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70 Paisagens X - Nov 2012 Industrialização e urbanização na Região Metropolitana de São Paulo e seus reflexos na moradia e na evolução da mancha urbana nas áreas periféricas da metrópole Breylla Campos Carvalho 1 Resumo: Levando em conta o contexto de urbanização e industrialização das metrópoles dos países em desenvolvimento, insere-se nosso objeto de estudo, o Maciço do Bonilha, uma área tombada pela sua importância histórica, geomorfológica e paisagística, e seu entorno, localizado numa porção periférica da RMSP, compreendendo parte dos municípios de São Bernardo do Campo e Santo André. Como forma de análise, por meio da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) elaboramos mapas com as fases de evolução na mancha urbana da área de estudo, num período que abrange desde a década de 1960 até os anos 2008, que apoiados em trabalhos de campo, são capazes de apontar algumas evidências desse processo. De acordo com o processo de produção do espaço, podemos perceber um maior adensamento urbano na referida área no período entre os anos 1980 e 1990, mesmo período em que há um incremento da população que passa a morar nas áre- as periféricas da RMSP. Por fim, destacamos o Maciço do Bonilha como um limite relativo à evolução da mancha urbana neste processo de produção do espaço e assim reiterando sua importância como área tombada capaz de frear um processo de urbanização acelera- do, destacando aqui a moradia, afinal não é possível viver sem ocupar espaço. Palavras-chave: Industrialização e Urbanização, Região Metropolitana de São Paulo, Maciço do Bonilha 1 Graduanda do curso de Geografia da FFLCH – USP. O artigo faz parte da pesquisa de “Caracteriza- ção morfológica do Maci- ço do Bonilha” realizada entre os anos de 2008 e 2011, financiada pela Pró- Reitoria de Pesquisa da USP, sob orientação das professoras Déborah de Oliveira e Simone Scifoni, e do Trabalho de Gradua- ção Individual defendido em janeiro de 2011. E-mail: breylla @gmail.com

Industrialização e urbanização na Região Metropolitana de São Paulo e seus reflexos na moradia e na evolução da mancha urbana nas áreas periféricas da metrópole

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Industrialização e urbanização na Região Metropolitana de São Paulo

e seus reflexos na moradia e na evolução da mancha urbana nas áreas periféricas da metrópole

Breylla Campos Carvalho1

Resumo:

Levando em conta o contexto de urbanização e industrialização das metrópoles dos países em desenvolvimento, insere-se nosso objeto de estudo, o Maciço do Bonilha, uma área tombada pela sua importância histórica, geomorfológica e paisagística, e seu entorno, localizado numa porção periférica da RMSP, compreendendo parte dos municípios de São Bernardo do Campo e Santo André. Como forma de análise, por meio da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) elaboramos mapas com as fases de evolução na mancha urbana da área de estudo, num período que abrange desde a década de 1960 até os anos 2008, que apoiados em trabalhos de campo, são capazes de apontar algumas evidências desse processo. De acordo com o processo de produção do espaço, podemos perceber um maior adensamento urbano na referida área no período entre os anos 1980 e 1990, mesmo período em que há um incremento da população que passa a morar nas áre-as periféricas da RMSP. Por fim, destacamos o Maciço do Bonilha como um limite relativo à evolução da mancha urbana neste processo de produção do espaço e assim reiterando sua importância como área tombada capaz de frear um processo de urbanização acelera-do, destacando aqui a moradia, afinal não é possível viver sem ocupar espaço.

Palavras-chave: Industrialização e Urbanização, Região Metropolitana de São Paulo, Maciço do Bonilha

1Graduanda do curso de Geografia da FFLCH – USP. O artigo faz parte da pesquisa de “Caracteriza-ção morfológica do Maci-ço do Bonilha” realizada entre os anos de 2008 e 2011, financiada pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, sob orientação das professoras Déborah de Oliveira e Simone Scifoni, e do Trabalho de Gradua-ção Individual defendido em janeiro de 2011.

E-mail: breylla @gmail.com

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IntroduçãoA urbanização pode ser observada

como um fenômeno que adquire carac-terísticas particulares conforme a escala de análise, não apenas como uma forma de organização espacial, mas, sobretu-do, como um fenômeno social e espa-cial complexo. Desta forma, temos que a urbanização no Brasil insere-se numa totalidade maior, relacionada às caracte-rísticas do processo de industrialização pós-segunda guerra, em que há uma aceleração da industrialização nos países subdesenvolvidos e que em um curto es-paço de tempo (SCIFONI, 1994), como verificado em nosso recorte temporal, é capaz de promover modificações nas es-truturas urbanas e assim nas formas de moradia e ocupação de locais para habi-tação, que no caso da Região Metropoli-tana de São Paulo (RMSP) se dão em sua maior parte nas áreas periféricas, carentes de infraestrutura e equipamentos e servi-ços públicos e em grande parte em áreas de risco a ocupação.

Objetivamos estabelecer as relações entre a urbanização e a moradia e ocupa-ção de áreas de risco, as quais encontra-mos em nossa área de estudo, buscando mostrar os verdadeiros processos cau-sadores dessa situação. Como forma de análise, por meio da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) elabo-ramos mapas com as fases de evolução na mancha urbana da área de estudo, num período que abrange desde a década de 1960 até 2008, que apoiados em trabalhos de campo, são capazes de apontar algumas evidências desse processo.

Localização da Área de EstudoO Maciço do Bonilha localiza-se

no extremo sudeste do município de São Bernardo do Campo, no bairro do Montanhão, na divisa com o município de Santo André, tendo seu pico a uma al-titude de 986,50 metros, ponto mais alto do ABC Paulista, a aproximadamente 23°43’54’’8 de latitude sul e 46°31’07’’8 de longitude oeste (Figura 1).

Figura 1 – Localização da área de estudo na Região Metropolitana de São Paulo.

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O maciço localiza-se numa região periférica, de ambos os municípios cita-dos, com bairros muito populosos, ca-rência de infraestrutura, altos índices de violência, inúmeras áreas de risco, mui-tas delas interditadas pela Defesa Civil. Soma-se a isso que parte da área do ma-ciço se encontra na Área de Proteção aos Mananciais, neste caso referente à Represa Billings e quase sua totalidade está inserida dentro da Unidade de Con-servação do Parque do Pedroso, sob ju-risdição da SEMASA (Saneamento Am-biental de Santo André).

Industrialização e Urbanização no ABC Paulista

A região do ABC Paulista é con-siderada um importante parque indus-trial da metrópole paulistana, e faz parte de uma conjuntura maior que envolve o processo de industrialização da me-trópole e mesmo do país. Essa indus-trialização acarretará num aumento da urbanização desse trecho da metrópole, ponto importante para o entendimento do objetivo proposto pelo trabalho.

A pré-condição à ocupação ur-bana dá-se nos primeiros momentos de sua evolução, principalmente na segunda fase, atrelada à ferrovia, em que a explo-ração da mata por meio da retirada de madeira da floresta, além de abastecer a construção civil e imobiliária e servir de fonte de energia residencial e industrial, também substitui a paisagem original por uma edificada e urbanizada.

Temos como fatores que atraem as indústrias a essa localidade: proximi-dade à ferrovia, existência de amplos ter-renos e cursos d’água adjacentes, baixo preço, incentivos fiscais e energia (Usina Henry Borden, em Cubatão). Assim, a

faixa São Caetano-Santo André contará com uma grande concentração de in-dústrias, configurando aquilo que Lan-genbuch (1971) chama de zona indus-trial suburbana. Desta forma, a indústria fomentará a expansão do comércio e conseqüentemente o estabelecimento residencial maciço.

A existência de mercado de traba-lho e o baixo custo dos terrenos atrairão muita gente, formando um grande contin-gente de reserva de mão-de-obra que con-seqüentemente se instalará em porções cada vez mais afastadas das ferrovias.

Até a década de 1950 havia a con-comitância do cenário rural e urbano, ao passo que na década subseqüente este fato mudará. A partir da década de 1970 há o esgotamento das glebas centrais dispostas à urbanização, fato decorren-te do forte crescimento da população. Nesta década também há a necessida-de de implantação de legislações urba-nísticas que atendessem a demanda de crescimento na área. Em São Caetano e São Bernardo a área urbana era cons-tituída de zonas residenciais, comerciais e industriais, sem zonas de preservação ou área verde; já em Santo André ha-via zonas especiais, porém ao longo dos anos elas tiveram seus usos alterados (SCIFONI, 1994).

Muito da expansão do limite físico das cidades dá-se pela estratégia imobiliá-ria, conseqüentemente alterando a paisa-gem com a retirada de mata nativa. Antes que se dê a valorização do espaço urba-no, ele se dá pela abertura de loteamento com a retirada da mata nativa, com solo exposto e mato crescendo, para que seja ocupado anos mais tarde, à espera da va-lorização. Assim o espaço se caracteriza como mercadoria, tendo valor e preço.

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É dentro desta lógica que o crescimento urbano da década de 1970 em diante se dará na região. Assim, classes de maior renda irão morar em melhores áreas e classes de menor renda irão morar em áreas deterioradas, abandonadas ou peri-féricas (CARLOS, 1992).

Desta forma, hoje a ocupação no ABC Paulista dá-se em áreas isoladas, afastadas da região central, com preço da terra mais baixo, sem infraestrutura para instalação de moradia, e conseqüen-temente do comércio que irá abastecer essa população, se instalará em áreas de mananciais, de risco à ocupação, como planícies e morros, e assim contribuirão para o aumento do perímetro urbano da RMSP, bem como alertam para o cres-cimento urbano não só das novas áreas, mas também daquelas já ocupadas.

Fatores Demográficos e Assenta-mento Urbano

Tendo como pano de fundo o pro-cesso de industrialização e urbanização do ABC Paulista, conforme descrevemos no item anterior, a intensa atividade industrial vivida pela região em tempos idos, serviu de chamariz para pessoas em busca de em-

prego, configurando um crescimento mi-gratório, entre as décadas de 1960 e 1980.

Como desdobramento, a área ur-bana foi sendo parcelada para o assen-tamento habitacional acompanhada de pequeno comércio e prestação de servi-ços para essa população. A isto, soma-se o surgimento de favelas2, iniciando-se em 1950, mas tendo elevado crescimento na década de 1980, pois nesta década conti-nuam os fluxos migratórios para a região, porém o setor industrial não apresenta crescimento, haja vista que nesse período o governo federal incentivava a interio-rização dos parques industriais em detri-mento das regiões metropolitanas.

Tem-se aí um aumento da ocor-rência de assentamentos humanos pre-cários nos municípios de Santo André e São Bernardo, principalmente neste último devido a importância de seu par-que industrial até os dias de hoje (SÃO BERNARDO DO CAMPO, s. d.).

É nesta década também que have-rá forte presença de ocupações precárias e clandestinas nas áreas de proteção aos mananciais, devido à demanda por ha-bitações e ao alto custo do solo urbano nas áreas já urbanizadas (Figura 2 e 3).

Figura 2 – Favela do Montanhão, no Pq. Selecta, no município de São Bernardo

(04/03/2010).

Figura 3 – Favela Pintassilva no município de Santo André, próxima a represa Billings

(06/03/2010).

2Adotaremos aqui a defi-nição de favela como sen-do o local de “moradas singulares no conjunto da cidade, compondo o tecido urbano, estando, portanto, integrado a este, sendo, todavia, ti-pos de ocupação que não seguem aqueles padrões hegemônicos que o Esta-do e o mercado definem como sendo o modelo de ocupação e uso do solo nas cidades” (OBSERVA-TÓRIO DE FAVELAS, 2009).

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Essas são tendências gerais no processo de formação da metrópole, que nesse período se tornará mais es-praiada e difusa, logo se torna mais de-sigual e polarizada, promovendo desta forma a segregação e a auto-segregação (no caso deste trabalho nos atentaremos para o fator de segregação).

Essa redistribuição das pessoas na metrópole acaba por ser uma con-seqüência das mudanças no mundo do trabalho, como a precarização do tra-balho, em geral pesado e em condições ruins, que conta com um grande “exér-cito de reserva”, pagam-se salários bai-xos, embora existam postos de serviço que pagam melhor, em que sobram va-gas por não haver pessoas especializa-das para tais funções. De acordo com Scifoni, com um grande contingente de pessoas recebendo pouco, trabalhando no circuito informal ou mesmo desem-pregadas, a opção de moradia acessí-vel é a periferia (Informação verbal3). Tais fatos tornam as periferias cada vez mais complexas tanto no que tange a urbanização, quanto nas conseqüências inerentes a sua ocupação, como os pro-cessos geomorfológicos existentes na área de estudo.

No desenrolar desse processo, hoje temos que devido às condições to-pográficas e a forma como a parte urba-nizada encontra-se adensada, tanto em Santo André como em São Bernardo, os espaços disponíveis ficaram escassos dentro da malha urbana, com elevação do valor do solo urbano nas áreas cen-trais e urbanizadas, fato que acaba por inviabilizar o acesso a terra nestas áreas por parte das camadas mais carentes da população, que vão morar em regiões afastadas do centro.

Nas regiões periféricas, essa po-pulação constrói casas, em geral sem infraestrutura, denominadas autocons-truções, muitas vezes sem saneamento básico, rede de água e esgoto e energia elétrica “oficial”, com casas em geral construídas em alvenaria, de maneira precária, e barracos de madeira. Em ge-ral, essas moradias se concentram em áreas de risco, com altas declividades, sujeitas a desabamentos e deslizamen-tos, ou em planícies aluviais, sujeitas a enchentes e erosão dos solos.

Materiais e MétodosFoi realizada a fotointerpretação

de fotografias aéreas em escala 1:25.000 através do software ArcGIS 9.2. em que foram traçados os polígonos de mancha urbana no Maciço do Bonilha e entor-no referente aos seguintes anos: 1962, 1972, 1994 e 2008.

Com este recorte temporal foi possível apresentar as grandes transfor-mações que a urbanização teve na área, compreendendo desta forma as mudan-ças antropogênicas desta paisagem.

ResultadosA evolução da mancha mapeada

no presente trabalho acompanha o cur-so da história do ABC Paulista, em que há um adensamento urbano maior no período pós década de 1990, onde have-rá o incremento da população que passa a morar nas áreas periféricas da RMSP.

Com o mapeamento (Figura 4), podemos notar que em 1962 a mancha urbana na área de estudo representava 8% do total, sendo que dez anos depois essa mancha representa 18%. No ano de 1994 há um salto para 44% e em 2008 para 48% (CARVALHO, 2011).

3Informação fornecida por Scifoni, na aula de Geografia da Metrópole, em 18 de março de 2010.

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De acordo com o processo de produção do espaço, podemos perce-ber um maior adensamento urbano na referida área no período entre os anos 1980 e 1990, mesmo período em que há um incremento da população que passa a morar nas áreas periféricas da RMSP, comumente morando em área de risco à ocupação, como morros e planícies alu-viais, com casas de autoconstrução e de pouca infraestrutura, acarretando na ace-leração de processos geomorfológicos. Temos assim, um aumento de população relacionado às mudanças no parque in-dustrial, que resultaram em precarização das relações de trabalho e renda.

ConclusãoO Maciço do Bonilha e seu entor-

no se inserem em uma região de carac-terísticas físicas desfavoráveis e com ex-pressiva ocupação urbana, ocasionando uma forte pressão antropogênica sobre o relevo, que consequentemente ocasiona problemas referentes à moradia, ocupa-ção sem prévia instalação de infraestrutu-ra básica, entre outros e fazendo parte de um processo de ocupação caótica fruto de uma “falta de planejamento” em que certos interesses são direcionados a favor

de alguns em detrimento de outros.Toda essa conjuntura que se co-

loca hoje é produto, dentre outros fato-res, de uma crise que se dá na década de 1980 que leva a falência da indústria no ABC Paulista e das políticas de abertura econômica do governo Collor na déca-da de 1990 para o setor de autopeças.

Os assentamentos urbanos precários na região se dão justamente devido ao par-que industrial, em que as pessoas procuram as áreas mais afastadas da cidade devido ao baixo custo dos seus terrenos, quando comprados e alguns casos, aliados a proces-so de invasão. Com os fatores apresentados anteriormente haverá um “boom” neste quadro de urbanização caótica.

Tendo o Maciço do Bonilha como uma área tombada, representando tanto parte da memória urbana como também um patrimônio natural importante e assim uma forma de resistência e tendo seu en-torno caracterizado como parte da perife-ria da RMSP, é possível demarcar o grau de complexidade da evolução urbana da metrópole de São Paulo, pontuar quais fatores levaram a tal produção deste espa-ço, que interesses devem ser pontuados e quais políticas públicas devem ser toma-das para remediar situações como essa.

Bibliografia

CARLOS, A. F. A. A ci-dade. São Paulo: Ed. Con-texto, 1992. 104p.CARVALHO, B. C. Ge-omorfologia Antrópica do Maciço do Bonilha, Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 2011. 108p. Trabalho de Graduação Individual (Bacharelado em Geografia) - Facul-dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Pau-lo.LANGENBUCH, J. A Estruturação da Grande São Paulo. São Paulo: Funda-ção IBGE, 1971. 354 p.OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. O que é favela, afinal? 19 ago. 2009. Dis-ponível em <http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefa-velas/acervo/view_text.php?id_text=16> Acesso em: 15 dez. 2010.SÃO BERNARDO DO CAMPO. Prefeitura Mu-nicipal. Diagnósticos. Re-latório do Plano Diretor. [s. d.]SCIFONI, S. O verde do ABC: reflexões sobre a ques-tão ambiental urbana. São Paulo, 1994. 126p. Dis-sertação (Mestrado em Geografia Humana) - Fa-culdade de Filosofia, Le-tras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.