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II Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, Lisboa, 25 e 26 de Outubro 2007 1 UM “COUP D’OEIL” SOBRE O ENTRE DOURO E MINHO PELO ENGENHEIRO MILITAR MICHEL LESCOLLES, EM 1661 MOREIRA, Luís Miguel 1 Resumo: Face à urgente necessidade de prover a defesa do reino, aquando da Guerra da Restauração (1640-1668), a Coroa portuguesa contratou vários e notáveis militares estrangeiros, aos quais coube a importante tarefa de fortificar os pontos estratégicos ao longo da raia seca e do litoral. Os oficiais engenheiros procederam, também, a inúmeros levantamentos topográficos e foram responsáveis pela elaboração de alguns dos mais valiosos exemplares cartográficos sobre o território português, da segunda metade do século XVII. Entre os engenheiros militares franceses ao serviço de Portugal, destacou-se Michel de Lescolles, , fundador da “Academia” de Fortificação de Viana (da Foz do Lima), responsável pelas principais obras de defesa da Província de Entre Douro e Minho e autor do mais antigo mapa conhecido daquela província. É precisamente sobre a Carta Geografica [da] Provincia de Entre Douro e Minho no anno de 1661, mapa manuscrito existente em Paris, na Bibliothèque National de France, que incide este nosso estudo, onde se salienta o contributo da engenharia militar seiscentista no desenvolvimento da cartografia portuguesa. 1 Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.

O mapa do Entre Douro e Minho de Michel Lescolles de 1661

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II Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, Lisboa, 25 e 26 de Outubro 2007

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UM “COUP D’OEIL” SOBRE O ENTRE DOURO E MINHO PELO ENGENHEIRO MILITAR MICHEL

LESCOLLES, EM 1661

MOREIRA, Luís Miguel1

Resumo:

Face à urgente necessidade de prover a defesa do reino, aquando da Guerra da Restauração

(1640-1668), a Coroa portuguesa contratou vários e notáveis militares estrangeiros, aos quais coube

a importante tarefa de fortificar os pontos estratégicos ao longo da raia seca e do litoral.

Os oficiais engenheiros procederam, também, a inúmeros levantamentos topográficos e

foram responsáveis pela elaboração de alguns dos mais valiosos exemplares cartográficos sobre o

território português, da segunda metade do século XVII.

Entre os engenheiros militares franceses ao serviço de Portugal, destacou-se Michel de

Lescolles, , fundador da “Academia” de Fortificação de Viana (da Foz do Lima), responsável pelas

principais obras de defesa da Província de Entre Douro e Minho e autor do mais antigo mapa

conhecido daquela província.

É precisamente sobre a Carta Geografica [da] Provincia de Entre Douro e Minho no anno de

1661, mapa manuscrito existente em Paris, na Bibliothèque National de

France, que incide este nosso estudo, onde se salienta o contributo da engenharia militar

seiscentista no desenvolvimento da cartografia portuguesa.

1 Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.

II Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, Lisboa, 25 e 26 de Outubro 2007

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Iniciada a então denominada Guerra da Aclamação em finais de 1640 - na sequência do

movimento de 1 de Dezembro que elevou ao trono português o então Duque de Bragança e agora D.

João IV- a Província de Entre Douro e Minho converteu-se, desde logo, num dos teatros de operações

ainda que os principais movimentos decorressem nas fronteiras do Alentejo e da Beira2. Esta

situação motivou que fossem colocados, naquela província, vários oficiais estrangeiros com o intuito

de aí procederem ao reforço da defesa da raia do Alto Minho, que seria assente na construção de

uma ampla linha de pontos fortificados ao longo do curso do rio Minho3.

Datam desta época (1640-1668) as obras efectuadas na cerca medieval de Melgaço e a

construção de fortalezas abaluartadas em Monção, Valença, Vila Nova de Cerveira, Caminha e na

ínsua da foz do rio Minho, juntamente com algumas obras de defesa costeira.

Paralelamente aos trabalhos de fortificação, os engenheiros militares também foram

responsáveis por efectuarem vários levantamentos corográficos, topográficos e cartográficos de

carácter militar4.

Ao longo da Guerra da Restauração foram vários os engenheiros militares estrangeiros que

prestaram serviço em Portugal, chegando alguns a desempenhar a função de Enfermeiro-mor do

Reino. Numa época em que a guerra era conduzida por militares profissionais e mercenários, alguns

destes técnicos, mais tarde, também se colocaram ao serviço de Espanha5.

Entre os vários engenheiros franceses ao serviço de Portugal destacamos o nome e a obra de

Michel de Lescolles, na Província de Entre Douro e Minho6.

2 Cfr. MATTOS, Gastão de Mello, Os Terços de Entre-Douro-e-Minho nas Guerras da Aclamação, in Separata do volume especial da Revista de Guimarães comemorativo dos Centenários da Fundação e da Restauração de Portugal, 1940, p. 203-225.

3 A contratação destes oficiais e soldados estrangeiro, principalmente franceses e holandeses, resultaram das negociações efectuadas pelas primeiras embaixadas que D. João IV enviou a França e às Províncias Unidas, logo em 1641. Cfr. CARVALHO, Joaquim, Um discípulo de Descartes ao serviço da Restauração. João Gillot in Separata do volume especial da Revista de Guimarães comemorativo dos Centenários da Fundação e da Restauração de Portugal, 1940, p.171-174.

4 O trabalho mais antigo (de que temos conhecimento) é a Carta do curso do Rio Minho que divide el Reino de Portugal, Galiza, com las villas castellos e lugares que tem ao longo da sua corrente Viana. O mapa manuscrito e datado de 1652, representa todo o espaço compreendido entre os rios Minho e Lima, com uma escala correspondente a cerca de 1/1 000 000 e inclui duas plantas em anexo, uma do castelo de Castro Laboreiro, outra do Forte de Santiago na foz do rio Lima. Este mapa encontra-se na Biblioteca Pública de Évora, sob a cota Gav. IV, nº 29. Cfr. DAVEAU, Suzanne, Lugares e Regiões em Mapas Antigos, in MAGALHÃES, Joaquim Romero (org.) (1997) Lugares e Regiões em Mapas Antigos, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, p. 56.

5 Podemos referir os casos de Nicolau de Langres, ex-Engenheiro mor de Portugal e que acabou por morrer em Vila Viçosa, em 1665, quando orientava os trabalhos de cerco ao serviço do exército de Espanha, na campanha que culminou com a batalha de Montes Claros e o de Jan Ciermans (ou Cosmander) e que, já ao serviço de Espanha, foi morto no assalto a Olivença em 1648.

6 Apesar de existir uma certa controvérsia em relação à grafia do nome deste autor, uma vez que lhe foram atribuídas diferentes versões (cfr. REIS, António de Matos (1989) Miguel de Lescol, Engenheiro e Arquitecto in Estudos Regionais, nº 5, p. 53-59), vamos optar por

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Michel de Lescolles foi um dos primeiros oficiais franceses a chegar a Portugal logo após a

Restauração da Independência. Aprovado no ofício de engenheiro, em 1643, sucedeu, nesse cargo, a

um outro compatriota, Nicolau de Lille, na Província da Beira. Em seguida, terá trabalhado em Trás-

os-Montes e, dali, pediu transferência para o Rio de Janeiro, onde terá permanecido até 1652, tendo

aí projectado algumas fortificações costeiras e traçado uma planta da cidade7. De regresso a

Portugal, em 1653, foi indicado para trabalhar no Algarve mas, ao que tudo indica, nunca tomou

posse desse cargo8.

No ano seguinte, Lescolles foi colocado na Província de Entre Douro e Minho, iniciando, de

imediato, a sua actividade de engenheiro militar, dirigindo a construção dos armazéns de Caminha e

também da sua muralha “à moderna”. Em 1656, em reconhecimento das suas competências, foi

nomeado Mestre de Campo General, tendo-se estabelecido em Viana do Lima (actual Viana do

Castelo), no período em que esta vila do Alto Minho adquiriu importância fundamental como centro

coordenador e estratégico das movimentações militares na fronteira do Minho. As fortificações de

Monção, Valença, Chaves, os fortins da Portela do Extremo, os fortes do Castelo do Queijo e de

Leixões (Leça) nos arredores do Porto e, muito provavelmente, o sistema fortificado de Vila Nova de

Cerveira e o Forte de Nossa Senhora da Conceição, constituem alguns exemplos de projectos

concebidos pelo engenheiro francês9.

“Lescolles” tal como o autor autografou o mapa que iremos analisar. Agradeço ao dr. António Maranhão Peixoto, director do Arquivo Municipal de Viana do Castelo, historiador e epigrafista, a sugestão por esta opção.

7 Um resumo biográfico deste autor pode ser consultado em VITERBO, Sousa (1988) – Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p. 67 e 68. Cfr., também, SOROMENHO, Miguel Conceição Silva (2000), A Fortificação Moderna, 1659-1737 in Monumentos, nº 12, p. 19-23 e Descrever, registar, instruir: práticas e usos do desenho, in A Ciência do Desenho: A Ilustração na Colecção de Códices da Biblioteca Nacional [Catálogo], Lisboa, Biblioteca Nacional, 2001, p. 81.

8 PEREIRA, José Fernandes (dir.) e PEREIRA, Paulo (coord.) (1989), Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, p. 259-260.

9 CALLIXTO, Carlos, As Fortificações Marítimas do Tempo da Restauração in Moreira Rafael (dir.) (1989), História das Fortificações Portuguesas no Mundo, Lisboa, Publicações Alfa, p. 214; REIS, António de Matos, (1995), Caminhos da História da Arte no Noroeste de Portugal no Primeiro Quartel do Séc. XVIII, in Cadernos Vianenses, tomo 19,p. 159-166. Sobre a autoria do projecto da Praça-forte de Chaves cfr. MACHADO, Júlio M. (2000), Crónica da Vila Velha de Chaves (2000), Chaves, Câmara Municipal de Chaves, p.212 (2ªed.).No caso da autoria do sistema defensivo de Vila Nova de Cerveira, Garrido Rodriguez considera que a sua autoria deverá ser atribuída a Lescolles e não a Manuel Vilalobos como é corrente. Cfr. GARRIDO RODRIGUEZ, Jaime, Fortalezas de la Antiga provincia de Tuy, (2001), Pontevedra, Deputación Provincial de Pontevedra, (2ª ed.).

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No entanto, as suas actividades não foram apenas de gabinete e/ou de arquitectura militar

pois, tal como faria o próprio Vauban anos mais tarde, participou activamente nas mais diversas

acções militares contra o inimigo10.

Com a assinatura do Tratado de Paz com Espanha, em 1668, Lescolles fixou residência em

Viana do Lima, tendo-se dedicado a outros projectos que não os índole exclusivamente militar.

Assim, alguns importantes planos de obras de engenharia hidráulica foram por ele desenvolvidos,

como o caso do cais do Cabedelo, na margem esquerda do estuário do Lima, um cais no rio Mondego,

em Coimbra ou uns molhes na barra do rio Douro no Porto. É também possível encontrar o seu traço

na arquitectura civil e religiosa do Entre Douro e Minho, impulsionando a renovação da estética

barroca daquela Província e que se vai reflectir noutras partes do Império, nomeadamente no

Brasil11.

Contudo, o seu maior contributo foi a direcção das “Aulas de Artilharia e Fortificação” que

tinham lugar no edifício da Vedoria de Viana, preparando e formando engenheiros e colaboradores,

instituindo uma verdadeira Escola de Engenharia, em plena Guerra da Restauração. O autor francês

chegou mesmo a escrever um Tratado de Fortificação e umas Lições de Artilharia que nunca

chegaram a ser publicados, mas as 12 Lições de Artilharia, que serviam de suporte teórico para a

suas aulas, foram compiladas por um seu discípulo português, o engenheiro Sebastião de Souza

Vasconcelos12. O seu nome era apontado como o mais provável sucessor de Luís Serrão Pimentel

como Engenheiro Mor do Reino, algo que não chegou a acontecer13.

10 Ver a obra do Conde da Ericeira: MENESES, D. Luís de, – História de Portugal Restaurado, Lisboa, Tomo III, na Officina de Domingues Rodrigues, 1751.Sobre Lescolles, este autor refere (…) e servia Miguel de Lascol de Tenente Geral da Artilharia, Engenheiro, e Quartel-Mestre, e em todas estas operações conseguia reputação”, p. 166.

11 É de autoria de Michel de Lescolles as obras da Capela-mor da Colegiada de Guimarães, bem como a reconstrução da igrja de S. Vítor em Braga. Cfr., MOREIRA, Rafael, Do Rigor Teórico à Urgência Prática: a Arquitectura Militar, in História da Arte em Portugal - O Limiar do Barroco (1986), vol. 8, Lisboa, Publicações Alfa, p. 84-85 e REIS, António Matos, 1989, op. cit. p.57.

12 Actualmente estas Lições de Artilharia encontram-se na Biblioteca Nacional de Lisboa, no núcleo de reservados sob a cota Cod. 7660. Ver Catálogo A Ciência do Desenho. A Ilustração na Colecção de Códices da Biblioteca Nacional (2001), Lisboa, Biblioteca Nacional, p. 81.

13 Para atestarmos a reputação de Lescolles, citamos a carta de 24 de Junho de 1667 do Conde de S. João, Governador das armas da Província de Trás-os-Montes, em resposta ao Conde do Prado, Governador das Armas da Província de Entre Douro e Minho. O primeiro solicitava ao segundo a dispensa de Lescolles e de outros oficiais para auxiliarem nas últimas operações militares no norte de Portugal, contudo o Conde do Prado informava que Lescolles se encontrava doente de gota e que não poderia prestar auxílio mas em sua substituição enviaria Lagrange. O Conde de S. João contestou desta forma: “me diz V. Sa. a impossibilidade de Miguel de Lascol, e o préstimo de Lagranja; bem sabe V. Sª. que sem Miguel de Lascol se não pode fazer nada e que eu conheço a insuficiência de Lagranja. Cfr. CRUZ, António, Portugal Restaurado - Estudos e Documentos (1940), Porto, Civilização, pp. 18-21.

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Mas o trabalho do engenheiro francês também se alargou à produção cartográfica. Assim,

durante e mesmo após a Guerra da Restauração, Lescolles foi incumbido de assegurar a manutenção,

a reparação e a ampliação das praças e fortes da fronteira do Minho. De forma a completar esta

tarefa com o máximo rigor, o engenheiro francês terá iniciado o levantamento das plantas de cada

uma das praças fortes, cuja colecção de desenhos terá tido utilidade prática nas aulas de engenharia

que ele próprio leccionava e mesmo na futura Academia de Fortificação, criada na vila de Viana em

170114.

O resultado final destes levantamentos constitui uma espécie de atlas ou álbum cartográfico

das praças-fortes do Minho. Na biblioteca Nacional de Portugal existe um conjunto de desenhos

datados de 1713 da autoria de Manuel Pinto Vilalobos, sucessor de Lescolles como engenheiro militar

da Província, possivelmente inspirados nos originais do mestre francês15. Um outro álbum, sem data

e sem qualquer autoria atribuída, encontra-se na Sociedade de Geografia de Lisboa.

Para além destes levantamentos topográficos à escala local, o trabalho de Lescolles também

se alargou à cartografia regional. Assim, neste texto, teremos oportunidade de destacar aquele que,

até ao momento, parece ser o mais antigo mapa conhecido da Província de Entre Douro e Minho,

denominado de Carta Geografica Provínçia de Entre Douro e Minho no anno de 1661, que se

encontra na Bibliothèque Nationale de France16.

A Carta Geografica da Provínçia de Entre Douro e Minho no anno de 1661 (figura 1), é um

mapa manuscrito, aguarelado, de dimensões aproximadas de 33,5 x 46,5 cm. Encontra-se dentro de

uma esquadria desenhada a preto e, no canto inferior direito, dentro da cartela, está o título e a

data do mapa assim como a assinatura do autor. Sensivelmente a meio da folha, sobre o oceano,

encontra-se desenhada uma rosa-dos-ventos, orientada para Este; no canto inferior esquerdo, foi

desenhada uma escala gráfica de cinco léguas, não indicando se são, ou não, léguas portuguesas.

Partindo do princípio de que se tratam de léguas portuguesas, calculámos a escala em cerca de 1/

14 Numa carta que dirigiu a D. Pedro II, Lescolles afirmava: “[...] por bem me fazer mercê fui visitar as fortificações e armazéns das praças fronteiras desta província para de todo fazer aviso e relação ao dito senhor no seu Conselho de Guerra com as plantas da maior parte delas, nas quais de presente estou trabalhando, e que com brevidade possível remeterei [...]” (cfr. CASTRO, Alberto Pereira, A Praça Forte de Valença do Minho (1994), Valença, Câmara Municipal de Valença, p. 186).

15 A planta de Valença, datada de 1691, desenhada por Vilalobos, e que se encontra na Torre do Tombo, refere que se tratava de uma cópia da planta de Lescolles realizada em 1683. Cfr. SOROMENHO, Miguel, 2000, op cit., p. 20.

16 Este mapa tinha sido identificado por Teixeira da Mota, que o descreveu como sendo “[...] a mais antiga carta especial de tal região de que sabemos[...] (Cfr. MOTA, Avelino Teixeira da, Arquitectos e Engenheiros e a Cartografia de Portugal até 1700, s/d, inédito). Encontra-se sob a cota actual Ge D-13875. A sua existência em Paris não está explicada, tanto mais que a maior parte dos trabalhos de Lescolles ficaram em Portugal. Esta foi, aliás, a única obra do autor que encontrámos fora dos arquivos portugueses.

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454 000. No entanto, alguns cálculos efectuados sobre o mapa, comparando-o com um outro de

escala conhecida, permitiram determinar uma escala de ca. 1/370 000, valor que se aproxima da

escala 1/340 000 que se obtém ao optarmos por efectuar os cálculos em léguas comuns de França17.

O mapa não apresenta legenda, encontrando-se orientado com o Este no topo e compreende

o território entre a Ria de Vigo, a Norte, o rio Douro como limite Sul, o Oceano Atlântico a Oeste e a

raia terrestre com a Galiza, desde S. Gregório à Portela do Homem, assim como parte do território

de Trás os Montes, como limites a Este.

Figura 1 - Carta Geografica Provínçia de Entre Douro e Minho no anno de 1661

17 O cálculo da escala deste mapa, a partir dos valores fornecidos pela escala gráfica, processou-se de acordo com a metodologia e os valores de referência propostos em MARQUES, Miguel da Silva, Cartografia Antiga: tabela de equivalências de medidas cálculo de escalas e conversão de valores e coordenadas geográficas (2001), Lisboa, Biblioteca Nacional.

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Para um estudo mais detalhado ao mapa, optámos por decompô-lo nas suas partes

constituintes, isto é, em cada um dos fenómenos aí figurados, analisando-os separadamente. Desta

forma, iniciaremos a análise pelos fenómenos naturais inscritos no fundo do mapa para,

posteriormente, considerarmos os fenómenos humanos figurados.

Um dos fenómenos naturais figurados pelo autor é o relevo, representado por uma sucessão

de pequenos "montes triangulares", aparentemente sem qualquer proporcionalidade em relação à

sua altitude. Deve-se referir, a este propósito, que somente a partir da segunda metade do século

XVIII se procedeu a medições, mais ou menos rigorosas da forma e altitude das montanhas e, mesmo

assim, no nosso país, essas preocupações foram mais tardias18.

O autor identifica apenas alguns dos acidentes orográficos, talvez por ele considerados

principais, inscrevendo o seu nome, aparentemente, sem qualquer intenção de o associar a uma das

elevações representadas. Entre os diversos topónimos assinalados, No Alto Minho foram identificadas

as serras de Somavila?; Gavieira ou Gavião?, estas no limite Este e a Serra de Boalhosa. A Sul do rio

Lima, o autor identificou as serras de Mouso ou Mouro?, Amarella, Xeres (Gerês) e Falperra (entre

Braga e Guimarães). Também identificou o oiteiro Major (Outeiro Maior) no Alto Minho,

representado por um símbolo de maior dimensão que os demais19.

A distribuição do relevo também não é uniforme: o Alto Minho é, claramente, a área mais

montanhosa, contrastando com as áreas a Sul do vale do rio Lima. Não se acentua o carácter

montanhoso do interior da província, ainda que a delimitação entre esta província e a de Trás-os-

Montes tivesse sido marcada por uma “cadeia” montanhosa20.

18 Sobre a representação do relevo na cartografia antiga de Portugal, veja-se o trabalho de ALEGRIA, Maria Fernanda, Cartografia Antiga de Portugal Continental in Finisterra, Revista Portuguesa de Geografia, vol. XII, Nº 24, 1977, p. 169-210 e DIAS, Maria Helena e RODRIGUES, Maria Luísa, Imagens de Ontem e de Hoje: a Beira Interior e a Cartografia Militar Portuguesa, in DIAS, Maria Helena (org.) (2003) Contributos para a História da Cartografia Militar Portuguesa, edição em Cd Rom - Projecto SIDCarta, Lisboa, Centro de Estudos Geográficos, Instituto Geográfico do Exército e Direcção dos Serviços de Engenharia.

19 Por “Alto Minho” designámos o território compreendido entre os rios Minho (a Norte) e Lima (como limite Sul).

20 Convém relembrar que a capacidade de manobra dos exércitos no século XVII era muito limitada, particularmente em áreas de relevo muito irregular, pelo que, a representação do espaço estava limitada ás áreas de conflito. Cfr. NADAL, Francesc e URTEAGA, Luis, Cartografia y Estado: los Mapas Topográficos Nacionales y la Estadística Territorial en el Siglo XIX in Geo Crítica, nº 88, 1990, p. 15.

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Figura 2 – A rede hidrográfica da Carta Geografica…

Na representação da rede hidrográfica (figura 2) Lescolles figurou os "principais" cursos de

água, aguarelando-os a cor azul/verde. Estão representados e identificados os rios Minho, Mouro,

Gadanha, Coura, Lima, Vez, Neva (Neiva), Cabo (Cávado), Este (só está desenhado, pois o seu nome

não foi inscrito), Dave (Ave), Lessa (Leça) e a foz do rio Douro. Foi, ainda, representada uma série

de pequenos cursos de água, perpendiculares à costa, embora não se indique o nome respectivo

como nos anteriores. O autor parece ter dedicado um maior grau de pormenor na representação da

rede hidrográfica no território compreendido entre os rios Minho e Lima - especialmente a estes dois

cursos - podendo-se, mesmo, estabelecer um contraste entre o território do Alto Minho, que possui

uma maior densidade de cursos de água e o restante território, cuja densidade de cursos de água

representados é, claramente, inferior. De uma maneira geral, a configuração da rede hidrográfica

parece pouco exacta, isto é, os cursos de água foram representados por linhas "onduladas",

generalizando a sua configuração e o autor parece não ter prestado atenção à extensão e local de

origem de alguns cursos de água: comparem-se os cursos dos rios Neiva, Cávado e Ave, que parecem

ter a mesma extensão.

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Figura 3 – Os núcleos de povoamento da Carta Geografica…

Relativamente à repartição do povoamento (figura 3) o cartógrafo representou as povoações

galegas ao longo do vale do Minho assim como da raia seca, verificando-se, depois, um relativo vazio

de informação para o interior da província da Galiza. No que diz respeito às povoações portuguesas,

Lescolles cartografou mais de 200 localidades e respectivos topónimos em toda a Província, no

entanto, o Alto Minho apresenta uma maior densidade de topónimos, especialmente ao longo do vale

do rio Minho e da raia seca.

Tal facto, parece confirmar que o autor possuía um maior conhecimento da área

compreendida entre os rios Minho e Lima, sobretudo junto da linha de fronteira, até porque o mapa

data do ano em que se reiniciaram as hostilidades no Entre Douro e Minho, numa campanha,

sustentada pelo Conde do Prado21. De qualquer forma, a figuração das povoações não nos parece

aleatória, muito pelo contrário, pois a maioria dos topónimos distribuem-se ao longo dos vales dos

21 CASTRO, Alberto, op. cit, p. 58. O Conde do Prado substituiu, no comando do exército do Minho, o Conde de Castelo Melhor (Pai), aquando da chegada do General Shomberg ao nosso país em 1660.

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principais rios da província, assim como das estradas que asseguravam a ligação entre as diferentes

povoações. Para além da diferença de densidade de povoamento entre Alto e Baixo Minho, há uma

outra entre o litoral e o interior, sendo que o número de povoações parece diminuir à medida que

nos deslocamos para o interior. Este facto confirma, em definitivo, o interior da província -

especialmente a Sul do rio Lima - como um "vazio" de informação, provavelmente porque em termos

geoestratégicos e militares era menos importante do que o litoral, sempre vulnerável aos ataques

navais inimigos.

O autor distinguiu vários tipos de povoações que, na generalidade, estão representadas com

o mesmo símbolo – pequeno grupo de casas juntas. No entanto, Porto, Braga e Tui apresentam um

símbolo que as diferencia das demais, um edifício encimado por uma cruz, pois são sedes de bispado

e, no caso das duas povoações portuguesas, as únicas cidades da Província.

Figura 4 – A rede viária da Carta Geografica…

Um outro fenómeno presente no mapa, que se destaca em relação aos demais, é a rede

viária (figura 4). Este será, eventualmente, o fenómeno mais importante figurado pelo cartógrafo

francês, dado que, naquele ano, se preparavam importantes manobras militares e, por isso,

conhecer a rede viária representava uma grande vantagem estratégica, pois permitia planear as

operações com mais rigor, tanto as manobras ofensivas, como as manobras defensivas. De modo a

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completar a representação da rede viária, o autor assinalou as diversas pontes onde os rios podiam

ser atravessados, pois também estas eram um elemento chave na preparação de qualquer manobra

militar22. Uma vez que os principais confrontos militares decorreram no Alto Minho, não surpreende

que, uma vez mais, seja este território aquele que parece ter sido levantado com maior rigor e

apresente, por isso mesmo, uma rede viária mais densa.

A representação da rede viária era, então, uma informação muito importante, restrita e

mantida em segredo, procurando-se não a divulgar ao inimigo. Assim, especialmente em períodos de

guerra, este tipo de dados só circulava sob a forma de cartografia manuscrita e num reduzido

número de exemplares, aos quais só tinham acesso os chefes militares23.

A rede viária da província parece estruturar-se em torno de três eixos de direcção Norte-Sul,

paralelos entre si: a partir da cidade do Porto, um dos eixos dirigia-se a Caminha pelo litoral; outro

um pouco mais pelo interior por Barcelos-Ponte de Lima-Valença e finalmente o eixo Porto (ou

Guimarães)-Braga-Ponte da Barca-Monção. No Alto Minho, estes itinerários eram complementados

por outros dois eixos de direcção Oeste-Este, a partir da foz dos rios Minho e Lima em direcção à raia

seca.

Para complementar toda esta informação de cariz militar, o autor assinalou os fortes que se

estendiam ao longo da linha de fronteira, representando alguns dos sucessos militares que,

entretanto, tinham ocorrido nesta área: em 1656, o exército espanhol iniciou uma dupla ofensiva e,

tendo passando o rio Minho, estabeleceu-se em S. Pedro da Torre e no sítio de Ponte de Mouro, onde

construiu um forte para criar uma testa-de-ponte24 (figura 5).

Dando seguimento a estes movimentos, as tropas espanholas conseguiram conquistar Lapela

e Monção e recuperaram Salvaterra do Minho, posições que conservaram até ao final da Guerra. O

mapa retrata estas movimentações e figura as ocupações do inimigo.

22 Para se compreender a importância estratégica das pontes, refira-se que existem vários exemplares cartográficos onde os autores não representaram a rede viária, mas assinalaram apenas as pontes que atravessavam os rios principais. Tal foi o caso do mapa de Portugal de Álvaro Seco de 1561.

23 Cfr. GARCIA, João Carlos, O Alentejo c.1644: Comentário a um Mapa in Arquivo de Beja, 3ª série, vol. X, 1999, p. 30-32).

24 Em S. Pedro da Torre, os galegos construíram o forte de S. Luiz Gonzaga. Ver SORALUCE BLOND, José Ramon, Castillos y Fortificaciones de Galicia – La Arquitectura Militar de los Siglos XVI-XVIII (1985) s/l, Fundación Pedro Barrié de la Maza- Conde de Fenosa, 1985, p. 187-188. Tratava-se de uma importante fortificação com capacidade par albergar 2000 homens e 500 cavalos. Ficou concluído em 1657, obedecendo a um plano de traço italiano.

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Figura 5 – Os fortes e as fortificações na Carta Geografica…

Com o intuito de travar as movimentações do inimigo no nosso território, o Conde de Castelo

Melhor (pai) ordenou a construção de alguns fortins, de forma a isolar a guarnição espanhola do

forte de S. Luís Gonzaga em S. Pedro da Torre25. Se observarmos com mais atenção o mapa,

podemos comprovar a existência de dois pequenos fortes – seriam o forte de Belém e a Atalaia de

Cerdal - que cercam o forte que o exército espanhol construiu na margem Sul do rio Minho.

Quanto a Salvaterra do Minho que desde a ofensiva de 1643 até 1659, ficou na posse de

Portugal, formando uma testa-de-ponte juntamente com a praça de Monção, o mapa figura um forte

a Norte daquela povoação, o “forte de S. Tiago”, construído pelos espanhóis como forma de evitar a

progressão do exército português para o interior da Galiza, coadjuvado por um outro mais pequeno

que “fechava” a estrada para Tui, na ponte sobre o rio Tea26.

25 Ver MATTOS, Gastão de Mello, op. cit., p. 12.

26 Para se compreender as movimentações e as operações levadas a cabo pelos exércitos em confronto no vale do Minho, ver GARRIDO RODRIGUEZ, Jaime, op. cit., p. 207-209.

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No litoral da Província, foram figurados as obras de defesa costeira então existentes, ou em

fase de construção: os dois fortes nos arredores da cidade do Porto, S. João e o “ Castelo do

Queijo”, o forte de S. João Baptista em Vila do Conde, Santiago da Barra em Viana e o forte da Ínsua

na foz do rio Minho.

Este mapa da província de Entre Douro e Minho, mais do que pioneiro na representação

cartográfica desta província, representou um enorme contributo para a evolução da cartografia

regional portuguesa.

De facto, ao longo da segunda metade do século XVII, não são conhecidos outros exemplares

cartográficos, nem manuscritos nem impressos, representando qualquer uma das províncias

portuguesas no seu conjunto e mesmo a cartografia impressa de grande circulação de origem

estrangeira, reportava-se, praticamente, à escala nacional.

Neste período, circulavam entre nós inúmeros exemplares baseados no mapa de Portugal de

Álvaro Seco (1560), publicado pelos mais importantes editores/gravadores norte europeus, ou os

mapas baseados nos contributos mais recentes de Sanson d’Abbeville (1654) ou de Pedro Teixeira de

Albernaz (1662), mas onde a Província de Entre Douro e Minho surgia integrada no conjunto de

Portugal ou na sua metade Setentrional.

Pese embora o contributo de Michel Lescolles, foi necessário esperar quase 70 anos, até

1730, para que surgisse o primeiro mapa impresso da Província de Entre Douro e Minho, gravado por

Grandpré em Lisboa27.

O mapa de Grandpré é impresso, de pequena dimensão (25 x 17 cm), encontra-se dentro de

uma dupla esquadria a preto e, no canto superior direito, dentro de uma cartela a imitar um

pergaminho desenrolado, encontramos o título do mapa: Provincia de Entre Douro e Minho. Ainda

dentro da cartela, o autor colocou o petipé (uma escala gráfica dividida em 4 segmentos), não

indicando, contudo a unidade de medida utilizada. Tratando-se, eventualmente, de léguas

portuguesas, poderemos calcular a escala do mapa em ca. 1/635 000. Sobre o oceano, que o autor

27 Os mapas das seis Províncias de Portugal – acompanhados de um mapa de conjunto do território nacional continental - foram gravados em 1729-1730 e publicados, pela primeira vez, no segundo volume da Geografia Histórica... de D. Luís Caetano de Lima, em 1736 (cfr. LIMA, D. Luiz Caetano de, Geografia Historica de todos os Estados Soberanos da Europa... (1736) . 2 vols., Lisboa, na Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1736. Do autor-gravador, pouco se sabe. Luís Chaves, confirma-nos que Grandpré, foi um dos impressores estrangeiros contratados por D. João V, para a Imprensa Régia da Academia de História. (Cfr. CHAVES, Luís, Subsídios para a História da Gravura em Portugal (1927), Coimbra, Imprensa da Universidade, p. 41). Ver, também, o recente estudo de COUTINHO, Ana Sofia (2007) – Imagens cartográficas de Portugal na primeira metade do século XVIII, s.n., Porto (Dissertação de Mestrado em Estudos Locais e Regionais, Faculdade de Letras da Universidade do Porto).

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denomina por Mar de Portugal, encontra-se desenhada uma rosa-dos-ventos. A carta não apresenta

qualquer legenda, mas no canto inferior esquerdo, encontramos a indicação do seu autor e/ou do

seu gravador, local e a data de gravação: de Grandpré Fecit Lisboa 1730 (figura 6).

Figura 6 – Provincia de Entre Douro e Minho de Grandpré, 1730.

Ainda que a sua análise não caiba neste texto, poderemos referir que esta imagem

cartográfica constitui, ela própria, um marco na História da Cartografia (impressa) portuguesa. Por

um lado, porque se trata do primeiro mapa de uma Província portuguesa impresso em Portugal, por

outro lado porque apresenta uma nova configuração que rompeu com as anteriores representações

provinciais e vai constituir uma base para os futuros mapas do entre Douro e Minho.

Na tentativa de encontrarmos as fontes utilizadas na elaboração do mapa de Grandpré,

teremos de considerar o mapa manuscrito de Lescolles de 1661, visto tratar-se do mais antigo mapa

da Província. O facto deste se achar em Paris pode ter significado que autores ou gravadores

franceses, como Grandpré, tenham tido hipóteses de aceder a esta fonte. Com este intuito,

decidimos comparar os mapas, isolando duas características importantes: a rede hidrográfica e o

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contorno do litoral. O resultado final é visível na figura 7, onde o mapa de Lescolles foi orientado

com o Norte no topo, de forma a facilitar a comparação com o mapa de Grandpré.

FIGURA 7 – Comparação da rede hidrográfica nos mapas de Lescolles (esquerda) e de Grandré

(direita)

Podemos observar que ambos representam uma maior densidade hidrográfica no espaço

compreendido entre os rios Minho e Lima do que no restante território da Província, onde impera,

aliás, uma simplificação na representação das linhas de água. Existe, também, uma similitude nos

rios representados, ou seja, aqueles que Lescolles elegeu para figurar são, basicamente, os mesmos

que Grandpré inclui no seu mapa. A configuração de alguns destes cursos de água é, também, muito

idêntica: compare-se a forma do rio Mouro, no Alto Minho, os rios Ave e Este, ou o rio Leça, assim

como a direcção predominante dos rios Minho e Lima.

Existe, ainda, um outro pormenor exclusivo sobre os dois mapas: ambos figuram a “serra do

Gavião” junto da fronteira com Espanha, entre Castro Laboreiro e o rio Lima, assim como a Serra da

Bolhosa.

O levantamento dos aspectos comuns a ambos os mapas não significa, por si só, que se possa

estabelecer uma relação directa entre os dois mapas, nem tão pouco concluir que o mapa de

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Lescolles é a fonte do mapa de Grandpré. Parece-nos, no entanto, que dada a existência de vários

pontos em comum entre estas cartas, o de Lescolles pode ter sido uma das fontes consultadas ou

utilizadas por Grandpré para a realização da sua obra, até porque, foi o primeiro e, até ao

momento, o único mapa conhecido da província de Entre Douro e Minho, existente até 1730.

Devemos acrescentar que o mapa de Lescolles é o que representa de forma mais completa o sistema

defensivo em ambas as margens do rio Minho, sabendo-se que, tal sistema só volta a ter uma

representação tão completa nesta versão Grandpré. Por outro lado, nenhuma das outras fontes

cartográficas por nós consultadas, anteriores à data de elaboração do mapa de Grandpré,

apresentava tantos elementos comuns. De qualquer modo, seria necessário dedicar um estudo mais

profundo e específico aos dois mapas, para podermos validar ou refutar qualquer hipótese

formulada. Em todo o caso, a procura das fontes deverá continuar a passar pelos autores franceses.

Conclusão

Como vimos, as primeiras imagens cartográficas da Província de Entre Douro e Minho, na

segunda metade do século XVII, surgiram associadas aos mapas de Portugal impressos de origem

estrangeira. Normalmente, estes exemplares apresentavam características corográficas muito

genéricas.

Após o início da Guerra da Restauração, surgiram vários levantamentos cartográficos

elaborados por militares ao serviço de Portugal. Estes exemplares manuscritos, elaborados em

contexto de guerra e/ou de ameaça de invasão territorial, apresentavam características geo-

estratégicas/militares e eram de circulação restrita. Habitualmente confinavam-se a pequenas

parcelas do território onde decorriam as principais movimentações militares.

A Carta Geográfica de Michel Lescolles, é a primeira representação do conjunto da

Província. Contudo, uma análise mais atenta, permite verificar que o espaço representado privilegia

áreas mais susceptíveis de serem invadidas: o litoral da Província, a fronteira do rio Minho e o

território entre os rios Minho e Lima, denunciando uma clara utilização militar sobre as demais.

Ainda que a sua circulação tenha sido, pelo menos numa primeira fase, muito restrita,

parece que a Carta pode ter sido uma das fontes utilizadas na renovação da imagem cartográfica da

Província de Entre Douro e Minho, ocorrida na primeira metade do século XVIII, aquando da

publicação dos primeiros mapas regionais impressos em Portugal.