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ANÁLISE DO SERVIÇO RELACIONAL EATWITH Fabio Luiz Zamberlan (UFRJ) [email protected] Daise Lopes Porto (UFRJ) [email protected] Paula Allevato Bernardo (UFRJ) [email protected] CLAUDIO ULYSSES FERREIRA COELHO (UFRJ) [email protected] Este trabalho discute a organização do trabalho, voltado a perspectiva de um serviço relacional.Trata-se, portanto, de uma inovação social, em que a organização do trabalho se diferencia de modelos mais clássicos. Comparando-o com as filosofias de diferentes escolas de organização do trabalho, por meio da análise de categorias específicas levantadas por autores como Senett (2009), Zaoual(2006). Tais categorias de análise são: flexibilidade do trabalho e do tempo; confiança; novas tecnologias, auto motivação e auto realização. Ao fim, identifica-se quais são os principais conceitos de organização do trabalho que esse caso traz e se esses conceitos podem ser generalizados a outros tipos de serviços. Palavras-chave: Organização do trabalho; serviços relacionais; inovação social; EatWith XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.

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ANÁLISE DO SERVIÇO RELACIONAL EATWITH

Fabio Luiz Zamberlan (UFRJ)

[email protected]

Daise Lopes Porto (UFRJ)

[email protected]

Paula Allevato Bernardo (UFRJ)

[email protected]

CLAUDIO ULYSSES FERREIRA COELHO (UFRJ)

[email protected]

Este trabalho discute a organização do trabalho, voltado a perspectiva de um

serviço relacional.Trata-se, portanto, de uma inovação social, em que a

organização do trabalho se diferencia de modelos mais clássicos.

Comparando-o com as filosofias de diferentes escolas de organização do

trabalho, por meio da análise de categorias específicas levantadas por

autores como Senett (2009), Zaoual(2006). Tais categorias de análise são:

flexibilidade do trabalho e do tempo; confiança; novas tecnologias, auto

motivação e auto realização. Ao fim, identifica-se quais são os principais

conceitos de organização do trabalho que esse caso traz e se esses conceitos

podem ser generalizados a outros tipos de serviços.

Palavras-chave: Organização do trabalho; serviços relacionais; inovação

social; EatWith

XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO

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1. Introdução

A disseminação do uso das tecnologias de informação vem demandando grandes

transformações na sociedade. Essas tecnologias agem sobre todos os domínios da atividade

humana e possibilitam o estabelecimento de conexões infinitas entre indivíduos, assim como

entre os elementos e agentes de suas atividades (CASTELLS, 1999).

Pode-se considerar que o advento dessas tecnologias trouxe uma nova articulação ao ambiente

corporativo e à prestação de serviços, alterando as formas de organizar o trabalho nesses

casos. A tecnologia da informação vem sendo aplicada no desenvolvimento de novos

produtos e também em novos meios de comunicação com seus clientes. Consequentemente, a

organização do trabalho se modifica, flexibilizando não só as atividades internas, mas também

a relação com os colaboradores, seja no papel de clientes e/ou fornecedores.

Segundo KOVÁCS (2006), a flexibilização referente às formas de organização das estruturas

produtivas, às modalidades de organização, às relações de trabalho e às competências dos

recursos humanos visa a conferir às empresas capacidade de adaptação às mudanças.

Corroborando com essa linha de pensamento SILVA (1999, p. 14) afirma que “as novas

relações de trabalho pressupõem não mais apenas patrão e empregado, mas contratantes e

fornecedores de serviços”.

Dentro desse contexto de flexibilidade e dinamicidade, propomos analisar a organização do

trabalho incutida nos serviços relacionais, tomando como base um estudo de caso, baseado no

serviço EatWith.

2. Método

Esta pesquisa se apresenta segundo a taxonomia de GIL (2008) como uma pesquisa social,

por se tratar de um processo que utiliza a metodologia científica no intuito de obter novos

conhecimentos no campo da realidade social. Confere-se a ela também um cunho

exploratório, baseada no levantamento bibliográfico acerca dos temas de organização do

trabalho e serviços relacionais a fim de contribuir com o amadurecimento das discussões em

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torno dos mesmos.

A proposta de aplicação é de um estudo de caso. Toma-se como referência a taxonomia

apresentada por YIN (2009), que classifica o estudo de caso como um caminho que permite

que os investigadores mantenham as características holísticas e significativas dos eventos da

vida real.

O estudo de caso EatWith norteou-se com base em entrevistas estruturadas aos promotores de

eventos da cidade do Rio de Janeiro. Utilizando-se das informações apresentadas pela

plataforma promotora do serviço, levantou-se que 14 eventos eram ofertados durante o

período de aplicação desta pesquisa, ofertados por oito anfitriões. Sete dos oito anfitriões

foram contatados, porém apenas dois se dispuseram a participar da pesquisa. A amostra foi,

portanto, retirada com base na disponibilidade de participação

O roteiro das entrevistas foi delineado por 16 questões, elaboradas a partir das perspectivas

apresentadas por SENETT (2009) e ZAOUAL (2006) com relação as suas proposições

referentes à organização do trabalho, à flexibilidade, ao sentido de “pertencimento”, às novas

tecnologias e ao aspecto da motivação.

3. Referencial Teórico

O levantamento bibliográfico desse estudo buscou investigar o tema organização do trabalho,

analisando conceitos e filosofias de três distintas escolas. Propõe-se também verificar a

concepção de serviços relacionais, que é um conceito ainda não difundido totalmente, mas

que representou a base do presente estudo.

3.1 Organização do Trabalho

Pode-se definir a organização do trabalho como a “especificação do conteúdo, métodos e

inter-relações entre os cargos, de modo a satisfazer os requisitos organizacionais e

tecnológicos, assim como os requisitos sociais e individuais do ocupante do cargo” (DAVIS,

1966 apud FLEURY, 1980).

BARNES (1986), em seu Estudo de Tempos e Movimentos, enfatiza a tarefa, definindo como

será executada a operação, qual será o local de trabalho e quais serão as medidas desse

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trabalho. MINTZBERG (2003), por sua vez, apresenta uma visão mais holística e

contemporânea quando defende o conceito de Design Organizacional. Segundo o autor, a

atividade humana organizada dá origem a dois importantes conceitos: a divisão do trabalho

em várias tarefas e a coordenação e controle dessas tarefas para que a atividade seja realizada.

A organização do trabalho é um tema estudado desde muito tempo pela sociedade,

apresentando diferentes definições e abordagens. No estudo em questão, serão detalhadas três

formas de organização do trabalho: a Administração Científica, a Escola de Relações

Humanas e a Escola Sócio-Técnica.

3.1.1 Administração Científica

A Administração Científica criada por Frederick W. Taylor, em 1911, propunha a

determinação científica e racionalização da tarefa, em suprimento às “regras pessoais

empíricas que vigoravam no processo”. Seus objetivos, portanto, eram aumentar a

produtividade a acabar com a “vadiagem no trabalho”. Para isso, baseava seu método em

quatro princípios: (1) desenvolvimento de uma verdadeira ciência; (2) seleção científica do

trabalhador; (3) instrução e treinamento do funcionário; (4) cooperação entre direção e

trabalhadores. Além desses princípios, duas de suas principais filosofias eram “existe uma

maneira ótima de se desempenhar uma tarefa para estabelec -la, deve-se examinar a

realidade de forma científica" e “todo trabalhador procura maximizar seus ganhos

monetários" (TAYLOR, 1986).

Nessa forma de organização do trabalho, a produtividade dependeria apenas do desempenho

do operário, que seria garantido por um sistema de incentivos salariais, levando o nível de

produtividade ao seu ponto mais elevado (FLEURY, 1980).

Apesar de produtivo, esse método apresenta como característica a questão da fadiga e tédio no

trabalho. Assim, é uma forma de organização em que o funcionário está alienado do seu

próprio trabalho: ele sabe a tarefa que deve realizar, porém não sabe como isso se encaixa no

todo.

Por fim, outro conceito de suma importância do taylorismo é a separação drástica entre

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projetação e execução do trabalho. Quem planeja não executa e quem executa não planeja

(ZAMBERLAN, 1987). Observa-se portanto, uma perspectiva top-down, que será

questionada por outras escolas.

3.1.2 Escola de Relações Humanas

A Escola de Relações Humanas (ERH) surge para tentar equacionar alguns dos problemas

identificados no taylorismo, principalmente os relacionados à fadiga (ZAMBERLAN, 1987).

A ERH também foi fortemente influenciada pelo experimento da Western Electric, em

Hawthorne, na década de 20, elaborado por Elton Mayo. Assim, foi levantada a hipótese de

que a produtividade seria maior desde que os aspectos psicológicos dos trabalhadores

estivessem adequadamente tratados. O resultado prático do experimento, devido ao pouco

conhecimento existente na época sobre tais aspectos, foi a adoção de medidas com o intuito

de melhorar o ambiente de trabalho (FLEURY, 1980). Tais medidas criadas por Mayo foram,

por exemplo, o desenvolvimento de atividades paralelas, extra jornadas, recreativas, já

evidenciando o conceito que utilizamos hoje de “vestir a camisa” da empresa

(ZAMBERLAN, 1987).

Maslow formulou a tese da exist ncia de uma “hierarquia de necessidades”, que orienta o

comportamento das pessoas. Segundo essa hierarquia, o nível básico das necessidades

humanas seriam as necessidades fisiológicas, seguidas das necessidades de segurança,

necessidades sociais, autoestima, para enfim, com todas essas atingidas, chegar na auto

realização (MASLOW, 1943). Já HERZBERG (1959) estudou os fatores que satisfazem e

motivam os indivíduos nos seus trabalhos, dividindo-os em fatores higiênicos, como políticas,

condições, supervisão, remuneração, status e segurança; e fatores motivacionais, como

conquista, reconhecimento, responsabilidade, crescimento e desenvolvimento.

Para esses autores, a produtividade está diretamente relacionada à satisfação e essa decorre de

fatores intrínsecos ao trabalho que só poderão ser alcançadas por meio de um conjunto de

técnicas, denominadas enriquecimento de cargos. Essas técnicas presumem a rotação de

cargos e a ampliação horizontal (diversas tarefas de mesma natureza) e vertical (tarefas de

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diferentes naturezas).

A ERH surge, portanto, como uma resposta à Administração Científica, adicionando o fator

humano em suas perspectivas.

3.1.3 Escola Sócio Técnica

O enfoque sócio técnico apresenta como propostas:

a) equilíbrio entre o social e o técnico;

b) a organização como um sistema aberto, propiciando intercâmbios;

c) solução ótima não é única e depende da contingência, não havendo necessidade de um

modelo organizacional único.

Os conceitos mais relevantes dessa escola são a autonomia (empowerment) e os grupos

semiautônomos. Ela defende que os trabalhadores encontrem a melhor forma de realizar seu

trabalho e assim o façam de forma a adequar melhor suas experiências.

A EST, portanto, se propõe a abordar os problemas relacionados à organização do trabalho de

forma distinta das outras escolas, tratando-os em uma dimensão coletiva, em que aspectos

sociais e técnicos interagem de forma equânime. Outra diferenciação refere-se à questão da

hierarquização, já que nessa escola a divisão do trabalho de forma hierárquica é substituída

por formas de representação e participação dos trabalhadores nas diversas esferas de decisão

(ZAMBERLAN, 1987).

3.2 Serviços Relacionais

Serviços são elementos híbridos e complexos, feitos de lugares e sistemas de comunicação e

interação, porém, principalmente, de seres humanos e suas organizações. Por serem

complexos, são difíceis de serem projetados, porém cada vez torna-se mais importante existir

uma cultura orientada ao design de serviços. Essa nova cultura do design reflete uma mudança

mais ampla: a transição em curso para uma economia baseada em serviços, redes e

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sustentabilidade (MERONA; SANGIORI, 2011).

Nesse sentido, surgem os conceitos de inovação social e serviços relacionais. Segundo

CIPOLLA & MANZINI (2009), inovação social seria a criação de soluções que fujam ao

padrão de produção e consumo existentes. A partir de uma análise dessas inovações, os

autores sugerem o surgimento de uma nova configuração de serviços, denominada serviços

relacionais, aos quais envolvem intensivas relações interpessoais para se conseguir operar.

Segundo MERONA & SANGIORI (2011), projetos dessa natureza devem explorar e

desenvolver soluções de colaboração em que os usuários se tornam coprodutores de seus

serviços, e onde os recursos são acessados e gerenciados de forma mais distribuída.

Serviços relacionais são, portanto, definidos como aqueles profundamente baseados em

interações interpessoais, favorecendo encontros. Eles estão desafiando a maneira padrão de

concepção e oferta de serviços (CIPOLLA & MANZINI, 2009).

No modelo padrão de serviço, agentes e clientes realizam funções predefinidas. O "ponto de

intersecção" do desempenho do serviço ocorre quando as duas áreas distintas, o provedor e

área do cliente, se encontram o que ocorre, muitas vezes, intermediado por algum elemento,

como um balcão.

Nesses casos, os encontros interpessoais entre os participantes não são considerados um

requisito essencial para o desempenho do serviço satisfatório (CIPOLLA & MANZINI,

2009).

Assim, serviços relacionais exigem responsabilidade mútua, a intimidade e confiança para

trabalhar. Os participantes são envolvidos pessoalmente, eles não representam outra pessoa ou

outras organizações. Segue-se que estas formas de organização são distintas do conceito

habitual dos serviços industrializados (LEVITT, 1972, apud CIPOLLA & MANZINI, 2009).

4. Apresentação do caso EatWith

O serviço relacional analisado constitui-se de uma nova solução apresentada para unir

questões gastronômicas, sociais e culturais. Ele opera por meio de uma plataforma on-line,

projetada para intermediar a integração entre pessoas, idealmente de outras culturas,

organizando-se encontros com propósito gastronômico e social.

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Qualquer pessoa pode cadastrar-se na plataforma e participar da operação do serviço. Para ser

anfitrião, se faz necessário ter interesses e dotes culinários, preparando normalmente pratos

típicos de seus países e regiões e cobrando uma quantia financeira associada a esse serviço,

oferecendo assim, uma experiência cultural gastronômica customizada. Trata-se, portanto, de

uma nova forma de se realizar refeições que não as formas tradicionais: restaurantes ou casa

de familiares/amigos.

O caso envolve relações de troca e confiança de forma intensa, pelo fato de o serviço permitir

a conexão de pessoas que realizam encontros sociais e gastronômicos a serem prestados na

residência do anfitrião que se disponibiliza a receber os hóspedes. Com o intuito de garantir a

reciprocidade do serviço, da mesma forma que os hóspedes elegem o anfitrião para participar

do “evento”, o anfitrião também pode optar por receber ou não determinado hóspede .

O serviço tem como objetivo de proporcionar uma troca de conhecimento cultural local

através de uma experiência gastronômica.

A solução apresenta como sustentação do modelo de negócio a disponibilização do site

(www.eatwith.com) que cadastra os participantes: hóspedes e/ou anfitriões, tendo seu tramite

financeiro intermediado pelo PayPall, e como moedas de circulação do serviço: dólar, euro,

libra, shekel de Israel e iene. O promotor do serviço cobra uma taxa de manutenção de 15%

em cima do valor (individual) apresentado pelo anfitrião para a realização do evento.

Os interessados podem ser cadastrados como hóspedes e também disponibilizar o serviço

como anfitrião.

A Figura 1 explicita o fluxo de operação do serviço em geral, enquanto a Figura 2 evidencia

as etapas para que um usuário se torne um anfitrião, fornecendo uma refeição em sua casa.

Figura 1 - Fluxo de operação do serviço

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Figura 2 - Fluxo de operação do usuário como anfitrião

Esse caso é um exemplo claro de serviço relacional, uma vez que exige responsabilidade

mútua, intimidade e confiança para trabalhar e onde os participantes são envolvidos

pessoalmente. Nesse tipo de serviço um dos elementos cruciais para seu funcionamento é a

questão da segurança e como garanti-la. Justamente por isso, o próprio site cria elementos que

ajudam a garantir a segurança, aumentando a confiança envolvida entre os usuários.

Alguns desses elementos são: entrevista online do anfitrião, com o objetivo de conferir as

informações fornecidas; seguro financeiro fornecido pelo promotor do serviço (equipe

EatWith); verificação pessoal dos promotores da qualidade e segurança dos anfitriões,

anunciando os casos em que o anfitrião foi verificado.

5. Discussão do caso

Na discussão do caso realizar-se-á um recorte em cima das teorias apresentadas por SENETT

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(2009) e ZAOUAL (2006), onde a organização do trabalho terá como vetores de análise: a

operação do trabalho, flexibilidade, tempo, confiança requerida no processo, novas

tecnologias e auto motivação.

De acordo com ZAOUAL (2006) o desenvolvimento diante de uma diversidade de contextos,

através de uma sociedade que é composta por diversas visões de mundo, buscando assim

melhorar seus conhecimentos práticos e teóricos, apresenta o empreendedorismo como o seu

suposto “motor” para o alcance do mesmo. Estando o desenvolvimento atrelado a um

sentimento de pertencimento, sendo, o empreendedorismo uma alternativa de concretizar o

mesmo in situ.

Nessa perspectiva SENETT (2009) discute a relação de trabalho com o trabalhador diante da

sua postura de gestão do tempo, e abre uma discussão em torno dos diferentes

comportamentos tomados por diferentes gerações, que estão relacionadas em cima de um

momento econômico que cada geração vive e da forma que as mesmas impactam nas suas

relações de confiança.

Tendo em vista que os serviços relacionais exigem uma relação de confiança entre as partes

participantes e também apresenta uma discussão com relação a gestão do tempo e

flexibilidade é que foram escolhidos esses autores para a realização do recorte de analise do

presente trabalho de pesquisa.

5.1 Relação entre categorias levantadas e a organização do trabalho

O quadro a seguir evidencia como cada categoria de análise é vista nas três escolas abordadas

nessa pesquisa, segundo o referencial teórico apresentado:

Tabela 1 - Categorias de Análise x Escolas de Organização do Trabalho

Administração

Científica

Escola de

Relações

Humanas

Escola Sócio

Técnica

Autonomia Pouquíssimo grau

de autonomia e de

compreensão do

trabalho como um

todo. Gerência

determina melhor

Ainda não há uma

autonomia de fato,

porém os

trabalhadores já

conseguem

perceber suas

Amplo grau de

autonomia, já que

grupos

semiautônomos

definem o método

para realizar suas

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maneira de se

realizar as tarefas e

os funcionários

devem segui-la

atividades como

execução de tarefas

conclusivas

tarefas

Confiança Parâmetro pouco

presente,

aconteciam

contratos de

trabalho e o

funcionário deveria

fazer o que a

gerência

determinasse

Maior preocupação

com o lado

humano, aumenta-

se o grau de

confiança

começam-se a criar

grupos internos e a

introduzir

elementos que

aumentem a

satisfação no

trabalho

Maior grau de

confiança gerência

permite que o

trabalhador

determine seu

próprio método de

trabalho

Pertencimento Muito baixo, pois

quem executa as

tarefas não é quem

as planeja

Maior grau de

pertencimento

devido ao

desenvolvimento

de atividades

paralelas, que

contribuem para

maior satisfação do

trabalhador

É mais provável

que haja um maior

grau de

pertencimento, uma

vez que os

funcionários

decidem como

desejam trabalhar,

o trabalho mais

pessoal,

aproximando as

atividades de

planejamento e

operação

Novas tecnologias No taylorismo,

proposto na década

de 10, apesar de já

existir elementos

automatizados, a

tecnologia ainda

era pouco utilizada

No contexto da

ERH, por volta dos

anos 20, já existia

uma maior

presença de

tecnologia, porém a

escola pouco se

baseava nesse

avanço tecnológico

A EST já se insere

em um contexto de

maior avanço

tecnológico, entre

os anos 50 e 70,

entretanto, pouco

baseia seus

princípios nesse

avanço.

Automotivação/

auto realização

Estão atreladas à

maximização dos

ganhos monetários

apenas

Há maior

automotivação e

realização, uma vez

que os funcionários

estão mais

Sistema aberto que

propicia

intercâmbios,

funcionários se

sentem mais

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satisfeitos com o

trabalho, tanto

fisicamente como

psicologicamente

motivados a

trabalhar e mais

auto realizados,

lado técnico e

social são

considerados

5.2 Análise do estudo de caso

No cruzamento entre as categorias de análise e as escolas levantadas, identifica-se uma

aproximação do caso em questão com a Escola Sócio Técnica, considerando-se os parâmetros

analisados nesta pesquisa.

Tabela 2 - Categorias de Análise no caso EatWith

EatWith

Autonomia Há autonomia no serviço, uma vez que os usuários são

responsáveis por tomar todas as decisões. As pessoas decidem

se querem participar como anfitriões ou hóspedes (ou ambos),

caso sejam os anfitriões: decidem qual será o cardápio

proposto, quanto irão cobrar por aquele serviço, que dias deseja

oferece-lo, quantas pessoas irá receber por evento, além de

determinar se quer receber os hóspedes que solicitaram o

serviço ou não.

Não existe sistema de metas exigidas pelos promotores do

serviço, Fazendo com que o anfitrião forneça o serviço da

forma que melhor julgar. O anfitrião é inteiramente responsável

pelas atividades que realiza, desde as etapas de planejamento

das tarefas, até a sua execução.

Confiança O serviço relacional exige elevado grau de confiança entre os

usuários por envolver relações pessoais. O promotor do caso é

responsável por fornecer mecanismos que diminuam a

sensação de insegurança que alguns usuários, podem sentir

como: seguro, verificação do anfitrião, dentre outros exemplos.

Os entrevistados declararam sentirem-se seguros utilizando o

serviço

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Percebe-se que existe um alto grau de confiança entre os

usuários desse serviço e que esse é um parâmetro que merece

atenção dos promotores para que ele funcione com sucesso.

Pertencimento Consideravelmente elevado e está atrelado diretamente à

autonomia que o mesmo propicia.

Ações relacionadas ao controle total das etapas que envolvem a

preparação e planejamento do evento fazem com que haja um

elevado grau de pertencimento, identificado pela declaração de

um sentimento de proprietário do negócio, por poder tomar as

decisões que deseja e trabalhar da forma que melhor lhe

convém.

Novas tecnologias Esse aspecto está atrelado ao contexto histórico-econômico e

ao tipo específico da organização.

No caso estudado, as novas tecnologias são um parâmetro

essencial, uma vez que todo o serviço está baseado nelas. O uso

cada vez mais comum da internet para a realização de serviços

contribui para que surjam ideias inovadoras, como o desse

caso. Por meio de um maior contato virtual, propiciado pelo

advento de redes sociais, amplia-se a possibilidade de

existência de serviços como esse.

O modelo do serviço baseado em uma plataforma on-line é que

decorre implicações como: o elevado grau de autonomia e

flexibilidade do trabalho, assim como a questão da confiança

envolvida, já que trata-se de um meio onde a única referência

das pessoas são as disponíveis nas plataformas.

Todo o controle existente no trabalho ocorre por meio virtual.

Os promotores do EatWith controlam os tempos de resposta

dos chats deixados para os anfitriões, assim como verificam os

feedbacks deixados pelos hóspedes acerca do serviço utilizado.

Assim, cria-se uma rede, propiciada pelo advento de novas

tecnologias, em que toda a organização do trabalho é

embasada.

Automotivação/

auto realização

Observou-se alto grau de automotivação e auto realização na

prestação desse serviço, principalmente devido a elevada

autonomia que ele proporciona, assim como o elevado grau de

pertencimento que os usuários sentem.

Alguns anfitriões não possuem relação profissional com a

gastronomia, porém gostam de atividades relacionadas, ficando

auto realizados em poder ter uma receita realizando uma tarefa

que lhes traga prazer, o que os torna motivados a realizar tais

atividades.

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6. Conclusão

Experiências diferenciadas se enquadram nas demandas voláteis discutidas por SENNET

(2009) e se apresentam como uma das principais características dos sistemas flexíveis de

produção, permitindo responder com rapidez as mudanças do ambiente que participa.

Este estudo vai de encontro aos conceitos difundidos por SENNET (2009) referentes a uma

nova organização do trabalho que descentraliza o poder, proporcionando às pessoas o controle

de suas atividades.

O serviço está desprendido de qualquer relação de empregador versus empregado entre os

anfitriões participantes com os responsáveis pela disponibilização da plataforma, assim como

não estabelece mecanismos de controle para o monitoramento do desenvolvimento dos seus

eventos, deixando os anfitriões e demais participantes da rede livres para exercerem as

atividades quando considerarem pertinentes.

Enquadra-se assim conceito de sítio de pertencimento apresentado por ZAOUAL (2006),

onde cada sítio é uma entidade imaterial que impregna o conjunto da vida em dado meio, que

possui uma caixa preta composta por suas crenças, mitos, valores e experiências passadas

conscientes ou inconscientes ritualizadas.

Pode-se concluir que o caso apresenta a possibilidade de atuar dentro do seu sítio de

pertencimento de rotina, hábitos e conhecimentos, permitindo aos atores envolvidos um maior

engajamento e identificação. Contudo com uma racionalidade humanizada já que a situa

dentro do espaço vivido pelos atores (ZAOUAL, 2006).

A inovação do caso estudado vai ao encontro dos sítios utilizando-se do empreendedorismo

como uma alternativa de diversificação da renda.

De acordo com ZAOUAL (2006) o essencial do sítio é que se trate de algo que reúna homens,

em alguma escala, em torno de um sentido e de um sistema de crenças que os motiva e

coordenam. Esse sentido de motivação e coordenação se apresenta como sendo uma

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alternativa para exercer uma atividade gratificante, possibilitando a troca de experiências

interpessoais, atrelado a uma arrecadação financeira. Conclui-se que o promotor do serviço

relacional estudado não busca hegemonizar práticas, mas sim abrir momentos de comunhão e

troca de forma que amplie a base de experiência entre os participantes, valorizando assim a

diversidade entre os envolvidos, tendo como elemento enriquecedor as diversas formas de

organização do trabalho que podem estar incutidas dentro do funcionamento do mesmo.

Levando assim a identificar uma possível relação do serviço com as teorias de sítio de

pertencimento apresentadas no recorte desta pesquisa.

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