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v ie ir a ir a DIRECCÃO REGIONAL DOS ASSUNTOS CULTURAIS (MADEIRA) DIRECCÃO REGIONAL DOS ASSUNTOS CULTURAIS (ACORES) INSTITUTO DO VINHO DA MADEIRA ALBERTO VIEIRA (BREVE RESENHA HISTORICA)

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ALBERTO VIEIRA

(BREVE R E S E N H A H I S T O R I C A )

INSTITUTO DO VINHO DA MADEIRA

DIRECCÃO REGIONAL DOS ASSUNTOS CULTURAIS (MADEIRA) DIRECCÃO REGIONAL DOS ASSUNTOS CULTURAIS (ACORES)

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Perfuma e alegra o solo um vinho histórico, produto cle castas primitivas, sangue de raça a perpetuar na ilha o nome de Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da clescoberfa ; postou-se de guarda 6 portu de suas casas, de brayos abertos, numa ramada acolhedora a -pcireni.es, amigos e vizinhos ; dá-lhe vida no trabalho ; vibra-lhe na altnu em festas de família e todos os anos se renova no barril ou quartola para o aquecer no In- verno, estugar-lhe o passo nas romarias de Verão, firmar proimessas, selar contratos, fechar negócios e ser providência económica no seu lar.

(Eduardo C. N. Pereira- Il7&as de Zargo, Funchal, 1967, I, pp. 558/E))

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I - INTRODUCÃO

A o saborearmos um cúlice de vinho Ma- deira Velhíssimo ficamos extasiados com o seu aroma e sabor, pondo de parte ci imagem que o mesmo reflecte, da sua IaboraqGo há um ou dois séculos ; a época de esplendor do vinho Madeira. Ignoramos a parte amarga : o colo- no nu sula labuta diária no campo e nas ade- gas, o árduo trabalho das vindimas, os borra- cheiros no seu passo cadenciado - denuncia- do pelo eco dos seus cantares - por entre as encostas da ilha.

Para podermos recriar essa ambiência te- mos que agarrar os restos materiais e docu- mentais e fazê-los reviver na sua labuta sa- zonal, ou antes, fazer desbobinar o filme que se esconde por entre a ferrugem, a traqa e o pó. São o Unico elo de ligaqcio com esses mo- mentos de esplendor da faina viI-i/vinicola do povo ilhéu, durante cerca de ?rês séculos.

O calendário da História insulana man- tém incipagável algumus colheitas :

1730 -Vinho de Roda-o Madeira ad- quire novo aladai- nas zonas tro- picais e ceco P se divulga a notícia e se apura o gosto da aristocracia inglesa, que passa a preferir o «Eaçt India Madeira» ao <;Com- mon Madeira)), «London Market», «London Particular». O Madeira salta das escuras adegas para o soalheiro porão das naus.

1794 -Vinho Estufado - o vinho de roda dá lugar ao vinho esfufado ; a grande procura faz evoluir as téc- nicas de trato, enquanto vai per- dendo qualidades, facto que rne- rece a sua rejeição a partir de 181 4.

1815 - ~ á t t l e of Waferloo - época de mudanqa e, de triste memória, pa- ra os interesses hegemónicos de Napoleão, ficou na História do vi- nho ilhéu a marcar uma colheita de boa1 oferecida ao infeliz im- perador, quando passou pela ilha. A tradição refere que a referida oferta regressou ti ilha depois da morte do imperador, tendo sido comprada e engarrafada em 1840 por C. Blandy.

Beber um Madeira de 1730, o «East India Madeira», é fazer o impossível, é deleitar-se com um dos mais famosos rubinéciares, que concerteza mereceria a aprovação dos deuses do Olimpo.

Beber o Madeira de 1794, o vinho estu-

fado, será uma sensacão gustafiva horrível que poderá levar a sua rejeicão.

E hoje, que bebemos ? O Vinho Madeira, celebrado por

monarcas, príncipes, generais, explora cfoetasl ores e e:cpedicionistas, há alguns anos a esta parte vem perdendo o seu mercado e os seus po- tenciais apreciadores. Tal estado deve-se à si- tuaqão criada entre finais do séc. XVIII e prin- cípios do séc. XIX, em que a grande procura fez nascer da sua água e do fogo quantidades apreciáveis cle vinho velho. Depois foi o faskio em 18'14. h4ais tarde a natureza fez acabar com ns cepas de boa qualidade, fazendo-as subs:i:uir pelo produtor directo, as quais hoje permunecem lado a lado com as castas eu- ropcicrs iivmci prosmicuidade escandalosa.

Sendo ponto assente que foram as castas nobres europeias que criaram e man+iveram a fama do vinho Madeira durante mais de 2 séculos, torna-se imperiosa a regulamentação/ /reconversão da viticultura madeirense, caso seja nossa intenqão manter viva a lembranqa desse famoso vinho.

«G vinho da Madeira correu mundo- singrou por todos os mares e rompeu todus as fronteiras» (E. Nunes, Porque me orgulho de sei. jhcideirense, p. 27). Como tal foi um capiiuso embaixuclor nafural que levou o nome da ilha da Madeira aos confins do Mundo.

O Vinho Macieira desde tempos recuados adquiriu fama no mundo colonial europeu, tornando-se a bebida preferida do militar, e,(- pedicionista, aventureiro, em terras da Améri- ca ou da Ásia. Escolhido pela aristocracia co- lonial manteve-se no mercado londrino, eu- ropeu e colonial como o seu vinho por exce- lência, durante séculos.

O Vinho da ilha não só deu fama à ilha, como se evidenciou, desde meados do séc. XVI, como o único meio de sustento tendo, deste modo, caracterizado o devir histórico insulano por 3 séculos.

O iIl?éu desde 1575 fez mudar os cana- viais por vinhedos, os quais alastraram a to- das as terras cultivadas, devorando a floresta a norte e a sul. Nesta febre vitícola o madeli- rense esqueceu que devia semear cereais e plantar árvores de fruto. O vinho era a sua única fonte de sustento ; com ele se adquiria o alimento necessário, trazido da América nas naus americanas, ou a indumentária e manu- facturas trocadas aos ingleses por pipas de vinho.

Viveu a Madeira, desde o séc. XVII a prin- cípios do XIXI embalada pela opulência de- rivada do comércio vantajoso do vinho e, com

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tão avulfados proventos o madeirense adqui- riu o luxo exuberante do meio aristocrático londrino. O incola habituou-se a vida cortesã europeia, ganhou hábitos ingleses e, nas suas quintas rodeadas de sumptuosos vinhedos e jardins rivalizava o estrangeiro. Os arredores do Funchal, nomeadamente o Monte, St.0 An- lónio, S. Martinho, povoaram-se de quintas, onde se esbogava uma vida cortesã em mi- niatura mergulhada no mais opulento luxo, sustentado pelos proventos d o vinho.

Erguia-se assim a cidade do Vinho, que escapava ao aperfado burgo do açúcar. O Funchal engalanava-se de palácios, igrejas e capelas ; ao mesmo tempo que crescia na di- reccão E e N. Temos os majestosos palácios de S. Pedro, da Câmara Municipal, a casa Or- nelas (R. 'do Bispo) e Tomaszewski (R. Ferrei- ros).

li - A VINHA E O VINHO N A HISTÕRIA

A vinha existe desde a mais remota an- tiguidade (período terciario), tendo sido di- vulgada no mundo através dos hebreus, gre- gos e romanos. É de admitir que a vificultura tenha como ponto de partida a Ásia meridio- nal, donde se estendeu à Ásia central, Europa e Extremo Oriente. N o entanto algumas trans- formações de ordem social e religiosa fizeram com que esta cultura fosse abandonada em algumas áreas, como no Japão, China e em muitos países muçulmanos ; em detrimento da sua expansão na Europa cristã e colonial (África do Sul e Austrália).

A origem CIO vinho deu lugar a uma série de lendas e mitos despoletados a partir do relato bíblico cle Noé, a que se aliou a fan- tasia do narrador. Segundo Ezler (Ibagoge Phisico magico medicale, Augsburgo, 1630), N o é teria tomado conhecimento com as pro- priedades da Iabrusca por intermédio dum cabrito que o mesmo soltou em Córico (mon- tanha da Silicia) e que comendo a dita planta se embebedou, de tal modo que comeqou a atacar o restante rebanho. Outra lenda, con-

tada r or Cornai (Theolsgia vitis viniferae, Heids berg, 1614) refere que o pastor Staphy- 10s da Etólia, que servia habitualmente Oinos notou, enquanto apascentava o seu rebanho que uma das cabras saia habitualmente do re- banho e se demorava mais que as outras. Tempos depois veio a descobrir que esta se demorava a comer o fruto de uma árvore- a uva. Levando o fruto ao seu senhor este o espremeu e fez com ele um líquido suave - o vinho, que deu a beber a Liber Pater, seu hóspede e este como prova de agradecimento deu o seu nome ao vinho (em grego oinos)

e 6 videira o nome do pastor (em grego Sta- hyle). Por outro lado a mitologia grega atri-

gui essa faqanha a Dionísio, enquanto a latina refere que foi Saturno quem introduziu as pri- meiras videiras em Creta e ensinou aos povos do Lacio os segredos da viticultura.

Desde tempos imemor6veis que os poetas e escritores fizeram o elogio do vinho : A Iliada e Odisseia, Vergilio na Eneida ... Ana- creonte cantou-o e imortalizou-o no ((Elogio uo vinho», Catz e Aguiquiloco, filhos de Paros e do sacerdote Telésides divinizaram-no, Safo exulto-o e Salomão, no CClntico dos Cânticos elogia-o. Mas, sem dúvida o repositório mais numeroso e contraditório de referências ao vinho encontra-se na Bíblia. Aí no Antigo e Novo Testamento o vinho ora é exultado-O EcBosSas~es, Provérbios, Livro de ~acar ias, os Evmnge!hsç, Ciêintiço dos Cêinticos -, ora é vi- lipendiado - O Ecleriiastes, Provérbios, livro do profeta Isaías e Jeremias, l ivro de Oseai. Mas no fundamental a literatura bíblica e cris- tã fala do vinho com certo benemérito, pois que este faz parte do sacrifício eucarístico. Aliás tal situacão conduziu a uma forte ex- pansão da cultura da vinha no mundo cristcio.

O ritual cristão fez do pão e do vinho os dois elementos substaiiciais da sua prútica, fazendo-os símbolos da essência da vida hu- mana e do seu Salvador-Cristo. O vinho e o pfio avançaram conjuntamente com a Cristan- dade, levados por monges e bispos. Tal rea- lidade veio revolucionar os húhitos alimenta- res do ocidente cristão, a partir do séc. VII, estabelecendo o comer pão e beber vinho co- mo o símbolo do sustento humaiio.

Foi assim que o vinho chegou a Madeira no séc. XV ; a expansão europeia aliava-se a expansão da cristandade e como la l o vinho, produto essencial não podia ser esquecido na relaçio das bagagens dos aventureiros que reconliecerom e promoveram a ocupacão do arqvipélago. Os poucos grãos de trigo e cepas ao encontrarem solo virgem e fértil adapta- ram-se rapidamente as condições mesológicas do meio insular e conquistaram aos poucos a totalidade do solo cultivável da ilha, manten- do-se em perfeita harinonia, adocicados por uma nova especiaria - o açúcar. Mais tarde o ilhéu alheio ou esquecido desta dualidade harmoniosa e adocicada, esqueceu o pão e o acúcar e entregou-se com todas as suas for- cas ao vinho ; única cultura capaz de manter o seu sustento, mercê de uma forte rentabili- dade. O vinho tornava-se assim no alimento e moeda de troca do ilhéu.

Acompanhar os primórdios da história da vinha na ilha é uma tarefa arrojada, pois que 0s nossos avoengos nos legaram poucas refe-

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rências documentais, onde seja possível colher dados sobre a sua introdução e expansão. N o entanto aqui e acolá podemos colher elemen- tos que devisdamente articulados nos podem dar uma ideia da fase inicial da história do vinho na ilha.

Em meados do séc. XV, com o movimento de ocupaqão e aproveitamento da ilha temos como certa a introdução de cepas vindas do reino e mais tarde das zonas viticolas do mar Mediterrâneo. João Goncalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrello ao re- ceberem o domínio das capitanias do arqui- pélago, sob a direcqão do monarca e do In- fante D. Henrique, procederam ao desbrava- mento e ocupaqão do solo com diversas cul- furas trazidas do reino - o trigo, a vinha e a cana.

Num curto espaço de tempo a paisagem ilhoa havia-se transformado e em terras onde apenas se vislumbrava o esplendoroso e denso arvoredo comeqam a surgir clareiras huma- nizadas, devidamente assinaladas pelo casa- rio. Nas planuras ribeirinhas do oceano, onde havia local para varar um barco viu-se surgir o Homem na sua fúria constante contra a na- tureza. N o Funchal do funcho fez resplande- cer os campos dourados de trigo, entremeados aqui e acolá or canaviais e vinhedos. Em Câmara de Lo E os, depois de afugentarem os lobos marinhos, subiu encosta acima de pica- reta na mão traçando o rendilhado dos socal- cos donde fez plantar a videira em vistosas latadas.

Assim foi a vinha conquistando o solo ilhéu em todas as direcções, tornando-se o vi- nho um produto importante na actividade agrí- cola do ilhéu. Já em 1455, Cadamosto ao pas- sar pela ilha ficou deslumbrado com o que viu na área vitícola do Funchal ;

« . . .tem vinhos, mesmo muitíssimos bons, se se considerar que a ilha é habitada há pouco tempo. São em tanta quan- tidade, que chegam para os da ilha e se exportam muitos deles» (A. Aragão -A Madeira vista por estrangeiros, Funchal, 1981, p. 37).

O vinho na Madeira do séc. XV apresen- tava-se com um produto competitivo do trigo e do açúcar, com grande peso na economlia local. Desde o início foi um potencial produto d o mercado externo da ilha. Sendo já expor- tado em 1455, segundo testemunho de Cada- mosto, comprovado em documento de 1461 em que se dii conta do dízimo de exportação pago pelo vinho a saída. Aliás em 1478 temos referenciada a sua exportação para o mercado londrino, segundo o testemunho de Shakes-

peare que nos dá conta de o Duque de Cla- rence ter manifestado o desejo de morrer afo- gado numa pipa de matvasia ; o mesmo re- fere na peca Henry IV (parte I) que Falstaff teria vendido a alma ao diabo, por um copo de vinho Madeira e uma perna de capão.

A cultura da vinha absorvia assim, ia na segunda metade do séc. XV, uma porção con- siderável da área arroteada da ilha, nomea- damente na zona vizinha do Funchal, onde encontramos I1 vinhas e II latadas. N o século seguinte a cultura da vinha aumenta a sua área e alarga-se além Funchal ; na primeira metade do séc. XVI temos I 9 vinhas e 6 latadas no Funchal, 7 vinhas em C. de Lobos e 6 vi- nhas e 7 latadas distribuídas por Ponta de Sol, Ribeira Brava, Canico e Calheta. Será ci partir da segunda metade do século que a vinha conquista em definitivo o solo da ilha, substi- tuíndo os canaviais do Funchal e zonas limí- trofes, ocupando as clareiras então abertas no norte - Ponta Delgada, Porto da Cruz.. .

Os trigais e canaviais davam assim lugar as latadas e balseiras ; a vinha tornava-se na cultura exclusiva do colono madeirense, a qual este dá todo o seu engenho e arte. O vinho adquiria o primeiro lugar na actividade eco- nómica da ilha, mantendo-se na dianteira por mais de três séculos. O ilhéu, desde o último quartel do séc. XVI dedicou-se por exclusivo a cultura da vinha, tirando dela o necessário para o seu sustento diário e, igualmente, para manter uma vida de luxo, sumptuosos palá- cios e igrejas.

Se em 1547 Hans Standen refere que a economia da ilha se define pelo binómio vi- nho/aqúcar, já em 1578 Duarfe Lopes colocava o vinho em primeiro lugar nas exportações e em 1669 o consul francês afirmava que o vinho era o principal negócio da ilha. Toda a docu- mentação dos sécs. XVIII/XIX é unânime em considerar o vinho como a principal e total riqueza da ilha ; a Gnica moeda de troca. A Madeira não tinha com que acenar aos navios que por ai passavam, ou a demandavam, se- não o capo de vinho ; o resto que necessitava para o seu viver quotidiano era trazido pelos navios estrangeiros, que a i trocavam por vinho. Esta situaqão tornava a economia insular nu- ma situação periférica delicada, pois que a sua posiyão de dupla dependência em relação ao mercado externo minava os alicerces da sua base material, fazendo-a oscilar consoante a conjuntura favorável ou desfavorável do mercado fornecedor (inglês e americano) e consumidor (colonial britânico).

Contra esta política exclusivista imposta pelo mercantilismo inglês se manifestaram, quer o governador e capitão general Sá Pe-

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reira, em regimento de agricultura para o Podo Santo, quer o corregedor e desembar- yador António Rodrigues Veloso em 1782 nas instruqões que deixou na Câmara da Calheta, quando aí esfeve em alçada. Mas foi tudo em vão, ninguém era capaz de frenar a febre vi- ticsla, nem seria possível convencer o viticul- tor a abandonar a vinha num momenfo em que o vinho da ilha tinha grande procura no mercado internacional. E, poucos eram os anos em que a colheita era suficiente para satis- fazer a grande procura ; por vezes socorria-se aos vinhos inferiores do norte e, até mesmo, ao vinho dos Açores e Canárias para poder saaiar-se o colonialista europeu sedento.

Saciado o colonialista europeu, a pro- dução passou a ser excedentária e o vinho da ilha passou a ser preterido em favor do vinho de França, Espanha e Cabo. O fim das guer- ras europeias, em princípios do séc. XIX, abriu as comportas do vinho europeu ao potencial mercado colonial asiático e americano. A re- tirada do colonialista das áreas colonizadas fez perder o gosto pelo vinho da ilha. Como consequência disto temos a manifestacão dos priimeiros sintomas da rejeição a partir de 1814; agravando-se a situacão de ano para ano. As colheitas de 1819 a 1821 mantiveram- -se estagnadas nos armazéns sem comprador, isto de tal modo que em 1820 20000 pipas aguardavam comprador. A situacão era de tal modo aflitiva que em documento da época se referenciava : «Estão as casas ricas de vinho, pobres de sustento e de alimento» (ANTT- Provedoria e J. R. Fazenda do Funchal- N.0 4, 11, p. 23).

Reviver a ilha no período que decorre dos anos de 1840 a 1860 será rememorar um dos momentos ímpares da fome, miséria da história insulana que se poderá igualar aos momentos aflitivos da Europa da segunda me- tode do séc. XIV. Se a Europa de então se seguiu o surto expansionista europeu, ti ilha se sucedeu a diáspora madeirense, mercê da solicitação e aliciamento feito pelos ingleses e seus acólitos. Entre 1840150 o madeirense perdse o amor à sua terra e va i ao encontro dum novo paraíso fugaz, criado pelo inglês nas Antilhas.

O oidio (1852)) a filoxera (1872) deram o goljpe final Cr cultura da vinha na ilha ; a Ma- deira perdeu o seu sustento, o seu mercado, as suas parreiras. A recuperacão é a meta de todas as iniciativas, mas de pouco tem valido este extremado sebastianismo vit.icola, pois o processo apresenia-se como irreversível. Ao ilhéu apenas poderá gravar na memória a ideia de esplendor, que caracterizou esse vasto período da história insulana.

Ill -A VITICULTURA MADEIRENSE

A região viti-vinícola da Madeira esten- de-se por cerca de 1850ha, representando 2,5% da superfície total da ilha (782 km2) e 8% da área agricultada (248 km2). Tempos houve em que essa área era superior, como em 1845 em que mercê da redução derivada do oidio, ain- da ocupava 2500ha. N a primeira metade do séc. XIX essa área, que se estendia a quase todo o solo arável, do norte e do sul, cifra- va-se em cerca de 50% da área cultivada.

A vinha mercê das condições orográficas e climáticas estende-se até aos 700 metros de altitude no sul e 300 metros no norte. Igual- mente a distribuição das diversas espécies de vitis-vinifera - sercial, verdelho, malvasia, ter- rantez-obedece a um escalonamento em al- titude ; que aliado as condições climáticas dão ao vinho produzido as qualidades caractei-ís- ticas :

- o sercial nas zonas altas entre os 600 e 700 metros, na área do Jardim da Serra e no alto do Estreito de C. de Lobos, St.0 An- tónio.

- o verdelho, zonas intermédias iunto ao mar entre os 500 e os 400 metros, Ribeira da Janela.

- o boal, desde os 400m. nas áreas ri- beirinhas, Campanário, Ponta do Purgo.

-tinta negra mole, aos 300m., C. de Lo- bos, S. Martinho, St.0 Cruz, Gaula. - malvasia, nas zonas baixas junto do

mar, conhecidas por fajãs, Fajã dos Padres, Paul e Jardim do Mar, Arco da Calheta, Ma- dalena, Cunhas.

Estas são as castas mais apreciadas que deram nome ao vinho da Madeira, infelizmen- te no séc. XIX com a filoxera muitas destas foram exterminadas ou preteridas em favor das cepas americanas, resistentes à filoxera e de maior produção. Tardou e ainda continua a tardar a reconverscio da vi.fiicultura madei- rense, facto que vem contribuindo para uma certa desconfiança por parte do potencial mer- cado consumidor.

A cultura da vinha na ilha faz-se desde tempos imemoráveis em latadas, armadas so- branceiras aos passeios, terreiros, veredas ou nos poios construídos encosta acima a partir do litoral. Entretanto nalgumas regiões do nor- te da ilha predominou durante muito tempo a vinha de pé ou as balseiras. Mas hoje é do- minante o sistema de latadas construidos com arame.

A faina vitícola estende-se por todo o ano agrícola, obrigando o viticultor madeirense a uma acção constante de cuidados. Mas sem dúvida, o período de maior actividade situa-

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-se na época da vindima, que decorre de Agosto a Outubro. De Janeiro a Julho as ta- refas e culidados assíduos com a vinha surgem espaçadamente de acordo com o ciclo da vinha :

-em Janeiro poda-se, cava-se e aduba- -se.

-de Ma io a Junho sulfata-se, esfolha-se e enxofra-se.

O viticultor madeirense faz das suas vi- nhas um jardim e a ele se dedica o ano intei- ro, acompanhando a passo e passo o evoluir da videira e o aparecimento, crescimento e amadurecimento do cacho do qual extrairá o vinho.

De Agosto a Outubro o meio rural ani- ma-se com a azáfama das vindimas, atraindo forasteiros e assalariados sazonais. Velhos, adultos, novos e crianças, numa alegria inex- cedível marcada pelos cantares regionais, po- voam os vinhedos e áreas circunvizinhas dos lagares. Enquanto os velhos e novos, munidos de facas e navalhas, cortavam os cachos e enchiam os cestos «vindimas», os homens de «molhelha» ao ombro transportam os barre- leiros acogulados ao respectivo lagar.

A o findar o dia, terminada a apanha da uva, os homens, de pé descalqo e calca arre- gaqada, esmagam as uvas fazendo cair o mosto na tina. A o longo da noite prossegue esta árdua tarefa com a impesa e repisa, acom- panhada de um farto maniar regado com vi- nho e aguardente, de modo a que a noite se anime com os cantares cadenciados. Depois, alta madrugada, os homens munidos de bor- rachos ou barris transportam o mosto as ade- gas.

Nos tempos que decorrem esta faina per- deu todo o seu aspecto busólico que a caracte- rizava, a o meslmo tempo que retirou ao ho- mem o fardo pesado. A tecnologia moderna veio substituir o homem e amenizar as suas tarefas, de tal 'modo que não mais vimos os borracheiros ou barrileiros e os lagares de vara vêm sendo substituidos por prensas me- canizadas ou máquinas mais avanqadas. Mes- mo assim em certas zonas permanecem estes hábitos arcaizantes a dar um traqo peculiar a paisagem ; no Porto da Cruz, por exemplo, o vinho americano ainda continua a ser trans-

IV- O MADEIRENSE E O VINHO - VINIFICACÃO

Se ao madeirense, em geral, é facultada a arte e engenho da viticultura, a vinificação, pelo contrário, mantém-se no segredo dos deu- ses, sendo tarefa da exclusiva responsabilidade do comerciante do Funchal.

O Funchal, feitas as vindimas, adquire uma nova dinâmica que se prolongam por al- guns meses; o tempo suficiente para fazer fermentar e envelhecer o vinho na estufa. De- pois as restantes tarefas que imprimem ao vi- nho as características químicas e organolépti- cas fazem-se espagadamente ao longo dos anos enquanto o vinho envelhece nas escuras adegas.

A urbe funchalense setecentista e oifocen- tista adquiriu uma nova fisionomia ; a área ribeirinha da alfândega e porto apinham-se de complexos vinícolas dos exportadores de vinho, compostos por lojas escuras e espaqo- sas, uma estufa e oficina de tanoaria num am- biente amenizado por corredores e latadas de vinho.

Até meados do séc. XVIII apenas se co- nhecia o envelhecimento e trato no canteiro, foi a partir de então que se experimentaram novos processos, primeiro com o adicionamen- to de aguardente, depois com a estufagem (1794). Este último processo generalizou-se e hoje em dia todo o vinho Madeira é submetido a estufagem durante três meses, findos as quais permanece 3 ou 4 anos no canteiro até ser engarrafado.

O trato aliado as condiqões mesológicas imprimem ao vinho produzido características gustativas inestimáveis e inconfundíveis :

- o malvasia - SWEET - conhecido pela sua doqura e aroma, que se serve a acompanhar o queijo.

- o bual - MEDIUM SWEET - vinho equilibrado que sabe bem em todos os momentos, devendo beber-se acompa- nhado com doces, nomeadamente o bolo de mel.

- o sercial - DRY - cõr de topázio cla- ro, seco e alcoólico, sendo habitual- mente usado como aperitivo a acom- panhar azeitonas e peanuts.

portado em borrachos. Tempos houve em que a produção de - Verdelho e Terrantez - MEDIUM DRY

vinho na ilha atingiu as 40.000 ou 20.000 pi- -cor de rubim, apreciado em todos pas, sendo de superior qualidade. N a ac- os momentos, ou como aperitivo, sendo tualidade o seu volume não ultrapassa as ci- servido habitualmente a acompanhar a fras referentes ao de superior qualidade. sopa.

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V - O VINHO DA MADEIRA NO MUNDO

Desde o séc. XV que o vinho ilhéu traçou a sua rota no mercado internacional, acom- panhando o colonialista europeu nas suas ex- pedições e fixacão na Ásia e América. O co- merciante inglês, aqui implantado desde o séc. XVII soube tirar partido deste produto tazen- do-o chegar em quantidades volumosas às mãos dos seus comlpatriotas que se haviam espalhado pelos quatro cantos do mundo co- lonial europeu.

Vários factores de ordem conjuntural fi- zeram com que o comerciante inglês se ins- talasse na ilha e cá se afirmasse como um potencial negociante do seu vinho. Destes po- demos salientar : Richard Pickford (1638/82), W. Soltom (1 69511 71 4), James Leacock (1741), Francis Newton (1745), Blanldy (1 81 1).

0 movimento do comércio do vinho da Madeira ao longo dos sécs. XVIII e XIX im- brica-se de modo directo no movimento das rotas marítimas coloniais que tinhlanl passa- gem obrigatória pela ilha na ida. A estas rotas fundamentais se juntavam outras subsidiárias. De um modo geral estas ordenavam-se segun- do aquilo a que se ousou chamar comércio de triangulaqão, dando assim ao comércio do vinho da ilha características peculiares ; são as rotas da Inglaterra colonial que tocam a Madeira para refresco e cargla de vinho e se dirigem ao respectivo mercado das Indias Oci- dentais e Orientais, donde regressam, via Aço- res, com o recheio colonial. São os navios poriugueses da rota das Indieas, ou do Brasil que fazem escala na ilha onde recebem o vi- nho que conduzem às praças onde se dirigem, donde regressam com o saque pelo largo pas- sando pelos Açores. São, ainda, os navios in-

leses que se dirigem à Madeira com manu- Facturas e fazem o retorno tocando Gibraltar, Lisboa, Porto. E, finalmente, os navios ameri- canos que da América trazem as farinhas para a ilha e regressam carregados de vinho.

A impedir e bloquear este movimento te- mos as guerras europeias e coloniais, a acção dos piratas argelinos, insurgentes ... E, final- mente, as condições cl~imáticas, os ventos e correntes marítimas ; as primeiras restringindo o trânsito atlântico a determinadas épocas, as segundas demarcando as rotas aos veleiros.

Por todas estas razões o vinho ilhéu con- quistou, desde o séc. XVI o mercado colonial europeu na África, Asia e America afirman- do-se até meados do séc. XIX como a bebida por excelência do colonialista e das tropas coloniais em acção. Regressado o colonialista Ci sua terra de origem, depois do surto do mo- vimento independentista, trouxe na bagagem

o vinho da ilha e fê-lo apreciar pelos seus patrícios.

O momento de apogeu de exportação do vinho da ilha para estes mercados situa-se en- tre finais do séc. XVIII e princípios do séc. XIXI altura em que a saída atingiu a média de 20.000 pipas. Durante este período mais de */3 do vinho exportado destinava-se ao mer- cado colonial americano, de que se destacam as Antilhas, as plsantações do sul dla América do Norte e N. York. A primeira metade do séc. XIX é pautada por uma acenfuada alte- ração na geografima do mercador consumidor do vinho da Madeira ; é o período de afir- mação dum novo mercado para cobrir as exi- gências de novos e velhos alpreciadores. A Inglaterra, Rússia tomam o lugar do mercado colo~nial a partir de 1831.

VI - CONCLUSAO

Hoje, passados mais de quinhentos anos sobre a introdução cla vinha na Madeira, todos nós mantemos bem vivo no rol das nossas recordações os tempos áureos do comércio e apreciação do vinho ilhéu, Mas, infelizmente, hoje essa imagem histórica que marcou o nos- so vinho foi defraudada ou rejeitada ; defrau- dada porque depois dos momentos de grande procura se fazia vinho Madeira de tudo e mais siarde com a filoxera se substituiu as castas nobres pelo produtor directo, resistente ao insecto e de maior rentabilidade ; esque- cida ou rejeitada porque o ilhéu Fez desapa- recer a maior parte dos testemunhos materiais que documentavam esse provir, destruindo ou lançando ao lixo os últi~mos resquícios desses momentos de esplendor, isto de tal modo que nos tempos que decorrem são poucos os restos disponíveis que possam ser ufilizados ou de- posiiados em lugar conveniente, de modo a que possamos legar aos nossos vindouros aquilo que os nossos pais e avós nienospre- zarani.

Que perspectivas para um vinho que du- rante muito tempo apenas teve como suporte de comercializuqão a sua imagem histórica rememorada por monarcas, poetas ou drama- turgos ?

Que fazer perante uma actividlalde viti- -vinicola rotineira e costumeira alheia aos avanços tecnológicos e botânicos ?

Estas e muitas mais questões pairam no panorama político-económico regional faltan- do aqui e acolá soluções adecluadas capazes de reabilitarem ou fazerem perdurar a ima- gem, fama e qualildade do vinho da Madeira.

N a visão do historiador, o vinho da Ma- deira celebrado e saboreado por monarcas e

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aristocratas quinhentistas e seliscentistas, com- panheiro de viagem de exploradores e colo- nialistas setecenfistas e oitocentistas ; aquele que os deuses do Olimpo se o bebessem tro- cavam pelo néctar ; perdeu-se nos pergami- nhos da história.

A capacidade e ganância do ilhéu oito- centista fê-lo perder qualidades e clientes. E, a natureza castigou-o com o oídio e filoxera, fazendo destruir as cepas que produziam o vinho afamado.

Das soluqões a reposição do ((status quo» caduco passaram muitos anos e o potencial aprecialdor d o rubinéctar insular fê-lo substi- tuir pelas hodiernas bebidas alcoólicas.

A História é um movimento irreversível e rogressivo da acção do Homem, daí que o

Ristomriador manifeste o seu desagrado com as medidas ou soluções que militem uma repo- sição num meio onde se torna impossível. Ape- nas nos resta, a nós (historiadores e historia- dos) agarrar o f io conldutor do temlpo e re- temperados com as exigências e acções pas- sadas avançar pelo rumo que o passado/pre- sente nos traçar.

Deste modo a viti-vinicultura madeirense está carecida duma política capaz de abarcar os problemas existentes, cujas raizes históricas são muito profundas, a qual passa pela exiç- tência duma região demarcada e a condução, até as últimas consequências da reconversão da vitis vinifera, repondo o conjunto de castas que deram e continuam a dar nome 6 ilha. Praz-$nos salientar a accão e impulso do Ins- tituto do Vinho da Madeira que teima em dar aos nossos avoengos a imagem merecida do vinho ilhéu.

NOTA :

Para a elaboração desta breve resenha histdrica sobre o ,vinlto d a Madeira servimo-nos do material colhido para a elaboração de alguns trabalhos, em vias de pu,blicação, sobre o referido tema. Remete- mos as informações complementares e a comtatação do que aqui s e refere para os seguintes textos :

1.0 - O vinho da Madeira - séculos X V I I I / X I X (p~odução, preços, circuitos e mercados). No p ~ e l o .

2.. - O vinho da Madeira - Álbum. No prelo.

S.a-EIistória do Vinho da Madeira, séculos XV a X X ( e m preparação).

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ANTOLOGIA DE TEXTOS ALUSIVOS AO VINHO DA MADEIRA

-«Se eu fosse wrn antiquário, s6 ,teria olhos para as coisas uell~m. Mas sou um historiador. E? por isso que amo a vida.»

Henri Pirenme

Ao saborearmos um cklice de vinho Madeira velhissimo, ficamos extasiados pelo seu aroma e sabor pondo de parte a imagem que 0 rmsmo re- flecte, da sua laboraçáo há já um ou dois s6culos ; a Epoca de esplendor do vinho da Madeira. Ignora- mos a parte amarga : o colono na sua labuta diária no campo e nas adegas, o árduo trabalho das vin- dimas, os borracheiros no seu passo cadenciado, de- nunciado pelo eco dos seus cantares, por entre as encostas da Ilha.

Para podermos recriar essa ambibncia temos que agarrar os restos materiais e fazê-los reviver na sua labuta sazonal, ou antes fazer desbobinar o filme que se esconde por entre a ferrugem e a traça.

Os restos materiais, já carcomidos pela traça e ferrugem e, ainda, exalando o aroma caracteris- tico do vinho Madeira, são o Único c10 de ligação com esses momentos de esplendor.

No ,princípio, foi a idade da madeira com as latadas, o almude, o funil, o barril e o lagar ; depois tivemos a idade dos metais, com as prcnsas, medidas de cobre e folha, os filtros, cubas.. .; e, finalmente na era da tecnologia, altamente sofisticada, toda essa utensilagem foi devorada em favor d'outra padro- nizada e univeraalizada.

Os materiais ora expostos traçam-nos a Histdria e Ciclo de Vida do Vinho da Madeira : -A enxada, o podão, a máquina de sulfatar, o fole, documen- tam a faina viticola de Janeiro a Julho.

-Os cestos, o lagar, a prensa, as medidas, o barril recriam-nos a ambiencia característica da fai- na das vindimas.

-O borracho aviva-nos o ambiente nostSlgico das manhãs e tardes de Setembro, em que os bor- racheiros animam a paisagem com o seu cantar ca- denciado e triste. Hoje, o barril c posteriormente o automóvel destronaram-no.

-A tanoaria, com a sua utensilagem caracte- rística, a partir da qual o tanoeiro trabaula a ma-

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deira, com engenho e arte. - Os materiais de laboratório - pipetas, alco-

ómetros, colorimetros, areómetros, ferrómetros.. . - que apuram a qualidade e trato do vinho. - Os materiais de engarrafamento - máqiiina

de encher, de capsular, rotular-que preparam o célebre rubinéctar de modo a que possa chegar atempadamente ao lugar de consumo.

São vestígios de um passado, relíquias preciosas até hoje esquecidas, que atestam o viver e a faina quotidiana dos nossos vindouros.

Alberto Vieira I/io/sa

(texto de abertzcra ao catúloyo da exposição reali- zada em Outubro de 1988 no Junchal)

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de prémios, desde a medalha de ouro à legião de Honra. ( : . . . )

oferecido a reis e a principes regentes, a chefes de estado e a ministros, a senhores feudais e a bur- gueses opulentos.. . O vinho de Anacreonte, que o levava a coroar-se de rosas quando esvasiava a última taça, não seria um malvasia c!e cuja casta vieram para a Madeira al- gumas cepas ?.. .>

(E. Nuqtes- Porque me orgzclho de se?- madeirense, Lisboa, 1951, pp. 87/29)

O MADEIRENSE MODELA O ROCHEDO

E o vilão ataca e tritura a rocha para a trans- forn%ar em solo agrícola; geme sob o peso de enor-

-Há trBs cousas por excelência boas e deliciosas mes pedras para construir um socalco ; marinha na Madeira: é o clima, são as mulheres e s2o os pelas f,zlésias para conquistar um palmo de terra, vinhos ; umas como outras, coino que nos einbria- mesquinha gleba, pouco maior por vezes do que um galn ; umas corno outras são dignas de elogio e ninho de águias alcaildorando no pendor de uma pedexn apreciações moderadas. f ~ a g a . Antes de ser agricultor, é cabouqueiro e ar- 13 que o clima excita-nos a vida, ' que tanto as mu- quitecto, ~ ~ b ~ t ~ de sol a sol e tranisioma o seu lliercs como os vinhos sabem enlevar o espírito fa- a sua courela, num jarclim. Onde a cor- zendo palpitar corações. ( . . .) re, o ag-ricultor heróico e operoso faz milagres ; a O vinho n6.o 6 uma simples combinação ; 6 um pro- levada e ele a levada, Novos ùlema de gosto, um e um grande agente paios se sobrepõem a outros paios, e assim esse tra- terapêutica de primeira ordem.» balhador humilde, além de transportar sobre os om-

(João Azcgusto Martins -Madeira, Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1981, PP. Sg//tl)

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-Perfuma e alegra o solo um vinho histórico, pro- duto de castas primitivas, sangue de raça a perpe- tuar na ilha o nome de Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da descoberta; postou-se de guarda a porta de suas casas, de braços abertos, numa mmada acolhedora a parentes, anli- gos e vizinlios ; dá-lhe vida no trabalho ; vibra-lhe na alma em festas de família e todos os anos se renova no barril ou quartola para o aquecer no In- verno, estugar-lhe o passo nas romarias do Verão, firmar promessas, selar contratos, fechar negócios e ser providência económica no seu lar.»

(E. Pereira - Ilhas de Zaryo, Irun- chaZ, 1967, voz. I , pp. 558/9)

6 -O vinho da Madeira correu mundo -singrou por todos os mares e rompeu todas as fronteiras. Est5 permanentemente nos festins de Francisco I de Fran- ça e de Carlos I1 da Inglaterra ; faz parte das rc- feições de Fernando da Bulgária e é colocado nos porões da nau-cárcere que conduz Napoleão ao ca- tiveiro de Santa Helena. Anda por congressos in- ternacionais, conquistando fama e enriquecendo-se

bros o peso da sua cruz, constrói nos degraus da montanha o seu próprio calvdrio. d a Madeira so- brepovoada que luta heroicamente para viver.

Este vilão inadeirense, de torso hercúleo, más- cara rude e austera, personiiicação da paisagem, figuxa de painel quinhentista; o homem que cinzela montanhas, escala abismos e amansa torrentes, é tima figura estranha. Nno se deixou vencer pelas seduçoes traiçoeiras do clima desta antessala dos trópicos que despertam em nós, lusíadas indolentes, sonhadorcs e sensuais, o horror ao esforço paciente e metódico. A maus olhos, o viláo é um português que teve a coragem de partir a guitarra, aquela guitarra que todos nós trazemos n a alma e no co- raç&o a consolar-nos, com seus acordes de plangente fatalismo, dos desencantos e dos fracassos da vida.

(J. Vieira Natividade. Madeira - a epopeia rural, Fu?zcAaZ, 1954, pp. 89 /40 )

A VINHA NA MADEIRA

FIús-de ?tela encont~ar cepas viçosas em partes do terreno trampluntadas já mostrando seus frutos pampinosas por mãos da natureso ayricultada : fará que destas purras viçosas fiquem as terras brevemente inçadas

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porque farão nos séculos vindouros o prazer das nações, os seus tesouros

S e j a pois esta a planta mais querida d e que tratem os incolas primeiros : se ja p terra de cepas revestida e m vez d e louros, cedros e pinheiros : a cultura das parras se ja a Zide dos que forem aZi teus companlteiros dizer-te nada mais me cumpre agora, n a enseada que vês ó Zarco ancora.

(Francisco Paula Medina e Vascon- celos - Zargueida, Lisboa, 1806, canto IX, estrofes XXIII e XXIV)

8 EXCLUSIVISMO DO VINHO

-O vinho 6 o iinico genero abundante que pro- duz esta ilha e faz toda a sua riqueza é a moeda que mais gira como equivalente do mais que im- porta para sustento de seus habitantes alimentados unicamente do seu produto sem recurso de nenhuma outra produção de outras bebidas capazes de adul- t e ra r os vinhos bons de embarque ou paralizar a venda dos baixos nas tabernas, que desta forma não vendidas s e exportam com descrédito dos legais de embarque.

manda prodigiosa a par de um preço excessivo e por esta s6 também simples razão os habitantes des- tas ilhas abandonaram toda a especie de agricultura e indústria que não fosse a cultura dos vinhos, fa- zendo-se indiscretamente dependentes da sorte, boa ou m& deste só único produto. Com O produto das vinhas pagavam toda a classe de artigos necessários à. vida e de luxo e, apesar de tudo a circulação de então em metais preciosos foi prodigiosa, a pro- priedade civil e rural se elevou a um valor difícil de se acreditar e a principal de todas, o jornal se- guiu a mesma proporção regulando e sendo regulada pelo valor dos vinhos e de toda a espécie de pro- priedades.

Após dos ingleses que se apoderaram do comér- cio e das riquezas acidentais que promoviam, veio o luxo e este fatal companheiro da riqueza também seguiu aos habitantes destas ilhas em todas as suas direcções.

Tal era o estado da província em 1815, quando pela queda de Napoleáo Bonaparte teve lugar a paz continental. E pois nessa época que principiam as misérias desta ilha, ainda que desde esse instante se não manifestassem, porém foi desde então que as nações do continente ficaram habilitadas a concor- rerem ao mercado ingles e do mundo com os vinhos da Madeira e ainda mais a suprir esta província dos géneros e do mundo com os vinhos da Madeira e ainda mais a suprir esta província dos géneros de primeira necessidade que possuindo-os como é da

- A Madeira é uma província de precária sub- natureza desta operam infinitamente mais baratos

sistênciii. e não produz grão que chegue para con- e regulando estes toda a espécie de valores, lança- sumo de dois meses e outros vegetais frutuosos ape- ram estas c a u s a e esses efeitos a esta capitania em nas darão subsistência para mais um mês, de ma- embaraços extraordinhrios, porém consequentes. neira, que o sustento de 8 para 9 meses lhe é im- portado. E la não tem fábrica, nem produção alguma A imensa circulação de capitais, a carestia con-

out ra filha da natureza, ou de arte que socorra a sequente dos jornais e a exclusão que tinham seus

esta e a s outras precisaes, além dos seus vinhos ge- vinhos no mercado inglês formou a base natural da

nerosos. carestia deste produto. A paz continental rompeu toda a espdcie de equilíbrio nas relações e interesses

(Documentos de 1819 e 1881, in Ar- quivo Hist6rico-Ultramarino - Ma- deira e Porto Santo, N.' 4 695; Ar- quivo Nacional d a Torre do Tombo - Provedoria e Junta da Real Ba- wewda do Funckal- N.' 963, fol. 85Va/6; Arquivo Regional da Ma- deira - Registo Geral da Cdmara do Bunchal, T, 15, fols. íOOV0/4)

e O V I M O CAI EM DESGRAÇA

As aturadas guerras continentais e o recíproco bloqueio que impuseram o governo inglés e Napoleão Bonaparte, fizeram com que a ilha d a Madeira s e encontrasse com vinhos no mercado inglês e ser por isto ela s6 quem fornecia a Grã-Bretanha e suas imensas colónias deste artigo. Foi por esta simples causa que este produto do seu solo obteve uma de-

desta ilha. As nações da Europa que pela guerra tinham

sido distraídas dos exercícios pacíficos e pelo blo- queio continental privadas de concorrerem com seus vinhos no mercado a par dos da Madeira, se apres- saram anciosas a aparecer com este produto não só no mercado inglês, mas também DO do Mundo. E m tempo desse bloqueio as nações que o sofreram se aplicaram a criar entre s i recursos de toda a espécie e que conforme as visitas do seu valor criaram em último resultado a base da independência desses po- vos.

A Madeira nesse tempo mais feliz, excluíu pela mesma razão toda a espécie de agricultura e indús- tria que não fosse a criação dos vinhos. El por isto que agora se vê nas tristissimas circunst$ncias de compra de todo o artigo de necessidade e luxo e essas nações que habilitadas agora com a paz, com esta província igualmente concorrem com os vinhos infinitamente mais baratos. Se a isto se acrescenta

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a natureza custosíssima da agricultura da Madeira A MOLESTIA DAS MOL*STIAS comparada com a dessas nações que além de a for- necerem de trigo e milho e, enfim, de tudo, rivali- zam com ela com seus vinhos por preços inferiores, se achará à primeira vista a razão da posição de- sesperada e difícil em que estes povos se encontram agravados cada vez mais por outras causas imedia- tas, acidentais e secundárias, que por sua enorme gravidade e transcendência passo a expor.

No tempo da prosperidade, os ingleses aqui es- tabelecidos com o fim de amadurecer os vinhos e de dar a maior quantidade possível ao mercado, es- tabelcccram as estufas, nas quais fazendo ferver os vinhos lhe davam uma naturalidade ou velhice for- çada c prematura e como tais os vendiam. Então pcla escassez deste artigo no mercado ing16s e do mundo, livre do bloqueio continental foi dissimulada ou não advertida esta falsificação, sempre em des- credito d a real e superior qualidade dos vinhos, co- mo também da pública fé ; por uma fatalidade e ao mesmo tempo justiça os médicos decidiram que os vinhos d a Madeira e não havendo uma corporação poderosa, que revestida de certos privilégios sepa- msse os bons vinhos dos maus, todos caíram em descrédito.

Por estas causas, os vinhos destas ilhas têm há seis anos ficado estancados nos seus annaz6ns ou nos do mercado de Londres e outras partes, pois o que se tem embarcado de então para cá tem sido mais objecto de uma operação forçada e prejudicial, do que eleito de ordens encomendadas para esses mercados. Desde que esses transtornos tiveram lu- g a r foi preciso comprar tudo, absolutamente tudo com o dinheiro que sc tinha acumulado no tempo dessa efémera prosperidade, porém como o com6rcio ingl@s e ra o comércio por excelência destas ilhas e o que portanto se tinha apoderado do seu giro grosso e meúdo, este apenas viu o transtorno a que estas ilhas eram condenadas, passaram seus principais agentes com seus capitais para Inglaterra e outras partes, deixando apenas seus caixeiros recompensa- dos com a firma da casa, estes sem fundo não po- deram derramar espécie alguma de recursos no pais e só se destinaram a exercer a perniciosa operação das liquidações que não tiveram lugar nos tempos de prosperidade. O com6rcio nacional foi cousa que não existiu de 1810 e por isso sobre seus recursos nada se pode ventilar nem esperar. O dinheiro que nesse tempo se acumulou nas mãos dos habitantes teria sido suficiente a amparar este golpe se instan- taneamente o luxo não ihes houvesse arrancado.

(Relatório do governador José Lú- cio Travassos Valdes de 1887, in Arquivo Histbrico Ultramariao, Na- deira e Porto Santo 2 J . O 10 856)

Aparaceu entre nós a moléstia das vinhas em 1852, com ela a aniquilação completa da produção quasi exclusiva do nosso país, da única produção agrícola que ainda dava vida às nossas relações co- merciais com os povos estrangeiros e de que vivia- mos bem ou mal ...

J á antes da moldstia das vinhas, não eramos ricos, nem felizes ; a nossa indústria agrícola a tro- peçar todos os dias em graves erros económicos não se aperfeiçoara, nem desenvolvia, as vinhas em mui- tas localidades não produziam as despesas da cu1- tura e pode-se dizer que os lavradores a s cultivavam, não já por interesse, mas por amor, ou por uma espécie de gratidão aos interesses passados.

J á antes da moléstia das vinhas, milhares de colonos abandonavam esta terra desgraçada e emi- gravam para países pestíferos da América, alguns levados, é verdade, pela ambição e fascinados por promessas sedutoras de vis aliciadores, mas a maior parte fugidos da fome e miséria.

Já antes da moléstia das vinhas eramos um po- vo desgraçado, que marchdvamos descuidados e a passos sui-dos no caminho que nos havia de conduzir ii ruína inevitável. JA nessas épocas passadas, aquele que despertasse da espkcie de torpor em que todos jazíamos e reflectisse um pouco, havia por certo de antever um futuro mais Iiorrendo e assustador, do que o presente que tanto nos assombra.

Entho será porventura a causa finica de nossos males, ou a que devannos prestar maior atenção, a moléstia das vinhas, quando a despeito desta ha- víamos de sentir aqueles ? Ou ser& verdade que a moléstia das vinhas não fez mais do que apressar uma crise, porque mais cedo ou mais tarde, havíamos de passar devido a outras ?»

(Texto de A. Gonçalves publicado no <cClamor PUblico», N." 8, p. 1)

O DA DESGRAÇA AO DESEJADO

Do vasto Oceano flor, gentil Madeira, Que de ?nurta viçosa o cimo enlaças, Sdúria a teu seio amamentando as Graqas Co' o vitreo SILCO da imortal Parreira.

Daquele, que em ti viu a ilzix primeira, Se acaso d crivel que i~zda apreço faças, Entre o prazer das brincadoras taças, Recolhe a minha produção rasteira.

E donativo escasso, eu bem conheço ; Mas o desejo, que acornpa~zÃa a ofrenda, Lhe avulta a estima, 17te engrandece o preço.

Deixa que a roda o meu Destino prenda;

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Enz cessando estes males, que padeço, Talven então mais altos dons te renda.

(soneto de Francisco Alvares de N6- brega, in Luís Marino -Musa In- sular, Funchal, S/D, p. 54)

A desgraça d a Madeira foi a doença da vinha escusa procurar mestre p'ra apreliãer a doutrina

(E. A. Pestana -Ilha da Madeira - I - Folclore Madeirense, Funchal, 1965, p. 196)

Q CULTURA DA VINI-IA

(<As terras menos alagadas, como é natural, são a s que dão melhores vinhos. Nas propriedades mais bem cuidadas, o solo é aberto a té a profundidade de dois metros ; o bacelo, plantado fundo, alonga-se pelo gavião a procurar a humidade do subsolo, Única que lhe dissolve os elementos necessários à sua nu- trição. Para que a vinha se não tente com a alimeu- taçáo fácil de Inverno, mas improficua no Vcrão, das mais altas camadas de terreno, a s raízes supe- riores são coitadas permitindo-se-lhe unicamente es- se árduo trabaiho de mineiro que há-de garantir-lhe, por longos anos, o sustento e a produç50 dos seus saborosos e abundantes cachos de ouro.

Só no fim de três anos é que o bacelo dá colheita apreciável. O seu tratamento não é muito trabalhoso : dá-lhe uma cava em Janeiro para arejar a terra, metendo-se-lhe o empoçamento da água das chuvas e o seu escoamento profundo n a direcção do pé.

Duas enxofrações, uma esfollia depois da flor vingada, c outra mais tarde para amadurecer o bago, é tudo quanto se concede de mais privativo à vinha. Indirectamente recebe ela outros benefícios que vi- s am ao desenvolvimento de certas culturas hortícu- Ias, medrando sob as latadas durante o tempo em que a ausência da folha permite a luz do sol chegar ao terreno agricultado».

(Quinto Centevzário do Descobrimen- to da Madeira, F t~ncl~al , 1922, pp. /tl/Z)

8 AZAFAEdA DAS VINDIMAS

«Os colonos ao passo que as uvas amaduravam, dirigiam-se ao senhorio ou feitor a pedir licença pa- ra fazcrerri a colheita, a apalavzarcm o dia de em- préstimo dos lagares. (. . .)

...p or toda a parte, em montados, fajzs, cabeços, fraldas da montanha, u m agitar de braços fazia

estremecer a s folhas das vinhas. Vclhos e gente nova, munidos de facas e navalhas, cortavam os cachos que lançavam para dentro dos cestos peque- nos, os quais por sua vez, s e despejavam em barre- leiros, que se enchiam, até que as uvas, acamadas umas sobre as outras para cima da roda da beira se acogulavam. (...) trabalhadores a carregarem os barreleiros As costas a caminho do lagar ... »

(H. E. de Gouveia, A Canga, Coim- bra, pp. 116/7)

B Por Regimento de 12 de Agosto de 1785 se

rqegulamentou o processo das vindimas n a ilha, de modo a evitar os abusos praticados pelos colonos, que «não esperão que a s suas uvas estejão perfei- tamente sazonadas para a s vindimarem ; nem no tempo da vindima fazem a precisa escollia que se requer para que não se misture o verde com o ma- duro.. .».

No mesmo regimento se estipulava a data certa para a vindima em czda localidade, ficando o cum- primento desta regulamentação a cargo de um ins- pector coadjuvado por inspectores locais.

(ADF - GC - N . V O , foh. 29V0/S8)

TROVAS ã VIiVDIlVA

Alenina q'andais à folha n a parreira d9alica?zte dai-me w n cac7~inl~o d'zsvas para dar ao nmr amante

Tletzl~a vinho venha vi?d~o v z d ~ o mais meia canada g?:em quiser beber mais vinho ponha a boca na levada

No meio daqzrele nzar está uma p a r r e i ~ a d'2~vas não há faca que a s corte lá se perdem de maduras

Contando a bela pinga desta nossa terra inteira em todo o mundo não há vinlto como o d a Madeira

O meu amor anda às uvas ; eu sou o seu ajudante. Vou apanlkando e comendo, qu'a pameira tem b a s t a ~ ~ t e

(Carlos M. Santos -Trovas e bai- lados da ilha - estudo do folclore musical da Madeira, Funchal, 1942, pp. 105, 109, 139, 150). E. A. Pestana-Ilha da Madeira - I - Folclore Madeirense, Funchal, 1965, p. 142).

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O LAGAR TIZPICO MADEIRENSE

A espremadura das uvas faz-se a pé ca!cante, a dentro dum reservatório que antigamente era um simples tronco escavado, em geral de dragoeiro, que constituia o velho lagar de coxo.

Fez-se depois de tkbuas justas, caiafetadas em caixa aberta com biqueira na base, sobre um suporte de traves, encimando-o a vara do lagar, grossa viga articulada num extremo e apoiada no outro por uma porca, onde vem morder um alto parafuso de ma- deira, ligado a um pesado bloco de pedra. Esta sus- pende, ao elevar-se o parafuso de pau branco, trans- furando a vara, e actua como reforço, premindo de alavanca inter-resistente sobre o bagaço, depois deste ter sofrido o primeiro piso, a pé nu lavado.

Há pequenos lagares mais simples, sem para- fuso, e então o reforço do peso é feito num prato, como os de balança decimal, onde sucessivamente se vão colocando pedras, aumentando a potência de espremeçáo, sobre o cfrascab, em forma de pão de açúcar, formado pelos engaços e folhelho, apertado espiralrnente por uma resistente corda fabricada de esparto ou raízes de era.

(A . Sarme~ato - Notlcia histórico- -militar sobre a iZha do Porto San- to, Fz~nclaal, 19.33, pp. 94/5)

BB EVOLUÇAO

Pisam os homens as uvas nos lagares, de calça arregaçada até ao joelho, músculos estriados e faces congestionadas. E há 44 lagares em actividade, cons- truidos de cimento, assim como as tinas. Os de ma- deira de til com tinas feitas de ripas arcaizaram-se e aproveitaram-se as tábuas. O cimento conferiu aos lagares uma eternidade que a madeira não podia dar. E, de feito, a substituição desta por aquele trouxe vantagens ao lavrador. Pois os lagares de madeira, todos os anos, por altura das colheitas, ti- nham de ser calafetados. Através das juntas das tabuas, com o batuque das repisas e no ardor ainda maior de tirar do bagaço a água-pé, as pranchas davam de si e o mosto começava de pingar. As tinas apertadas por arcos de ferro também se desconjun- tavam. Deixou, portanto, de haver a preocupação do conserto, semanas antes das vindimas, além de que era outra a durabilidade.

Introduziu-se, há muitos anos, a prensa no lagar, mas, no norte da ilha não vingou o moderno aper- feiçoamento da técnica no espremer das uvas. Mais dispendioso, menos prático e de resultados não su- periores ao processo primitivo. Pelo que o sistema da vara corpulenta @e pinho ou de castanho e o

fuso de pau branco, das nossas serras, continua man- tendo o costume, posto que absoleto, dos avoengos. A mesma corda grossa a enrolar o monte dos en- gaços, se bem que o chincho a v á substituindo, as mesmas peças de madeira, o tampão e os dormentes, sobrepostos aquele e até tocarem a parte inferior da vara, a mesma pedra redonda, volumosa e pesada, com um buraco ao de cima, onde sa i um ferro que se encaixa na base do fuso e se prende a ele.

(Horácio Bento de Goz~ueia - Ca- ~lltenhos da. ilha, Funchal, S/D, pp.

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O TRANSPORTE DO VINHO

A pele (de cabra) emprega-se no fabrico de borrachos (odres) para transportar vinho dos laga- res para os armazéns, ... O borraclio 6 feito de pre- ferência da pele do macho, voltada de dentro para fora, depois de sangrado junto dum ouvido e de es- folado pelas orelhas. Pelas aberturas do pescoço e dos ombros, cortados nas articulaçóes inferiores, aparta-se a pele da carne deixando parte do tecido da barriga para fortalecer aquela nessa região. «Fe- cliado o borracho pelos membros e extremidades deste é lavado interiormente com água e cinza, a fim de se poder arrancar mais facilmente parte do pelo. E deitado em seguida a curtir num banho de casca de vinhático que lhe dá uma cor avemelhada. Passadas estas operações, procede-se à insuflaçáo do a r pela abertura do pescoço, apertando o borra- cho pela parte média para que fonne cintura e se torne mais cómodo para o transporte (horizontal- mente) sobre os ombros. A suspensão faz-se ligando a pele dos membros próximos, anteriores e poste- riores, em forma de ansas, às quais se prende a testeira-arriscol-formada de duas cordas paralelas (de lã, linho ou estopa entrançada) que vem apoiar- -se sobre o frontal c1.o ccnduton> (A. Sarmento - Zo- ologia Local).

(E. C. N. Pereira- iilzas de Zargo, I, Funchal, p. 423)

e CONDUÇAO DOS V I N H O S E M 1777

«...não se praticáo as colheitas como no reino, que v90 passando dos lagares a encubar nas adegas. mas como as terras estão aqui divididas em porções módicas de colonos, estes pisando suas módicas por- ções, que logo imediatamente conduzem a meia parte respectiva ao senhorio para a cidade, nem dão lugar

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e A ESTUFA

Consiste o processo de estufar vinho, na seguinte maneira. Qualquer que seja o edifício (em geral são de abóbada), deve ser hermeticamente rebocado a estuque, deixando-se-lhe apenas a porta por onde entra o vasilhame, a qual é tarnb6m entaipada, de- pois que a cascadura se acha estivada dentro, e apenas se lhe deixa um postigo por onde um só homem possa caber, para ir diariamente examinar com uma lanterna se há novidade dentro. No edifício deve haver uma fornalha, praticamente no interior, porém de maneira que facilmente seja alimentada de fora com o necessário combustível, findo o que 6 fechada. E m todo o circuito do muro da mesma estufa há um cano ou tubo de cantaria ou tijolo, que faz circular o intenso calor da fornalha por toda a parte, calor que muitas vezes excede a 160 graus de Farenheit, e então líquido ferve dentro da vasilha, como uma chaleira em cima de brasas, tendo-se-lhe previamente feito um furo no fundo superior para não arrebentar. Durante 3 meses ou 100 dias se acha ncsta continua fermentação na qual perde em geral 10 p 100 da sua totalidade ; então apaga-se a for- nalha e dias depois vão as pipas para o canteiro a fim do vinho ser tratado. E notá,vel, que at8 durante o mais auge do calor, entrão neste Inferno artificial homens a isso costumados, e com a ajuda da lan- terna correm os sinuosos espaços com que o vasi- lhame está estivado, o estancão facilmente algum esvaziamento, ruptura ou broca.»

(P. P. Câmara- Not4cia pobi'e a ilha da Madeira, Lisboa, 1891, pp. 76 /7 )

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Composição, impressão e gravurm na Tipografia Angrense, com o-

rientação gráfica de Alamo Oliveira. Angra do He-

roismo. Março de MCMLXXXIII

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