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A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica: em foco o atendimento às diferenças Adélia de Lourdes Matera Juliani 1 Leonor Dias Paini 2 Resumo: Este artigo pretende refletir sobre as contribuições da ludicidade, entendida aqui, como jogos e brincadeiras, no processo da formação de conceitos e na aquisição dos conhecimentos escolares. Em relação à metodologia, trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter teórico-prática, durante o ano de 2008, no Colégio Estadual Dr. José Gerardo Braga. Como procedimento metodológico foi realizada a intervenção pedagógica por meio de seis encontros/oficinas junto a um grupo de sete professores da área de educação especial que atendem alunos com dificuldades de aprendizagem. Num primeiro momento, os professores participaram de palestras e grupos de estudos para compreenderem a ludicidade com base na teoria Histórico-Cultural. E, num segundo momento, confeccionaram e desenvolveram atividades que culminaram na produção de material didático, registradas em DVD. Os resultados deste trabalho demonstraram que as atividades lúdicas realmente são significativas no fazer pedagógico. Após a utilização dos jogos matemáticos de forma sistematizada e mediada, os professores relataram que os alunos tiveram uma evolução dos conceitos matemáticos e compreenderam melhor o significado das operações. Os depoimentos ainda apontam mudanças significativas na postura profissional, pois passaram a utilizar os jogos com mais frequência no cotidiano escolar, contribuindo na interação professor/aluno/aluno. Portanto, a aprendizagem tem um caráter social e se constitui à medida que o sujeito interage nesse contexto cultural, no movimento dialético entre os que buscam apreender um ensino de qualidade com o intuito de socializar o conhecimento historicamente acumulado. Palavras-chave: Educação Especial, Ludicidade, Jogos matemáticos. The importance of playfulness in Pedagogical Practice: focus on attending the differences Abstract: This article focuses on the contributions of playfulness, understood as fun and games, in the process of concept formation and acquisition of school knowledge. Concerning the methodology, it is a qualitative research of theoretical and practical character done in 2008 at the Dr. José Gerardo Braga State School. As methodological procedure an educational intervention was performed through six meetings / workshops with a group of seven teachers that are in the special education area and help students who have learning difficulties. Initially, the teachers attended lectures and study groups to understand the playfulness with basis on the Cultural and Historical theory. And, in a second moment, they made and developed activities that culminated in the production of 1 Professora PDE 2008. Professora Especialista da Rede Pública do Estado do Paraná Educação Especial: Sala de Recursos e Apoio à Comunicação no Colégio Estadual Dr. José Gerardo Braga de Maringá - PR. 2 Orientadora do PDE. Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano USP/SP. Coordenadora do Curso de Pedagogia, Professora da área de Psicologia da Educação, Departamento de Educação da UEM (Universidade Estadual de Maringá), PR.

A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

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A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica: em foco o atendimento

às diferenças

Adélia de Lourdes Matera Juliani1

Leonor Dias Paini2

Resumo: Este artigo pretende refletir sobre as contribuições da ludicidade, entendida aqui,

como jogos e brincadeiras, no processo da formação de conceitos e na aquisição dos

conhecimentos escolares. Em relação à metodologia, trata-se de uma pesquisa qualitativa,

de caráter teórico-prática, durante o ano de 2008, no Colégio Estadual Dr. José Gerardo

Braga. Como procedimento metodológico foi realizada a intervenção pedagógica por meio

de seis encontros/oficinas junto a um grupo de sete professores da área de educação

especial que atendem alunos com dificuldades de aprendizagem. Num primeiro momento,

os professores participaram de palestras e grupos de estudos para compreenderem

a ludicidade com base na teoria Histórico-Cultural. E, num segundo momento,

confeccionaram e desenvolveram atividades que culminaram na produção de material

didático, registradas em DVD. Os resultados deste trabalho demonstraram que as

atividades lúdicas realmente são significativas no fazer pedagógico. Após a utilização dos

jogos matemáticos de forma sistematizada e mediada, os professores relataram que os

alunos tiveram uma evolução dos conceitos matemáticos e compreenderam melhor o

significado das operações. Os depoimentos ainda apontam mudanças significativas na

postura profissional, pois passaram a utilizar os jogos com mais frequência no cotidiano

escolar, contribuindo na interação professor/aluno/aluno. Portanto, a aprendizagem tem

um caráter social e se constitui à medida que o sujeito interage nesse contexto cultural, no

movimento dialético entre os que buscam apreender um ensino de qualidade com o intuito

de socializar o conhecimento historicamente acumulado.

Palavras-chave: Educação Especial, Ludicidade, Jogos matemáticos.

The importance of playfulness in Pedagogical Practice: focus on attending the

differences

Abstract: This article focuses on the contributions of playfulness, understood as fun and

games, in the process of concept formation and acquisition of school knowledge.

Concerning the methodology, it is a qualitative research of theoretical and practical

character done in 2008 at the Dr. José Gerardo Braga State School. As methodological

procedure an educational intervention was performed through six meetings / workshops

with a group of seven teachers that are in the special education area and help students who

have learning difficulties. Initially, the teachers attended lectures and study groups to

understand the playfulness with basis on the Cultural and Historical theory. And, in a

second moment, they made and developed activities that culminated in the production of

1 Professora PDE 2008. Professora Especialista da Rede Pública do Estado do Paraná – Educação Especial: Sala de Recursos e Apoio à

Comunicação no Colégio Estadual Dr. José Gerardo Braga de Maringá - PR.

2 Orientadora do PDE. Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano USP/SP. Coordenadora do Curso de Pedagogia,

Professora da área de Psicologia da Educação, Departamento de Educação da UEM (Universidade Estadual de Maringá), PR.

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didactic material that was recorded on DVD. The results of this study showed that playful

activities are really pedagogically significant. After the use of mathematical games in a

systematic and mediated form, the teachers reported that students appropriated the

mathematical concepts and understood better the meaning of operations. The statements

also show significant changes in professional attitude, since they started using these games

more often in their daily school life, contributing to the teacher / student / student

interaction. Therefore, learning has a social character and it is built as the individual

interacts in this cultural context, in the dialectic movement between those who seek to

learn a quality education in order to socialize the knowledge historically accumulated.

Keywords: Special Education, Playfulness, Mathematical Games.

Introdução

A discussão acerca dessa constante temática se faz presente em encontros,

seminários, congressos nacionais e internacionais. Tem sido investigado nas dissertações e

teses de cursos de pós-graduação, por caracterizar-se como um objeto de estudo que

prioriza o desenvolvimento do psiquismo e do desenvolvimento infantil, tanto de crianças

normais quanto de crianças com necessidades educacionais especiais, com ênfase na

educação inclusiva.

Para compreender a importância do lúdico na prática pedagógica, faz-se necessário

entender a escola como um espaço cultural, democrático e universal de ensinar, com a sua

principal função de socializar os conhecimentos.

A política de inclusão daqueles que têm necessidades educativas especiais parece

abrir um espaço maior para os alunos que estavam excluídos do contexto escolar. A

Declaração de Salamanca (Espanha, 1994), pressupõe que toda criança tem direito a

educação fundamental e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível de

aprendizagem. E, alega que, aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter

acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na

criança, capaz de satisfazer a tais necessidades.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 (Brasil, 1996) e

o Plano Nacional de Educação (Didonet, 2000), buscam consolidar esses compromissos e

apontam diretrizes à educação de alunos com necessidades educativas especiais. A LDB

9394/96, Artigo 59, Inciso I, preconiza e cita a questão da adaptação curricular da escola:

“Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades educativas

especiais, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica

para atender às suas necessidades”.

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O Censo Escolar realizado pelo MEC/INEP – 2008, mostra que 54% dos alunos

que necessitam de atendimento educacional especializado estão matriculados em escolas e

classes comuns do ensino regular, atendendo a leis, planos e normas de uma proposta de

educação inclusiva. Há dez anos esse índice era de apenas 16,9%. Segundo o MEC (2008),

esses dados revelam a transformação que está ocorrendo na gestão das escolas brasileiras, e

que os sistemas educacionais têm buscado a efetivação da garantia do direito à educação

enquanto um direito humano e constitucional.

Por outro lado, as leis não garantem que as escolas estejam desenvolvendo um

contexto inclusivo. Para Carvalho (2000) a educação inclusiva começa pela nossa

disposição em deslocar o foco “especial” ligado ao aluno para a visão “especial” do papel

da educação em promover uma prática pedagógica vinculada à aprendizagem e

participação de todos os alunos. Já é consenso: não basta abrir os portões escolares e

esperar que esse aluno supere suas necessidades, integre-se às condições oferecidas pela

escola e assim garanta sua permanência e sucesso escolar. Para haver uma inclusão com

responsabilidade e dignidade são necessários investimentos e adaptações da escola no

intuito de atender e corresponder, da melhor forma possível, às necessidades educacionais

especiais de todos os alunos que nela se encontram.

Essas adequações vão desde a estrutura física do espaço até mudanças na proposta

curricular, nas metodologias e estratégias de ensino, que se respaldam numa ação ainda

maior: atender as necessidades apresentadas pelos alunos, direcionando-os para suas

possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento. Como destaca Rocha (2002, p. 68): “a

escola só será inclusiva quando souber lidar com a diversidade na unidade; quando

souber trabalhar pedagogicamente com as diferenças e não tentar homogeneizá-las”.

Considerando o contexto das escolas de ensino regular, nem todos aqueles que

apresentam necessidades educativas especiais são pessoas com deficiência. Há casos de

alunos com problemas e dificuldades no processo de aprendizagem, que engrossam a lista

do famigerado “fracasso escolar”, decorrentes de uma variedade de fatores, muitas das

vezes, ligados às condições socioeconômicas e/ou pedagógicas desfavoráveis. O

paradigma da inclusão é mais abrangente, como nos diz Karagiannis (1999, p.21) “... o

ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independente de seu talento,

deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural”.

Neste contexto, nós professores que buscamos desenvolver um trabalho a partir do

princípio da educação inclusiva e atendemos esses alunos, tanto no ensino especial, como

no ensino regular, temos convivido com as dificuldades apresentadas por muitos deles ao

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trabalhar com abstrações, armazenagem de informações, manutenção da atenção, enfim,

lidar com as situações de aprendizagem, na aplicação dos conteúdos programáticos na sala

de aula, e que exigem de suas estruturas mentais um funcionamento “padronizado”, para os

quais, eles não conseguem responder, desmotivando-o, quando não, afastando-o da escola.

Inúmeros são os estudos que enfatizam a necessidade de se repensar o processo

ensino-aprendizagem. Constitui-se assim, uma realidade instigadora aos educadores e

pesquisadores da área, na busca por alternativas e estratégias didático-pedagógicas que

possam subsidiar os processos de aprendizagem e o desenvolvimento das capacidades

mentais de “todos” os alunos inseridos no contexto escolar.

A literatura consultada mostra-nos as contribuições do lúdico no processo de ensino

e aprendizagem e tem sido defendida numa proposta de educação inclusiva, como forma de

favorecer o atendimento às diferenças na sala de aula. Diversos estudos, tais como

Benjamin (1984), Kishimoto (1994, 1997, 2002), Brougère (l998), entre outros, pontuam

que os jogos e as brincadeiras, além de proporcionar alegria, divertimento e socialização,

contribuem para o desenvolvimento integral do aluno nos seguintes aspectos: - na

linguagem (falar, expressar); - na motricidade (agir, correr, saltar, sentar); - na atenção

(escutar, ver, observar); - na inteligência (compreender e analisar); no emocional (decidir,

esperar, controlar, aceitar); no social (conviver com as regras, ganhar, perder). No lúdico, a

criança interage com o mundo, encorajando a iniciativa, a autoconfiança e a autonomia,

fatores significativos para a aprendizagem.

O estudo deve priorizar a reflexão e a ação daquilo efetivamente consolidado como

um objeto de ensino, enquanto estratégia e instrumento pedagógico e ser utilizado pelo

professor em favorecimento da aprendizagem de seus alunos, tendo por premissa os

princípios de uma educação inclusiva. Propusemo-nos, então, a refletir: Como as

atividades lúdicas, especialmente os jogos, podem contribuir para a apropriação de

conhecimentos científicos de alunos com necessidades educativas especiais? Como nós,

professores, poderemos subsidiar o processo ensino e aprendizagem por meio dessas

atividades, e, contribuir no atendimento às diferenças? O que devemos fazer para tornar

as atividades lúdicas significativas na aprendizagem?

Este artigo reflete as questões propostas acima, bem como apresenta os resultados

de um trabalho de pesquisa teórica sobre os jogos e brincadeiras, relata a intervenção

pedagógica realizada junto a um grupo de professores do ensino especial e do ensino

regular do Colégio Estadual Dr. José Gerardo Braga de Maringá, com o propósito de

desenvolver jogos para a aprendizagem de conteúdos programáticos, da área da

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matemática, que favoreçam a aprendizagem e propiciem a interação entre os alunos na

diversidade da sala de aula. Primeiramente nos reportamos a um recorte histórico sobre

essa temática enfatizando os jogos. Num segundo momento, apresentamos os estudos da

teoria histórico-cultural sobre o desenvolvimento das funções psíquicas em relação à

ludicidade, buscando nos tópicos seguintes abordar algumas questões acerca da

aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais e o papel da mediação

na atividade lúdica. E por fim, relatamos o processo de Implementação Pedagógica na

Escola e algumas considerações sobre o Grupo de Trabalho em Rede, que em conjunto

com outras ações do PDE, oportunizaram a elaboração deste artigo.

Um recorte histórico sobre a ludicidade: jogos e brincadeiras

A cultura lúdica nos reporta à polissemia dos termos jogo, brinquedo e brincadeira.

Neste artigo, o termo “brinquedo” é tomado como objeto, suporte de brincadeira; esta pode

ser entendida como uma atividade estruturada com regras implícitas ou explícitas e o

“jogo” como objeto que possui regras explìcitas e como atividade, ou seja, sinônimo de

brincadeira. Consideramos então, o jogo e o brinquedo como suportes materiais para a

brincadeira.

Para compreendermos esses aspectos lúdicos, retomamos grandes pensadores e

estudiosos que ao longo da história nos mostram a importância do brincar na vida das

pessoas, criando e estabelecendo uma relação aberta com a cultura e, como a arte, vai além

e pode transcender o real.

Os estudos de Kishimoto (2002, p. 61-63), nos mostram que muitos educadores

reconhecem a importância educativa do jogo: Platão, em As Leis (1948) refere-se à

importância de “aprender brincando”. E ainda nos alerta com a seguinte frase: É possìvel

descobrir mais sobre uma pessoa numa hora de brincadeira do que num ano de conversa.

No entanto, nos estudos de outros pensadores como Aristóteles, Sócrates e Tomás de

Aquino, o jogo é visto como recreação, relaxamento do corpo, da mente e do espírito,

atividade oposta ao trabalho. Na Idade Média, com a forte influência do Cristianismo, o

jogo é considerado como delito (jogo de azar). Já no século XVI e XVII, a duplicidade

quanto às concepções dos adultos sobre a criança (o bem e o mal) e uma atitude moral

contraditória com relação aos jogos e brincadeiras. Tais atividades, por um lado, serviam

quase que unicamente para distrair as crianças e, por outro, eram recriminadas, associando

o brincar aos prazeres carnais e ao vício.

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Somente a partir do século XVIII, com a exaltação da natureza boa da criança

(Romantismo), o jogo aparece como conduta típica e espontânea da 1ª infância. Passa a ser

valorizado como recurso educativo e ganha força no século XIX, onde surge a preocupação

para compreender a relação do jogo com o desenvolvimento humano, apontando para uma

inovação das teorias pedagógicas de educação infantil. Nesse contexto destacam-se os

trabalhos e Fröebel e Decroly.

Segundo Brougère (l998), o método de Fröebel coloca jogos e brinquedos

específicos no centro da educação infantil, como uma ação livre e espontânea da criança

em harmonia com a orientação do adulto, propondo à criança objetos, os “dons”, que são

brinquedos específicos, mas deixando livre a atividade da criança. A exploração desse

material fortemente simbólico e não-didático que é educativa, não o material em si.

Froëbel define o jogo como o mais alto grau de desenvolvimento da infância: “[...] Esta

época em que a criança, jogando com tanto ardor e confiança, se desenvolve no jogo não

é a mais bela manifestação da vida? Não se deve ver o jogo como “uma coisa frívola”,

mais uma coisa de profunda significação” (FRÕËBEL apud BROUGÈRE, l998, p.68).

Um aspecto importante apontado por Fröebel é que o jogar livremente antecipa o

que a criança será mais tarde: é a melhor forma de conduzir a criança à atividade, à

autonomia, à expressão e à socialização.

Ovide Decroly (1978), médico, educador e psicólogo belga, coloca o jogo em lugar

de destaque como suporte pedagógico na medida em que se trata da atividade característica

e incontornável da infância. É especialmente pelo jogo que a criança se diferencia do

adulto. Para o autor, o jogo é uma atividade que encontra sua satisfação, seu resultado em

si mesmo, não em um objetivo, embora a criança não tenha consciência disso. Propõe

exercícios sob o termo jogos educativos e essa expressão vai cada vez mais designar

exclusivamente um material ao qual o jogo está ligado. Foi o responsável pela criação e

classificação de uma grande quantidade de jogos e da utilização de atividades lúdicas para

a educação de crianças.

Essa trajetória histórica em torno do jogo teve sua origem na filosofia e na

pedagogia e passa a ser tema de interesse da Psicologia Infantil, que irá buscar respostas

sobre a função do brincar no desenvolvimento da criança.

Numa perspectiva mais recente da psicologia infantil, o psicólogo russo Lev

Semenovich Vygotsky e seus seguidores Luria, Leontiev e Elkonin, fecundaram os

pressupostos teóricos atuais sobre relação entre o jogo, desenvolvimento e aprendizagem

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da criança e influenciaram as novas abordagens na educação de crianças com necessidades

educativas especiais.

No final dos anos 80, a partir dos pressupostos do Modelo Histórico Cultural,

Vygotsky, começa a discutir a influência do contexto cultural e do outro na aprendizagem.

Sob o enfoque sócio-histórico ou histórico-cultural, essa nova tendência teórica que

considera a mente humana social e culturalmente construída, abre novas perspectivas da

análise do processo de desenvolvimento.

O desenvolvimento das funções psíquicas em relação à ludicidade

Vygotsky (2002) desenvolveu importantes pesquisas sobre os períodos do

desenvolvimento psicológico, e como parte desses trabalhos, analisou o papel do jogo na

educação e no desenvolvimento das crianças menores de seis anos, para buscar romper

com as periodizações biologizantes, que estudavam o desenvolvimento psíquico da criança

isolado de seu meio social e cultural.

Para ele, os processos históricos que auxiliam ao desenvolvimento humano,

exercem influência na formação psíquica de cada sujeito, e, se desenvolve por meio da

atividade social, das relações que se estabelecem via mediação por meio de instrumentos

físicos (objetos) e psicológicos (signos), por ex. a linguagem, como um dos

fatores essenciais na interação interpessoal e intrapessoal para a apropriação do

conhecimento científico.

Este autor mostra o papel dos instrumentos físicos de trabalho na transformação e

no controle da natureza em relação aos signos enquanto instrumentos psicológicos. A

inserção na cultura e a aprendizagem vão permitir o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores (atenção, memória, abstração, etc.). Fica claro o predomínio do

princípio social sobre o princípio natural-biológico. Desse modo, essas funções traduzem-

se em processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de

processos de aprendizagem. “[...] o aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o

aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em

movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis

de acontecer” (VYGOTSKY, 2002, p.118). O autor continua afirmando que o

aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das

funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

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A aprendizagem interage com o desenvolvimento e produz aberturas nas zonas de

desenvolvimento proximal, e isto significa a distância entre o nível de desenvolvimento

real e o potencial. Vygotsky, ao criar a ZDP, percebeu dois níveis de desenvolvimento: o

nível de desenvolvimento real determina o que a criança já é capaz de fazer sozinha, e o

nível potencial, a capacidade de aprender com o auxílio de outra pessoa. Em ambos os

processos, a interação propicia a aprendizagem e esta promove o desenvolvimento.

De acordo com Vygotsky (2002), o jogo desempenha um papel fundamental na

formação do indivíduo. O jogo não é uma atividade inata, mas sim decorrente das relações

sociais, portanto carregado de significação social, e varia de acordo com o tempo e com a

cultura na qual está inserido.

No brincar a criança procede além do comportamento habitual de sua idade, é capaz

de ir além de seu desenvolvimento. O brincar cria uma zona de desenvolvimento proximal,

um campo de transição propício para mediar à ação da criança com objetos concretos e

suas ações com significados. É nesse sentido que autor nos apresenta o jogo considerando

dois elementos importantes: a situação imaginária e as regras. Primeiro predomina a

situação imaginária (jogo de papéis) e as regras são implícitas; depois, quando a criança

vai crescendo, predominam as regras explícitas e a situação imaginária se torna oculta, mas

continua presente e preenche as necessidades que mudam de acordo com a idade.

Na infância, o brincar leva a criança a construir conhecimentos que lhe permitem

interagir com o meio (interação sujeito-objeto) e assimilar, pela imitação, papéis

culturalmente estabelecidos e ela se esforça para imitar o adulto. Assim, no brinquedo, o

significado conferido ao objeto torna-se mais importante que o próprio objeto. Quando a

vassoura se torna um cavalo para a criança, ela também faz de conta que está cavalgando,

que é um “cavaleiro”, está conferindo um novo significado para o objeto e satisfazendo

seus desejos e necessidades. Somente na ação de brincar a criança vai começando a atribuir

um significado novo ao objeto, e assim, cria novas situações imaginárias sem limitações

situacionais, o que, para ele, não é possível na aprendizagem formal.

Benjamin (1984) reflete acerca dos jogos e brinquedos, colocando-os como

facilitador do desenvolvimento da imaginação, da inventividade e, sem eles, não há

imaginação. Pensava-se que o conteúdo imaginário do brinquedo delimitava as

brincadeiras, quando na verdade quem faz isso é a criança.

Desse modo, a brincadeira é uma situação imaginária, na qual a criança pequena

vive mergulhada a maior parte do seu tempo e se justifica tão somente no processo de

brincar e não nos resultados dessa ação, pois “... ensina a criança a dirigir seu

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comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a

afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação (VYGOTSKY, 2002, p.

127). É neste processo que a criança resgata situações vividas, busca na memória

comportamentos conhecidos, e vive no mundo imaginário as regras da vida socialmente

estabelecidas. Conforme a brincadeira se desenvolve, propicia estruturas básicas para

mudanças relacionadas ao desenvolvimento da criança, de acordo com suas necessidades,

possibilitando nova atuação em relação ao real.

Leontiev (1998) analisa a ZDP e enfatiza o brincar como uma atividade que

favorece a zona de desenvolvimento proximal, e, permite mudanças no desenvolvimento

das funções psicológicas que resultam em ações mentais mais complexas. Para Leontiev,

as características da atividade lúdica são: a) o jogo tem um fim em si mesmo; b) o jogo

exige a liberdade de ação; c) todo jogo tem regras implícitas ou explícitas; jogar é uma

atividade consciente; d) o conteúdo da brincadeira provém da realidade social; e) a

situação imaginária resulta da substituição de significados dos objetos; f) a brincadeira é

uma atividade que pode ser generalizada; g) o jogo é a concretização de uma situação que a

criança não pode desempenhar na realidade.

Assim, a função didática do jogo está na possibilidade do desenvolvimento

cognitivo por dois motivos: o de permitir avanços além do desenvolvimento efetivo da

criança e o fato de que o processo do jogo é mais importante que o resultado. O tipo de

jogo praticado pelo sujeito percorre o caminho das habilidades que necessita construir em

seu desenvolvimento.

Ao compreender e seguir uma ordem crescente de complexidade possibilita-lhe

uma interação, cada vez mais, de forma autônoma, assim “a evolução do jogo prepara

para a transição a uma fase nova, superior, do desenvolvimento psíquico, a transição para

um novo período evolutivo” (ELKONIN, 1998, p. 421). Afirma, compartilhando com

Vygotsky sobre a evolução da atividade lúdica, que os jogos de faz-de-conta “... são

transformados em jogos com regras nos quais a situação imaginária e o papel estão

contidos em forma latente” (Ibid. p. 138). Em uma etapa posterior conduz a criança aos

jogos com regras, em que são estabelecidos objetivos e ações visando a atingi-los, que para

Vygotsky “... são uma espécie de escola superior de brincadeiras. Eles organizam as

formas superiores do comportamento” (VYGOTSKY, 2003, p.105).

Em relação ao desenvolvimento das estruturas psicológicas, Lílian Montibeller,

também nos esclarece um pouco o papel do jogo neste desenvolvimento dos sujeitos,

ressaltando a importância da interação e, sendo estas relações afetivo-emocionais,

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promotoras do desenvolvimento cognitivo. Esta autora concluiu que, no brinquedo, “a

criança vive a interação com seus pares na troca, no conflito e no surgimento de novas

idéias, na construção de novos significados, na interação e na conquista das relações

sociais, o que lhe possibilita a construção de representações” (MONTIBELLER, 2003, p.

320).

Kishimoto (1997), entende o brinquedo educativo como recurso que ensina,

desenvolve e educa de forma prazerosa. Para assumir a função lúdica e educativa, o

brinquedo educativo merece algumas considerações: propiciar diversão, prazer e até

desprazer, quando escolhido voluntariamente; e ensinar qualquer coisa que complete o

indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo. Assim, o

significado do jogo na área educativa deve associar a função lúdica e a pedagógica de

forma equilibrada: “... qualquer jogo empregado na escola, desde que respeite a natureza

do ato lúdico, apresenta caráter educativo e pode receber também a denominação de jogo

educativo” (KISHIMOTO, 1994, p. 22).

Os jogos pedagógicos oferecem uma situação mediada que evidencia as várias

formas de inter-relações praticadas pelo grupo e permitem aos professores intervir,

orientando para atitudes mais elaboradas e éticas. Vygotsky (2003, p.107) diz em relação

ao jogo que: “... ao subordinar todo o comportamento a certas regras convencionais, ele é

o primeiro a ensinar uma conduta racional e consciente. Para a criança, o jogo é a

primeira escola de pensamento”. E defende a posição de que “todo pensamento surge

como resposta a um problema, como resultado de um novo ou difícil contato com os

elementos do meio. [...] o jogo [com regras] é um sistema racional e adequado, planejado,

coordenado socialmente, subordinado a certas regras”.

E o pensamento para o autor tem origem na motivação, interesse, necessidade,

impulso, afeto e emoção. O jogo, com certeza, atende a todas essas singularidades tão

relevantes para a aprendizagem. Portanto, na sala de aula, os jogos também precisam ter o

seu espaço, para que alunos, com ou sem necessidades especiais, possam se apropriar de

forma mais significativa e prazerosa dos conhecimentos.

A Professora Rego da Faculdade de Educação da USP/SP parte da mesma premissa

que Vygotsky, e, ressalta o uso dos jogos para proporcionar ambientes desafiadores,

capazes de “estimular o intelecto” e conduzir para estágios mais elevados de raciocínio: “...

isso quer dizer que o pensamento conceitual é uma conquista que depende não somente do

esforço individual, mas principalmente do contexto em que o individuo se insere que

define, aliás, seu ponto de chegada” (REGO, 2000, p.79).

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Do jogo à formação de conceitos e à apropriação dos conhecimentos

Na perspectiva vygotskyana, os conceitos são entendidos como um sistema de

relações e generalizações contido nas palavras e determinados por um processo histórico-

cultural: são construções culturais, internalizadas pelo indivíduo ao longo de seu processo

de desenvolvimento. De maneira que a formação de conceitos para “é o resultado de uma

atividade complexa em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto,

o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à

inferência ou às tendências determinantes” (VYGOTSKY, 1993, p.50). Este autor enfatiza

a importância da linguagem neste processo, que conduz o pensamento para ações mentais

mais complexas: “Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou

palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o

seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos” (Ibid.,

p.50).

As funções mentais superiores do homem (percepção, memória, pensamento)

desenvolvem-se na sua relação com o meio sociocultural, relação essa mediada por

instrumentos e signos; o instrumento tem a função de regular a ação sobre o objeto da

atividade “orientado externamente” e, o signo tem a função de regular as ações sobre o

psiquismo da pessoa “orientado internamente” (VYGOTSKY, 2002, p.72-73). E dessa

mediação simbólica resulta a formação de conceitos.

Para Vygotsky (1993), os conceitos podem ser “espontâneos” – surgem do

cotidiano anterior a escola, sem uma organização sistemática, sem consciência a respeito

de sua formação e “cientìficos” - aqueles provenientes da instrução formal, das ciências

naturais, sociais e exatas e requer a consciência da ação, ou seja, a consciência reflexiva.

O autor acredita que esses conceitos, apesar de se formarem e se desenvolverem

sob condições externas e internas diferentes, fazem parte de um mesmo processo, se

relacionam e se influenciam constantemente. Assim, os conceitos espontâneos criam várias

estruturas necessárias para a evolução dos aspectos elementares e mais primitivos de um

conceito, dando corpo e vitalidade. Por outro lado, os conceitos científicos fornecem

estruturas para o desenvolvimento crescente dos conceitos espontâneos da criança em

direção ao seu uso consciente e deliberado. O desenvolvimento dos conceitos espontâneos

de uma criança acontece de maneira ascendente, enquanto seus conceitos científicos de

maneira descendente. Os conceitos espontâneos vão do concreto para o abstrato, enquanto

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o científico percorre o caminho inverso. Por isso um conceito que se pretenda trabalhar,

requer sempre um grau de experiência anterior para a criança.

Os conceitos científicos com seus sistemas hierárquicos de interrelações

constituem, para Vygtsky, o meio no qual a consciência reflexiva se desenvolve. Assim,

ele identifica dois momentos no decurso de desenvolvimento das funções psicointelectuais

superiores: “a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como

funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas

do pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas” (VYGTSKY, 1993,

p.114).

Desse modo, o pensamento, o desenvolvimento mental, a capacidade de formar

conceitos, conhecer o mundo e de nele atuar são uma construção social, que depende de

processos de internalização. O desenvolvimento humano, enquanto processo sócio-

histórico, enfatiza a função da escola e o papel do professor como mediador na zona de

desenvolvimento proximal da criança. Pois a escola é o lugar onde as atividades

pedagógicas intencionais desencadeiam o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando

a formação de conceitos. A partir dessas considerações, percebemos que a aprendizagem

possui uma natureza diferente quando acontece dentro da escola em relação à situação

externa à escola, entretanto, a realidade da sala de aula apresenta uma série de situações em

que as crianças, muitas vezes, apresentam dificuldades para entender e aplicar os conceitos

são facilmente apreendidos e utilizados no contexto de atividades cotidianas.

Sobre essa questão, pensamos ser um obstáculo para uma aprendizagem

significativa, mas Vygotsky nos responde que na formação dos conceitos científicos é

fundamental a mediação pedagógica, pois a ação do professor direciona a organização de

conteúdos de modo a permitir ao aluno o exercício de seus processos mentais,

proporcionando-lhe novos níveis de desenvolvimento das capacidades intelectuais. Para

ele a “experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se

mostra (...) pedagogicamente estéril. (...) a criança não assimila o conceito, mas a

palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de

qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado (VYGOTSKY,

2001, p. 247).

No tópico anterior, este autor pontua sobre a importância dos jogos para o

desenvolvimento mental das crianças. O uso de jogos contribui para que os conteúdos

ganhem significado, como conseqüência natural da atividade desenvolvida pelo aluno e, o

mais importante, cria situações pedagógicas que lhe permite visualizar os princípios

Page 13: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

13

fundamentais das operações, dos conteúdos escolares. Todo jogo apresenta uma situação

problema que deve ser resolvida para se chegar a um objetivo. Ele possibilita

redimensionar a questão do erro, estimulando a exploração e a solução de problemas:

levantar hipóteses, testá-las, poder voltar atrás e refazer a trajetória, o que não é possível

quando se pauta apenas em raciocínios simbólicos e formais; neste momento, provoca o

desenvolvimento cognitivo e futuras aprendizagens.

Convém destacar o trabalho de Moura (2000) intitulado “A séria busca no jogo: do

lúdico na matemática”, o qual nos remete para uma reflexão acerca do papel do jogo

enquanto elemento cultural que integra a formação de conceitos. A criança aprende e

desenvolve suas estruturas cognitivas ao lidar com o jogo de regras que está impregnado de

aprendizagem e permite a compreensão de conhecimentos veiculados socialmente,

subsidiando a criança com novos elementos para apropriar-se dos conhecimentos.

Necessidades educacionais especiais: considerações acerca da aprendizagem

Ao procurarmos entender como aprende uma criança que necessita de atendimento

especial, buscamos na teoria Histórico-cultural os pressupostos que defende o seguinte: as

leis que regem o desenvolvimento da criança com deficiência, são as mesmas que regem a

da criança “normal”, diferenciando-se apenas no modo como se forma as relações entre as

diferentes funções psíquicas decorrentes da maneira como as utiliza. Isto faz com que ela

se desenvolva de maneira própria, assim, “a diferença está apenas no fato de que uma

criança normal utiliza racionalmente suas funções naturais, e quanto mais progride mais é

capaz de imaginar dispositivos culturais para ajudar sua memória” (VYGOTSKY e

LURIA, 1996, p. 228).

Assim também deve ser com a criança deficiente. Quanto mais estímulos ela

receber, quanto mais uso cultural fizer dos processos psicológicos, mais terá condições de

se desenvolver e superar o comprometimento biológico. Segundo estes autores a cultura e

o meio ambiente podem auxiliar a refazer uma pessoa, não apenas levá-la à apropriação

de algum conhecimento específico. Também é importante, pela mudança da própria

estrutura da pessoa nos seus processos psicológicos e pelo desenvolvimento em suas

próprias capacidades cognitivas.

Vygostsky e Lúria (1996) pontuam que para entender a deficiência, é necessário

antes de tudo recorrer ao desenvolvimento e não aos aspectos patológicos. A deficiência

influência duplamente o desenvolvimento. Por um lado é vista como uma limitação

Page 14: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

14

criadora de barreiras, dificuldades e diminui o desenvolvimento; por outro, justamente

porque essas dificuldades estimulam o desenvolvimento de vias de adaptação, canais de

compensação, é que podem levar do equilíbrio alterado a uma nova ordem. Assim, o

defeito não deve ser visto como algo imutável, pois “ele põe em ação e organiza grande

número de dispositivos que não só podem enfraquecer o impacto do defeito, como por

vezes até mesmo compensá-lo (e até supercompensá-lo)” (VYGOTSKY E LURIA 1996,

p. 226). Ao procurar meios de se adaptar, ele estimula o indivíduo ao invés de limitá-lo,

formando novas funções, consequência da reação do sujeito perante o déficit e à

compensação.

Tais afirmações vêm ao encontro de nossos anseios, na compreensão dos

obstáculos que impedem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e podem

ser superados com base na compensação, por meio de alternativas de ações que favoreçam

a aprendizagem de conceitos e do desenvolvimento da personalidade da criança, adquiridos

pelas interações sociais, desejos, necessidades e motivações. Vemos aqui a importância de

estarmos cientes da singularidade desse caminho pelo qual devemos guiar a criança. Ele

norteia nossa prática, e sua fonte se situa nas interações sociais, e não unicamente na esfera

orgânica.

Vygotsky prossegue em seus estudos e nos alerta que o ensino para crianças com

algum grau de deficiência mental, além de desenvolver as atividades em nível concreto,

não pode esquecer que elas também necessitam desenvolver o pensamento abstrato e que

“... a escola deveria fazer todo esforço para empurrá-las nessa direção, para desenvolver

nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento” (VYGOTSKY,

2002, p. 116).

Ainda sobre essa questão, encontramos em Ferreira (1993), que a compreensão

prática permite à criança obter êxito nas atividades habituais e precisa ser substituída por

uma compreensão ao nível de pensamento. Esta sincronização entre o fazer e o dizer que

propicia o agir consciente é uma grande conquista do pensamento infantil. Esta conquista é

maior quando se trata da criança com necessidades especiais, pois, embora capaz de atingir

o pensamento lógico, não faz esta evolução espontaneamente. O processo precisa ser

“induzido”.

Em relatos e experiências de outros pesquisadores, o jogo constitui uma ação

pedagógica bastante eficaz no processo de ensino e aprendizagem para alunos com

deficiência mental, na sua possibilidade de criar, intervir e consolidar a zona de

desenvolvimento proximal: “... é importante que o professor busque alternativas de

Page 15: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

15

trabalho para superar as dificuldades na construção do pensamento abstrato... com a

mediação dos pares,... os colegas e os professores...” (SHIMAZAKI E PACHECO, 2000,

p. 163). Nesse contexto, consideramos os jogos como um recurso metodológico eficiente,

pois além de promover a manifestação das habilidades, suscitam a interação entre os

sujeitos no processo.

Para a autora Ide (1997) em seus estudos acerca do fracasso escolar, mostra dois

aspectos relevantes para desenvolver as capacidades cognitivas dessas crianças: a presença

de um mediador interposto entre o estímulo e o organismo e, os recursos (instrumentos

pedagógicos) adequados, possibilitando-lhes experiências positivas que as motivem e as

estimulem para o desenvolvimento. Ela ainda afirma que “O jogo possibilita à criança

deficiente mental aprender de acordo com o seu ritmo e suas capacidades. Há um

aprendizado significativo associado à satisfação e ao êxito, sendo este a origem da auto-

estima”. (IDE, 1997, p. 96). Sendo assim os jogos possibilitam ao educador e mediador

uma verdadeira interação afetiva com os alunos e propicia o desenvolvimento da

autonomia cognitiva, moral e social.

Porém, cabe lembrarmos que é preciso conhecer o nível de desenvolvimento mental

dos alunos para proporcionar estímulos de seu interesse e de acordo com suas capacidades.

Só assim, os materiais e as situações do brincar podem ajudar no seu desenvolvimento.

Para Cunha (1992, p. 119-125), “a necessidade dessas crianças vivenciarem atividades e

experiências concretas, para posteriormente desenvolver aspectos cognitivos mais

abstratos”. Nesse sentido, ao utilizar material concreto no jogo, o professor deve ficar

atento ao fato de que o aluno desenvolve o raciocínio logicamente encadeado, abstrato e

formal. Portanto, a mediação do professor vai dar sustentação à evolução do nível concreto

para o abstrato.

É neste contexto que a escola assume o seu importante papel: buscar meios para

superar a deficiência, com professores devidamente preparados e instrumentalizados com

formas de trabalho que atendam as peculiaridades dos educandos para realizarem as

mediações necessárias para a promoção das funções psicológicas superiores. Uma das

alternativas pode ser o uso de jogos e brincadeiras, como recursos que subsidiem os

processos de ensino e aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais.

Convém ressaltar que o jogar e brincar, na perspectiva histórico-cultural, cria uma zona de

desenvolvimento proximal, um campo de transição propício para mediar a ação da criança

com objetos concretos e suas ações com significados. Ao jogar os alunos precisam refletir,

elaborar e organizar mentalmente pensamentos e ações.

Page 16: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

16

O papel da mediação na atividade lúdica

A mediação tem sido considerada um fator fundamental no processo ensino e

aprendizagem. Vale salientar que as atividades com jogos e brincadeiras, enquanto

ferramentas de aprendizagem, podem ser usadas nas mais distintas possibilidades e

finalidades: recreativa, ensino de conteúdos escolares, diagnóstica, ação espontânea

prazerosa e livre (KISHIMOTO, 1997). Para isso se efetivar, é necessário que as atividades

sejam planejadas com intencionalidade e objetivos claros, é que, por meio da mediação é

possível o atendimento às necessidades específicas apresentadas pelos alunos.

Considerado como atividade educativa, o jogo deve atender aos três vértices que

sustentam essas atividades como ações de ensino: “o aluno que está levando a cabo a

aprendizagem; o objeto ou objetos de conhecimento que constituem o conteúdo da

aprendizagem; e o professor que age, isto é, que ensina com a finalidade de favorecer a

aprendizagem dos alunos” (COLL, 1994, p. 103).

Entendemos que antes de planejar e organizar as atividades, é importante conhecer

o nível de desenvolvimento mental dos alunos, a sua forma de aprender e seus canais de

aprendizagem para proporcionar estímulos de seu interesse, de acordo com suas

capacidades. Só assim o professor pode prever se as atividades lúdicas representam ou não

o grau adequado de dificuldade para o aluno, permitindo, desta maneira, que ele alcance

pequenas vitórias e se mantenha motivado e valorizado na atividade, abrindo-lhe caminhos

para que o processo de intervenção pedagógica se efetive.

A clareza quanto aos objetivos e utilização do jogo pedagógico permite estabelecer

uma relação com as áreas e os conteúdos a serem trabalhados. É o professor, que ao

assumir o papel de organizador do ensino, deve selecionar os jogos e brincadeiras mais

significativos para seus alunos e ter clareza dos aspectos do desenvolvimento e das

aprendizagens envolvidas na atividade lúdica a que se propõe, criando oportunidades para

que o brincar e o jogar aconteçam de uma maneira educativa, em espaço físico agradável e

instrumentos pedagógicos adequados que possibilitem experiências positivas e

enriquecedoras. Só assim, o jogo, como material utilizado para o ensino é “ferramenta

para ampliar a ação pedagógica” (MOURA, 1997, p.84).

A participação do professor ao jogar e brincar com os alunos valoriza a atividade,

estabelece vìnculos e favorece uma maior “aproximação do aluno”, permitindo-lhe, sempre

que necessário, intervir, esclarecer dúvidas, solicitar da criança respostas ou soluções as

quais ela já é capaz de apresentar utilizando-se de seus conhecimentos prévios e

Page 17: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

17

estimulando-a para pensamentos mais elaborados: relacionar, refletir e propor soluções aos

problemas que lhe são apresentados.

Não temos a intenção de exaltar esta prática em detrimento de outras que também

se fazem necessárias para o aluno sistematizar o seu conhecimento, nem tanto induzir o

professor a utilizar jogos todos os dias; eles devem estar presentes no planejamento do

professor sempre que se mostrarem eficazes para auxiliar a aprendizagem de conteúdos e o

desenvolvimento integral do educando. Muitos jogos ajudam o aluno a abstrair e formar

conceitos que não conseguiria por métodos tradicionais. O ensinar a divisão por meio de

um jogo como o “Bingo da Divisão”, que permite ao aluno manusear objetos, repartir,

conferir resultados e ainda ter a possibilidade de "ganhar", é mais estimulante e motivador

para ele. Quando gostamos do que fazemos, aprendemos melhor. A partir do momento que

o aluno entendeu, será capaz de realizar outras atividades de ensino.

Compreendemos que no processo ensino/aprendizagem, o professor saber o

conteúdo e tão importante quanto a sua capacidade em “... traduzir os conteúdos da

aprendizagem em procedimentos de aprendizagem, isto é, em uma sequência de operações

mentais que ele procure compreender e instituir na sala de aula” (MEIRIEU, 1998, p.

117).

Da intervenção pedagógica na escola Gerardo Braga

A Intervenção pedagógica foi realizada no primeiro semestre de 2009, por meio de seis

encontros/oficinas com um grupo de professores da escola que atuam no ensino especial e

regular. Nos encontros priorizamos os apontamentos teóricos de autores e especialistas,

como Vygotsky e seus seguidores, Elkonin, Leontiev e Luria, dentre outros. Textos estes,

que também compõem a literatura que fundamenta nossa pesquisa, e, que, apontam a

relevante contribuição dos jogos e brincadeiras, nos processos de desenvolvimento das

funções psicológicas superiores, e, a importância do professor como mediador nesse

processo.

No primeiro encontro fizemos uma breve sondagem por meio de um questionário

para verificar qual a posição do professor em relação ao lúdico. Destacamos algumas

considerações do grupo pertinentes a temática sobre o brincar na infância. Os professores

relembraram as brincadeiras de casinha, boneca, “fazer comidinha” e as brincadeiras de

rua, no esconde-esconde, no jogo de bola, na “queima”, no passa-anel e outros, que

retratam os tipos de brincadeiras da época. Hoje, dificilmente encontramos crianças

Page 18: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

18

brincando na rua; elas preferem os videogames, os jogos em computadores, a televisão. Os

professores concordaram que o brincar e os jogar são ações carregadas de significação

social, e variam de acordo com o tempo e com a cultura na qual estão inseridos. Quando

questionados sobre a importância do brincar e/ou jogar no processo de ensino e

aprendizagem, a maioria do grupo respondeu que utilizam essas atividades na sala de aula,

porque os alunos gostam e se descontraem.

Também perguntamos aos professores se participam ou não de tais atividades com

os alunos. Responderam que é importante a participação do professor, embora nem sempre

o façam. Ao serem questionados sobre as dificuldades quanto à realização de jogos e

brincadeiras com seus alunos, citaram alguns obstáculos: nem sempre o aluno se dispõe a

participar, é um pouco trabalhoso, causa tumulto e barulho. Por fim, perguntamos o que

eles gostariam de saber mais sobre jogos e brincadeiras. Nas respostas, identificamos que

seus interesses estavam voltados tanto aos objetivos dos jogos e brincadeiras na sala de

aula, quanto em conhecer tipos de jogos matemáticos que auxiliam na aprendizagem de

conteúdos específicos, no raciocínio lógico e na memória.

Observamos que nas respostas do grupo há uma percepção dos benefícios da

lúdicidade na aprendizagem, mas estas não se apresentam como atividades regulares em

suas práticas pedagógicas de modo a serem usadas como uma estratégia de ensino para

ajudar na apropriação dos conteúdos programáticos. Este questionário inicial possibilitou-

nos uma visão geral do grupo em relação à temática em questão e propiciou a adequação

de nossa proposta às necessidades e anseios do grupo.

Nas oficinas, os professores confeccionaram alguns jogos matemáticos e

observaram sua utilização em relação aos conteúdos escolares. Também tiveram um

espaço para aprender as regras e como agir nas situações de jogo, de modo a promover o

raciocínio lógico-matemático do educando, contribuindo na formação de conceitos, bem

como na aprendizagem de conteúdos. Observamos que o baixo rendimento dos alunos em

matemática culmina com o desenvolvimento de um sentimento de aversão, apatia,

desinteresse e incapacidade diante de uma área que faz parte da cultura geral da criança e

que pode ser observada em muitas situações do cotidiano. Na maioria das vezes, isto pode

ser consequência do método tradicional de veiculação do conhecimento matemático e

contrasta com o conteúdo lúdico e a beleza formal da matemática.

Cabe esclarecer que os jogos desenvolvidos nesta implementação não são inéditos

e nem extraordinários; são jogos comuns, talvez até conhecidos e usados por muitos. A

seguir relacionamos alguns com os respectivos objetivos: “Kalah” - jogo de estratégias

Page 19: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

19

que desenvolve a atenção, a observação, o raciocínio lógico matemático (indutivo e

dedutivo), a capacidade de antecipação, contagem e habilidades quantitativas de

julgamento; “Chegando a Cem” - compreensão do sistema numérico decimal, adição e

subtração; “Bingo da Multiplicação e da Divisão” - com a utilização de pratinhos e

feijões (material concreto), auxilia na compreensão e formação dos conceitos de

multiplicação e divisão; “Avance o Resto” - divisão, raciocìnio lógico e estratégias; “Jogo

da Velha” - para memorização da tabuada; “Palavras Cruzadas” - jogo de estratégia que

integra a escrita e o cálculo, exercita operações matemáticas, aumenta o vocabulário e

permite ao professor trabalhar com as dificuldades ortográficas; “Tiguous” – desenvolve o

cálculo mental e o raciocínio lógico ao levar o aluno a associar várias operações para se

chegar ao número desejado; “O Caminho para o Tesouro do Pirata” – trilha com

obstáculos, onde os alunos se deparam com situações problemas e buscam resolver no

concreto utilizando figuras geométricas; “Jogo do Banqueiro”, “Trilha do Sobe e Desce”

- jogos direcionados para trabalhar o conceito de número negativo e as operações de adição

e subtração no conjunto dos números inteiros; “Matix” - jogo de estratégia que estimula o

raciocínio para resolver problemas e o cálculo mental de adição e de subtração com os

números inteiros.

Os professores puderam identificar as várias possibilidades de utilizar os jogos,

adaptando-os aos conteúdos, ao nível de desenvolvimento dos alunos e às suas

necessidades de aprendizagem, utilizando material de baixo custo e até sucata, pois o valor

do jogo não está representado no material em si, mas no significado que se dá a ele, ou

seja, o que se faz e como se faz com ele.

Este espaço para o professor analisar, explorar e produzir os materiais de jogos na

prática foi muito rico em contribuições. Tal o interesse e o envolvimento dos professores

que acabamos por acrescentar mais encontros para a oficina. Munidos desse conhecimento,

os professores levaram esses jogos para as suas salas de aula.

Também realizamos encontros individuais com os professores participantes, onde

buscamos auxiliá-los na utilização dos jogos. Esta etapa também serviu para verificarmos

o comportamento dos alunos em relação aos jogos e identificarmos particularidades do

jogar e brincar na sala de aula, que contribuíram para aprimorarmos tanto os jogos em si,

como a mediação pedagógica neste processo.

Ao término dos encontros, a avaliação se deu por meio da aplicação de um

questionário, onde buscamos saber dos professores se houve mudanças quanto a sua

postura inicial de conceber as atividades com jogos e brincadeiras na sala de aula e quais

Page 20: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

20

resultados efetivos na aprendizagem perceberam após sua utilização. Pontuamos aqui

algumas respostas:

“... achava que era tempo perdido, mas não, a aula flui, os alunos aprendem de

forma lúdica e com interesse constante. Foi uma excelente forma de despertar o interesse

pelo conteúdo programático e obrigatório” (Joana, 42 A.).

“Os alunos compreendem melhor o significado das operações” (Beth, 29 A.)

“... depois da participação do curso, me entusiasmei muito mais com essa prática.

Aprendi a confeccionar novos jogos” (Vilma, 38 A.).

“Houve melhor entendimento em fazer a mediação, sabendo o porquê e a

fundamentação” (Alice, 34 A).

“O que pudermos fazer por nossos alunos, o faremos, e os jogos foram excelentes

alternativas, pois os resultados estão fluindo, estão acontecendo,... o desempenho está

melhorando... ele motiva os alunos e enriquece a estimulação, para trabalhar o conteúdo

do ensino regular de forma adaptada” (Andréia, 41 A.).

“O jogo propicia a interação entre os alunos, e isso desenvolve o raciocínio, pois,

às vezes, é na interação com outra criança que o aluno consegue chegar ao

conhecimento” (Cida, 53 A.).

“... oferecer mais cursos que ensinem e incentivem os professores a utilizarem

jogos na sala de aula” (Suely, 39 A.).

Lendo os registros acima, observamos que há intenção de mudança quanto à

concepção e atitudes a partir do conhecimento teórico/prático adquirido. Esperamos que

essa prática torne-se efetiva, embora saibamos que outros fatores também interferem no

fazer pedagógico do professor, mas podem ser superados quando temos uma teoria que

sustente a nossa prática. Assim, procuramos nossos próprios caminhos, temos coragem de

ousar e não ficarmos alienados no saber.

Um olhar para o GTR: considerações a acerca dessa complementação pedagógica

do PDE

O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) é uma das atividades previstas no Programa

de Desenvolvimento Educacional – PDE/PR., e, destaca-se ao possibilitar a interação com

outros professores da rede por meio de encontros virtuais, visando estabelecer relações

teórico-práticas nas diversas áreas do conhecimento.

Page 21: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

21

Desse modo, apresentamos e discutimos o nosso projeto com um grupo de 40

professores da rede estadual de vários municípios do Paraná. A temática foi sendo

enriquecida na medida em que a fundamentação teórica propiciou reflexão sobre o nosso

fazer pedagógico, como também interagir e socializar com os demais colegas os

conhecimentos veiculados neste projeto e os conhecimentos adquiridos ao longo da nossa

carreira profissional. Segundo a avaliação dos professores que participaram do nosso

GTR, há concordância de que esta forma de estudo é amplamente aceita e vai de encontro

às suas necessidades, em relação à facilidade do acesso a capacitação, como também

proporcionou uma intensa troca de experiências, como relata uma cursista: “... muitos dos

jogos e brincadeiras apresentados neste GTR foram úteis em minha prática pedagógica e

tenho certeza que para muitos outros professores também” (Siomara, 45 A.).

Da socialização do conhecimento, que é o objetivo principal dessa atividade on

line, compartilhamos e discutimos experiências pedagógicas por meio do lúdico,

integrando as várias áreas e disciplinas do ensino regular e especial, que apontaram

também a importância de utilizá-las na escola buscando um trabalho interdisciplinar em

prol da aprendizagem, onde todos se beneficiam: alunos e professores. É o que podemos

constatar no relato de um dos participantes: “Como professora de Educação Física, vejo

como uma saída para trabalhar em conjunto com o professor de sala de aula, levando o

lúdico como motivação para com os conteúdos matemáticos” (Maria, 49 A.).

Partimos do pressuposto de que cabe aos educadores, a diversificação das

estratégias para melhorar o ensino em nossas escolas, como podemos observar no relato da

professora que aplicou os conhecimentos propiciados por esse GTR e encontrou nos jogos

um caminho para a aprendizagem de seus alunos: “Posso dizer que durante o processo de

implementação, tive alguns desafios no decorrer do período de envolvimento com a

proposta, mas posso destacar que obtive muitos avanços, principalmente com a minha

turma de alfabetização, seria mais ou menos como descobrir a magia dos jogos..., tive

a sensação de ter encontrado um caminho mais curto de se chegar ao processo ensino

aprendizagem de meus pequeninos” (Sonia, 52 A.).

Eis o caminho...

Considerações finais

Com o desenvolvimento desta pesquisa, observamos que a Educação especial é

uma área que ainda necessita de muitos estudos. Pensar a inclusão não pode significar a

Page 22: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

22

homogeneização das diferenças, mas compreender as diversidades e as necessidades de

cada ser humano.

Quando pensamos a inclusão, numa sociedade capitalista excludente, revelamos as

contradições sociais e educacionais. Todavia, torna-se um desafio aos educadores, o

propósito de buscar uma redefinição do papel da escola, e do trabalho pedagógico, diante

da diversidade e complexidade, daqueles alunos, que necessitam de um atendimento

educacional especializado.

No tocante à avaliação daquele que tem alguma necessidade educacional, tivemos

a clareza que o diagnóstico e o prognóstico de uma deficiência podem ser explicados por

profissionais especializados, tais como: médicos, psicólogos, entre outros. Porém, é papel

da educação, a função mediadora de ajudar a transformá-los, por meio de escolas, com boa

infraestrutura e um corpo docente bem qualificado. As pesquisas mostraram que o

funcionamento mental de uma pessoa com deficiência, não é menor, e sim outro. Por isso,

o aluno prescinde de uma adequação curricular e cuidados especiais, mas ele é capaz de

aprender.

Desse modo, o professor que desenvolve seu trabalho dentro do princípio da

inclusão, é um pesquisador constante de alternativas e estratégias pedagógicas, visando

oferecer uma aprendizagem de qualidade a todos, incentivando o convívio e o respeito à

diversidade. Dentre as diversas maneiras de ensinar, as atividades lúdicas (jogos e

brincadeiras) não podem ser relegadas ou vistas num segundo plano, apenas como

distração, passatempo, de maneira improvisada e ocasional.

Com a implementação deste projeto pedagógico na escola, o relato dos professores,

que utilizaram os jogos junto aos alunos com dificuldades de aprendizagem, nos mostrou

que as atividades lúdicas de forma intencionalmente planejada e mediada tornaram a

aprendizagem mais significativa. Despertaram o interesse dos alunos, motivando-os para o

jogo em si. Este é o diferencial do jogo usado como uma ação de ensino. Desse modo, os

jogos contribuíram na formação dos conceitos matemáticos e na compreensão do

significado das operações.

Salientamos ainda que, a atividade lúdica na prática pedagógica do ensino infantil e

fundamental, significa desenvolver diferentes formas de jogos e brincadeiras capazes de contribuir

para a apropriação dos conteúdos programáticos, o que não significa apenas propor aos alunos

mais atividades lúdicas à espera que as coisas aconteçam como num passe de mágica. É

necessário saber sua história, valores e a relação com o desenvolvimento motor, cognitivo

e afetivo e social.

Page 23: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

23

Na intervenção pedagógica conseguimos perceber a importância da flexibilidade

na arte de ensinar. A aprendizagem acontece quando se faz o diagnóstico do conhecimento

que os alunos possuem, e que se leva em consideração que eles realizam percursos de

aprendizagens diferenciados, dependendo, na maior parte, de uma real mediação por parte

do professor.

Neste estudo, buscamos resgatar a importância do trabalho pedagógico mediado

pelo professor, oferecendo aos alunos inúmeras possibilidades de situações e experiências

para um amplo desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Com isso os

professores pesquisados vivenciaram a importância da ludicidade. Tal situação nos fez

recuperar o pensamento de Vygotsky (2003), ao afirmar que a ludicidade, está presente em forma

de jogos e brincadeiras em todas as culturas e são praticados por adultos e crianças, ao longo do

tempo, sendo, portanto, uma característica natural do ser humano que acompanha o seu

desenvolvimento e permanece nas suas mais variadas formas de atividades.

Na educação, a ludicidade é apontada como um aspecto importante do processo ensino-

aprendizagem, mas considerada muitas vezes como algo irrelevante por parte de alguns educadores.

Todavia, não se pode esquecer que é por meio dos jogos e das brincadeiras, que as crianças se

desenvolvem, formam conceitos, abrem as portas da imaginação, experimentam e

desenvolvem capacidades motoras, artísticas, criativas, cognitivas e sociais. Este brincar

propicia ao aluno compreender a realidade em que se insere ao vivenciar diferentes

mecanismos de interação com o contexto cultural. O jogo aparece como um recurso

pedagógico no processo de aprendizagem para a apropriação dos conteúdos escolares pelo

aluno, ou seja, torna-se uma atitude que nos parece garantir uma qualidade de troca e de

vida humana, auxiliando o aluno na compreensão da leitura do mundo e na apropriação da cultura.

Não se pode deixar de enfatizar, os estudos de Morin (2003, p.58) ao afirmar que: “o

homem do trabalho é também o homem do jogo (ludens)”, pois o jogo é uma atividade

lúdica que representa um elemento cultural integrador, resistindo ao tempo e a evolução da

história. Portanto, a educação de pessoas com necessidades de atendimento especial, precisa

de unir mais esforços educacionais e sociais, para garantir a efetivação da ludicidade no

processo de ensino e aprendizagem e da real possibilidade de uma educação inclusiva.

Page 24: A importância da Ludicidade na Prática Pedagógica

24

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