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66 ARTIGO ORIGINAL http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v26i1p66-73 A prática do terapeuta ocupacional em iniciativas de geração de trabalho e renda: contribuição dos fundamentos da profissão e das dimensões da categoria trabalho* The practice of the occupational therapist in work and income generation initiatives: contributions from the profession’s fundamentals and the work category dimensions Giovana Garcia Morato 1 , Isabela Aparecida de Oliveira Lussi 2 * Este estudo é parte da dissertação de mestrado defendida pela primeira autora junto ao Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar, a qual contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). 1. Mestre em Terapia Ocupacional pelo Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar. Docente do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos. 2. Doutora em Ciências, Docente do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos e do Programa de Pós- Graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar. Membro da equipe do Núcleo Multidisciplinar e Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária – NuMI-EcoSol/UFSCar. Endereço para correspondência: Universidade Federal de São Carlos - Departamento de Terapia Ocupacional. Rodovia Washington Luiz, Km 235, SP–310. CEP: 13565-905. São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]. Morato GG, Lussi IAO. A prática do terapeuta ocupacional em iniciativas de geração de trabalho e renda: contribuição dos fundamentos da profissão e das dimensões da categoria trabalho. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2015 jan./abr.;26(1):66-73. RESUMO: Os terapeutas ocupacionais vêm buscando aprimorar- se e legitimar-se como profissional diante das mudanças ocorridas no campo da saúde mental e assim vêm aperfeiçoando suas intervenções no nível de prevenção e promoção de saúde, tratamento, reabilitação e inclusão social. Este estudo é um recorte da pesquisa de mestrado cujo objetivo geral foi investigar a prática dos terapeutas ocupacionais que trabalham em iniciativas de geração de trabalho e renda no âmbito da saúde mental no estado de São Paulo. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do qual participaram 16 terapeutas ocupacionais que atuam em iniciativas de geração de trabalho e renda destinados a usuários da saúde mental no Estado de São Paulo. Para a coleta de dados utilizou-se 2 instrumentos, um questionário semiestruturado e um roteiro de entrevista semiestruturado. Os dados provenientes dos questionários foram analisados de maneira descritiva e as entrevistas foram submetidas à técnica de Análise Temática. Foi possível verificar a concepção amadurecida, por parte das profissionais, acerca da compreensão da atividade e do trabalho nestes contextos que rompem com a concepção terapêutica, demonstrando uma prática condizente com os pressupostos da reabilitação psicossocial e com o que vem sendo preconizado pela política de inclusão social pelo trabalho. DESCRITORES: Terapia ocupacional; Trabalho/economia; Saúde mental; Reabilitação vocacional/economia; Renda; Reabilitação. Morato GG, Lussi IAO. The practice of the occupational therapist in work and income generation initiatives: contributions from the profession’s fundamentals and the work category dimensions. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2015 jan./abr.;26(1):66-73. ABSTRACT: Occupational therapists have been seeking to enhance and legitimize himself as a professional in face of the reoccurring changes in the field of mental health, thus they have been perfecting theirinterventions in the scope of prevention and promotion of health, treatment, rehabilitation and social inclusion. This study is part of a Master’s research in which the general objective was to investigate the practice of the occupational therapists working in initiatives of work and income generation in the scope of mental health in São Paulo State, Brazil. This is a qualitative study which was attended by 16 occupational therapists working on initiatives to generate work and income intended for users of mental health in the state of São Paulo, Brazil. For the collection of data we have used two instruments, a semi-structured questionnaire and a semi-structured interview script. The data from the questionnaires were analyzed descriptively and the interviews were subjected to thematic analysis technique. It was possible to verify themature conception from the professionals regarding the understanding of the activity and work in these contexts those break up with the therapeutic conception, demonstrating a practice consistent with the principles of psychosocial rehabilitation and with what is being advocated by the social inclusion policy at work. KEYWORDS: Occupational therapy; Work/economy; Mental health; Rehabilitation, vocational; Income; Rehabilitation.

A Prática Do Terapeuta Ocupacional Em Iniciativas de Geração De

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A PRÁTICA EM TO

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    http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v26i1p66-73

    A prtica do terapeuta ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda: contribuio dos fundamentos da profi sso e das dimenses da categoria trabalho*

    The practice of the occupational therapist in work and income generation initiatives: contributions from the professions fundamentals and the work category dimensions

    Giovana Garcia Morato1, Isabela Aparecida de Oliveira Lussi2

    * Este estudo parte da dissertao de mestrado defendida pela primeira autora junto ao Programa de Ps-Graduao em Terapia Ocupacional da UFSCar, a qual contou com o apoio fi nanceiro da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES).1. Mestre em Terapia Ocupacional pelo Programa de Ps-Graduao em Terapia Ocupacional da UFSCar. Docente do Departamento de

    Terapia Ocupacional da Universidade Federal de So Carlos.2. Doutora em Cincias, Docente do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de So Carlos e do Programa de Ps-

    Graduao em Terapia Ocupacional da UFSCar. Membro da equipe do Ncleo Multidisciplinar e Integrado de Estudos, Formao e Interveno em Economia Solidria NuMI-EcoSol/UFSCar.

    Endereo para correspondncia: Universidade Federal de So Carlos - Departamento de Terapia Ocupacional. Rodovia Washington Luiz, Km 235, SP310. CEP: 13565-905. So Carlos, So Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].

    Morato GG, Lussi IAO. A prtica do terapeuta ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda: contribuio dos fundamentos da profi sso e das dimenses da categoria trabalho. Rev Ter Ocup Univ So Paulo. 2015 jan./abr.;26(1):66-73.

    RESUMO: Os terapeutas ocupacionais vm buscando aprimorar-se e legitimar-se como profissional diante das mudanas ocorridas no campo da sade mental e assim vm aperfeioando suas intervenes no nvel de preveno e promoo de sade, tratamento, reabilitao e incluso social. Este estudo um recorte da pesquisa de mestrado cujo objetivo geral foi investigar a prtica dos terapeutas ocupacionais que trabalham em iniciativas de gerao de trabalho e renda no mbito da sade mental no estado de So Paulo. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do qual participaram 16 terapeutas ocupacionais que atuam em iniciativas de gerao de trabalho e renda destinados a usurios da sade mental no Estado de So Paulo. Para a coleta de dados utilizou-se 2 instrumentos, um questionrio semiestruturado e um roteiro de entrevista semiestruturado. Os dados provenientes dos questionrios foram analisados de maneira descritiva e as entrevistas foram submetidas tcnica de Anlise Temtica. Foi possvel verifi car a concepo amadurecida, por parte das profi ssionais, acerca da compreenso da atividade e do trabalho nestes contextos que rompem com a concepo teraputica, demonstrando uma prtica condizente com os pressupostos da reabilitao psicossocial e com o que vem sendo preconizado pela poltica de incluso social pelo trabalho.

    DESCRITORES: Terapia ocupacional; Trabalho/economia; Sade mental; Reabilitao vocacional/economia; Renda; Reabilitao.

    Morato GG, Lussi IAO. The practice of the occupational therapist in work and income generation initiatives: contributions from the professions fundamentals and the work category dimensions. Rev Ter Ocup Univ So Paulo. 2015 jan./abr.;26(1):66-73.

    ABSTRACT: Occupational therapists have been seeking to enhance and legitimize himself as a professional in face of the reoccurring changes in the fi eld of mental health, thus they have been perfecting theirinterventions in the scope of prevention and promotion of health, treatment, rehabilitation and social inclusion. This study is part of a Masters research in which the general objective was to investigate the practice of the occupational therapists working in initiatives of work and income generation in the scope of mental health in So Paulo State, Brazil. This is a qualitative study which was attended by 16 occupational therapists working on initiatives to generate work and income intended for users of mental health in the state of So Paulo, Brazil. For the collection of data we have used two instruments, a semi-structured questionnaire and a semi-structured interview script. The data from the questionnaires were analyzed descriptively and the interviews were subjected to thematic analysis technique. It was possible to verify themature conception from the professionals regarding the understanding of the activity and work in these contexts those break up with the therapeutic conception, demonstrating a practice consistent with the principles of psychosocial rehabilitation and with what is being advocated by the social inclusion policy at work.

    KEYWORDS: Occupational therapy; Work/economy; Mental health; Rehabilitation, vocational; Income; Rehabilitation.

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    INTRODUO

    A discusso acerca da importncia do trabalho para os usurios da sade mental passa a ter destaque, no Brasil, no mbito do processo de Reforma Psiquitrica, movimento que segundo Amarante1 teve incio no final da dcada de 1970, no contexto de redemocratizao do pas. Compreendida como um processo poltico e social complexo, a Reforma Psiquitrica configurou-se num conjunto de transformaes de prticas, saberes, valores culturais e sociais (p.6)2.

    Delgado3 considera que a Reforma Psiquitrica no se reduz ao desafio de superao dos manicmios e criao de servios outros, mas deve ser capaz de fazer emergir o que h de positivo nas pessoas que vivenciam o sofrimento mental e que, por vezes, so vistas apenas pelos seus aspectos negativos. sob esta perspectiva que o autor considera a proposio da incluso social pelo trabalho, por meio das oficinas de gerao de renda e das cooperativas, dispositivo altamente eficaz.

    Segundo Amarante4, foi no mbito das mobilizaes por transformaes na assistncia em sade mental que foram criadas vrias associaes e cooperativas. A partir da dcada de 19905, surgiramas primeiras iniciativas de gerao de trabalho e renda para usurios da sade mental no Brasil.

    Um avano importante para a consolidao destas propostas foi ainstituio, em 2005, do Grupo de Trabalho Interministerial com vistas a construir e implementar a poltica de incluso social pelo trabalho. Assim, deu-se incio ao denominado Projeto de Incluso Social pelo Trabalho em Sade Mental, uma parceria entre os Ministrios da Sade e do Trabalho e Emprego6.

    Destaca-se que a perspectiva de trabalho proposta para usurios da sade mental discutida neste estudo est fundamentada nos pressupostos da reabilitao psicossocial que tem como principal autor Saraceno12.

    O trabalho compreendido como direito e promotor de trocas sociais proposto aos usurios no mbito da sade mental deve evidenciar os princpios da incluso social previstos pela Reforma Psiquitrica. Nessa direo, as experincias de gerao de trabalho e renda tm exercido papel importante no processo de reabilitao psicossocial, uma vez que tm possibilitado s pessoas com um nvel menor de habilidades e com variados graus de autonomia exercerem atividades de trabalho e receberem por isso7.

    Tais transformaes redirecionaram a atuaodas equipes de sade mental, nas quais se inclui o terapeuta ocupacional. No incio dos anos 1980, no mbito nacional, vrios terapeutas ocupacionais participaram de projetos transdisciplinares com o intuito de transformao

    das instituies. Em linhas gerais, preconizaram o aprofundamento da discusso acerca da instituio manicomial como agente de excluso, das prticas de dominao caractersticas destas instituies, da negao do tcnico como legitimador desta prtica e da necessidade de mudana nas relaes institucionais, possibilitando a restituio da cidadania das pessoas8. Neste contexto, o terapeuta ocupacional passou a desenvolver prticasnas novas redes de servios9, de forma a aderir e participar das transformaes propostas para o campo da sade mental. Ou Seja, a prtica passa a preconizar a interveno articulada aos dispositivos territoriais e sociais dos sujeitos, transpondo o interior dos servios.

    Nesse percurso, os terapeutas ocupacionais vm buscando aprimorar-se e legitimar-se como profissional diante das mudanas ocorridas no campo da sade mental e, assim, vm aperfeioando suas intervenes no nvel de preveno e promoo de sade, tratamento, reabilitao e incluso social10. Nesse sentido, nos atuais servios e aesde ateno e interveno em sade mental, este profissional necessita, por meio de sua especificidade, contribuir para que a proposio do cuidado seja ampliada, bem como a possibilidade do resgate, pelos sujeitos, de seus direitos e cidadania11.

    O trabalho compreendido pelo terapeuta ocupacional como socialmente construdo ecomo elemento central na vida dos indivduos, que podeviabilizar a ampliao de relaes pessoais e sociais, a insero no universo de produo e consumo, a independncia e autonomia em relao famlia e sociedade, bem como o exerccio de cidadania9. Destaca-se, que no mbito da sade mental, o trabalho proposto aos usurios alcana a possibilidade de promover a articulao entre os interesses, necessidades e desejos se compreendido como insero laborativa12 e, portanto, se pautado nos pressupostos da reabilitao psicossocial.

    Assim, aponta-se a importncia do terapeuta ocupacional em aes de promoo dainsero no trabalho, destacando sua atuao em iniciativas de gerao de trabalho e renda no mbito da sade mental as quais vem sendo difundidas eestimuladas por polticas pblicas como alternativa de incluso socialpara os usurios de servios de sade mental.

    Diante do exposto, esta pesquisa de mestrado teve como objetivo geral investigar a prtica dos terapeutas ocupacionais que trabalham em iniciativas de gerao de trabalho e renda no mbito da sade mental no estado de So Paulo. Foram objetivos especficos do estudo: caracterizar as iniciativas de gerao de trabalho e renda; identificar aspectos da formao profissional que contriburam na

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    atuao do terapeuta ocupacional nestas iniciativas e identificar se estas inciativas esto vinculadas ao movimento da economia solidria.

    Foram identificadas no estudo 6 categorias temticas a saber:

    Identificando as atividades desenvolvidas pelo terapeuta ocupacional e a necessidade de construo de um novo fazer;

    Terapia Ocupacional e o trabalho em equipe na gerao de trabalho e renda;

    A prtica do terapeuta ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda e a contribuio dos fundamentos da profisso;

    As dimenses do trabalho como norteador da prtica no contexto de gerao de trabalho e renda;

    A economia solidria como referncia para a organizao do trabalho e da prtica do terapeuta ocupacional nos espaos de gerao de trabalho e renda;

    Dificuldades e desafios encontrados no mbito da proposta de gerao de trabalho e renda.

    Este artigo um recorte da pesquisa e, desta forma, apresentar apenas 2 das 6 categorias identificadas no estudo. So elas: A prtica do terapeuta ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda e a contribuio dos fundamentos da profisso e As dimenses do trabalho como norteador da prtica no contexto de gerao de trabalho e renda.

    O projeto de pesquisa foi submetido ao Comit de tica em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de So Carlos, tendo sido aprovado sob o Nmero de Parecer 137.628./ CAAE: 05460812.9.0000.5504. Somente aps a aprovao deu-se incio coleta de dados.

    METODOLOGIA

    Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa que utilizou dois instrumentos para a coleta de dados, um questionrio semiestruturado e um roteiro de entrevista semiestruturado, ambos construdos a partir da reviso da literatura da rea e baseado nos objetivos estabelecidos na pesquisa.

    O questionrio semiestruturado visou caracterizar os participantes e as iniciativas de gerao de trabalho e renda.

    O roteiro de entrevista buscou investigar e aprofundar o conhecimento acerca da prtica do terapeuta ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda. Foi composto por 14 questes que abordaram aspectos tais como:

    atividades desenvolvidas pelo terapeuta ocupacional; conhecimentos necessrios para atuao neste contexto; facilidades e dificuldades encontradas na prtica; concepo acerca da relao entre terapia ocupacional e gerao de trabalho e renda; concepo acerca da relao entre gerao de trabalho e renda e economia solidria, entre outros.

    Participantes

    Participaram da pesquisa 16 terapeutas ocupacionais que atuam em iniciativas de gerao de trabalho e renda destinadas a usurios da sade mental no estado de So Paulo presentes no Cadastro de Iniciativas de Incluso Social pelo Trabalho (CIST). O total de participantes era do sexo feminino, com idade variando entre 27 e 50 anos.

    O tempo de formao profissional das participantes variou entre 4 e 27 anos. Todas se formaram no estado de So Paulo, sendo que 6 estudaram em Universidade Pblica e 10 em Universidade Privada. O tempo de atuao nas iniciativas de gerao de trabalho e renda variou entre 9 meses e 15 anos.

    Campo de estudo

    O campo de estudo foi composto por 10 iniciativas de gerao de trabalho e renda distribudas em cinco cidades do estado de So Paulo cadastradas no CIST. Adotou-se como critrios de incluso as iniciativas que estivessem cadastradas no CIST, em funcionamento e com o terapeuta ocupacional atuando.

    Procedimentos

    Coleta de dadosA identificao das iniciativas foi feita por meio

    de consulta ao banco de dados de iniciativas de gerao de renda disponvel na pgina eletrnica do Ministrio da Sade. No documento constavam 99 iniciativas de gerao de trabalho e renda distribudas em 24 cidades do Estado de So Paulo.

    O contato com as iniciativas foi realizado por meio de ligaes telefnicas e por meio do envio de mensagem de correio eletrnico. Ao final dos contatos identificou-se que, das 99 iniciativas, apenas 14 atendiam aos critrios de incluso, ou seja, estavam ativas e tinham o terapeuta ocupacional atuando. A estes locais foi solicitada autorizao por escrito para a realizao da pesquisa e, aps a autorizao ser concedida, foi feito o convite s participantes por meio de contato telefnico e mensagem de e-mail explicando os objetivos da pesquisa, mencionando a

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    liberdade de participao ou no, bem como o cumprimento dos aspectos ticos.

    s 23 profissionais que aceitaram participar do estudo foi solicitado que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para as que assinaram, foi enviado o questionrio semiestruturado por correio eletrnico em formato Word, solicitado que respondessem no prprio documento e encaminhassem de volta tambm por correio eletrnico.

    Finalizado o prazo para o preenchimento do questionrio, foram respondidos 18 dos 23 questionrios enviados. Entretanto, aps minuciosa anlise, dois deles foram excludos por identificarem as iniciativas como oficinas teraputicas e no como propostas de gerao de trabalho e renda.

    Portanto, o nmero final de profissionais participantes foi 16 e o nmero de iniciativas de gerao de trabalho e renda nas quais as profissionais estavam atuando foi 10 distribudas em 5 cidades do Estado de So Paulo.

    A segunda etapa da coleta de dados consistiu na realizao da entrevista. Foram selecionadas e convidadas a participar da entrevista 12 das 16 terapeutas ocupacionais que responderam o questionrio. Adotou-se como critrio de incluso e participao nesta etapa as profissionais que tivessem respondido ao maior nmero de questes do questionrio e em maior profundidade, bem como tivessem mais tempo de acompanhamento das iniciativas, as quais estivessem mais consolidadas e com mais tempo de existncia.

    As 12 profissionais selecionadas aceitaram participar da entrevista. Destaca-se que 11 entrevistas ocorreram no local de trabalho das participantes e uma ocorreu por meio do Software Skype.

    Anlise dos dados

    Os dados provenientes dos questionrios foram analisados de maneira descritiva, a partir da ordenao e numerao do recebimento destes pela pesquisadora, sendo organizados sequencialmente a partir das perguntas respondidas.

    As entrevistas foram transcritas na ntegra, organizadas a partir da ordem de realizao e seu contedo foi submetido Tcnica de Anlise Temtica13, resultando em 6 categorias temticas.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Sero apresentados nesta seo os principais resultados referentes s categorias A prtica do terapeuta

    ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda e a contribuio dos fundamentos da profisso e As dimenses do trabalho como norteador da prtica no contexto de gerao de trabalho e renda, ou seja, duas das seis identificadas.

    Optou-se por apresentar apenas os resultados referentes s duas categorias considerando que, desta forma, seria possvel explorar em profundidade aspectos fundamentais para o conhecimento da prtica desenvolvida por terapeutas ocupacionais em iniciativas de gerao de trabalho e renda, uma vez que se tratade um campo emergente de atuao e ainda pouco explorado no mbito da terapia ocupacional.

    A prtica do terapeuta ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda e a contribuio dos fundamentos da profisso

    As entrevistas mostram que as profissionais reconhecem nas propostas de gerao de trabalho e renda uma prtica caracterstica do terapeuta ocupacional e isso se justifica por aspectos que dizem respeito ao perfil de formao em terapia ocupacional, bem como aos fundamentos que norteiam a prtica e contribuem para a sua atuao. O relato a seguir comprova essa considerao:

    Eu acho que a terapia ocupacional e a gerao de renda tm a ver porque o terapeuta ocupacional [...] j tem essa experincia na formao [...], j tem esse aprendizado do trabalho, da atividade, da ocupao [...]. (T2)

    Dentre os atributos que justificam a afinidade do terapeuta ocupacional com a prtica nas iniciativas de gerao de trabalho e renda, as profissionais apontaram a atividade como um recurso da terapia ocupacional que est presente neste contexto e com a qual este profissional sabe lidar. Foram enfatizadas tambm questes a respeito da atividade, tais como: o fazer, a ao humana, o trabalho como uma atividade humana, a habilidade do terapeuta ocupacional em lidar com os diferentes tipos de atividade e com o fazer das pessoas.

    No que se refere atividade, destaca-se que esta se caracteriza como um recurso e domnio da terapia ocupacional desde o surgimento da profisso. Na atualidade, a perspectiva conceitual e prtica de sua utilizao remonta ao processo de transformao de sua concepo pelos terapeutas ocupacionais ao longo do desenvolvimento da profisso.

    Nessa direo, Castro et al.14, traando o histrico acerca da utilizao da atividade pelos terapeutas ocupacionais no Brasil, destacam os principais eventos

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    histricos que ocorreram e que influenciaram a maneira como a atividade foi sendo pensada e proposta na prtica profissional. Dentre eles destaca-se o momento, entre os anos 1970 e 1980, de forte questionamento quanto ao papel dos tcnicos nas instituies asilares e na atuao com as populaes, que redimensionou o papel do terapeuta ocupacional. Os profissionais passaram a questionar a condio da assistncia oferecida aos seus pacientes e seu papel ambguo que oscilava entre a funo teraputica e a funo de controle social14.

    problematizao da funo exercida pelos profissionais, outros dois eventos, no mbito das propostas de cuidado em sade, contriburam para o fortalecimento da atuao interdisciplinar e para que as atividades e a prtica do terapeuta ocupacional ganhas em novos sentidos. So eles: a organizao das pessoas com deficincia na luta por direitos s mesmas oportunidades dos demais cidados e pela melhoria de suas condies de vida; e a proposta de desinstitucionalizao psiquitrica orientada pela defesa dos direitos de cidadania e pela transformao concreta na vida das pessoas14.

    Nesse contexto se desenvolve a nova concepo de reabilitao, que preconiza a construo dos direitos dos sujeitos e das transformaes nos vrios mbitos da vida das pessoas consideradas excludas. Este novo contexto da sade e das propostas da reabilitao psicossocial viabiliza que as atividades se caracterizem como importantes instrumentos no processo de transformao de uma lgica de excluso e prticas alienadas14.

    As entrevistas possibilitaram a apreenso de que um dos pilares que respaldam as prticas do terapeuta ocupacional nas iniciativas de gerao de trabalho e renda so os conhecimentos prprios da profisso, como o conhecimento sobre as atividades, a ao humana, o cotidiano. Tais aspectos so reconhecidos pelas participantes como o diferencial do terapeuta ocupacional no trabalho, sendo apontado, por vezes, como facilitadores da atuao.

    O relato seguinte ilustra aspectos que as participantes reconhecem como prprios da profisso presentes no contexto de suas prticas cotidianas:

    Porque a gente aprende que a atividade prpria do ser humano, ele desenvolve atividade para a sobrevivncia, para ser feliz, para realizar, os cuidados pessoais, enfim, a atividade muito ampla na vida do ser humano [...]esse trabalho de gerao de renda, incluso social est na formao do terapeuta ocupacional, ele aprende a fazer isso, a promover o ser humano atravs das atividades, valorizar a pessoa atravs de fazeres.... (T2)

    Foi possvel identificar na fala dasparticipantes a maneira como lidam com demandas dos usurios que dizem

    respeito a habilidade do terapeuta ocupacional de lidarcom a atividade e comas adaptaes necessrias. Essa condio seexpressa nos relatos a seguir:

    Eu acho que a gente tem essa prtica [...] de fazer junto, sentar, bolar junto alguma coisa, pensar junto em como fazer melhor, eu acho que isso uma ferramenta que o terapeuta ocupacional j tem [...]. (T5)

    Acho que isso, [...] que eu acabei falando [...] de poder pensar em como essa atividade est sendo realizada, em como ela pode ser realizada por diferentes pessoas [...] que podem ter mais ansiedade, pessoas que podem ter mais sofrimento mental [...] eu sempre lidei muito com o fazer [...], nunca abandonei essa ideia [...]. (T12)

    Os relatos evidenciam a forma particular do terapeuta ocupacional em lidar com a atividade, em lidar com o sujeito em atividade, em avaliar como ela pode ser feita por diferentes pessoas, as adaptaes que podem ser necessrias para que ela seja executada, bem como o fazer junto como uma habilidade deste profissional. Essa caracterstica tambm ficou evidente no estudo desenvolvido por Lopes e Leo15, que ao buscar conhecer a prtica desenvolvida pelos terapeutas ocupacionais nos CeCCos de So Paulo entre 1989 2000, puderam constatar que uma das caractersticas que diferencia o terapeuta ocupacional dos demais tcnicos o uso da atividade, a forma como analisa e adapta as atividades quando esto sendo executadas, considerando as demandas e necessidades dos sujeitos, atentando sempre para a forma com que esse sujeito se relaciona com as outras pessoas, com seu trabalho e com sua atividade.

    A despeito da proximidade e afinidade da terapia ocupacional com os projetos de gerao de trabalho e renda, as participantes apontaram que este no um saber exclusivo da terapia ocupacional e que pode e deve contar com a atuao ou coordenao de outros profissionais. Entretanto reconhecem e reforam que o terapeuta ocupacional tem mais afinidade e facilidade em funo de sua formao, conhecimentos e habilidades. Isso fica evidente no relato a seguir:

    Mas o trabalho, a gerao de renda no especfico [da terapia ocupacional], outros profissionais da sade mental acho que tm esse olhar, esse cuidado [...]. Mas eu acho que o terapeuta ocupacional tem mais habilidade, tem mais facilidade, por questo da formao mesmo. (T2)

    Duas participantes justificaram porque este no um contexto de atuao exclusivo da terapia ocupacional, como vem expresso nos relatos a seguir:

    [...] acho que no exclusivo da TO [...] eu estou falando da ao humana e o fazer ele intrnseco ao homem [...], do

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    cotidiano das pessoas, e a gente faz o tempo todo, a gente produz o tempo todo, ento isso no d para ser exclusivo da TO. Fazer est no mundo, est nas coisas, est nas pessoas, mas claro que [...] o terapeuta ocupacional o profissional que tem um olhar mais cuidadoso para isso. (T11)

    [...] quando [...] no conhecia os equipamentos [...] de gerao de trabalho e renda eu entendia que esse era um trabalho muito mais de um terapeuta ocupacional porque a gente estava lidando com a atividade, lidando com o fazer, ento euentendia que isso estava muito mais prximo ao TO [...] a vivendo um cotidiano de oficinas voc entende que isso vai muito mais alm, que o fazer humano no est como a gente aprendecategoricamente na Universidade, que ele vai para alm da terapia ocupacional e das fronteiras da TO [...] no stricto sensu da terapia ocupacional. (T9)

    Os relatos evidenciam que alguns elementos e princpios que podem ser considerados domnios da terapia ocupacional tomam outra dimenso e, portanto justifica do ponto de vista das participantes, a atuao de outros profissionais. Essa situao sugere que as profissionais diferenciam a atuao do terapeuta ocupacional no contexto de gerao de trabalho e renda de sua atuao no contexto da clnica, do tratamento e da reabilitao, isso porque em ambos os contextos o profissional lida com o fazer, com a atividade, com a ao humana, entre outros, mas com enfoques diferentes.

    Nesse sentido, os profissionais mostram a compreenso sobre a atividade e sobre a sua atuao, no contexto das iniciativas de gerao de trabalho e renda, que atende premissa da proposio do trabalho como um meio de participao em trocas sociais e materiais.

    Uma das participantes considerou como desafio a atuao do terapeuta ocupacional no contexto de gerao de trabalho e renda justamente porque ela reconhece que sua prtica ultrapassa a clnica e as intervenes teraputicas:

    [...] um desafio [...] estar na gerao de renda por isso, porque voc sai s do clnico [...] sai do teraputico, sai do grupo de TO [...], voc vai para coisas maiores [...], de mercado. (T5)

    Este relato suscita a reflexo acerca do lugar que as terapeutas ocupacionais tm ocupado na relao com os usurios neste contexto de trabalho. Ou seja, deve haver a reinveno desta relao que, ao transcender a teraputica, se construa no plano da horizontalidade e assim, viabilize a emancipao dos sujeitos frente proposta de trabalho. Para tanto, fundamental que a relao estabelecida com o usurio seja de parceria, de construo coletiva, mas principalmente, produtora de protagonismo e autonomia. Que os sujeitos possam assumir com maior apropriao e autonomia as atividades e responsabilidades nas iniciativas.

    Entretanto, a proposta de reinventar a relao implica em assumir outro lugar nesta, ou seja, de se colocar como apoio e facilitador dos processos de trabalho dos usurios. Questiona-se: esta perspectiva tem sido possvel e esta mudana de lugar tem sido construda?

    As dimenses do trabalho como norteador da prtica no contexto de gerao de trabalho e renda

    O tema trabalho permeou os depoimentos das participantes sendo abordado de vrias maneiras: na perspectiva de ser um conhecimento que as profissionais aprendem desde a graduao e com o qual guardam afinidade e compreenso o que viabiliza a atuao no contexto de gerao de trabalho e renda e sobrepensar o trabalho sob aperspectiva reflexiva. Expressam que desenvolvem suas prticas aliceradas nas concepes sobre a importncia do trabalho na vida das pessoas, nas contradies que o trabalho comporta e na funo que este exerce na vida das pessoas.

    Tambm pontuam suas expectativas em relao promoo de vida e transformaes que os usurios podem vivenciar por meio do trabalho desenvolvido nas iniciativas de gerao de trabalho e renda. Essa constatao sugere que as terapeutas ocupacionais esto implicadas com as diferentes dimenses do trabalho em sua atuao nos contextos de gerao de trabalho e renda e que isso vem sendo posto em prtica na lida diria com os usurios.

    Nesse sentido, apreende-se que as profissionais tm trabalhado com vistas a legitimar a questo do trabalho com tudo o que ele implica e isso denota a prtica comprometida com os pressupostos da reabilitao psicossocial.

    A respeito da perspectiva reflexiva cabe considerao de Saraceno12, de que no possvel conceber projetos de reabilitao por meio do trabalho sem antes refletir acerca dos sentidos que o trabalho comporta.

    Nessa direo, a maneira como as participantes apresentam suas concepes sobre o trabalho, contextualizado nas iniciativas, est em consonncia com essa proposio na medida em que, ao expressarem pensar a importncia das vrias dimenses do trabalho evidenciam estar comprometidas com o sentido deste para os usurios.

    Embora fique evidente nos relatos das participantes como percebem a proximidade da terapia ocupacional com o tema dotrabalho, foi possvel identificar em dois depoimentos que elas reconhecem que a profisso j fez uso do trabalho sob uma perspectiva de ocupao teraputica, mas que isso vem se transformando nos contextos de gerao de trabalho e renda. As profissionais fazem distino do uso que os terapeutas ocupacionais j fizeram do trabalho e do que fazem agora, evidenciando a mudana no perfil de

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    atuao desse profissional nesses contextos. Esta noo tambm discutida no estudo de

    Almeida e Trevisan16 para as quais, no contexto atual de transformao das concepes e dispositivos de interveno em sade mental, o terapeuta ocupacional foi capaz de identificar a valorizao da atividade humana e do trabalho para o mbito da sade mental e para a incluso social dos sujeitos e, assim, se disps a transpor a concepo de atividade como recurso teraputico ou como forma de ocupao do tempo ocioso como difundido nas prticas tradicionais.

    Nesse sentido, possvel admitir que o terapeuta ocupacional assume outra concepo sobre o trabalho, entendido como direito e dispositivo de incluso social e conquista de autonomia e cidadania. Isso confere ao profissional nova postura a respeito da compreenso sobre incluso social e como esta pode se dar por meio da insero dos indivduos em contextos de trabalhos produtivos, que permitam trocas sociais e materiais e, portanto, distanciem-se da concepo de trabalho teraputico.

    Os relatos seguintes ilustram a maneira como as profissionais concebem o trabalho:

    [...] eu acho que o trabalho o que orienta a vida de qualquer pessoa, a gente organiza a vida a partir do trabalho. Ento, quantas horas voc trabalha por dia? Qual a sua profisso? [...] so perguntas que todo mundo escuta. Quando voc vai se apresentar para algum, ou quando algum quer te conhecer, a primeira coisa que ele pergunta : o que voc faz? Ento eu acho que o trabalho ele tem essa funo de organizar a vida. (T4)

    Eu particularmente acho que o trabalho o eixo de tocar a vida fundamental, no que eu ache que todo mundo tem que trabalhar e quem no consegue fazer nada faz de conta que trabalha [...] Mas eu acho que, para uma boa parte das pessoas, o trabalho o eixo de integrao, de convvio, de valorizao pessoal [...]. (T7)

    Os relatos anteriores apontam para o trabalho como uma categoria central na vida dos sujeitos, como um dos pilares de sustentao da vida cotidiana. Nessa direo, Lussi et al.17 consideram que o valor do trabalho, como uma prtica que viabiliza a integrao e legitimidade dos sujeitos na sociedade, tem seu reconhecimento em diferentes comunidades, grupos e classes sociais. Assim, para as autoras, poder voltar a fazer parte do mundo do trabalho, ou at mesmo iniciar esta entrada, aumenta as possibilidades de insero social, de melhores condies de sade e de qualidade de vida.

    A despeito da abordagem positiva apresentada pelas participantes acerca da importncia e funo do trabalho, evidenciou-se na fala de algumas profissionais o reconhecimento quanto s contradies que o trabalho

    pode comportar ficando evidente a necessidade do terapeuta ocupacional se apropriar destes aspectos relativos ao mundo do trabalho, como vem expresso:

    [...] eu acho que a gente precisa estudar muito e discutir muito os sentidos da reabilitao, os sentidos do trabalho para as pessoas porque o trabalho comporta essa contradio tanto ele escravizante vamos dizer assim, alienante, ou opressor, como ele tambm tem um outro aspecto que o libertador, que o que possibilita uma srie de coisas tanto no campo da sociabilidade como concretamente, ganhar dinheiro e sustentar, isso tambm provoca mais ganhos ainda simblicos. Ento eu acho que a gente precisa estudar muito sobre isso, a questo do trabalho, do mundo do trabalho, o mundo do trabalho nessa formao capitalista [...]. (T7)

    Este relato aponta para a importncia de refletir acerca da conformao do trabalho capitalista. Nesse sentido, imprescindvel avaliar em profundidade como o trabalho tem se configurado na sociedade atual e, principalmente, de que maneira ele est disponvel/acessvel para absorver as parcelas excludas da sociedade, dentre elas, os usurios da sade mental. O estudo de Pitta18 contribui para esta reflexo e aponta que O homem moderno, acriticamente, persegue formas de incluso social pelo trabalho, desconsiderando o fato desse trabalho no ser nem to disponvel nem to flexvel para suportar as diferentes demandas individuais e coletivas que a sociedade moderna impe (p.24).

    Talvez a perspectiva apresentada pela autora seja um bom disparador para a discusso crtica acerca da proposio do trabalho no mbito da sade mental e, principalmente, para se pensar sob qual modalidade e referencial este trabalho ser proposto. a partir da discusso do sentido do trabalho e de sua configurao que se faz um dilogo efetivo com a economia solidria como modelo vivel e condizente com a perspectiva da sade mental. Entretanto, antecipa-se aqui que, sob o olhar da economia solidria, a construo do trabalho, sua funo e sentido para o sujeito rompem em vrios aspectos com o modo de produo capitalista, o que requer o aprofundamento terico e prtico sobre o que significa o trabalho solidrio e quais transformaes nas relaes de trabalho so necessrias.

    CONSIDERAES FINAIS

    Os resultados apresentados evidenciam o potencial da prtica do terapeuta ocupacional em iniciativas de gerao de trabalho e renda no mbito da sade mental, revelam contribuies importantes para o desenvolvimento destas propostas, bem como para o campo da terapia ocupacional.

    Foi possvel verificar a concepo amadurecida, por parte das profissionais, acerca da compreenso da atividade

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    e do trabalho nestes contextos que rompem com a concepo teraputica, demonstrando uma prtica condizente com os pressupostos da reabilitao psicossocial e com o que vem sendo preconizado pela poltica de incluso social pelo trabalho.

    Aponta-se a importncia e necessidade de novos estudos que evidenciem aspectos da prtica do terapeuta ocupacional neste contexto contribuindo com subsdios tericos e prticos para o campo.

    REFERNCIAS

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    Recebido para publicao: 27/09/2014Aceito para publicao: 12/12/2014