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Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Empresarial da Comarca da Capital/RJ Telefonia celular - Prazo de carência - Multa cobrada na hipótese de cancelamento do contrato decorrente de furto ou roubo do celular - Ausência de culpa do consumidor - Ilegalidade - Art. 408 do Novo Código Civil - Valor excessivo da multa - Art. 39, V e art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor - Redução eqüitativa pelo juiz - Art. 413 do Novo Código Civil O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio do Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem, respeitosamente perante Vossa Excelência, e com fulcro na Lei 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a competente AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA com pedido de liminar em face de TELERJ CELULAR S/A - VIVO, inscrita no CNPJ/MF nº 02.330.506/0001-94, com sede na Praia de Botafogo, 501 - 5o. ao 7o. andar, Botafogo, Rio de Janeiro, CEP.: 22.250-040 e ATL - ALGAR TELECOM (CLARO), inscrita no CNPJ/MF nº 02.445.817/0001-07, com sede à Rua Mena Barreto, 42, Botafogo, rio de Janeiro, CEP.: 22.271-100, pelas razões que passa a expor: a) A legitimidade do Ministério Público 1) O Ministério Público possui legitimidade para a propositura de ações em defesa dos direitos coletivos e individuais homogêneos, nos termos do art. 81, parágrafo único, II e III c/c art. 82, I, da Lei nº 8.078/90. Ainda mais em hipóteses como a do caso em tela, em que o número lesados é muito expressivo, vez que é sabido que as rés possuem milhares de clientes. Claro, o interesse social que justifica a atuação do Ministério Público. 2) Nesse sentido podem ser citados vários acórdãos do E. Superior Tribunal de Justiça, entre os quais: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. - O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, inclusive para tutela de interesses e direitos coletivos e individuais homogêneos. (AGA 253686/SP, 4a Turma, DJ 05/06/2000, pág. 176).

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Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Empresarial da Comarca da Capital/RJ

Telefonia celular - Prazo de carência - Multa cobrada na hipótese de cancelamento do contrato

decorrente de furto ou roubo do celular - Ausência de culpa do consumidor - Ilegalidade - Art.

408 do Novo Código Civil - Valor excessivo da multa - Art. 39, V e art. 51, IV, do Código de

Defesa do Consumidor - Redução eqüitativa pelo juiz - Art. 413 do Novo Código Civil

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio do Promotor de

Justiça que ao final subscreve, vem, respeitosamente perante Vossa Excelência, e com fulcro

na Lei 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a competente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA com pedido de liminar

em face de TELERJ CELULAR S/A - VIVO, inscrita no CNPJ/MF nº 02.330.506/0001-94, com sede

na Praia de Botafogo, 501 - 5o. ao 7o. andar, Botafogo, Rio de Janeiro, CEP.: 22.250-040 e ATL -

ALGAR TELECOM (CLARO), inscrita no CNPJ/MF nº 02.445.817/0001-07, com sede à Rua Mena

Barreto, 42, Botafogo, rio de Janeiro, CEP.: 22.271-100, pelas razões que passa a expor:

a) A legitimidade do Ministério Público

1) O Ministério Público possui legitimidade para a propositura de ações em defesa dos direitos

coletivos e individuais homogêneos, nos termos do art. 81, parágrafo único, II e III c/c art. 82, I,

da Lei nº 8.078/90. Ainda mais em hipóteses como a do caso em tela, em que o número

lesados é muito expressivo, vez que é sabido que as rés possuem milhares de clientes. Claro, o

interesse social que justifica a atuação do Ministério Público.

2) Nesse sentido podem ser citados vários acórdãos do E. Superior Tribunal de Justiça, entre os

quais:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E

DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.

- O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor,

inclusive para tutela de interesses e direitos coletivos e individuais homogêneos. (AGA

253686/SP, 4a Turma, DJ 05/06/2000, pág. 176).

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DOS FATOS

3) As rés realizam, a venda, no mercado de consumo, de aparelhos telefônicos celulares,

prestando os respectivos serviços de telefonia móvel.

4) Os contratos celebrados pelas rés com os consumidores prevêem, em suas cláusulas 4.2.

(1a. ré) e 2 das Condições Comerciais (2a. ré), um prazo de carência de 12 (doze) meses,

dentro do qual a rescisão fica subordinada ao pagamento de multa rescisória, equivalente a

R$480,00, no caso da 1ª ré, e R$240,00, com referência à 2ª ré, sempre calculados de acordo

com os meses faltantes para o término do prazo de carência.

5) Tanto a 1a. ré, como a 2ª, ainda prevêem em alguns planos específicos prazo de carência de

24 (vinte e quatro) meses, sendo a multa nessa hipótese de R$480,00, em relação a ambas as

rés.

6) Ocorre que a multa por cancelamento do contrato é cobrada do consumidor em todas as

hipóteses, mesmo naquelas em que se busca a resolução do contrato em decorrência do

roubo ou furto do telefone celular.

7) Na hipótese mencionada o consumidor é duplamente penalizado. Como se já não bastasse o

prejuízo advindo do furto ou roubo do seu celular, as rés ainda lhe impingem uma multa.

8) A cobrança de multa nas hipóteses de perda ou desapossamento do celular, já teve inclusive

sua lesividade reconhecida em ação civil pública proposta pelo Ministério Público em face da

TIM, com o deferimento de medida liminar, em vigor, que impede a cobrança nessas situações

(fls. 5 do Inquérito Civil).

9) Por outro lado, o valor mínimo da franquia para utilização do serviço móvel pessoal da 1A.

ré é de R$39,90 (Plano Vivo Pós 55), e da 2a. ré de R$35,00, perfazendo, respectivamente, em

12 meses, um total de RS478,80 e R$420,00. Desse modo, para rescindir o contrato com as rés,

o consumidor hipossuficiente será obrigado a pagar até 100% do valor total da obrigação, que

pagaria se continuasse a usar o serviço durante todo o prazo de carência, o que caracteriza a

onerosidade excessiva a ele imposta.

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DA FUNDAMENTAÇÃO

b) A ausência de culpa impede a imposição de multa

11) A prática adotada pelas rés, de exigir o pagamento de multa dos consumidores

desapossados de seus telefones celulares em decorrência de caso fortuito ou força maior

constitui indubitável prática abusiva.

12) Ressalta-se que, esta mesma prática é objeto de ação civil pública movida em face da TIM,

que teve medida liminar deferida em favor dos consumidores. Com isso, esta operadora ficou

impedida de impor ou exigir qualquer multa, tarifa, taxa ou valor por resolução de contrato

decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente em hipóteses de roubo e furto do

telefone celular. Apesar de a medida liminar ter sido atacada por agravo, foi negado o efeito

suspensivo ao recurso, pois restou claro a tamanha lesividade imposta aos consumidores na

cobrança desse tipo de multa.

13) A matéria encontrava-se tratada no art. 923 do Código Civil de 1916, que dispunha:

art. 923 - "Resolvida a obrigação, não tendo culpa o devedor, resolve-se a cláusula penal".

14) O Novo Código Civil trata a questão de forma semelhante, no art. 408, que reza:

Art. 408 - "Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, CULPOSAMENTE,

deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora". (grifou-se).

15) Como se vê, a penalidade pelo cancelamento do contrato, que consubstancia uma cláusula

penal, só poderia ser imposta caso a resolução decorresse de culpa do consumidor.

16) Nas hipóteses, contudo, em que o consumidor pretende resolver o contrato em

decorrência de força maior ou caso fortuito, como no caso em que tem o seu telefone celular

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furtado ou roubado, não lhe pode ser imposta qualquer penalidade, já que não age

culposamente, sendo descabida a exigência do pagamento de multa. Outra não é a posição de

nosso E. Tribunal de Justiça:

OBRIGACAO DE FAZER

CESSAO DE DIREITOS

RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL

APELAÇÃO. Ação condenatória de cumprimento de obrigação de fazer (pagamentos de

prestações previstas em contrato de cessão de direitos de transmissão dos jogos de torneio de

futebol, que não se realiza por alegada culpa da rede de televisão GLOBOSAT) e de não fazer

(abstenção de negociar novos contratos para exploração de imagem, diretamente com os

clubes que participariam do torneio). Preliminares de ilegitimidade ativa e de falta de

interesse, que se rejeitam: a Liga autora, porque organizadora e promotora do campeonato,

tem o direito próprio de postular a indenização dos prejuízos que afirma haver suportado,

decorrentes de sua frustração; a resistência ao cumprimento. de obrigações previstas em

contrato justifica o interesse processual de submeter o aparente inadimplemento à tutela

jurisdicional. Nulidades da sentença que se afastam: o julgado pode acolher o pleito autora por

diverso fundamento e, se concede mais do que o pedido, basta.que se reduza a prestação aos

limites do demandado, o que não implica nulidade. Responsabilidade contratual. Culpa da

devedora que não se comprova. Competição esportiva cancelada porque excluída do

calendário oficial da Confederação Brasileira de Futebol, na medida em que o seu período de

realização coincidia com as datas mercadas para o desenvolvimento de outros campeonatos,

de que participariam, entre outros, os mesmos clubes filia dos à Liga. Ato de terceiro (CBF)

elide a obrigação secundária de indenizar o dano decorrente de inadimplemento, em verdade

inexistente. lnexecução que não se pode imputar à empresa ré. Teorias do dano direto e

imediato e da causa eficiente. Fato superveniente previsto em cláusula contratual, de modo a

autorizar a rescisão do pacto sem qualquer tipo de multa ou indenização. Provimento do

recurso. (GRIFOU-SE).

Tipo da Ação: APELACAO CIVEL

Número do Processo: 2003.001.16145

Data de Registro : 22/10/2003

Órgão Julgador: SEGUNDA CAMARA CIVEL

DES. JESSE TORRES

Julgado em 27/08/2003

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________________________________________________________________

LOCACAO

ESTABELECIMENTO DE ENSINO

LICENCA DE LOCALIZACAO

IMPOSSIBILIDADE

RESCISAO DO CONTRATO

CLAUSULA PENAL

COBRANCA INDEVIDA

PROVIMENTO PARCIAL

LOCAÇÃO. IMÓVEIS LOCADOS PARA FINS COMERCIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE INSTALAÇÃO DO

NEGÓCIO DA LOCATÁRIA, POR FALTA DE CONDIÇÕES DE OBTENÇÃO DE LICENÇA DA

MUNICIPALIDADE. INÉRCIA DA LOCATÁRIA, QUE NÃO CUIDOU DE, ANTES DA LOCAÇÃO,

VERIFICAR A POSSIBILIDADE DE INSTALAÇÃO DO SEU NEGÓCIO E QUE POR DEMAIS RETARDOU

A RESCISÂO DO CONTRATO. JUROS CONTRATUAIS. SÃO DEVIDOS À TAXA DE 1% AO MÊS,

CONSTANTE DA AVENÇA, POIS OS PREVISTOS NO ART. 1.062 DO CÓDIGO CIVIL SOMENTE SÃO

APLICÁVEIS QUANDO EM CONTRÁRIO NÃO AJUSTARAM AS PARTES. MULTA CONTRATUAL.

INDEVIDA, UMA VEZ QUE A RESCISÃO SE DEU PELA IMPOSSIBILIDADE DE INSTALAÇÃO DO

NEGÓCIO, E NÃO POR CULPA DA LOCATÁRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Tipo da Ação: APELACAO CIVEL

Número do Processo: 2001.001.06670

Data de Registro : 16/11/2001

Órgão Julgador: DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL

DES. SERGIO LUCIO CRUZ

Julgado em 10/10/2001

________________________________________________________________

LOCACAO

ROMPIMENTO DO CONTRATO

COBRANCA DE MULTA CONTRATUAL

IMPOSSIBILIDADE

ART. 293

C.C.

RECURSO DESPROVIDO

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DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. ROMPIMENTO ANTECIPADO. COBRANÇA DE MULTA. CLÁUSULA

PENAL NÃO DEVIDA. OBRIGAÇÃO RESOLVIDA SEM CULPA DA LOCATÁRIA. A multa

contratualmente pactuada é devida em caso de rompimento antecipado da locação pela

locatária, in casu, não pode ser cobrada, por força do artigo 923 do Código Civil, uma vez que a

obrigação de manter a locação restou resolvida sem culpa da locatária. Na espécie, dos

elementos probatórios constantes dos autos, máxime pelo laudo produzido pela Coordenação

Geral do Sistema de Defesa Civil da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, verifica-se que o

imóvel apresentava condições precárias de habitabilidade, tornando difícil a continuação da

locatária e de sua família no mesmo, até porque, as infiltrações constatadas, agravariam o

estado de saúde da filha menor da locatária, o que fez, inclusive, com que seu médico pediatra

sugerisse a mudança de residência. Logo, levando-se em consideração que não tem incidência,

na hipótese dos autos, a cláusula penal avençada, não se pode impor à fiadora o seu

pagamento. Sentença correta. Não provimento do apelo. (GRIFOU-SE)

Tipo da Ação: APELACAO CIVEL

Número do Processo: 2000.001.19289

Data de Registro : 23/04/2001

Órgão Julgador: SETIMA CAMARA CIVEL

DES. MARLY MACEDONIO FRANCA

Julgado em 15/03/2001

c) A imposição dos serviços

17) Verifica-se ainda que as rés, ao obrigar o consumidor que busca a resolução do contrato

por motivo de força maior ou caso fortuito a pagar multa, utilizam-se de método desleal, para

impor ao consumidor a continuidade do fornecimento dos seus serviços, em contradição com

o que dispõem os arts. 6o, IV, 39, V e 51, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor.

18) As rés, com a sua prática, buscam claramente induzir o consumidor a persistir a adquirir

seus serviços. Ocorre que a prática é abusiva. O consumidor desapossado de seu telefone

celular em decorrência de caso fortuito ou força maior deve ficar totalmente desvinculado e

livre para adquirir ou não novo telefone. Até porque é fato notório que o brasileiro que tem o

seu celular subtraído geralmente não possui condições financeiras de comprar um outro logo

após.

d) Da onerosidade excessiva

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19) Por outro lado, por preceito constitucional, o consumidor tem o direito a receber especial

proteção do Estado, havendo o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor erigido a direito

básico do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no

fornecimento de produtos e serviços.

20) É que o direito positivo visa a contrabalançar a vulnerabilidade do consumidor em relação

ao fornecedor, visto que é este quem detém o poder exclusivo de formular o inteiro teor do

contrato por adesão que obrigará as partes, sendo subtraído do hipossuficiente o poder de

negociar a redação das respectivas cláusulas contratuais.

21) Em razão da desvantagem desta posição contratual em que o consumidor se encontra,

percebeu o legislador a necessidade de relativizar o poder vinculante da autonomia da

vontade manifestada por ocasião da formalização do vínculo contratual, sobrepondo-lhe o

interesse público quanto à higidez dos direitos e obrigações contratados pelas partes.

22) Nesta esteira, o art. 51 do CDC, prevendo situações em que o vigoroso fornecedor se

prevaleceria de sua posição de vantagem para agravar o desequilíbrio da relação contratual

em detrimento do hipossuficiente, estipulou rol exemplificativo de cláusulas contratuais

relativas ao fornecimento de produtos e serviços que seriam abusivas, por ofenderem a ordem

pública de defesa do consumidor (art. 1o, CDC).

23) Nelson Nery Júnior, autor do anteprojeto da Lei n. º 8.078/90 (CDC), discorre acerca da

matéria com preciosa lucidez, verbis,

'(...) A existência de cláusula abusiva no contato de consumo torna inválida a relação

contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes, pois normalmente se verifica nos

contratos de adesão, nos quais o estipulante se outorga todas as vantagens em detrimento do

aderente, de quem são retiradas as vantagens e a quem são carreados todos os ônus

derivados do contrato.' (In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos

Autores do Anteprojeto, 7a edição, p. 501, grifo nosso).

24) Dentre as cláusulas abusivas previstas pelo art. 51 do CDC, destaca-se aquela a que se

refere o inciso IV do mesmo dispositivo legal, verbis,

'Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao

fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

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IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em

desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade'.

25) No caso em tela patente a abusividade da cláusula.

26) Primeiro porque o consumidor que já foi lesado com o desapossamento de seu telefone

celular por motivo decorrente de caso fortuito ou força maior não deve ser obrigado a efetuar

qualquer pagamento às rés, o que propiciaria a estas o enriquecimento sem causa, implicando,

também por isso, ofensa ao equilíbrio dos direitos e obrigações contraídos pelas partes.

Nelson Nery Júnior, neste aspecto, in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado

pelos Autores do Anteprojeto, 7a edição, p. 534, preleciona com justiça que, verbis,

'a onerosidade excessiva pode propiciar o enriquecimento sem causa, razão por que ofende o

princípio da equivalência contratual, princípio esse instituído como base das relações jurídicas

de consumo (art. 4o, n.º III e art. 6o , n.º II, CDC).

27) Além disso, o valor estabelecido na cláusula penal demonstra-se desproporcional diante da

natureza do contrato, podendo chegar a até 100% do valor total da obrigação. A doutrina vem

chamando atenção para esse tipo de abuso.

"A experiência demonstrou que a aplicação pura e simples das cláusulas penais assim como

previstas nos contratos de consumo, uma vez que frutos da liberdade contratual e da posição

dominante do fornecedor, conduzia a abusos. Abusos, principalmente, em razão do caráter

especialmente elevado das penas estipuladas, da falta de relação do valor da multa com os

danos realmente causados ao parceiro, da pouca transparência destas cláusulas, as quais, para

melhor garantir a posição do fornecedor, transferem para o consumidor os riscos tipicamente

profissionais, como o da escolha do parceiro contratual ou do advento de novas circunstâncias

impossibilitadoras do normal cumprimento da obrigação.

(...)

Sem dúvida, a interpretação que a jurisprudência tem dado ao art. 924 do CC/1916, agora art.

413 do CC/2002, é uma interpretação pró-consumidor, ao reduzir as penas previstas, por vezes

totais (...), por vezes tão importantes que frustram qualquer expectativa do consumidor (80%,

60%, 50%, 40%, 30% do valor total ou do valor pago). Em resumo, o STJ tem estado atento à

necessidade de reduzir cláusulas penais não razoáveis sob qualquer regime."

(Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamim e Bruno Miragem, Comentários ao

Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais, 2003, p. 632/633, grifou-

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se).

28) A referida cláusula penal, conforme se demonstrará adiante, deve ser reduzida

eqüitativamente pelo juiz, por força do art. 413 do Código Civil de 2002, já que se mostra

excessiva, em vista da natureza e finalidade do negócio. Assim tem agido os Tribunais:

"LOCACAO COMERCIAL. MULTA COMPENSATORIA. CRITERIO DA PROPORCIONALIDADE.

Apelação. Ação de cobrança. Locação comercial. Cobrança de multa por devolução do imóvel,

pelo locatário ao locador, com entrega das chaves em juízo. Multa contratual prevista no

contrato. Aplicação do artigo 4º da Lei 8245/91. Natureza de cláusula penal compensatória da

que prevê o pagamento de certo número de aluguéis vincendos. Referência expressa da Lei ao

artigo 924 do CC que permite ao Juiz, dentro do seu poder cautelar genérico, estabelecer, com

base no que lhe é permitido pelo artigo 924 do digesto civil, o justo e devido equilíbrio,

ajustando o valor da multa à hipótese concreta, de modo a não se tornar excessivamente

onerosa para o locatário. Provimento parcial do recurso dos locatários, para redução do valor

dessa multa, nos termos do presente acórdão."

(TJ-RJ. Apelação Cível nº 2002.001.13117, Décima Terceira Câmara Cível, Des. Azevedo Pinto,

julgado em 26/11/2003, grifou-se)

"CLÁUSULA PENAL. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. CÓDIGO CIVIL, ART. 924. ORDEM PÚBLICA. 1- O

princípio da a autonomia da vontade sempre encontrou limites nos bons costumes e na ordem

pública. 2- A norma contida no art. 924 do Código Civil, dirigida apenas ao juiz, tem a finalidade

de permitir um equilíbrio entre as conseqüências da mora e a respectiva pena e de evitar um

enriquecimento sem causa de uma das partes. 3- Considerados estes aspectos e observadas as

particularidades de cada caso concreto, ao juiz é lícito reduzir proporcionalmente a multa

compensatória quando o locatário rescinde da locação antes do termo final ajustado pelas

partes. 4- Contudo, a oferta de valor inferior ao arbitrado pelo juiz enseja o desacolhimento do

pedido de pagamento por consignação."

(TJ-RJ. Apelação Cível nº 2003.001.17491, Quinta Câmara Cível, Des. Milton Fernandes de

Souza, julgado em 19/08/2003, grifou-se)

"(...) A cláusula penal quando estipulada em percentual efetivamente extorsivo, 50%, pode ser

reduzida pelo juízo, por ser de ordem pública, obedecendo o critério de razoabilidade e boa fé

na relação contratual firmada. Se o juízo, por meio dos Embargos de Declaração, vem a sanar a

obscuridade havida na sentença, atendendo os anseios do Embargante, não subsiste interesse

recursal neste ponto, no que diz respeito à extinção da UFIR como índice de indexação do

valor da condenação. Os honorários de advogado fixados dentro do limite legal e observados

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os critérios objetivos impostos em lei, não merece ser alterado. RECURSOS IMPROVIDOS."

(TJ-RJ. Apelação Cível nº 2003.001.25803, Sexta Câmara Cível, Des. Luiz Zveiter, julgado em

18/12/2003)

29) Demonstrada, portanto, a onerosidade excessiva que o pagamento da multa rescisória

importa ao consumidor, ferindo o princípio da boa-fé objetiva que está presente na legislação

consumerista.

e) Da vantagem manifestamente excessiva

30) Caracterizada a onerosidade exagerada imposta ao consumidor, torna-se patente, por sua

vez, a vantagem manifestamente excessiva auferida pelas rés, principalmente se atentarmos

para as cláusulas contratuais 4.4 da 1a. ré e 3.6 da 2a. ré que, ao dispor sobre a prestação de

serviços, afirma que às rés é dada a possibilidade de deixar de comercializar qualquer plano

alternativo de serviço, hipótese em que o consumidor pode ser até mesmo migrado

automaticamente para outro plano de serviço.

31) Temos, portanto, que se as rés desejarem extinguir o plano contratado com o consumidor,

poderão fazê-lo sem que tenham que efetuar o pagamento de qualquer multa em favor do

consumidor. Evidente, portanto, a natureza unilateral da cláusula contratual em prejuízo do

consumidor hipossuficiente, e em favor das empresas rés.

32) As rés, assim, poderiam deixar de cumprir o contratado sem que isso importe em sanção

alguma. Desse modo, a exigência do pagamento de multa, ainda mais no absurdo valor

estipulado, ao consumidor que não cumpre disposição contratual, caracteriza a vantagem

manifestamente excessiva auferida pelas rés.

f) Os pressupostos para o deferimento da liminar

33) PRESENTES AINDA OS PRESSUPOSTOS PARA O DEFERIMENTO DE LIMINAR, quais sejam, o

fumus boni iuris e o periculum in mora.

34) O fumus boni iuris encontra-se configurado pela demonstração de que não se pode impor

multa ao consumidor que não concorreu culposamente para o cancelamento do contrato, não

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se mostrando tampouco lícita a pretensão das rés de impor-lhe nova contratação. Ele também

emana dos preceitos constitucionais que conferem ao consumidor o direito a receber especial

proteção do Estado e do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor que erige a direito básico

do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de

produtos e serviços.

35) A matéria de fato, outrossim, não se presta a controvérsias, visto que as rés não a

contestaram em sede administrativa, prevendo o seu contrato de adesão o pagamento de

multa rescisória, que é imposta mesmo nas hipóteses em que o desapossamento do telefone

se dá por motivo de força maior ou caso fortuito. Há, ainda, prova inequívoca as rés, ao

arrepio da disciplina legal aplicável ao caso, cobram do consumidor até R$480,00 pro rata,

para rescindir o contrato, o que pode importar em até 100% do valor equivalente à prestação

do serviço.

36) O periculum in mora se prende à circunstância de que o consumidor que busca cancelar o

seu contrato em decorrência de força maior ou caso fortuito é constrangido ao pagamento da

multa através da imposição de penas aplicáveis ao inadimplente, inclusive incluindo o

consumidor nos serviços de proteção ao crédito, a causar-lhes danos irreparáveis ou de difícil

reparação.

37) A dificuldade de reparação ainda reside no fato de que as vítimas do evento danoso são

numerosas e encontram-se dispersas, sendo difícil cientificá-las do seu direito, para que

possam habilitar-se em eventual e futura execução.

38) Insta salientar que na hipótese de deferimento da liminar, a imposição e exigibilidade da

multa é apenas suspensa, podendo ser novamente impingida se julgado improcedente o

pedido, o que se admite apenas para argumentar. Assim, ausente qualquer risco de periculum

in mora in reversum.

39) O CABIMENTO DA LIMINAR PODE SER VERIFICADO PELO SEU DEFERIMENTO EM HIPÓTESE

ANÁLOGA, EM AÇÃO PROPOSTA EM FACE DA TIM (FLS. 77). Insta ainda salientar QUE UMA VEZ

INTERPOSTO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DE TAL DECISÃO, FOI NEGADO EFEITO

SUSPENSIVO AO RECURSO, PERMANECENDO A DECISÃO EM PLENO VIGOR (DOCUMENTO

ANEXO).

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DO PEDIDO LIMINAR

Ante o exposto o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO requer

LIMINARMENTE E SEM A OITIVA DA PARTE CONTRÁRIA que seja determinado initio litis que as

rés:

a) se abstenham de impor e exigir qualquer multa, tarifa, taxa ou valor por resolução de

contrato decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente em hipóteses de roubo e

furto do telefone celular, sob pena de multa diária de R$10.000,00, corrigidos

monetariamente;

b) reduzam o valor que consta em seus contratos de adesão, para respectiva resolução antes

do prazo de carência, a quantia equivalente a 1 (um) mês da franquia do plano contratado pelo

consumidor, cuja cobrança deve ser realizada pro rata, não podendo o valor estipulado para o

inadimplemento total, entretanto, ultrapassar aqueles atualmente adotados pelas rés, mesmo

nos casos em que o valor da franquia do plano escolhido pelo consumidor ultrapasse esse

total.

DOS PEDIDOS PRINCIPAIS

Requer ainda o Ministério Público:

a) que, após apreciado liminarmente e deferido, seja julgado procedente o pedido formulado

em caráter liminar.

b) que sejam as rés condenadas a se absterem de cobrar qualquer multa, tarifa, taxa ou valor

por resolução de contrato decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente em

hipóteses de roubo e furto do telefone celular, sob pena de multa diária de R$20.000,00,

corrigida monetariamente;

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c) que sejam as rés condenadas a reduzirem o valor que consta na cláusula penal de seus

contratos de adesão a quantia equivalente a 1 (um) mês da franquia do plano contratado pelo

consumidor, cuja cobrança deve ser realizada pro rata, não podendo o valor estipulado para o

inadimplemento total, entretanto, ultrapassar aqueles atualmente adotados pelas rés, mesmo

nos casos em que o valor da franquia do plano escolhido pelo consumidor ultrapasse esse

total;

d) que sejam as rés condenadas a devolverem, em dobro, quaisquer valores recebido dos

consumidores, oriundos de multa, tarifa, taxa ou quantias cobradas por resolução de contrato,

quando estas forem decorrentes de força maior ou caso fortuito, especialmente em hipóteses

de roubo e furto do telefone celular dos consumidores e ainda quantias auferidas com a

cobrança da multa, em valores indevidos, por excessivos, acrescidos de atualização monetária

e de juros legais;

e) que sejam as rés condenadas a indenizarem, da forma mais ampla e completa possível, os

eventuais danos materiais e morais causados aos consumidores individualmente considerados,

em conseqüência da cobrança de multa, tarifa, taxa ou valor por resolução de contrato

decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente em hipóteses de roubo e furto do

telefone celular e decorrentes da excessividade da multa, assim como pelos eventuais danos

materiais e morais causados pelo não cancelamento do contrato, em decorrência da cobrança

abusiva e excessiva da multa, a serem apurados em liquidação;

f) a publicação do edital ao qual se refere o art. 94 do CDC;

g) a citação das empresas rés para que, querendo, apresentem contestação, sob pena de

revelia;

h) que sejam condenadas as rés ao pagamento de todos os ônus da sucumbência, incluindo os

honorários advocatícios, a serem revertidos ao Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria-

Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Protesta, ainda, o Ministério Público, nos termos do artigo 332 do Código de Processo Civil,

pela produção de todas as provas em direito admissíveis, notadamente a pericial, a

documental, bem como depoimento pessoal das rés, sob pena de confissão, sem prejuízo da

inversão do ônus da prova previsto no art. 6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

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Dá-se a esta causa, por força do disposto no artigo 258 do Código de Processo Civil, o valor de

R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2005.

Julio Machado Teixeira Costa

Promotor de Justiça

Mat. 2099

1

0008078-71.2011.8.19.0202 - APELACAO

DES. MONICA COSTA DI PIERO - Julgamento: 30/07/2013 - OITAVA CAMARA

CIVEL

APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. 1. Cuida-se de ação, na qual a autora objetiva a anulação e exclusão do nome de seu filho, já falecido, do assentamento do registro civil de nascimento da ré, com o reconhecimento de inexistência de vínculo biológico de filiação. Sentença de improcedência. 2. A anulação do registro, só é possível quando cabalmente demonstrada a ocorrência de vício do consentimento. Primazia do interesse da criança, que conviveu por quase sete anos com o pai falecido, mantendo vínculo socioafetivo. 3. Vício de consentimento não demonstrado. 4. Julgamento antecipado

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da lide, sem a realização do exame de DNA, o qual, independentemente do resultado, não teria o condão de romper o vínculo afetivo. Não configurado cerceamento de defesa. 5. Paternidade sócio afetiva que deve prevalecer sobre a biológica. 6. Negado provimento ao recurso.