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RELIGIÃO, SAÚDE MENTAL E CRISES James Reaves Farris* RESUMO Este ensaio discute a relação entre a saúde mental e as práticas e crenças religiosas e destaca a relação entre fé religiosa e crises desenvolvimentais e situacionais. Estão destacadas as complexidades do assunto, as contribuições positivas e os possíveis efeitos prejudicários das crenças e práticas religiosas. Nenhuma conclusão é apresentada. O pensamento de Kenneth Pargament, Gordon Allport e Julia Head estão destacadas a respeito do impacto da religião em momentos de crise. Palavras-chave: religião, saúde mental, identidade. ABSTRACT This text discusses the relation between mental health and religious beliefs and practices, and highlights the relation between religious faith and developmental and situational crises. The discussion points out the complexities of the subject, the positive contributions of religious beliefs and practices, as well as their possible negative effects. No final conclusion is presented. The thoughts of Kenneth Pargament, Gordon Allport and Julia Head are pointed out in terms of the impact of religion moments of crisis. Keywords: religion, mental health, identity. Introdução 1

RELIGIÃO, SAÚDE MENTAL E CRISES

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RELIGIÃO, SAÚDE MENTAL E CRISES

James Reaves Farris*

RESUMO

Este ensaio discute a relação entre a saúde mentale as práticas e crenças religiosas e destaca a relaçãoentre fé religiosa e crises desenvolvimentais esituacionais. Estão destacadas as complexidades doassunto, as contribuições positivas e os possíveisefeitos prejudicários das crenças e práticasreligiosas. Nenhuma conclusão é apresentada. Opensamento de Kenneth Pargament, Gordon Allport e JuliaHead estão destacadas a respeito do impacto da religiãoem momentos de crise.

Palavras-chave: religião, saúde mental, identidade.

ABSTRACT

This text discusses the relation between mentalhealth and religious beliefs and practices, andhighlights the relation between religious faith anddevelopmental and situational crises. The discussionpoints out the complexities of the subject, thepositive contributions of religious beliefs andpractices, as well as their possible negative effects.No final conclusion is presented. The thoughts ofKenneth Pargament, Gordon Allport and Julia Head arepointed out in terms of the impact of religion momentsof crisis.

Keywords: religion, mental health, identity.

Introdução

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Qual a relação entre a saúde mental e a convicção, ou aprática, religiosa? A religião promove a saúde mental,ou as doenças mentais? A religião promove a expressãode estados de saúde mental, ou de problemas mentais?Estas são perguntas fundamentais no estudo dapsicologia de religião. Este ensaio vai discutir estasquestões fundamentais, sem entrar numa discussãoelaborada da definição, ou da delimitação, dos termosreligião e saúde mental. Dentro do campo dapsicologia, não há uma discussão bem elaborada arespeito da definição, ou da delimitação, do termoreligião. A tendência atual é de aceitar aautodescrição de religiosidade dentro do contextosocial específico. A pessoa que se descreve como"religiosa" delimita o campo. Essa atitude reflete apreocupação da psicologia com a religião comocomportamento humano que ocorre dentro de contextossociais.

*Professor de Pós-Graduação em Ciências da Religião naUniversidade Metodista de São Paulo. E-mail:[email protected]

Quem define este comportamento é a pessoa e ocontexto social. Por essa razão, a religiosidade dosindivíduos é definida pela autodescrição da pessoa epelo contexto social. A psicologia distingue entrediversos tipos de religiosidade, tradicionais, novosmovimentos, conservadoras, carismáticas e assimsucessivamente, mas este ensaio não entra nestadiscussão específica. A intenção deste texto é dediscutir a questão das relações entre a saúde mental ea religião e destacar a relação entre fé religiosa esituações de crise.

Há, em geral, duas perspectivas amplas a respeitodo estudo psicológico de religião. Uma perspectivaestuda os comportamentos religiosos específicos emtermos do comportamento humano. Esta área, ouperspectiva, raramente preocupa-se com a função, ou o

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significando, de religião para indivíduos ou grupos. Ameta desta perspectiva é de descrever a religião comocomportamento humano. Assim, esta perspectiva querdescrever os comportamentos humanos entendidos como"religiosos" dentro de grupos, ou contextos,específicos e comparar estes dados com outrasinformações a fim de entender melhor a religião comocomportamento individual e social.

O estudo da psicologia de religião começou comesta perspectiva. Os estudos de G. Stanley Hall1,sobre conversão religiosa, James Leuba2, sobre aconsciência religiosa, e Edwin Diller Starbuck3 sãoexemplos clássicos desta abordagem. A intençãooriginal destes estudos era descrever comportamentosreligiosos específicos e como eles expressam sés dentrode contextos sociais e culturais. A metodologiadescritiva continua sendo uma força no estudo dapsicologia de religião. Porém, atualmente há poucosestudos que tratam da religião de uma perspectivapuramente descritiva.

A segunda abordagem do estudo psicológico dereligião combina a descrição do comportamento religiosocom a análise de como ela funciona para ajudar aosindivíduos e grupos a adaptar-se e entender o mundo.Por isto, estudos atuais tendem a combinar elementosdescritivos e funcionais, ou interpretativos. Estaperspectiva busca descrever a religião comocomportamento humano e entender como este comportamentofunciona, positiva ou negativamente, para os indivíduose grupos. É aqui que a questão da relação entre areligião e a saúde mental entra nas discussões atuais.O comportamento religioso gera, ou incentiva,

1 Hall, Granville Stanley. Adolescence: Its Psychology and Its Relation to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion and Education. New York, D. Appleton, 1904.2 Leuba, James. A Psychological Study of Religion: Its Origins, Functions and Future. New York, Macmillan, 1912. 3 Starbuck, Edwin Diller. The Psychology of Religion: An Empirical Study of theGrowth of Religious Consciousness. New York, Charles Scribner's Sons, 1899.

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maturidade emocional e adaptabilidade, ou limita, ouinibe, estas características? A religião é uma fontedas doenças mentais, ou gera, ou faz mais possível, asaúde mental? Há relação entre certas característicasde personalidade e certos tipos de crenças e práticasreligiosas?

Estas perguntas foram levantadas originalmente porvárias autores na área da teoria de personalidade.Sigmund Freud, Carl Jung, Alfred Adler, Erik Fromm eGordon Allport levantaram estas perguntas em termos desuas teorias de personalidade. Cada um destes autoreslevantou a questão da religião através de uma teoriaespecífica de personalidade. Porém, a tendência atualé evitar avaliar a convicção e o comportamentoreligioso baseado em uma única teoria de personalidade.Atualmente, a psicologia de religião parece serinteressada mais em estudar como a religião ajuda, ounão, pessoas a viver vidas mais satisfatórias, comodefinidas pela cultura. Uma maneira de interpretaresta mudança da descrição para a função é dizer que umelemento pragmático entrou no estudo psicológico dereligião. Como é que a religião ajuda, ou impede, osindivíduos e grupos nas suas vidas cotidianas? Areligião ajuda ou impede as pessoas, ou os grupos, nascapacidades de funcionar e adaptar? Estas sãoperguntas altamente pragmáticas. Por isto, uma dasperguntas fundamentais no estudo psicológico dereligião é a relação entre a saúde mental e a religião.Este é o tópico fundamental que este ensaio discutirá.

Há dois extremos na discussão relativos à relaçãoentre a religião e a saúde mental que não acrescentamquase nada a uma discussão inteligente do assunto. Umextremo declara que a religião se trata exclusivamenteda "verdade" revelada e que a psicologia é a "ciência"do comportamento humano. Como tal, a religião e apsicologia representam categorias totalmente separadasde estudo ou de conhecimento. Tal aproximaçãoidentifica a religião com a metafísica e a psicologiacom "questões científicas" do comportamento humano.

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Este é um reducionismo profundo que artificialmentelimita ambos os campos de estudo. A religião é maisque "a verdade revelada" e a psicologia é mais que "oestudo científico" do comportamento humano. As duasáreas são partes de estruturas e relações sociais,políticas e econômicas complexas que influenciam ateoria e a prática.

Um segundo opção extrema, uma extensão daprimeira, é que os comportamentos religiosos, ou ascrenças religiosas são apenas um tipo específico daexperiência psicológica, bioquímica ou social. Estaperspectiva acredita que as práticas e as convicçõesreligiosas têm suas fontes exclusivamente emcondicionamento social, ou são os resultados de estadosemocionais, psicológicos, ou bioquímicos. Destaperspectiva, a psicologia é "o estudo científico" docomportamento humano e a religião pode ser "explicada"como estado emocional ou bioquímico. Isso é outroreducionismo profundo.

A relação entre a religião e a saúde mental écomplexa e extremamente controversa. Ambos oselementos envolvidos, a religião e a saúde mental estãocompostos de diversos elementos, dimensões e variáveise a combinação resultante é altamente complexa.Qualquer reducionismo desta complexidade ignora ariqueza da experiência humana. A questão atual não é aexistência, ou a ausência, da realidade transcendental.Esta questão está além do campo, ou do contexto, dapsicologia da religião. A psicologia de religião nãolida com a questão da existência de Deus, mas, sim, coma construção de significado. O problema atual é comoentender, ou interpretar, a religião, com toda a suacomplexidade e riqueza, ou, mais especificamente, comoum aspecto integral da busca e criação de significadoindividual, social e existencial.

Porém, o campo da psicologia também lida comproblemas de valores e significados. O comportamento"saudável" é definido exclusivamente através docontexto cultural, ou há "universais" que definem a

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saúde mental? Se há padrões universais para a saúdemental, o que é "saúde mental"? Se não houver nenhum"universal", as definições da "sanidade", "loucura","saudável" e "doente", são totalmente sociais?

Em geral, o campo de psicologia aceita a idéia deque há padrões gerais, e quase universais, a respeitodo comportamento humano, mas que estes padrões são tãoamplos que eles têm pouco valor prático. Seres humanossão quase universalmente "sociais", exibem odesenvolvimento emocional, físico e intelectual e têm acapacidades para emoções. Os conceitos de "saúde","doença", "sanidade" e "insanidade" não são universais.Em geral, o comportamento "saudável", ou "sano", éaquilo que ajuda os indivíduos e grupos adaptar efuncionar dentro de contextos sociais. A "avaliação"de indivíduos e sistemas sociais é baseada nahabilidade de funcionar e crescer. A questão de"valores universais" ou moralidade raramente entra,pelo menos diretamente, em discussões psicológicas.Isso não quer dizer que tais discussões não fazem partedo campo da psicologia, mas a presença destas questõesé mais indireta que direto. Por isto, a questão darelação entre a religião e a saúde mental não se tratade discussões sobre a existência da realidadetranscendental. No entanto, a psicologia está inseridaem diversos contextos éticos, morais e sociais. Èdifícil negar que a psicologia gera, direta ouindiretamente, universos de valores O problema centralé se, ou como, a religião ajuda os indivíduos e gruposfuncionar e crescer dentro de um contexto socialespecífico. A Religião, A Saúde Mental e A Verdade

Durante o último século o estudo da saúde mental ereligião sofreu da separação entre a ciência e areligião, com a religião sendo geralmente ignoradapelos campos da psiquiatria e psicologia. Porém,recentemente a relação entre a religião e a ciência

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experimentou um renascimento por causa da presença dequestões práticas e filosóficas sobre a natureza doconhecimento e da verdade.

Por exemplo, Jurgen Habermas usa a frase "validityclaim" para discutir questões da verdade.4 Sua idéiacentral é que as ideologias subjacentes devem seridentificadas e criticadas. Esta crítica da ideologiabaseia-se em uma teoria de comunicação sem distorção,que avalia como as declarações são validas. Habermasacredita que toda a comunicação implica a capacidadepara dar razões ou defender a validez de declarações.Ele acredita que toda a comunicação requer afirmaçõessobre a compreensão (percepção de fatos), verdade(coerência cognitiva), veracidade (coerência moral) eretidão (autenticidade pessoal) de declarações."Comunicar bem no apoio destes quatro tipos deafirmações... requer a habilidade de avançar razõespara nossas ações que fazem sentido até mesmo àspessoas que não compartilham nossas pressuposições”.5

Habermas está tentando evitar os extremos da ideologiae do relativismo.

A filosofia prática, também levanta questõesfundamentais sobre a natureza da verdade. Uma figuracentral neste campo é o filósofo Hans-Georg Gadamer.Gadamer é um filósofo alemão contemporâneo na tradiçãode Martin Heidegger, Edmund Husserl e FriedrichSchleiermacher. Estes filósofos tentaram redefinir arelação entre as ciências culturais,Geisteswissenschaften, e as ciências naturais,Naturwissenschaften. Gadamer pertence a um gruporecente de pensadores que tentam entender a basefilosófica de disciplinas tais como a história, afilosofia, a psicologia e a sociologia.6 Estasdisciplinas estudam o significado da ação humana. Apergunta central é: "Como é que nós podemos distinguir4 Habermas, Jurgen. Communication and the Evolution of Society. Boston, Baliza, 1979.5 Browning, Don. A Fundamental Practical Theology. Minneapolis, Fortress- Augsburg, 1991, p. 69.6 Browning, p. 37.

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estas disciplinas das ciências naturais de, porexemplo, química e física"? As ciências naturaisestudam objetos no mundo natural, em vez das ações deseres relativamente livres e intencionais. Quais sãoas diferenças?A idéia central desenvolvida por Gadamer é que asdisciplinas, ou ciências culturais, estão fundadas naestrutura fundamental do entendimento humano e acaracterística central do entendimento humano é odiálogo.7 Gadamer, semelhante a Heidegger, acredita queo tipo de objetividade, ou distância requerida,teoricamente, pelas ciências naturais é impossível.Entender é um diálogo, ou conversação, onde nós usamosnossas perspectivas, preconceitos e convicções.

Em contraste às abordagens tradicionais onde nóstemos que remover nossos preconceitos, ou pré-julgamentos, nós precisamos usá-los de uma maneirapositiva. Na linguagem de Gadamer, nós entendemos arealidade em relação a nossos "fore-concepts". Isto nãosignifica que nossos "fore-concepts" deveriam dominarnosso entendimento da realidade. Nós aprendemos ouentendemos contrastando, positivamente, o que nós já"sabemos" ou "acreditamos" com o que nós estamosexperimentando.

"Aplicação não é nem um subseqüente nem umaparte meramente ocasional do fenômeno deentender, mas codetermina-o como um todo desde ocomeço”.8

Em outras palavras, entender é uma conversaçãomoral, ou diálogo, que é influenciado, constantemente,por preocupações práticas e convicções presentes quesão uma parte integral da experiência presente.Entender, ou hermenêutica, é um processo moral eprático que emerge de dentro da experiência vivida.

7 Gadamer, Hans-Georg. Truth and Method. New York, Crossroads, 1982.8 Gadamer, p. 289.

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Esta tendência de questionar as suposições sobre anatureza da realidade e verdade começou acrescentemente penetrar o mundo de ciência através dodesenvolvimento da física quântica e a descoberta que ofenômeno quântico nem sempre seguem as leis de física.O comportamento de elementos quânticos nem sempre podeser predito e isso introduziu, numa maneira nítida, oelemento de mistério no reino de ciência. Físicos taiscomo Albert Einstein, Max Plank, Gary Zukov e KritjofCapra se tratam diretamente de questões de mistério e"Deus" em termos da natureza de realidade e daidentidade de ciência.

Nos campos da psiquiatria e psicologia aconteceu,nos últimos cem anos, uma evolução semelhante em termosdas definições da "realidade" e da "verdade". Oreducionismo da teoria psicanalítica clássica foidesafiado gradualmente pelo desenvolvimento de novasteorias do comportamento humano. O primeiro passonesta evolução era o processo de entender a religiãocomo mais que simplesmente uma neurose de deslocamento,como nas teorias de Sigmund Freud. As teorias depersonalidade propostas por Gordon Allport, ErichFromm, Donald Winnicott, Ana-Maria Rizzuto e DanielBateson geralmente vêem religião como tendo uma funçãopotencialmente saudável no comportamento humano e nainteração social. Especificamente, Allport, Fromm eBateson eram profundamente influenciados pela relaçãoentre a psicologia, ou a idéia da saúde mental, e ocontexto social. Carl Jung, Viktor Frankl e AbrahamMaslow vão além deste ponto, declarando que a religiãotem mais que uma função potencialmente positiva. Paraeste grupo, a religião é de importância fundamental auma personalidade saudável. A maioria destesescritores não se trata diretamente da pergunta da"realidade" ou da "existência" de Deus, ou da"realidade" transcendente. Porém, Jung, provavelmente,e Frankl, com certeza, acreditou que a religiãoexpressa uma realidade além da experiência humana.

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A Religião e A Saúde Mental

As discussões atuais em termos da relação entre areligião e a saúde mental têm a sua fonte em debatesfilosóficos, sociológicos, políticos e econômicos.Porém, chave nas discussões são as perguntasfundamentais de: "O que é normal?" "O que écomportamento social normal?" O que é comportamentopolítico normal?" "O que é comportamento emocionalnormal?” Um dos elementos fundamentais nesta discussãoé como o conceito” "bem estar" é entendido. O que é"bem estar humano"? No contexto religioso, a perguntaé: "O que é a vida abundante"? Uma pressuposição destadiscussão é que "normal" é aquilo que tende adesenvolver "bem estar" dentro de um contexto social eque a "saúde mental" é relacionada a estes conceitos.Esta idéia é fundamental à discussão atual.Obviamente, o termo "bem estar" é extremamente amplo esujeito às definições individuais e sociais. O termo"bem estar" é freqüentemente associado com, ou baseadoem, modelos ocidentais da "felicidade", "satisfação","atualização"" e "justiça". Um entendimento maisespecífico, dentro do contexto da psicologia,freqüentemente inclui os seguintes elementos: 1) ahabilidade de formar relações duradouras com outrosindivíduos e com o ambiente social; 2) a empatia; 3) asegurança emocional e a auto - aceitação; 4) ahabilidade de avaliar o mundo numa maneira racional enão - defensiva; 5) a capacidade de solucionarproblemas; 6) a capacidade da auto - avaliação e; 7) odesenvolvimento de uma visão mundial coerente oufilosofia de vida.9

Um texto não publicado por Julia Head propõe que arelação entre a religião e a saúde mental "lida com aquestão fundamental de se tiver algum tipo de fépromove ou desencoraja bem estar psicológico".10 Uma9 Esta lista está baseada na teoria de Gordon Allport, discutido em seguinte no texto.10 Head, Julia. The Relationship Between Religion, Spirituality and Mental Health.Texto não publicado, 2002. Citado com a permissão do autor.

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revisão da literatura psicológica atual em inglêsindica que a pesquisa relativa à relação entre areligião e a saúde mental é inconsistente e ambígua,mas que isso está geralmente devido a problemas dedefinição. Como o pesquisador define a "religião", a"saúde", a "saúde mental" e a "relação" influenciaprofundamente os resultados. Porém, citando Schumaker,Head descreve três tendências, ou conclusões, gerais.11

- A religião é geralmente benéfica a saúde mental. - Há modos que a religião, ou alguns tipos de religião,pode ser um detrimento a saúde psicológica. - A religião é uma expressão ou de transtornos mentaisou de saúde mental.

Outra revisão da literatura indica que "a maiorparte da evidência sugere que a religião seja associadacom a saúde mental positiva".12 Um terceiro projeto depesquisa indica que "o compromisso religioso é umfenômeno multidimensional que é clinicamente pertinentee tem o potencial para beneficiar, freqüentemente, ouprejudicar, ocasionalmente, a saúde mental".13 Emresumo, a maioria de pensadores na área parece teradotado a atitude de que a religião tem o potencial deter um efeito positivo ou negativo na saúde mental, masque a religião não é a expressão das doenças mentais.

O estudo moderno da relação entre a religião e asaúde mental pode ser resumida em termos de quatroaproximações gerais: 1) A orientação religiosa e asaúde mental; 2) A religião como mecanismo de lidar commomentos de dificuldade, ou stress; 3) A religião comomecanismo de defesa e; 4) Atitudes, ensinos e práticasreligiosas e a saúde mental. 11 Schumacker, E. F. (ed.). Religion and Mental Health. New York, Oxford University Press, 1992.12 Head, p. 6. 13 Larson, D. B. et. al. "Systematic analysis of research on religious variables in four major psychiatric journals, 1978-1982." American Journal of Psychiatry, 143, 329-334.

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A Orientação Religiosa e A Saúde Mental

Várias pesquisas usam o termo "orientaçãoreligiosa" para definir estilos individuais de fé. Omais bem conhecido destes investigadores é GordonAllport.14 Allport estudou a relação entre pertencera uma igreja, ou comunidade de fé, e os níveis depreconceito. Ele é o criador do termo "orientaçãoreligiosa", no contexto psicológico. Allport eracurioso sobre como é que as pessoas usam sua fé e o quea fé significa para a vida e a personalidade. Deimportância particular para a discussão atual relativoà religião e à saúde mental é que Allport acreditou quea religião é parte integrante da estrutura dapersonalidade e não um tipo de neurose, ou apenasmecanismo de defesa. A religião poderia ser neuróticaou uma defesa, mas não necessariamente. A religiãotambém poderia ser, e na teoria dele deveria ser, ocentro de integração da personalidade.

Os conceitos do Self, da identidade própria, ou doeu, e dos sentimentos são centrais na abordagem deAllport à personalidade humana, e, conseqüentemente, àreligião. O Self, a identidade própria ou o eupróprio, é composto de sete elementos ou aspectos: 1)Consciência do corpo; 2) Auto-identidade; 3) Auto-estima; 4) Auto-extensão; 5) Auto-imagem; 6) Capacidaderacional e; 7) Valores, alvos, ideais, planos evocações que geram um sentido integrado de propósito.A personalidade madura representa o desenvolvimentodestes sete elementos que resulta na presença de setecaracterísticas: 1) Extensões do Self, ou envolvimentoem relações douradoras com outras pessoas e o ambientesocial; 2) Empatia, compaixão, tolerância, genuinidadee confiança; 3) Segurança emocional e auto-aceitação;4) Habilidade de avaliar o mundo de maneira racional,realista e não defensiva; 5) Capacidade de resolver

14 Allport, Gordon. The Individual and His Religion: A Psychological Interpretation.New York, The MacMillan Company, 1954, p. 18.

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problemas; 6) Auto - avaliação crítica ou insight e; 7)Filosofia de vida que inclui orientações de valor,sentimento religioso diferenciado e consciênciaintencional.

A religião reflete, ou expressa o grau no qual apessoa desenvolve estes elementos. Em outras palavras,a religião é intimamente ligada ao desenvolvimento, ouda maturidade ou imaturidade, da personalidade. Ascategorias da religião madura e imatura, ou extrínsecaou intrínseca, continuam sendo usadas hoje para estudara relação entre a personalidade e a orientaçãoreligiosa.

Uma chave neste modo de estudar a relação entre areligião e a saúde mental é que a maturidadepsicológica e o que Allport chama da religião maduratêm uma relação íntima. Por isto, a religião maduraexpressa, ou reflete, a personalidade integrada, e apersonalidade madura tende a desenvolver a orientaçãoreligiosa mais desenvolvida. A religião e o bem estarsão intimamente relacionados. A Religião como Recurso em Momentos de Dificuldade ouStress

Uma segunda aproximação para o estudo da relaçãoentre a religião e a saúde mental focaliza a relaçãoentre a religião e o lidar com stress. Por exemplo,Paloutzian sugere que as pessoas que são "imaturas" ou"mentalmente perturbadas" possam ficar religiosas comomaneira de lidar com dificuldades emocionais.15

Enquanto esta for uma interpretação negativa dofenômeno, há pesquisa considerável que vincula a fé, oua prática, religiosa, com a capacidade de lidar comsituações que ameaçam a estabilidade individual,emocional, ou social. Um pesquisador principal nestaárea de pesquisa é Kenneth Pargament. Pargamentacredita que:

15 Paloutizan, R. F. Invitation to the Psychology of Religion. Boston, Allynand Bacon, 1996.

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- A religião pode ter um papel significante no processode negociar com e entender as crises pessoais. - A religião pode influenciar o processo de negociarcom e entender as crises pessoais e pode serinfluenciada por estes eventos. - A eficiência com que a pessoa lida com as crises éfreqüentemente relacionada à coerência da integração desuas convicções, suas emoções, suas relações e seusvalores na totalidade de vida e na personalidade.16

Kenneth Pargament identifica três estilosreligiosos que as pessoas usam no meio de crises eacredita que estes são relacionados à orientaçãoreligiosa e a competência emocional da pessoa.17 - Autodirecionado. Nesta orientação religiosa a pessoaleva a responsabilidade de resolver seus problemas eacredita que Deus lhes deu a liberdade e os recursosnecessários para conduzir sua própria vida. As pessoascom esta orientação religiosa geralmente acreditam queDeus é universal e presente, os dois as mesmo tempo,mas não tem "controle total" de criação. São usadosrecursos pessoais e religiosos para lidar com situaçõesou crises, e há, em geral, pouco conflito entre osdois. Esta orientação religiosa pode ser associada comas religiões tradicionais, ou com os novos movimentosreligiosos. Um número significante de pessoas quedemonstram este estilo religioso se descreve como"profundamente religioso", mas não têm afiliação, ourelação formal, nenhuma com qualquer instituiçãoreligiosa.- Adiando. Esta orientação religiosa é marcada porconvicções que Deus solucionará a situação, ou a crise,e resulta numa passividade consistente por parte decrentes. Esta passividade pode ser caracterizada por

16 Pargament, Kenneth. The Psychology of Religion and Coping. London, TheGuilford Press, 1997.17 Op. Cit., p. 99-104.

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confiança total na "vontade de Deus", ou napossibilidade de ter acesso pessoal à intervenção deDeus. Há a tendência de identificar esta orientaçãoreligiosa com as estruturas religiosas tradicionais ecom uma variedade de movimentos religiosos novos, osdois. A maioria de pessoas que exibem esta orientaçãoreligiosa também demonstrou dificuldades com lidar comcrises. De acordo com Pargament, esta orientaçãoreligiosa pode ser associada com dificuldades dedesenvolver maior competência pessoal, a capacidade delidar com crises e integrar a personalidade. - Colaborador. As pessoas com esta orientaçãoreligiosa focalizam em uma relação pessoal com Deus noqual as pessoas mantêm seu senso de responsabilidadepessoal, mas reconhece Deus como o Ser Supremo. Deusnão é entendido como tendo controle total de criação,mas ele é a fonte e sustentador de toda a vida. Deuspode intervir em situações específicas, mas estaintervenção geralmente está além do controle, ouentendimento, do crente. A colaboração é enfatizada emtermos das relações pessoa - Deus, comunidade religiosa- Deus e criação - Deus. Níveis geralmente mais altosde competência pessoal e integração da personalidadecaracterizam esta orientação religiosa.

Pargament reconhece que sua pesquisa se trata maisde tendências gerais do que comportamentosespecíficos.18 Porém, a pesquisa leva uma variedadede perguntas importantes. Entre estes são: 1) Quaiselementos em religião ajudam as pessoas a lidarativamente com problemas, ou crises? 2) Quais elementosem religião não ajudam as pessoas a lidar ativamentecom problemas? 3) Quais elementos em religião ajudamas pessoas a enfrentar e lidar com a vida, e quaiselementos motivam ou apóiam as pessoas a negar asrealidades de vida?; 4) Quais as práticas religiosasespecíficas, crenças e atitudes que apóiam a habilidadede solucionar problemas?, e: 5) Estes elementos variam

18 Pargament, p. 14-15.

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de pessoa a pessoa, ou entre culturas, ou são maisgerais em natureza? A Religião como Mecanismo de Defesa

Esta área do estudo da relação entre a religião ea saúde mental focaliza a relação entre as convicções eas práticas religiosas e a redução de ansiedade.19 Emresumo, esta perspectiva destaca como as pessoas usam areligião, consciente e inconscientemente, a fim delidar com uma variedade de situações de vida. Assim, areligião é estudada e entendida em termosinstrumentais. Porém, esta não é necessariamente"função negativa". Os mecanismos de defesa, comoatualmente interpretados, são vistos como fenômenohumano universal, ou meios universais de lidar com aansiedade. Eles podem ser "negativos" ou "positivos",dependendo de seu domínio no e integração napersonalidade e o grau para os quais eles se expandemou limitam a identidade e as capacidades sociais. Porexemplo, a negação pode servir a ajudar as pessoas amanter o nível de funcionar durante períodos de stress.Se, no momento propício, a pessoa é capaz de procedercom as experiências, ou os sentimentos, que estão sendonegados, então o mecanismo de defesa funciona numamaneira "positiva". Por outro lado, se asexperiências, ou os sentimentos, não foram reintegradasnuma maneira ativa e criativa, então o mecanismo dedefesa funciona de maneira "negativa". A religiãoaparentemente funciona como mecanismo de defesa, paraalgumas pessoas, nas seguintes maneiras: - Evitar lidar com as dificuldades cotidianas de vida.- Evitar lidar com as dificuldades existenciais, emtermos de olhar honestamente para a si mesmo. - Evitar lidar com erros ou enganos, verdadeiros ouimaginados. A religião pode funcionar para promover a

19 Head, p. 15-31.

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culpa e a vergonha excessivas, ou controlar, numamaneira construtiva, impulsos e ações. - Evitar lidar com as ansiedades sobre a morte. - Evitar lidar com a experiência de ser impotente, oudesamparado, ambos em termos da condição humana e dasrealidades práticas. - Evitar lidar com a experiência da responsabilidadepessoal.

Julia Head cita diversas pesquisas que indicam quea religião pode promover, ou reforçar, níveisprejudiciais de culpa e vergonha.20 Este processo deinvestir bastante energia emocional em regras, ouconvenções, morais pode servir como mecanismo de defesaquando elas tomam uma posição central na identidade,não são avaliadas criticamente e limitam a inserção dapessoa no mundo social.

- Pessoas com sentimentos de culpa são atraídas àsreligiões que destacam o pecado e o perdão. - As pessoas religiosas tendem a ter sentimentos maisfortes de culpa e experimentam conflitos entre o eureal e o eu ideal. - É relacionada freqüentemente a religião intrínsecaaos sentimentos mais intensos de culpa. - Há uma tendência geral de relacionar as religiões quedestacam a culpa com raiva dirigida ao ego.

A maioria de estudos que Head cita reflete oscontextos culturais dos Estados Unidos, da Inglaterra eda Europa. Ela não trata das questões do contextocultural. Por esta razão, estas observações podem, ounão, sejam pertinentes a outras culturas. A observaçãomais importante nestes estudos é que a religião podeser usada ou como mecanismo de defesa contra lidar comsentimentos excessivos de culpa e ansiedade ou comomodo para minorar a intensidade da experiência imediata

20 Head, p. 9.

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de forma que a pessoa possa, no final das contas,funcione em maneiras mais adequadas. É importantenotar que mecanismos de defesa são aparentementemfenômenos universais. A questão é como estesmecanismos são usados e o grau para o qual eles servema ajudar as pessoas negociar com, ou evitar,sentimentos de culpa e ansiedade. Resumo

Não há nenhum consenso na relação entre a religiãoe a saúde mental. O que pode ser estabelecido é que aorientação religiosa e a saúde mental são relacionadas.Como e até que ponto a orientação religiosa é associadacom a saúde mental, ou com os transtornos mentais, estáobscuro. O que parece estar claro é que não há nenhumajustificação por associar a religião com a falta desaúde mental. A religião, como qualquer outro fatorsocial, pode motivar, ou limitar, o bem-estarindividual e social. A questão mais importante é aseguinte: Que tipos de comportamentos religiosos, ou decrenças religiosas, contribuem para o funcionamentopositivo e que tipos podem contribuir para ocomportamento destrutivo? Esta é uma questão altamentedebatida que está longe de ser resolvida.

O estudo psicológico da relação entre a religião ea saúde mental não começa com qualquer crença naverdade revelada. O contexto social e odesenvolvimento do indivíduo e do grupo são oselementos fundamentais. Porém, o estudo psicológico darelação entre a religião e a saúde mental tratadiretamente de perguntas de se e como a religiãocontribui ao bem estar, e isto relaciona-se diretamenteao conceito da vida abundante no Cristianismo. A vidaabundante, o bem-estar e a saúde mental parecem serconceitos intimamente relacionados. Porém, como estesconceitos são definidos e que crenças e ações os tornammais possíveis são altamente debatidos na psicologia ena religião. Uma pergunta fundamental, dentro do campo

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da psicologia é a seguinte: Quais elementos da crença eda prática religiosas contribuem para o bem-estardentro de um contexto social específico? No contextoreligioso, uma pergunta fundamental semelhante é aseguinte: Quais elementos da crença e da práticareligiosa contribuem à vida plena como entendida nocontexto cristão? Estas são perguntas longe de seremresolvidas. Porém, o fato de que a religião e apsicologia levantam perguntas semelhantes, aliás, deperspectivas divergentes, é um dos pontos de partida dodiálogo contínuo entre os dois.

A respeito do pensamento de Kenneth Pargament, otema é uma mistura de teoria e prática. Ele reflete oatual debate sobre a relação entre religião epsicologia que reflete o pragmatismo norte-americano.A teoria é a base da discussão, mas a prática, ou avida é fundamental. Até que ponto e como é que areligião serve as necessidades fundamentais de pessoas?A resposta dele não é categórica. Ele reflete acomplexidade da questão e a mistura de inserção sociale personalidade. Neste sentido, ele é fiel àcomplexidade da questão, mas quer focalizá-la demaneira prática, ou pragmática. Repetindo umadiscussão anterior, ele levanta cinco questões quemisturam a teoria e a pratica:

1) Quais elementos em religião ajudam as pessoas alidarem ativamente com problemas, ou crises? 2) Quaiselementos em religião não ajudam as pessoas a lidaremativamente com problemas? 3) Quais elementos emreligião ajudam as pessoas a enfrentarem e lidarem coma vida, e quais elementos motivam ou apóiam as pessoasa negarem as realidades de vida? 4) Quais as práticasreligiosas específicas, crenças e atitudes que apóiam ahabilidade de solucionar problemas? 5) Estes elementosvariam de pessoa a pessoa, ou entre culturas, ou sãomais gerais em natureza?

Pargament levanta perguntas e questões que não têmrespostas fáceis, mas as enfrentam dentro de umacultura onde a religião e a ciência estão no meio de um

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debate que é, dentro do possível, cada vez maiscoerente e transparente.

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