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RDS VI (2014), 3-4, 719-791 “Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal DR. JOSÉ GONZAGA ROSA Sumário: Capítulo I Introdução: § 1.º A natureza e objetivos da investigação; § 2.º Opções metodológicas. Capítulo II A infraestrutura como classe alternativa de investimento: § 3.º Defi- nição de infraestrutura; § 4.º Financiamento privado não bancário de infraestruturas. Capítulo III – Regime dedicado a fundos de investimento especializados em dívida de infraestruturas: “Securities Exchange Board of India” e “Reserve Bank of India”: § 5.º “Infrastructure debt funds” (“IDF”) na Índia: Estruturas jurídicas de acolhimento; § 6.º “Infrastructure debt funds” na forma contratual (“Mutual Funds”); § 7.º Infrastructure debt funds – Forma estatuária (“Non Bank Financial Company”); § 8.º Síntese das diferenças entre os “IDF-MF” e os “IDF-NBFC”; § 9.º Fundos de investimento alternativos: Fundos de infraestrutura. Capítulo IV – O investimento de iniciativa pública em infraestruturas em regime de parcerias em Portugal: § 10.º Ponto de partida: o objeto de estudo; § 11.º O universo das parcerias de iniciativa pública em Portugal; § 12.º O financiamento das parcerias em Portugal; § 13.º O financiamento das parcerias: Outras experiências. Capítulo V. Conclusões. Referências bibliográficas. Resumo: Portugal é um dos países europeus onde a utilização do regime de parcerias no investimento de iniciativa pública na área das infraestruturas, se fez sentir com maior intensidade. E, contudo, a participação do mercado de capitais (em sentido estrito) na mobilização de fundos para este efeito foi praticamente nula. Esta cons- tatação foi o ponto de partida para a formulação do problema deste estudo. Como transformar os financiamentos bancários associados aos projetos de parcerias público privadas e concessões de infraestruturas, em valores mobiliários com potencial de refi- nanciamento no mercado de capitais. Por outras palavras, como converter o crédito financiado pelo sistema bancário, em crédito intermediado e financiado pelo mercado financeiro. A nossa análise incidiu sobretudo nos intermediários financeiros (orga- nismos de investimento colectivo e entidades financeiras não bancárias) e respectivas modalidades de financiamento, em detrimento das operações financeiras envolvidas (titularização e mecanismos de requalificação de crédito). Neste sentido, procedemos ao levantamento de estruturas jurídicas de acolhimento a fundos de investimento especializados na aquisição de dívida de infraestrutura (“infrastructure debt funds”),

“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

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RDS VI (2014), 3-4, 719-791

“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento

das parcerias em Portugal

DR. JOSÉ GONZAGA ROSA

Sumário: Capítulo I – Introdução: § 1.º A natureza e objetivos da investigação; § 2.º Opções

metodológicas. Capítulo II – A infraestrutura como classe alternativa de investimento: § 3.º Defi-

nição de infraestrutura; § 4.º Financiamento privado não bancário de infraestruturas. Capítulo

III – Regime dedicado a fundos de investimento especializados em dívida de infraestruturas:

“Securities Exchange Board of India” e “Reserve Bank of India”: § 5.º “Infrastructure debt

funds” (“IDF”) na Índia: Estruturas jurídicas de acolhimento; § 6.º “Infrastructure debt funds”

na forma contratual (“Mutual Funds”); § 7.º Infrastructure debt funds – Forma estatuária

(“Non Bank Financial Company”); § 8.º Síntese das diferenças entre os “IDF -MF” e os

“IDF -NBFC”; § 9.º Fundos de investimento alternativos: Fundos de infraestrutura. Capítulo

IV – O investimento de iniciativa pública em infraestruturas em regime de parcerias em Portugal:

§ 10.º Ponto de partida: o objeto de estudo; § 11.º O universo das parcerias de iniciativa pública

em Portugal; § 12.º O financiamento das parcerias em Portugal; § 13.º O financiamento das

parcerias: Outras experiências. Capítulo V. Conclusões. Referências bibliográficas.

Resumo: Portugal é um dos países europeus onde a utilização do regime de parcerias

no investimento de iniciativa pública na área das infraestruturas, se fez sentir com

maior intensidade. E, contudo, a participação do mercado de capitais (em sentido

estrito) na mobilização de fundos para este efeito foi praticamente nula. Esta cons-

tatação foi o ponto de partida para a formulação do problema deste estudo. Como

transformar os financiamentos bancários associados aos projetos de parcerias público

privadas e concessões de infraestruturas, em valores mobiliários com potencial de refi-

nanciamento no mercado de capitais. Por outras palavras, como converter o crédito

financiado pelo sistema bancário, em crédito intermediado e financiado pelo mercado

financeiro. A nossa análise incidiu sobretudo nos intermediários financeiros (orga-

nismos de investimento colectivo e entidades financeiras não bancárias) e respectivas

modalidades de financiamento, em detrimento das operações financeiras envolvidas

(titularização e mecanismos de requalificação de crédito). Neste sentido, procedemos

ao levantamento de estruturas jurídicas de acolhimento a fundos de investimento

especializados na aquisição de dívida de infraestrutura (“infrastructure debt funds”),

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720 José Gonzaga Rosa

que possibilitam a desintermediação do sistema bancário para o mercado de dívida

grossista não bancária. O nosso trabalho identificou três exemplos de estruturas

possíveis que respondem ao problema formulado.

O primeiro recorre à estrutura dos fundos de investimento comuns mobiliários

(“mutual funds”), consabidamente de perfil vocacionado para o grande público com

todos os requisitos de tutela do investidor típicos dos organismos de investimento

coletivo em valores mobiliários, e adapta -o às características de reduzida liquidez e

longa maturação dos ativos de infraestruturas.

O segundo conjunto de soluções assenta no desenho de instituições de crédito não

bancárias, vocacionadas em exclusivo para a aquisição de financiamentos bancários

(“senior loans”) a parcerias público privadas já em fase de exploração. Estes veículos

mobilizam fundos através da emissão de obrigações.

Finalmente, um terceiro conjunto de soluções passa pela utilização de fundos de

investimento alternativos, segmentados por perfil de investidor, contemplando uma

versão de endividamento nulo, até ao paradigma dos fundos do tipo de “private

equity” em que o mesmo pode chegar até duas vezes o “net asset value”.

Julgamos que cada uma, a seu modo, pode trazer alguma inspiração ao legislador

português.

Abstract: Portugal is one of the European countries where the use of concessions

for the financing of public infrastructure investments, was felt with greater

intensity. And yet, the participation of the capital market (in the strict sense) in

raising funds to finance this investment was virtually nil. This finding was the

inspiration for our study. How to transform loan based credit of public private

partnerships and infrastructure concessions into market based credit. Our analysis

focused more on financial intermediaries across the processing chain (collective

investment vehicles and non bank financial companies), rather than on financial

transactions (securitization and credit enhancement mechanisms) . Accordingly,

the priority was given to assess legal structures on which infrastructure debt funds

operate, and see how they facilitate the disintermediation of bank loans for the

wholesale capital funding market. Our work identified three examples of possible

structures as follows.

The first example applies the structure of mutual funds, a professional managed

collective investment scheme that pools money from many investors, with specific

tools to deal with illiquidity and long life period of infrastructure assets.

The second set of solutions is based on non -bank financial companies, geared

exclusively for the purchase of bank loans (“senior loans”) to public -private

partnerships already running. These specialized PPP loan funds structured as

non -bank financial companies raise funds through the issuance of bonds.

Finally, a third set of solutions involves the use of alternative investment funds,

targeted for the segmentation of investment profile, ranging from a no debt version to

a typical “private debt” fund where gearing can go as up as twice the net asset value.

We believe that each of those examples can bring some insights to the Portuguese

legislator.

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721“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

Capítulo I – Introdução*

§ 1.º A natureza e objetivos da investigação

I – O objetivo central do trabalho consiste na análise de fundos de inves-

timento especializados no financiamento privado não bancário de projetos de

infraestruturas. Entendemos por financiamento privado não bancário, o capital

que é canalizado para empresas e projetos de infraestrutura que não provém

de entidades públicas, nem bancárias. Por outras palavras, compreende a oferta

de capital mobilizada quer diretamente através de fundos de investimento não

cotados ou financiamento às empresas e projetos, quer indiretamente através das

bolsas de valores (ações, obrigações e fundos de infraestruturas cotados). Na desig-

nação anglo saxónica, os fundos são apelidados de (“infrastructure debt funds”)

ou (“private debt”), ou (“project bonds funds”). A relação entre a primeira e as

restantes designações, é entre género e espécie, podendo existir muitas outras na

mesma lógica.

Portugal é um dos países europeus onde a utilização do regime de parcerias

no investimento de iniciativa pública na área das infraestruturas, se fez sentir com

maior intensidade. E, contudo, a participação do mercado de capitais1 (em sentido

estrito) neste processo foi praticamente nula!

* BCE – Banco Central Europeu; BEI – Banco Europeu de Investimentos; BoT – Board of

Trustees; FFMS – Fundação Francisco Manuel dos Santos; FMI – Fundo Monetário Internacional;

FSB – Financial Stability Board; IDF – Infrastructure Debt Funds; IIFCL – India Infrastructure

Finance Company Ltd.; MF – Mutual Funds; NBFC – Non Bank Financial Company;

NRJOIC – Novo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo; OECD/OCDE

– Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Económico; OIA – Organismos de

Investimento Alternativo; OIC – Organismos de Desenvolvimento Alternativo não Harmonizado;

OICVM – Organismos de Investimento Coletivos em Valores Mobiliários; PPP – Parcerias Público

Privadas; RBI – Reserve Bank of India; SEBI – Securities and Exchange Board of India; UTAP

– Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos.1 Adoptamos neste trabalho a definição dos tipos principais de instrumentos financeiros e de

mercados financeiros proposta por José Engrácia Antunes (2014) com base no artigo 2.º, n.º 1, a) a f )

e n.º 2 do CVM, a saber: (a) instrumentos mobiliários (valores mobiliários) típicos do mercado

de capitais em sentido estrito (mercado financeiro de médio e longo prazo), (b) instrumentos

monetários (mercado de capitais de curto -prazo), (c) instrumentos derivados (instrumentos típicos

do mercado de capitais a prazo). Antunes, José Engrácia. Instrumentos Financeiros. Almedina.

2014 (2.ª ed.). p. 14, 42 a 44. Seguindo o critério da classificação de mercados em “função da

natureza e dos tipos de bens transacionados”, Costa Pina (2005) refere -se “ao mercado monetário

ou cambial, acionista ou obrigacionista, ao mercado de dívida pública, ao mercado de “warrants”,

ou ao mercado de futuros e opções, entre outros”, p. 484. Pina, Carlos Costa. Instituições e

Mercados Financeiros. Almedina (2005).

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722 José Gonzaga Rosa

Neste sentido, parece -nos crucial equacionar a diversificação das fontes de

financiamento, complementando a tradicional intermediação creditícia de raiz

bancária (“loan -based credit”), pelo financiamento baseado no mercado finan-

ceiro (“market -based credit”). Ainda neste contexto julgamos serem bem vindas,

porque necessárias, soluções de refinanciamento dos atuais empréstimos bancá-

rios às parcerias. Nesta visão panorâmica, o ideal seria promover a migração

dos mesmos para veículos de investimento cujo capital fosse angariado junto de

investidores institucionais de longo prazo, como seguradoras, fundos de pensões

e fundos soberanos, libertando desta forma o balanço dos bancos para a concessão

de novos empréstimos.

II – Porquê a escolha deste tema? Parte significativa do investimento em

parcerias em Portugal foi financiado com recurso ao crédito bancário, desde logo

com o Banco Europeu de Investimento à cabeça, mas com uma participação

muito significativa dos bancos residentes. Para além do financiamento direto

aos veículos concessionários na componente da construção, os bancos estiveram

igualmente envolvidos no financiamento dos fundos próprios dos membros dos

agrupamentos dada a elevada concentração temporal dos projetos. Esta tendência

foi amplificada pela reduzida presença do investimento estrangeiro no programa

de parcerias e, também, pela escassa utilização do mercado de capitais no finan-

ciamento dos projetos.

Em circunstâncias normais a realidade descrita seria um “não assunto” se

os bancos conseguissem, como o fizeram entre 2004 e 2007, um acesso ágil aos

mercados da dívida internacionais de forma a cobrirem o desfasamento de matu-

ridades entre os financiamentos de 15 a 20 anos das parcerias e a base de depó-

sitos que na melhor das hipóteses terá de ser renovada todos os cinco anos. Para

além disto já não ser possível, enfrentam agora requisitos mais exigentes com o

capital regulamentar afeto a empréstimos de infraestruturas, penalizando desta

forma a rendibilidade acionista. O problema ainda não assumiu contornos mais

críticos porque o BCE tem sido uma fonte segura de liquidez e assim permite ir

comprando algum tempo e adiar o impacto da transferência dos empréstimos na

conta de resultados.

Mas o assunto persiste. Que soluções para resolvê -lo? Este é o objetivo da

nossa análise apresentada de forma sintética no diagrama da página seguinte.

III – Porém, as dificuldades apontadas não nos impedem de ver algumas opor-

tunidades que também concorrem para a justificação deste trabalho. Desde logo, a

criação de espaço para o surgimento de um mercado de dívida em Portugal para

emitentes privados com exposição ao sector das infraestruturas. De mão dada,

vem a possibilidade de atrair novos investidores ao mercado de capitais, com perfil

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723“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

próximo de seguradoras, fundos de pensões e fundos soberanos. E finalmente,

uma maior gama de soluções de diversificação de risco de carteiras de investi-

mento, potenciando a atratividade deste mercado em Portugal.

§ 2.º Opções metodológicas

I – Em termos metodológicos, a principal opção recaiu no estudo da legis-

lação da União Indiana relacionada com o desenho de organismos de investi-

mento coletivo vocacionados para aplicações financeiras em dívida de empresas

de infraestruturas. Esta opção é legitimada por dois motivos. Em primeiro pela

semelhança com a situação de partida em Portugal, surgindo logo à cabeça, a

impossibilidade do Orçamento de Estado Indiano financiar o plano ambicioso

de obras públicas previsto para o período de 2012 a 2017. Em segundo lugar

pelos constrangimentos também sentidos pelos bancos indianos, em expandirem

a concessão de crédito para além dos limites impostos pela base de depósitos e

pelos requisitos de capitais próprios do regulador. Finalmente, e este é o aspeto

essencial na opção que fizemos pela experiência indiana, porque, a dada altura,

foi necessário dotar o mercado financeiro de veículos capazes de atrair capitais de

médio e longo prazo, favorecendo desta forma, a migração dos financiamentos das

parcerias de infraestruturas dos balanços dos bancos, para os portfólios de fundos

de investimento especializados em dívida.

Objetivo

Porquê

Assuntos chave

Análise de estruturas jurídicas de acolhimento a organismos de

investimento coletivo especializados no financiamento privado não

bancário de projetos de infraestruturas (“infrastructure debt funds”)

Portugal é um dos países europeus onde a utilização do regime de

parcerias no investimento de iniciativa pública na área das infraes-

truturas se fez sentir com maior intensidade. Porém, a participação

do mercado financeiro neste processo foi praticamente nula!

Fonte: Autor

Excessiva

exposição,

direta e

indireta, às

parcerias

Bancos

Quem financia?

Soluções para

investidores

em ativos

alternativos

Capital

Ausência

de fundos

especializados

em dívida de

infraestruturas

Fundos

REFINANCIAMENTO DAS PARCERIAS

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724 José Gonzaga Rosa

II – Em termos conceptuais, optamos pela análise das estruturas possíveis dos

fundos de investimento, em detrimento dos instrumentos financeiros de interme-

diação de crédito baseados em técnicas de titularização. Temos consciência que

muito haveria a dizer sobre o regime português de titularização e os aspetos que

podem ser trabalhados de forma a potenciar o incremento de transações, mas o

nosso caminho metodológico não nos levou tão longe. E no âmbito dos fundos

de investimento, excluímos os veículos especializados em “equity” bem como os

designados “distressed debt funds”. A razão da exclusão dos fundos especializados

em “equity” prende -se com o fato de o atual regime jurídico do investimento

em capital de risco ser suficientemente acomodatício para esta modalidade de

financiamento privado.

III – Está igualmente excluído do âmbito de trabalho a análise da dogmática

jurídica associada à figura dos fundos de investimento. Estamos conscientes que

confluem neste instrumento os fenómenos típicos da inovação financeira e novos

instrumentos financeiros, como sejam, a titularização, a derivação, a hibridação

de produtos, a hibridação dos mercados primário e secundário, o efeito carteira,

a conglobação de poupanças e a desintermediação financeira2. Muito menos pela

dogmática jurídica associada às unidades de participação. Os fundos encerram

um pouco de tudo, pelo que tivemos de optar por um caminho entre duas alter-

nativas. Ou apostar numa análise dogmática destes temas, abstraindo das diversas

concretizações práticas que diversos legisladores acolheram, ou privilegiar uma

panorâmica das soluções jurídicas em curso para endereçar a equação da desin-

termediação bancária do financiamento às parcerias de infraestruturas. Tendo em

conta o objectivo que nos move, que é o de contribuir para a aplicação de novas

soluções em Portugal, optamos por analisar e comparar diversas soluções jurídicas,

na esperança de assim podermos inspirar novos caminhos.

IV – A nossa análise aos veículos de investimento incide apenas na oferta de

capital privado dirigida ao financiamento de infraestruturas. Propositadamente

não abordámos o financiamento que pode ser assegurado pelos diversos níveis da

administração central, regional e local.

V – Não sendo este um trabalho de investigação sobre o investimento em

parcerias, não desenvolvemos exaustivamente o tema. Dito isto, apresentamos

numa secção autónoma alguns indicadores sobre o investimento em infraestruturas

em regime de parcerias em Portugal, e os aspetos que, na nossa perspetiva, poderão

2 Veiga, Alexandre Brandão – Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário, 1999, Almedina.

Parte VII: “A dogmática dos Fundos”, p. 531.

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725“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

favorecer a entrada de fundos de investimento no sector. Referimos a título ilus-

trativo, a renegociação dos contratos de parcerias público privadas rodoviárias,

com a mitigação do risco de tráfego para os concessionários e a transformação

da respetiva remuneração em mecanismos de disponibilidade da infraestrutura.

VI – Finalmente, decidimo -nos pelo universo de parcerias, sem limitação

de sector, envolvendo as tradicionais concessões clássicas (com a remuneração do

concessionário assegurada predominantemente pelos utilizadores), as parcerias

público privadas assentes em soluções de partilha de risco entre as partes, e as

parcerias público públicas. Decidimos considerar o universo alargado de parcerias,

incluindo assim as concessões para além das parcerias público privadas, porque a

criação de um mercado para fundos de infraestrutura requer a existência de opor-

tunidades de diversificação de risco em ativos de diferentes sectores. E, como é

sabido, as parcerias público privadas concentraram -se sobretudo no sector rodo-

viário. Também excluímos o segmento de parcerias entre privados, no regime

tradicional de “project finance”.

Capítulo II – A infraestrutura como classe alternativa de investimento

§ 3.º Definição de infraestrutura

1. Ponto de situação

I – A associação da infraestrutura ao desenvolvimento económico é por demais

conhecida, estando associada à rede de meios físicos e serviços que possibilitam o

bom funcionamento da economia criando as condições indispensáveis à coesão

social e territorial3.

Porém, esta associação só será virtuosa se for possível mobilizar capital privado

e de preferência não bancário para cobrir as necessidades de financiamento não

satisfeitas por dinheiros públicos. Caso contrário, pode transformar -se num sério

constrangimento à possibilidade do sector potenciar o crescimento económico.

De acordo com o McKinsey Global Institute as necessidades de investimentos

mundiais em infraestruturas até 2030 ascendem de $57 milhões de milhões,

3 Vão neste sentido as definições que podemos encontrar em alguns dicionários como as que

apresentamos seguidamente. (a) “the basic systems and services, such as transport and power

supplies, that a country or organization uses in order to work effectively”. in Cambridge Dictionaries

Online; (b) “the basic physical and organizational structures and facilities (e.g. buildings, roads,

power supplies) needed for the operation of a society or enterprise”. In Oxford Dictionaries.

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726 José Gonzaga Rosa

apenas para manter os níveis de crescimento projetados. Colocado em perspe-

tiva, este valor equivale apenas a 60% do investimento em infraestruturas dos

últimos 18 anos e é superior ao valor da infraestrutura atualmente instalada a

nível mundial4. Com base nesta estimativa e assumindo que a contribuição dos

fundos públicos para este valor não ultrapassa os 3% do PIB, a Stanford & Poors

estima necessidades de financiamento não cobertas por fundos públicos de cerca

de $500 mil milhões anuais até 20305.

Para referir apenas o caso da União Europeia, um dos projetos icónicos para

o horizonte de 2020 é corporizado pela política de infraestruturas de transporte

aprovada pelo Parlamento Europeu em janeiro de 2014, conhecida por “Infras-

tructure – TEM -T -Connecting Europe” que visa a unificação da rede transeu-

ropeia de transportes assente na realização de ligações entre infraestruturas já

existentes, e para o qual está previsto um investimento de €26 biliões entre 2014

e 20206. Ou ainda, o plano igualmente ambicioso para modernizar a infraestru-

tura europeia de energia designada por “Connecting Europe: The energy infras-

tructure for the future”7.

Compreensivelmente, quando se fala em “funding gap” a questão fundamental

é perceber como, e quem, vai financiá -lo. As respostas possíveis partilham a ideia

de que é necessário encontrar novos veículos de financiamento e, sobretudo,

novas fontes de capital para além dos tradicionais sector público, sector privado

(na componente industrial associado à execução operacional dos projetos) e sector

bancário (tradicional fornecedor da dívida seja no contexto de “corporate finance”

seja de “project finance”). Pese embora o fato de já não ser um fenómeno novo, a

verdade é que os investimentos com alguma forma de exposição a infraestruturas

4 “Infrastructure productivity: How to have $1 Trillion a year” (2013). McKinsey Global Institute. 5 “Global Infrastructure: How to Fill A $500 Billion Hole” (16 -jan -14). S&P Capital IQ

Research. Disponível in http://www.standardandpoors.com/spf/upload/Rantings_EMEA/

HowToFillAn500Billion.6 A este propósito as declarações do Vice -presidente da Comissão Europeia Vice -President Siim

Kallas, responsável pela área dos transportes: “Transport is vital to the European economy. Without

good connections Europe will not grow or prosper. This new EU infrastructure policy will put

in place a powerful European transport network across 28 Member States to promote growth

and competitiveness. It will connect East with West and replace today’s transport patchwork with

a network that is genuinely European”. In http://ec.europa.eu/transport/themes/infrastructure/

news/ep -backs -new -eu -infrastructure -policy_en.htm.7 “If we are to achieve our energy and climate goals of “20 -20 -20 by 2020” and ensure the

transition to a low -carbon economy by 2050 while fostering growth and jobs, Europe needs to

invest in the modernization of the energy infrastructure in the next ten years.” by Günther H.

Oettinger Comissário Europeu responsável pela energia.

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727“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

vêm assumindo lugar de destaque nas carteiras de ativos alternativos8 de investi-

dores institucionais (seguradoras, fundos de pensões e fundos soberanos).

II – Porém, apesar da importância crescente deste tema sente -se uma certa

frustração terminológica pelo fato de não existir uma definição padronizada, nem

na legislação europeia, nem na portuguesa, para a expressão “infraestrutura”9.

O mesmo sucede ao nível das organizações internacionais. Por exemplo, o

Fundo Monetário Internacional, na ausência de um catálogo unificador da defi-

nição de infraestrutura, sempre vai plasmando no manual designado por “Gover-

nment Finance Statistics Manual” e concretamente na secção referente à classi-

ficação das funções do Governo (“Classification of Functions of Government”),

o detalhe da intervenção possível do Estado em sectores da atividade económica

relacionados com a infraestrutura. A mesma opção é seguida pelo Eurostat no

Sistema Europeu de Contas, que refere no contexto das funções das administra-

ções públicas, a “habitação e infraestruturas coletivas”10.

III – Também a nível da macroeconomia se colocam dificuldades na “defi-

nição do que é investimento e do que são infraestruturas”11 que conduzem a dife-

rentes opiniões sobre a contribuição do investimento público para o investimento

em infraestruturas, o qual, de acordo com o Sistema Europeu de Contas Nacio-

nais, está incluído no conceito mais genérico de formação bruta de capital fixo

8 A expressão (“alternative assets class”) de uso generalizado na literatura financeira, engloba os

ativos financeiros e não financeiros que não se enquadram na categoria dos valores mobiliários

transacionados em bolsas de valores, e que são crescentemente utilizados em estratégias

de diversificação de risco dada a sua fraca correlação com os mercados de capitais e menor

volatilidade. A expressão é relativamente elástica, e pode abranger desde ativos não financeiros

(v.g. recursos naturais, “commodities”, imobiliário), como estratégias específicas (e atípicas) de

investimentos assentes em “hedge funds” e “private equity”, ou ainda aplicações em mercados

pouco divulgados como os mercados emergentes. Cfr Skidmore, Gregory; “Alternative Asset

Classes: An Introduction” in http://belrayasset.files.com/2010/01/alternative -investment.pdf. 9 A este propósito e relacionado com a temática das ajudas estatais ao f inanciamento de

projectos de infraestrutura, a afirmação de Mihalis Kekelekis “There is no standard definition

of infrastructure across EU legislation or in the jurisprudence” no paper Recent Developments

in Infrastructure Funding: When Does It Not Constitute State Aid?” in http://www.lexxion.

de/en/verlagsprogramm -shop/details/2240/109/estal/estal -3/2011/recent -development -in-

-infrastructure -funding -when -does -it -not -constitute -state -aid.10 Regulamento (EU) n.º 549/2013 do parlamento europeu e do conselho de 21 de maio de 2013,

relativo ao sistema europeu de contas nacionais e regionais na União Europeia. Ponto n.º 20.111.

in JORNAL OFICIAL N.º L174, de 26 de junho de 2013.11 Cf. Pereira, Alfredo Marvão – Os Investimentos Públicos em Portugal, 2013, FFMS, p. 28.

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728 José Gonzaga Rosa

na acepção de “ativos fixos corpóreos”12. Pelos mesmos motivos, não é possível

determinar qual a componente de financiamento bancário destinado a projetos

de infraestruturas, separando corretamente o que são ativos de “real estate” de

bens infraestruturais.

IV – Na ausência de uma definição padronizada, não surpreende a diversidade

de classificações presentes na literatura financeira. Algumas consideram o subsector

imobiliário (“real estate”) dentro do mega sector de “infraestruturas”13. Outras

preferem uma interpretação mais extensiva do conceito, alargando o perímetro

da infraestrutura à atividade de serviços de logística que lhe está associada. Nesta

ótica, por exemplo, o transporte marítimo inclui -se na infraestrutura portuária,

o transporte aéreo na aeroportuária e a exploração mineira nos recursos naturais.

2. Porquê uma definição

Mas será que necessitamos de uma definição universal e padronizada de

infraestrutura? Face ao objetivo principal deste trabalho que consiste na análise

de veículos jurídicos que possam intermediar financiamentos de projetos de

infraestruturas através do mercado de capitais, julgamos que sim pelas razões que

passamos a expor.

I – Em primeiro lugar, um critério unificador do sector auxilia a traçar prio-

ridades para o investimento que se pretende captar e respetivas modalidades.

Uma leitura mais restritiva do conceito que exclua atividades relativamente

importantes para algumas economias como as telecomunicações, o “shipping”,

ou a “educação”, pode gerar desvios de comércio e de investimento para jurisdi-

ções com um entendimento mais abrangente deste sector. Mas a definição deve

igualmente integrar a fronteira das modalidades de investimento. A compra de

unidades de participação de fundos de investimento especializados em ações de

empresas com algum grau de exposição a infraestruturas, poderá ser qualificada

como investimento em infraestrutura? Ou apenas o investimento em fundos que

invistam diretamente, seja em dívida, seja em fundos próprios destas empresas.

E aqui podemos ainda destrinçar duas situações possíveis. Por um lado, os fundos

especializados em projetos de “greenfield” que apostam sobretudo na valorização

dos ativos e planeiam a saída dos projetos num espaço entre 5 a 7 anos. E por outro,

12 Sistema Europeu de Contas Nacionais (Regulamento (CEE) n.º 2223/96 do conselho de

25 -06-96 in JO L310 de 31 -11 -1996, p. 51.13 McKinsey, Infrastructure practice in http://www.mckinsey.com /client_service/infrastructure/

about_this_practice.aspx.

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729“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

os fundos com vocação de “brownfield” cujo investimento ocorre na fase de

exploração e procuram sobretudo a estabilidade e longevidade dos ativos sem

preocupações quanto ao tempo de saída.

II – Em segundo lugar, o critério funcional de definição de infraestrutura é

indispensável para a concessão de incentivos fiscais a determinados projetos, em

detrimento de outros.

III – Em terceiro lugar, a definição do perímetro de infraestrutura é relevante

para o tipo de investidores a atrair. Por exemplo, no sector segurador, a definição

de infraestrutura tem implicações no cálculo do ratio de solvência II14.

IV – Em quarto lugar, a definição de infraestrutura é fundamental para a

delimitação das características económicas do ativo e rendibilidade expectável

enquanto classe alternativa de investimento. Se limitarmos a definição a ativos

que podemos qualificar como “centrais” à atividade económica à semelhança de

pontes e estradas, redes de transmissão de energia, sistemas de captação e distri-

buição de água, é razoável esperar menores rendibilidades visto que os riscos asso-

ciados também são inferiores. Porém, se alargarmos o conceito a ativos relacio-

nados a atividades de maior valor acrescentado como aeroportos e portos, linhas

ferroviárias de alta velocidade, teremos investimentos com maior potencial de

valorização e risco acrescido. No limite, alguns ativos de natureza mais oportu-

nística (v.g. infraestruturas de entretenimento) geram retorno mais pelo potencial

de valorização do que pela estabilidade e previsibilidade dos “cash -flows”, pelo

que estarão na fronteira do que pode ser considerado como infraestrutura na sua

versão mais depurada.

V – Em quinto lugar, a definição de infraestrutura vai de mão dada com a

prioridade ao modelo de negócio que se pretende patrocinar. Assim, os modelos

de exploração baseados na mera disponibilidade dos ativos (v.g. hospitais e escolas)

proporcionam remunerações estáveis e previsíveis sendo por este motivo parti-

cularmente atrativos para investidores institucionais. Pelo contrário, os modelos

de exploração assentes no nível de utilização do ativo (v.g. concessões rodoviárias

com receitas indexadas ao nível de tráfego), fazem apelo a diferentes competências

de gestão e a investidores mais próximos do perfil “private equity”.

14 Para um desenvolvimento deste tema ver Blan -Brude, Frederik – Defining Infrastructure

Investment Under Solvency II, EDHEC -Risk Institute Research Insights, Investment &Pensions,

Summer 2013. In http://cib.natixis.com/flushdoc.aspx?filename=IPE_defining_infrastructure_

under_solvency_IIpdf.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

730 José Gonzaga Rosa

VI – Finalmente, e não menos importante, a definição de infraestrutura será

necessária para ajuizar eventuais ajudas de Estado ao financiamento de projetos

de iniciativa pública15 e perceber em que medida são permitidas ao abrigo das leis

de concorrência do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

Feito este enquadramento, é nossa intenção estabilizar uma definição que

permita articular o interesse de determinados investidores como fundos de pensões

e fundos soberanos nos fundos de infraestrutura, e desta forma servir de âncora a

soluções de refinanciamento da dívida bancária dos projetos. Tendo em vista este

objetivo, faremos uma breve abordagem histórica desta realidade, para passarmos

a uma definição abrangente de carácter mais económico e finalmente delimitar o

conceito com recurso ao binómio risco/retorno do investimento em infraestruturas.

3. Breve enquadramento histórico

I – O termo infraestrutura é de origem recente. Reza a história que é oriundo

da expressão francesa “infrastructure” utilizada no séc. XIX para fins essencial-

mente militares. A primeira referência no Oxford English Dictionary terá ocorrido

em 192716. Etimologicamente a expressão resulta dos vocábulos latinos “infra” e

“structura”, remetendo o primeiro para o significado de “base” ou “fundação”, e

o segundo para algo constituído por partes distintas mas relacionadas. Começou

por estar associado a “instalações físicas”, mas foi gradualmente alargando o seu

significado à noção de “base de capital de uma sociedade”, decomposta em “capital

económico” e “capital Social”.

Atualmente e devido à ausência de uma definição unificadora, a generalidade

da literatura financeira opta por definir o conceito em função das suas múltiplas

utilizações. Esta abordagem identifica duas categorias de infraestrutura, a saber,

económica e social17. A primeira engloba o conjunto de redes complexas em que

assenta o funcionamento da economia, sendo regra geral decomposta nos sectores

de transportes (rodovia, ferrovia, transporte marítimo e portos e infraestruturas

aeroportuária), ambiente (água, saneamento básico, e tratamento de resíduos sólidos

e urbanos), energia (de fonte tradicional e renovável para além da energia hídrica),

gás e tecnologias de informação e telecomunicação. A infraestrutura de natureza

social engloba os sectores da saúde, educação, cultura, entretenimento e segurança.

15 Ver a propósito de tema e dos critérios que a Comissão aplica nesta análise: “Recent

Developments in Infrastructure Funding: When Does It Not Constitute State Aid?” – Mihalis

Kekelekis – European State Aid Quarterly, 2011.16 Para a abordagem histórica conferir estudo “Infrastructure – defining matters”, Larry Beeferman

(Harvard Law School) e Allan Wain (Hastings Fund Management) In http://www.law.harvard.edu/

programs/lwp/pensions/publications/INFRASTRUCTURE%20MATTERS%20FINAL.pdf. 17 Inderst, Georg – “Infrastructure as an Asset Class”, Public and Private Financing of Infrastruc-

ture. 2010, EIB Papers, Volume 15 (1).

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731“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

II – A segunda abordagem ao conceito centra -se nas características de risco e

retorno de diferentes instrumentos financeiros baseados em infraestruturas. Neste

sentido temos estruturas jurídicas de acolhimento de fundos de investimento

comuns, por contraposição a outras mais vocacionadas para investidores profissio-

nais. Assim, na primeira categoria encontramos fundos de infraestrutura de valores

mobiliários que investem em ações e obrigações de empresas cotadas que operam

em mercados regulados, como telecomunicações e “utilities”. E na segunda,

fundos com vocação de capital de risco, com predomínio para a componente de

“equity” no contexto dos modelos de “private equity” que assentam no controlo

da gestão das entidades que são objeto de investimento, com o objetivo de desblo-

quear o potencial de crescimento e acelerar a valorização do investimento. Mais

recentemente surgiram os fundos de dívida (quer na versão de fundos de retalho

quer de “private equity”), cujo investimento incide em instrumentos financeiros

representativos da dívida de projetos de infraestruturas, alguns especializados

em dívida de parcerias público privadas de contratos de concessão em regime de

monopólio e com um fluxo de rendimento estável e previsível.

III – Uma terceira abordagem que optamos por referir em benefício da expo-

sição, define e classifica a infraestrutura em função da menor ou maior suscetibili-

dade de ser objeto de privatização. Assim podemos ter, (a) a “privatização formal”

caracterizada pela mera transformação do direito aplicado à empresa que continua

a ser de capitais maioritariamente públicos; (b) a “privatização funcional”18 assente

na subcontratação dos processos que integram o ciclo de vida do investimento

envolvendo a concepção, desenho, construção financiamento e a exploração do

ativo mantendo -se esta sob o poder de decisão do concedente; e a (c) privatização

material integral em regime de regulação.

IV – Finalmente, uma última abordagem possível assenta nas fases de ciclo de

investimento. Assim, teremos projetos “greenfield” (projetos de raiz) se o investi-

mento ocorrer na fase de construção e arranque, de “growth stage” (projetos de

expansão) na fase de crescimento e “brownfield” na fase de maturidade. O risco

é superior nos projetos “greenfield” e à medida que o ativo inicia a sua operação

e apresenta registos históricos de fundos libertos, aumenta a previsibilidade dos

rendimentos e diminui o seu risco. Este perfil de risco retorno é relevante para

determinados investidores, que procuram estabilidade de retorno ao invés de

crescimento por via de mais valias do capital investido.

18 Barbara, Webber. Infrastructure as an Asset Class, p. 87.

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732 José Gonzaga Rosa

4. Uma definição possível

I – Conforme resultou da análise efetuada, a definição de infraestrutura, seja

ela qual for, deverá elucidar os seguintes aspetos: (a) quais os sectores e serviços

incluídos; (b) que modalidades de investimento; (c) que incentivos fiscais; (d) qual

o perfil de retorno e risco esperado.

Neste sentido, apresentamos uma definição possível que preenche estes atri-

butos. Infraestrutura será todo o ativo e serviços logísticos associados (nesta pers-

petiva excluímos o sector imobiliário), que por natureza apresentam um período

de vida útil longo, cuja exploração proporciona rendimentos estáveis e previsíveis

(acentua -se a preferência por rendimentos ancorados em contratos em mercados

regulados), cujo investimento pode ser levado a cabo diretamente nos projetos,

ou indiretamente, através de organismos de investimento coletivo. Desta forma,

será considerado investimento em infraestrutura a canalização direta de fundos

para projetos de investimento, seja para a sociedade veículo de financiamento, seja

para a sociedade instrumental dos promotores do projeto, seja para organismos de

investimento coletivo que apliquem os fundos angariados nos projetos. Ainda no

contexto específico do objeto deste estudo, entendemos que os benefícios fiscais

deveriam contemplar apenas as modalidades de investimento direto nos projetos,

em detrimento do investimento indireto através de fundos de investimento de

valores mobiliários cotados.

II – Assim poderemos subdividir as infraestruturas económicas em dois

grandes grupos, infraestruturas económicas e infraestruturas sociais, classifi-

cando as primeiras nos subsectores de transportes, refinaria, ambiente, energia,

gás, comunicação e telecomunicação, e as segundas em saúde, educação, entre-

tenimento e segurança. Os atributos chave do investimento nestes ativos são os

seguintes: (a) constituem um pré -requisito básico e indispensável ao crescimento

económico, à prosperidade e qualidade de vida humana e estão frequentemente

associados à prestação de serviços públicos; (b) o desempenho económico e finan-

ceiro é relativamente independente dos ciclos económicos; (c) são dificilmente

replicáveis devido aos elevados investimentos envolvidos; (d) apresentam uma vida

útil económica longa; (e) regra geral não apresentam risco tecnológico; (f ) eviden-

ciam uma elasticidade preço reduzida por estarem associados à prestação de serviços

básicos; (g) enquadram -se em sectores fortemente regulados; (h) geram receitas

estáveis e previsíveis e (i) por natureza não têm caráter especulativo.

III – As características que acabámos de referir apresentam maior ou menor

intensidade em função do modelo de negócio que suporta a exploração do ativo.

Assim, os modelos cuja receita decorre da mera disponibilidade do ativo em

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733“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

detrimento do nível de consumo e onde o comprador do serviço é único ao

invés de disperso, apresentam maior previsibilidade de receitas e menor risco

operacional. A título de exemplo, podemos referir a exploração de centrais de

produção de energia em que a produção é contratualmente vendida ao sistema

elétrico nacional. Ou os modelos típicos de “PFI”19 como as escolas, as prisões

ou a infraestrutura de suporte aos hospitais, cuja remuneração é assegurada pelo

parceiro público, tendo em conta parâmetros associados à disponibilidade da

infraestrutura.

IV – Pelo contrário, os modelos que assentam em estimativas de procura e

onde o comprador é à partida indeterminado e composto por múltiplos clientes

de pequena dimensão, tendem a apresentar maior risco. Temos neste caso os

projetos de energia renovável onde apesar das tarifas estarem asseguradas admi-

nistrativamente, o nível de receitas depende da produção, a qual, por sua vez, está

associada a fatores exógenos como a intensidade do vento (energia eólica) ou do

sol (energia fotovoltaica); ou ainda as concessões rodoviárias com a remuneração

paga pelos utilizadores fazendo com que as receitas dependam do nível de tráfego.

V – Esta definição deixa ainda assim algumas zonas cinzentas, cuja inevitabili-

dade decorre do caráter transversal do sector e que apenas podem ser preenchidas

casuisticamente, em função do objetivo que se pretende alcançar. Apresentamos

seguidamente algumas dessas indefinições, com a consciência de que a lista não

é exaustiva: (a) as empresas qualificadas como “utilities” deverão ser todas classi-

ficadas como infraestruturas?; (b) e as empresas do tipo “conglomerado” e inte-

gradas verticalmente?; (c) como classificar o sector das telecomunicações onde

surgem diversos modelos de negócios e fontes de receita?; (d) onde termina a

infraestrutura social, os estádios de futebol contam? E as residências universitárias?

VI – Os atributos chave anteriormente referidos a propósito das infraestru-

turas fazem deste ativo o campo de aplicação ideal da técnica de financiamento

através de “project finance”. Por definição, trata -se de uma técnica de financia-

mento aplicada a uma lógica de projeto (e não de empresa enquanto “portfólio”

de projetos), no contexto de um veículo jurídico especialmente constituído para

19 “Private Finance Initiative” – modalidade de provisão de serviços públicos originada no início

dos anos 90 com o Governo de John Major caracterizada pelos seguintes aspetos. “Transferência da

responsabilidade e dos riscos de financiamento dos investimentos de capital para o sector privado;

maiores benefícios na utilização dos dinheiros públicos; e garantia de uma melhor gestão dos

riscos associados.” Azevedo, Maria Eduarda As parcerias Público Privadas: Instrumento de Uma Nova

Governação Pública, 2008, p. 126.

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734 José Gonzaga Rosa

o efeito, com o objetivo de desenhar, construir e explorar um determinado inves-

timento. Ao contrário da técnica de financiamento designada por “corporate

finance” em que uma entidade conduz múltiplas atividades que são financiadas

conjuntamente na ótica do “portfólio de projetos”20. Até meados da década de

2000 os promotores de projetos de infraestrutura responsáveis pela injeção de

capital próprio nos projetos eram essencialmente industriais (construção civil,

gestão e manutenção de infraestruturas e engenharia de operações), e públicos

(parcerias público privadas nas situações em que o parceiro público participava no

capital do veículo do projeto). Desde essa altura têm vindo a ganhar importância

crescente os promotores com perfil puramente financeiro, como investidores

institucionais e fundos de investimento.

§ 4.º Financiamento privado não bancário de infraestruturas

1. A ótica dos fundos comuns por contraposição ao modelo de fundos “Private Equity”,

“Private Debt” e “Direct Lending”

I – Entendemos por financiamento privado não bancário, o capital que é

canalizado para empresas e projetos de infraestrutura que não provém de enti-

dades públicas, nem bancárias. Por outras palavras, compreende a oferta de capital

mobilizada quer diretamente através de fundos de investimento não cotados ou

financiamento às empresas e projetos, quer indiretamente através das bolsas de

valores (ações, obrigações e fundos de infraestrutura cotados). Antes de prosse-

guirmos fica o sublinhado de que o financiamento bancário ainda é a fonte prin-

cipal de financiamento privado direto21.

Feita esta introdução, podemos analisar a oferta de capital privado não bancário

ao financiamento das infraestruturas sob três óticas complementares. A moda-

lidade de investimento, que classificamos entre a direta e indireta. A ótica do

instrumento financeiro “debt” e “equity”. E a ótica dos veículos de investimento

que contemplam diversas estruturas.

Para tornar mais claro o universo de instrumentos financeiros envolvidos nas

diversas modalidades de investimento e tendo em vista a contextualização dos

20 “Project finance is the financing of ONE specific project, within an entity that is created with the

sole purpose to design, build and manage that specific infrastructure. On the contrary, in traditional

corporate finance one company typically carries out multiple simultaneous initiatives that get

financed as a portfolio of projects”. Gatti, Stefano, Financing and Investing in Infrastructure, 2014.21 De acordo com o “survey” realizado pela Preqin em 2014 junto de 34 gestores de fundos de

infraestrutura não cotados, cerca de 77% considera que os bancos serão os principais financiadores

da componente da dívida dos projetos de infraestrutura, e apenas 5% considera que serão os fundos

de infraestrutura da dívida. Infrastructure Spotlight, May 2014, Preqin Ltd, p. 2

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

735“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

fundos de investimento, apresentamos na figura 1 o quadro síntese com algumas

das situações possíveis no contexto do financiamento privado não bancário.

Modalidade de financiamento: via indireta

II – O financiamento por via indireta concretiza -se através da aquisição de

instrumentos financeiros cotados. Este critério assenta no postulado de que sendo

feito através das bolsas de valores, o valor do investimento está exposto à volati-

lidade dos mercados de capitais, pelo que não depende única e exclusivamente

do desempenho do ativo subjacente. Assim, ainda que a compra de ações de uma

empresa de infraestruturas corresponda formalmente a financiamento direto, na

realidade tem subjacente a afetação do “portfólio” entre ações e obrigações, e na

classe de ações, entre emitentes do sector de infraestrutura face a outros sectores.

Nesta perspectiva, a infraestrutura não corresponde a uma classe alternativa de

ativos, surgindo num sub -plano da estratégia de investimento.

III – Por seu turno, o financiamento pela via direta consiste na canalização

de fundos para os projetos sem a intermediação de processos de cotação na bolsa.

Pelos motivos apontados, o valor deste investimento apresenta uma menor corre-

lação com os índices de mercado de capitais, pelo que contribui distintivamente

face à via alternativa de investimento indireto, para a diversificação de risco de

carteira. Em contrapartida, o valor dos investimentos por via indireta apresenta

tendencialmente uma correlação mais forte com os mercados bolsistas e uma

diversificação do tipo moderada a reduzida22 (Quadro 1).

IV – Os acionistas das empresas cotadas em bolsa de valores (modalidade de

financiamento indireto) são os principais financiadores de investimento em infra-

estruturas. Este universo inclui entidades de perfil industrial como construtores,

gestores e responsáveis por manutenção, engenheiros de projetos. O sector das

“utilities” é tradicionalmente o que recolhe maior investimento privado, em parte

como resultado dos processos de privatização de sectores anteriormente vedados

à iniciativa privada (transportes, aeroportos, portos, vias de comunicação, etc.).

22 “Institutional investors have traditionally invested in infrastructure through listed companies

and fixed income instruments. Over the last two decades, investors have started to recognize

infrastructure as a distinct asset class. Since listed infrastructure tends to move in line with

broader market trends, it is a common held view that investing in unlisted infrastructure although

illiquid, can be beneficial to ensure proper diversification” Della Croce, Raffaele, in http://oecd-

ilibrary.org/finance -and -investment/oecd -working -papers -on -fnance -insurence -and -private-

pensions_20797117, November 2012, p. 15.

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736 José Gonzaga Rosa

As ações representativas do sector de infraestruturas constituem um sub

universo do mercado global de ações cotadas. Uma pesquisa feita pela RREEF

Securities25 em 2011 identificou 535 ações de empresas de infraestruturas cotadas,

com uma capitalização bolsista de aproximadamente $3 triliões. Este valor equi-

vale a cerca de 6% da capitalização bolsista global em 2011, uma percentagem

relativamente semelhante à estimada pela S&P em 200726. Porém, a principal

23 Para um entendimento diferente conferir Georg Inderst. Este autor considera o investimento em

fundos de investimento (cotados ou privados) como investimento indireto. No nosso entendimento

o investimento em fundos de “private equity” assume a faceta de modalidade direta porque estes

veículos aplicam o capital angariado diretamente nas sociedades projeto (ou sociedades veículo

constituídas para financiar os projetos) e na grande maioria das situações, em emitentes privados.

Para além disso, o modelo de “private equity” é matricialmente diferente dos fundos de retalho

porque assenta na filosofia de controlo de gestão, ao contrário dos primeiros que convivem com

posições minoritárias e reativas. Estamos de acordo com Georg Inderst no que respeita aos fundos

de retalho mas não o acompanhamos no que concerne aos fundos de “private equity”. Inderst,

Georg – Infrastructure as an Asset Class.24 Para a definição, cf. Antunes, José Engrácia. Instrumentos Financeiros. Almedina. 2014 (2.ª ed.),

p. 89 a 91.25 A compeling Investment Opportunity: The Case of Global Listed Infrastructure Revisited, RREEF

Research, July 2011, p. 1. 26 Inderst, Georg. Private Infrastructure Finance and Investment in Europe. EIB Working Papers

2013/02. Pág.17.

Fonte: Autor

EQUITY

Indireta Direta

Aquisição de ações de emitentes cotados Aquisição direta de ações de sociedades projeto

“corporate finance” e “project finance”

Fundos comuns cotados Fundos de “private equity”, cotados e não cotados23,

fundos de pensões, fundos soberanos e seguradoras

DEBT

Indireta Direta

Instrumentos de dívida de emitentes cotados: obrig-

ações ordinárias e especiais24, “corporate bonds”,

“project bonds”, “government infrastructure bonds”

Obrigações de sociedades de projeto “project bonds”

Fundos de retalho cotados: “debt funds”, “government

infrastructure bonds”, “project bonds funds”.

(a) fundos de dívida especializados patrocinados

por gestores de “private equity” e investidores

institucionais, (b) “direct lending”, (c) modelos

de co -originação (PE/Investidores institucionais,

bancos/seguradoras)

Modalidades de financiamento privado não bancário da infraestrutura 1

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

737“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

dificuldade em medir esta realidade está na ausência de uma definição rigorosa

do que se entende por infraestruturas. Na sua análise a RREEF classifica as

empresas que integram o sector em três categorias: “pure -play” (70% dos “cash-

-flows” decorrem da utilização da infraestrutura caracterizada por barreiras de

entrada e procura inelástica), “core” (ativos com algum grau de regulação mas

com menor intensidade em capital e cujos “cash -flows” não estão associados a

contratos de longo prazo), “broad” (apesar de estarem associados a infraestru-

turas temáticas, não apresentam a estabilidade dos “cash -flows” típica dos ativos

de infraestruturas). Nestas estimativas as empresas “pure -play” (213) representam

$875 biliões, as “core” (171) cerca de $1,416 biliões e as “broad” (214) perto de

$914 biliões. A angariação de financiamento privado em alguns sectores, como

o das energias renováveis, tem sido prejudicada pela instabilidade do regime de

incentivos e elevado risco público.

Financiamento indireto via fundos comuns

V – O investimento em ações de emitentes cotados comporta o risco da não

diversificação, razão pela qual a maioria dos investidores privados e de pequena

dimensão recorrem ao investimento em fundos comuns (também designados

por fundos de retalho) em empresas de infraestrutura. Estes veículos angariam

capital junto do público (pessoas não determinadas) e a sua gestão é pautada pelo

princípio da divisão do risco. Os fundos comuns estão vocacionados para uma

comercialização massificada das unidades de participação e são caracterizados por

uma distanciação do titular do património (“participantes”) e a respetiva gestão.

É justamente por causa desta circunstância que a dogmática dos fundos (acom-

panhada pelo legislador) prevê um conjunto mais apertado de procedimentos

para a salvaguarda do interesse exclusivo dos participantes. A materialização do

princípio da divisão de risco concretiza -se na gestão das carteiras de ativos de

fundos através do critério da não concentração de investimentos por emitente e

por tipo de instrumento financeiro (diversificação de risco)27. De acordo com o

regime jurídico dos organismos de investimento coletivo vigente em Portugal,

o Decreto-Lei 63 -A/2013 de 10 de maio que transpôs a Diretiva comunitária

2009/65/EU, enquadram -se nesta categoria os Organismos de Investimento

27 “O afastamento entre os titulares do património, os participantes e quem os gere, exige que

se atue de acordo com normas de segurança mais rígidas que aquelas que decorreriam de uma

gestão de ativos de terceiros personalizada, em que o cliente, depois de devidamente esclarecido,

poderia assumir um grau de risco muito concentrado numa entidade, numa atividade ou num

valor.” Veiga, Alexandre Brandão, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário (regime jurídico),

1999, Almedina. p. 47.

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738 José Gonzaga Rosa

Coletivo em Valores Mobiliários28 (“OICVM”) e os Organismos de Investimento

Alternativo em Valores Mobiliários (“OIAVM”) que adotem mecanismos de

proteção do investidor semelhantes às dos OICVM.

VI – Os fundos comuns investem em sectores considerados “core” como é

o caso da “3i Infrastructure” que aplica o portfólio em empresas que exploram a

infraestrutura económica no Reino Unido, ou a “International Public Partnership

Fund” que investe em ações de empresas concessionárias cujos contratos de

concessão assentam na remuneração pelo regime de disponibilidade da infraes-

trutura.

VII – Os fundos de infraestrutura cotados especializados em dívida apre-

sentam face aos fundos de ações, a vantagem de operarem com custos de gestão

mais reduzidos. Os investidores destes fundos pretendem obter um fluxo estável

e previsível de “cash -flows” com proteção contra a inflação, pelo que a gestão do

fundo é relativamente passiva e menos onerosa.

VIII – Ao contrário do modelo de retalho que caracteriza a angariação de

capital dos fundos comuns, o modelo de capital de risco (“private equity”) é voca-

cionado para investidores institucionais de média e grande dimensão e contempla

uma abordagem mais interventiva na gestão dos respetivos ativos. Crescentemente

tem -se observado que os clientes tradicionais dos fundos de “private equity”, os

designados investidores institucionais (seguradoras, fundos de pensões, fundos

soberanos), constituem as suas próprias equipas especializadas em infraestruturas

e optam por investir isoladamente ou em parcerias, nas sociedades projeto, pres-

cindindo desta forma dos tradicionais gestores de fundos de “private equity”29.

A mesma tendência que a partir de 2010 evidenciou a desintermediação da ativi-

dade de gestão de ativos dos bancos para os fundos de “private equity” (determi-

nada pela nova regulação bancária), está agora a operar um fenómeno semelhante,

28 Os organismos de Investimento Alternativo em Valores Mobiliários, abertos ou fechados, com

levantamento de fundos junto do grande público, têm um critério de dispersão mínimo de apenas

30 participantes que a lei impõe para os OICVM. 29 Esta tendência reflete -se na dificuldade que os fundos de “private equity” tradicionais sentem

(em 2013) na angariação de capital para os fundos de infraestrutura. A CVC Capital Partners Ltd.,

uma das principais gestoras de “private equity” da Europa, desistiu em julho de 2013 do processo de

levantamentos de fundos de €2,6 mil milhões iniciado em 2008 por falta de interesse no mercado.

“CVC: when infrastructure investment goes wrong” in http://infrastructurepunk.wordpress.

com.” As exceções são os fundos patrocinados por seguradoras que investem sobretudo o capital

angariado dos respetivos grupos reduzindo assim a sua dependência dos mercados de capitais.

A título de exemplo a AXA e a ALLIANZ.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

739“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

mas no sentido dos fundos para os investidores institucionais de larga escala

(neste caso por razões que se prendem com a comissões de gestão praticadas pelos

gestores de fundos).

Modalidade de financiamento por via direta

IX – Quais as principais diferenças entre a via indireta dos fundos de retalho

e a via direta dos fundos de “private equity” e “private debt”, ou dos fundos

patrocinados por investidores institucionais?

A primeira reside na capacidade de diversificação de risco (evitar concen-

tração exclusivamente em ativos cotados e sujeitos à volatilidade dos mercados

de capitais). Os fundos comuns estão limitados nos seus investimentos a instru-

mentos financeiros cotados, ou com elevado grau de liquidez. Por este motivo

acabam por ficar expostos à volatilidade dos mercados bolsistas, frustrando a

intenção de diversificação de risco que está associado ao conceito de infraestru-

tura como classe alternativa de investimento. Em contrapartida, os fundos de

“private equity” investem por regra em ativos não cotados. Se é verdade que

nos anos 2006 e 2007 as aquisições “public to private” foram muito populares e

representaram parte significativa das operações de “buy -out”, a tendência não se

confirmou, entre outros motivos, pela maior exigência em termos regulamen-

tares associados à tomada de controlo de empresas cotadas e posterior retirada

de bolsa face à aquisição de empresas não cotadas. Outro motivo que torna estas

operações arriscadas para os fundos de “private equity” é o sobre preço envol-

vido no pagamento de prémio de controlo que vem onerar o investimento para

valores acima do esperado30.

A segunda diferença reside nos modelos de gestão. Os gestores de fundos de

retalho enfrentam normas de segurança mais rígidas na composição das carteiras

que impedem a tomada de participações de controlo nas sociedades. Pelo contrário,

o modelo de “private equity” é por definição uma modalidade de investimento

em instrumentos de capital próprio e instrumentos de capital alheio em socie-

dades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da

respetiva valorização31. Neste sentido, assenta na tomada de controlo das enti-

dades que são objeto de investimento de forma a implementar uma determinada

visão para o negócio.

30 “Private equity in UK (England and Wales)” (maio 2014): market and regulatory overview.

Pratical Law” in http//uk.praticallaw.com/0 -501 -1908?source=relatedcontent .31 Definição da atividade de investimentos em capital de risco constante do atual regime jurídico,

artigo 2.º, Decreto -Lei n.º 375/2007 de 8 de novembro.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

740 José Gonzaga Rosa

Em terceiro lugar, o universo de investimento à disposição do “private equity”

é mais amplo que o destinado aos fundos de retalho, justamente, por não estarem

limitados a instrumentos financeiros de emitentes cotados, ou com elevado grau

de liquidez.

Em quarto lugar o horizonte de investimento é diferente. Nos fundos de

retalho e por maioria de razão nos fundos abertos, a pressão dos resgates obriga a

uma gestão focada na necessidade de obtenção de retorno a curto -prazo. Os fundos

de “private equity”, na sua maioria fundos fechados, têm um tempo de inves-

timento mais longo para transformar as empresas em que investem de forma a

gerar valor a médio prazo.

Em quinto lugar, o endividamento está regra geral vedado aos fundos de

retalho. Por contraposição, os fundos de “private equity” utilizam -no como

alavanca para o retorno dos seus investimentos, apostando na discriminação

fiscal a favor dos juros em detrimento dos dividendos e do custo mais reduzido

do capital alheio.

Uma última diferença reside na estrutura acionista das empresas participadas.

Dispersa no caso dos fundos de retalho e concentrada quando dominada pelos

fundos de “private equity”.

X – Apesar das diferenças assinaladas, a verdade é que a análise da dinâmica

evolutiva apresenta alguns sinais de convergência entre os dois modelos. No

lado do “private equity” com o surgimento dos fundos cotados contrariando a

sua origem genética de levantamento de capital junto de um número reduzido

de investidores institucionais na base da subscrição particular. Apesar de tudo,

continua a ser na sua essência um modelo de investimento com base no postu-

lado de criação de valor por via do controlo de gestão, agora com os benefícios

desta abordagem postos à disposição da generalidade dos investidores. Esta apro-

ximação é efectuada por via de uma estratégia de distribuição de rendimentos,

mais apelativa para investidores individuais, visto que para os institucionais é,

regra geral, ineficiente do ponto de vista fiscal. Do lado dos fundos comuns

constata -se a aproximação ao modelo de “capital de risco” caracterizado pelo

surgimento de fundos de resgate cíclico (apenas ocorre em períodos determi-

nados), através do investimento direto em projetos de emitentes não cotados para

evitar a contaminação à volatilidade dos mercados de capitais. E lança -se mão

de soluções de requalificação de crédito como as exigências de “rating” para os

investimentos em carteira e acordos tripartidos com entidades públicas conce-

dentes nos fundos de dívida especializados em parcerias público privadas, para

mitigar o risco da contraparte.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

741“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

2. “Private Equity” e “Private debt”: fundos de infraestrutura privados

I – A modalidade de financiamento direto da infraestrutura consiste na cana-

lização de fundos para os projetos, seja através da aquisição de valores mobiliá-

rios de sociedades de projeto (emitentes não cotados), seja utilizando fundos de

investimento com perfil de capital de risco. Sendo a opção que melhor assegura

a diversificação de risco (imunizada à volatilidade dos índices bolsistas), é igual-

mente a mais difícil e dispendiosa de concretizar face aos valores de investimento

envolvidos e à complexidade na preparação e montagem das operações. E neste

ponto importa recuperar a principal diferença material entre os fundos comuns

e os fundos de capital de risco, que se traduz, sobretudo, no perfil de investidor

que visam alcançar. Os primeiros procuram a recolha de fundos junto do grande

retalho, não havendo lugar a valor mínimo de investimento. Pelo contrário, os

investidores de capital de risco são, regra geral, investidores profissionais, e, os

valores de investimento envolvidos não estão ao alcance do pequeno investidor

individual. Para além disso, as sociedades e fundos de capital de risco não se

limitam a ser um organismo de investimento coletivo32. Prestam assistência na

gestão das empresas, pretendem influenciar a gestão e participar ativamente na

reorganização operacional. Estes fundos são geridos por equipas dedicadas e apre-

sentam face aos tradicionais fundos comuns, a vantagem de poderem traçar estra-

tégias de investimento específicas e adaptadas ao grupo alvo de investidores a que

se dirigem, num contexto regulamentar menos exigente em termos de requisitos

de divulgação de informação e outros deveres regulamentares. Esta via assegura

a diversificação de carteiras em termos de risco e rendibilidade, sobretudo se os

ativos investidos assentarem em contratos de exploração (concessões) de médio

e longo prazo, em sectores próximos de monopólios naturais e com rendas ajus-

tadas automaticamente à inflação.

Face aos valores de investimento envolvidos os investidores nos fundos de

capital de risco são de perfil institucional, com destaque para a importância cres-

cente das seguradoras, fundos de pensões e fundos soberanos. A oferta de fundos

ajusta -se a um largo espectro de diferentes perfis de aplicadores. Por um lado

temos fundos especializados em ativos na fase de desenvolvimento tendo em

vista a obtenção de mais -valias pela via da valorização dos ativos, o que regra

geral sucede com o início da fase de exploração de infraestrutura. Estes veículos

são procurados por investidores de “equity” e têm em vista horizontes de inves-

timentos de 5 a 7 anos. Por outro lado, encontramos fundos vocacionados para

investimento em ativos maduros, com provas dadas em termos de “cash -flow” e

robustez da estrutura contratual de suporte, tendo em vista a obtenção de retornos

estáveis e previsíveis.

32 Câmara, Paulo – Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª ed., Almedina, 2011.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

742 José Gonzaga Rosa

II – O surgimento dos fundos especializados na aquisição de instrumentos

de dívida de sociedades que desenvolvem projetos de infraestrutura é relativa-

mente recente. Como veremos mais adiante, a indústria de “private equity”

desenvolveu -se inicialmente em torno dos fundos de “equity”. O interesse pela

dívida surge após a crise de 2008 e o enquadramento regulatório de Basileia III33,

que impôs aos bancos a observância de requisitos de capital próprio mais exigentes,

para a cobertura do crédito a projetos de infraestruturas. A par desta circunstância,

a crise das dívidas soberanas veio suscitar o interesse por ativos alternativos que

possam proporcionar fluxos de rendimento estável e previsível, sem a volatilidade

associada aos mercados de capitais. Estes aspetos são reforçados pelo fato dos finan-

ciamentos a projetos de infraestruturas apresentarem a seu favor taxas de incum-

primento (“default”) historicamente reduzidas, praticamente ao nível da dívida de

“rating A”, apesar de proporcionarem “yields” de até 300 pontos base para além

da LIBOR normalmente associadas a obrigações corporativas de rating “BBB”34.

III – Os fundos de dívida estão muito associados a projetos de infraestrutura do

tipo de parcerias, assentes em contratos de concessão e em fluxos de “cash -flow”

estáveis e previsíveis. Neste contexto podemos discernir dois tipos de estratégias.

Por um lado, os fundos que adquirem dívida na fase de exploração dos projetos

através do refinanciamento de empréstimos em curso. Por outro, os que entram

na fase inicial de montagem do “project finance”, assessorando os promotores

no esculpir da componente de dívida ao longo da fase concursal das parcerias35.

Estes têm a expectativa de capturar o valor que será gerado pela melhoria auto-

mática do “rating” do projeto, assim que este termine a fase de arranque e inicie

a exploração.

IV – Investidores como fundos de pensões e seguradoras tradicionalmente

procuram fundos especializados em projetos “brownfield”, ou seja, projetos que já

passaram a fase de investimento e desenvolvimento. Curiosamente esta tendência

dá sinais de se alterar com o financiamento direto dos fundos de pensões a projetos

“greenfield”. Em março de 2014 um projeto de infraestruturas na Escócia teve o

33 Os Acordos de Basileia III ou simplesmente Basileia III referem -se a um conjunto de propostas

de reforma da regulamentação bancária, publicadas em 16 de dezembro de 2010. Trata -se da

primeira revisão de Basileia II (CRD II) e foi realizada ao longo de 2009, com aplicação prevista

para 31 de dezembro de 2010.34 Cf.” Infrastructure investment for insurance companies under Solvency II”, J.P. Morgan Asset

in http://uk.milliman.com/uploadFiles/insight/2013/infrastructure -investment -solvency -ii.pdf,

September 2013, p. 4.35 Ver a propósito das estratégias possíveis Allianz Global.Infrastructure Debt. Allianz Global

Investors Insights (2013).

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

743“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

financiamento de 350 milhões de libras assegurado pelo Banco Europeu de Inves-

timentos, pela seguradora Allianz e por um fundo de pensões do Reino Unido36.

V – Em benefício do rigor expositivo falta mencionar os designados “distressed

funds”, especializados na compra de dívida a desconto para, por esta via, assu-

mirem posições de domínio total e obterem valorizações próximas do “private

equity” puro em ações. Apesar de adquirirem dívida, estes fundos assumem na

realidade o risco de investimento em “equity”.

3. Fundos de infraestrutura privados: contexto histórico e situação atual

I – A evolução desta indústria conheceu duas fases principais. A primeira

percorreu praticamente toda a década de 2000 e foi caracterizada pelo surgi-

mento dos fundos patrocinados pelos grandes bancos de investimento, como

os australianos Mcquarie Bank e o já desaparecido Babcock & Brown e, nos

EUA, pela Goldman Sachs e Morgan Stanley. Estes veículos tinham um perfil

muito próximo de “private equity” com vocação para o investimento em ações

de entidades não cotadas. A crise veio alterar este quadro, muito por força do

novo enquadramento micro prudencial. À luz das novas regras de Basileia III37 os

bancos viram agravados os requisitos de capital regulamentar associados ao capital

de risco e aos financiamentos em infraestruturas. Estes novos condicionalismos

conduziram à separação das unidades bancárias de “private equity” assistindo -se

assim ao advento de fundos independentes38, e de entre estes, ao protagonismo

crescente dos fundos de pensões39.

II – Como já foi sublinhado, as fontes não tradicionais de financiamento

privado (não governamental), direto (em emitentes não cotados em bolsa de

36 A notícia com o título “Pension funds finance the high road…” pode ser consultada in http://

www.efinancialnews.com/story/2014/04/07/pension -funds -infrastructure -investmente -scotland. 37 Os Acordos de Basileia III ou simplesmente Basileia III referem -se a um conjunto de propostas

de reforma da regulamentação bancária, publicadas em 16 de dezembro de 2010. Trata -se da

primeira revisão de Basileia II (CRD II) e foi realizada ao longo de 2009, com aplicação prevista

para 31 de dezembro de 2010.38 “Foi nesta altura que surgiu o Arcus Infrastructure Partners e o SteelRiver Infrastructure

Partners (ex -Babcock &Brown). Cf. Thomson, Andy “Rise and rise of the independente funds”

em Infrastructure Investor 2012 In http://www.infrastructure.com/uploadedFiles/Infrastructure_

Investor/Non -pagebuilder/Non -Alaised/Widget_content/II_30.pdf. 39 Alguns dos principais fundos de pensões mais ativos no investimento em infraestruturas são

os seguintes (os valores entre parêntesis referem -se ao capital angariado entre 2006 e 2011):

Canada Pension Plan Investment Board (Toronto – $8,4 mil milhões); APG Asset Management

(Amesterdão – $7,8 mil milhões); Ontario Teachers Pension Plan (Toronto – 6,87 mil milhões).

Andy Thomson. “Rise and rise of the independent funds” in Infrastructure Investor 2012.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

744 José Gonzaga Rosa

valores) à infraestrutura, têm vindo a ganhar importância devido à persistência

de taxas de juro a níveis historicamente baixos, à volatilidade dos mercados de

capitais e à crescente procura de “yields” superiores às que são proporcionadas pela

dívida soberana de melhor “rating”. Estas fontes não tradicionais, no que respeita

ao financiamento da dívida, integram os “infrastructure debt/mezzanine funds”

não cotados e o financiamento direto efetuado por investidores institucionais.

A “Preqin”, uma conhecida base de dados que colige estatísticas sobre fundos

não cotados, refere que em 2013 os fundos privados de dívida angariaram cerca de

€7,5 mil milhões, o valor mais elevado desde que se recolhe esta informação. Esta

quantia corresponde a cerca de 20% do valor total de fundos angariados por todos

os fundos de infraestrutura não cotados e é o valor mais elevado desde sempre40.

Em maio de 2014 os cinco maiores fundos não cotados especializados em

dívida de infraestrutura envolvidos na angariação de capital eram os seguintes:

Fundos privados de dívida de infraestruturas

Fundo GestoraDimensão alvo

($, mil milhões)Estatuto Local

IL&FS Infrastructure

Debt Fund

IL&FS

Investment

Managers

2 First close India

Allianz UK

Infrastructure

Debt Fund

Allianz Global

Investors

Infrastructure

Debt

1 Raising UK

European

Infrastructure

Debt Fund

Hastings Funds

Management1 Raising Australia

Sequoia Euro

Infrastructure

Debt Fund

Sequoia Investment

Management

Company

1 Raising UK

Sequoia

Sterling

Infrastructure

Fund

Sequoia Investment

Management0,7 Raising UK

Fonte: Infrastructure Spotlight/May 2014, 2014 Preqin Ltd./www.preqin.com

O IL&FS Infrastructure Debt Fund visa o levantamento de $2 mil milhões

para adquirir portfólio de empréstimos bancários a PPP, envolvendo projetos de

sectores diversificados como produção de energia, estradas e aeroportos.

40 Cf. “The 2014 Preqin Global Infrastructure Report, fig. 11.2., Pag. 47

2

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

745“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

4. O interesse de seguradoras e fundos de pensões

I – O que motiva investidores institucionais como fundos de pensões, segu-

radoras e fundos soberanos a aplicar fundos em instrumentos financeiros asso-

ciados ao sector das infraestruturas? Na perspetiva de “asset alocation” este sector

surge na categoria de “classe alternativa de ativos”41 que engloba instrumentos

financeiros (ações, obrigações corporativas e titularizadas, unidades de partici-

pação em fundos de investimento) com exposição direta a projetos de infraestru-

turas. Estes são financiados e geridos por veículos especialmente criados para o

efeito, regra geral sem cotação oficial em bolsas de valores e sem negociação em

mercados regulamentados, e assentam em contratos de concessão com fluxos de

caixa estáveis e previsíveis e protegidos contra a inflação através de mecanismos

automáticos de ajustamento dos preços. Estes ativos constituem uma alternativa

ao investimento em valores mobiliários cotados em bolsas de valores, porque não

estando correlacionados com os índices dos mercados de capitais, contribuem para

a diversificação do binómio risco/retorno das carteiras. Para as seguradoras têm

outra vantagem que decorre da estabilidade que conferem aos ratios de solvência

visto que, não sendo instrumentos financeiros cotados, não estão sujeitos às flutua-

ções dos mercados42.

II – De acordo com a Standard & Poors, os investidores institucionais finan-

ciaram cerca de 18% do investimento global em “Project finance” entre janeiro

de 2012 e fevereiro de 2013. Em contraste com cerca de dois terços financiados

pelos bancos e cerca de 10% por governos. Estes números não captam o valor

aplicado pelos investidores institucionais nos tradicionais fundos comuns de

infraestruturas, em privatizações, em “project bonds” e “corporate bonds” de

empresas de infraestrutura.

41 Webber, Barbara – Infrastructure as an Asset Class. Investment Strategies, Project Finance and

PPP. Wiley Finance (2010).42 “Institutional investors are also typically required to maintain a solvency or funding ratio

above a certain threshold, while applying market valuation principal to their assets. By investing a

larger share of their long -term assets in unlisted instruments such as infrastructure debt or equity,

they can reduce the impact of sharp market downturns affecting public markets. Meeting long-

term objectives while respecting short -term solvency constraints are the fundamental motives

for insurers to acquire long -term, unlisted assets like infrastructure debt or equity”. Blan -Brude,

Frederik, “Defining infrastructure investment under Solvency II, EDHEC -Risk Institute

Research Insights, Investment & Pensions, summer 2013 in http://cib.natixis.com/flushdoc.

aspx?filename=IPE_defining_Infrastructure_under_solvency_II.pdf.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

746 José Gonzaga Rosa

III – De acordo com um survey da Preqin os investidores institucionais alocam

cerca de 4% a 8% dos respetivos ativos sob gestão à classe de infraestruturas.

Finalmente, os dez mais importantes investidores institucionais em infraes-

trutura são os seguintes:

Investidores institucionais em infraestrutura

Rank Investidor Natureza Local

Alocação a

Infraestrutura

($, mil milhões)

Alocação e

Infraestrutura

(% AUM)

1 OmersPublic

Pension FundCanada 13.8 24.0

3CPP

Investment Board

Public

Pension FundCanada 10.4 5.8

3National Pension

Service

Public

Pension FundCoreia 10.0 2.6

4APG – All Pension

GroupAsset Manager Holanda 9.5 2.0

5Ontario Teachers

Pension Plan

Public

Pension FundCanada 9.1 8.0

6Corporacion Andina

de Fomento (CAF)Estado Venezuela 9.0 42.0

7 AustraliaSuperSeperannuition

SchemeAustralia 8.3 14.4

8 Future FundSovereign

Wealth fundAustralia 6.7 8.0

9Government Savings

Bank of Thailand Bank Tailândia 6.1 10.0

10CDP Capital Private

Equity GroupAsset Manager Canada 5.9 3.4

Fonte: Global Infrastructure: How to Fill A $500 Billion Hole in www.standard.com/ratingsdirect

5. Novas tendências na utilização de fundos de infraestrutura

Os “specialized loan funds” do modelo de “private equity”

I – As principais inovações no campo da utilização dos fundos de investimento

para o financiamento das infraestruturas, têm ocorrido sobretudo no domínio dos

fundos privados (“private equity” e “private debt”). O Financial Stability Board43

43 O Conselho de Estabilidade Financeira (“Financial Stability Board (FSB)”) foi constituído

na Cimeira do G -20 de 2 de Abril de 2009, com funções de coordenação, consultoria e

articulação com as autoridades financeiras em matéria de riscos macroeconómicos e financeiros

de alcance internacional. O FSB sucedeu ao Financial Stability Forum, criado em 1999 e recebeu

competências mais alargadas do que o seu antecessor.

3

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

747“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

classifica estas atividades sob a designação de “direct lending”44, onde engloba os

designados “specialized loan funds” e os modelos de co -originação entre bancos

e não -bancos (neste caso seguradoras).

II – No caso dos “specialized loan funds” um gestor de fundos agrupa um

conjunto de empréstimos bancários num veículo de investimentos com a estru-

tura de fundos ou de “trust” e comercializa as unidades representativas destes

ativos junto de investidores profissionais. Através do agrupamento e da diversi-

ficação dos empréstimos, esta técnica apresenta semelhanças com a titularização

de ativos. Porém, as unidades de participação têm a mesma senioridade e ao

contrário do que acontece com a titularização, os fundos apresentam períodos

longos ao contrário dos veículos de titularização que têm por definição vida

finita. O lançamento destes fundos intensificou -se a partir de 2012, não apenas

na Europa onde os bancos estão a reduzir o seu endividamento, mas, igualmente

nos EUA. Os gestores dos fundos estão associados a “hedge funds” e “private

equity”, surgindo também fundos especializados em crédito. Os investidores são

regra geral instituições financeiras não bancárias que pretendem ganhar exposição

ao sector de infraestruturas.

III – Uma modalidade de “specialized bonds” patrocinada por intermediários

financeiros surgiu em 2011 na Índia. O “Infrastructure Debt Fund” com a estru-

tura de “Non Bank Financial Company”, adiante designado por “IDF -NBFC”,

financia -se através da emissão de obrigações com maturidade mínima de 5 anos,

em rupias e em dólares. Estes veículos têm como principal e único objetivo de

investimento, o refinanciamento de empréstimos bancários a parcerias público

privadas (“PPP”) envolvendo projetos com construção concluída e pelo menos

um ano de operação. Os IDF -NBFC foram desenhados para investidores finan-

ceiros, regra geral bancários, devido às condições impostas para a sua constituição.

IV – Os modelos de co -geração com bancos são uma variante dos modelos

de organização e distribuição prevalecentes antes da crise. Neste contexto, os

bancos sinalizam oportunidades de concessão de crédito, efetuam as análises de

risco, originam os financiamentos e transferem -nos para entidades não bancárias

que na prática concedem crédito. Este modelo prevalece na Europa e envolve

parcerias com entidades seguradoras. O quadro que se segue apresenta alguns

exemplos deste modelo de co -originação.

44 Financial Stability Board, Global Shadow Banking Monitoring Report 2013, 14 November

2013 in www.financialstabilityboard.org/publications/r_131114htm .

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748 José Gonzaga Rosa

Co -originação entre bancos e não bancos

Instituição

Não BancáriaBanco

Data

de Anúncio

Total

(milhões €)

Sector

do mutuário

CNP Assurence Natixis Maio 2012 2 000 Infraestrutura

AXA Societe Generale Junho 2012 n.a. Consumo

Ageas Natixis Agosto 2012 2 000 Infraestrutura

AXA Credit Agricule Outubro 2012 n.a. Consumo

AXA Commerzbank Junho 2012 n.a. Consumo

Fonte: Financial Stability Board. Global Shadow Banking Monitoring Report 2013, 14 novembro

2013, pág. 43

“Mutual Funds” com perfil de “private equity”: a experiência da União Indiana

V – Em 2011 a União Indiana criou a figura do “infrastructure debt fund”

com o objetivo de facilitar a migração dos financiamentos das PPP para inter-

mediários financeiros (instituições financeiras não bancárias e organismos de

investimento colectivo), financiados nos mercados de capitais (sobretudo junto

de investidores institucionais), e abrir uma nova frente no financiamento privado

não bancário ao investimento em infraestruturas. Desta forma criou duas estru-

turas jurídicas. Os “IDF” no regime contratual de organismos de investimento

colectivo na modalidade de “Mutual Funds” (“IDF -MF”), que na realidade são

uma tentativa de réplica do modelo de “private equity” aos fundos comuns, e os

“IDF” sob a forma de instituição de crédito não bancária (“Non Bank Financial

Company”) (“IDF -NBFC”), muito próximos na sua lógica de funcionamento à

actividade de agregação de empréstimos para titularização financiada por instru-

mentos de dívida derivados de ativos colateralizáveis.

Os “IDF” constituídos como “MF”, adiante designados por “IDF -MF”,

têm que investir pelo menos 90% do seu ativo em dívida de empresas de infraes-

trutura, incluindo -se aqui as obrigações corporativas, obrigações titularizadas e

empréstimos bancários de sociedades de projeto ou de veículos financiadores ou

de sociedades instrumentais ligadas a projetos de infraestrutura. O Ministério das

Finanças emite instruções periódicas com a definição de infraestruturas.

6. Conclusão: uma tipologia possível de fundos especializados no financiamento

privado não bancário a infraestruturas

I – Os fundos que seguem o modelo de retalho com levantamento de capital

junto do público (pessoas indeterminadas) são a opção privilegiada de financia-

mento privado indireto ao sector das infraestruturas. Estes veículos investem em

instrumentos financeiros cotados com predomínio para as empresas de “utilities”

e “corporate bonds” e são na sua maioria fundos abertos.

4

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

749“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

II – Os fundos inspirados no modelo de “private equity” são regra geral cons-

tituídos na modalidade de fundos de acumulação e são mais frequentes na Europa

e EUA. Estes veículos proporcionam uma exposição direta à dívida do sector de

infraestruturas sob a forma de empréstimos a PPP e “project bonds”. Origina-

riamente patrocinados por gestores de “private equity”, observa -se desde 2012 a

tendência das seguradoras passarem a lançar os seus próprios fundos. Os fundos

patrocinados por gestores de “private equity” e “hedge funds” são procurados

por investidores institucionais de dimensão intermédia que muitas vezes investem

numa lógica de parcerias (co -investimento). Enquadram -se nesta categoria os

“specialized loan funds” sob a forma de “Infrastructure Debt Funds – Non Bank

Financial Companies” regulados pelo Reserve Bank of India.

III – Temos soluções intermédias recentes que combinam o modelo “private

equity” com a versão de retalho e assentam em veículos com vocação de largo

espectro em termos de comercialização. É o caso da “infrastructure debt funds”

constituídos sob a forma de “mutual funds” supervisionados pela “SEBI -Securities

and Exchange Board of India” com a particularidade de investirem em ativos não

cotados para os quais é exigido um “rating” mínimo de nível “A”. Estes fundos

têm resgate cíclico, sendo obrigatória a cotação em bolsa de valores para garantir

a liquidez das unidades de participação.

IV – Apresentamos, seguidamente, uma tipologia possível de fundos de inves-

timento, classificados em função das estratégias de angariação de capital e base

de investidores.

Fundos comuns – modelo retalho

OICVM (fundos abertos) e OIA (fundos abertos e fechados).

“Unit trust” (RU) – fundos abertos assentes numa relação negocial entre

o investidor e o prestador de serviços45.

“Open -end investment companies – Mutual funds” (EUA) – fundos aber-

tos que têm um número variável de ações que são vendidas ou resgatadas

ao seu valor líquido46.

“Infrastructure debt funds – mutual funds” (Índia) – fundos de resgate

cíclico47.

45 Veiga, Alexandre Beirão, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, 1999,

Almedina, p. 193.46 Ibidem, p. 196.47 Autor, § 7.º, Capítulo III.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

750 José Gonzaga Rosa

Fundos de capital de risco – modelo “private equity”

Fundos de capital de risco (Portugal)48.

“Investment trust” (RU e EUA) – entidades independentes com sócios e

conselho de administração49 fundos fechados cotáveis na bolsa50.

“Closed -end investment companies – Investment trust” (EUA).

“Infrastructure Debt Funds – Non Bank Financial Companies” (Índia)51.

Fundos especializados em infraestruturas – modelo patrocinado

por entidades públicas

“Infrastructure debt funds – Mutual funds” (Índia). India Infrastructure

Finance Company Ltd. (“IIFCL”), uma empresa de capitais integralmente

públicos, e financiada até 2012 pela emissão de títulos de dívida com garan-

tia pública.

Tailândia.

Nigéria (previstos).

7. Fundos Comuns Harmonizados vs Alternativos: o regime jurídico em Portugal

I – Em Portugal o Decreto -Lei n.º 63 -A/2013 (“NRJOIC”) que veio

transpor a Diretiva 2009/65/CE (“Diretiva OICVM”) do Parlamento Europeu

e do Conselho de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas,

regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investi-

mento coletivo em valores mobiliários (“OICVM”), consagra o acesso aos fundos

de investimento comuns sob a forma de organismos de investimento coletivo

em valores mobiliários (“OICVM”)52 e organismos de investimento alternativo

(“OIA”), quer na forma contratual (fundos de investimento), quer na forma socie-

tária de sociedades de investimento53. Os OIC que preenchem os requisitos de

investimento previstos na Diretiva OICVM, são qualificados como harmonizados

sendo -lhes reservada a expressão de OICVM, permanecendo os demais como

fundos de investimento alternativo, em linha com a terminologia adotada na

Diretiva n.º 2011/61/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de junho

48 Autor, n.º 8, § 5.º, Capítulo III.49 Veiga, Alexandre Beirão, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, 1999,

Almedina, p. 193.50 Ibidem, p. 196.51 Autor, § 8.º, Capítulo III.52 Designados por OIC harmonizados no anterior regime jurídico.53 N.º1, artigo 4.º, Decreto -Lei n.º 63 -A/2013 de 10 de maio.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

751“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos, que utiliza

a expressão «alternativos» para designar os OIC não harmonizados.

Investimento de capitais recebidos do investidor de retalho

II – Ambos têm em comum a particularidade de se dirigirem fundamen-

talmente a investidores de retalho (o novo Regime Jurídico dos Organismos

de Investimento Coletivo adoptou a designação de “investidores” no lugar de

“público”), por definição entidades indeterminadas, sendo esta aliás, uma das

principais diferenças face a outros investidores de perfil mais profissional que

buscam o capital de risco54.

O requisito de obtenção de capital junto de investidores (expressão igual-

mente contemplada na Diretiva OICVM) para os OICVM encontra -se refletido

no NRJOIC na exigência de abertura do capital, definida pela variabilidade do

capital e traduzida na possibilidade de subscrição e resgate continuo por qualquer

investidor55, aliada ao requisito de dispersão de capital por um mínimo de 100

participantes. Diferentemente, no caso dos organismos de investimento alterna-

tivo (“OIA”) a partir dos seis meses de atividade a exigência de dispersão é, de

pelo menos, 30 participantes56.

Repartição do risco: carteiras diversificadas de ativos

III – Sendo os OICVM o produto típico de grande retalho, circunstância

reforçada pelo fato de serem, por definição, um “OIC” aberto, ao contrário dos

OIA que podem ser abertos ou fechados57, estão necessariamente sujeitos a um

54 “é usual apresentar as operações de capital de risco como antinómicas em relação às operações

no mercado de valores mobiliários, uma vez que tipicamente aquelas não envolvem captação

de fundos junto do público”. Câmara, Paulo – Manual de Direitos dos Valores Imobiliários, p. 805. 55 «Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários», ou abreviadamente «OICVM»,

os OIC abertos: “i) Cujo objeto exclusivo seja o investimento coletivo de capitais obtidos junto de

investidores não exclusivamente qualificados em valores mobiliários ou outros ativos financeiros

líquidos. (…), Cujas unidades de participação sejam, a pedido dos seus titulares, readquiridas

ou resgatadas, direta ou indiretamente, a cargo destes organismos” alínea b), n.º 1, artigo 2.º do

Decreto -Lei n.º 63 -A/2013 de 10 maio.56 Ibidem, al. a), n.º 1, artigo 16.º.57 «Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários», ou abreviadamente «OICVM»,

os OIC abertos: “i) Cujo objeto exclusivo seja o investimento coletivo de capitais obtidos junto de

investidores não exclusivamente qualificados em valores mobiliários ou outros ativos financeiros

líquidos. (…), ii) Cujas unidades de participação sejam, a pedido dos seus titulares, readquiridas ou

resgatadas, direta ou indiretamente, a cargo destes organismos” Al. b), n.º 1, artigo 2 do Decreto-

-Lei n.º 63 -A/2013 de 10 maio.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

752 José Gonzaga Rosa

conjunto de princípios e regras padronizadas, quer no que respeita à política de

investimento, quer na resposta ao financiamento. No que respeita à política de

investimento, destaca -se a obrigatoriedade das carteiras serem constituídas pelo

menos em 90% do respetivo valor, por valores imobiliários e instrumentos do

mercado monetário admitidos à negociação58, ou por valores mobiliários recen-

temente emitidos, e por depósitos bancários à ordem ou a prazo não superior a

12 meses que sejam suscetíveis de mobilização antecipada59 com limite de 20% do

valor líquido de depósitos junto de uma mesma entidade60. Os OICVM podem

ainda investir em unidades de participação de OICVM autorizados nos termos

do NRJOIC (com limite de 20% por um único OIC)61 e 30% no conjunto de

OIC62 que respeitem a diretiva OICVM, em instrumentos financeiros derivados

com elevada liquidez63, em instrumentos de mercado monetário não negociados

nos mercados regulamentados, cuja emissão ou emitente seja objeto de regula-

mentação para efeitos de proteção dos investidores ou da poupança, desde que

cumpridas determinadas condições64. Para evitar o risco da contra parte, os

OICVM não podem adquirir mais de 10% das ações sem direito de voto e 10%

dos títulos de dívida de um mesmo emitente, 25% das unidades de participação de

um mesmo OICVM ou OIAVM e 10% dos instrumentos do mercado monetário

de um mesmo emitente65. Globalmente, um OICVM não pode investir mais do

que 10% do seu valor líquido global em valores mobiliários e instrumentos do

mercado monetário emitidos por uma mesma entidade66 (este limite é elevado

para 35% no caso de valores mobiliários e instrumentos do mercado monetário

emitidos ou garantidos por um Estado -Membro, pelas suas autoridades locais ou

regionais, por um terceiro Estado ou por instituições internacionais de caráter

público a que pertençam um ou mais Estados -Membros67, e para 25% no caso de

obrigações, nomeadamente hipotecárias, emitidas por uma instituição de crédito

sedeada num Estado -Membro, desde que essa possibilidade esteja expressamente

prevista nos documentos constitutivos68).

58 Ibidem, n.º 7 artigo 137.º.59 Ib, ibidem, alínea d), n.º 1, artigo 137.º.60 Ib, ibidem, alínea b), n.º 1, artigo 142.º.61 Ib, ibidem, n.º 1, artigo 143.º.62 Ib, ibidem, n.º 2, artigo 143.º.63 Ib, ibidem, alínea e), n.º 1, artigo 137.º.64 Ib, ibidem, alínea f ), n.º 1, artigo 137.º.65 Ib, ibidem, n.º 1, artigo 143.º.66 Ib, ibidem, alínea a), n.º 1, artigo 142.º.67 Ibidem, n.º 5, artigo 142.º.68 Ibidem, n.º 6, artigo 142.º.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

753“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

IV – Os OIA têm maior flexibilidade na política de investimento (no que

respeita aos limites na subsecção II da secção I do título II do NRJOIC), tradu-

zida na possibilidade de, por exemplo, investir até 100% em valores mobiliários,

instrumentos de mercado monetário e depósitos emitidos por uma mesma enti-

dade (20% quando se trata de entidades que se encontram em relação de domínio

ou de grupo nomeadamente com a sociedade gestora), ou na ausência de limites

ao investimento em ativos não cotados, ou na política de endividamento. A esta

maior liberdade de gestão da carteira dos OIAVM podem estar associados riscos

acrescidos quando comparados com os OICVM.

V – Por exemplo, risco de crédito/contraparte porque o fundo não tem que

solicitar uma notação creditícia mínima para os seus investimentos, podendo deste

modo comprar instrumentos de entidades com menor capacidade de cumprir com

as suas responsabilidades. Este tipo de risco é ainda potenciado pelo investimento

em ativos não cotados, que não se encontra sujeito a qualquer limite.

VI – O risco de concentração, visto que embora o fundo possa ter uma carteira

relativamente diversificada, por se tratar de um fundo alternativo não está sujeito

a limites mínimos de dispersão além dos fixados no regulamento de gestão.

VII – Risco cambial, dado que a entidade gestora não se encontra obrigada a

efetuar em permanência a cobertura cambial dos ativos em carteira do fundo, pelo

que daí poderá resultar risco cambial nos respetivos investimentos. O NRJOIC

prevê a possibilidade de um OIA que não seja OIAVM, desde que invista pelo

menos um mínimo de 30% do respetivo valor líquido global em ativos não

financeiros, desde que sejam bens duradouros e tenham valor determinável e,

um máximo de 25% do respetivo valor líquido global em ativos imobiliários69.

Apesar da maior flexibilidade no desenho das estratégias de investimento, a

CMVM pode recusar determinados tipos de ativos para a constituição de um

OIA, sempre que a proteção dos investidores e do regular funcionamento do

mercado o imponha, designadamente por falta de transparência relativamente

aos mercados de transação dos mesmos, à valorização destes ou das unidades de

participação dos OIA70.

A necessidade de salvaguardar a diversificação de carteira em consonância

com o principio de repartição de risco previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º,

em função do valor líquido global do OIA, deverá estar presente na definição dos

69 Ibibidem, n.º 1, artigo 170.º.70 Ibidem, alínea c), n.º 4, artigo 170.º.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

754 José Gonzaga Rosa

limites de investimento no que respeita a71: (a) ativo ou entidade; (b) operações

de empréstimo e reporte de instrumentos financeiros; (c) operações sobre instru-

mentos financeiros derivados, incluindo derivados sobre mercados; (d) vendas a

descoberto sobre instrumentos financeiros e as condições a que se encontra sujeita

a sua realização.

O regulamento da CMVM n.º 5/2013 tipifica algumas modalidades de

OICVM e OIAVM, deixando em aberto a possibilidade de adoção de OIC dife-

rentes dos elencados.

8. Fundos de Capital de Risco

I – Os fundos de capital de risco são expressamente afastados pela regula-

mentação dos OIC e seguem o regime consagrado no Decreto -Lei n.º 375/2007

de 8 de novembro. Esta figura apresenta quatro traços distintivos face aos fundos

comuns72. Em primeiro lugar, no que respeita à composição do fundo, o investi-

mento em valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamen-

tado não pode exceder os 50% do respetivo ativo73 sendo que os “investimentos

deverão contemplar instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital

alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma

de beneficiar da respetiva valorização”74. Em segundo lugar e ao contrário dos

fundos de investimento comum, nada impede o domínio societário das entidades

que são objeto de investimento. Em terceiro lugar, existe uma segmentação do

“público” vocacionado para o investimento nestes veículos ao fixar -se que a “subs-

crição de um FCR está sujeita a um mínimo de subscrição de (euro) 50 000 por

cada investidor”75. Finalmente, os “FCR são fechados e têm um capital subscrito

mínimo de (euro) 1 000 000”76.

II – O regime de capital de risco está concebido para investimento em “equity”

não existindo a este nível estruturas para acomodar fundos de dívida na lógica

de “private debt” e muito menos de fundos especializados em infraestruturas.

71 Ibidem, alínea c), n.º 3, artigo 170.º.72 Conferir pp. 576 a 578. Veiga, Alexandre Brandão, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário

– Regime Jurídico, 1999, Almedina. 73 Alínea b), n.º 1, artigo 7.º, Decreto -Lei n.º 375/2007 de 8 de novembro. 74 Ibidem, artigo 2.º.75 N.º 2, artigo 17.º, Decreto -Lei n.º 375/2007 de 8 de novembro. 76 Ibidem, n.º 1, artigo 16.º.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

755“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

III – Como sublinha Paulo Câmara77 “apesar de ter desaparecido a contrapo-

sição entre os FIQ e os FCP, no novo regime subsiste uma diferenciação porque

os fundos não distribuídos junto do grande público ficam sujeitos a um regime

administrativo simplificado”. Na realidade “estão sujeitos a mera comunicação

prévia à CMVM a constituição de FCR e o inicio de atividade de IRC e de SRC

cujo capital não seja colocado junto do público e cujos detentores do capital sejam

apenas investidores qualificados ou, independentemente da sua natureza, quando o

valor mínimo de capital por estes subscrito seja igual ou superior a (euro) 500 000

por cada investidor individualmente considerado”78.

Capítulo III – Regime dedicado a fundos de investimento especializados

em dívida de infraestruturas: “Securities Exchange Board of India” e

“Reserve Bank of India”

§ 5.º “Infrastructure Debt Funds” (“IDF”) na Índia: estruturas juridicas de acolhimento

1. Enquadramento histórico

I – A ideia de criação de fundos vocacionados para o financiamento privado

não bancário a projetos de infraestrutura surge em 2006 e decorreu, por um lado,

da impossibilidade do orçamento de Estado financiar a totalidade dos projetos

de infraestruturas, por muito viáveis que fossem, e por outro, da ideia de que

era essencial criar uma solução complementar ao financiamento bancário dado o

caráter de longo prazo das necessidades de financiamento79.

É neste contexto que o Governo Indiano constituiu em janeiro de 2006 a

India Infrastructure Finance Company Ltd. (“IIFCL”), uma empresa de capitais

77 Câmara, Paulo – Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª ed., Almedina, 2011. p. 810 .78 Artigo 14.º, Decreto -Lei n.º 63 -A/201379 O Ministro da Finanças da União Indiana no discurso de apresentação do orçamento de 2006

referiu o seguinte: “the importance of infrastructure for rapid economic development cannot

be overstated. The most glaring deficit. Investment in infrastructure will continue to be funded

through the budget. However, there are many infrastructure projects that are financially viable

but, in the current situation, face difficulties in raising resources. I propose that such projects may

be funded through a financial Special Purpose Vehicle…… The SPV will lend funds, especially

debt of longer -term maturity, directly to the eligible projects to supplement other loans from

banks and financial institutions. Government will communicate the borrowing limit to the SPV

the beginning of each fiscal year. In http://www.iifcl.org/Content/Gensis.aspx.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

756 José Gonzaga Rosa

integralmente públicos e financiada até 2012 pela emissão de títulos de dívida

com garantia pública.

Em 2009 foi criado um novo mecanismo com o objetivo de acelerar a cana-

lização de fundos do sistema bancário e do mercado de capitais para o financia-

mento de infraestruturas. Esta iniciativa ficou conhecida como “takeout finance”

e inaugurou a possibilidade dos bancos transferirem para o IIFC empréstimos

bancários com pelo menos cinco anos de execução, por se entender que a partir

dessa altura, o projeto já havia comprovado a sua sustentabilidade.

O mecanismo de “takeout finance” não teve a popularidade esperada porque

os bancos encararam -no como uma forma de transferirem os empréstimos mais

problemáticos. E para além disso, mesmo que conseguissem refinanciar a carteira,

os limites de exposição individual a determinadas contas impediam -nos de

conceder mais crédito.

A experiência pioneira do fundo de infraestrutura de iniciativa pública através

da “IIFCL” ficou aquém dos objetivos iniciais em termos de canalização de fundos

para o financiamento das infraestruturas. Porém, teve a virtude de evidenciar a

necessidade de fundos de dívida de longo prazo dedicados a infraestruturas.

II – Foi para ultrapassar estas dificuldades que no discurso de apresentação

do Orçamento de Estado para 2012, o Ministro das Finanças da União Indiana

anunciou a criação de fundos de infraestrutura de dívida, designados por “Infras-

tructure Debt Funds” (“IDF”) com o objetivo de atrair capitais privados de longo

prazo para o financiamento da componente de dívida de projetos de investimento,

visando o financiamento de cerca de metade do programa público de desenvol-

vimento de infraestruturas estimado em cerca de $1 trilião80. A necessidade de

diversificar as fontes de financiamento foi em parte decorrente da sobre exposição

do sistema bancário ao sector, impedindo a generalidade dos bancos de conceder

crédito adicional, e gerando dificuldades acrescidas na gestão do “asset liability

management”. Assim o objetivo principal destas novas estruturas jurídicas, era,

sobretudo, o de refinanciar empréstimos bancários migrando -os para o mercado de

valores mobiliários de renda fixa (obrigações), através da diversificação das fontes

de financiamento junto de investidores institucionais como fundos de pensões

e seguradoras. E desta forma, libertando o sistema bancário para a concessão de

novos financiamentos e promovendo a reposição do equilíbrio de maturidades

80 “The draft Twelfth Five Year Plan (2012 -2017) has set am ambitious target of increasing the

total investment in infrastructure from around 8% of GDP in the base year of the plan 2011 -2012

to about 10% of GDP by the terminal year 2016 -2017. The total investment in infrastructure

would have to be over $1 trillion during the Twelfth Plan period”. Planning commission of India,

in http://planningcommission.gov.in/aboutus/committee/wg_infrastructure.pdf .

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

757“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

entre ativos e passivos. A título instrumental, a criação destas entidades tinha

ainda em vista o aprofundamento do mercado secundário de dívida corporativa

(por oposição à dívida soberana).

2. Estruturas jurídicas: visão macroscópica

Em 2007 quatro anos antes do anúncio formal da criação dos novos veículos,

a Securities and Exchange Board of India (“SEBI”) criou um grupo de trabalho

para estudar as grandes linhas de orientação para a criação de fundos de inves-

timento dedicados ao financiamento de infraestruturas. Na altura concluiu que

teriam de ser estruturados de forma diferente dos existentes organismos de investi-

mento coletivo estabelecidos no regime de “mutual funds”, pelo fato das aplicações

serem dirigidas a instrumentos financeiros não cotados e não transacionados em

mercados regulamentados, e apresentarem períodos de vida de longa duração81.

À luz destes condicionalismos, foram criadas duas estruturas jurídicas para

acolher os novos fundos. Por um lado, os “IDF” estabelecidos como “mutual

funds” (“MF”) com a figura de “trust”, e por outro os IDF constituídos como insti-

tuição financeira não bancária (“Non Bank Financial Company” ou “NBFC”).

Os “IDF” constituídos no regime de “MF” ficaram debaixo da regulação da

“Securities and Exchange Board of India” (“SEBI”)82, enquanto as “NBFC”

foram sujeitas à supervisão do “Reserve Bank of India” (“RBI”)83.

O objetivo do Governo indiano com a criação destas estruturas foi o de captar

investidores de longo prazo, como fundos de pensões e seguradoras, tradicional-

mente expostos a dívida pública soberana. Para este efeito teve que dotar estes

instrumentos de nível de risco reduzido, razão pela qual está vedado aos “IDF”

a aquisição de “distressed debt”. Para além disso, no caso dos “IDF -NBFC”, os

empréstimos refinanciados têm que ter sido originados em PPP e completado

81 Cf. Ponto 2.2. do Proposed Amendments to SEBI (Mutual Funds) Regulations, 1996 to provide

Framework for Infrastructure Debt Fund. “In 2007 SEBI had set up a Committee to suggest the

broad guidelines for launch and operations of Dedicated Infrastructure Funds. In its report dated

July 23, 2007, the report detailed the rationale and modalities of setting up Dedicated Infrastructure

Funds under the MF Regulations. The Committee recommended that the Infrastructure Funds

will need to be structured differently from the current Mutual Fund Schemes, as these will largely

invest in unlisted companies, with longer gestation periods”. 82 A SEBI anunciou a revisão da legislação referente a “Mutual Funds” datada de 1996, em 30 de

agosto de 2011 com a inclusão de um novo capítulo (VI -B) referente aos IDF constituídos sob a

forma de MF. In http://www.sebi.gov.in/acts/mfamendaug2011.pdf. 83 O RBI anunciou os requisitos genéricos para a constituição de IDF pelos bancos e pelas

sociedades financeiras não bancárias em 23 setembro 2011, (“RBI”), seguidas de circulares mais

detalhadas em 21 de novembro 2011.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

758 José Gonzaga Rosa

pelo menos um ano de operação dentro das expectativas previstas e têm que estar

suportados por Acordos Tripartidos entre o fundo, o concessionário e o conce-

dente público.

Nos casos dos “IDF -MF” apenas podem adquirir instrumentos com “rating”

mínimo de nível “A”.

§ 6.º “Infrastructure Debt Funds” na forma contratual (“Mutual Funds”)

1. Breve panorâmica

I – A regulação do regime jurídico dos “Mutual Funds” na Índia consta de

um código de 1996 designado por “SEBI (MUTUAL FUNDS) REGULA-

TIONS, 1996” que tem vindo a ser acrescentado de várias circulares, algumas

delas decorrentes, por exemplo, da criação dos “IDF”. A versão consultada no

nosso trabalho incorpora todas as alterações efetuadas até 2013 e o acesso foi feito

através do sítio electrónico da SEBI em 7 de abril de 2014 onde consultamos o

documento com a designação de “SEBI -mutualfundreg1996_p.pdf”84. O regime

jurídico dos “Mutual Funds” (“SEBI MUTUAL FUNDS REGULATION 1996)

está dividido em onze capítulos.

O capítulo I (“Preliminary”) é de natureza preambular, consagra a designação

de “Securities and Exchange Board of India (Mutual Funds) Regulations, 1996”

e, apresenta definições dos institutos jurídicos presentes na regulação.

O capitulo II (“Registration Mutual Fund”) é composto por 11 artigos e

prevê os procedimentos de registo do fundo, cujo impulso processual parte do

“sponsor”, ou seja, a entidade que toma a iniciativa de criar e registar o fundo.

Os organismos de investimento coletivo na regulamentação indiana seguem a

figura do “trust”.

Neste contexto, o capítulo III (“Constitution and Management of Mutual

Fund and Operation of Trustees, Etc”) é composto por cinco artigos, e prevê os

procedimentos de início de atividade e gestão do fundo, a par das obrigações do

“trustee”. E o capítulo IV (“Constitution and Management of Asset Manage-

ment Company and Custodian”) é dedicado às obrigações da entidade gestora e

da entidade responsável pelos serviços de custódia.

O capítulo V (“Schemes of Mutual Fund”) estabelece as condições de criação

e lançamento de fundos patrimoniais autónomos geridos no contexto de um

determinado “trust”.

84 Chapter VI -B, Infrastructure Debt Funds, SEBI (Mutual Funds) Regulations, 1996, a versão

com todas as circulares atualizadas até 16 de abril 2013 in http://www.sebi.gov.in/cms/sebi_data/

commondocs/SEBI -mutualfundregu1996_p.pdf .

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

759“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

O capítulo VI (“Investment Objectives and Valuation Policies”) consagra a

tipologia de fundos mutualistas que podem ser lançados com base no investimento

coletivo de capitais obtidos junto de investidores, estando previsto o investimento

em ativos constituídos por “infrastructure debt instrument and assets”85. Este

capítulo regula o endividamento dos fundos, a possibilidade de tomada firme

de emissões de títulos, princípios de avaliação e cômputo do “Net Asset Value”.

O capítulo VI – A (“Real Estate Mutual Fund Schemes”) regula a criação

de fundos de investimento imobiliário e o capítulo VI – B (“Infrastrucutre Debt

Fund Schemes”) o mesmo para os fundos de dívida de infraestrutura.

O capítulo VII (“General Obligations”) prevê obrigações genéricas para as

entidades gestoras relacionadas com os registos contabilísticos e contas dos fundos,

procedimentos relativos a “fees” de gestão e despesas incorridas por conta dos

fundos e requisitos de auditoria.

O capítulo VIII (“Inspection and Audit”) aborda procedimentos de inspeção

pelo regulador (“SEBI”) e o capítulo IX (“Procedure for Action in Case of Default”),

a tipificação de situações de quebra de dever de cooperação e de código de conduta

que pode gerar procedimento administrativo sancionatório pelo regulador.

II – O regime jurídico que acolhe o investimento coletivo de fundos obtidos

junto do público na Índia assenta na figura do “unit trust”. Neste aspeto não

oferece novidade face ao enquadramento conhecido desta figura típica dos orde-

namentos jurídicos da “common law”. Como sublinha Diogo Leite Campos e

Maria João Vaz Tomé86 a figura contratual do “trust” surge como “uma estru-

tura de governo mais complexa”, entre outras, para assegurar a concretização

dos “objetivos de diversificação dos pequenos investidores apenas suscitáveis de

serem atingidos mediante a combinação dos seus recursos com aqueles terceiros”.

Estes autores prosseguem, defendendo que tendo em conta a minimização dos

“custos de informação” para os “investidores individuais”, salvaguardando -os da

regra da maioria dos “investment club” que, neste aspeto, se assemelham a um

“partnership”, “são concedidos amplos poderes discriminatórios aos respetivos

gerentes e o mecanismo mais eficiente para assegurar o exercício dos mesmos em

conformidade com os interesses dos contribuintes tem sido o “trust”87.

85 Artigo 43 do chapter VI -B, Infrastructure Debt Funds, SEBI (Mutual Funds) Regulations,

1996, a versão com todas as circulares atualizadas até 16 de abril 2013 in http://www.sebi.gov.in/

cms/sebi_data/commondocs/SEBI -mutualfundregu1996_p.pdf.86 A Propriedade Fiduciária (TRUST). Estudo para a sua compreensão no direito português,

Almedina, 1999, p. 183.87 A Propriedade Fiduciária (TRUST). Estudo para a sua compreensão no direito português,

Almedina, 1999, p. 184.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

760 José Gonzaga Rosa

Nesta linha de pensamento, os “Mutual Funds”88 presentes na regulação

indiana podem ser definidos como organismos de investimento coletivo orga-

nizados na forma de “trust”, que têm como fim a recolha de fundos junto do

público, visando o investimento em valores mobiliários, com determinados obje-

tivos de retorno. A “pool” de fundos assim recolhida é investida em patrimónios

autónomos e os ativos ilegíveis podem ser os seguintes89: (a) valores mobiliários

(“securities”), (b) instrumentos de mercado monetário (“money markets instru-

ments”); (c) instrumentos de dívida corporativa de médio e longo prazo colocados

em subscrição particular (“privately placed debentures”); (d) obrigações titula-

rizadas (“securitised debt instruments”); (e) metais preciosos (“Gold”); (f ) ativos

imobiliários (“real estate assets”); (g) instrumentos de dívida associada a infraes-

truturas (“infrastructure debt instruments”).

Os “Mutual Funds” podem ser fundos abertos com resgate cíclico ou fundos

fechados com termo. A maioria dos fundos segue a primeira modalidade.

2. “IDF – MF”: regime jurídico

I – Os “IDF” constituídos como “MF”, adiante designados por “IDF -MF”,

têm que investir pelo menos 90% do seu ativo em dívida de empresas de infraes-

trutura, incluindo -se aqui as obrigações titularizadas e empréstimos bancários de

sociedades de projeto ou de veículos financiadores ou de sociedades instrumentais

ligadas a projetos de infraestrutura90.

A definição dos ativos elegíveis afasta à partida eventuais ambiguidades sobre

a política de investimentos. Por um lado, pretende -se o investimento exclusivo

em instrumentos representativos da dívida, excluindo -se assim o investimento

em “ações”, e por outro, que os fundos sejam canalizados diretamente para as

entidades envolvidas em projetos de infraestruturas, seja na componente opera-

88 Alínea q), artigo 2.º “mutual fund” means a fund established in the form of a trust to raise monies

through the sale of units to the public or a section of the public under one or more schemes for

investing in securities including money market instruments or gold or gold related instruments

or real assets”. Sebi (Mutual Funds) regulations, 1996. 89 Chapter VI -B, Infrastructure Debt Funds, SEBI (Mutual Funds) Regulations, 1996, a versão

com todas as circulares atualizadas até 16 de abril de 2013 in http://www.sebi.gov.in/cms/sebi_

data/commondocs/SEBI -mutualfundregu1996_p -pdf . 90 Artigo 49L: “Infrastructure debt fund scheme” means a mutual fund scheme that invests

primarily (minimum 90% of scheme assets) in the debt instruments of infrastructure companies

or infrastructure capital companies or securities or infrastructure projects or special purpose of

facilitating or promoting investment in infrastructure, and other permissible assets in accordance

with these regulations or bank loans in respect of completed and revenue generating projects of

infrastructure companies or projects or special purpose vehicles”. SEBI (Mutual Funds) Regulations,

1996, in http://www.sebi.gov.in/cms/sebi_data/commondocs/SEBI -mutualfundregu1996_p -pdf.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

761“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

cional de desenvolvimento e execução do projeto, seja na componente de veiculo

de financiamento, ou ainda, para as sociedades instrumentais dos acionistas das

sociedades de projeto.

A intenção de afastar outros escolhos terminológicos ficou ainda evidente

na delimitação do conceito de infraestruturas, remetendo -a para as orientações

emitidas pela SEBI de acordo com indicações do Ministério das Finanças. Assim

os sectores que integram a classificação de infraestruturas são os seguintes:

Classificação de infraestruturas

Sector Subsector

1 Transporte Estradas e pontes

Portos

Vias navegáveis

Caminhos -de -ferro, túneis, viadutos, pontes

Transporte público urbano (salvo material circulante no caso do

transporte rodoviário)

2 Energia Meios físicos associados à geração, transmissão e distribuição

Pipelines (incluindo gás natural)

3 Saneamento

Básico

Resíduos sólidos

Meios físicos de captação e distribuição

Estações de tratamento

Sistemas de recolha de águas residuais (esgotos)

Estruturas de irrigação

Canais de drenagem

4 Comunicação Rede fixa e móvel, incluindo infraestrutura

Principal e as redes de fibra ótica

5 Infraestrutura

Social e Comercial

Educação

Hospitais

Hotéis com a classificação de três estrelas localizados fora das cidades

com uma população superior a um milhão de pessoas

Infraestrutura de parques industriais, turismo e mercados agrícolas

Armazéns para produtos agrícolas

Laboratórios

Mercados

Fonte: Autor

O diagrama da página seguinte apresenta a estrutura típica do “IDF” cons-

tituído como um “MF” sob a forma de “trust”.

A dimensão subjetiva do “Mutual Fund” compreende quatro entidades

principais: o “sponsor”, a sociedade gestora (“asset management company”), o

“trustee” e a entidade de custódia de valores (“custodian”). O “sponsor” cria o

fundo e procede ao registo junto da “SEBI”.

5

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

762 José Gonzaga Rosa

O “trustee” representado pelo “Board of Truestees” (“BoT”) é a entidade que

detém a propriedade legal do “trust” em benefício dos detentores das unidades

do “trust”. A responsabilidade do “BoT” consiste em acompanhar as entidades

do gestor e assegurar a sua correspondência com a regulamentação da “SEBI”.

Fonte: http://iifclmf.com/what -is -infrastructure -debt -fund

“Infrastructure Debt Fund” na modalidade de “Mutual Fund”

* Appointed by sponsor

# Appointed by Trustees and AMC

@ Appointed by Trustees and AMC

** Investment in debt & equity is as SEBI regulation

IDF -MF

Other Equity Partners

As Sponsor As Strategic Investor

Asset

Management

Company (AMC)

IDF -MF

Trust fund

IDF Schemes

Non PPP Projects Infra CompaniesPPP Projects

Debt Securities &

Securitized Debt

Instruments

company engaged in infra

development projects

Trustee *

Custodian @

Register &

Transfer Agent#

Balance

At least 90% of Net Assets

RTA Services

**

Custodian Services

Trusteeship services

Fund Management Services

At least 40%

Other Investors

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

763“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

Condições de acesso

II – Em termos de condições de acesso e de exercício da atividade, um

“IDF-MF” pode ser constituído, quer por “Mutual Fund” já existentes que

pretendam lançar um fundo dedicado a infraestruturas, quer por instituições de

crédito (bancos e outros intermediários financeiros).

O “Mutual Fund” em atividade que queira lançar um “IDF” tem apenas de

demonstrar que tem recursos humanos em número adequado com experiência

em infraestrutura.

Um “Mutual Fund” que se pretenda constituir como “IDF” tem que demons-

trar experiência na atividade de financiamento de projetos de pelo menos 5 anos,

para além dos demais requisitos do regime jurídico dos “Mutual Funds”.

Dimensão objetiva

III – Sendo a intenção aparente do legislador com a introdução do “IDF” na

modalidade de “Mutual Fund” a de mobilizar a poupança do grande retalho a

verdade é que, na execução, percebe -se a vontade de lançar um veículo com perfil

de capital de risco concebido para aceder sobretudo a investidores com capacidade

financeira. Este aspeto ressalta das condições impostas para o lançamento de um

fundo patrimonial autónomo com estas características.

IV – Um “IDF” pode ser lançado na modalidade de fundo fechado, com

maturidade mínima de 5 anos, ou fundo aberto com regate cíclico, compreen-

dendo períodos de 5 anos e intervalos máximos de 45 dias. O período de “lock-in”

está associado ao caráter de longo prazo das aplicações de fundo. Um período

inferior iria colocar o fundo em condições de desvantagem competitiva face ao

financiamento bancário, tanto mais que, os “IDF” também podem financiar

projetos do tipo “greenfield”.

O fundo pode ser prorrogado por mais dois anos, mediante acordo de dois

terços dos investidores em função das respetivas unidades de participação. As

unidades representativas do fundo terão que ser cotadas ou transacionadas em

mercado regulado.

V – O fundo só pode ser lançado depois de identificados cinco investidores

estratégicos, que podem ser bancos, outros intermediários financeiros (institui-

ções financeiras não bancárias) e investidores institucionais estrangeiros devida-

mente registados na “SEBI”. Nenhum destes investidores estratégicos pode deter

mais de 50% do valor do fundo e o valor mínimo de investimento corresponde a

10 milhões de rupias indianas (cerca de 168 mil USD), pelo que o valor inicial do

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

764 José Gonzaga Rosa

fundo aportado pelos investidores estratégicos tem de corresponder, pelo menos,

a 250 milhões de rupias (cerca de 840 mil USD).

VI – O valor mínimo de cada unidade de participação ascende a um milhão

de rupias (cerca de 17 mil USD), podendo ser parcialmente pago na emissão, sendo

que as unidades só serão cotadas depois de pago o preço na totalidade.

As unidades de participação do “IDF” podem ser oferecidas através de oferta

particular até um máximo de 50 investidores.

VII – O fundo tem que investir pelo menos 90% do seu ativo em dívida de

empresas de infraestrutura, incluindo -se aqui as obrigações ordinárias e especiais,

e empréstimos bancários de sociedades de projeto ou de veículos financiadores

ou de sociedades instrumentais ligadas a projetos de infraestrutura. Os “IDF”

também têm a possibilidade de refinanciar as carteiras de empréstimos dos bancos.

Os restantes 10% podem ser investidos em ações, títulos não cotados.

O fundo não pode investir mais do que 30% da totalidade da carteira num

único emitente, aplicando -se a mesma regra a cada fundo individualmente. Os

investimentos em valores imobiliários sem “rating”, ou com “rating” inferior a

“investment grade”, não poderão ultrapassar os 30% do património, podendo

este valor aumentar para 50% com a necessária aprovação dos “trustees” e da

sociedade gestora.

As operações proibidas são: (a) a aquisição de valores mobiliários não cotados

do patrocinador ou das suas empresas; (b) a aquisição de valores mobiliários

cotados do patrocinador ou de empréstimos bancários relativos a projetos em

fase operacional ou a veículos especiais do patrocinador ou de empresas asso-

ciadas para além de 25% do valor do fundo, mediante a aprovação dos “trustees”

e sujeito à divulgação integral da informação junto dos investidores; (c) qualquer

ativo detido pelo patrocinador ou pela sociedade gestora para além de 30% do

valor do fundo, desde que verifiquem as seguintes condições: (a) “rating” a nível

de “investment grade”; (b) aprovação do “trustee” e divulgação total da infor-

mação relativa a estas aquisições.

§ 7.º Infrastructure Debt Funds – Forma estatuária (“Non Bank Financial Company”)

1. Breve panorâmica

I – A estrutura jurídica alternativa para aceder ao investimento em fundos

especializados em dívidas de infraestrutura, consiste na criação de “IDF” sob a

forma estatuária, neste caso, intermediários financeiros (“Non Bank Financial

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

765“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

Company” ou “NBFC”). Ao contrário dos “IDF -MF” que são supervisionados

pela “SEBI”, os “MF -NBFC” são supervisionados pelo “Reserve Bank of India”.

O RBI publicou instruções detalhadas para o regime dos “IDF -NBFC” em 21

novembro de 2011, as quais estão disponíveis no sítio electrónico do banco91.

II – A lógica da criação destes veículos teve em vista facilitar a transferência

dos financiamentos das carteiras dos bancos para os “IDF”, e oferecer aplicações

alternativas de médio e longo prazo e de rendimento fixo a investidores insti-

tucionais como seguradoras e fundos de pensões. Assim um “IDF” constituído

como instituição financeira não bancária designado por “IDF -NBFC”, é defi-

nido pelo “RBI” como uma entidade financeira sem capacidade de angariação

de depósitos, com fundos próprios mínimos de três mil milhões de rupias (cerca

de 50 milhões de USD) e com o propósito único de investimento em projetos do

tipo PPP que tenham completado, pelo menos, um ano de exploração comercial.

2. “IDF – NBFC”: regime jurídico

Apresentamos seguidamente um diagrama simplificado com a estrutura de

um “IDF -NBFC”.

“Infrastructure Deb Fund” na modalidade de “Non Bank Financial Company”

91 Notif ication RBI/2011 -12/268, DNBS.PD.CC.No.249/03.02.089/2011 -12 -2011 dated

November 21,2011, in http://rbi.org.in/scripts/NotificationUser.aspx?Id=6830&Mode=0.

Fonte: infradebt.in/overview/fund_structure.html

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

766 José Gonzaga Rosa

Condições de acesso

I – Em termos de elegibilidade, apenas as instituições bancárias e as institui-

ções de crédito não bancárias (designadamente os “infrastructure finance compa-

nies”) podem constituir um “IDF -NBFC”, estando assim vedado a “Mutual

Funds”. A inversa não é verdadeira, isto é, estas entidades podem patrocinar um

“IDF -MF”.

Dimensão operacional

II – O propósito único destes veículos consiste na aquisição de obrigações

emitidas por sociedades projeto, cujo encaixe financeiro é aplicado no reembolso

de empréstimos bancários (“senior loans”). Trata -se de financiamento a PPP

que tenham pelo menos um ano de exploração comercial. A emissão de obriga-

ções não poderá exceder 85% da dívida a refinanciar e nas seguintes condições:

(a) o plano de reembolso do capital deve ser tal que 50% a 75% do valor em dívida

seja amortizado até que esteja decorrido entre 75% a 85% do prazo da concessão

respetivamente, devendo ser integralmente amortizado até 2 anos antes do fim

da concessão. No caso de ocorrerem vicissitudes no contrato de concessão como

o incumprimento do serviço da dívida bancária pela concessionária, as verbas

resultantes do resgate da concessão deverão ser prioritariamente apropriadas pelo

fundo até à concorrência do valor e dívida do empréstimo obrigacionista, ficando

o remanescente para os restantes credores.

III – O financiamento a estes veículos faz -se através da emissão de obrigações

com maturidade mínima de 5 anos e com “rating” mínimo de “A” concedido por

uma agência de “rating” indiana. A regulamentação do “RBI” não é clara sobre

as consequências de uma diminuição de “rating” de uma determinada emissão

de obrigações, após a emissão. No limite poderemos ter várias emissões, algumas

com rating inferior a “A”, o que se justifica, porque podem estar cobertas por

“cash -flows” de diferentes projetos.

IV – Estas entidades têm requisitos de capital mínimo a satisfazer. O “CRAR”

(“Capital to Risk Assets Ratio”) tem que apresentar o valor mínimo de 15% e o

ratio de capital Tier II não pode exceder o Tier I.

V – Para evitar risco da contraparte, o “RBI” impôs limites de concentração

de crédito por mutuário. Assim, a exposição máxima por projeto não deve ultra-

passar 50% do capital regulamentar total (“Tier I” e “Tier II”). Este valor poderá

ir até 60% (10 ponto percentuais de aumento), mediante decisão fundamentada

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

767“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

dos administradores da sociedade. Só poderá ultrapassar os 60% (até um máximo

de 65%) mediante solicitação ao “RBI”, o qual ajuizará face à situação financeira

da entidade, podendo solicitar garantias adicionais.

VI – Às obrigações relativas a dívida de PPP com período de exploração de

pelo menos um ano é atribuído um ponderador de risco de 50%. Para os restantes

ativos seguem -se as regras já previstas pelo “RBI” para as diversas situações.

VII – As entidades patrocinadoras destes veículos deverão deter entre 30% a

49% do respetivo capital. Nos termos da regulação bancária (“Banking Regula-

tion Act, 1949”) um banco não pode deter mais de 30% do capital social de uma

entidade, salvo se for subsidiária. Porém, no caso concreto dos “IDF -NBFC” foi

admitida a possibilidade deste limite ir até 49%92.

VIII – O investimento dos bancos na qualidade de acionistas de “IDF -NBFC”

e patrocinadores de “IDF -MF” é enquadrado e tem que respeitar a regulação em

vigor quanto a requisitos de capital. O investimento por veículo (capitais próprios)

não pode ultrapassar 10% do capital social e reservas do banco93.

Os acordos tripartidos nas operações dos “IDF -NBFC”

IX – Os acordos tripartidos são um requisito para o investimento destes

veículos em obrigações emitidas por sociedades de projeto e constituem um

elemento de requalificação do risco de crédito da carteira. Em essência consa-

gram o acordo dos credores bancários (“senior lenders”) à prioridade conferida

ao “IDF” na apropriação das verbas pagas pelo concedente público em caso de

resgate da concessão, na sequência do eventual incumprimento do serviço da

dívida bancária pela concessionária.

92 “A bank acting as a sponsor of IDF -NBFC shall contribute a minimum equity of 30 per cent

and maximum equity of 49 per cent of the IDF -NBFC. Since in terms of Section 19 (2) of the

Banking regulation Act, 1949, a bank cannot hold shares in excess of 30 per cent of the paid

up share capital of a company, unless it is a subsidiary, Reserve Bank would, based on merits,

recommend to the Government to grant exception from the provisions of section 19 (2) of the

Act, (i.e. under section 53 of the Act ibid) for investment in excess of 30 per cent to up to 49 per

cent in the equity of the IDF -NBFC”. 2.2, Banks sponsors to Infrastructure Debt Funds (IDFs).

RBI/2011 -12/269. November 21, 2011. 93 Ibidem, “2.3”. “General conditions for banks to act as sponsors to IDF – both under MF and

NBFC structures”.

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768 José Gonzaga Rosa

§ 8.º Síntese das diferenças entre os “IDF -MF” e os “IDF -NBFC”

1. As principais diferenças

Apresentamos seguidamente a síntese das principais diferenças entre as duas

estruturas jurídicas de acolhimento de fundos especializados em dívida de infraes-

truturas, os “IDF” na modalidade de “trust”, “IDF -MF”, e os “IDF” na forma

estatuária de “IDF -NBFC”.

I – Os “IDF” na forma de “trust” podem ser patrocinados por intermediários

financeiros e por “Mutual Funds” já constituídos, enquanto os “IDF -NBFC” só

podem ser patrocinados pelos primeiros.

II – Os “Mutual Funds” emitem unidades de participação. Os “IDF -NBFC”

financiam -se através de instrumentos de dívida derivados de ativos colateralizáveis,

pelo que incorporam na sua estrutura de capital algum grau de endividamento,

o qual pode corresponder a várias vezes o valor dos fundos próprios. Este efeito,

se bem gerido, pode beneficiar os acionistas destas sociedades.

III – Em termos de elegibilidade e condições de acesso, os “IDF -NBFC”

têm que apresentar um capital mínimo de 50 milhões de USD para iniciar a

atividade. Para além disso, têm requisitos de capital equivalentes a 15% do valor

dos ativos ponderados pelos fatores de risco, o mesmo não sucedendo com os

“MF”. As instituições de crédito patrocinadoras têm que estar em atividade há

pelo menos 5 anos com lucros nos 3 anos anteriores à constituição do “IDF”.

Quanto aos “MF” já existentes que pretendem lançar um “IDF”, apenas lhes é

exigida a demonstração de que possuem uma estrutura adequada de recursos

humanos. Perante estes condicionalismos de elegibilidade e condições de acesso,

os “IDF-MF” têm à partida vantagens em termos de custos de arranque que se

poderão repercutir em “yields” mais competitivas.

IV – Em termos de política de investimento, os “IDF -MF” aplicam o patri-

mónio em instrumentos de dívida de entidades com exposição ao sector de infra-

estruturas, excluídos aqui os projetos do tipo “greenfield”. Os “IDF -NBFC”

dedicam -se exclusivamente ao financiamento de PPP com pelo menos um ano

de exploração comercial e acordos tripartidos assinados com o concedente. Consi-

derando o requisito de exploração comercial, é previsível que sejam os bancos

(e no futuro “IDF -MF”) a alimentar as carteiras destes fundos.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

769“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

V – As agências de “rating” estão presentes em ambas as estruturas. No caso

dos “IDF -MF”, pelo menos 70% dos investimentos têm que ser feitos em instru-

mentos com “rating” superior a “investment grade”. No caso dos “IDF -NBFC”

as obrigações têm que apresentar “rating A”.

VI – As entidades patrocinadoras dos “IDF -NBFC” deverão deter entre 30%

a 49% do respetivo capital. Já no caso dos “IDF -MF” tem que ser constituído

em grupo de 5 investidores estratégicos, que podem ser instituições de crédito e

investidores institucionais estrangeiros. Nenhum deles pode deter mais de 50%

do valor do fundo e o valor mínimo de investimento corresponde a cerca de 168

mil dólares (USD), pelo que o valor inicial do fundo aportado pelos investidores

estratégicos tem que corresponder, pelo menos, a cerca de 849 mil dólares (USD).

VII – Os “IDF -MF” funcionam de acordo com a regra da transparência

fiscal, o mesmo não sucedendo nos “IDF -NBFC” cujo lucro é tributado ao nível

da sociedade.

O quadro seguinte ilustra as principais diferenças entre estes veículos.

Principais diferenças “IDF -MF” vs “IDF -NBFC”

IDF -MF IDF -NBFC

Constituição Podem ser constituídos por instituições

de crédito e por fundos já constituídos

Podem ser constituídos apenas por

instituições de crédito

Elegibilidade Podem ser lançados por fundos já cons-

tituídos desde que apresentem uma

estrutura adequada de recursos huma-

nos com experiência em infraestrutura

Requerem um capital mínimo

de 50 milhões USD, os “NBFC”

devem existir há pelo menos 5 anos

e apresentar lucros nos últimos 3

Endividamento Não é permitido Estes veículos podem emitir obri-

gações com maturidade mínima

de 5 anos e “rating” mínimo “A”

Contribuição dos

Patrocinadores

Necessária a existência de 5 investido-

res estratégicos que devem aportar pelo

menos 840 mil USD

30% a 49% dos fundos próprios

do “IDF”

Exigências de

Capital

Não se aplica. Apenas emitem unida-

des de participação que são represen-

tativas de capital

“CRAR” de 15% dos ativos pon-

derados pelo risco

Investimento 90% da carteira deve ser investida em

instrumentos de dívida de empresas de

infraestruturas. Pelo menos 70% dos

investimentos têm que ser feitos em

instrumentos com “rating” superior a

“investment grade” “A”

100% investido em dívida de PPP

com pelo menos um ano de explo-

ração comercial e acordo tripartido

entre o concedente, o concessioná-

rio e o “IDF”

6

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

770 José Gonzaga Rosa

IDF -MF IDF -NBFC

Limitação das uni-

dades de partici-

pação

Fundo fechado, com maturidade

mínima de 5 anos, ou fundo aberto

com resgate cíclico, compreendendo

períodos de 5 anos e intervalos máxi-

mos de 45 dias

Valor mínimo de

subscrição

17 mil USD por unidade de parti-

cipação

Não há valor mínimo para a subs-

crição de obrigações emitidas pelo

“IDF -NBFC”

Limite de exposi-

ção por emitente

30% por emitente 50% do capital regulamentar total

(Tier I e Tier II) por projecto

Transparência

fiscal

Plena Nula

Fonte: Autor

2. A situação no final de 2013

Desde o impulso inicial até meados de 2013, já foram introduzidas algumas

alterações à regulamentação inicial dos “IDF”. Assim, no que respeita aos

“IDF -NBFC” o “RBI” flexibilizou os requisitos de capital associados a emprés-

timos restruturados no momento de transição das carteiras dos bancos para os

veículos refinanciadores, deixando assim de ser qualificados como “non perfor-

ming loans”94. No caso dos “IDF -MF” foi aberta a possibilidade de aplicações em

instrumentos financeiros sem “rating” de 30% para 50% condicionada à aprovação

dos “trustees” e da sociedade gestora.

No final de 2013 existiam catorze “IDF -MF” registados na SEBI95 e apenas

um IDF96 no regime estatuário (“NBFC”).

§ 9.º Fundos de investimento alternativos: fundos de infraestrutura

I – A “SEBI” segmentou o mercado de fundos de investimento em infraes-

truturas, criando um regime dedicado para o investimento em dívida emitida por

empresas de infraestrutura e pensando nos investidores individuais, colocou -o

94 “RBI” to relax norms for takeover of infrastructure loans”. Em The Economic Times, 20 de

dezembro de 2013, in http://economictimes.indiantimes.com .95 ICICI Prudential Infrastructure Debt Fund, Birla Sunlife Infrastructure Debt Fund, IDBI

Infrastructure Debt Fund & IDFC Infrastructure Debt Fund. 96 IL&FS Infrastructure Debt Fund & India Infra Debt (the first Infrastructure Debt Fund under

the NBFC Structure) was launched in February 2013.

Principais diferenças “IDF -MF” vs “IDF -NBFC” (cont.)

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

771“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

debaixo da regulação apertada dos “mutual funds”. Nesta lógica de arrumação

dos veículos por tipo de investidor, criou em 2012 a regulamentação de fundos

de investimento alternativos97 (“FIA”), concebendo neste contexto os “infras-

tructure fund”. Esta regulamentação veio revogar a legislação existente relativa

ao capital de risco (“SEBI Venture Capital Fund Regulations, 1996”) e teve,

entre outros, o objetivo de obrigar ao registo junto do regulador de todos os

veículos de investimento colocados através de oferta particular regra geral diri-

gida a determinado tipo de investidores. Assim foram concebidas três categorias

de FIA, no seguimento da segregação de instrumentos por perfil de risco e tipo

de estratégia de investimento. A categoria I engloba os fundos genericamente

percebidos como tendo externalidades positivas na economia e que por este

motivo poderão justificar a atribuição de incentivos ou benefícios de alguma

natureza. Incluem -se nesta classificação os fundos de “start -up” e “early stage”,

os fundos especializados em pequenas e médias empresas e os fundos de infra-

estrutura. A categoria II inclui os fundos de “equity” e “debt” que são suscetí-

veis de receber qualquer incentivo e que apenas podem contrair dívida para o

financiamento das operações correntes. Finalmente a categoria III contempla

fundos com estratégias de investimento mais agressivas com recurso a níveis de

endividamento. Enquadram -se aqui os “hedge funds” e os fundos de “private

equity”, estes últimos concebidos para o investimento preferencial em “equity”98.

A regulamentação dos FIA prevê a possibilidade destes veículos se constituírem

sob a forma de “trust” e forma estatuária (“company”, “LLP”), sendo o “trust”

a modalidade mais utilizada.

II – Como assinalámos, os fundos de infraestrutura enquadram -se na classifi-

cação de veículos de cuja atividade se espera venha a ter efeitos indiretos positivos

na economia. Apresentamos, seguidamente, o quadro resumo com os principais

aspetos do regime jurídico das três categorias destes fundos.

97 The Gazette of India Extraordinary Part – Iii – Section 4 Published by Authority New Delhi,

May 21, 2012 Securities and Exchange Board of India Notification Mumbai, 21st May 2012,

in http://www.sebi.gov.in/cms/sabi_data/attachdocs/1337599839661.pdf 98 Alínea r), “definitions”: “private equity Fund” means an Alternative Investment Fund which

invests primarily in equity or equity linked instruments or partnership interests of investee

companies according to the state objective of the fund” , The Gazette of India Extraordinary Part

– Iii – Section 4 Published by Authority New Delhi , May 21, 2012 Securities and Exchange

Board of India Notification Mumbai, 21st May 2012, in http://www.sebi.gov.in/cms/sabi_data/

attachdocs/1337599839661.pdf.

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

772 José Gonzaga Rosa

Fundos de investimento alternativos – Índia

Regime Jurídico Categoria I Categoria II Categoria III

Objeto “Venture Capita l”,

“special purpose vehi-

cles”, unidades de par-

t icipação de outros

fundos de categoria I

Prioridade para inves-

timento em entidades

não cotadas.

Unidades de participa-

ção de fundos de cate-

goria I e II

Instrumentos de emi-

tentes públicos e pri-

vados, derivados finan-

ceiros.

Unidades de participa-

ção de categoria I e II

Contribuição mínima

do “sponsor”

Mínimo entre 2.5%

do valor da carteira e

cerca de USD 900 000

(50 milhões de rupias

indianas)

M ín imo ent re 5%

do valor da carteira

e cerca de USD 1.8

milhões (100 milhões

de rupias indianas)

Duração Mínimo 3 anos Não há mínimo

Limitação das unida-

des de participação

Fundos fechados Fechados ou abertos

Limite de exposição

por emitente

25% da carteira 10%

Endividamento Só é permitido fazer

f a ce a ne ce s s id a -

des temporár ias de

f inanciamento, não

podendo ultrapassar 30

dias consecutivos, num

máximo de 4 ocasiões

por ano e 10% do valor

do fundo

Permitido desde que

com o consentimento

dos invest idore s e

sujeito a um máximo

de 2 vezes do “net asset

value” do fundo

Fonte: Autor

Os fundos classificados na categoria I da FIA são veículos concebidos para

investimento em instrumentos de dívida de sociedades privadas com exposição

ao sector das infraestruturas99.

99 Alínea m), “definitions”: “infrastructure fund” means an Alternative Investment Fund which

invests primarily in unlisted securities or partnership interest or listed debt or securitized debt

instruments of investee companies or special purpose vehicles engaged in or formed for the purpose

of operating, developing or holding infrastructure projects”, The Gazette of India Extraordinary

Part – Iii – Section 4 Published by Authority New Delhi , May 21, 2012 Securities and Exchange

Board of India Notification Mumbai, 21st May 2012, in http://www.sebi.gov.in/cms/sabi_data/

attachdocs/1337599839661.pdf.

7

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

773“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

Capítulo IV – O investimento de iniciativa pública

em infraestruturas em regime de parcerias em Portugal

§ 10.º Ponto de partida: o objeto de estudo

1. A dimensão do investimento

I – O investimento de iniciativa pública em infraestruturas realizado em

regime de parcerias (parcerias público privadas e público públicas) em Portugal,

ascendeu pelo menos a €29,6 mil milhões durante os anos de 1995 e 2013 e

corresponde a cerca de 17,5% do PIB de 2009100.

Investimento de iniciativa pública em infraestruturas em regime de parcerias

SectorContratos

(N.ª)

Inv.

(€ MM)

%PIB

(2009)

Rodoviário – Concessões do Estado 15 13,4 7,9

Rodoviário – Subconcessão EP 7 4,8 2,8

Água/Multimunicipais – concessões 19 4,9 2,9

Gás natural – concessões 10 2,7 1,6

Portos – concessões 32 1,6 0,9

Resíduos/Multimunicipais – concessões 11 1,2 0,7

Saúde – parcerias 10 0,6 0,4

Ferroviário – parcerias 2 0,4 0,2

TOTAL 106 29,6 17,5

Fonte: UTAP – Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos e DGTF

Este número, por mais importante que pareça, peca por defeito. Na reali-

dade não incorpora o investimento feito na área das energias renováveis, nas

concessões municipais ambientais relativas à distribuição de água e saneamento

básico101, nas energias hídricas e nas diversas concessões municipais que têm por

objeto infraestruturas como parques de estacionamento, equipamentos sociais

e muitos outros.

100 Utilizamos este indicador porque é regra geral aplicado nas comparações internacionais. Porém,

em rigor, não o consideramos adequado e no caso português tende a sobreavaliar o esforço relativo

do investimento em regime de parcerias. Pelo fato de no nosso caso o retorno económico e social

ter ficado aquém do que sucedeu noutros países como o Reino Unido, subavaliando por esta via

o impacto do PIB e sobrevalorizando o ratio investimento/PIB. 101 Atual regime jurídico, Decreto -Lei n.º 194/2009 de 20 de Agosto.

8

RDS VI (2014), 3-4, 719-791

774 José Gonzaga Rosa

Por ora vamos utilizar a noção de parceria no seu sentido mais lato102, que

incorpora a um tempo, as tradicionais concessões clássicas baseadas no direito à

exploração de uma determinada infraestrutura, cuja receita é assegurada maiori-

tariamente pelos utentes ou utilizadores, mediante determinadas contrapartidas

ao concedente. E, a outro tempo, as designadas parcerias público privadas, carac-

terizadas como uma união de contratos em que as entidades privadas, assumem

de forma duradoura perante um parceiro público, a obrigação pela concepção,

financiamento, construção, exploração e manutenção de uma determinada infra-

estrutura, em troca de recebimentos dependentes do nível de utilização (caso das

antigas autoestradas sem custos para o utilizador – SCUT), do nível de disponi-

bilidade do ativo (pagamentos por disponibilidade), ou de ambos103.

II – Porque trazemos este assunto à colação? Porque parte significativa do

financiamento destas infraestruturas foi assegurado pelo sistema bancário, desde

logo com o Banco Europeu de Investimento à cabeça, mas com uma participação

muito significativa dos bancos residentes. Para além do financiamento direto aos

veículos concessionários na componente de construção, os bancos estiveram igual-

mente envolvidos no financiamento dos fundos próprios dos membros dos agru-

pamentos dada a elevada concentração temporal dos projetos. Esta circunstância

decorre da reduzida participação do investimento estrangeiro no nosso programa

de concessões e da escassa utilização do mercado financeiro no financiamento de

projetos. Voltaremos a este tema mais adiante.

102 Apesar das primeiras parcerias público privadas no sector rodoviário terem surgido em 1995

(“Lusoponte”) e 1999 (“Concessão Norte”, “Oeste”, “Beira Interior”), foi apenas em 2003 com o

Decreto -Lei n.º 86/2003, de 26 de abril que o legislador português sentiu a necessidade de proceder

à definição de um regime cúpula das parcerias, surgindo desta forma a primeira definição legal

deste conceito. Assim o atual Decreto -Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, define no n.º 1 do artigo 2

a parceria como sendo “o contrato ou a união de contratos por via dos quais entidades privadas,

designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público,

a assegurar, mediante contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de

uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração

e riscos associados, incubem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”. 103 Estamos a considerar a parceria na modalidade de DBFOT (“design -built -finance -operate-

-transfer”). Atualmente e com base na revisão dos resultados das parcerias no Reino Unido (ver a

propósito “A new approach to public private partnerships”), começam a encarar -se modalidades

mais flexíveis de parcerias em que parte do esforço de prestação do serviço é assegurado pelo

parceiro público, ficando o privado sobretudo com as tarefas de investimento e gestão de

infraestruturas.

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775“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

2. Enquadramento: parcerias vs concessões

I – Antes de prosseguirmos importa delimitar a fronteira entre os dois

conceitos e justificar a nossa opção pela pertinência de ambos. Não sem antes

deixarmos as seguintes ideias principais. Em primeiro lugar, qualquer solução de

refinanciamento da dívida bancária das parcerias por via de fundos de infraes-

trutura, será mais atrativa se considerar uma carteira diversificada de ativos. Daí a

necessidade de evitar a concentração em parcerias público privadas, visto que estas

abrangem sobretudo as infraestruturas rodoviárias. Em segundo lugar, porque a

concentração nas parcerias limita os clientes de relacionamento dos bancos a um

número muito reduzido de entidades, levantando dificuldades práticas para as

operações de transferência de financiamentos para carteiras de fundos de inves-

timento. Por último, porque as parcerias concentram parte substancial do risco

político associado a Portugal, não sendo por esse motivo um bom exemplo para

servirem, em exclusivo, de lançamento a novas soluções.

II – A parceria convoca uma abordagem inovadora na associação entre os

sectores público e privado na realização de obra pública, mas não é inteiramente

nova de um ponto de vista jurídico, visto que assenta em institutos clássicos como

o contrato de concessão de obra pública e de serviço público. Daí que não exista

um conceito jurídico universal de parceria, dividindo -se a doutrina entre aqueles

que nem sequer a consideram com substância para figurar como objeto indepen-

dente de estudo do direito104, e os que a colocam na confluência da dicotomia

clássica entre direito privado e direito público, com um forte apelo à abordagem

do direito da economia e tributária do direito das finanças públicas e do direito

financeiro.

Na ausência de uma definição única, a sua identidade face a outros tipos contra-

tuais do direito administrativo como o contrato de empreitada de obra pública105

104 “E ao traduzirem o exercício de tarefas públicas por privados, contribuindo para manter em

aberto as relações entre o Direito Administrativo e o Direito Privado, as PPP’s tornam obrigatório

o questionamento das fronteiras tradicionais entre o Direito Público e o Direito Privado”. Azevedo,

Maria Eduarda – As Parcerias Público Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública,

Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2008. p. 278.105 “Entende -se por empreitada de obras públicas o contrato oneroso que tenha por objeto quer

a execução, quer conjuntamente, a concepção e a execução de uma obra pública que se enquadre

nas subcategorias previstas no regime de ingresso e permanência na atividade de construção”.

Artigo 343.º, n.º 1, do Decreto -Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro (versão atualizada).

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776 José Gonzaga Rosa

ou o contrato de arrendamento e aprovisionamento, define -se pelos princípios

fundamentais em que assenta106. E quais são esses princípios107?

À cabeça dos mais importantes, vem a adequada repartição dos riscos contra-

tuais com destaque para os riscos do lado da oferta (concepção, construção, dispo-

nibilidade e operação) e do outro da procura (associados aos serviços do projeto

como volume, procura e mercado), sendo certo que o risco de financiamento é

sempre assumido pelo parceiro privado. Isto para referir que nem toda a cola-

boração entre o sector público e o sector privado constitui uma parceria para

efeitos legais108. A repartição dos riscos precede a definição do mecanismo remu-

neratório, podendo este variar entre o pagamento ao parceiro privado pela mera

disponibilidade da via (nas situações em que este assume o risco de construção

e de disponibilidade), ou o pagamento baseado num determinado tarifário nas

situações em que há a transferência do risco da procura, em parte ou na totali-

dade para o parceiro privado.

Em segundo a duração do contrato, regra geral de longo prazo, para asse-

gurar a amortização do investimento e uma remuneração razoável do capital

investido.

Em terceiro lugar o financiamento privado regra geral com a contrapartida

do direito à concessão.

106 Na ausência de um quadro jurídico especifico das parcerias a nível europeu, o Livro Verde

da Comissão Europeia define como características das parcerias: (a) a duração da relação entre

os parceiros; (b) o modo de financiamento do projeto; (c) o papel dos parceiros na definição,

concepção, realização, aplicação e no financiamento; (d) a distribuição dos riscos. O Livro Verde

distingue dois tipos de parcerias: (i) as de tipo meramente contratual. Neste caso, a parceria baseia -se

em relações exclusivamente contratuais e pode integrar o âmbito de aplicação das diretivas europeias

sobre contratos públicos; (ii) As de tipo institucionalizado. Estas implicam uma cooperação numa

entidade distinta, podendo conduzir à criação de uma entidade ad hoc de participação conjunta

ou ao controlo de uma entidade pública por um operador privado. In http://ec.europa.eu/green-

papers/index_pt.htm 107 Para uma definição doutrinária do conceito de parceria público privada, Azevedo, Maria E.,

Temas de Direito da Economia, Almedina, 2013, p. 240. “Alternativa à prática de financiamento

público tradicional, corresponde a uma via especifica de montagem e realização de projetos de

iniciativa pública, assentes em esquemas de financiamento privado na otimização da transferência

e partilha de riscos.” 108 Assim o que distingue, por exemplo, o contrato de empreitada pública (em que o Estado

assume integralmente os principais riscos), do contrato de parceria, é o fato de no segundo o

parceiro privado assumir os riscos do lado da oferta e os riscos de financiamento, e em algumas

circunstâncias, partilhar os riscos de procura com o parceiro público.

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777“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

3. O Regime Jurídico das Parcerias

I – O que diz o nosso legislador quanto ao regime jurídico? Apesar de a

primeira ter ocorrido em 1999 (Lusoponte) é apenas em 2003 que surge uma

iniciativa legislativa de carácter transversal, especificamente dirigida a esta moda-

lidade de investimento. Trata -se do Decreto -Lei n.º 86/2003 que veio consa-

grar um regime jurídico de cúpula com prevalência sobre os regimes sectoriais

vigentes, designadamente o da saúde (decreto -Lei n.º 185S/2002). Posteriormente,

o Decreto -Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, veio introduzir diversas alterações

ao regime então vigente, designadamente ao nível da preparação de processos

de parceria e da execução dos respetivos contratos, tendo em vista o reforço da

tutela do interesse financeiro público.

Mais recentemente, por força da aprovação do Código dos Contratos Públicos,

o regime aplicável às parcerias registou novos desenvolvimentos. Contudo, este

Código deixou algumas matérias por disciplinar, como procedimentos internos

a observar pelo sector público, quer na fase da preparação e desenvolvimento dos

projetos, quer na fase de execução e acompanhamento dos contratos.

Este fato, associado à crescente sindicação das parcerias em funcionamento e à

constatação das debilidades do concedente público no acompanhamento, por parte

do Ministério das Finanças, do desenvolvimento dos projetos e, em particular,

dos contratos de parcerias já celebrados, assim como à transparência, designada-

mente através da publicitação de documentos relacionados com esta modalidade

de contratação, conduziu à criação da Unidade Técnica. Este grupo de trabalho,

com a natureza de entidade administrativa dotada de autonomia administrativa

na dependência direta do membro do Governo responsável pela área das finanças,

assume responsabilidade no âmbito da preparação, desenvolvimento, execução e

acompanhamento global dos processos de parcerias e assegura um apoio técnico

especializado ao Governo, e em especial ao Ministério das Finanças, em maté-

rias de natureza económica – financeira. Ao criar -se a Unidade Técnica houve

necessidade de, para efeito do cabal cumprimento das suas atribuições, ajustar

alguns aspetos do regime legal aplicável às parcerias, designadamente em maté-

rias procedimental, de modo a contemplar a forma e o âmbito de intervenção

desta nova entidade.

II – Neste contexto, o Decreto -Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, vem operar

uma revisão profunda do regime jurídico constante do revogado Decreto -Lei

n.º 86/2003, de 26 abril. Mas a revisão operada foi mais longe e endereçou

os procedimentos nucleares que devem presidir a decisões suscetíveis de gerar

encargos. O novo diploma atribui uma assinalável relevância à sua comporta-

bilidade orçamental, quer na vertente de lançamento de novas parcerias, quer

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778 José Gonzaga Rosa

na vertente de eventuais determinações unilaterais proferidas pelos parceiros

públicos.

Deste modo, para além de se passar a exigir uma análise de comportabili-

dade orçamental e a realização de análises de sensibilidade, com vista à verifi-

cação da sustentabilidade de cada parceria face a variações de procura e a altera-

ções macroeconómicas, contempla -se ainda uma análise custo – benefícios e a

elaboração de uma matriz de partilha de riscos, com uma clara identificação da

tipologia de riscos assumidos por cada um dos parceiros, sempre que se prepare

um novo projeto de parceria. Entre as diversas inovações introduzidas por este

novo regime, destaca -se ainda a adoção de medidas que visam o propósito de

tornar mais transparentes os processos relativos a parcerias, o que será concreti-

zado, designadamente, mediante a publicação obrigatória de vários documentos

com aqueles relacionados.

Na ausência de uma definição dogmática de parceria109 o Decreto -Lei

n.º 111/2012, de 23 de maio, define -a no n.º 1 do art.º 2.º como “contrato ou

união de contratos por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros

privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a asse-

gurar, mediante contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à

satisfação de uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investi-

mento, financiamento, exploração e riscos associados, incubem, no todo ou em

parte, ao parceiro privado”110.

III – Sendo conceitos semelhantes de um ponto de vista jurídico111, a diferença

entre as parcerias e as concessões radica no tratamento que é dado pelo Sistema

Europeu de Contas do EUROSTAT.

109 O Decreto -Lei n.º 185/2002, de 20 de agosto (regime jurídico das parcerias em saúde com

gestão e financiamento privados), fez uma primeira aproximação ao conceito no artigo 2.º ao

definir: “o estabelecimento de parcerias em saúde tem por objeto a associação duradoura de

entidades dos sectores privado e social à realização direta de prestação de saúde, ao nível dos

cuidados de saúde primários, diferenciados e continuados, ou o apoio direto ou indireto à sua

realização no âmbito do serviço público de saúde assegurado pelo Serviço Nacional de saúde”. 110 De acordo com o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 111/2013, de 23 de maio, “constituem,

entre outros, instrumentos de regulação jurídica das relações de colaboração entre públicos e entre

privados: a) O contrato de concessão ou de subconcessão de obras públicas; b) contrato de concessão

ou de subconcessão de serviço público; c) O contrato de fornecimento contínuo; d) O contrato

de prestação de serviços; e) O contrato de gestão; f ) O contrato de colaboração, quando estiver

em causa a utilização de um estabelecimento ou uma infraestrutura já existentes, pertencentes a

outras entidades que não o parceiro público.” 111 A semelhança entre a noção legal de parceria e de contrato administrativo de concessão de

obra pública e de serviço público é constatável ao nível do objeto e mecanismo remuneratório,

do prazo contratual e do mecanismo de repartição do risco. Objeto e mecanismo remuneratórios:

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779“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

Assim, um contrato será caracterizado como parceria se o Estado for o prin-

cipal adquirente dos serviços prestados (o parceiro privado é remunerado maio-

ritariamente pelo Estado), e os ativos a afetar devam ser construídos pelo parceiro

privado ou, caso já existam, devam sofrer uma renovação significativa. Os restantes

casos em que o parceiro é maioritariamente remunerado pelo utilizador final dos

serviços que são objeto da concessão, são classificados como concessões112.

§ 11.º O universo das parcerias de iniciativa pública em Portugal

1. A situação em 2013

I – No final do mês de março de 2013, o universo das parcerias em Portugal

abrangia 35 projetos com a seguinte distribuição sectorial: Sector dos Transportes

(22 rodoviárias e 2 ferroviárias), 10 no Sector da Saúde e 1 no Sector da Segurança

e emergência. O valor acumulado de investimento ascende a €19,3 mil milhões113

incluindo o investimento na concessão Brisa. Porém visto que o investimento

desta parceria foi efetuado pelo Estado antes da concessão arrancar, o valor de

investimento ajustado ascende a €15,2 mil milhões. Cerca de 92% deste valor é

explicado pelo investimento nas parcerias rodoviárias, ficando o remanescente

reservado às parcerias no sector da saúde.

À data da apresentação do relatório da DGTF relativo ao ano de 2012 e antes

das renegociações iniciadas no primeiro trimestre de 2013, as 22 parcerias rodovi-

árias decompunham -se em quatro grupos. As concessões consideradas tradicionais

(no sentido do risco de procura estar integralmente alocado ao parceiro privado

sendo este remunerado diretamente pelos utilizadores da infraestrutura), que são

as concessões do Estado com portagens reais das concessionárias: (i) concessão

Brisa, (ii) concessão Lusoponte, (iii) concessão Oeste, (iv) concessão Litoral Centro

e (v) concessão Douro Litoral.

Um segundo grupo de concessões do Estado com portagens reais da Estradas

de Portugal por contrapartida de pagamentos por disponibilidade onde se enqua-

dram as concessões da (i) Grande Lisboa e (ii) Norte.

cf. artigo 407.º, n.os 1 e 2 do Decreto -Lei n.º 18/2008 (Código dos Contratos Públicos), com o

artigo 2.º, n.º 1 do Decreto -Lei n.º 111/2012 (Prazo contratual): cf. artigo 410.º, n.os 1 e 2 do

Decreto -Lei n.º 18/2008, com o artigo 6.º, n.º 1 alínea h) do Decreto -Lei n.º 111/2012 (Partilha

de riscos): cf. artigo 413.º do Decreto -Lei n.º 18/2008, com o artigo 7.º, n.º 1 do Decreto -Lei

n.º 111/2012.112 Regras definidas pelo EUROSTAT.113 Cálculos do Autor baseados nos valores do relatório da UTAP .

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780 José Gonzaga Rosa

Um terceiro grupo de concessões do Estado, designadas de ex -”SCUT” em

regime de portagens reais cujas receitas são apropriadas pela Estradas de Portugal.

Estão nesta situação a (i) Norte Litoral, (ii) Grande Porto, (iii) Costa das Prata,

(iv) Beira Litoral e Alta, (v) Beira Interior, (vi) Algarve e (vii) Pinhal Interior.

Um quarto grupo onde se incluem as concessões do Estado em regime de

subconcessões à Estradas de Portugal com pagamentos de disponibilidade e de

serviço, que incluem a (i) Transmontana, (ii) Douro Interior, (iii) Algarve Litoral,

(iv) Baixo Tejo, (v) Baixo Alentejo, (vi) Litoral Oeste e (vii) Pinhal Interior.

Finalmente a concessão do Túnel do Marão cuja rescisão por iniciativa do

Estado ocorreu em 2013, seguindo -se o apuramento do montante do direito

indemnizatório.

II – No sector ferroviário temos duas parcerias, a (i) Metro Sul do Tejo e (ii)

Transp. Ferroviário eixo – norte/sul.

III – No sector da Saúde registam -se dez parcerias relativas a quatro hospitais

de agudos (Braga, Cascais, Loures e Vila Franca), repartidas entre as sociedades

gestoras dos edifícios e dos estabelecimentos, a que se juntam dois contratos de

valor reduzido relativos a um centro de atendimento do SNS e um centro de

medicina de reabilitação.

2. As renegociações contratuais iniciadas em 2013

I – No âmbito do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades

da Política Económica, celebrado com a Comissão Europeia, o Banco Central

Europeu e o Fundo Monetário Internacional, o Governo Português assumiu o

compromisso de renegociar as parcerias do Sector Rodoviário, com o objetivo

de alcançar um impacto orçamental significativo já durante o ano de 2013 e asse-

gurar uma redução sustentada dos encargos públicos114.

Neste sentido, a Lei do Orçamento de Estado para 2013, contempla um

compromisso do governo para a realização de todas as diligências necessárias

à conclusão da renegociação dos contratos de PPP do sector rodoviário que se

afigurem demasiado onerosos e desequilibrados para o parceiro público, estimando

uma redução de encargos para o erário público em 2013 de cerca de 30% face ao

valor originalmente contratado.

A renegociação dos contratos das parcerias decorreu no quadro do regime jurí-

dico do Decreto -Lei n.º 111/2012, e fez -se através de uma comissão de negociações

114 Números 3.17.3.19, Memorando De Entendimento Sobre As Condicionalidades De Política

Económica, 17 de Maio de 2011

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781“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

a quem competiu representar o parceiro público nas negociações com os parceiros

privados. O impulso processual surgiu com o despacho datado de 3 de dezembro

do secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações apon-

tando a renegociação de treze parcerias rodoviárias incluindo: (i) sete concessões

ex – SCUT do Norte, Litoral, do Grande Porto, do Interior Norte, da Costa de

Prata, das Beiras Litoral e Alta, da Beira Interior e do Algarve, (ii) concessões do

Norte e Grande Lisboa e (iii) seis subconcessões, designadamente Autoestrada

Transmontana, do Baixo Tejo, do Baixo Alentejo, do Litoral Oeste, do Pinhal

Interior e do Algarve Litoral. De acordo com este despacho a renegociação deveria

visar “como objetivos últimos a reestruturação do sector rodoviário nacional e

a sustentabilidade económica e financeira da EP, tendo em vista a redução do

impacto das PPP rodoviárias nas contas públicas”115.

A nomeação da comissão de coordenação ocorreu pelo Despacho n.º 16198-

-F/20112, de 19 de dezembro do Coordenador da Unidade Técnica de Acom-

panhamento de Projetos de 10 de dezembro de 2012.

Esta comissão apresentou às tutelas a 28 de maio de 2013 um relatório preli-

minar com o detalhe do processo negocial com sete das nove concessionárias do

Estado (Costa de Prata, Grande Porto, Beira Litoral/Beira Alta, Norte, Grande

Lisboa, Beira Interior e Interior Norte), estando na altura pendentes os acordos

com as restantes concessões do Estado (Norte Litoral e Algarve), e subconcessões

da Estradas de Portugal (“EP”) S.A. (Transmontana, Baixo Tejo, Baixo Alentejo,

Litoral Oeste, Pinhal Interior e Algarve Litoral)116.

II – À cabeça dos principais objetivos das renegociações117 surge a redução

da TIR118 acionista prevista no caso Base para níveis compatíveis com a tipo-

logia de riscos assumidos pelas Concessionárias. Importa clarificar que o critério

da TIR acionista nunca constou dos cadernos de encargos dos concursos de

115 Quanto aos objetivos da renegociação, o Memorando de Entendimento sobre as Condiciona-

lidades da Política Económica aponta a necessidade da redução das responsabilidades financeiras

do Estado. Cf. p. 13. 116 Cf. UTAP – “Boletim Trimestral PPP – 2.º trimestre de 2013”, p. 7. 117 Ibidem. 118 A Taxa Interna de Retorno (TIR), em inglês IRR (Internal Rate of Return), é uma taxa de

desconto hipotética que, quando aplicada a um fluxo de caixa, faz com que o valor das despesas,

descontadas para o presente, seja igual aos valores dos retornos dos investimentos, também

traduzidos ao valor presente. O conceito é um dos indicadores utilizados para hierarquizar diversos

projetos de investimento e aferir a respetiva viabilidade económica. Os projetos cujos fluxos de

caixa apresentem uma taxa interna de retorno superior ao custo de capital devem ser escolhidos.

Os indicadores mais frequentes são a TIR na ótica dos acionistas e a TIR na ótica do projeto.

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782 José Gonzaga Rosa

seleção119 -120, pelo que nunca foi objeto de concorrência entre os candidatos às

parcerias. Na realidade a consideração deste objetivo, sem outros pressupostos

que garantissem a comparabilidade das propostas, não faria muito sentido por

dois motivos. O primeiro porque a TIR acionista é, regra geral, transferida da

entidade que executa o projeto (concessionária) para as sociedades encarregues

da construção (“agrupamento construtor”) e da gestão e manutenção da infraes-

trutura. Neste sentido a TIR acionista da sociedade concessionária não é repre-

sentativa da rendibilidade efetiva dos acionistas da parceria. Em segundo lugar,

porque não há uma relação direta entre a TIR acionista e o esforço financeiro

exigido ao parceiro público. Pese embora estas considerações, entendemos este

objetivo de renegociação à luz de dois critérios. Por um lado, as ex -SCUT foram

objeto de renegociação com a introdução de portagens e consequente alteração da

matriz de partilha de riscos121, pelo que faz sentido rever, quer a TIR do projeto,

119 Este fato foi abordado nas audições da Comissão parlamentar de Inquérito à Contratualização,

Renegociação e gestão de todas as Parcerias Público -Privadas do Sector Rodoviário e Ferroviário,

conforme consta do relatório final, pp. 55 a 57. 120 O regime jurídico das parcerias consagrado no Decreto -Lei n.º 111/2012, de 23 de maio não

contém nenhuma alusão ao conceito TIR acionista nem a nenhum outro indicador de lucro e/ou

rendibilidade do parceiro privado. A única referência a este título sublinha apenas a necessidade de

uma remuneração proporcional ao nível de risco. Cf. Alínea a), n.º 1 do artigo 6.º “A configuração

de um modelo de parceria que apresente para o sector público benefícios relativamente a formas

alternativas de alcançar os mesmos fins, avaliadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 19.º da lei

de enquadramento orçamental e que, simultaneamente, apresente para os parceiros privados uma

expectativa de obtenção de remuneração adequada aos montantes investidos e ao tipo e grau de

riscos que incorrem”. Já o anterior regime jurídico especificamente criado para as parcerias na área

da saúde o Decreto -Lei 185/2002, de 20 de agosto alterado pelos Decretos -Leis n.º 18/2008, de

29 de janeiro, e n.º 176/2009 de 4 de agosto antes de ser revogado pelo Decreto -Lei n.º 111/2012,

de 23 de maio, não fazia qualquer referência a este tema. 121 A introdução de portagens nas ex -SCUT foi inicialmente prevista na Resolução do Conselho

de Ministros n.º 157/2004, de 5 de novembro, tendo sido nomeada a respetiva comissão de

acompanhamento pelo Despacho conjunto n.º 742/2004, de 22 de novembro. No ponto II.43.3

do Programa de Estabilidade e Crescimento 2010 -2013, de 15 de março de 2010 (versão PEC I)

“Introdução de Portagens”. Estabeleceu -se que seriam introduzidas taxas nas autoestradas SCUT

nas Concessões SCUT Norte Litoral, Grande Porto, e Costa de Prata. Para as restantes SCUT

ficou definido que as taxas de portagem seriam introduzidas uma vez verificados os respetivos

critérios para a sua introdução. Os processos negociais, foram desenvolvidos nos termos do DL

n.º 86/2003, de 26 de abril, alterado pelo DL n.º 141/2006, de 27 de julho, com as seguintes

parcerias – (i) concessão Brisa, (ii) concessão do Grupo Ascendi – SCUT Costa Prata, SCUT Porto,

SCUT Beira Litoral e Alta, concessão Norte e Concessão Grande Lisboa (“Concessões do Grupo

Ascendi”) –, e ainda (iii) Concessões SCUT Norte Litoral. Pelo Despacho n.º 13644/2010, de 26

de agosto. Foram constituídas as comissões de negociação para alteração dos contratos de concessão

celebrados com as concessionárias SCUTVIAS – Auto -Estradas da Beira Interior, S.A., Ascendi

– Beira Litoral e Alta S.A.; NORSCUT – concessionária de Auto -Estradas, S.A. e EUROSCUT

– Sociedade Concessionária da SCUT do Algarve S.A.

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783“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

quer a TIR acionista no sentido de reajustá -la à nova matriz de riscos. Por outro,

porque apesar de não constarem dos cadernos de encargos, as condições das TIR

acionistas dos casos de base serviram de critério para as compensações pagas pelo

Estado nos diversos processos de reequilíbrio financeiro.

Um segundo objetivo presente nas renegociações das parcerias iniciadas no

primeiro trimestre de 2013 prende -se com a redução dos custos operacionais das

concessionárias, em sintonia com a adequação dos níveis de serviço exigíveis com

os padrões e práticas europeias.

Em terceiro, pretende -se a eliminação, em cada Caso Base, dos custos asso-

ciados às grandes reparações relacionadas com repavimentação, até agora pagos

antecipadamente pelo Concedente, com base numa mera previsão de ocorrência.

Futuramente, estes encargos apenas serão suportados pelo parceiro público se, e

quando, vier efetivamente a ser necessária a realização de uma grande reparação,

com base em critérios técnicos acordados com cada concessionária. E a dedução

dos saldos de contas de reserva das concessionárias afetas a grandes reparações, aos

pagamentos a efetuar pelo Concedente e supressão de reforços futuros dessas contas.

Em 2013 foram nomeadas as comissões de renegociação das parcerias Brisa e

Lusoponte122, num contexto diferente das anteriores123 e no quadro da raciona-

lização dos padrões rodoviários nacionais em curso.

Finalmente, em 2013, o Estado decidiu rescindir o Contrato de Concessão

da Concessão Túnel do Marão124.

122 Por Despacho n.º 7130/2013, de 8 de maio, do Coordenador da Unidade Técnica de

Acompanhamento de Projetos, a comissão de negociação para o Segundo Contrato de Concessão

das Travessias Rodoviárias do Tejo em Lisboa, celebrado entre o Estado Português e a Lusoponte

– Concessionária para a Travessia do Tejo, S.A. (“Lusoponte”) em 24 de março de 1995. Por

Despacho n.º 7131/2013, de 23 de maio, do coordenador da Unidade Técnica de Acompanhamento

de Projetos, a comissão de negociação para o Contrato da Brisa – Concessão Rodoviária, S.A.

(“BCR”), relativo à concessão de construção, conservação e exploração de autoestradas outorgada

pelo Estado Português à Brisa – Auto -Estradas de Portugal, S.A. (“BRISA”), através do Decreto-

-Lei n.º 467/72, de 22 de novembro, alterado pelo Decreto -Lei n.º 294/97, de 24 de outubro, e

pelo Decreto -Lei n.º 247 -C/2008, de 30 de dezembro, cedida pela BRISA à BCR com autorização

do Estado em 22 de dezembro de 2010. 123 “A nomeação destas duas comissões justifica -se pela necessidade de alargar o processo negocial

a duas concessões que, sem originar encargos para o Estado, serão abrangidas pelas medidas de

otimização dos níveis de serviço a ser introduzidas no sector rodoviário. Assim, afere -se necessário

proceder à partilha, entre os parceiros privados e o público, de potenciais ganhos decorrentes da

introdução das reformas em curso no sector”. In UTAP – “Boletim Trimestral PPP – 2.º Trimestre

2013”, p. 8. 124 “A rescisão ocorreu nos termos dos n.os 1 e 5 da cláusula 76.º”, com justa causa, fundada no

incumprimento por parte da Concessionária. A rescisão foi oficializada através do Despacho

n.º 7841 -C/2013, de 17 de junho, do Secretário de Estado das Finanças e do Secretário de

Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações” In UTAP – “Boletim Trimestral PPP

– 2.º Trimestre 2013”, p. 8.

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784 José Gonzaga Rosa

A rescisão tem por efeito, designadamente, a transferência para o Estado

Português, através das Estradas de Portugal, S.A. (“EP”), da totalidade dos bens

que integram o estabelecimento da concessão e direitos subjacentes.

§ 12.º O financiamento das parcerias em Portugal

1. Capitais próprios

O financiamento das parcerias em Portugal assentou integralmente no crédito

bancário, na dívida subordinada e nos fundos próprios aportados pelos acionistas

das sociedades de projeto. Com a particularidade dos bancos terem igualmente

financiado parte significativa dos fundos próprios dos membros dos consórcios

através das sociedades instrumentais onde as participações ficarem parqueadas.

No caso português não houve a participação de nenhum fundo de investimento

especializado em infraestruturas, quer como acionista, quer como financiador.

Os acionistas das parcerias rodoviárias foram sobretudo as empresas cons-

trutoras seguidas, por ordem de importância, pelos bancos financiadores e pelas

empresas responsáveis pela gestão e operação das infraestruturas.

Das vinte e duas parcerias rodoviárias lançadas, apenas sete tiveram acionistas

não residentes como acionistas de referência125, dos quais cinco empresas espa-

nholas (na realidade foram apenas três, porque duas entidades participaram em

duas concessões).

Do lado dos bancos ocorreu algo semelhante em termos de exposição a enti-

dades residentes. Nas parcerias rodoviárias, dez tiveram a participação de bancos

residentes como acionistas. São doze as que não se enquadram neste grupo126.

Também aqui com predomínio dos bancos residentes.

Os fornecedores de fundos próprios limitaram -se sobretudo aos promotores

dos projetos, com predomínio para os construtores, com alguma participação dos

bancos financiadores, na sua maioria bancos comercias, e com ausência quer de

fundos de investimento, quer de entidades estrangeiras.

Globalmente verifica -se que os promotores dos projetos ainda hoje conti-

nuam a deter uma participação significativa nas parcerias, sendo praticamente

125 Concessão Norte Litoral IP9/IC1, Concessão Oeste, Concessão do Algarve IC4/IP1,

Subconcessão Baixo Alentejo, Subconcessão Algarve Litoral, Concessão Interior Norte IP3,

Concessão Lusoponte. 126 Concessão Túnel do Marão, Concessão Norte Litoral IP9/IC1, Concessão Interior Norte IP3,

Concessão Algarve IC4/IP1, Concessão Beira Interior IP2/IP6, Concessão Brisa, Subconcessão

Litoral Oeste, Subconcessão Baixo Alentejo, Subconcessão AE Transmontana, Subconcessão

Algarve Litoral, Concessão Douro Litoral, Concessão Lusoponte.

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785“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

inexistente a presença de investidores internacionais. E este fato não é explicado

pelas limitações contratuais à alteração dos titulares das concessionárias127. Interna-

cionalmente e com maior acuidade após o surgimento dos fundos especializados

em infraestruturas, é habitual ocorrer a rotação do capital dos promotores para

investimentos institucionais, libertando assim os fundos para novas aplicações.

2. Dívida subordinada

Parte da dívida subordinada aportada pelos acionistas foi na realidade finan-

ciada pelos bancos que asseguraram a dívida sénior. Isto evidência que esta dívida

na realidade está próxima de fundos próprios e foi a solução encontrada para os

promotores mitigarem o esforço financeiro nas parcerias. Os bancos, por sua vez,

praticaram taxas de juro superiores nestes financiamentos, melhorando desta forma

a rendibilidade global com a exposição às parcerias.

3. Financiamento bancário

Em maio de 2012, o “stock” de empréstimos concedidos pelo sector finan-

ceiro residente às parcerias ascendia a €4,1 mil milhões, um valor muito próximo

do observado em finais de 2011 e €600 milhões acima do registado em dezembro

de 2010 (representando um acréscimo de 17%). Cerca de 88% deste valor apresen-

tava uma maturidade entre os 5 a 25 anos. A estes montantes há que acrescentar

o crédito em dívida junto de entidades bancárias não residentes que ascendia a

€3,8 mil milhões em maio de 2012, dos quais mais de 78% (€2,9 mil milhões)

apenas ao Banco Europeu de Investimentos. Esta exposição ao BEI foi gerada

quase integralmente no sector rodoviário128. Globalmente, temos um valor de

dívida bancária de €7,9 mil milhões.

Estes empréstimos foram na quase totalidade concedidos por bancos, com

um montante negligenciável associado a outras instituições de crédito. Refira -se

ainda que não tem havido vendas significativas destes créditos.

127 Regra geral as limitações impostas à transmissão das ações são de dois tipos. É vedada a venda

até três anos após a data de entrada ao serviço do último lanço. Sendo que até cinco anos após a data

de entrada em funcionamento ou serviço do último lanço, os membros do agrupamento, deverão

deter em conjunto e enquanto acionistas diretos o domínio da concessão, nos termos previstos no

artigo 486.º do Código das Sociedades comerciais, salvo utilização em contrário do concedente. 128 Há apenas um financiamento do BEI a parcerias fora do sector rodoviário, concretamente ao

hospital de Braga.

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786 José Gonzaga Rosa

À semelhança do que sucedeu na participação acionista, excetuando o Banco

Europeu de Investimentos, os bancos residentes voltaram a assumir posição de

destaque na componente de financiamento bancário.

Em suma, enquanto em outros mercados os bancos limitaram a exposição

ao financiamento das parcerias através de financiamentos à construção (a fase de

maior risco do projeto) os quais foram posteriormente refinanciados através do

mercado de capitais, em Portugal, ficaram com os financiamentos em balanço.

4. Titularização

A concentração dos financiamentos bancários em clientes chave dificultou

e irá dificultar a viabilidade de operações de venda de créditos e titularização de

“pools” dos empréstimos às parcerias.

§ 13.º O financiamento das parcerias: outras experiências

I – Como vimos, em Portugal o financiamento das concessionárias129 ficou

quase integralmente dependente do sector bancário. Noutros, como é o caso do

Reino Unido, o financiamento através das obrigações130 foi a modalidade preva-

lecente desde o início do “PFI”131 na década de 90. No Reino Unido entre 1996

e 2009 foram lançadas 663 parcerias, das quais, 48 com investimento superior a

£200 milhões, 20 com investimento superior a £300 milhões, cerca de 18 foram

financiadas através de obrigações (64%) e de 11 projetos com investimento supe-

rior a £500 milhões, cerca de 8 (72%) foram financiados através de obrigações

(EPEC 2010).

129 O nosso legislador não impôs nem impõe a necessidade de constituição de uma sociedade

veículo para a estruturação de uma parceria. Porém os requisitos impostos ao concessionário (n.º 2

do artigo 411.º do Decreto -Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro “O concessionário deve ter por objeto

social exclusivo, ao longo de todo o período de duração do contrato, as atividades que se encontram

integradas na concessão” e a necessidade de isolar os riscos do projeto levam a que todas as PPP

em Portugal assentem numa sociedade de projeto (melhorar na perspetiva do “non recourse”). 130 Para uma explicação detalhada do sistema de garantias que permitiu o refinanciamento da

dívida bancária no mercado obrigacionista do Reino Unido ver EPEC (2010), “Capital markets

in PPP financing: where we were and where are we going”, p. 5 e seguintes. 131 “Private Finance Initiative” – modalidade de provisão de serviços públicos originada no inicio

dos anos 90 com o Governo de John Major caracterizada pelos seguintes aspetos: “transferência da

responsabilidade e dos riscos do financiamento dos investimentos de capital para o sector privado;

maiores benefícios na utilização dos dinheiros públicos; e garantia de uma melhor gestão dos

riscos associados”. Azevedo, Maria Eduarda, As Parcerias Público Privadas: Instrumento de uma Nova

Governação Pública, 2008, p. 126

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787“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

II – O sucesso das obrigações no financiamento das parcerias radicou na exis-

tência de seguradoras especializadas neste tipo de risco (designadas por “mono-

line insurers” 132), sobretudo nas situações em que os detentores de obrigações

entravam na fase de implementação do projeto, estando ainda presente o risco

da construção.

Estas seguradoras, regra geral com “rating” “AAA”, cobriam o risco de crédito

do projeto, abreviando desta forma a dificuldade em obter o “ rating” de quali-

dade para os projetos em face dos tradicionais elevados níveis de dívida.

Quais os intervenientes neste mercado? Por um lado investidores institucio-

nais133, tipicamente longos em termos de responsabilidades com a necessidade de

compensar estas maturidades através de fontes de rendimento igualmente estáveis

de longo -prazo. Estavam nesta situação os fundos de pensões, as seguradoras de

vida e sociedades gestoras de ativos.

Entre 2007 e 2009 a procura por obrigações emitidas por sociedades veículo

de parcerias foi alimentada por bancos com carteiras de “swaps” de ativos134. Estas

obrigações eram adquiridas para a conversão dos respetivos “cash -flows” em taxa

fixa através de “swaps” de taxa de inflação, os quais eram vendidos a investidores

que pretendiam ativos de taxa fixa. O enfraquecimento das seguradoras “mono-

line” e os problemas enfrentados pelos “swappers” de ativos em renovar os seus

financiamentos de curto prazo no início de 2008, ditaram o fim desta modali-

dade de financiamento.

III – Atualmente decorrem diversas iniciativas para a revitalização do mercado

de obrigações de investimento em regime de parcerias, na tentativa de recuperar

a importância do mercado de capitais no financiamento dos projetos.

Uma delas é designada por “Europe 2020 Project Bond Initiative – Innova-

tive infrastructure financing”. Esta iniciativa surge como a resposta da Comissão

Europeia à necessidade de revitalização do mercado de obrigações, depois da

queda que sofreu com a crise financeira e a retirada das seguradoras “monoline”

que entretanto viram os seus níveis de “rating” deteriorarem -se significativa-

mente. A ausência destas seguradoras de crédito das parcerias, fez com que as

132 “These companies are called “monolines” because, although they are legally licensed and

organized as insurance companies, they are permitted by law to offer only one form of insurance

– financial guarantees – as opposed to other insurance companies which may offer various insurance

products and are called “multi -line” insurers”. 133 artigo 30.º do Decreto -Lei n.º 486/99, de 13 de novembro: “consideram -se investidores

institucionais as instituições de crédito, as empresas de investimento, as instituições de investimento

coletivo e respetivas sociedades gestoras, as empresas seguradoras e as sociedades gestoras de fundos

de pensões”. 134 Os bancos mais ativos neste mercado foram o Dexia e o Depfa.

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788 José Gonzaga Rosa

transações de “project finance” na Europa deixassem de contar com obrigações

devido à hesitação dos investidores em investir em títulos com “rating” próximo

de BBB, o melhor que é possível obter sem mecanismos adicionais de requalifi-

cação de crédito.

Capítulo V – Conclusões

1. O ponto de partida: qual o problema?

Portugal é um dos países europeus onde a utilização do regime de parcerias

no investimento de iniciativa pública na área das infraestruturas, se fez sentir com

maior intensidade. E, contudo, a participação do mercado de capitais (em sentido

estrito) na mobilização de fundos para este efeito foi praticamente nula. Esta

constatação foi o ponto de partida para a formulação do problema deste estudo:

como transformar os financiamentos bancários dos projetos de parcerias público

privadas e concessões de infraestruturas, em valores mobiliários com potencial

de refinanciamento no mercado de capitais. Por outras palavras, como converter

o crédito financiado pelo sistema bancário, em crédito intermediado e finan-

ciado pelo mercado financeiro. A nossa análise incidiu sobretudo nos intermedi-

ários financeiros (organismos de investimento colectivo e entidades financeiras

não bancárias) e respectivas modalidades de financiamento, em detrimento das

operações financeiras envolvidas (titularização e mecanismos de requalificação de

créditos). Neste sentido, procedemos ao levantamento de estruturas jurídicas de

acolhimento a fundos de investimento especializados na aquisição de dívida de

infraestrutura (“infrastructure debt funds”), que possibilitam a desintermediação

do sistema bancário para o mercado de dívida grossista não bancária. O nosso

trabalho identificou três exemplos de estruturas possíveis que respondem ao

problema formulado.

2. Que soluções?

Fruto da pesquisa realizada, sistematizamos as modalidades de financiamento

privado não bancário da infraestrutura (“figura 1”) e propomos uma tipologia

para os fundos especializados em dívida (“n.º 6, parágrafo 5.º, cap. II”) destacando

três soluções possíveis.

Fundos de investimento comuns mobiliários (“mutual funds”), consabida-

mente de perfil vocacionado para o investidor de retalho com todos os requisitos

de tutela do investidor típicos dos organismos de investimento coletivo em valores

mobiliários, adaptados às características de reduzida liquidez e longa maturação

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789“Infrastructure debt funds” – Contributos para o refinanciamento das parcerias em Portugal

dos ativos de infraestruturas. Esta solução, visa, na prática, conceber um produto

acessível ao grande público que, regra geral, está apenas disponível para os inves-

tidores profissionais.

O segundo conjunto de soluções assenta no desenho de instituições de crédito

não bancárias, vocacionadas em exclusivo para a aquisição de financiamentos

bancários (“senior loans”) a parcerias público privadas já em fase de exploração.

Estes veículos mobilizam fundos através da emissão de instrumentos de dívida

derivados de ativos colateralizáveis. Trata -se de uma noção em linha com a filo-

sofia de “private equity”, quer porque a sua implementação está acessível apenas

a instituições de crédito, quer pelos montantes exigidos aos patrocinadores destes

veículos, quer pela possibilidade de se poderem endividar. Os “infrastructure debt

funds” na modalidade de “non -bank financial companies” constituem -se como

veículos próximos de fundos de titularização (convertem financiamentos bancá-

rios em obrigações titularizadas) e assumem -se como “specialized infrastructure

loan funds”.

Finalmente, um terceiro conjunto de soluções passa pela utilização de fundos

de investimento alternativos, segmentados por perfil de investidor, contemplando

uma versão de endividamento nulo, onde se reconhece a importância do inves-

timento em infraestruturas para a economia através de incentivos fiscais, até ao

paradigma dos fundos do tipo de “private equity” em que o endividamento pode

ascender até duas vezes o “net asset value”, e que são claramente vocacionados

para investidores institucionais.

3. Que ensinamentos?

Comecemos pelos fundos de investimento comuns que são objecto da diretiva

OICVM. As soluções encontradas para a requalificação de crédito nos modelos

de perfil próximo de “private equity” (cujas aplicações se centram em dívida de

emitentes não cotados e com reduzido grau de liquidez), parecem -nos de difícil

implementação em Portugal no figurino dos fundos harmonizados. Há porém

algumas ideias que vale a pena reter, como o requisito de investidores estratégicos

que têm que assegurar determinado valor de capital angariado, a imposição de

um valor mínimo de subscrição e a obrigação de pelo menos 90% da carteira ser

constituída por instrumentos de dívida de rating “A”.

Já os mecanismos de requalificação de crédito através de “project bonds”

lançados pelo Banco Europeu de Investimentos são interessantes na perspetiva de

fundos de investimento alternativo, sujeitos à condição de endividamento nulo.

Julgamos que é ao nível dos fundos de investimento não harmonizados (ou fundos

atípicos) e que não são de versão pura de “private equity” que haverá espaço para

novas iniciativas em Portugal.

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790 José Gonzaga Rosa

Finalmente, os veículos constituídos na modalidade de instituições finan-

ceiras não bancárias com as características já assinaladas, vêm responder a duas

necessidades. Por um lado, à criação do mercado primário de dívida privada. Por

outro, à captação de investidores institucionais com perfil de aplicações próximo

da maturidade dos financiamentos às PPP.

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