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1 A Progressão Argumentativa da Prova da Univocidade do Ser, em Duns Scotus Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, 2004 O primeiro argumento, pelo qual Duns Scotus começa a provar a univocidade do ser, poderia se enunciado da seguinte maneira: se tenho certeza de um conceito G e dúvida de um conceito F, então sei que G é diferente de F. Ressalvemos, apenas que a certeza e a dúvida se referem à aplicação desses conceitos a um determinado objeto (por exemplo “a é igual a F”, “a é igual a G”). Se nos depararmos com um conceito certo e duvidoso ao mesmo tempo, ou há uma má definição deste conceito, ou ele não se aplica. A partir desse argumento, Scotus demonstra que podemos ter dúvida acerca da caracterização de Deus, mas podemos estar certos de que ele existe (é um Ser). O conceito de ser de Deus é distinto dos outros conceitos que podemos aplicar ao divino. A distinção dos conceitos é importante para fazer deles bases de raciocínios posteriores. Um leitor poderia então se perguntar sobre de onde vem esse conceito de ser, e porque podemos aplica-lo a Deus. Em seu segundo argumento, Scotus discorre sobre como os conceitos são causados em nosso intelecto, a partir das imagens (fantasma) dos objetos. Seguindo o caminho inverso, percebemos que esse conceito causado por um objeto avai poder então ser aplicado a este objeto (note-se que Scotus não fecha a possibilidade deste conceito ser aplicado a outros objetos além de a). Prosseguindo neste argumento, um conceito que não se aplica a um ser criado não pode ter sido causado por este ser. Um não platônico defensor da teologia negativa poderia, a partir desse ponto, formatar que: se nenhum conceito aplicável a Deus aplicasse aos seres por ele criados, e nenhum conceito é causado diretamente em nosso intelecto pelo ser incriado (Deus),

A Progressão Argumentativa da Prova da Univocidade do Ser em Duns Scotus

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Scotus define que as proposições imediatas são aquelas de que temos certezas, ou não, a partir do contato direto com o objetivo inteligido, Deus não se encaixa nesta modalidade de conhecimento, e só podemos predicar dele através de raciocínios silogísticos exigidos com base em conhecimentos imediatos. O conhecimento de Deus é mediato.

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Page 1: A Progressão Argumentativa da Prova da Univocidade do Ser em Duns Scotus

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A Progressão Argumentativa da Prova da

Univocidade do Ser, em Duns Scotus

Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Belo Horizonte, Minas Gerais, 2004

O primeiro argumento, pelo qual Duns Scotus começa a provar a

univocidade do ser, poderia se enunciado da seguinte maneira: se tenho

certeza de um conceito G e dúvida de um conceito F, então sei que G é

diferente de F. Ressalvemos, apenas que a certeza e a dúvida se referem à

aplicação desses conceitos a um determinado objeto (por exemplo “a é igual a

F”, “a é igual a G”). Se nos depararmos com um conceito certo e duvidoso ao

mesmo tempo, ou há uma má definição deste conceito, ou ele não se aplica.

A partir desse argumento, Scotus demonstra que podemos ter dúvida

acerca da caracterização de Deus, mas podemos estar certos de que ele existe

(é um Ser). O conceito de ser de Deus é distinto dos outros conceitos que

podemos aplicar ao divino. A distinção dos conceitos é importante para fazer

deles bases de raciocínios posteriores.

Um leitor poderia então se perguntar sobre de onde vem esse conceito

de ser, e porque podemos aplica-lo a Deus. Em seu segundo argumento,

Scotus discorre sobre como os conceitos são causados em nosso intelecto, a

partir das imagens (fantasma) dos objetos. Seguindo o caminho inverso,

percebemos que esse conceito causado por um objeto “a” vai poder então ser

aplicado a este objeto (note-se que Scotus não fecha a possibilidade deste

conceito ser aplicado a outros objetos além de “a”).

Prosseguindo neste argumento, um conceito que não se aplica a um ser

criado não pode ter sido causado por este ser. Um não platônico defensor da

teologia negativa poderia, a partir desse ponto, formatar que: se nenhum

conceito aplicável a Deus aplicasse aos seres por ele criados, e nenhum

conceito é causado diretamente em nosso intelecto pelo ser incriado (Deus),

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então nenhum conceito que se aplica a Deus poderá ser encontrado no

intelecto humano. Scotus não concorda com essa posição, que considera falsa,

tanto que pretende provar a aplicação do conceito de ser às criaturas e à Deus.

Enfim, no terceiro argumento, demonstra-se que um conceito próprio

imediatamente causado por um objeto seria já o suficiente para desvendar ao

intelecto os conceitos necessariamente aplicáveis ao objeto de intelecção em

questão. A quem tentasse argumentar, nas passagens anteriores do texto

scotista, que podemos estabelecer um conceito de Deus que lhe prove todos

os atributos que o são inerentes, é nesse momento que Scoto vai retratá-los.

Afinal, define Scotus, as proposições imediatas são aquelas de que

temos certezas, ou não, a partir do contato direto com o objetivo inteligido,

Deus não se encaixa nesta modalidade de conhecimento, e só podemos

predicar dele através de raciocínios silogísticos exigidos com base em

conhecimentos imediatos. O conhecimento de Deus é mediato.

Ao longo dos seus argumentos este filósofo também procura deixar claro

que os conceitos imediatamente causados pelos seres criados não contêm em

si os elementos teóricos que nos permitem raciocinar sobre as relações entre

os diversos conceitos e construir silogismos. Da mesma forma, não

encontraríamos dentro de algum desses conceitos imediatos o conceito próprio

de Deus, já que um ser criado nunca incluiria virtualmente (como acidente) o

seu criador.