios, que não são degradados pelos processos normais da digestão. Atuam em virtude da sua capacidade em reter água na luz intestinal, promovendo assim o peristaltismo. Levam vários dias para exercer ação, mas não apresentam efeitos indesejáveis graves.

1.2 – laxativos osmóticos Esses agentes mantêm por osmose um volume aumentado

de líquido na luz do intestino, o que acelera a transferência do conteúdo intestinal através do intestino delgado, resultando na chegada de um volume inusitadamente grande no cólon. Isto provoca distensão e conseqüente purgação em cerca de uma hora.

Os principais sais utilizados são o sulfato de magnésio e o hidróxido de magnésio. São praticamente insolúveis; permanecem na luz e retêm a água, aumentando o volume das fezes.

1.3 – emolientes fecais O docusato de sódio é um composto tensoativo, que atua

no trato gastrintestinal de modo semelhante a um detergente, produzindo feze de consistência mais mole.

1.4 – purgativos estimulantes O sene possui atividade laxativa, visto que contém

derivados do antraceno (emodina) em combinação com açúcares, formando glicosídios. A droga passa de modo inalterado para o cólon, onde as bactérias hidrolisam a ligação glicosídica, liberando os derivados de antracenos livres, que são absorvidos e exercem efeito estimulante direto sobre o

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

plexo mioentérico, resultando em atividade da musculatura lisa e, portanto, defecação.

2) Drogas que aumentam a motilidade gastrintestinal

As drogas que aumentam a motilidade gastrintestinal são a domperidona (cujo mecanismo de ação é desconhecido), a metoclopramida que exerce um efeito estimulante local significativo sobre a motilidade gástrica, causando acentuada aceleração do esvasiamento gástrico, sem estimulação concomitante da secreção ácida gástrica. Ela mostra-se útil no tratamento do refluxo gastroesofágico e em distúrbio do esvaziamento gástrico, porém é ineficaz no íleo paralítico. A cisaprida estimula a liberação de acetilcolina no plexo mioentérico, no trato gastrintestinal superior. Isto eleva a pressão do esfíncter esofágico e aumenta a motilidade intestinal. A cisaprida é utilizada na esofagite de refluxo e nos distúrbios do esvasiamento gástrico. Não exerce ação antiemética. 3) Agentes antidiarréicos

A diarréia refere-se à eliminação freqüente de fezes líquidas. Existem várias causas, incluindo agentes infecciosos, toxinas, ansiedade, drogas, etc. A diarréia envolve tanto o aumento da motilidade do trato gastrintestinal, juntamente com aumento da secreção, quanto a redução da absorção de líquidos e conseqüente perda de eletrólitos (Na+) e água.

Existem três abordagens para o tratamento da diarréia aguda grave:

- manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico; - uso de agentes antiinfecciosos; - usos de agentes antidiarréicos não antimicrobianos. A manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico através de

reidratação oral constitui a primeira prioridade. Muitos casos não necessitam de nenhum outro tipo de tratamento. No íleo, assim como em certas partes do néfron, ocorre o co-transporte de Na+ e de glicose através da célula epitelial; por conseguinte, a glicose potencializa a absorção de sódio e, dessa maneira, a captação de água. O soro caseiro é muito útil nesse sentido. É composto de uma pitada de sal e três pitadas de açúcar em um copo de água filtrada e fervida, sendo administrado à vontade, a cada 20 minutos, e após cada evacuação líquida.

A administração de agentes antiinfecciosos não é geralmente necessária na gastroenterite simples, visto que as infecções são, em sua maioria, de origem viral, e as que são de origem bacteriana geralmente sofrem resolução sem qualquer terapia antibacteriana. Os casos graves podem exigir o uso de eritromicina ou ciprofloxacina. A quimioterapia pode ser necessária em alguns tipos de enterite (febre tifóide, disenteria amebiana e cólera).

A diarréia do viajante é muitas vezes cusadas pela Escherichia coli, produtora de enterotoxinas, e outros microrganismos. As infecções são, em sua maioria, autolimitadas, exigindo somente a reposição oral de líquidos e sais.

Os agentes antidiarréicos não microbianos incluem agentes antimotilidade (opiáceos e antagonistas dos receptores muscarínicos), os adsorventes (caulim, pectina, greda, carvão ativado, metilcelulose e salicatos de magnésio e

alumínio). Os adsorventes atuam, provavelmente, ao adsorver microrganismos e toxinas, ao alterar a flora intestinal ou ao revestir e proteger a mucosa intestinal.

Os principais opiáceos utilizados na diarréia são a codeína, o difenoxilato e a loperamida.

4) Agentes antiespasmódicos – Antagonistas muscarínicos

As drogas que reduzem o espasmo no intestino são

importantes na síndrome do cólon irritável e na doença diverticular. Nesse sentido, os antagonistas muscarínicos -atropina, propantelina e diciclomina – diminuem o espasmo ao inibir a atividade parassimpática através do bloqueio dos receptores muscarínicos. Os efeitos indesejáveis desses fármacos são boca seca, visão embaçada, pele seca, taquicardia e dificuldade de urinar, devidos à inibição parassimpática de outros tecidos. São menos comuns e menos pronunciados com a diciclomina. A mebeverina, um derivado da reserpina, exerce ação relaxante direta sobre o músculo liso gastrintestinal. Seus efeitos indesejáveis são poucos.

5) Drogas que afetam o sistem biliar

A condição patológica mais comum do trato biliar consiste em colelitíase induzida por colesterol, isto é, formação de cálculos biliares de colesterol. As drogas que dissolvem os cálculos biliares são o ácido quenodesoxicólico (CDCA) e o ácido ursodesoxicólico (UDCA). Esses agentes também reduzem a síntese hepática e a secreção de colesterol. A diarréia constitui o principal efeito indesejável.

A dor provocada pela passagem de cálculos biliares através do ducto biliar (cólica biliar) pode ser muito intensa, exigindo alívio imediato. A morfina alivia a dor, porém é preferível a utilização de buprenorfina. A atropina é largamente utilizada para aliviar os espasmos, em virtude de sua ação antiespasmódica.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

6

Referências Bibliográficas

1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

29) tratamento farmacológico da artrite gotosa

A gota caracteriza-se pela deposição de cristais de urato nas articulações e nos tecidos moles, resultando em artrite e tofo característicos dessa condição. O urato tende a se cristalizar em condições mais frias e mais ácidas.

O ácido úrico é um metabólito das purinas, adenina e guanina, com pouca solubilidade nos líquidos corporais. Normalmente, cerca de dois terços do ácido úrico produzido cada dia são excretados pelos rins. O manejo renal normal do ácido úrico envolve 3 etapas: filtração, reabsorção e secreção.

A hiperuricemia reflete um distúrbio metabólico dos líquidos extracelulares, sendo definida como concentração sérica de urato superior a 7mg/dl. Certos fármacos, particularmente os diuréticos tiazídicos e agentes imunossupressores (como exemplo, a ciclosporina), podem comprometer a excreção de urato e, assim, aumentar o risco de gota.

Pode ocorrer hiperuricemia devido à produção excessiva do ácido úrico, excreção insuficiente do ácido úrico, ou uma combinação das duas. A hiperuricemia é um achado laboratorial, portanto, por si só não diagnostifica a presença de gota. Um diagnóstico definitivo de gota só pode ser feito quando há cristais de urato no líquido sinovial. A análise do líquido sinovial é útil para excluir o diagnóstico de artrite séptica (presença de microrganismos), e artrite reumatóide.

O ataque de gota ocorre quando cristais de uratos precipitam-se na articulação e desencadeiam resposta inflamatória. Ocorre a fagocitose dos cristais de urato pelos leucócitos polimorfonucleares, acarretando a morte dessas células e liberação das enzimas lisossômicas. Com a continuação do processo, a inflamação causa a destruição da cartilagem e do osso subcondral. O ataque típico de gota é monoarticular e afeta geralmente a primeira articulação metatarsofalangiana. As articulações do pé, tornozelo, calcanhar, joelho, punho, dedos das mãos, e cotovelos também podem ser os locais inicialmente envolvidos.

A gota inicia-se frequentemente à noite, podendo ser precipitada por exercícios excessivos, certas medicações (AAS), alimentos, álcool ou dietas ricas em purinas. O início da dor é tipicamente abrupto, observando-se rubor e edema.

Após a identificação dos cristais de urato no líquido sinovial, a etapa seguinte é determinar se o distúrbio está relacionado à produção excessiva ou à excreção insuficiente do ácido úrico. Valores urinários de urato (durante 24 horas) superiores à faixa normal de 264 a 588 mg/dia indicam produção excessiva do ácido úrico. A concentração sérica normal de urato é de 5 a 5,7 mg/dl em homens e de 3,7 a 5 mg/dl em mulheres.

Etiopatogênia

Quanto a etiopatogenia, a gota pode ocorrer por 2 mecanismos básicos:

Aumento na produção de ácido úrico: idiopático, defeito enzimático, alto turnover ácidos nucléicos, estresse (trauma, cirurgia, infecção) e dieta rica em proteína.

Diminuição na eliminação de ácido úrico pelo rim: Aproximadamente 85% dos portadores de gota apresentam um defeito específico na eliminação de ácido úrico (que independe da função renal global). Geralmente o mecanismo desencadeante da gota para um dado paciente é misto.

Diagnóstico

Baseia-se em:

História sugestiva: episódio de monoartrites sucessivas, podagra, sexo masculino, acima dos 40 anos, história familiar de gota e urolitíase são elementos que surgerem fortemente o diagnóstico;

Hiperuricemia;

Achado de cristais de monourato de sódio em tofos, líquido sinovial e sinóvia (principalmente se intracelulares): É o dado patognomônico para o diagnóstico;

Quadro radiológico sugestivo: principalmente em sacabocado;

Diagnóstico Diferencial

1. Artrite séptica: Na primeira crise é fundamental punção articular para descarte de processo infeccioso que também se manifesta como monoartrite aguda.

2. Artrite reumatóide: Nesta o processo inflamatório é poliarticular, simétrico e crônico. Mais frequente em mulheres.

3. Artropatias soronegativas: Também apresentam sinovite crônica, via de regra oligo e poliarticular e com envolvimento frequente da coluna.

Exames Complementares

Exames laboratoriais

1. Ácido úrico sérico maior que 7 mg/dl. Embora, existam raros casos de portadores de gota com uricemia normal;

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

2. Provas de atividade inflamatória: hemossedimentação, mucoproteina, proteina C reativa podem se elevar na fase aguda;

3. Hemograma: pode ocorrer leucocitose na fase aguda;

4. Excreção de ácido úrico (uricosúria): realizado em urina de 24 horas. Serve para definir hiper, normo e hipoexcretores, dado utilizado na escolha e monitorização terapêutica;

5. Glicemia, colesterol e triglicérideos: podem estar alterados no paciente com gota.

6. Líquido sinovial: presença de cristais de monourato de sódio extra e intracelulares. Esses cristais são finos e tem pontas afiladas;

7. Presença de polimorfonucleares em grande quantidade na fase aguda;

8. Anátomo patológico: presença de granulomas envolvendo massas de cristais de urato em tofos e articulações comprometidas.

9. Radiografia da articulação.

Tratamento farmacológico da gota:

Os objetivos do tratamento farmacológico da gota são aliviar os sintomas do ataque agudo, diminuir o risco de ataques recorrentes e reduzir os níveis séricos de urato. O tratamento tem como base a colchicina (atualmente considerada como o fármaco de segunda linha de tratamento), o alopurinol e os agentes uricosúricos – a probenecida e a sulfimpirazona.

Os AINES, especialmente a indometacina e o ibuprofeno, são usados pata tratar os sintomas da artrite gotosa. As injeções intra-articulares de corticosteróides podem ser usadas quando há apenas uma articulação envolvida e a pessoa não pode tomar um AINE.

As drogas usadas no tratamento da gota aguda não possuem efeito sobre o nível sérico de urato e são inúteis na gota tofácea (tofos são nódulos grandes e duros de cristais de urato, e só aparecem cerca de 10 anos ou mais após o primeiro ataque de gota). A hiperurecemia é tratada depois de ter sido aliviado o ataque agudo, e para isso são usados o alopurinol e os agentes uricosúricos probenecida ou sulfimpirazona. O tratamento da hiperuricemia visa à manutenção dos níveis normais de ácido úrico, e é vitalício. Se os níveis de ácido úrico estiverem normais e a pessoa não tiver ataques recorrentes de gota poderão ser suspensas tais medicações.

Os salicilatos (AAS) não são usados no tratamento da gota, pois inibem a secreção de uratos em doses situadas dentro de sua faixa terapêutica, produzindo aumento nos níveis sanguíneos de urato, além de aumentarem os riscos de cálculos renais.

Alopurinol:

Tanto o alopurinol quanto o seu metabólito primário, o oxipurinol, inibem a xantina oxidase. Em baixas concentrações, o alopurinol inibe de modo competitivo a xantina oxidase, sendo um inibidor não-competitivo em altas concentrações; também é um substrato para a xantina oxidase; o produto desta reação, o oxipurinol, é igualmente um inibidor não-competitivo da enzima. A formação do oxipurinol, juntamente com a sua longa permanência nos tecidos, é responsável por grande parte da atividade farmacológica do alopurinol.

Convém lembrar que a xantina oxidase é importante em duas etapas sequencias na degradação das purinas: a oxidação da hipoxantina a xantina e a oxidação da xantina em ácido úrico. Por conseguinte, a inibição da xantina oxidase resulta em aumento dos níveis plasmáticos de hipoxantina e xantina. Ao contrário do ácido úrico, a hipoxantina e a xantina são moderadamente solúveis no sangue e podem ser filtradas pelos rins, sem a deposição de cristais.

O alopurinol reduz a concentração dos uratos relativamente insolúveis e do ácido úrico nos tecidos, plasma e na urina. A deposição de cristais de urato nos tecidos (tofos) é revertida, com inibição da formação de cálculos renais. O alopurinol constitui o fármaco de escolha no tratamento em longo prazo da gota, porém é ineficaz no tratamento da gota aguda e, com efeito, chega até a agravá-la.

Agentes uricosúricos: probenecida e sulfimpirazona

Os agentes uricosúricos aumentam a taxa de excreção de ácido úrico. A probenecida e a sulfimpirazona são utilizados para inibir a reabsorção de urato no túbulo contorcido proximal e, portanto, aumentar a sua excreção. No processamento do ácido úrico pelos rins, a reabsorção predomina, e a quantidade excretada corresponde à apenas 10% do que é filtrado. Esse processo é mediado por um transportador específico, que pode ser inibido, através da competição com o urato.

Ambos os agentes, quando administrados em doses subterapêuticas, inibem, na verdade, a secreção de urato.

Alguns agentes uricosúricos diminuem a secreção de penicilina e também podem ser utilizados para esse propósito.

Protocolo farmacológico:

- AINES (ibuprofeno e indometacina) para resolver a dor e inflamação;

- após resolução da gota aguda, fazer exame para medir a produção e a excreção de urato durante 24 horas;

- produção excessiva de urato: tratar com alopurinol, somente depois da diminuição dos níveis de ácido úrico através de dieta e uricosúricos.

- excreção diminuída: utilizar agentes uricosúricos tais como probenecida e sulfimpirazona.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004 9. GOODAM & GILMAN. Manual de Farmacologia e Terapêutica. Porto Alegre: AMGH editora Ltda, 2010.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

30) farmacologia do glaucoma

O glaucoma é uma doença ocular para a qual não há cura, mas sim controle por toda a vida do paciente. Constitui uma importante causa de cegueira e possui grande interesse farmacológico, visto que, em sua forma crônica, responde freqüentemente à terapia farmacológica. A principal manifestação consiste em elevação da pressão intra-ocular (PIO), que inicialmente não está associada a qualquer sintoma. No Brasil, 50% dos portadores de glaucoma não sabem que têm a doença e muitos chegam a um estágio avançado sem um diagnóstico.

Sem tratamento, o aumento da pressão intra-ocular resulta em lesão da retina e do nervo óptico na maioria dos pacientes, com restrição dos campos visuais e, por fim cegueira. A PIO elevada é um fator de risco para o glaucoma. A pressão intra-ocular é facilmente medida como parte do exame oftalmológico de rotina.

São reconhecidos dois tipos principais de glaucoma: de ângulo aberto e de ângulo fechado.

A forma de ângulo fechado está associada a uma câmara anterior superficial, em que a íris dilatada pode ocluir a via de drenagem de fluxo no ângulo entre a córnea e o corpo ciliar. Essa forma está associada a elevações agudas e dolorosas da pressão, que devem ser controladas

numa base emergencial com fármacos, ou impedidas através da remoção cirúrgica de parte da íris (iridectomia).

A forma de glaucoma de ângulo aberto é uma condição crônica, cujo tratamento é, em grande parte, farmacológico.

Formação do humor aquoso

O humor aquoso é um líquido transparente, formado por cerca de 98% de água e 2% de sais diluídos, que preenche o espaço entre a córnea e a Iris. Este líquido é produzido pelo epitélio ciliar na câmara posterior e atravessa a superfície anterior do cristalino e a superfície posterior da íris, através da pupila e para dentro da câmara anterior. Sua saída se dá através do ângulo irideocorneano entre a íris e a esclerótica. Neste ponto ocorre a filtração através da rede trabecular, e o líquido penetra o canal de Schlemm, para retornar à circulação venosa. A secreção do humor aquoso é um processo ativo que se continua independente da pressão exercida pelo líquido. A atividade secretória do epitélio ciliar requer a enzima anidrase carbônica.

Os principais exames para o diagnóstico do glaucoma são:

- Tonometria – exame para a tomada da pressão intraocular. Os valores de referência variam entre 10 a 19 mmHg;

- Gonioscopia – exame para classificar o tipo de glaucoma, se de ângulo aberto ou fechado. Segundo a classificação de Shaffer os valores são:

ângulo aberto (grau 4) - amplitude do ângulo 35-45º - impossível fechamento;

ângulo aberto (grau 3) - amplitude do ângulo 20-35º - impossível fechamento;

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

ângulo moderadamente estreito (grau 2) - amplitude 20º - possível fechamento;

ângulo extremamente estreito (grau 1) - amplitude 10º- provável fechamento;

ângulo completamente ou parcialmente fechado (grau 0) - amplitude 0º - fechamento presente ou iminente.

- Paquimetria – Este exame é utilizado para medir a espessura da córnea. Córneas grossas tendem a apresentar pressões falsamente elevadas e córneas finas fazem o oposto. Muitas pessoas possuem pressão intra-ocular elevada, porém com córneas grossas, o que muitas vezes descaracteriza o glaucoma. Espessura corneana média é de 555 microns;

- Biomicroscopia de fundo – exame para avaliar se existe lesão do nervo óptico provocado pela pressão intra-ocular; e

- Campo visual - exame para avaliar se há perda do campo visual periférico.

Tratamento farmacológico do glaucoma

A farmacoterapia atual é dirigida à diminuição da produção de humor aquoso no corpo ciliar bem como para o aumento do fluxo de saída pela rede trabecular e vias uveoescleróticas.

Como a pressão intra-ocular é uma função do equilíbrio entre a entrada de líquido e a sua drenagem fora do globo ocular, as estratégias para o tratamento do glaucoma de ângulo aberto podem ser divididas em duas classes:

- redução da secreção de humor aquoso; e

- aumento do fluxo aquoso.

O tratamento hipotensor ocular mantém relação direta com a diminuição da incidência ou estabilização do glaucoma, minimizando ou impedindo danos sobre o nervo óptico, a camada de fibras nervosas da retina e campo visual.

Foi constatada a utilidade de cinco grupos gerais de fármacos na redução da pressão intra-ocular: colinomiméticos, agonistas alfa-adrenérgicos, beta-bloqueadores, análogos da prostaglandina F2a e diuréticos. Desses cinco grupos, os análogos da prostaglandina e os beta-bloqueadores são os mais populares, pois sua administração é de uma ou duas vezes ao dia e poucos efeitos adversos (exceto em pacientes com asma ou marca-passo cardíaco ou com doença das vias de condução no caso dos beta-bloqueadores).

O uso de drogas no glaucoma de ângulo fechado agudo limita-se aos colinomiméticos, à acetazolamida e aos fármacos antes da cirurgia.

a) antagonistas beta-adrenérgicos (Timolol e Carteolol)

O olho humano apresenta uma grande concentração de receptores beta especialmente no epitélio não pigmentado do corpo ciliar.

Os medicamentos atualmente empregados no controle do glaucoma, e que contêm drogas beta-adrenérgicas, reduzem a produção de humor aquoso sem interferir em seu escoamento. Possivelmente, diminuem a produção de AMPc no epitélio não pigmentado do corpo ciliar. Podem reduzir em até 30% a produção do humor aquoso.

Os beta-bloqueadores apresentam muitos possíveis efeitos colaterais. Pacientes devem ser inquiridos quanto à presença de hiper-reatividade brônquica, bloqueio cardíaco ou miastenia gravis antes de se iniciar a terapêutica, pois essas doenças podem se agravar com o uso destes colírios.

O timolol diminui a PIO através da diminuição da formação do humor aquoso no epitélio ciliar ao bloquear os seus receptores beta-adrenérgicos. Dentre seus efeitos adversos, cita-se: ceratite puntacta superficial, anestesia corneana, danos à superfície ocular e olho seco, por enfraquecimento da camada da mucosa do filme lacrimal. São comercializados no Brasil, atualmente: o Maleato de timolol a 0,25% e 0.5% (Timolol®, Timoptol®, Glautimol®), o Betaxolol (Betoptic®) e o Levobunolol (Betagan®).

b) análogos da prostaglandina (Latanoprost e Bimatoprost)

Os análogos das prostaglandinas são substâncias que atuam como agonistas em receptores específicos para prostaglandina Fa2. Após aplicação tópica, são biotransformadas em prostaglandinas, incluindo a PGE2, com grande potencial para ativar o sistema adenilato ciclase, remodelando a matriz extracelular do músculo ciliar da íris. Aumentam por essa razão, a drenagem do humor aquoso pela rota úveo-escleral. Eles são preferidos para o manejo do glaucoma primário, pois têm efeito hipotensor ocular superior ao de outros fármacos, sendo normalmente efetivos com uma única aplicação diária. Também oferecem vantagens, por serem rapidamente metabolizados e não causarem efeitos adversos cardiopulmonares.

A hiperemia conjuntival constitui um dos efeitos colaterais mais comumente relatados, ocorrendo em maior intensidade com o travaprost, comparativamente aos outros análogos das prostaglandinas. Estudo recente demonstrou que a hiperemia conjuntival é decorrente da liberação de óxido nitroso endotelial e não por eventos inflamatórios relacionados à ação mediadora da inflamação pelas prostaglandinas. Análogos das prostaglandinas não são indicados em pacientes com glaucoma secundário à uveíte, visto que o humor aquoso, nessas condições, já é rico em prostaglandinas.

c) agonistas alfa2-adrenérgicos (Clonidina, Apraclonidina e Brimonidina)

Os agonistas alfa-adrenérgicos reduzem a produção de humor aquoso por vasoconstrição dos vasos ciliares.

A apraclonidina é um agonista seletivo para receptores alfa-2 no epitélio não pigmentado do corpo ciliar. Ele é capaz

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

de inibir a atividade da adenilato-ciclase, impedindo a conversão do trifosfato de adenosina em monofosfato de adenosina. Com isso, diminui a produção de humor aquoso. A Brimonida apresenta-se mais seletiva para os receptores alfa-2 do que a apraclonidina.

A clonidina tem como principal desvantagem a capacidade de atravessar a barreira hemato-encefálica, mesmo em aplicações tópicas, produzindo severo efeito hipotensor sistêmico, e por vezes sonolência, confusão mental e convulsões.

A apraclonidina supera a clonidina por sua segurança e eficácia e foi desenvolvida no intuito de se minimizar esses efeitos centrais, pois praticamente não transpõe a barreira hemato-encefálica, mas assim como em outros alfa-adrenérgicos também se observam efeitos cardiovascular.

O tartarato de brimonida apresenta uma seletividade para os receptores alfa2-adrenérgicos cerca de dez vezes maior que a clonidina e apraclonidina, e parece apresentar taquifilaxia menor que a apraclonidina num tratamento em longo prazo. Ela atua ao diminuir a produção de humor aquoso e ao aumentar a saída do líquido pela via úveo-escleral. Apresenta menor incidência de efeitos colaterais que os outros agonistas alfa-2.

Os agonistas alfa2-adrenérgicos devem ser administrados com cautela aos pacientes em uso de IMAO, antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores, anti-hipertensivos e glicosídeos cardíacos.

Os agentes alfa-adrenérgicos causam midríase que podem precipitar uma crise aguda de glaucoma de ângulo fechado em indivíduos predispostos que apresentam câmara anterior rasa e seio camerular estreito.

Os compostos relacionados com a adrenalina (Clonidina, Apraclonidina e Bromonidina), eficazes na redução da pressão intra-ocular, podem causar um fenômeno de rebote de vasoconstrição-vasodilatação tornando o olho vermelho.

d) diuréticos inibidores da anidrase carbônica (Acetazolamida, Dorzolamida e Brinzolamida)

Durante a produção de humor aquoso, íons bicarbonato são transportados juntamente com o cátion sódio para a câmara posterior do bulbo ocular, estabelecendo um gradiente osmótico. Trata-se de condição cuja ocorrência depende da enzima anidrase carbônica.

A acetazolamida tem uma eficácia significativa na redução da PIO em até 50% da produção do aquoso, com efeito redutor iniciando em uma hora. Pode ser usada em situações de urgência. Porém, quando o sistema de drenagem do humor aquoso não for suficiente para promover a saída de pelo menos 50% de sua produção, a acetazolamida individualmente administrada não normalizará a PIO.

A dorzolamida é um inibidor da anidrase carbônica de uso tópico, e reduz significantemente a PIO, com efeitos colaterais reduzidos. Esse fármaco age com maior seletividade inibindo a anidrase carbônica tipo II, a qual é predominantemente encontrada no epitélio do corpo ciliar.

A brinzolamida também é um inibidor da anidrase carbônica tipo II, com mecanismo de ação e biodisponibilidade semelhantes aos da dorzolamida. A inibição da anidrase carbônica nos processos ciliares dos olhos diminui a secreção do humor aquoso, presumivelmente diminuindo a formação de íons de bicarbonato com a redução subsequente do transporte de sódio e fluidos oculares. Possui como reações adversas mais comuns (5 a 10% dos pacientes) a visão embaçada e o sabor amargo incomum na boca. Em seguida, as reações adversas que ocorrem em 1 a 5% dos pacientes são: blefarite (inflamação das pálpebras), dermatite, olho seco, sensação de corpo estranho no olho, dor de cabeça, hiperemia, prurido e rinite ocular, etc.

e) Agonistas muscarínicos – “mióticos” (Pilocarpina, ecotiopato e carbacol)

Os nervos parassimpáticos para os olhos inervam o músculo constritor da pupila, que segue um trajeto circunferencial na íris, e o músculo ciliar, que ajusta a curvatura do cristalino. A contração do músculo ciliar em resposta à ativação dos receptores muscarínicos é necessária para a acomodação do olho para a visão de perto. Por outro lado, o músculo constritor da pupila é importante não apenas para ajustar a pupila em resposta a alterações da intensidade luminosa, mas também para regular a pressão intra-ocular.

No glaucoma agudo, a drenagem do humor aquoso é impedida quando a pupila se dilata, visto que o dobramento do tecido da íris oclui o ângulo de drenagem, causando elevação da pressão intra-ocular. Nessas circunstâncias, a ativação do músculo constritor da pupila por agonistas muscarínicos reduz a pressão intra-ocular. O aumento da tensão causado por essas drogas no músculo ciliar também pode influir na melhora da drenagem ao realinhar as trabéculas de tecido conjuntivo através das quais passa o canal de Schlemm.

A pilocarpina pode ser associada aos beta-bloqueadores, aos adrenérgicos e aos inibidores da anidrase carbônica em efeito aditivo.

A Pilocarpina é a droga mais eficaz desta classe de fármaco, pois atravessa a membrana conjuntival.

O Ecotiopato, um anticolinesterásico, também é utilizado no tratamento do glaucoma. Pode causar efeitos sistêmicos.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

Dentre os efeitos indesejáveis, destacam-se: transtorno da acomodação devido à miopia induzida por um tratamento longo; cefaléia; deslocamento de retina, possivelmente associados à tração vítrea. Dessa forma, o uso dos mióticos em pacientes que apresentem degenerações periféricas, achados frequentes em portadores de glaucoma pigmentar, deve ser restrito aos casos em que não se pode utilizar uma medicação alternativa.

f) Agentes hiperosmóticos (Manitol, Glicerol e Isosorbida)

Devido sua velocidade de ação e eficácia, os agentes hiperosmóticos são muitos úteis quando há uma elevação repentina na pressão intraocular. As drogas usadas costumeiramente são o manitol, droga de uso endovenoso, o glicerol e a isosorbida, de uso oral. A isosorbida pode ser usada em pacientes diabéticos, enquanto o glicerol não, pois sua metabolização final resulta em glicose. Esses medicamentos são empregados para o controle agudo da PIO, e raramente usados além de poucos dias. Devem ser administrados rapidamente, para que se estabeleça um aumento abrupto da osmolaridade plasmática.

O mecanismo hipotensor ocular dos hiperosmóticos, portanto, é baseado na elevação da concentração dos fluidos intravasculares, o que cria um gradiente osmótico entre o plasma e o vítreo, e com isso provoca deflúvio de água do vítreo para o espaço intravascular. Entre os efeitos colaterais descritos com o uso dessas drogas estão a dor de cabeça, confusão mental, insuficiência cardíaca aguda ou infarto do miocárdio, sendo essas duas últimas com maior frequência especialmente após o uso endovenoso dos agentes hiperosmóticos. O glicerol pode causar hiperglicemia e até ceto-acidose em pacientes diabéticos. O paciente que receber manitol deverá permanecer em decúbito dorsal (deitado), pois a hipotensão arterial abrupta ou a diminuição do líquido céfalo-raquidiano podem promover severa cefaléia.

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004 9. GOODAM & GILMAN. Manual de Farmacologia e Terapêutica. Porto Alegre: AMGH editora Ltda, 2010.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

31) tratamento farmacológico da tuberculose A tuberculose é uma doença infecciosa, causada por

micobactérias, que atingem principalmente o pulmão. Após serem inalados, os bacilos atingem os alvéolos (primoinfecção), onde provocam uma reação inflamatória exsudativa do tipo inespecífico. A infecção benigna pode atingir linfonodos e outras estruturas. Em aproximadamente 90% dos indivíduos infectados o sistema imunológico consegue impedir o desenvolvimento da doença. Em 5% dos indivíduos observa-se a implantação dos bacilos no parênquima pulmonar ou linfonofodos, iniciando-se a multiplicação, originando-se o quadro de tuberculose primária. A tuberculose pós-primária ocorre em 5% dos indivíduos infectados que já desenvolveram alguma imunidade, através da reativação endógena ou por reinfecção exógena, sendo a forma pulmonar a mais comum.

A forma extrapulmonar é mais frequente nos hospedeiros com pouca imunidade, surgindo com maior incidência em crianças e indivíduos infectados por HIV. O agente infeccioso é o Mycobacterium tuberculosis, também chamado bacilo de Koch. Das outras 20 espécies do gênero Mycobacterium, somente o M. Bovis causa raramente tuberculose em hospedeiro normal. Já imunodeprimidos podem desenvolver doença a partir de infecção por várias espécies (M. kansai, M. fortuitum, M. avium). A AIDS tem sido associada a aumento marcado de infecção por complexo M. avium.

A pesquiza do Mycobacterium pode ser realizada por: - esfregaços (escarro, broncoscopia, líquido pleural, etc); - coloração álcool-ácido-resistente (BAAR); - cultura (possibilita a identificação de uma bactéria não tuberculosa, teste para sensibilidade às drogas e identificação de contaminação cruzada da espécie); - testes moleculares (possui maior sensibilidade e especificidade. A detecção pode ser feita no mesmo dia – melhor método); e - Cromatografia líquida gasosa ou de alto desempenho (identifica rapidamente 90% das bactérias). Na doença avançada, os exames hematológicos podem apresentar VHS elevado e anemia moderada. No exame direto, pode-se encontrar a designação bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) que indica o gênero Mycobacterium, por sua capacidade de resistir à descoloração por essa mistura após tingimento com carbol-fucsina. A identificação do germe se faz comumente por microscopia direta das secreções broncopulmonares (baciloscopia do escarro), que se apresenta positiva somente quando se eliminam pelo menos 5.000 bacilos por ml de escarro. Á baciloscopia negativa pode corresponder cultura positiva, pois esta é mais sensível, bastando 10 bacilos para gerar uma colônia na cultura. No entanto, exige 2 a 6 semanas de incubação e tem maior custo. Cultura também é feita em lavado brônquico ou gástrico, líquido pleural, urina, liquor e tecidos. Geralmente provas de sensibilidade não são necessárias, tendo em vista a alta eficácia dos agentes antituberculosos (procedimento excetuado para retratamento e suspeita de resistência).

A prova tuberculina é feita por meio de inoculação intradérmica de derivado purificado da fração protéica (PPD) antigênica do bacilo. Tem por base a reação imunológica do organismo à proteína estranha, exprimindo o contato do indivíduo com o bacilo de Koch. Somente poucos indivíduos tuberculino-positivos são doentes em atividade. Em adultos, o teste é importante quando negativo, pois indica que o paciente não tem tuberculose. O teste pode ser igualmente positivo em indivíduos vacinados com BCG e nos infectados, doentes ou não. Os chamados reatores fortes (10 mm ou mais de endurecimento no local da inoculação, 48 – 72 horas após ser feita, em imunocompetentes, e para imunossuprimidos o valor é de 5 mm) têm maior probabilidade de estarem infectados por M. tuberculosis ou de estarem com a doença. No Brasil, a tuberculose é doença prevalente. De cada 100 pessoas que se infectam por contágio com um caso fonte, 10 – 20 ficarão doentes, 80% dessas no primeiro ano. Em média, 50% dos novos doentes serão bacilíferos. A partir desses ocorrerá contágio por via inalatória (aerossóis produzidos por tosse ou outro movimento expiratório). Pacientes com tuberculose pulmonar não-bacilíferos e formas extrapulmonares de tuberculose não contagiam. Geralmente a fonte de infecção é paciente bacilífero, ainda não-tratado ou em tratamento há menos de 2 semanas, que contamina, em média, 10 a 15 pessoas no período de um ano.

Sendo um sério problema de saúde pública, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose unificou os padrões de diagnósticos, prevenção e tratamento, garantiu a distribuição gratuita de medicamentos antituberculosos e permitiu o acesso de toda a população às ações de controle da doença. Centralizou-se a assitência a pacientes tuberculosos para facilitar o controle e evitar que, atendidos por médicos em geral, sofressem erros de prescrição, com conseqüências individuiais e epidemiológicas. O médico que diagnostica um caso deve notificar o serviço de controle epidemiológico e encaminhar o paciente à rede de atendimento padronizado.

A vacina BCG (Bacilo de Calmet Garing), após mais de 70 anos de seu desenvolvimento, continua sendo a única disponível para prevenção de tuberculose. Reduz morbidade e mortalidade em crianças, mas tem pequeno efeito na doença pulmonar do adulto.

Na quimioprofilaxia, utiliza-se isoniazida, indicada para comunicantes de pacientes tuberculosos bacilíferos (que possuem duas baciloscopia direta positiva), especialmente recém-nascidos e lactentes que não podem ser afastados do domicílio, crianças menores de 4 anos e reatores tuberculínicos fortes (cujo risco de adoecer é 2 vezes maior que o de comunicantes não-reatores). Em comunicantes com idade acima de 35 anos, quimioprofilaxia se restringe a indivíduos com risco definido de contrair a doença, pois essa faixa etária (35 – 45 anos) está mais sujeita à hepatite induzida por isoniazida. Também pode se fazer quimioprofilaxia em indivíduos que possuem situações especiais de risco, como leucemias e linfomas, silicose, doença renal em estágio final, diabetes melito, AIDS, corticoterapia prolongada e uso de imunossupressores. O Programa nacional de Controle da Tuberculose recomenda quimiprofilaxia em comunicantes recém-nascidos e nos menores de 5 anos.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Algumas condições clínicas influenciam os esquemas

terapêuticos. É o que ocorre em insuficiência renal crônica, com fármacos excretados pelo rim em forma inalterada ou como metabólitos ainda ativos. Se não houver ajuste das doses ou intervalos entre administrações, aumentarão níveis séricos do fármaco, com aparecimento de efeitos tóxicos. Doenças hepáticas não constituem contra-indicações para uso de antituberculosos, apesar de sua toxicidade sobre o fígado. Se houver hepatite ou os níveis de transaminases estiverem mais de 5 vezes além dos valores normais em pacientes assintomáticos, a isoniazida deve ser suspensa. Monitora-se a função hepática durante o tratamento.

Os sintomas da tuberculose tais como a febre, mal-estar, anorexia e tosse devem involuir nas 2 primeiras semanas de tratamento. Ao fim desse período, pacientes bacilíferos não são mais infectantes. Bi ou trimensalmente pesquisa-se involução das lesões radiológicas. A baciloscopia é repetida mensalmente nos doentes bacilíferos enquanto houver espectoração.

Os efeitos adversos do tratamento farmacológico precisam ser controlados, apesar de aparecerem em pequeno número de casos e terem intensidade leve a moderada, raramente determinando interrupção do tratamento. Os problemas mais comuns são náusea, vômito, epigastralgia, erupção cutânea e prurido.

Na gestação, o tratamento antituberculoso pode continuar, pois os fármacos não se mostraram teratogênicos. Só estão contra-indicadas estreptomicina, devido à lesão do oitavo par craniano, e etionamida, que pode causar malformações congênitas, principalmente no primeiro trimestre da gravidez.

A eficácia dos contraceptivos orais fica reduzida durante o tratamento antituberculoso, e um controle alternativo do planejamento familiar deve ser oferecido.

Fármacos utilizados no tratamento da tuberculose:

Terapia farmacológica composta: Primeira fase = duração de dois meses - isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol. Segunda fase = duração de quatro meses – isoniazida e rifampicina.

• Isoniazida:

Possui atividade limitada à micobactérias. É bacteriostática para os bacilos em repouso, e bactericida para os microrganismos em divisão celular. Seu mecanismo de ação consiste em inibir a síntese de ácidos micólicos (que são componentes exclusivos da parede celular das micobactérias) através da formação do seu metabólito tóxico – o ácido isonicotínico. Portanto, tarta-se de um pró-fármaco que é metabolisado pela catalase-peroxidase micobacteriana. O alvo específico do derivado da isoniazida é o enoil-ACP redutase da acido-graxo sintase II, que converte os ácidos graxos insaturados em saturadosnna biossíntese dos ácidos micólicos.

A monoterapia com isoniazida leva a resistência. A resistência resulta de mutações na catalase-peroxidase e mutações nos genes envolvidos na biossíntese do ácido micólico.

O metabolismo da isoniazida depende de fatores genéticos que determinam se o indivíduo é um acetilador lento ou rápido. Isso explica a diminuição da concentração sérica do fármaco nos pacientes acetiladores rápidos.

A piridoxina, vitamina B6 (10 a 50 mg/dia), é coadministrada com isoniazida para minimizar o risco de neuropatia periférica e toxicidade do SNC em pacientes desnutridos e naqueles com predisposição à neuropatia (acetiladores lentos, idosos, gestantes, HIV, diabéticos, alcoólicos e urêmicos). As reações adversas mais comuns são exantema, febre, icterícia e neurite periférica. • Rifampicina:

A rifampicina é um derivado semissintético da rifamicina B. É uma poderosa droga ativa por via oral, que inibe a RNA

polimerase das micobactérias. Induz as enzimas do metabolismo hepático.

Pode-se verificar rápido desenvolvimento de resistência devido às mutações na RNA-polimerase dependente de DNA, que reduzem a ligação do fármaco à polimerase.

As reações adversas mais comuns são exantema, febre, náuseas e vômitos. Por ser um potente indutor das CYP hepáticas, a rifampicina diminui a meia-vida plasmática de muitos fármacos, tais como digoxina, quinidina, propanolol, verapamil, inibidores das proteases do HIV, anticoagulantes orais, etc.

• Etambutol:

Inibe o crescimento das micobactérias através da inibição das

arabinosil transferases envolvidas na biossíntese da parede celular.

A resistência ao etambutol desenvolve-se muito lentamente in vitro, mas pode resultar de mutações de aminoácidos isolados quando administrados isoladamente.

É necessário efetuar um ajuste da dose em pacientes com o comprometimento da função renal. O efeito coalteral mais importante consiste em neurite óptica, resultando em diminuição da cuidade visual e perda da capacidade de distinguir o vermelho do verde. O fármaco pode aumetar a concentração snguínea de urato em cerca de 50% dos pacientes. • Pirazinamida:

A pirazinamida exibe atividade bactericida in vitro apenas na

presença de pH levemente ácido, o que não representa nenhum problema, visto que o fármaco mata os bacilos da tuberculose que residem em fagossomos ácidos dos macrófagos. Oalvo da pirazinamida é o gene da acidograxo sintase I das micobactérias envolvido na biossíntese do ácido micólico. Verifica-se rápido desenvolvimento de resistência se a pirazinamida é utilizada como única medicação.

A lesão hepática constitui o efeito colateral mais grave da pirazinamida. Antes da administração de pirazinamida, todos os pacientes devem ser submaetidos a provas de função hepática.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

O fármaco inibe a excreção de urato, precipitando raramente um episódio agudo de gota. Outros efeitos adversos consistem em artralgia, náuseas, vômitos, disúria, mal-estar e febre.

Sistema de tratamento farmacológico da tuberculose no Brasil

Segundo a Nota Técnica sobre as mudanças no tratamento

da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes, do Programa Nacional de Controle da Tuberculose – Ministério da Saúde, foi adotado um novo sistema de tratamento para a tuberculose, a ser aplicado aos indivíduos com 10 anos ou mais de idade. A mudança consiste nas seguintes ações:

- introdução do etambutol como quarto fármaco na fase intensiva de tratamento (dois primeiros meses) do esquema básico, e tem como justificativa a constatação do aumento da resistência primária à isoniazida, e também a resistência primária à isoniazida associada à rifanpicina.

- introdução da apresentação em comprimidos com dose fixa combinada dos 4 fármacos (4 em 1) para a fase intensiva do tratamento. Os comprimidos são formulados com doses reduzidas de isoniazida e pirazinamida em relação às anteriormente utilizadas no Brasil. As vantagens da mudança da apresentação dos fármacos são, entre outras, o maior conforto do paciente pela redução do número de comprimidos a serem ingeridos; a impossibilidade de tomada isolada de fármacos, e a simplificação da gestão farmacêutica em todos os níveis.

Para crianças até 10 anos continua sendo preconizado o tratamento anterior que consiste na tomada de três fármacos apenas (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) na fase intensiva de tratamento.

Esquema básico para dultos e adolescentes (2RHZE/4RH):

Preconiza-se a solicitação de cultura, identificação e teste

de sensibilidade em todos os casos e retratamento, e para aqueles com baciloscopia positiva ao final do segundo mês de tratamento.

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de

Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9

edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna.

6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;

4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009;

5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara

Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica.

10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004 9. GOODAM & GILMAN. Manual de Farmacologia e Terapêutica. Porto Alegre: AMGH editora Ltda, 2010.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

1

32) FÁRMACOS ANTIBIÓTICOS

A palavra infecção descreve a presença e a multiplicação de um organismo vivo sobre o hospedeiro ou dentro dele.

Doença infecciosa são as lesões ou danos patológicos decorrentes de uma infecção parasitária. A gravidade de uma doença infecciosa pode variar de leve a acarretando risco de vida para o indivíduo, dependendo de muitas variáveis, como a saúde do hospedeiro quando da infecção e a virulência do microrganismo (potencial de produção de doença). Um grupo selecionado de microrganismos, designados como patógenos, é tão virulento que raramente são encontrados na ausência de doença.

A evolução da doença infecciosa pode ser dividida em vários estágios distinguíveis depois da entrada do patógeno no hospedeiro:

- período de incubação = o patógeno inicia a replicação ativa sem produzir sintomas.

- estágio prodrômico = aparecimento inicial dos sintomas, ou vaga sensação de mal estar. Febre baixa, mialgia, cefaléia, fadiga, processos mórbidos. Diz-se que a doença é insidiosa quando a fase prodrômica é prolongada.

- estágio agudo = o hospedeiro sofre impacto máximo do processo infeccioso. Rápida proliferação e disseminação do patógeno. Durante essa fase, subprodutos tóxicos do metabolismo microbiano, a lise celular e a resposta imune organizada pelo hospedeiro se combinam para produzir danos aos tecidos e inflamação.

- período de convalescença = contenção da infecção, eliminação progressiva do patógeno, reparo tecidual e a resolução dos sintomas associados.

- resolução = é a eliminação total de um patógeno do corpo sem sinais ou sintomas residuais de doença.

A virulência de um microrganismo pode ser medida através de fatores de virulência, que são substâncias ou produtos gerados por organismos infecciosos que aumentam a sua capacidade de causar doenças. Os principais fatores de virulência são:

- toxinas = são as substâncias que alteram ou destroem o funcionamento normal do hospedeiro ou de suas células. As toxinas bacterianas podem ser divididas em exotoxinas e endotoxinas.

As exotoxinas são as proteínas liberadas pela célula bacteriana durante o crescimento celular. As exotoxinas inativam enzimaticamente ou modificam componentes celulares, ocasionando disfunção ou morte celular. Como exemplo, pode-se citar as toxinas botulínicas que diminuem a liberação dos neurotransmissores pelos neurônios colinérgicos, causando paralisia flácida; a toxina tetânica diminui a liberação dos neurotransmissores pelos neurônios inibitórios, causando

paralisia espástica; e a toxina do cólera que induz a secreção de líquido na luz do intestino, provocando diarréia.

As endotoxinas não contêm proteínas, não são liberadas ativamente pela bactéria durante o crescimento, e não possuem atividade enzimática. São constituídas de lipídios e polissacarídeos, encontrados na parede celular das bactérias gram-negativas. As endotoxinas são potentes ativadores de vários sistemas reguladores em seres humanos. Pequenas quantidades no sistema circulatório podem causar coagulação, sangramento, inflamação, hipotensão e febre.

Fatores de aderência, fatores de evasão e fatores invasivos são outras característica das células bacterianas que lhe conferem seu grau de virulência.

Os antibióticos são fármacos utilizados para o tratamento das infecções bacterianas. No sentido mais estrito, os antibióticos são substâncias produzidas por diversas espécies de microrganismos que suprimem o crescimento de outros microrganismos. Porém, as sulfonamidas e as quinolonas são exemplos de antibióticos sintéticos.

Os antibióticos são classificados de acordo com a sua potência. Os antibióticos bactericidas destroem as bactérias, enquanto os antibióticos bacteriostáticos evitam apenas que aquelas se multipliquem e permitem que o organismo elimine as bactérias resistentes. Para a maioria das infecções, ambos os tipos de antibióticos parecem igualmente eficazes; porém, se o sistema imune está enfraquecido ou a pessoa tem uma infecção grave, como uma endocardite bacteriana ou uma meningite, um antibiótico bactericida costuma ser mais eficaz.

Os quatros mecanismos básicos de ação dos antibióticos são:

1) Ruptura da parede celular bacteriana por inibição da síntese de peptídeoglicanos (penicilina, cefalosporinas, glicopeptídeos, monobactano e carbapenens);

2) Inibição da síntese das proteínas bacterianas (aminoglicosídeos, macrolídeos, tetraciclinas, cloranfenicol, oxizolidinonas, estrepetograminas e rifampicina);

3) Interrupção da síntese do ácido nucléico (fluoroquinolona, ácido malidixico); e

4) Interferência no metabolismo normal (sulfonamidas e trimetoprima).

Os mecanismos de resistência bacteriana consistem na produção das enzimas que inativam os antibióticos (como as beta-lactamases); mutações genéticas que alteram os locais de ligação dos antibióticos; vias metabólicas alternativas que contornam a atividade antibiótica e alterações na qualidade de filtração da parede celular bacteriana, que impede o acesso de antibióticos ao local alvo do microrganismo.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

2

Principais classes de fármacos antibióticos: 1) Sulfonamidas: (Sulfadiazina, Sulfametoxazol,

Sulfametopirazina, Sulfasalazina) Mecanismo de ação: as sulfonamidas competem com o PABA pela enzima diidropteroato sintetase; sulfonamidas são análogos estruturais e antagonistas competitivos do ácido para-aminobenzóico, um precursor do ácido fólico, que por sua vez é essencial para síntese dos precursores do DNA e RNA bacterianos. A ação da sulfonamida consiste em inibir o crescimento das bactérias: é um bacteriostático. A eficácia terapêutica dos antimicrobianos bacteriostáticos depende do estado imunológico do hospedeiro. - A ação bacteriostática é impedida na presença de pus e

produtos de degradação tecidual, visto que contém timidina e purinas, que são utilizadas pelas bactérias para contornar a necessidade de ácido fólico;

- A resistência à sulfonamida é mediada por plasmídeo; - Aumento do PABA inibe ação antibacteriana das

sulfonamidas. 2) Trimetroprima:

Mecanismo de ação: A trimetroprima inibe a ação do folato, impedindo a formação do tetraidrofolato e, consequentemente, impossibilitando a formação do DNA. - É bacteriostática. - Ocorre ação sinérgica quando administradas sulfonamidas e

trimetoprima em conjunto para inibir a síntese de DNA bacteriano, pois elas agem na mesma via metabólica, porém em fases diferentes.

3) Penicilinas: (Benzilpenicilina, Fenoximetilpenicilina,

Cloxacilina, Meticilina, Ampicilina, Amoxicilina, Carbenicilina e Pipericilina)

Mecanismo de ação: Todos os antibióticos betalactâmicos interferem na síntese do peptidioglicano da parede celular bacteriana, após se ligarem à proteína de ligação da penicilina (PLP - transpeptidases e carboxipeptidases). Além disso, o evento bactericida final consiste na inativação de um inibidor das enzimas autolíticas na parede celular, levando à lise da bactéria. - As penicilinas podem ser destruídas por enzimas amidases

e betalactamases (penicilinases). O estreptococos não produz betalactamases;

- A resistência à penicilina pode ser devida à: • produção de betalactamases pela bactéria; • redução na permeabilidade da membrana externa

(aquaporinas); • modificação dos sítios de ligação à penicilina.

- O ácido clavulânico é utilizado juntamente com a penicilina devido seu efeito inibidor de betalactamases. Isso diminui a resistência bacteriana à penicilina.

- Penicilinas e outros antibióticos são haptenos, moléculas que são muito pequenas para suscitar resposta imunológica, mas que podem se ligar a proteínas séricas e induzir a produção de anticorpos IgE, com conseqüente produção de reação de hipersensibilidade, e até mesmo anafilaxia.

- 4) Cefalosporina: (Cefalexina, Cefuroxima, Cefotaxima,

Cefalotina)

- Mecanismo de ação: é idêntico ao das penicilinas – interferência na síntese de peptidioglicanos bacterianos após ligação às proteinas de ligação de betalactâmicos.

- As cefalosporinas possuem sensibilidade variável a betalactamases.

- Resistência bacteriana ocorre devido às betalactamases codificadas por plasmídeos ou cromossomos;

5) Tetraciclinas: (Oxitetraciclina, Doxiciclina, Minociclina e

Tetraciclina) - Mecanismo de ação: as tetraciclinas inibem a síntese de

proteínas ao competirem com tRNA pelo local de ligação. São apenas bacteriostáticos.

- As tetraciclinas são quelantes de íons metálicos, portanto não devem ser administradas juntamente com leite, anti-ácidos ou preparações de ferro.

- Deposita-se nos ossos e dentes amarelando-os. 6) Cloranfenicol:

- Mecanismo de ação: o clanfenicol inibe da síntese protéica.

Liga-se à subunidade 50S do ribossomo bacteriano. - O uso clínico do cloranfenicol deve ser reservado para

infecções graves nas quais os benefícios da droga são maiores do que o risco de toxicidade. Não deve ser usado em recém-nascidos.

- É um bacteriostático, exceto para Haemophilus Influenzae. - A resistência é devido à produção de cloranfenicol

acetiltransferase, que é mediada por plasmídeo.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

3

- O cloranfenicol causa depressão da medula óssea

resultando em pancitopenia (diminuição dos elementos figurados do sangue).

7) Aminoglicosídeos: (Gentamicina, Estreptomicina,

Amicacina, Tobramicina, Netilmicina, Neomicina, Framicetina)

- Mecanismo ação: os aminoglicosídios inibem a síntese de

proteínas bacterianas. Sua penetração através da membrana celular da bactéria depende, em parte, do transporte ativo oxigênio-dependente por um sistema transportador poliamínico. O cloranfenicol bloqueia esse sistema, portanto, quando administrados concomitantemente, ocorre antagonismo farmacocinético.

- Resistência se dá pela falha na penetração do fármaco na

parede celular, ou pela sua inativação por enzimas microbianas.

- Espectro antimicrobiano: os aminoglicosídios são eficazes contra microrganismos aeróbicos gram negativos e alguns gram positivos. A gentamicina é o mais usado, porém a tobramicina é mais indicada no combate a P. aeruginosa.

- São altamente polares e não são absorvidos no TGI. - São utilizados principalmente em septicemia. - Podem causar ototoxidade e nefrotoxidade. 8) Macrolídeos: (Eritromicina, Claritromicina, Azitromicina,

Anfotericina - antifúngico) .

- Mecanismo de ação: os macrolídeos ligam-se à subunidade 50S do ribossomo bacteriano inibindo a síntese de proteínas bacterianas através de um efeito sobre a translocação. Sofrem competição pelo cloranfenicol e pela clindamicina.

- Espectro de ação: Eritromicina – é uma alternativa à

penicilina – bactérias gram positivas; - Azitromicina – menos ativa contra gram

positivos, porém eficaz contra H. influenzae e toxoplasma gondii. Tratamento das infecções do trato respiratório inferior (faringite, tonsilite) e superior (pneumonia e bronquite), infecções da pele e tecidos moles e otite média. Posologia: adultos, 1 dose diária de 500mg durante 3 dias, ou tratamento de primeira dose de 500mg e depois mais quatro doses diárias de 250mg. Crianças, vide bula conforme peso.

- Claritromicina – H. influenzae, Mycobacterium avium e H. pilori.

- Utilizados no tratamento da difteria, coqueluche, pneumonia, diarréia bacteriana.

Claritromicina + amoxicilina + omeprasol – tratamento do H. pilory. 9) Lincosamidas (clindamicina):

- Mecanismo de ação: a clindamicina inibe a síntese de

proteína, semelhante ao observado para os macrolídios e o cloranfenicol.

- A clindamicina é ativa contra cocos gram positivos, incluindo estafilococos resistentes à penicilina, e contra muitas bactérias anaeróbicas.

- Utilizada em infecções causadas por bacterióides, infecções das articulações e ossos causadas por estafilococos, e em conjuntivite estafilocócica.

- Pode causar colite pseudomembranosa, que é a inflamação aguda do cólon devido uma toxina necrosante produzida pelo Clostridium dificile presente na flora intestinal.

10) Fluoroquinolonas: (Ciprofloxacina, Ofloxacina,

Norfloxacina, Acrosoxacina, Pefloxacina)

- Mecanismo de ação: as fluoroquinolonas inibem a topoisomerase II (DNA girase que é a enzima que produz superespiralamento negativo no DNA), não permitindo a transcrição ou a replicação do genoma bacteriano.

- A ciprofloxacina é a mais usada. É um antibiótico de amplo espectro, eficaz contra microrganismo gram positivo e gram negativo. É particularmente ativa contra microrganismos gram negativos, incluindo os resistentes às penicilinas, cefalosporinas e aminoglicosídios. Surgiram cepas resistentes de S. aureus e P. aeruginosa.

- Indicações clínicas: infecções complicadas das vias urinárias, infecções respiratórias, otite externa invasiva causada por P. aeruginosa (piercim), osteomielite bacilar gram negativa, gonorréia, prostatite e cevicite.

11) Glicopeptídeos: (Vancomicina - é um bactericida, exceto

estreptococos)

- Mecanismo de ação: a vancomicina atua ao inibir a síntese da parede celular. É eficaz contra bactérias gram positivas, incluindo o MRSA (Staphilococus aureus resistente a meticilina. A meticilina é uma penicilina semi-sintética resistente às betalactamases).

- A vancomicina age de modo sinérgico com aminoglicosídios. Deve ser administrada por via intarvenosa. Ela só é administrada por via oral para combater o clostridium dificile, uma vez que não é absorvida pelo TGI.

- Uso clínico: colite pseudomembranosa e infecções por estafilococos resistentes à múltiplas drogas. A vancomicina é opção nas infecções estafilocócicas graves em pacientes alérgicos a peniclina e cefalosporina.

12) Agentes antimicobacterianos:

- As principais infecções micobacterianas são: Tuberculose (Mycobacterium tuberculosis) e hanseníase (Mycobacterium leprae).

a) drogas utilizadas no tratamento da tuberculose: - Terapia farmacológica composta: - primeira fase = duração

de dois meses - isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol.

- Segunda fase = duração de quatro meses – isoniazida e rifampicina.

• ISONIAZIDA:

- Atividade limitada à micobactérias. - É bacteriostática.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

4

- Mecanismo de ação – inibe a síntese de ácidos micólicos,

que são componentes da parede celular. - O metabolismo da isoniazida depende de fatores genéticos

que determinam se o indivíduo é um acetilador lento ou rápido.

• RIFAMPICINA:

- É uma poderosa droga ativa por via oral, que inibe a RNA polimerase das micobactérias. Induz as enzimas do metabolismo hepático. Pode-se verificar rápido desenvolvimento de resistência.

• ETAMBUTOL:

- Inibe o crescimento das micobactérias. Pode surgir rapidamente a resistência.

• PIRAZINAMIDA:

- É um agente tuberculostático contra micobactérias intracelulares. Rápida resistência.

Segundo a Nota Técnica sobre as mudanças no tratamento

da tuberculose no Brasil para dultos e adolescentes, do Programa nacional de Controle da Tuberculose – Ministério da Saúde, foi adotado um novo sistema de tratamento para a tuberculose, a ser aplicado aos indivíduos com 10 anos ou mais de idade. A mudança consiste nas seguintes ações:

- introdução do etambutol como quarto fármaco na fase intensiva de tratamento (dois primeiros meses) do esquema básico, e tem como justificativa a constatação do aumento da resistência primária à isoniazida, e também a resistência primária à isoniazida associada à rifanpicina.

- introdução da apresentação em comprimidos com dose fixa combinada dos 4 fármacos (4 em 1) para a fase intensiva do tratamento. Os comprimidos são formulados com doses reduzidas de isoniazida e pirazinamida em relação às anteriormente utilizadas no Brasil. As vantagens da mudança da apresentação dos fármacos são, entre outras, o maior conforto do paciente pela redução do número de comprimidos a serem ingeridos; a impossibilidade de tomada isolada de fármacos e a simplificação da gestão farmacêutica em todos os níveis.

Para crianças até 10 anos continua sendo preconizado o tratamento anterior que consiste na tomada de três fármacos apenas (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) na fase intensiva de tratamento.

Esquema básico para dultos e adolescentes (2RHZE/4RH):

Preconiza-se a solicitação de cultura, identificação e teste de sensibilidade em todos os casos e retratamento, e para

aqueles com baciloscopia positiva ao final do segundo mês de tratamento. b) Fármacos utilizados no tratamento da hanseníase: - tratamento durante 6 meses com dapsona e rifampicina no

caso de hanseníase paucibacilar (poucos bacilos); - tratamento durante 2 anos com rifampicina, dapsona e

clofazimina no caso de hanseníase do tipo lepromatoso. 13) Outros antimicrobianos beta-lactâmicos:

- Carbapenêmicos: Imipenem: Mecanismo de ação: atua da mesma forma que os outros agentes beta-lactâmicos: interfere na síntese do peptidioglicano da parede celular bacteriana. - Monobactâmicos: Aztreonam: Mecanismo de ação: interfere na síntese do peptidioglicano da parede celular bacteriana. É apenas ativo contra bactérias Gram-negativas aeróbicas, e é resistente à maioria das beta-lactamases. Locais de atuação das principais classes de antibióticos:

Mecanismos bioquímicos de resistência a antibióticos: - Produção de enzimas que inativam o fármaco: por exemplo, as betalactamases, que inativam a penicilina; acetiltransferases, que inativam o cloranfenicol; quinases e outras enzimas, que inativam os aminoglicosídios. - Alteração dos locais de ligação de fármacos: isto ocorre com os aminoglicosídios, a eritromicina e a penicilina. - Redução da captação do fármaco pela bactéria: por exemplo, tetraciclinas. - Alterações de enzimas: por exemplo, a diidrofolato redutase torna-se insensível à trimetoprima.

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

5

- Muitas bactérias patogênicas desenvolveram resistência aos antibióticos comumente utilizados; são exemplos: Algumas cepas de estafilococos e enterococos são resitentes a praticamente todos os antibióticos atuais – sendo a resistência transferida por transposons e/ou plasmídios. Esses microganismos podem causar infecções hospitalares graves e praticamente intratáveis. Algumas cepas de Mycobacterium tuberculosis tornaram-se resistentes à maioria dos agentes antituberculose. O grave problema clínico acarretado pelos estafilococos com resistência devido à produção de betalactamases havia sido solucionado com o desenvolvimento de penicilinas semi-sintéticas (como a meticilina) e novos antibióticos betalactâmicos (monobactâmicos e carbapenens), que não eram sensíveis à inativação por essas enzimas. Porém, surgiram cepas resistentes à meticilina (MRSA – Stafilococos aureus resistentes a meticilina) que passaram a apresentar um sítio de ligação adicional de betalactâmicos. Até ultimamente, o glicopeptídio vancomicina era o antibiótico de último recurso contra o MRSA, mas, ominosamente, em 1997, foram isoladas cepas de MRSA resistentes a esse fármaco. Exemplos de tratamentos empíricos das infecções:

Infecção Fármacos primeira escolha Bronquite crônica Amoxicilina/clavunato Pneumonias Penicilina G, vancomicina Pneumonia por aspiração Clindamicina, penicilina G Coqueluche Eritromcina, trimetroprima Amigdalite e faringite Geralmente possui origem

viral Otite externa Gotas auriculares de

Polimixina B + neomicina + hodrocortisona

Otite média Amoxicilina/clavu, penicilina. Sinusite Amoxicilina/clavunato Gastrenterite (somente graves) Ampicilina, amoxicilina Enterocolite (C. difficille) Vancomicina, metronidazol

(oral) Diarréia dos viajantes Fluorquinilonas, trimetropima Úlcera duodenal (H. pylori) Amoxicilina/ metronidazol/

claritromicina/ composto de bismuto

Cólera Tetraciclinas Febre tifóde Cloranfenicol, amoxicilina,

ciprofloxacina Infecção urinária aguda Trimetropima/sulfametoxazol,

amoxicilina/clavunato, azitromicina

Meningites (adultos) Penicilina G cristalina, clorafenicol, ampicilina

Gonorréia Penicilina G procaína, amoxicilina/probenecida

Sífilis Penicilina G benzatina Infecção Fármacos primeira escolha

Uretrite Doxicilina, azitromicina Cancro mole Azitromicina,

amoxicilina/clavunato Escabiose Permetrina, benzoato de

benzila (tópicos) Endocardite aguda (sem Penicilina G cristalina,

prótese valvar) vancomicina + gentamicina Endocardite aguda (com prótese valvar)

Vancomicina + gentamicina + rifanpicina

Acne vulgaris Doxicilina, eritromicina, clindamicina – todas associadas a isotretionina tópica

Antraz cutâneo Penicilina G cristalina Ace rosásea Doxicilina, metronidazol

(tópico) Erisipela Penicilina G procaína ou

benzatina, azitomicina, eritromicina

Impetigo Amoxicilina/clavunato, azitromicina, eritromicina

Úlceras de decúbito infectadas Aminoglicosídeos anti-pseudomonas + clindamicina ou cloranfenicol. Usar sulfadiazina de prata (tópico)

Mordedura de cão/gato Amoxicilina/clavunato, ampicilina

Osteomielite (adultos) Penicilina antiestafilocócica, cefalosporinas, fluorquinolonas

Artrite séptica (adultos) Clindamicina, vancomicina, penicilina antiestafilocócica

Tétano Penicilina G cristalina, tetraciclinas, eritromicina

Leptospirose Penicilina G critalina, doxicilina, tetraciclinas

Peste Estreptomicina, gentamicina, cloranfenicol, doxicilina

Septicemia (adultos) sem situações especiais

Cefalosporinas parenterais de 3ª geração ou penicilinas anti-pseudomonas + aminoglicosídeos anti-pseudomonas; ampicilina + aminoglicosídeos anti-pseudomonas + clindamicina ou imipinem/cilastatina

Conjuntivite Neomicina/polimixin B /gentamicina ou cirpofloxacina em colírio

Pé diabético Clindamicina ou cefalosporina oral de 1ª geração

Pé diabético crônico recorrente

Infecção leve: ciprofloxacina + clidamicina; Infecção grave: penicilina anti-estafilocócica + aminoglicosídeos anti-pseudomonas + clindamicina.

Infecção Fármacos primeira escolha Doenças dos legionários Eritromicina Febre reumática Penicilina G benzatina (IM) Febre recorrente Doxicilina, rifampicina Salpingite – inflmação pélvica Clindamicina +

aminoglicosídeo anti-pseudomonas, cefalosporina + tetraciclinas

ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA

Marcelo A. Cabral

6

Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004 9. GOODAM & GILMAN. Manual de Farmacologia e Terapêutica. Porto Alegre: AMGH editora Ltda, 2010.

Ж Ж Ж Ж Ж Ж