Aba [50anos]

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    (ABA, Gesto 2004-2006)

    HOMENAGENS

    Associao Brasileirade Antropologia

    50 ANOS

    Cornelia EckertEmlia Pietrafesa de Godoi

    (Organizadoras)

    Florianpolis, SC - 2006

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    Copyright 2006ABA - Associao Brasileira de Antropologia

    Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, armazenamento ou transmisso de

    partes deste livro, atravs de quaisquer meios, sem prvia autorizao por escrito.

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Municipal Dr. Fritz Mller

    Diagramao e impresso

    Nova Letra Grfica e Editora

    Impresso no Brasil

    301.981A848h Associao Brasileira de Antropologia Homenagens : Associao brasileira de antropo- gia : 50 anos / organizadoras Cornelia Eckert, Emilia Pietrafesa de Godoi. Blumenau : Nova Letra, 2006. 408p.

    ISBN 85-7682-104-4

    1. Antropologia Brasil Histria 2. Cursos de antropologia Universidades brasileiras Histria Associao Brasileira de Antropologia Histria I. Eckert, Cornelia II. Godoi, Emilia Pietrafesa III. Ttulo.

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    SUMRIO

    LISTA DE IMAGENS E ILUSTRAES ........................................................ 9

    CALENDRIO 2005 - ABA 50 ANOS ............................................................ 10

    PREFCIOMiriam Pillar Grossi ............................................................................................................ 11

    APRESENTAOCornelia Eckert e Emilia Pietrafesa de Godoi ................................................................ 13

    ABA 50 ANOS NA UNICAMP CAMPINAS, SP ..............23

    ANTROPOLOGIA NA UNICAMP E A ABA

    Emlia Pietrafesa de Godoi.................................................................................................. 25

    HOMENAGEM DA ANTROPOLOGIA DA UNICAMP ABA...............................................................................................29

    HOMENAGEM DA ANTROPOLOGIA DA UNICAMP ABA: OPROJETO HISTRIA DA ANTROPOLOGIA NO BRASILMariza Corra ........................................................................................................................ 31

    ORIGENS DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA DA UNICAMPAntonio A. Arantes ............................................................................................................... 37

    ANTROPOLOGIA E INTERDISCIPLINARIDADERoberto Cardoso de Oliveira .............................................................................................. 51

    A ATUAO DA ABA DIANTE DAS DEMANDAS SOCIAISE POLTICAS ............................................................................57

    A ASSOCIAO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA E SEUSDESAFIOSGilberto Velho ........................................................................................................................ 59

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    A ATUAO DA ABA DIANTE DAS DEMANDAS SOCIAIS EPOLTICAS: A IMPORTNCIA DA REUNIO DE 1974Slvio Coelho dos Santos ...................................................................................................... 63

    UMA ABA INDIGENISTA? NOTAS PARA UMA EXPERINCIA

    SINGULAR DO FAZER ANTROPOLGICOJoo Pacheco de Oliveira ...................................................................................................... 71

    A ATUAO DA ABA DIANTE DAS DEMANDAS SOCIAIS EPOLTICASRuben George Oliven ........................................................................................................... 79

    QUESTES QUE DO ANTROPOLOGIA O SEU

    CARTER ATUAL....................................................................83A RELEVNCIA DA ANTROPOLOGIAEunice R. Durham ................................................................................................................. 85

    UM EXEMPLO: CONHECIMENTO TRADICIONAL, BILOGOS EANTROPLOGOSMaria Manuela Carneiro da Cunha ................................................................................... 95

    QUESTES QUE DO ANTROPOLOGIA O SEU CARTER ATUALRoque de Barros Laraia......................................................................................................103

    PS-IMPERIALISMO, ANTROPOLOGIAS MUNDIAIS E A TENSOPROVINCIANISMO METROPOLITANO/COSMOPOLITISMOPROVINCIANOGustavo Lins Ribeiro .........................................................................................................107

    ANTROPOLOGIA E LINGSTICA: ENCONTROS E POLTICASINSTITUCIONAISYonne Leite ...........................................................................................................................115

    ABA 50 ANOS: EVENTOS LOCAIS................................... 125

    ABA 50 ANOS NA UFSC - FLORIANPOLIS, SC ......... 127ABA 50 ANOS E A 9 RBA EM FLORIANPOLIS, SCMiriam Pillar Grossi ..........................................................................................................129

    ABA 50 ANOS NA UFRN - NATAL, RN ........................... 131

    OS 50 ANOS DA ABA NA UFRN E A ANTROPOLOGIA NO RIOGRANDE DO NORTEElisete Schwade ...................................................................................................................133

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    DEPOIMENTO SOBRE O PRIMEIRO MESTRADO EMANTROPOLOGIA SOCIAL NA UFRNNssaro Nasser e Elizabeth Nasser .................................................................................137

    REMINISCNCIAS DE UMA ANTROPOLOGIA: LEMBRANAS DO

    MESTRE VERSSIMO DE MELO................................................................. 143Luiz Assuno ......................................................................................................................143

    ABA 50 ANOS NA USP - SO PAULO, SP....................... 149A MESA DAS GRANDES DAMAS COMEMORAO DOS 50 ANOSDA ABA NA USPAna Lcia Pastore Schritzmeyer......................................................................................151

    REMINISCNCIAS 50 ANOS DA ABAMiriam Moreira Leite ........................................................................................................155

    DEPOIMENTORuth Cardoso........................................................................................................................161

    REVIVENDO OS 50 ANOS DA ABA............................................................. 165Josildeth Gomes Consorte.................................................................................................165

    ABA 50 ANOS NA UFPR - CURITIBA, PR...................... 173OS 50 ANOS DA ABA NO PARANCeclia Maria Vieira Helm .................................................................................................175

    ACOMPANHANDO A ASSOCIAO BRASILEIRA DEANTROPOLOGIA POR TRS DCADASIgor Chmyz...........................................................................................................................185

    DUAS DCADAS E MEIA DE ANTROPOLOGIA NA UFPRMarilia Gomes de Carvalho ..............................................................................................199

    DEPOIMENTOEny de Camargo Maranho ..............................................................................................213

    ABA 50 ANOS NA UFRGS - PORTO ALEGRE, RS....... 217O TESTEMUNHO DE PORTO ALEGRECornelia Eckert....................................................................................................................219

    O COMEO DA ANTROPOLOGIA NA UFRGSPedro Igncio Schmitz .......................................................................................................223

    ABA 50 ANOS - DEPOIMENTOFrancisco M. Salzano .........................................................................................................231

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    EM HONRA DO 50 ANIVERSRIO DA ASSOCIAO BRASILEIRADE ANTROPOLOGIA: FORJANDO A IDENTIDADE DEANTROPLOGACludia L. W. Fonseca ........................................................................................................235

    SAUDAOSrgio Alves Teixeira .........................................................................................................245

    ABA 50 ANOS NA UFRR E UFAM BOA VISTA E MANAUS,RR, AM ..................................................................................... 247HISTRIA DA ANTROPOLOGIA NA UFRR E OS 50 ANOS DA ABACarlos Alberto Marinho Cirino .......................................................................................249

    A PROPSITO DA REUNIOJlio Czar Melatti ..............................................................................................................255

    PRONUNCIAMENTOOrlando Sampaio Silva .......................................................................................................259

    ABA 50 ANOS NA UFMG - BELO HORIZONTE, MG 265APRESENTAOLa Freitas Perez, Carlos Magno Guimares e Ruben Caixeta de Queiroz ...........267

    A ANTROPOLOGIA NA UFMGPierre Sanchis ......................................................................................................................271

    O SETOR DE ARQUEOLOGIA DO MUSEU DE HISTRIA NATURALDA UFMGAndr Prous .........................................................................................................................277

    O ENSINO DA ANTROPOLOGIA EM BELO HORIZONTECandice Vidal e Souza ........................................................................................................281

    A REA DE ARQUEOLOGIA E A CRIAO DO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ANTROPOLOGIA DA UFMGCarlos Magno Guimares..................................................................................................287

    A ANTROPOLOGIA NA UFMGWelber da Silva Braga ........................................................................................................289

    O PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ANTROPOLOGIA DAUFMGBela Feldman-Bianco ..........................................................................................................293

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    ABA 50 ANOS NA UFBA - SALVADOR, BA .................... 297

    ABA, 50 ANOSMaria Rosrio G. de Carvalho .........................................................................................299

    AS REUNIES PRECURSORAS DE 1953 E 1955 E A FUNDAO DAABAMaria de Azevedo Brando ...............................................................................................309

    ABA 50 ANOS NA UFPE - RECIFE, PE ........................... 317TRS MEMORVEIS ENCONTROS - AS REUNIES BRASILEIRASDE ANTROPOLOGIA NO RECIFEAntnio Motta, Russel Parry Scott e Renato Athias ..................................................319

    ABA 50 ANOS NA UFAL - MACEI, AL .......................... 331THO BRANDO E A ANTROPOLOGIA EM ALAGOASBruno Csar Cavalcanti .....................................................................................................333

    ABA 50 ANOS NA UFPA - BELM, PA ............................ 341EDUARDO GALVO, A CRISE DA UNB E A VII REUNIO

    BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIARaymundo Heraldo Maus ................................................................................................343

    HISTRIAS E MEMRIAS DA ANTROPOLOGIA EM BELM PARJane Felipe Beltro ..............................................................................................................367

    ABA 50 ANOS NA UFG E UCG - GOIS, GO................ 375HISTRIA DA ANTROPOLOGIA EM GOIS FEITA DEREMINISCNCIASNei Clara de Lima ...............................................................................................................377

    SOBRE OS AUTORES........................................................................................ 385

    ANEXO .................................................................................................................... 393

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    LISTA DE IMAGENS E ILUSTRAES

    Calendrio comemorativo ABA 50 anos

    Folder ABA 50 anos UnicampIlustrao 1 Folder comemorativo ABA 50 anos Unicamp.

    Comemorao ABA 50 anos na Unicamp, Campinas, SPFotos 001, 004, 005, 006 e 007 - Fotografias ABA 50 anos na Unicamp - autoria deCornelia Eckert.Fotos 002 e 003 - Fotografias ABA 50 anos na Unicamp - autoria de Januria Pereira Mello.

    Comemorao ABA 50 anos na UFSC, Florianpolis, SCFotografias 30 anos de RBA na UFSC e 50 anos da ABA autoria da equipe do NAVI/PPGAS/UFSC.

    Comemorao ABA 50 anos na UFRN, Natal, RNFotografias ABA 50 anos na UFRN autoria de Lisabete Coradini.

    Comemorao ABA 50 anos na USP, So Paulo, SPFotografias ABA 50 anos na USP, So Paulo autoria de Cornelia Eckert.

    Comemorao ABA 50 anos na UFPR, Curitiba, PRFotos 001 e 002 - Fotografias ABA 50 anos na UFPR autoria de dison Helm.Fotos 003 e 004 - Fotografia ABA 50 anos na UFPR autoria de Carolina Helm.

    Comemorao ABA 50 anos na UFRGS, Porto Alegre, RS

    Fotografias ABA 50 anos na UFRGS autoria da equipe BIEV/PPGAS/UFRGS.

    Comemorao ABA 50 anos na UFMG, Belo Horizonte, MGFotografias ABA 50 anos na UFMG autoria de Ruben Caixeta de Queiroz.

    Comemorao ABA 50 anos na UFBA, Salvador, BAIlustrao do Banner comemorativo - autoria da comisso organizadora local.Fotografias ABA 50 anos na UFBA autoria da comisso organizadora local.

    Comemorao ABA 50 anos na UFPE, Recife, PEFotografias ABA 50 anos na UFPE autoria da equipe Antropologia Visual.

    Comemorao ABA 50 anos na UFAL, Macei, ALFoto 001 - Fotografia ABA 50 anos na UFAL autoria de Ana Laura Loureiro Ferreira.Foto 002 - Fotografia ABA 50 anos na UFAL autoria de Julio Cesar Rocha da Silva.

    Comemorao ABA 50 anos na UFPA, Belm, PAFotos 001, 002 e 003 - Fotografias ABA 50 anos na UFPA - autoria de Cornelia Eckert.Foto 004 - Fotografias ABA 50 anos na UFPA - autoria de Carmen S. Rial.Ilustrao do Convite da Cerimnia Comemorativa.

    Comemorao ABA 50 anos na UFG, UCG, Goinia, GOFotografia ABA 50 anos na UFG, UCG - autoria de Cornelia Eckert.

    Comemorao ABA 50 anos em Braslia, DFPrograma

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    PREFCIO

    Miriam Pillar GrossiPresidente da ABA Gesto 2004/2006

    Os 50 anos da ABA

    com muita satisfao que a ABA traz a pblico mais um

    magnfico livro sobre a histria da antropologia no Brasil. O primeirolivro sobre este tema, publicado pela ABA, escrito por Mariza Correaem 2003 As Reunies Brasileiras de Antropologia: Cinqenta anos

    comemorava a primeira reunio brasileira de antropologia, realizadaem novembro de 1953, e continha um importante registro fotogrficoe histrico das reunies realizadas entre 1953 e 2002, assim comoinestimveis dados sobre as diferentes gestes a frente da ABA.Seguindo as trilhas abertas por Gustavo Lins Ribeiro, que havia

    iniciado as comemoraes dos 50 anos de nossa associao, com estapublicao e seminrio no Museu Nacional/UFRJ em novembro de2003; realizamos ao longo de 2005 e 2006 comemoraes docinqentenrio da ABA em vrios outros lugares do Brasil: Florianpolis,Natal, Campinas, So Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Manaus, Salvador,Recife, Macei, Belo Horizonte, Belm, Braslia e Goinia.

    So os relatos, as reflexes e inquietaes propostas porinmeros scios da ABA, que participaram destas j memorveis

    comemoraes que esto presentes neste segundo livro. Um terceirolivro tambm est sendo publicado neste mesmo momento pela ABA,sobre a histria da antropologia no sul do Brasil, organizado porSlvio Coelho dos Santos, dando seqncia a esta linha de publicaoda ABA que se completa tambm com a edio de dois vdeos: umfeito nas comemoraes de novembro de 2003 no Museu Nacional eoutro com um amplo leque das comemoraes dos 50 anos da ABA.

    Tive o privilgio, enquanto presidente da ABA, de estar presenteem todos estes eventos, marcados pela emoo. Em cada lugar ondecomemorvamos o cinqentenrio de nossa associao recolhamos

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    depoimentos, fotos, vdeos, recortes de jornais de poca, documentosde criaes de departamentos e programas de ps-graduao, dadosinestimveis para a reconstruo da histria da ABA. Histriasinstigantes, surpreendentes e divertidas nos foram contatadas por colegas

    que ajudaram a construir a antropologia em diferentes lugares do Brasil.Informaes esquecidas, controvrsias sobre datas e interpretaes,tambm balizaram estes eventos que tiveram em todos os lugares fortepresena de jovens estudantes de graduao e ps-graduao, vidos porreconhecerem-se dentro de nossa comunidade cientfica.

    Para estas comemoraes, alm dos recursos da ABA, tivemoso apoio imprescindvel da FINEP, que aceitou nossa ousada proposta

    de um evento descentralizado nas cinco regies do Brasil. Porm, justo reconhecer que sem o apoio local de nossos scios, de programasde ps-graduao, departamentos de antropologia, pr-reitorias depesquisa e outras instncias institucionais, este projeto no teriatomado a forma grandiosa que tomou. Somos imensamente gratos atodos estes apoios e colaboraes recebidos. Do mesmo modo, sem adedicao de Cornelia Eckert e Emlia Pietrafesa de Godoi este livrono teria sido publicado em to pouco tempo e com tanta preciso

    editorial que alia texto com imagens. A companhia de Peter Fry, vice-presidente da ABA, na maior parte destas comemoraes foi preciosa.Suas lembranas pessoais da antropologia brasileira dos ltimos 30anos, foram tambm fundamentais para os relatos que se seguiramem muitos lugares e que permitiram que as comemoraes doscinqenta anos da ABA tenham sido um momento privilegiado dereflexo coletiva sobre o lugar da antropologia no seio da comunidadecientfica nacional e internacional. Pensou-se em voz alta sobre o

    futuro da antropologia brasileira, sobre suas opes polticas eacadmicas e, sobretudo, sobre os desafios que temos pela frente, nosprximos 50 anos da ABA, no sculo XXI. Do pequeno grupo de 47antroplogos que assinou a ata de fundao da ABA temos hoje vriascentenas de profissionais atuando no pas, como atesta a massivainscrio na 25 Reunio Brasileira de Antropologia, na qual estsendo lanado este livro, em junho de 2006, Goinia. Espero que a

    leitura dos textos deste livro suscite a vocs, leitores, os mesmossentimentos e os insigths tericos que tivemos ao escut-los. Boa leitura!

    Florianpolis, maio de 2006.

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    APRESENTAO

    Cornelia EckertEmilia Pietrafesa de Godoi

    A antropologia uma cincia cujo saber e produo de

    conhecimento quis e soube apropriar-se das mudanas do mundo eaprender com seus eventos e suas duraes, exercitando o pensarcrtico sobre si mesma. Desde logo, a comunidade antropolgica, nonvel internacional, deu-se conta de que a cultura humanista implicavaigualmente uma cultura cientfica que permitisse reconhecer naalteridade a condio da complexidade da humanidade em sua longatrajetria e que o conhecimento produzido sobre o Outro exigia umavigilncia epistemolgica sobre os pressupostos do saberantropolgico. O desafio de uma rede cientfica estava posto, e eleno se restringiu to somente produo de conhecimento no campoespecializado, mas se fez tambm por meio do esforo de construirprojetos comuns e dialgicos na superao da fragmentao dossaberes e do desmembramento de disciplinas e na possibilidade deatuao prxima s instncias de poder na defesa de direitos deminorias sociais. nesse quadro que as Associaes Cientficas

    constroem suas metas de qualificao da pesquisa e do ensino.No Brasil, uma Associao Cientfica sem precedentes foi

    proposta em 1955. Seus profissionais, antroplogos. A iniciativa nopas era inovadora. O propsito parecia ousado demais para um grupoto pequeno em um pas com as dimenses do Brasil e onde, desdelogo, as dificuldades econmicas de tais empreendimentos sofriam asdeterminaes de polticas limitadas de ensino e de pesquisa.

    Mas no apenas a inovao epistemolgica se fazia prementeno desenvolvimento do pensamento cientfico antropolgico. Tambma tomada de posio corajosa de jovens cientistas se fazia necessria

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    em face das adversidades e violncia sofridas por povos indgenas eoutras minorias sociais e tnicas pela condio destrutiva das utopiascolonizadoras, pelas injustias advindas das desigualdades e exclusessociais ou pela ameaa de desaparecimento de naes singulares por

    extermnio ou por contato, o que denotava a urgncia de posiescrticas e reflexivas sobre a discriminao e explorao de grupospostos no rastro de um processo de modernizao econmica e social.

    Em tal atmosfera, a institucionalizao de uma tarefa coletivadispunha-se a construir o conhecimento necessrio para elaboraode projetos cientficos de flego para orientar medidas burocrticasde porte junto aos rgos e s estruturas de poder. Para a ABA,

    colocava-se a prpria irreversibilidade da demanda de umacomunidade de produo de conhecimento: a reunio de esforos e aconstruo de um campo de troca frtil e sistemtica de pesquisa e ensino.

    Os primeiros passos foram dados com firmeza em direo auma instituio sria e coerente com os propsitos que a incitaram adebutar. Cinqenta anos se passaram, e a Associao Brasileira deAntropologia pode comemorar uma concepo coletiva bem-sucedida.Os percalos foram muitos, como testemunha a dificuldade de

    assemblia durante os anos de uma ditadura ferrenha que aniquilouhomens e mulheres em suas expresses e diversidades.

    Muitas contribuies, reunies, planos, esforos e desejosconstituram uma importante rea de saber e representao cientfica.Organizada por estatuto na forma de uma diretoria representativaeleita por seus associados, orientada por um cdigo de tica comoreferente de um propsito humanitrio e comprometida em reunirsuas linhagens bianualmente em diferentes cidades e instituiesuniversitrias do pas, a Associao Brasileira de Antropologia hojereconhecida como uma das mais competentes e qualificadasAssociaes.

    As duas ltimas gestes da ABA, representadas pelos seuspresidentes Gustavo Lins Ribeiro (2002-2004) e Miriam Pillar Grossi(2004-2006), atentaram para a importncia de comemorar a trajetriapercorrida, a partir de encontros que permitissem a reunio de seus

    associados colaboradores para refletir este lugar-tempo intituladoABA 50 anos.Em 2004, a diretoria, sob a gesto de Gustavo Lins Ribeiro,

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    organizou um evento comemorativo ABA 50 anos, no Museu Nacionalda UFRJ, ocasio em que foram concedidas medalhas de mritoRoquette Pinto a todos os ex-presidentes da ABA, conforme segue:Eunice Ribeiro Durham, Gilberto Cardoso Alves Velho, Roberto

    Cardoso de Oliveira, Maria Manuela Carneiro da Cunha, AntnioAugusto Arantes, Roque de Barros Laraia, Silvio Coelho dos Santos,Joo Pacheco de Oliveira, Mariza Correa, Yonne de Freitas Leite,Ruben George Oliven e Gustavo Lins Ribeiro.

    A atual presidente, Miriam Pillar Grossi, ao assumir apresidncia da Associao em junho de 2004, na Reunio Brasileirade Antropologia ocorrida em Recife, pediu a colaborao dos colegas

    que junto com ela assumiam a diretoria para realizar oempreendimento de organizar encontros comemorativos no maiornmero possvel de cidades e em instituies universitrias do pas.Os objetivos desses encontros eram promover um amplo edescentralizado debate sobre o estado de arte da ABA hoje, colocandoem pauta seus compromissos em um novo sculo, os erros eaprendizados de uma longa trajetria, a continuidade de umaprimoramento da Associao iniciada no esforo de diretorias que

    haviam antecedido a esta, a elaborao de um projeto capaz deamalgamar a diversidade de interesses, de reivindicaes, deencaminhamentos, e, sobretudo, de responder demanda dos alunosde graduao em humanidades e ps-graduao em antropologia e aprofissionalizao da atuao do antroplogo no Brasil.

    Criadas as condies de infra-estrutura de uma sede desecretaria e tesouraria na UFSC graas ao apoio de antroplogosdessa universidade, dos representantes do Departamento deAntropologia, do Programa de Ps-Graduao em Antropologia, doInstituto de Cincias Humanas e Sociais e da Reitoria, foi possvelgestionar a organizao de diversos eventos comemorativos ABA 50anos, no ano de 2005, em Campinas (Unicamp), em Curitiba (naUFPR), em Porto Alegre (na UFRGS), em Florianpolis (na UFSC),em So Paulo (na USP), em Boa Vista e Manaus (na UFF e na UFAM),em Belo Horizonte (na UFMG), em Recife (na UFPE), em Natal (na

    UFRN), em Salvador (na UFBA) e em Macei (na UFAL); em 2006,em Braslia (na UnB), em Belm (na UFPA) e em Goinia (na UFG ena UCG).

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    A primeira iniciativa consistiu em reunir os ex-presidentes emassemblia da ABA, na Universidade Estadual de Campinas(Unicamp) e, aproveitando a ocasio, realizar um eventocomemorativo. A diretora regional da ABA, Emilia Pietrafesa de

    Godoi, foi responsvel pela organizao local. O primeiro mdulodessa coletnea rene as contribuies que os ex-presidentes daAssociao, Eunice Ribeiro Durham (1980-1982), Gilberto Velho(1982-1984), Maria Manuela Carneiro da Cunha (1986-1988), Roquede Barros Laraia (1990-1992), Slvio Coelho dos Santos (1992-1994),Joo Pacheco de Oliveira Filho (1994-1996), Ruben George Oliven(2000-2002), Gustavo Lins Ribeiro (2002-2004) e Yonne Leite (1998-

    2000) - que, no podendo comparecer reunio enviou-nosgentilmente a sua contribuio - trouxeram s reflexes sobre aatuao da ABA diante das demandas sociais e polticas e dos desafiosque esto postos antropologia. O primeiro mdulo traz ainda ostextos dos ex-presidentes Roberto Cardoso de Oliveira (1984-1986),Antnio Augusto Arantes (1988-1990) ambos, no podendo estarpresentes comemorao, enviaram generosamente os seus textos -e Mariza Corra (1996-1998), que, como professores da Unicamp,

    prestaram a homenagem ABA falando-nos da antropologia praticadanessa instituio e das contribuies trazidas Associao. Essemdulo introduzido por sua organizadora com uma apresentaodo evento 50 Anos da ABA ocorrido na Unicamp, em 1o. de junho de2005.

    A reunio dos textos do segundo mdulo foi organizada porCornelia Eckert, secretria geral da ABA dessa gesto. A ordem dostextos aparece segundo a cronologia dos eventos, mas eles soprecedidos por um item singular que descreve o evento intitulado 30anos de RBA ocorrido em Florianpolis. No dia 18 de maro de 2005,a ABA e os professores de antropologia da UFSC realizaram umaoportuna homenagem ao Prof. Silvio Coelho dos Santos, coordenadorda RBA ocorrida em 1974. Para marcar a decorrncia dos 30 anos daRBA, que teve lugar em Floriananpolis, na UFSC, foi descerradauma placa comemorativa no saguo do prdio onde se localiza o

    Departamento de Antropologia e o PPGAS, evidenciando a data quese tornou um marco por retomar o processo de reunies interrompidaspela ditadura militar. Essa situao descrita no mdulo anterior, no

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    artigo do Professor Silvio Coelho dos Santos. No segundo mdulo,trazemos as palavras proferidas pela Presidente da ABA, Profa.Miriam Pillar Grossi, por ocasio da homenagem a esse idealizador.

    Na ordem dos eventos comemorativos, segue o testemunho da

    UFRN, evento organizado pela diretora da ABA, Profa. EliseteSchwade. Essa comemorao foi igualmente a da cerimnia de criaodo mestrado em Antropologia na UFRN, em que o vice-presidenteda ABA, Prof. Peter Henry Fry, proferiu a aula inaugural. As mesas-redondas comemorativas trataram da Histria da Antropologia noBrasil e no Rio Grande do Norte. Foram expositores os antroplogosda UFRN professores Nassero Nasser e Luiz Assumpo, cujos textos

    encontram-se aqui transcritos.A comemorao seguinte ocorreu na cidade de So Paulo, naUSP, no dia 7 de junho de 2005, no FFLCH. Evento organizado pelaProfessora do Departamento de Antropologia Ana Lucia PastoreSchritzmeyer, tambm membro da comisso de Direitos Humanosda atual gesto, contou com uma mesa de trabalho composta pelasProfessoras Miriam Moreira Leite, Josildeth Consorte, Ruth Cardoso,Eunice Durham e Lux Vidal e coordenada pela presidente da ABA,

    Miriam Pillar Grossi. O depoimento de participao da ex-presidenteda ABA, Profa. Eunice Durham, encontra-se no primeiro mdulo.Os depoimentos das demais palestrantes aparecem aqui reunidos emsua riqueza de detalhes que encantaram a platia de jovensantroplogos. O evento teve continuidade com a abertura de exposioem homenagem obra de Lux Vidal.

    Em seqncia, trazemos os textos apresentados por ocasio dacomemorao dos 50 anos da ABA em Curitiba, coordenada pelaProfa. Ceclia Helm, que recebeu o apoio dos colegas do Departamentode Antropologia e do Museu Paranaense da Secretaria de Cultura doEstado do Paran, com justa homenagem aos predecessores da histriada antropologia no Paran. O evento ocorreu no dia 16 de junho de2005, no anfiteatro Professor Homero de Barros, da UFPR.Apresentamos, aqui, os depoimentos dos professores Oldemar Blasi,Eny de Camargo Maranho, Igor Chmyz, Ceclia Helm e Marilia

    Gomes de Carvalho.No dia 17 de junho 2005, foi a vez de Porto Alegre comemorarna UFRGS. Evento coordenado por Cornelia Eckert. Duas mesas-

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    redondas reuniram uma grande platia de antroplogos de vriasgeraes. As participaes dos ex-presidentes Ruben George Olivene Silvio Coelho dos Santos compem o primeiro mdulo. Aquitrazemos os depoimentos dos professores Pedro Igncio Schmitz,

    Francisco M. Salzano, Claudia Fonseca e Srgio Alves Teixeira.De 29 de agosto a 2 de setembro de 2005, no mbito da IX

    ABANNE, os professores Lino Joo de Oliveira Neves e CarlosAlberto Marinho Cirino representaram a comisso organizadora quecomemorou o evento ABA 50 anos no territrio amaznico. Essecongresso ocorreu em Boa Vista, na UFRR, e em Manaus, na UFAM.Uma mesa-redonda especial foi promovida para o ato comemorativo,

    com a participao dos professores Orlando Sampaio e Silva e JulioCezar Melatti, que trataram da histria da Antropologia na regio.A comemorao recebe continuidade na UFMG, com um evento

    coordenado pela Profa. La Freitas Perez, membro do conselhocientfico da ABA. Nessa ocasio, vrios foram os homenageados quetrouxeram seus relatos e contaram suas ricas experincias ordenandoum importante testemunho da antropologia na UFMG e narradaspor Pierre Sanchis, Andr Prous, Candice Vidal e Souza, Carlos

    Magno Guimares e Welber da Silva Braga.A atual representantede rea da antropologia na CAPES, Profa. Bela Feldman Bianco(Unicamp), prestigiou o acontecimento, e seu relato enriquece essemdulo. A participao do ex-presidente Roque de Barros Laraia,homenageado na ocasio, consta no primerio mdulo desta publicao.

    Na Bahia, a coordenadora do evento foi a professora Maria doRosrio G. de Carvalho. Trazemos aqui sua exposio representativada histria da antropologia na Bahia bem como o depoimento daProfessora Maria de Azevedo Brando, que faz uma justa homenagema Thales de Azevedo. A comemorao ocorreu no dia 7 de novembrode 2005, com a presena da presidente e do vice-presidente da ABA,professores Miriam Pillar Grossi e Peter Fry e celebrou igualmenteo territrio de criao da ABA na II Reunio de Antropologia ocorridaem Salvador, Bahia, de 3 a 8 de julho de 1955.

    Sede da ltima RBA em 2004, Recife abrigou mais um frum

    comemorativo no dia 9 de novembro de 2005, tendo a antropologiaque se faz em Pernambuco como a grande homenageada. Em umbelssimo texto, os professores Antnio Motta, Renato Athias e Russel

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    Parry Scott tecem suas reminiscncias que a todos envolvem noencantamento do saber e fazer antropolgicos, trazendo em alto relevoas linhagens pernambucanas. Evento igualmente prestigiado pelapresidente da ABA.

    Que significativa e gratificante surpresa ter a gesto atualpodido comemorar o evento ABA 50 anos na cidade de Macei, naUFAL, AL, onde a Presidente Miriam Pillar Grossi foi recebida pelacoordenadora do evento, Profa. Silvia Martins. A comemoraoaconteceu no dia 10 de novembro de 2005, ocasio em que umaimportante contribuio relacionando a antropologia das Alagoas scomplexidades das redes de produo nos outros estados foi trazida

    pelo Professor Bruno Csar Cavalcanti e aqui transcrita.Em uma agenda de muito trabalho, trs eventos serocomemorados em 2006, e seus organizadores nos enviaram desde jsuas contribuies. Na UFPA, em Belm, PA, a ABA 50 anos tem pordata comemorativa o dia 28 de maro 2006, sendo organizada peladiretora regional da ABA, Profa. Jane Felipe Beltro, que, juntamentecom o Prof. Raymundo Heraldo Maus, ambos do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da UFPA, contribui com um texto

    para essa coletnea.Em seguida apresentamos o texto da Professora Nei Clara de

    Lima que fecha este livro referindo-se histria da Antropologia emGoinia. A comemorao da 50 anos da ABA em Goinia ter ummomento especial no dia 28 de abril com a festa que inaugura aexposio fotogrfica da histria da antropologia em Goinia e reneos coordenadores e participantes da comisso organizadora local da25 Reunio Brasileira de Antropologia, membros da diretoria daABA e autoridades locais. Esta data abre um processo importante daantropologia em Goinia que culminar com a realizao da 25Reunio Brasileira de Antropologia, um gesto singular para celebrara importncia de uma reunio cientfica do porte e da abrangncia da25RBA, que ocorrer em Goinia, de 11 a 14 de junho de 2006, naUniversidade Federal de Gois (UFG) e na Universidade Catlica deGois (UCG).

    Registramos, por fim, que em Braslia o evento comemorativoocorre no dia 26 abril 2006 na UnB organizada pela diretora da ABAdesta gesto, Profa. Lia Zanotta Machado e pelos professores Gabriel

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    Omar Alvarez e Gustavo Lins Ribeiro.Somos gratas aos colegas que fazem parte desta coletnea, cujos

    textos, no seu conjunto, possibilitam uma reflexo ampla sobre aantropologia que praticamos, mostrando a sua diversidade e

    apontando os desafios enfrentados e os que temos diante de ns.

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    ABA 50 ANOS NA UNICAMP CAMPINAS, SP

    Organizao de Emilia Pietrafesa de GodoiCoordenadora do Evento

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    ANTROPOLOGIA NA UNICAMP E A ABA

    Emlia Pietrafesa de GodoiUNICAMP, SP

    Diretora da ABA, gesto 2004-2006

    Celebrao e Rememorao. Eis o que aconteceu no dia 01 dejunho de 2005 no Auditrio do Instituto de Filosofia e CinciasHumanas da Unicamp. Tudo a um s tempo. J a caminho doAuditrio, na sala contgua a este, onde foram instaladas duasexposies fotogrficas: Quem so esses a quem chamamos antroplogosbrasileiros?e Reunies de Antropologia ambas resultantes de projetos

    da professora Mariza Corra estvamos ns entre personagens emomentos significativos da histria da ABA, imagens eloqentes queevocavam cenas, situaes, colegas, vrios presentes ali, eles prpriossurpresos com o reencontro e a descoberta que essas imagensproporcionavam1 . So cinqenta anos de histria da AssociaoBrasileira de Antropologia. Tempo de festejar, sim; de rememorarsituaes, momentos, colegas, tambm. E isso aconteceu. Mas o quemarcou o evento realizado na Unicamp foi a rememorao da atuao

    cientfica, acadmica e poltica da ABA, da Antropologia quepraticamos, das questes e desafios postos Antropologia nacontemporaneidade.

    Foi um privilgio e uma honra para ns podermos no somentereunir neste dia a atual presidente da ABA, Miriam Grossi, o atual

    1A exposio fotogrfica Quem so esses a quem chamamos antroplogos brasileiros conta a histria daAntropologia no Brasil desde o seu incio, suas relaes com a medicina; a influncia dos antroplogos

    formados nas tradies germnica, francesa e norte-americana; os estudos de comunidade e a participaode mulheres pesquisadoras. A exposio Reunies de Antropologia compreende imagens que abordamcronologicamente os registros que puderam ser reunidos por participantes de Reunies de Antropologiaao longo dos anos.

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    vice-presidente, Peter Fry, e vrios dos ex-presidentes da AssociaoBrasileira de Antropologia, mas ouvi-los, aprendermos e nosemocionarmos com eles. Da primeira mesa-redonda A atuao daABA diante das demandas sociais e polticas, coordenada por Miriam

    Grossi, participaram os ex-presidentes Gilberto Velho (1982-1984),Slvio Coelho dos Santos (1992-1994), Joo Pacheco de Oliveira Filho(1994-1996) e Ruben Oliven (2000-2002). Da segunda mesa-redondaQuestes que do Antropologia o seu carter atual, por mimcoordenada, participaram os ex-presidentes Eunice Ribeiro Durham(1980-1982), Manuela Carneiro da Cunha (1986-1988), Roque deBarros Laraia (1990-1992) e Gustavo Lins Ribeiro (2002-2004). Tanto

    a primeira, como a segunda mesa-redonda, forneceram elementospara acompanharmos as transformaes do campo antropolgico, paraa reflexo sobre a Antropologia que praticamos no Brasil e,seguramente, serviram de inspirao para uma platia composta nos de colegas antroplogos, mas de muitos estudantes, antroplogosem formao2 .

    Um terceiro momento do evento foi a homenagem propriamentedita da Antropologia da Unicamp ABA. Convidamos para coorden-

    la, no sem propsito, Peter Fry, e Mariza Corra (1996-1998) paraum depoimento, que veio mostrar de forma emocionante e emocionadacomo a tessitura da histria da ABA se entrelaa em vrios momentos,nos ltimos trinta anos, com a histria da Antropologia, ou deantroplogos, na Unicamp. Alm dos textos dos ex-presidentespresentes no evento, temos o prazer e o privilgio de ler nestacoletnea os textos dos ex-presidentes, que no podendo comparecerna ocasio, nos enviaram generosamente a sua contribuio, Roberto

    Cardoso de Oliveira (1984-1986), Antonio Augusto Arantes (1988-1990) e Yonne Leite (1998-2000).

    2Alm da participao da Presidente da ABA, Miriam Grossi, a Mesa de Abertura do evento contou coma participao dos professores Edgard Salvadori De Decca, Pr-Reitor de Graduao, representando oReitor, Ndia Farage, Diretora-Associada do IFCH, Jos Luiz dos Santos, Chefe do Departamento deAntropologia da Unicamp e Mauro W. Barbosa de Almeida, Coordenador do Programa de Ps-Graduaoem Antropologia Social da Unicamp. Tambm estiveram presentes nesta comemorao os membros daatual Diretoria da ABA, Cornlia Eckert, Esther Jean Langdon, Jane Felipe Beltro, Lia Zanotta Machadoe de seu Conselho Cientfico, Giralda Seyferth, Roberto Kant de Lima, Jos Srgio Leite Lopes, SimoneLahud Guedes, Lea Freitas Perez, Lus Roberto Cardoso de Oliveira, Lux Boelitz Vidal e a ex-tesoureiraCeclia Helm. Contamos ainda com a presena do professor Joo de Pina Cabral, da Universidade deLisboa, que atuava naquele semestre como professor convidado no Programa de Ps-Graduao emAntropologia Social da Unicamp.

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    Disse acima que no foi sem propsito que convidamos PeterFry para coordenar a homenagem da Unicamp ABA. Pois bem,Peter um dos trs antroplogos que em 1971 criaram o Mestradoem Antropologia Social da Unicamp - os outros dois so Verena

    Stolcke e Antnio Augusto Arantes3 . Nesta condio - de um dosfundadores do Mestrado em Antropologia Social da Unicamp -, Peterno foi exatamente o coordenador da mesa, mas, sem estarem - elee a platia prevenidos, acabou dando um depoimento rico, que nosfez rir e emocionar. O depoimento de Antonio Augusto Arantes vairestituir o esprito com o qual e o contexto no qual foi criado oprimeiro Programa de Ps-Graduao do Instituto de Filosofia e

    Cincias Humanas da Unicamp - o de Antropologia - evocados porPeter Fry. Mostra-nos que o Programa foi criado ao mesmo tempoque a prpria Universidade, que se queria inovadora e crtica,empreendimento este desafiador num pas poca sob um regimeautoritrio e militar que perseguia seus intelectuais.

    O leitor vai encontrar ainda no texto de Mariza Corra acontribuio ABA dos antroplogos vinculados Unicamp; aquiquero apenas lembrar que se encontra tambm nesta Universidade,

    sob a guarda do Arquivo Edgard Leuenroth, um acervo importanteda Associao Brasileira de Antropologia4 . No texto de RobertoCardoso de Oliveira vamos encontrar uma marca da Antropologiapraticada na Unicamp: sem perder o que se considera o campointelectual da disciplina, sempre mantivemos uma interlocuo intensacom as demais cincias humanas, notadamente com a Histria, aSociologia e a Cincia Poltica e, como mostra o texto de AntonioAugusto Arantes, tambm com a Lingstica e a Economia, quando

    da criao do IFCH e do mestrado em Antropologia Social. Hoje, aostrinta e quatro anos, a Antropologia na Unicamp est comemorandoo seu primeiro ano de doutorado disciplinarmente integrado,buscando intensificar a formao e a produo antropolgicas jconsolidadas, sem abrir mo do dilogo terico e a colaborao empesquisas com as distintas reas de conhecimento do Instituto deFilosofia e Cincias Humanas.

    3Em 1979, Verena Stolcke transferiu-se para Barcelona, Espanha, onde se encontra at hoje.4Conforme nos informa o texto de Mariza Corra, a guarda dos arquivos da ABA pelo Arquivo EdgardLeuenroth ( www.arquivo.ael.ifch.unicamp.br/ ) foi autorizada pela Assemblia Geral da XVIIa.ReunioBrasileira de Antropologia, realizada em Florianpolis, em abril de 1990.

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    Tivemos, pois, muito a comemorar; e foi uma celebrao queencontrou seu justo equilbrio entre a reflexo acurada sobre aantropologia que praticamos, a atuao e a histria da ABA e a emooprpria de pessoas que se percebem juntas na construo de algo

    importante5 .Abrimos o primeiro mdulo da coletnea com a Homenagem da

    Antropologia da Unicamp ABA, trazendo os textos dos trs ex-presidentes professores da Unicamp, Mariza Corra, Antonio AugustoArantes e Roberto Cardoso de Oliveira; na seqncia, apresentamosos textos relativos aos temas propostos para as mesas-redondas Aatuao da ABA diante das demandas sociais e polticase Questes que do

    Antropologia o seu carter atual, na certeza de que esses escritos edepoimentos de ex-presidentes da Associao Brasileira deAntropologia sero inspiradores para o trabalho de novas geraesde antroplogos.

    5Registro aqui os meus agradecimentos a todos os colegas do Departamento de Antropologia da Unicampque acolheram a idia de realizarmos este evento e de maneira especial agradeo queles que mais

    diretamente colaboraram na sua organizao Suely Kofes, John Monteiro, Ronaldo Almeida, MarizaCorra, Heloisa Pontes e Omar Ribeiro Thomaz. E, nos nomes de Camila Barra, Vanda Silva, MarisaBarbosa Luna e Nashieli Rangel Loera, agradeo tambm aos estudantes que ajudaram na organizaoda comemorao.

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    HOMENAGEM DAANTROPOLOGIA DA

    UNICAMP ABAMariza Corra (UNICAMP)

    Antnio Augusto Arantes (UNICAMP)Roberto Cardoso de Oliveira (UNICAMP/UnB)

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    HOMENAGEM DA ANTROPOLOGIA DAUNICAMP ABA: O PROJETO HISTRIA

    DA ANTROPOLOGIA NO BRASIL

    Mariza CorraUNICAMP, SP

    Presidente da ABA gesto 1996-1998

    1. Memria/esquecimento

    Creio que a melhor homenagem que os antroplogos daUnicamp poderamos prestar nossa Associao seria lembrar oquanto temos trabalhado em prol da ABA nos ltimos anos trintaanos: demos ABA dois presidentes (Antonio Augusto Arantes e eumesma) e uma vice-presidente (Guita Grin Debert), (podamos contarmais um vice-presidente, se lembrarmos que Campinas foi a primeiracasa acadmica de Peter Fry no Brasil), alm de termos trabalhadoem estreita colaborao com Manuela Carneiro da Cunha durantesua gesto (ela j tinha se transferido da Unicamp para a USP quandofoi eleita), tendo realizado em Campinas a reunio de encerramentode sua presidncia, e de termos acolhido nesta casa, quando recm

    eleito presidente, a Roberto Cardoso de Oliveira, que aqui concluiusua gesto. Peter Fry, quando ainda trabalhava aqui, foi tambmtesoureiro na gesto de Eunice Durham, assim como Alba Zaluarhavia sido tesoureira na gesto de Luiz de Castro Faria; AntonioAugusto foi secretrio na gesto de Eunice Durham, Guita Debertfoi secretaria na gesto de Antonio Augusto Arantes e Mrcio Ferreirada Silva foi secretrio durante minha gesto. Fernanda Aras Peixoto,tesoureira nessa mesma gesto, j era da gerao dos alunos aqui

    formados a serem recrutados para trabalhar para a ABA.O Departamento contribuiu, alm disso, com vrios diretores e

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    conselheiros ao longo dos ltimos anos, e abriga hoje vriosintegrantes dos conselhos e comisses da Associao como o casode Emilia Pietrafesa de Godi, tambm da gerao de ex-alunos dacasa, e que gentilmente me convidou a falar nesta mesa.6

    interessante Emlia ter me posto neste lugar, no qual tenho postotantos outros, h exatamente 21 anos, para contar histrias sobre anossa histria agora sou eu a velha convidada. Acho que contarhistrias um dom que compartilhamos com os literatos e quedeveramos exercer com mais freqncia. Contar histrias um modode no esquecer.

    Procurando por anotaes sobre como comeamos o Projeto

    Histria da Antropologia no Brasil, em 1984, encontrei na primeirapublicao resultante do Projeto uma nota com os nomes dosestudantes que mais de perto participaram do trabalho, todos hojeantroplogos profissionais, e entre eles dois atuais integrantes decomits e conselhos da ABA: Emilia e Jos Augusto LaranjeirasSampaio.7

    A maneira como recordamos curiosa: quando Csar Lattesmorreu, muitos fsicos e outros cientistas que conviveram com ele

    publicaram suas reminiscncias dele e dos tempos iniciais de suaspesquisas no Jornal da Unicamp. Um elemento comum a todas essasrecordaes era o quo precrias, artesanais e amadoras eram asprimeiras pesquisas desse grupo de pessoas. Esse provavelmente oefeito de olharmos para o que fazamos vinte anos atrs com aconscincia do que se faz vinte anos depois. Visto de hoje, tudoo quefazamos era artesanal, precrio e amador. Na primeira entrevistagravada em vdeo, com Thales de Azevedo, entrevistado por Alba

    Zaluar e por mim, o ento Centro de Comunicaes, que ainda no sechamava assim, no tinha estdio: sentamos em torno de uma caixa

    6Para uma lista completa dos integrantes das vrias gestes da ABA, ver Mariza Corra, As reuniesbrasileiras de antropologia: cinqenta anos (1953-2003). Campinas: Editora da Unicamp/ Braslia:ABA, 2003.Parte da segunda gerao de alunos que participaram do Projeto, Luiz Henrique Passador hoje nossocolega no Departamento de Antropologia.7M. Corra, Histria da Antropologia no Brasil (1930-1960). Testemunhos: Emilio Wilhems e DonaldPierson. So Paulo:Ed. Vrtice/Campinas:Editora da Unicamp, 1987. Os nomes dos integrantes dessaprimeira etapa do projeto so: Adriana Piscitelli, Andra Milesi, Carlos James dos Santos, Emilia Pietrafesade Godi, Joo Batista Cortez e Jos Augusto Laranjeiras Sampaio. O ns que uso no texto no o pluralmajesttico: ele refere uma experincia que foi sempre coletiva, de equipe. Alm dos estudantes queforam sempre a alma do projeto, cabe registrar que nosso nativo mais explorado, por mim e por eles, foiRoberto Cardoso de Oliveira.

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    de papelo com um guardanapo sobre ela, para simular uma mesinhade centro. Thales, alis, nos falou para baixo da mesa. Com quaseoitenta anos, Thales tinha uma disposio invejvel para contarhistrias e parecia muito mais animado do que ns, que tnhamos a

    metade de sua idade. O vdeo inteiramente kitsch. Dez anos depoisdessa entrevista, uma equipe do Projeto entrevistou Roberto da Matta

    estavam l Marcio Ferreira da Silva e Luiz Henrique Passador jno atual Centro de Comunicaes, num estdio, com equipamento deudio e vdeo de ltima gerao, etc. Toda essa tecnologia no impediuque o vdeo tambm nos parea kitsch hoje, nem evitou a perda dafita gravada com Bertha Ribeiro e Clara Galvo, pouco antes de

    morrerem que, aparentemente, foi usada para a gravao de umaaula de anatomia. Apesar de tudo isso, os depoimentos so muitobons, so uma fonte de emoo para as pessoas que conheceram osantroplogos ali registrados que no esto mais entre ns, e fonte deensinamentos para os mais jovens8 .

    Lembro tambm, lendo a apresentao deste livro,9 que oProjeto Histria da Antropologia no Brasil comeou de modo muitosimples: Manuela Carneiro da Cunha, que ainda trabalhava aqui, teve

    a idia de gravar os depoimentos de alguns antroplogos mais velhos,para registrar suas trajetrias de vida. Quando a verba pedida Fapespfoi aprovada, Manuela j tinha se transferido para a USP e fuiconvidada pelo Departamento para substitu-la no trabalho. A tarefacomeou a ficar complicada quando descobrimos que quase todas aspessoas tinham documentos e queriam do-los. Por exemplo, porsugesto de Egon Schaden, escrevemos para Donald Pierson e, almde publicarmos seu depoimento no primeiro texto sobre o Projeto,

    comeamos a receber dele envelopes e mais envelopes recheados dedocumentao, correspondncia, recortes de jornais e material depesquisa de brasileiros e americanos que trabalharam aqui na pocaem que ele foi professor na Escola de Sociologia e Poltica. Devemsomar quase duas centenas de envelopes grandes que esto guardadosno Arquivo Edgard Leuenroth, junto com outras colees que fomos

    8

    Enquanto falava, com Manuela sentada minha frente, lembrei que Manoel Nunes Pereira, cuja entrevistaManuela acompanhou, fazia planos de ir frica com ela durante nossa conversa. Ele tinha 90 anosquando nos visitou em 1984.9Histria da Antropologia no Brasil (1997).

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    recebendo, como a de Roberto Cardoso de Oliveira. Foi observandoa extenso de contatos propiciados por apenas uma histria de vidaque comeamos a nos dar conta da dificuldade da empreitada.Comeamos tambm a ter muitas respostas, mas no tnhamos as

    perguntas.

    2. A fora das coisas

    Um entrevistado levava ao outro como uma histria puxa outrae tnhamos muito mais personagens do que podamos dar contanaqueles primeiros anos. Personagens que emergiam das fotografias,no conhecidos, e que de repente se tornavam ntimos. Quando

    comeamos a examinar as revistas mais antigas, foram aparecendotambm alguns mistrios.

    O primeiro mistrio foi o do demnio no Catul que, seno estou enganada, deve ter sido o primeiro estudo sobre os crentesna dcada de cinqenta do sculo passado. O caso foi publicado naRevista Anhembie tratava do assassinato de quatro crianas na Grotado Catul, Minas Gerais, porque estariam possudas pelo diabo. Os

    dois lderes da seita foram mortos pela polcia em seguida. Agorasabemos que se tratava da pesquisa de uma equipe da qual EuniceDurham fizera parte - tendo sido seu primeiro texto publicado.10

    Nunca conseguimos encontrar o livro que Carlo Castaldi publicoucom os estudos sobre o Catul e o mistrio s foi inteiramenteresolvido agora, com a publicao do livro de Eunice.11

    10O texto foi republicado na coletnea de artigos de Eunice, A dinmica da cultura. Ensaios de antropologia.Organizao de Omar Ribeiro Thomaz. So Paulo: Cosac Naify, 2004.11O livro, Estudos de sociologia e histria(So Paulo: Anhembi, 1957) continha um artigo de Castaldi, acontribuio de Eunice, um estudo psicolgico de Carolina Martuscelli (Bori) e dois trabalhos de MariaIsaura Pereira de Queiroz. O antroplogo Carlos Caroso, da Universidade da Bahia, manteve contatocom Castaldi um pouco antes de sua morte, em 2002, e est preparando uma traduo de sua tese de

    doutorado, preparada para Columbia e nunca defendida, sobre comunidades na Bahia. Castaldi viveucinco anos no Brasil e ao voltar para a Itlia deixou de trabalhar com pesquisa antropolgica. Ver aapresentao de Caroso em Colquio Internacional UNESCO no Brasil: uma volta crtica ao campo 50anos depois, organizado por Livio Sansone, em Salvador, em 2004.

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    Um segundo mistrio foi Buell Quain, o antroplogo norteamericano que se matou durante a realizao de sua pesquisa decampo: ele raramente era mencionado nos relatos dos antroplogosque nos contavam histrias, e quando era, o suicdio era deixado de

    lado. S muitos anos depois de ter ouvido falar dele pela primeira vezfui descobrir, na Casa de Cultura Heloisa Alberto Torres, em Itabora,Niteri, um dossi completo do caso.12

    Mais outro mistrio era a morte de Curt Nimuendaju: no shavia vrias verses dela, como tambm restaram por enterrar,durante muitos anos, seus despojos mortais, guardados numa caixano Museu Paulista. Em 1981 ele foi finalmente enterrado e em 1988

    Roque de Barros Laraia articulou os elementos para entendermos asverses de sua morte.13

    A histria da antropologia era, enfim, uma histria emocionante:quanto mais sabamos, mais queramos saber. Ao mesmo tempo,percebamos, ou intuamos, que boa parte das histrias que amosouvindo eram, paradoxalmente, histrias para no serem contadas:algumas histrias de amor e morte, outras histrias de pequenasintrigas de bastidores. Uma parte dessas histrias para no serem

    contadas est publicada em ingls ou em francs mas precisomuita pacincia para estabelecer as redes sociais que levem sreferncias bibliogrficas, ou vice-versa. Como me disse uma colegade mtier uma vez: E isso importa? Importa, creio que importasaber o quanto as pessoas que so parte de nossa histria no sopersonagens descarnados, mas so pessoas como ns, sujeitas smesmas presses de seu tempo, envolvidas nas mesmas teias deamizade-parentesco-dvidas acadmicas nas quais ns nos

    envolvemos. Ainda que boa parte de nossas histrias no possa sercontada, elas ajudam os pesquisadores a emprestar significado shistrias contadas, a entender melhor certos movimentos dospersonagens.

    Quando Lvi-Strauss veio ao Brasil em 1985, e foi entrevistado

    12Intrigado com minha meno ao caso numa resenha, o romancista Bernardo Carvalho perseguiu ospersonagens da histria com muito empenho e escreveu o romance Nove Noites, Companhia das Letras,

    2002.13A notcia sobre o enterro de Nimuendaju foi publicada por Tekla Hartmann na Revista doMuseu Paulista,NS, vol.XXVIII, 1981/1982 e o texto de Roque Laraia, As mortes de Nimuendaju, em Cincia Hoje, vol 8(44), 1988.

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    por Manuela, j estava casado, dizem, pela stima vez, mas ns aindaestvamos tentando descobrir sua primeira esposa que veio comele ao Brasil nos anos trinta , Dina Lvi-Strauss. Ela foi finalmentedescoberta, com seu nome recuperado, Dina Dreyfuss, e entrevistada

    por Anne Marie Pessis, que ento estava trabalhando conosco. Foi apartir dessa entrevista, na qual fica muito claro como nos lembramose nos esquecemos das coisas, que comecei um trabalho de recuperaode algumas das personagens femininas de nossa histria.14

    Finalmente, tnhamos muitas perguntas a fazer, e muita gente almde ns est tambm comeando a respond-las, em muitos outroslugares.

    Uma listagem preliminar dos produtos (teses, vdeos, artigos)do nosso projeto est publicada, ainda que j defasada.15 E o ArquivoEdgard Leuenroth, que vai guardando o que encontramos, vai aospoucos pondo tudo na internet. O AEL tem a guarda tambm,autorizada pela Assemblia Geral da dcima-stima Reunio Brasileirade Antropologia, em Florianpolis, dos arquivos da Associao atas,documentos que foram recuperados com ex-presidentes, boletins daAssociao, muitos vdeos dos concursos de vdeos, e outros textos.

    De forma muito resumida, essa tem sido nossa contribuiopara a histria da ABA. Muito obrigada.

    14M. Corra, Antroplogas & Antropologia. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003.15M. Corra, Histria da Antropologia no Brasil. Histria, Cincias, Sade Manguinhos, II (2), 1995.

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    ORIGENS DO DEPARTAMENTO DEANTROPOLOGIA DA UNICAMP

    Antonio A. ArantesUNICAMP, SP

    Presidente da ABA gesto 1988/1990

    A formao das instituies no foge muito ao desenho geralque resulta do encontro e ajustes de diversas vertentes que, podendoser independentes umas das outras e mesmo se desenvolverem emdirees opostas, terminam entrelaadas pelas circunstncias. Projetosno papel tornam-se realidade graas a esse entrelaamento e aosconflitos a eles inerentes.

    Nas origens do Departamento de Antropologia identifico pelomenos trs marcos fundamentais: o Golpe Militar de 1964 e suasconseqncias sobre a vida das universidades brasileiras, astransformaes crticas da agenda das Cincias Sociais praticada naUniversidade de So Paulo na dcada de 1960 e o projeto de criaodo Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Unicamp, encabeadopor Fausto Castilho e Rubens Murillo Marques, respectivamentecoordenadores das reas de cincias humanas e matemtica daquela

    ento recm criada universidade.Neste relato, pretendo indicar as principais idias e fatos que,no meu entender, configuraram o incio desse processo, e explicitar opapel que nele desempenhei. Torna-se, portanto, inevitvel fazeralgumas referncias minha prpria trajetria.

    Setembro de 1968. Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras daUniversidade de So Paulo, na Rua Maria Antnia. Eis onde localizomeu ponto de partida.

    A Faculdade de Filosofia da USP, no final dos anos 1960.

    Uma intensa politizao marcou positivamente a vida das

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    universidades brasileiras nos anos que antecederam o golpe militarde 1964. Intelectuais e estudantes envolviam-se ativamente naorganizao poltica da sociedade civil, em defesa das reformas debase e dos direitos sociais, assim como na luta contra o imperialismo

    norte-americano na Amrica Latina.Embora os fatos sejam hoje bastante conhecidos16 , vale lembrar

    que a segunda metade dos anos 1960 foi marcada pelo Golpe Militare consolidao do regime autoritrio no Brasil. O processo tem inciocom a deposio do presidente Joo Goulart e o incndio da sede daUnio Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, a 1. deabril de 1964. A 9 de abril, promulgado o Ato Institucional n 1

    que autoriza a suspenso de direitos polticos, a cassao de mandatoslegislativos, assim como a demisso, disponibilidade ou aposentadoriados que houvessem atentado contra a Segurana do Pas, o regimedemocrtico e a probidade administrativa, excluda a apreciao judicial.Na mesma data, invadida a Universidade de Braslia. Dezesseteprofessores e vrios estudantes so presos e indiciados em InquritoPolicial Militar. Nos anos subseqentes, desencadeada a luta armadacontra a ditadura e prossegue a violncia contra a sociedade civil.

    Em maro de 1968 o estudante Edson Luiz de Lima Souto baleadopela represso policial no Rio de Janeiro; em junho, organiza-se namesma cidade a Passeata dos 100 mil, reunindo estudantes, artistas,intelectuais, clero, sindicalistas e povo em geral; em outubro, o 30o

    Congresso UNE, realizado clandestinamente em Ibina (So Paulo), desbaratado pela represso e 1240 estudantes so presos. Em 13 dedezembro promulgado o Ato Institucional n 5, que autoriza orecesso do Congresso Nacional e das Assemblias Legislativas

    estaduais, cassa mandatos eletivos, suspende direitos polticos, demiteou aposenta juzes e funcionrios (inclusive professoresuniversitrios), suspende o habeas corpuse autoriza julgamento emtribunais de crimes polticos.

    Esses fatos tornam flagrante que os intelectuais e estudantesbrasileiros eram singularizados pela mira das Foras Armadas.Iminentes professores e cientistas so aposentados compulsoriamente.

    Alm da priso, tortura, seqestro e execuo de colegas e16Cf. cronologia preparada pelo Instituto Perseu Abramo e a extensa bibliografia disponvel sobre operodo.

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    companheiros, a sombra da represso tornou-se cotidianamentepresente na Faculdade de Filosofia, com informantes e provocadoresinfiltrados.

    Passeatas, assemblias e muita discusso nos bares da Vila

    Buarque sobre filosofia, arte e poltica contextualizavam nossasatividades acadmicas. Diferenas ideolgicas e pessoais posicionavam

    jovens de uma mesma gerao, que iniciavam suas carreiras em ummeio social politicamente incerto, mas intelectualmente estimulante,exigente, engajado e cosmopolita. Nos anos 1960, intelectuaisestrangeiros influentes freqentavam regularmente a Faculdadedeixando suas marcas e contribuies renovadoras. Entre eles esto

    includos Pirre Clastres, Perry Anderson e Michel Foucault.Sedimentava-se claramente, nas acaloradas discusses entrecolegas ou entre alunos e professores, o que - na minha percepo se configurava como pacto implcito de crtica cultura e aos valoresburgueses, assim como a convico de que caberia nossa gerao, ea cada um de ns, a misso de conhecer e transformar a realidade emque vivamos. Formava-se um compromisso tico tcito de lutar pelademocracia e pela justia social, embora os matizes ideolgicos e

    partidrios produzissem dissenses muitas vezes inconciliveis.Repetiam-se em nossos ouvidos os versos de Mario de Andrade:Eu insulto o burgus nquel, o burgus burgus, digesto bem feita de SoPaulo; e, no horizonte, as palavras de Marx, nas teses sobreFeuerbach: les philosophes nont fait quinterprter le monde de diffrentesmanires; ce qui importe, cest de le transformer. Solidrios aos operriose camponeses, nos considervamos trabalhadores intelectuais.

    O dia 2 de outubro de 1968 foi marcado por um episdio que

    desde o incio se apresentou como algo muito mais grave do que asconhecidas escaramuas do Comando de Caa aos Comunistas contraos estudantes da Faculdade de Filosofia. Por volta das 10 horas damanh, militantes anti-comunistas e policiais entrincheirados empontos estratgicos dos edifcios da Universidade Mackenzie, emfrente ao prdio da rua Maria Antonia, atacaram com paus, pedras,tiros e bombas incendirias, estudantes, professores e funcionrios e

    as prprias instalaes da Faculdade. O ataque se estendeu at porvolta das 19 horas, quando por ordem dos bombeiros, deixaram oprdio os que ainda restavam dos que l se reuniram solidariamente

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    ao longo do dia em defesa da Faculdade. Encontrava-me entre eles efacilitei a fuga apressada dos derradeiros combatentes pelo vitr doMuseu Plnio Ayrosa, onde se localizava a ento Cadeira deAntropologia, onde trabalhava.

    O culturalismo, e depois.

    Deixei naquela noite a Universidade de So Paulo, levandocomigo as propostas acadmicas a que vinha me dedicando. Haviainiciado minha carreira como instrutor da Cadeira de Antropologiana Faculdade onde me formei. Ensinava tambm na Escola deSociologia e Poltica de So Paulo e no curso de cincias sociais da

    Faculdade de Filosofia de Araraquara, que fora visitada por Jean-Paul Sarte e Simone de Beauvoir em 1961, por iniciativa de FaustoCastilho, ento professor de filosofia e que viria a ser o principalorganizador do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas daUnicamp.

    A USP era o principal centro poltico-intelectual da regio, eum dos mais destacados do pas. Partindo da Estao da Luz, os trens

    que percorriam a Paulista e a Mogiana freqentemente conduziamjovens professores paulistanos, provenientes da USP ou da PUC/SP,para Rio Claro, So Carlos, Araraquara, So Jos do Rio Preto e outrascidades. No vagopullman, amos finalizando a preparao das aulase conversvamos muito, em especial sobre a situao das universidadesnaquela conjuntura de muita incerteza. Com freqncia, distribuamaterial de propaganda poltica ao longo do trajeto. Campinas, aprincipal estao dessa linha frrea, era um lugar ambivalente; nem

    capital, nem interior. Embora estivesse relativamente margemdas conexes universitrias da poca, articulava-se fortemente como movimento poltico e intelectual de So Paulo. L se concentravaminstituies culturais, de ensino secundrio e superior, econseqentemente, estudantes e professores, provenientes de vriascidades e outros estados, residindo em repblicas e pensionatos.

    Na USP, ainda que na condio de auxiliar de ensino, estavaengajado em um esforo de renovao do ensino e da prtica daantropologia que envolvia, entre outros professores, Eunice Durham,Ruth Cardoso e Amadeu Duarte Lanna. Esse empenho, que no eratotalmente compartilhado pela direo da cadeira, contava com a

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    simpatia de Gioconda Mussolini e a adeso de vrios outros colegas.Tratava-se, em resumo, de consolidar rupturas em dois planos. Porum lado, no que dizia respeito orientao durkheimeanaprevalecente, que tendia a interpretar o simbolismo como efeito e

    decorrncia da estrutura social. Por outro, superar a concepo daantropologia como a cincia do homem e suas obras, abrangendo osquatro campos reconhecidos pela prtica dominante nos EstadosUnidos no perodo ps-guerra, ou seja, abrangendo antropologiafsica, cultural, lingstica e arqueologia, com destaque para os estudosde cultura e personalidade, que eram uma temtica forte na poca.O ensaio intitulado Campo e divises da antropologia, da autoria de

    Ralph Linton

    17

    , includo na coletnea organizada por GiocondaMussolini18 , exemplifica o enfoque que ento orientava a iniciaoao estudo da antropologia na Universidade de So Paulo.

    A renovao dos programas das disciplinas bsicas de formaoem antropologia opunha-se a essas duas vertentes por assim dizer,sociolgica e culturalista - da antropologia. Procurava-se defender,numa veia levistraussiana, a compreenso do social como realidadesimbolicamente constituda e da cultura como realidade sui generis.

    Articulando Marcel Mauss a Bronislaw Malinowski19 , passou-se aintroduzir os estudos antropolgicos a partir do fenmeno da troca,dando-se destaque reflexo sobre as implicaes recprocas entrelinguagem e cultura, assim como sobre as relaes epistemolgicasentre a lingstica e a antropologia. Note-se que embora Lvi-Strausstivesse sido um dos introdutores dos estudos antropolgicos na USP,apenas em 1962 ao que eu saiba -, com a publicao de TotemismeAujourdhuie La pense sauvage, suas teorias passaram a constituir a

    embocadura bsica e introdutria do ensino dessa disciplina naquelainstituio20 .

    17R.Linton, Scope and aims of anthropology in R.Linton (org) The science of man in the world crisis.New York: Columbia University Press, 1945.18Mussolini, G. Evoluo, raa e cultura. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978. Essa coletnea foipublicada tardia e postumamente com apresentao de Florestan Fernandes. Sua introduo estava sendofinalizada pela autora por ocasio de seu falecimento, em 1969.19Refiro-me a M.Mauss Essai sur le don. Paris: Anne sociologique, 1923-1924, t.I. E a B.MalinowskiArgonauts of the Western Pacific. Londres: Routledge and Kegan Paul Ltd, 1922.20Le totemisme aujourdhui. Paris: Presses Universitaires de France, 1962. La pense sauvage. Paris: LibrairiePlon, 1962. No se pode esquecer que as obras de Levi-Strauss precursoras dessa virada terica foramLanalyse structurale en linguistique et en anthropologie(1945), Les structures elementaires de la parente(1947),La sociologie au XXeme. Sicle (1947) e Introduction a loeuvre de Marcel Mauss (1950).

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    Paralelamente, a formao acadmica para a prtica etnogrficana USP comeava a trilhar as pegadas da antropologia social britnica,em especial na vertente malinowskiana, a que Eunice Durham dedicougrande interesse e sobre a qual defendeu tese de livre-docncia21 . Na

    crtica ao culturalismo, assim como na aproximao da antropologiacom os paradigmas marxista e estruturalista, foram fundamentais ascontribuies de professores de filosofia como Bento Prado Jnior eJos Artur Giannoti e de outros, vinculados Cadeira de Sociologia,dirigida por Florestan Fernandes. Entre estes, que incluam MariaSylvia Carvalho Franco, Fernando Henrique Cardoso e Octvio Ianni,destacou-se Roberto Cardoso de Oliveira, cuja obra marcou

    definitivamente a trajetria da antropologia no Brasil e que, nessapoca, dedicava-se ao projeto reas de frico inter-tnica no Brasil22

    e criao do Programa de Ps-graduao em Antropologia noMuseu Nacional, criado na Universidade Federal do Rio de Janeiroem 1968.

    Mudanas tericas no ocorrem, como se sabe,independentemente das agendas de pesquisa. Por algum tempo ainda,ao longo dos anos 1960, os movimentos migratrios e as mudanas

    scio-culturais deles decorrentes mantiveram-se no foco da atenodos antroplogos da USP, assim como questes de etnologia indgenacolocadas pelo campo da disciplina. Mas apresentava-se tambm, emuito fortemente, a questo do papel especfico do antroplogo frenteaos assuntos trazidos pelos tempos em que vivamos. A culturapopular se apresentava, sobretudo no meio universitrio, como umespao poderoso de construo ideolgica da cidadania e do anti-imperialismo. O campesinato sobretudo o nordestino e suas formas

    de organizao e ideologia emergiam como universo poltico esimblico onde se construam as transformaes em curso eimportantes representaes, associadas a tipos humanos comolavradores da cana, cangaceiros e beatos. A compreenso dos processosde ocupao crescente e macia dos arredores das grandes cidadespor trabalhadores migrantes e suas formas de organizao e

    21E. Durham, A reconstituio da realidade. Um estudo sobre a obra etnogrfica de Bronislaw Malinowski. So

    Paulo: Editora tica, 1978.22R.Cardoso de Oliveira, O ndio e o mundo dos brancos. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1964.Resultam tambm desse ambiente as teses de doutorado de Fernando Henrique Cardoso e Octvio Iannisobre o trabalho escravo, ambas defendidas em 1962.

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    sociabilidade demandavam novos olhares sobre vida urbana. Aampliao do sistema rodovirio nacional e a penetrao de reasque at ento encontravam-se ao abrigo da economia de mercado,interpelavam os cientistas sociais e, em especial, os antroplogos.

    Que tnhamos a dizer a respeito dessas mudanas? De que formacontribuir para a construo da democracia, nessa conjunturadominada pelo regime militar?

    Nessa poca, questes anlogas colocavam-se a pesquisadoresque trabalhavam em outras regies do mundo, como atesta o clebreSimpsio sobre a Responsabilidade Social da Antropologia, realizadonos Estados Unidos em 1967. Afirma Verena Stolcke, referindo-se a

    esse encontro sus organizadores y los participantes en el debate posteriordenuncian, por un lado, la complicidad de los cientficos sociales con la polticaimperialista norteamericana y su colaboracin en actividades contrainsurgentes del gobierno en Amrica Latina y Asia y, por otro, ponen en telade juicio las pretensiones cientificistas aspticas de la antropologa clsicarelativista en un mundo globalmente pos-colonial, una postura crtica que

    fue adems alentada por el clima poltico radical que la revuelta estudiantil,la oposicin a la guerra del Vietnam y la lucha por los derechos civiles de los

    negros propaga en las universidades norteamericanas23 .As conseqncias do Golpe Militar sobre a Universidadeinterromperam drasticamente a trajetria que vinha se delineandono mbito da USP e obviamente no s nessa universidade. Oambiente poltico na Faculdade prenunciava as cassaes eaposentadorias, que de fato foram efetivadas pelo AI5, em dezembrodaquele mesmo ano.

    Nesse contexto chegava a notcia da criao de um ncleo

    interdisciplinar de excelncia na rea de cincias humanas, na recm-criada e inovadora Universidade Estadual de Campinas. Esse projeto,que privilegiaria desde o incio a pesquisa e a ps-graduao, tinha oapoio da Fapesp e o respaldo de intelectuais seriamentecomprometidos com a defesa da vida universitria no pas, apesar daambivalncia que revestia a figura de seu reitor, o mdico e professorZeferino Vaz. A estratgia de implantao desse ncleo previa o

    23V. Stolcke De padres, filiaciones y malas memorias. Qu historia de qu antropologa? In Joan Bestardi Camps (ed.), Despus de Malinowski, Federacin de Asociaciones de Antropologa del Estado Espaol yAsociacin Canaria de Antropologa, Tenerife, 1993.

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    estgio de um pequeno grupo de jovens intelectuais na Faculdade deLetras de Besanon (Frana), com o objetivo de desenvolverem osseus conhecimentos em lingstica geral e, posteriormente,prosseguirem sua formao nas respectivas reas de especializao.

    Os bolsistas assumiam tambm o compromisso de, retornando aoBrasil, se ocuparem da constituio do corpo docente e da implantaodo futuro Instituto e seus programas de ps-graduao.

    A Universidade de So Paulo passava por uma de suas piorescrises em decorrncia das sucessivas investidas do regime militar.Era praticamente impossvel para um recm-formado desenvolver-se intelectualmente e, ao mesmo tempo, enfrentar as vicissitudes que

    se sobrepunham s atividades acadmicas. Praticamente no haviaalternativa. A 15 de outubro, 13 dias ps os Acontecimentos da ruaMaria Antonia9, foram encaminhados o meu pedido de exoneraoda USP e contrato pela Unicamp e Fapesp. Nos primeiros dias denovembro embarquei s pressas para Paris com o socilogo AndrMaria Pompeu Villa-Lobos, meu ex-colega na USP. Em Paris, nosreunimos a ngelo Baroni (matemtico) e Luiz Orlandi (filsofo),tambm professores recm contratados pela Unicamp, e ao diretor

    do Instituto, Fausto Castilho. Vrias pessoas da minha gerao foramdireta ou indiretamente afastadas da USP nesse perodo.

    Entre o inverno de 1968 e o outono de 1969.

    No trem, entre Paris e Besanon, comeou a tomar forma omundo novo que se abria minha frente. A misso era excessivamentecomplexa e a responsabilidade enorme. Entretanto, os meus objetivos

    eram claros, ainda que frgeis, e projetava um futuro menos incertodo que havia deixado em So Paulo. Procurei levar adiante eamadurecer, no novo ambiente, as preocupaes que orientavam osmeus primeiros passos na USP. Levei comigo os ecos da Rua MariaAntnia e encontrei na Faculdade de Letras de Besanon um ambienteuniversitrio ainda imerso no clima da revolta estudantil de Maio de68.

    Concentrei-me nesse perodo principalmente no estudo da teorialingstica e na potica. Por 8 ou 9 meses, li Troubetskoy, Jakobson,Ruwet, Chomski, Greimas, entre outros. Nas discusses sobre potica

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    debrucei-me sobre Baudelaire e Lautrammont. Aprofundei a leiturade Vladimir Propp.

    O estudo da lingstica era essencial para entender aproblemtica que pautava as cincias humanas naquele pas e, em

    particular, a antropologia estrutural. Alm disso, a nfase nos estudosde linguagem era um diferencial importante da proposta da Unicampque propunha, com destaque, a incluso dessa rea no ambienteinterdisciplinar a ser criado.

    Contudo, no que dizia respeito especificamente antropologia,parecia-me essencial fortalecer em Campinas a pesquisa emprica e aprtica etnogrfica. Em comparao com o preparo de colegas de

    outros pases, a formao que se oferecia nas principais universidadesdo Brasil mostrava-se atualizada e, em muitos casos, to ou maiscosmopolita do que em vrias universidades europias. Entretanto,havia muito a ser desenvolvido enquanto treinamento em mtodosde pesquisa e na prtica de campo, que so essenciais para o ofcio doantroplogo.

    No Brasil, a antropologia era uma disciplina de interesserelativamente restrito, do ponto de vista dos cientistas sociais de

    esquerda. De modo geral, considerava-se esse enfoqueexcessivamente particularista e, por essa razo, insuficiente paraalimentar o debate sobre as grandes questes da agenda polticanacional. Entretanto, do ponto de vista em que eu me colocava aolado de outros colegas, essa questo parecia circunstancial. Ela nodecorria necessariamente de problemas epistemolgicos prpriosdaquela rea de conhecimento. Acreditava, como outros, que ascontribuies da antropologia ao conhecimento da realidade nacional

    se fariam exatamente em razo do enquadramento bem localizado eem escala reduzida de seus objetos concretos, desde que se fizessemas necessrias mediaes interpretativas. Alis, os rumos posterioresda poltica, com o fortalecimento dos movimentos sociais, e a crise dehegemonia dos grandes paradigmas, acabaram por confirmar esseentendimento.

    Esses problemas conduziam a ateno para tradies de

    pensamento que haviam se consolidado no tanto na Frana, mas nooutro lado do Canal da Mancha, ou seja, no mbito da antropologiasocial britnica. Eis porque busquei na London School of Economics,

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    assim como as universidades de Oxford e Cambridge condies paradar continuidade minha formao e ao encaminhamento do projetoda Unicamp.

    Embora os estudos sobre a Amrica Latina e, em particular

    sobre o Brasil, ainda no estivessem plenamente institucionalizadosem Cambridge24 , o desenvolvimento da obra de Edmund Leachsugeria uma srie de convergncias em relao trajetria que euvinha trilhando, sobretudo no que dizia respeito preocupao dearticular os avanos tericos do estruturalismo racionalista francsaos mtodos e pressupostos da etnografia empirista britnica. Nessesentido, destacavam-se na obra de Leach a monografia Political systems

    of highland Burma, publicada em 1954 e reimpressa em 1964 comnova introduo do autor, assim como o ensaio Rethinking anthropologyque data de 1959 e foi publicado em 1961 na coletnea que leva omesmo ttulo, e vrios estudos sobre narrativas bblicas publicadosnos anos 1960, entre os quais Virgin birth, publicado em 1966. Leachno apenas me acolheu como estudante, mas aceitou contribuir paraa misso de criar o ncleo da rea de antropologia na longnquaCampinas, o que fez atravs de contatos pessoais e dialogando em

    minhas sesses de superviso25 .

    As neves de 1969 e um caf junto ao Hyde Park.

    Numa tarde de inverno, em Cambridge, encontrei Peter Fryacompanhado de um amigo, fellowdo Clare College. Apresentamo-nos rapidamente e marcamos um encontro para conversar por maistempo sobre a proposta de Campinas. Expus-lhe o que se pretendia

    em termos acadmicos e o objetivo de iniciar em agosto daquelemesmo ano as atividades da nova rea. Inicialmente se ofereceria adisciplina de introduo a todos os estudantes do ciclo bsico decincias humanas e, j no ano seguinte, seria feita a primeira seleo

    24Refiro-me ao livro S.Mathias et allii, Os Acontecimentos da Rua Maria Antonia. So Paulo: Editora daUniversidade de So Paulo, 1988.25Celso Furtado (research student do Kings College em 1957-8 e, em 1973-4, professor da ctedra

    Simon Bolvar em estudos latino-americanos) foi um dos primeiros intelectuais brasileiros dessa geraoa freqentarem a Universidade de Cambridge. Durante os anos 1960 e 1970, Fernando Henrique Cardoso,Jos de Souza Martins e Roberto da Matta tambm permaneceram perodos prolongados em Cambridge,como professores visitantes.

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    de alunos para o programa de mestrado em Antropologia, queinauguraria a ps-graduao no novo Instituto.

    Ele mostrou-se muito receptivo proposta, embora manifestasseuma compreensvel resistncia em face da visvel contradio de se

    pretender criar uma universidade crtica e inovadora sob o regimemilitar, num pas que perseguia os seus intelectuais mais brilhantes,muitos dos quais juntamente com chilenos, gregos e outros -buscavam exlio na Inglaterra e em outros pases da Europa. Eletinha forte disposio de se instalar no Brasil e envolver-se comassuntos brasileiros. Sua formao se adequava ao que se desejavapara o futuro departamento. Havia defendido recentemente tese de

    doutorado na Universidade de Londres, a partir de pesquisa de campono Zimbabwe (ento Rodsia), orientado por Mary Douglas. Suaformao associava os estudos sobre ritual e simbolismo metodologiade anlise de processos e conflito social, desenvolvida pela escola deManchester. Possua experincia em pesquisa de campo (terica eprtica) e conhecimento de um tema e regio relevantes paracompreender a formao cultural do Brasil.

    Encontrei minha segunda parceira no gabinete do Cnsul do

    Brasil em Londres. Verena Stolcke (ento Martinez-Alier) retornavade Cuba, onde vivera entre 1967 e 1968. Sua tese de doutorado,orientada por Peter Rivire na Universidade de Oxford, encontrava-se em fase de concluso e versava sobre relaes raciais e de gneroem Cuba colonial, no sculo XIX. Possua forte interesse pela pesquisade natureza histrica e questes relativas economia e poltica,demonstrando conhecimento e vivo interesse pela problemtica docampesinato latino-americano, inclusive o brasileiro.

    Aps uma longa conversa num caf em Park Lane foi superadaa compreensvel desconfiana que se manifestara em nosso primeiroencontro, em razo do contexto poltico da proposta que lhe era feita.Mais uma vez, foi preciso esclarecer que, no Brasil, seria possvelcontribuir para a formao da nova universidade sem abandonar acrtica e oposio ao regime militar, assim como a defesa dos polticose acadmicos exilados. Vivencivamos um bom exemplo de que a

    poltica tambm se faz nas fissuras das instituies e margem doprocesso dominante.Configurava-se finalmente a pequena equipe que se ocuparia

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    de conceber e instalar a rea de antropologia na Unicamp. Os perfisdos docentes participantes se complementavam em termos de reasgeogrficas de interesse, assim como de especialidades, prefernciastericas, experincia em pesquisa de campo e em docncia. Iniciamos

    na Inglaterra a estruturao do currculo de antropologia e aelaborao dos programas das disciplinas a serem ministradas.Consolidamos um pr-projeto do curso e a lista de livros e filmes queseriam adquiridos para a biblioteca do Instituto. Compartilhvamosum genuno interesse em investir na nova instituio e muitadisposio para enfrentar as dificuldades que certamente seapresentariam.

    O retorno.

    Desembarquei em So Paulo em junho de 1970. Poucas semanasdepois, recebi Peter Fry no Porto de Santos e, em seguida, VerenaStolcke, con su tesis bajo el brazo y sus dos hijas de la mano como elacostuma dizer. Campinas era, no s para eles, mas tambm paramim, um lugar distante, embora to perto de So Paulo, minha cidade

    de origem. A Unicamp ainda era uma idia abstrata, um projeto nopapel, quase uma visagem no horizonte. Provisoriamente, hospedamo-nos todos num pequeno hotel prximo ao centro da cidade.Comeamos a trabalhar nos barraces desocupados de um depsitode gs na Avenida Brasil, prximo Estao Rodoviria. Algumassemanas depois passamos a trabalhar no campus ainda em construo,em meio a uma penetrante poeira que dominava a paisagem e cobriatudo de vermelho: moveis, livros, documentos e objetos pessoais, que

    ns levamos para o espao de trabalho ainda em formao.Uma Kombi nos conduzia diariamente ao campus, que distava

    cerca de 10 km do hotel, e nos trazia de volta. Soubemos depois queo motorista era informante. Dei aulas com outros infiltrados nas salasdo Ciclo Bsico. Meses depois, minha casa foi vasculhada e fitas comentrevistas gravadas em campo e somente elas roubadas (nuncaficou claro se por ladres, ou policiais). No se podia - ou, pelo menos,no era seguro - citar Marx e Engels nas bibliografias distribudaspor escrito em sala de aula. Procurvamos ser cautelosos, emborafossemos por demais visveis e totalmente estranhos paisagemhumana local.

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    O trabalho em sala de aula era desafiador. O currculo previadois anos obrigatrios do que se denominava Studium Generale, quese compunha de um conjunto de disciplinas comuns para todos osgraduandos em cincias sociais, economia, histria e estudos da

    linguagem. A graduao em filosofia ainda no havia se iniciado.Quanto antropologia, esse ambiente intelectual inovador e de certomodo inusitado colocou questes que nos levaram a rever os planoselaborados no exterior, descontextualizadamente. No reencontro comos demais colegas e com os alunos, nossos planos mudaram pouco apouco e, por fim, drasticamente.

    Havamos decidido, em linhas gerais, iniciar a disciplinaintrodutria pela noo Maussiana de fato social total e apresentar oobjeto da antropologia a partir da diversidade tipolgica dos meiosde subsistncia e da organizao social, que era um procedimento emvoga, enfatizando a importncia da etnografia para a produo doconhecimento. Algumas aulas eram escritas como conferncias edistribudas impressas aos alunos. Essa disciplina e algumas outrastambm de recorte panormico eram ministradas conjuntamente pelostrs docentes, segundo os dotes e dons de cada um de ns.

    Compensvamos nossa limitada experincia em gesto universitriacom o empenho de buscar os melhores parceiros e cumprircoletivamente o planejado.

    Um dos principais desafios para todas as reas era construir odilogo intelectual entre as disciplinas, vencer as exignciascristalizadas pelos padres curriculares oficiais e mediar os usos ecostumes prprios das profisses e seus praticantes. Esse era, a meuver, o aspecto essencial, inovador e mais positivo do projeto do IFCH.

    Mas o peso inercial dos interesses setoriais, das culturas acadmicasconvencionais e dos currculos mnimos tendeu a prevalecer. reasde conhecimento com tradio de ensino e pesquisa j consolidadasde forma mais independente, como a economia e os estudos delinguagem (letras), foram transformadas em Institutos, com seusrespectivos programas de ensino e pesquisa. Progressivamente masno sem conflito estruturaram-se os departamentos de cincias

    sociais, filosofia e histria. Finalmente, o primeiro deles foidesmembrado em antropologia, poltica e sociologia e estruturam-seprogressivamente os cursos de graduao e ps do modo usual.

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    Perdurou no IFCH, ainda que residualmente, o gosto pelasabordagens temticas e interdisciplinares, que desafiava nossacapacidade intelectual e de organizao j nos primeiros anos. Atrecentemente, ambos persistiram o gosto da interdisciplinaridade

    e o desafio dela decorrente - no programa de Doutorado em CinciasSociais, que foi organizado segundo reas temticas trans-disciplinares. Ao lado desse componente da cultura institucional, quecertamente marcou a antropologia feita na Unicamp, perduroudurante muito tempo entre ns o sentimento de communitas, que foireforado pela cultura, ideologia e estilos de vida dessa nossa gerao.Penso que entre os aspectos mais inovadores do trabalho realizado

    por esse pequeno grupo de antroplogos - que se ampliou e,obviamente, se enriqueceu e mudou consideravelmente com o passardos anos destaca-se um renovado interesse pelas margens e fissuras,pelo trans, o inter, ops...

    claro que este no um diferencial exclusivo dessa instituio.Mas no se pode deixar de observar que esse estilo se que o termose aplica - tem sido reiterado por professores, alunos e ex-alunos dodepartamento, e que essa reiterao coerente com o sentimento de

    comunidadeou esprit de corpsque colegas de outras instituies muitasvezes identificaram como prprio do pessoal de Campinas em pocaspassadas.

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    ANTROPOLOGIA EINTERDISCIPLINARIDADE

    Roberto Cardoso de OliveiraUNICAMP, SP e UnB, DF

    Presidente da ABA gesto 1984/1986

    Em memria de Vilmar Faria

    Na oportunidade desta homenagem que a Unicamp faz aocinqentenrio da Associao Brasileira de Antropologia (ABA),considerei importante complement-la estendendo-a memria deum querido colega, Vilmar Faria, socilogo e doutor pela Universidade

    de Harvard, mas cuja relao que encontro c