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DAGMA CIBELE EID
Miguel Llobet: Canciones Catalanas para
violo (1899-1927)
So Paulo
2008
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica, rea de Concentrao Processos de Criao Musical, Linha de Pesquisa Tcnicas Composicionais e Questes Interpretativas, da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Artes, sob a orientao do Prof. Dr. Edelton Gloeden.
i
DAGMA CIBELE EID
Miguel Llobet: Canciones Catalanas para
violo (1899-1927)
So Paulo
2008
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica, rea de Concentrao Processos de Criao Musical, Linha de Pesquisa Tcnicas Composicionais e Questes Interpretativas, da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Artes, sob a orientao do Prof. Dr. Edelton Gloeden.
ii
AGRADECIMENTOS
minha me Elisa Eid por ter me encaminhado aos estudos de msica na
minha tenra idade e ao meu pai, Jorge Eid, por ter proporcionado boas condies para
me dedicar aos meus estudos.
Aos meus professores de violo Mrcia Braga, Edson Lopes, Paulo Porto
Alegre e Gicomo Bartoloni pela confiana no meu trabalho e incentivo.
alaudista e professora Carin Zilling por sua orientao e incentivo nos
meus estudos de alade.
Ao violonista e Dr.Robert Phillips por compartilhar sua pesquisa a respeito
do compositor abordado aqui.
Ao violonista italiano Stefano Grondona, cujo contato proporcionou dados
valiosos que me motivaram a prosseguir a pesquisa.
violonista e amiga Ana Maria de Souza pela efetiva ajuda na formatao e
realizao deste trabalho.
Ao colega Gedson Bravim pela troca de informaes valiosas que resultaram
na idia deste projeto.
Ao colega coordenador da rea de violes do Conservatrio Dramtico e
Musical de Tatu Adriano Paes por seu apoio.
professora Maria Tereza Bryg por sua orientao na lngua inglesa e ao
catalo Jose Portoles por sua preciosa ajuda na aquisio de materiais essenciais para a
pesquisa e na reviso dos textos em catalo.
Ao meu orientador Edelton Gloeden pela pacincia e ateno dedicada a este
projeto.
iii
O, Llobet, lleno de sol, amor de Espana!
Artista lleno de prpura y de oros!
Guitarra que da el clavel, la flor extraa
Regada por la sangre de los toros!
Flor de gitanos, flor que amor recela!
Amor de sangre y luz, pasiones locas!
Flor que transciende a clavo y a canela,
Roja cual las heridas y las bocas!
(Rubn Daro)
iv
RESUMO
As Canciones Catalanas para violo de Miguel Llobet pertencem ao campo
do folclore musical catalo, cuja tradio milenar. Portanto, buscamos na histria da
msica e na etnomusicologia catal as informaes a respeito da origem de tais
melodias usadas na obra do compositor catalo. Ao penetrarmos neste universo
localizamos os textos inseridos nas melodias que ajudam a reconhecer o significado
delas, estabelecendo assim novos elementos de interpretao para esta coleo de
verses de canes tradicionais catals para violo. Consultamos o cancioneiro
tradicional catalo e encontramos as melodias em sua forma primitiva, junto com seus
textos em catalo, que foram transcritos e traduzidos para o portugus.
A pesquisa das Canciones Catalanas enfatiza que tais transcries
representam um marco para a literatura do violo do sculo XX. Os procedimentos
tcnicos e expressivos usados nestas transcries contriburam para o instrumento entrar
numa nova fase idiomtica e influenciou outros compositores a escreverem para violo.
Analisar o papel das canes tradicionais catals no incio do sculo XIX possibilitou
traar a personalidade artstica multifacetada de Llobet cuja biografia final ainda no se
encontra publicada. Os resultados que encontramos ajudam a posicion-lo como uma
figura extremamente importante para histria do violo. No entanto, sua produo foi
sufocada por uma srie de tragdias ocasionadas pela guerra civil espanhola e algumas
obras foram esquecidas.
O reconhecimento progressivo do legado deixado pelas atividades de Llobet
tem gradativamente fomentado uma pesquisa que vem resgatando tais obras. Portanto,
esta dissertao pretende dar sua contribuio neste processo a fim de completar um
captulo essencial na histria do violo.
v
ABSTRACT
The Canciones Catalanas for the guitar by Miguel Llobet belong to the
Catalan folklore music area, whose tradition is millennial. However we search in the
history of music and Catalan etnomusicology the information about the origin of such
melodies used in the works of the Catalan composer. When we enter this universe, we
find the texts which are inserted in the melodies that help recognise the meaning of
them and establish new elements of interpretation for the collection of Catalan
traditional songs for the guitar. We have consulted the Catalan traditional Cancioneros
and we have found the melodies in their primitive forms with their texts in the Catalan
language transcribed and translated into the Portuguese language.
The research about Canciones Catalanas emphasizes the statement that they
are a mark in the literature of the guitar from the twenthieth century. The technical and
expressive procedures used in these transcriptions contributed towards the entrance of
the instrument into a new idiomatic phase and influenced other composers to write for
the guitar. To analyse the function of the traditional melodies in the beginning of the
nineteenth century, propitiates the possibility to trace Llobets manifold artistic
personality, whose final biography has not been published yet. The results helped to
give him a position as an extremely important figure for the history of the guitar.
However, his production was stifled by several tragedies brought about by the Spanish
Civil War and some of the works fell into oblivion.
The progressive recognition of the legacy left by Llobets activities has been
gradually promoting a research and thus rescuing his works. However, the present
dissertation intends to give a contribution to this process so as to complete an essential
chapter in the history of the guitar.
vi
SUMRIO
Introduo..........................................................................................................................1
1- REFERNCIAS HISTRICAS DA CANO TRADICIONAL CATAL ......6
2-MIGUEL LLOBET: SEUS PREDECESSORES E CONTEMPORNEOS ......26
3-MIGUEL LLOBET Y SOLS (1878-1938) ............................................................42
4 MIGUEL LLOBET E A TOTALIDADE DE SUA OBRA..................................65
5- CANCIONES CATALANAS ASPECTOS HISTRICOS, SOCIAIS E
TRADUO PARA O PORTUGUS .......................................................................76
5.1 MIGUEL LLOBET: CANCIONES CATALANAS .................................................87
5.1.1.Plany ........................................................................................91
5.1.2. La filla del marxant (1899) .....................................................93
5.1.3. El testament dAmelia (1900) .................................................98
5.1.4. Can del Lladre (1900) .......................................................107
5.1.5. El Rossinyol (1900) ..............................................................115
5.1.6. El fill del rei (1900) ..............................................................120
5.1.7. Lhereu Riera (1900) ............................................................125
5.1.8. El mestre (1910) ...................................................................133
5.1.9. La nit de nadal (1918) ..........................................................146
5.1.10. La filadora (1918) ..............................................................153
5.1.11. La pastoreta (1918) ............................................................157
5.1.12. La Pres de Lleida (1920)...................................................163
5.1.13. El Noi de la Mare (s.d.) ......................................................169
5.2 CANCIONES CATALANAS RECM-DESCOBERTAS ....................................174
5.2.1. LAnunciaci ........................................................................180
5.2.2. Lhostal de la Peira ..............................................................183
vii
5.3 OUTROS COMPOSITORES E SUAS ABORDAGENS ...................................187
5.3.1. Els tres tambors ....................................................................191
5.3.2. El cant dells ocells ................................................................199
5.3.3. El bon caador ..................................................................... 209
5.3.4. La ploma de perdiu .............................................................. 215
5.3.5. Els Estudiants de Tolosa ...................................................... 219
5.3.6. Muntanyes del Canig ..........................................................222
5.3.7. Catarina dAli .................................................................... 227
5.3.8.La gata i el belitre .................................................................231
Concluso ...............................................................................................................235
Referncias Bibliogrficas ..................................................................................... 238
ANEXOS ............................................................................................................... 246
ANEXO A Partituras ...........................................................................................247
ANEXO B Entrevista com Stefano Grondona ....................................................270
ANEXO C Programas de Recital realizados no II Encontro Internacional de
Violonistas de Tatu ................................................................................................273
1
INTRODUO
A pesquisa acerca das Canciones Catalanas harmonizadas por Miguel
Llobet (1878-1938) teve incio quando entramos em contato com a msica da Idade
Mdia e do Renascimento atravs dos estudos de alade, da experincia adquirida na
participao de conjuntos de msica antiga e na atuao no ensino e execuo de violo.
O trabalho com a msica dos Cancioneiros Ibricos levou-nos a temas
antigos, que remontam h sculos, e por fim, ao Cancioneiro Catalo, cuja tradio
milenar.
Outra forte influncia que nos aproximou da memria catal foi a audio do
grupo catalo La Capella Reial de Catalunya da gravao intitulada Canons de la
Catalunya Mil-lenria, Planys & Llegendes (Astre, 1977), que nos conduziu a uma
outra viso da interpretao da msica tradicional catal. O repertrio nos chamou a
ateno, pois inclua temas utilizados pelo compositor e violonista catalo Miguel
Llobet (1878-1938) em suas Canciones Catalanas, estudadas durante a nossa formao
musical como violonistas, tanto na execuo como no ensino delas. Isso nos remeteu a
um interesse em desvendar este passado histrico e a procurar respostas para a
interpretao deste repertrio, tanto para prtica num conjunto de msica antiga quanto
na execuo destas verses romnticas para violo.
As Canciones Catalanas de Llobet tornaram-se obras consagradas no
repertrio violonstico, tanto para a execuo em recitais quanto para a formao dos
violonistas. Tal coleo elaborada no incio do sculo XX, poca decisiva para a
afirmao do violo, que ainda no ocupava seu espao no cenrio musical, chegou a
ser gravada tanto de maneira fragmentada quanto integralmente por importantes
msicos como Andrs Segovia, Julian Bream, John Williams, David Russel e Stefano
2
Grondona, entre outros. Em nenhuma destas gravaes h a citao das letras nem
mesmo seus significados. Conhecer seu texto contribui, no mnimo, para a definio de
novos elementos de interpretao.
Um dos fatores que nos chamou a ateno foi justamente o rico contedo do
texto das canes que esto ausentes nas publicaes e nos registros que envolvem o
repertrio violonstico e, em particular, os arranjos de Llobet.
Dividimos nosso trabalho em cinco captulos:
No captulo 1 trataremos de um breve histrico da cano, onde
delinearemos alguns elementos que vieram, mais tarde, a influenciar as canes
utilizadas na obra de Llobet. Quando estudamos a msica antiga, reconhecemos alguns
temas nos Cancioneiros do sculo XVI, no trovadorismo, e at mesmo no canto
litrgico. Inclumos neste captulo, o movimento de msica nacional espanhola no
sculo XIX que marcou presena no renascimento da cultura do pas, atravs dos
trabalhos de intelectuais catales, onde o emprego da cano popular bastante
valorizado. O violo ressurge, da mesma maneira, pelas mos de violonistas catales,
que reunidos com violonistas de outras regies da Espanha, criaram um movimento
semelhante, utilizando canes populares.
No captulo 2, comentaremos a gerao de violonistas catales que precedeu
Llobet e que ajudaram a construir a importante escola de violo moderna, bem como
seus contemporneos. Acreditamos que o conjunto da obra de Llobet foi decisivo para a
evoluo da tcnica violonstica, mas esta figura to importante ainda no teve seu
destaque merecido dentro do cenrio musical. Portanto, reservamos um captulo, o
nmero 3, para comentar a personalidade marcante e a importncia da obra de Llobet,
especialmente as Canciones Catalanas, bem como as possveis causas da perda de
algumas obras.
3
O captulo 4 abordar a questo da totalidade da obra de Llobet. Os
catlogos realizados precisam ser revistos, pois recentemente, foi descoberto um
arquivo com obras inditas. Entre elas, novas transcries de canes tradicionais
catals, aumentando assim o nmero das treze canes j editadas. O responsvel pela
pesquisa indita o violonista italiano Stefano Grondona (1958), que registrou estas e
outras obras inditas em recentes gravaes.
O material explorado por Llobet nesta coleo pertence ao terreno da
tradio folclrica catal, de origem bastante antiga. As canes originaram-se de
maneira espontnea e annima, e foram transmitidas atravs da tradio oral. Graas ao
poder que a msica exerce sobre a memria coletiva, as melodias das canes
tradicionais puderam ser conservadas no decorrer dos sculos. O pesquisador que se
ocupa em registrar o texto de uma cano ajuda a preservar, portanto, a msica
tradicional, pois foi exatamente graas ao fato da msica estar intimamente ligada
poesia que as canes populares sobreviveram. De fato, a msica ajuda-nos a lembrar
uma poesia na ntegra quando cantarolamos a melodia inserida em seu texto e somos
remetidos a ele.
Apresentar o texto das canes torna-se indispensvel para formar o corpo
musical que estamos propondo, de texto e melodia indissociveis, para incorporar o
significado que tem o folclore para a cultura nacional de qualquer povo. Assim, no
captulo 5, comentaremos alguns aspectos histricos e sociais ligados ao folclore catalo
suas lendas, histrias, costumes, bem como a traduo das letras das melodias para o
portugus. Ao abordar as letras das melodias, inclumos a transcrio monofnica das
canes na sua forma original.
Apesar do folclore catalo no ser difundido entre outras culturas, incluindo
a nossa, e de no termos, a priori, um compromisso de conhec-lo a fundo, quando
4
lidamos com estes temas em quase toda a nossa vida profissional, sentimos a
necessidade de penetrar neste universo.
Temos o nosso prprio folclore musical para ilustrar o quanto tais melodias
folclricas esto presentes na alfabetizao infantil, no cotidiano de pessoas de diversas
classes sociais e inseridas, inclusive, na obra de compositores eruditos brasileiros
consagrados.
Examinando o material bibliogrfico para este trabalho, podemos estabelecer
certo paralelo com o que vimos em Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que utilizou as
msicas do folclore brasileiro nos seus cantos orfenicos, cuja finalidade tambm era
social, e para compor suas grandes obras. Procuraremos analisar, no caso de Llobet, a
finalidade de usar melodias folclricas em sua obra para violo.
O repertrio de canes folclricas presentes na obra de Villa-Lobos
exemplifica o quanto a letra est associada sua melodia e presente na memria
coletiva de um povo que valoriza sua identidade. De fato, quando ouvimos a obra
instrumental das Cirandas1 de Villa-Lobos, das quais a canes populares Terezinha de
Jesus, O Cravo Brigou com a Rosa, Fui no Itoror, Nesta Rua e A Canoa Virou (1926)
fazem parte, inevitvel no cantarolarmos, mesmo que mentalmente, as letras de suas
melodias.
A partir de uma reflexo sobre a importncia de pesquisar as letras das
melodias catals, e reuni-las num trabalho para posterior consulta, foi o que nos
motivou a procurar as canes que Llobet escolheu para suas verses em coletneas de
msica folclrica espanhola, especialmente a catal. O trabalho de Joan Amades2,
musiclogo catalo, serviu de base para a pesquisa, pois constitui o trabalho mais
1 VILLA-LOBOS, H. Coleo de 16 peas para piano sobre temas. Rio de Janeiro: Editora Arthur Napoleo Ltda, 1968 (partitura). 2 AMADES, J. Folk-lore de Catalunya, canoner. Barcelona: Editorial Selecta, 1951.
5
importante e completo sobre o assunto, citado em diversas publicaes de msica
tradicional catal.
Llobet explorou temas populares antigos de forma inusitada, modernizando-
os e tornando-os extremamente importantes para o instrumento entrar numa nova fase
idiomtica. Portanto, esta pequena coleo de treze peas tem uma grande importncia
dentro do repertrio violonstico, sendo muito executadas e gravadas pelos mais
importantes violonistas e fazendo parte da formao dos estudantes de violo de toda a
parte.
Citaremos, ainda, outros compositores e violonistas importantes para o
posicionamento do violo, que tambm exploraram temas tradicionais catales,
seguindo o modelo deixado por Llobet.
A msica que recorre a tais temas ficou registrada na histria do violo. No
entanto, os violonistas em geral no identificam a sua origem e no conhecem o texto
original das canes catals encontradas na msica antiga. Portanto, a pesquisa das
letras e sua traduo visam oferecer elementos para uma melhor compreenso dos temas
explorados por Miguel Llobet.
6
1. REFERNCIAS HISTRICAS DA CANO TRADICIONAL
CATAL
A Espanha um pas de diversas culturas, com caractersticas diferentes em
cada regio. A variedade de estilos musicais resulta em diferentes aspectos da cano
popular espanhola, sendo necessrio delimitar tais diferenas regionais, em funo dos
diversos grupos tnicos que se estabeleceram na Pennsula Ibrica ao longo da histria.
Muitos adotam o modelo musical da regio andaluza o flamenco - para
exemplificar a cano popular espanhola, esquecendo-se e relegando a um segundo
plano outras modalidades cancionsticas como a galega, a asturiana, a vasca, a
salmantina, a burgalesa, e finalmente, a catal, objeto do nosso estudo.
A msica tradicional da Catalunha se distingue da msica tradicional da
regio andaluza, por sua distinta colonizao3, no tendo tanta influncia dos cantos
carregados de lamentos vindos da cultura rabe, embora alguns elementos contidos na
tradio musical espanhola s vezes se confundam. Notamos isso ao considerar os
primeiros documentos musicais da Espanha, encontrados dentro da igreja.
A Catalunha, liberada do julgo mulumano, adotou o rito romano em seu
repertrio litrgico, mas alguns cdices monsticos catales do sculo XI conservam
traos da cultura rabe, indicando assim possveis ocorrncias de elementos rabes na
msica litrgica desta regio (LIVERMORE, 1974, p. 69).
Os elementos populares, por sua vez, muitas vezes se confundem com os
elementos religiosos. A msica de carter popular se associava em algumas ocasies a
certos atos relacionados com o culto religioso. Podia influenciar a confeco das missas,
3 Sobre o tipo distinto de colonizao que a Catalunha sofreu, vale citar que durante meados do sculo XII, os catales foram chamados de los francos, no poema de El Cid, devido influncia francesa na regio (DUFOURCQ, p. 175).
7
e muitas vezes letra e msica eram tiradas de fontes populares que tinham relao direta
com a dana. A dana era praticada tanto nos trios das igrejas, quanto em seu interior
(SUBIR, 1953, p. 88).
A tradio oral estava fortemente arraigada implantao do canto litrgico.
Os monges sabiam de memria a estrutura dos ofcios religiosos, de maneira que, assim
como as melodias populares, eram de extenso pequena e de fcil memorizao. A
difuso dos cantos litrgicos acontecia durante as peregrinaes religiosas feitas pelos
fiis, onde o povo tinha a oportunidade de cantar e danar, dando origem s canes de
traos manifestadamente populares.
A influncia do canto gregoriano se manifesta de maneira muito forte na
cano catal (ANGLS, 1954, p. 421), e pouco em outras regies da Espanha. Em
contrapartida, o uso dos sistemas modais dentro do sistema diatnico, que foram
gradualmente cromatizados pela interveno das escalas orientais pouco influenciou a
cano tradicional catal.
Segundo a afirmao de vrios especialistas, a cano popular uma das
manifestaes mais antigas da cultura popular. O musiclogo Francesc Baldell (1887-
1977) comenta a influncia da msica litrgica na cano popular, como veremos
efetivamente no captulo que descreve as canes. O povo, que assistia s funes
religiosas dos grandes monastrios - onde era executado o canto gregoriano - assimilava
suas melodias e as transformava numa nova manifestao artstica. A nica influncia
que a populao recebia vinha da msica ouvida na igreja (BALDELL, 1926, vol. 2,
p. 357).
Os monastrios tiveram participao definitiva na difuso da msica na
Catalunha, e suas relaes com os grandes centros litrgicos franceses levam alguns
8
tericos a afirmar que a histria da msica na Catalunha pertence mais histria da
Europa que da Espanha (DUFOURCQ, 1965, vol. 1, p. 176).
Santa Maria de Ripoll, um monastrio beneditino fundado em 888 uma
referncia para a histria da cultura musical catal. Trata-se de um grande centro
musical onde se desenvolveram as transformaes da cano caracterizada por alguns
elementos populares. Suas relaes culturais com outros monastrios, especialmente os
da Frana, foi uma das causas do florescimento artstico da msica na Catalunha. No
que se refere produo musical, identificam-se nos seus cdices, a influncia dos
monastrios franceses de Fleury, de Saint Germain des Pres, de Cluny, Moissac e Saint
Martial de Limoges (ANGLS, 1954, vol. 2, p. 1888). Os monges beneditinos no
monastrio de Ripoll inventaram, no sculo X, uma notao musical neumtica tpica
conhecida como notao catal, cujos traos recordam os neumas mozrabes (figura 1).
Este sistema de notao propagou-se por vrias regies da Catalunha, chegando a
ultrapassar os Pirineus, penetrando at na Frana, tal a fora da cultura musical da
escola de Ripoll (DE LA CUESTA, 1983, p. 225).
A partir do sculo XIII, surgem outros monastrios, e com isso, a
possibilidade de criar e conservar mais cdices.
O monastrio de Las Huelgas (Burgos), fundado por Alfonso VIII de
Castilla entre os anos 1180-1187, foi um centro musical de primeira ordem, como
podemos ver pelo clebre cdice musical com polifonia religiosa do sculo XIII - o
Cdex Musical de las Huelgas, uma das antologias mais ricas da msica medieval
europia. Trata-se de uma coleo de 186 obras: 28 organa para missa, 31
benedictamus, 31 prosas, 59 motetes, 32 conductus e 1 credo (o mais antigo de seu
gnero).
9
Figura 1. Notao catal criada no sculo X
Como veremos adiante, uma das canes usadas nas adaptaes para violo
de Miguel Llobet, possui uma melodia que se assemelha com uma das melodias que
figura neste cdice de Burgos (LIVERMORE, 1974, p. 81). Portanto, podemos supor
um intercmbio tambm entre as escolas monsticas de Burgos e Ripoll em relao
cultura musical.
10
Ainda comentando a importncia dos monastrios na cultura musical catal,
inserimos o monastrio de Montserrat situado na montanha que lhe d o nome, a 35 km
da capital Barcelona. Exerce profunda atrao no povo, que por sculos tem subido
montanha em peregrinao. Tambm representa a primeira escola de msica de toda a
Europa, de onde saiu um bom nmero de maestros que ocuparam importantes posies
na Pennsula Ibrica. Seu antigo e valioso arquivo musical desapareceram no sculo
XIX por ocasio da invaso das tropas napolenicas (1811). O documento musical mais
antigo conservado no monastrio o Libre Vermell de Montserrat, chamado assim
devido cor da capa que recebeu ao ser recuperado e encadernado com uma capa
vermelha.
Trata-se de uma coleo de cantos e danas religiosos dos sculos XIII e
XIV em homenagem santa padroeira da Catalunha a virgem de Montserrat. Suas
melodias foram concebidas com a finalidade de edificar os peregrinos que tinham que
subir 2.910 degraus para ver a virgem negra a moreneta - encontrada
milagrosamente nas montanhas. Tal circunstncia faz das canes contidas no Libre
Vermell um conjunto de melodias populares, pois foram cultivadas em ambiente
domstico, fora da igreja, apesar de seu tema religioso.
So dez melodias oito com texto em latim (O Virgo Splenders, Stella
Splenders, Laudemus Virginem, Cuncti Simus, Polorum Regina, Maria Matrem,
Splenders Ceptigera e Ad Mortem Festinatus) e duas com texto catalo (Los Set Goyts e
Imperaytrix de la Ciutat Joiosa).
Los Set Goyts4 uma dana em crculo, que possivelmente deu origem
popular sardana5 e consequentemente influenciou as canes populares posteriores,
4 Goyts ou goigs (gozos) so manifestaes tpicas catals e pertencem ao terreno da msica popular. Possuem uma sucesso de estrofes (cobles) e um estribilho (refrany) que se repete ao final de cada uma delas. Sua finalidade louvar divindades religiosas, ocasio intimamente ligada dana. Esta melodia representa a mais antiga do gnero, que foi usado por diversos compositores durante os sculos seguintes.
11
inclusive algumas que estudaremos na pesquisa. Outro aspecto peculiar nesta coleo,
que o mesmo povo que danava durante a noite no monastrio de Montserrat diante do
santurio da virgem, danava durante o dia em praa pblica. Tal fato comprova como
os elementos populares podiam conviver no ambiente religioso. Desta maneira, entre os
variados textos musicais encontramos uma dana com um ttulo em seu cabealho:
Ballada dels goigs de Nostra Dona en vulgar cathalan, a ball rodon (Baile dos gozos
de Nossa Senhora em catalo vulgar, em baile de roda) (SUBIR, 1953, p. 88).
5 Dana tpica da Catalunha na qual um grupo rene-se ao ar livre, formando uma roda. As pessoas entram livremente no crculo de bailarinos e so integradas pelos outros sardanistas. Participam todos que tm interesse nesta espcie de baile social (BUADES, 2006, p.269). A sardana pode se apresentar como sardana llarga com grande quantidade de bailarinos e sardana corta, sem grande acmulo de pessoas. A banda que tradicionalmente acompanha a sardana chamada de cobla.
12
Imperaytrix de la Ciutat Joiosa um canto de contemplao virgem que
significava, para os peregrinos, o reconforto e a absolvio para executarem a ltima
melodia Ad Mortem Festinatus, que constitui uma dana de traos profanos a dana da
morte (LIVERMORE, 1974, p. 82). Algumas melodias inseridas no Libre Vermell j
indicam o processo de desvinculao da igreja, trazendo elementos populares em seu
texto e melodia, uma vez que algumas delas eram destinadas dana.
Esta coleo de melodias populares, com tema religioso, marca o
aparecimento da cano popular, como percebemos no comentrio de D. Gregrio
Estrada: O Livre Vermell de Montserrat constitui uma das amostras mais antigas e
impressionantes do folclore medieval europeu.(RUBIO, 1983, p. 109)
As Cantigas de Santa Maria so uma coleo de canes mondicas em
homenagem Maria, escritas pelo rei espanhol Alfonso X, o Sbio (1252-1284) e seus
trovadores, copiadas entre 1275 e 1280. Evoca uma antiga tradio espanhola a de
entoar temas com acompanhamento de instrumentos a fim de contar uma histria que
recitavam os chamados romances6. As 417 canes possuem melodias de vrios tipos:
trovadorescas, romances velhos, e aires religiosos cantados por peregrinos em suas
procisses (LIVERMORE, 1974, p. 73). mais uma amostra de que elementos
religiosos e populares se confundiam, pois possui uma lrica religiosa com texto vulgar.
A maior parte das cantigas se baseia em fatos do tempo do rei Afonso X e
sua famlia, em lendas locais e principalmente anedotas milagrosas. Outras narram
histrias lendrias de carter universal, ento muito em voga na Europa. No
encontramos nenhuma cantiga com texto catalo, mas como veremos adiante,
encontramos elementos que vieram a influenciar, mais tarde, a cano tradicional catal.
6 Forma tradicional na Espanha, influenciada pelo canto gregoriano e pela lrica trovadoresca, que usava canes para narrar estrias criadas pelo povo e continuadas pelos msicos profissionais no sculo XIV (BARGALL, 1983, p. 38).
13
14
O El Cant de la Sibil-la era muito praticado na Catalunha, sobretudo no
monastrio de Ripoll. Primeiramente era cantado em latim e com melodia gregoriana,
no sculo X, e depois, no sculo XII, se cantava com texto vulgar. Esta coleo de
msica, cujo repertrio tradicional era usado para certas festividades, metade litrgica,
metade popular (DUFOURCQ, 1965, vol. 1, p. 175). Tal prtica ilustra bem como o
profano e o religioso conviviam bem dentro do contexto histrico, uma vez que o canto
gregoriano e outros elementos autnomos se fundiram para formar linhas meldicas
medievais.
Ainda na Idade Mdia, encontramos algumas melodias de carter popular
que surgiram a partir de um movimento realizado por msicos ambulantes, que
difundiam sua arte por diversas regies da Europa.
Na primeira metade do sculo XII surgem no sul da Frana os trovadores,
poetas-msicos, que cantam seus versos em lngua doc (dialeto com o qual a Catalunha
manteve importantes relaes lingsticas) com importantes ramificaes na Catalunha
lugar preferido de muitos trovadores, em cujas cortes encontraram ajuda efetiva - o
que favoreceu a criao de canes por parte de seus prprios habitantes7 (DE LA
CUESTA, 1983, p. 291). Os trovadores se ocupavam de cantar os chamados romances,
gnero incorporado pela cano e recorrente em diversas melodias catals. Encontramos
uma melodia trovadoresca muito semelhante a uma cano tradicional catal, como
veremos adiante.
As fontes que temos das obras dos trovadores, a maioria de autoria annima,
so os Cancioneiros.
7 Algumas msicas que sobreviveram so de trovadores catales como Pon de la Guardia (1154-1188), Guillem de Bergued (1138-1192), Guillem de Cabestany (1212), Guillem de Cervera (1259-1285), Huguet de Mataplana (1185-1213), Formit de Perpin, Guillem Ramn de Gironella, Pere Salvatge, Berenguer de Palou (1164) e Pon dOrfat (1184-1246).
15
Os cancioneiros ibricos mais conhecidos so: Cancionero Musical de
Montecassino (1480-1500), Cancionero Musical de la Colombina (1490), Cancionero
Musical de Barcelona (1500-32), Cancionero Musical de Palcio (1505-1520),
Cancionero Musical dElvas (1550), Cancionero de Upsala (1556), Cancioneiro
Musical de Medinacelli (1569), Romances y letras a tres voces (1600), Cancionero
Musical de Casanatense (1620), Cancioneiro de Segovia, Cancionero Musical de
Sablonara (1625), Cancionero de Valladolid (1650).
So coletneas de msica polifnica na forma de villancicos8, o que denota o
desenvolvimento da polifonia de maneira contundente, j no sculo XVI. Os temas
contidos nestes cancioneiros so em sua maioria profano, mas encontramos tambm
temas religiosos.
Rafael Mitjana (1869-1921) descobriu o Cancioneiro de Upsala conservado
na Biblioteca da Universidade de Upsala, na Sucia editado no Mxico em 1944 - uma
coleo de 54 villancicos, na maioria com temas profanos, e poucos religiosos,
intitulada Villancicos de diversos autores a dos y a tres y a quatro y a cinco bozes
agora nuevamente corregidos (Venice, 1556), mais conhecida com o nome Cancioneiro
de Upsala (Cancionero del Duque de Calabria). Neste cancioneiro figuram quatro
canes com texto catalo no. 23, no. 24, no. 35 e no. 45. A primeira, no. 23 utiliza
em seu texto a poesia de Ausias March e foi usada posteriormente pelo mestre catalo
Felipe Pedrell (cuja importncia destacaremos a seguir) em sua obra de teatro lrico
espanhol Los Pirineus (MITJANA, 1944, p. 67).
8 Forma potica e musical espanhola derivado do poema lrico medieval que era musicado para dana e ligado a temas rsticos e populares, extensivamente cultivado na msica secular polifnica nos sculos XV e XVI, aparecendo anteriormente nas Cantigas de Santa Maria. Possui caractersticas semelhantes cano popular, como a forma ABBA, o refro e a base em temas poticos do cotidiano. O villancico semelhante ao romance e cano, possuindo cada um apenas tamanhos diferentes de refro. No sculo XVII, o villancico religioso tornou-se mais difundido e a forma popular foi deslocada para o romance. A partir do sculo XIX, villancico significa simplesmente cano de natal.
16
Outro villancico com texto catalo o de no. 24:
17
No villancico de no. 45 encontramos um tema religioso:
A polifonia profana sobressai tanto quanto a msica religiosa na Catalunha,
terreno em que os nomes de Joan Brudieu (1520-1591) e Mateo Flecha, o Velho (1483-
1553) figuram entre os primeiros compositores catales a escrever madrigais9 de carter
popular.
Joan Brudieu foi maestro de capela e publicou uma coleo de dezesseis
madrigais profanos no De Los Madrigales del muy reverendo Joan Brudieu maestro de
capilla dela sancta yglesia de La Seo de Urgel a quatro bozes (Barcelona, 1585). Seus
9 Partituras dos sculos XVI e XVII sobre versos seculares.
18
temas, na maioria, so populares e os textos de dois deles so baseados na poesia do
poeta catalo Auzias March, citado acima.
Mateo Flecha, o Velho tem uma produo religiosa que se perdeu, mas sua
Ensaladas espcies de poutpourris de madrigais integrados com diferentes
elementos foram publicadas em Praga (1581) pelo seu sobrinho e homnimo Mateo
Flecha, o Jovem (1520-1604), as quais foram adaptadas por alguns vihuelistas.
Uma das melodias do Cancionero de Upsala a no. 35 - atribuda a Mateo
Flecha no livro Orphenica Lyra (Lira de Orfeu-1554) do vihuelista Miguel de Fuenllana
(RUBIO, 1983, p. 91).
O trabalho dos vihuelistas na Espanha digno de nota, pois se trata de um
dos fenmenos musicais mais importantes para a msica instrumental polifnica do
sculo XVI de toda a Europa e foi publicado na forma de livros e tratados. Tais
publicaes incluam obras de outros msicos espanhis, e nelas era evidente o hbito e
19
arranjar e entabular as obras vocais. Tal repertrio polifnico, que teve sua fase urea no
sculo XVI, foi fortemente explorado e estavam presentes nos livros de vihuela10 - um
dos instrumentos responsveis por sua difuso. Os principais tratados de vihuela e as
composies destinadas a este instrumento contm uma infinidade de motivos
tradicionais villancicos, romances e canes populares da poca so tratadas
magistralmente por Luys Miln (Valencia, 1535-36), Luys de Narvez (Granada, 1538),
Alonso de Mudarra (Sevilla, 1546), Enrquez de Valderrbano, (Valladolid, 1547)
Miguel de Fuenllana (Sevilla, 1554) e Diego Pisador (Salamanca, 1552). Poderamos
citar muitssimos autores que se abasteceram das fontes de msica tradicional.
No sculo XVII a vihuela cedeu lugar guitarra11, que passou a ser usada
para acompanhar canes e danas populares (PUJOL, 1960, p. 240).
O primeiro tratado sobre guitarra espanhola foi publicado em 1586, em
Barcelona, pelo mdico e msico catalo Joan Carles Amat: Guitarra espaola y
vandola em dos maneras de guitarra castellana y cathalana de cinco rdenes12. Este
breve mtodo, em catalo, trata de modo especial de melodias populares e nele
encontramos instrues bastante precisas para afinar a guitarra e para realizar
acompanhamentos (figura 2).
10 O termo vihuela designa um instrumento musical de 6 cordas, das quais 5 so duplas, em forma de oito (o alade tem a forma de pra) que pode ser de arco, ou de mano, afinada como o alade. Na Idade Mdia a vihuela de mano era dedilhada e a vihuela de pua com plectro. A tablatura era o meio de notao grfica da msica para instrumentos de cordas dedilhadas do sculo XVI. Existem basicamente trs tipos de tablaturas: a italiana, a francesa e o sistema alfabeto. A maior parte da msica publicada na Espanha usava o sistema italiano, que consistia em um pentagrama com cada linha representando cada ordem do instrumento e o traste a ser usado era indicado com nmeros sobrepostos nas linhas. A vihuela pode ser o instrumento mais antigo que pode ser relacionado com violo. Modo de execuo ponteado. 11 Semelhante no formato com a vihuela, um pouco menor e com afinao diferente, mais prxima ao violo e com um par de cordas a menos do que a vihuela de seis cordas. Modo de execuo rasgueado e ponteado. Era o instrumento preferido, junto com a vihuela, para acompanhar o gnero romance (BARGALL, 1983, p. 137). 12 Ordenes em espanhol, ordem em portugus, course em ingls so os termo usados para designar os pares de cordas dos instrumentos antigos de cordas dedilhadas, com literatura escrita a partir de 1508 at o final do sculo XVIII. So eles: alades, guitarras renascentistas, guitarras barrocas e vihuelas. As tablaturas foram utilizadas aproximadamente at o final do sculo XVIII.
20
Figura 2. Tratado catalo de guitarra do sculo XVI
Os polifonistas espanhis representam a melhor fase musical da Espanha,
nos sculos XVI e XVII. Seus trabalhos alcanaram um grande desenvolvimento na
msica em relao a outros pases da Europa, mas depois desta fase, houve uma
decadncia na msica espanhola13.
A decadncia da msica espanhola ocorreu nos sculos seguintes. Enquanto
a arte musical se desenvolvia em outros pases europeus, a Espanha estacionou at
ocorrer o renascimento da msica nacional no sculo XIX, fenmeno chamado de
Renaixena na Catalunha. O impulso intelectual criado com este movimento consiste,
sobretudo, numa difuso progressiva da conscincia autnoma poltica e cultural entre 13 (...) Desde la invasin napolenica, las luchas polticas que con frecuencia turbaban el orden nacional adormecieran la msica autctona, y slo canciones ligeras o de carcter patritico aparecan como tmida expresin lrica de um pueblo que haba enriquecido otrora la msica universal (...) (PUJOL, 1960, p. 45).
21
os catales. A valorizao da lngua nativa, uma nova economia e a formao de
correntes polticas prprias impulsionam tal revoluo onde figuram importantes nomes
de intelectuais resultando no aumento da produo cultural catal.
No campo da msica, com a liderana de Felipe Pedrell (1841-1922), o
pioneiro da musicologia espanhola, iniciou-se o movimento nacionalista, que buscava
na msica antiga um dos elementos da renovao da cultura musical.
A atuao de Pedrell teve reflexos decisivos na Catalunha. O movimento
musical ocorrido no perodo de Pedrell favoreceu a criao de uma escola nacional - a
escola catal. Foi a mais importante da Espanha, pois o interesse por msica no
pertencia somente a uma minoria, mas sim a quase toda a populao. A msica coral
baseava-se na tradio folclrica e junto com a sardana inspirou a autonomia cultural
catal. As sociedades coral envolviam todas as classes sociais, que se dirigiam s
instituies criadas com a finalidade de divulgar o repertrio regional. Os orfees
cumpriram seu papel social, pois eram uma grande famlia. Do ponto de vista
musical, contribuiu de maneira decisiva para a renovao musical espanhola. Foram
criadas novas salas de concerto, escolas de msica, o que possibilitou o surgimento de
novos cantores (SOPENA, 1958, p. 62).
As primeiras corporaes orfenicas surgiram na Catalunha, onde a msica
vocal florescia, abrindo terreno para ser praticada por toda a Espanha. O iniciador do
movimento coral catalo foi Jos Anselmo Clav (1824-1874). Em 1845, dirigiu a
sociedade La Aurora - ncleo inicial que serviu de base para a criao de outras
sociedades musicais, sobretudo, de msica coral. Llus Millet (1867-1941), aluno de
Pedrell, fundou em 1891 o Orfeu Catal junto com os compositores Amadeo Vives
(1871-1932) e Enrique Morera (1865-1942) que tambm fundou o coral Catalunya
Nova (DUFOURCQ, 1965, vol. 2, p. 211).
22
Algumas destas instituies perduram at hoje e se ocupam ainda em
divulgar a msica folclrica, como por exemplo, o coral Orfeo Catal, cuja atuao foi
decisiva para o movimento nacionalista e fomentou a produo de uma literatura
musical baseada fundamentalmente em elementos folclricos:
This choral society became the heart and the state of a genuine artistic tradition. Whilst encouraging the performance of folksong it also revived the great works of the Golden Age and commissioned new choral works. The importance of vocal music to the Catalan nationalists can be explained by their concern to preserve their own language. It was response to the literaly renaixena (PAINE, 1989, p. 21).
Paralelamente a atividade coral, com a mesma finalidade de valorizar a
msica folclrica espanhola, foram criados grupos de violes aliados a outros
instrumentos da famlia de cordas dedilhadas e pinadas. Um exemplo disso foi o
movimento das Estudiantinas, como ficou conhecido, que unia diversos estudantes de
diversas especialidades e classes sociais. Tais agrupaes surgiram no incio do sculo
XIX ligadas msica popular e com o tempo, sua presena nas festas populares era
habitual14. Na sociedade formada por Clav, foi organizada uma estudiantina que
associava guitarras (violes), mandolinas15, bandurrias16 e outros instrumentos
populares (SUBIR, 1953, p. 651). A Estudiantina Espaola era uma destas
agrupaes dirigida por Eugenio Arredondo. Em 1878, a Estudiantina Fgaro, dirigida
por Domingo Granados, tocou nos principais teatros da Europa (NAVARRO, 1993, p.
139). Em 1897, foi criada a Estudiantina Universitria, composta por bandurrias,
alades, violinos, violes e instrumentos de percusso, dirigida por Juan Antonio Pujol
14 Tais agrupaes j existiam em 1808, conforme um dado histrico encontrado durante manifestaes cvicas do dia 2 de Maio, onde homens, mulheres e crianas participavam num coral acompanhado por guitarras e bandurrias. Junto com a guitarra tradicional se usavam outros instrumentos (...) Em 20 de Outubro de 1892, o tenor Gayarre foi acompanhado com a mesma formao e em 1894, um coral de Clav se reuniu a trezentos instrumentos que formavam uma estudiantina (NAVARRO, 1993, p. 80). 15 Instrumento da famlia do alade, caixa de ressonncia em forma de pra e de tessitura aguda. Esteve muito em voga no sculo XVIII, e suas quatro ordens so afinadas iguais ao violino. Tem geralmente 16 trastes e se toca com pua. 16 Instrumento de cinco ou seis cordas duplas que se toca com plectro com caixa de ressonncia em forma de pra com seis ou sete trastes.
23
(RIERA, 1974, p. 20). Em outra regio da Pennsula, na Universidade de Coimbra
(Portugal), onde a prtica de msica tradicional efervescia, temos o registro de que foi
criado um movimento semelhante17 (figura 3).
O repertrio destas estudiantinas era formado basicamente por msicas
populares, e inclua canes tradicionais catals estudadas nesta pesquisa. No mesmo
formato, se insere o Lira Orfeu importante grupo musical do qual Llobet foi co-
fundador - que tem papel importante em suas adaptaes de canes catals, como
veremos adiante.
Figura 3. Estudiantina da Universidade de Coimbra
Alguns nomes que pertenceram gerao de msicos nacionalistas como
Albeniz e Granados, exploraram abundantemente temas folclricos. Outros nomes
usaram inclusive os mesmos que Llobet, em seus arranjos e transcries indicando
assim e que mostram o ambiente folclrico que alimentava as produes desta gerao.
17 NERY, R.V. Para uma Histria do Fado. Lisboa: Edio Pblico, 2004, p. 113.
24
Isaac Albniz (1860-1909) e Enrique Granados (1867-1916), discpulos de
Felipe Pedrell e filhos da Catalunha, mas apesar disso, escreveram pouca msica catal.
A obra de Albniz foi escrita principalmente para piano. O contato com
cancioneiros ibricos (sobretudo o Cancioneiro do Palcio) e com Pedrell resultou em
trabalhos baseados cada vez mais no folclore espanhol (GROVE, vol. 1, p. 203),
principalmente o andaluz. Inserido neste repertrio esto algumas peas que fazem
referncia Catalunha: para piano solo, a Sute espanhola op. 47 (1886) 2.
movimento denominado Catalua18 - e Capricho Cataln19; alm da produo para
orquestra a Sute Popular Catalonia (1899), Escenas Sinfnicas Catalanas (1889) e a
obra originalmente escrita para orquestra Catalua que junto com outras obras de
msica tpica andaluza, ajudaram a dar corpo e vida para a escola nacional.
Granados dedicou sua obra ao piano e msica vocal. Estava fortemente
atrado tonadilla, arte espanhola do perodo clssico e aos compositores romnticos
como Grieg, Schumann e Liszt, os quais influenciaram sua produo, como vemos em
suas Escenas Romnticas (sem data) e a pera Goyescas (1911) baseada em impresses
dramticas de seu pintor favorito Francisco Goya (1746-1828).
Llobet manteve contato com esses dois importantes compositores, como
veremos mais adiante.
Albeniz e Granados exploraram, sobretudo, o folclore andaluz, considerado,
naquele momento, a arte mais nacional da Espanha. A msica popular andaluza, com
seus acentos caractersticos, se tornou uma grande escola musical atravs da
sensibilidade de compositores catales. A msica catal, por outro lado, possui outras
18ALBENIZ. I. Sute Espaola op. 47. Transcribed and Fingered for Guitar by Manuel Barrueco. Bewin- Mills Publisher Corp., 1981; ALBENIZ, I. Sute Espaola no. 2, Catalua fr 2 Gitarren bearbeitet von Hans-Gerhard Fey. Berlin: Edition Margaux, 1989 (partituras). 19 ALBENIZ, I. Capricho Cataln. Trasncribed by Balaguer. Shawnee Press, s.d. Transcrio para violo (partitura).
25
caractersticas que procuraremos comentar nesta pesquisa, atravs da investigao da
cano tradicional.
Quando observamos o transcurso histrico da cano, percebemos que
alguns elementos se perpetuaram. O costume de narrar fatos histricos, lendas e a
religiosidade caminham juntos. De fato, perceberemos tais elementos nas canes
tradicionais catals comentadas nesta pesquisa. Tambm levantaremos as possveis
origens dos temas usados na obra para violo de Llobet, medida que traamos o
histrico das canes.
26
2. MIGUEL LLOBET: SEUS PREDECESSORES E
CONTEMPORNEOS
Quando falamos do ressurgimento da escola nacional espanhola, notamos
que foram msicos catales que iniciaram o movimento que elevou o nvel da msica de
seu pas.
Da mesma maneira, o violo ressurgiu pelas mos de violonistas catales.
Podemos dizer que existe um captulo essencial no sculo XIX e XX na histria do
violo que passa obrigatoriamente por nomes importantes independentemente das
correntes estticas s quais estavam inseridos. Numa linha cronolgica temos: Fernando
Sor (1778-1839), e os discpulos de Francisco Trrega (1852-1909) - Miguel Llobet,
Domingo Prat (1886-1944), tambm aluno de Llobet, Daniel Fortea (1882-1953), e
Emilio Pujol (1886-1980)20.
Fernando Sor estudou no monastrio de Montsserrat, onde adquiriu uma
base terica slida para se dedicar de forma autodidata ao violo, pois foi o primeiro
grande compositor a escrever de maneira especial para o instrumento, pois vinha de uma
fase de transio dos instrumentos de cordas duplas para os instrumentos de cordas
simples, criando novas concepes tcnicas. Suas obras constituem uma referncia
obrigatria para os violonistas21. Sor foi o primeiro violonista a valorizar temas
populares catales. Sua obra coral Crits del Carrer22, que faz aluso aos gritos dos
20 Embora Trrega e Fortea sejam valencianos, ambos se estabeleceram em Barcelona e se integraram ao crculo musical deste grande centro artstico da Catalunha. Alm disso, a delimitao poltica, geogrfica e lingstica desta regio em relao Catalunha, assunto de interminveis debates polticos e movimentos separatistas. 21 Um estudo mais especfico sobre o violo deste perodo e do pensamento de Fernando Sor est contido no seu Mthode pour la Guitare, de 1830. H uma traduo em portugus realizada por Guilherme de Camargo (CAMARGO, 2005). 22 Esta obra citada por Brian Jeffery com o ttulo Draps i Ferro Vell (1861), e se encontra em quatro verses: duas verses para 4 vozes e piano, uma verso para 3 vozes e pequena orquestra e outra verso para 4 vozes e quarteto de cordas (JEFFERY, 1977, p. 9).
27
vendedores ambulantes, foi cantada diversas vezes pelo coral Orfeo Catal. Durante o
perodo que passou em Paris escreveu um ballet sobre o tema catalo de Ventafocs
(AMADES, 1951, p. 17). As obras Fantasia op. 54 bis, para dois violes, e Folias de
Espagne op.15 (a), para violo solo, tambm citam temas populares23.
Domingo Prat estudou com Llobet de 1898 a 1904, passando a receber a
orientao de Trrega regularmente aps a ida de Llobet a Paris. Em 1907, se estabelece
definitivamente em Buenos Aires. Funda uma academia de violo onde se formam os
concertistas mais destacados da poca, entre eles, Maria Luisa Anido (1907-1996). Prat
foi um dos responsveis pela vinda de Llobet Amrica do Sul. No campo da
investigao histrica, nos deixou uma obra de grande valor o Diccionario de
Guitarras, Guitarristas e Guitarreros (...), editado em 1934 e reeditado em 1986, nos
Estados Unidos e no Japo24.
Daniel Fortea (1882-1953) era valenciano, mas passou boa parte de sua
vida artstica em Barcelona. Fundou a Biblioteca Fortea (figura 1) pela qual publicou
suas obras originais e transcries. Os violonistas espanhis devem a esta biblioteca a
condio favorvel de terem suas obras editadas. Possui publicaes de obras de
concerto e composies para violo de carter didtico, potico e folclrico (PUJOL,
1960, p. 167).
Emilio Pujol iniciou seus estudos em sua terra natal Granadella,
provncia de Lrida - e estudou com Trrega. Em 1898 j realizava apresentaes junto
com a Estudiantina Universitria, onde tocava bandurria, seu primeiro instrumento.
Atuou como musiclogo, concertista, compositor e pedagogo.
23JEFFERY, B. Fernando Sor. Composer and Guitarrist. Londres: Tecla Editions, 1977, p. 155 et. seq. 24PRAT, D. Diccionario de Guitarristas. Columbus, Ohio: Editions Orphe, 1986.
28
Figura 1. Edio de uma cano tradicional catal de Llobet pela Biblioteca Fortea
No campo da musicologia, teve influncia direta de Felipe Pedrell. Seu
interesse pelo passado histrico ficou evidente em suas pesquisas do repertrio do
sculo XVI para instrumentos de cordas dedilhadas guitarra, alade e principalmente,
vihuela. Foi o primeiro violonista do sculo XX a realizar um concerto de vihuela,
numa cpia deste instrumento realizada pelo luthier espanhol Francisco Simplicio
(1874-1933). Como compositor Pujol seguiu o modelo deixado por Trrega e como
transcritor, seguiu os passos de Llobet, como veremos mais adiante nas adaptaes de
canes tradicionais catals que tambm realizou. Como pedagogo, escreveu Escuela
Razonada de la Guitarra uma obra que contm orientaes inditas para professor e
aluno - baseado em suas experincias nas reas em que atuava. Miguel Llobet foi um
grande incentivador para a realizao desta obra, dividida em quatro volumes (RIERA,
1974, p. 98).
Aps a morte de Sor, o violo se encontrava decadente em toda a Europa,
incluindo a Espanha. Como observou Emilio Pujol:
29
La guitarra, entonces, era tenida por instrumento de limitados recursos. Desacreditada y manoseada por gentes incultas y de baja condicin, slo se la consideraba adecuada para rasguear en ella simples aires vulgares, acompaar toscamente canciones callejeras, o para unirla a otros instrumentos congneres en rondas y serenatas de pintoresco tipismo. Como si fuese un instrumento al margen de la msica, excludo del concepto general del arte, no poda ofrecer al artista un medio idneo para el desarollo de sus faculdades, ni la utilidad prctica que brindaba la ms humilde profesin. (PUJOL, 1960, p. 39)
Francisco Trrega veio a ser um ponto de partida para melhorar a imagem do
instrumento. Curiosamente, foi incentivado pelos seus professores do Conservatrio de
Madri a estudar piano instrumento que gozava de grande popularidade na poca - pois
no existia curso de violo. Sua formao pianstica o levou a realizar diversas
transcries para o violo, a fim de mostrar as possibilidades de tocar no instrumento os
grandes clssicos dentre as obras de concerto para piano, quartetos, trechos orquestrais e
trechos de pera. Podemos atribuir suas renovaes ao pensamento musical que
adquiriu atravs de seus estudos de piano.
A nica referncia de seu tempo era a obra de Julian Arcas25 (1832-1882), de
quem sofreu influncia. Portanto, teve que forjar sua prpria tcnica, influenciada pelo
ambiente musical que o cercava (piano e instrumentos de cordas), criando assim o que
chamamos de Escola de Trrega 26. Apesar de no ter deixado escrito a definio de
sua escola, passou seus conhecimentos de forma oral a seus discpulos j citados, e a ele
so atribudas mudanas na tcnica de execuo que foram seguidas por mais de um
25 Arcas o principal representante do violo que sucedeu Sor e Aguado. Sua atividade como concertista abrangeu toda a Espanha e parte da Europa, principalmente no perodo de 1860-70. Como compositor, deixou 30 obras originais, a maioria de carter folclrico. Arcas teve uma influncia decisiva nos trabalhos do luthier Antonio Torres e nas alteraes que o violo sofreu neste perodo, em seu tamanho e estrutura. Pode ser considerado pioneiro na realizao de adaptaes de obras de piano para violo, e muitos gneros musicais que integravam seu repertrio foram adotados mais tarde pelos violonistas. Arcas pode ser considerado o introdutor do nacionalismo no violo ao explorar temas regionais. Estava atento aos acontecimentos polticos de sua poca e tinha afinidades com o movimento de independncia cubano que teve repercusso no governo espanhol e influenciou sua obra para violo ao utilizar temas populares cubanos (GRONDONA, 2004, encarte de Cd). 26 No se sabe em que perodo Trrega recebeu conselhos ou orientao de Arcas, mas ambos utilizavam uma tcnica de mo direita semelhante conforme narra Pujol na biografia de seu mestre (PUJOL, 1960, p. 224) O conceito da existncia de uma escola sistematizada por Trrega vem sendo discutido por diversos violonistas. Falaremos a respeito da polmica difuso deste conceito mais adiante.
30
sculo. Suas inovaes, do ponto de vista instrumental, especificavam claramente suas
intenes musicais e exploravam as possibilidades timbrsticas do violo.
Trrega deixou obras de valor permanente na literatura para violo:
predominando a pea de carter nas formas de dana de salo, estudos, transcries,
trmolos e os admirveis Preldios, onde encontramos a influncia de Schumann e
Chopin. No Preludio no. 2 podemos notar o uso de timbres e harmonias pouco
convencionais na obra de Trrega, em homenagem seu querido discpulo Miguel
Llobet, que tinha uma concepo diferenciada de seu mestre ao compor suas obras,
como veremos adiante. O interesse de Trrega pelos clssicos o levou a realizar
excelentes transcries de obras de Bach, Mendelssohn, Albeniz, Granados, entre
outros, linha seguida depois por Llobet, que levou adiante as tcnicas de composio e
transcrio vindas de Trrega.
Fernando Sor, Francisco Trrega e Miguel Llobet so citados por Jaime
Pahissa (1955, p. 117) por serem os principais responsveis em elevar o prestgio do
violo. No entanto, existe um perodo em que outros nomes figuraram no cenrio
violonstico, mesmo que timidamente.
Pouco se sabe a respeito deste perodo, por isso reservamos um espao para
falar dos violonistas catales pouco conhecidos que marcaram presena no sculo XIX.
Segundo Mangado (1998, p. 19-24), esta fase pode ser dividida em dois perodos:
Primeiro Perodo (1814-1840) e Segundo Perodo (1840-1939):
31
Jos Vias y Daz (1823-
1888)
Jos Broc y Codina
(1805-1882)
Juan Nogus y Pon (1875-
1930)
Antonio Alba (1870-
?)
Joaqun Casanovas (1862-?)
Miguel Ms (1846-1923)
Domingo Bonet (1841-
1931)
Jos Hugas y Roig
(1837-1877)
Jaime Bosch (1826-1895)
Segundo Perodo
(1840-1939)
Jaime Bruno Berenguer
(1. metade do sculo XIX)
Narciso Bassols
(?)
Buenaventura
Bassols (?)
Domingo
Dayd (1830)
Jos Ferrer
(1835-1916)
Primeiro Perodo
(1814-1840)
32
Alguns nomes desta gerao ainda pouco conhecida participaram da
sociedade musical Lira Orfeo (figura 2). Esta sociedade foi criada em 1. de Outubro de
1898 pelo violonista catalo Pedro Lloret Blanch (1874-?) com a ajuda de outros scios
fundadores, entre eles, Miguel Llobet. Integravam o corpo docente desta sociedade:
Pedro Lloret, Domingo Prat e o prprio Llobet que exerciam a atividade de
professores de violo alm de outros nomes como Baldomero Caldera (1856-1929),
Domingo Bonet e Juan Bas professores de instrumentos de plectro e Manuel Burgs,
Jos Barber, Jos Aznar e Salvador Brtoli como professores tericos.
Figura 2. Sociedade Lira Orfeo
Os alunos tinham aulas de solfejo, harmonia, histria do instrumento e
recebiam orientaes que lhes proporcionavam uma tcnica depurada de execuo
clssica. A slida formao musical que os alunos desta sociedade recebiam fica
evidente no comentrio da violonista Rosa Lloret (1909-?), filha de Lloret e discpula de
Llobet:
33
Todos ellos, com verdadero altruismo, daban las lecciones por las noches, de 9 a 1 hasta las dos de madrugada, individualmente e en grupos de 15, 20 y hasta 25 alumnos dos y tres veces a la semana, y adems uma classe de conjunto cada 4 das. Tambin se preocupaban de la cultura terico-artstica de los alumnos, mediante uma numerosa serie de conferencias relacionadas con el de la msica en particular, se obsequiaba a los socios protectores con selectos y variados conciertos ntimos en los que tomaban parte como solistas los maestros de la escuela (MANGADO, 1998, p. 91).
Lira Orfeo, tambm conhecida como Els Lirons, teve uma curta durao
devido a diversos problemas entre os scios fundadores e ao estabelecimento de Llobet
em Paris em 1905. Tal importante iniciativa para o violo em Barcelona acabou em 2 de
Dezembro de 1907, nove anos depois de sua fundao. Por ela devem ter passado mais
de 500 alunos.
As atividades da Lira Orfeo foram determinantes para o ensino do
instrumento de forma mais sistematizada, uma vez que o violo durante o sculo XIX
no encontrava espao para ser divulgado e ensinado nas escolas de msica. Antes da
sociedade Lira Orfeo, encontramos algumas classes de violo e instrumentos de plectro
embora no estivessem oficialmente integradas nas instituies.
Toda la actividad de la enseanza de la guitarra durante el siglo XIX, se imparta en dos mbitos de la vida barcelonesa, las academias privadas de msica y las classes particulares que algunos maestros de dicho instrumento proporcionaban. Hasta que en la ultima dcada del siglo XIX las instituciones de la ciudad decidieron instaurar este servicio en sus centros (MANGADO, 1998, p. 89).
O centro mais antigo de ensino musical em Barcelona era o Conservatrio
Superior de Msica del Liceo, fundado em 1837 com o nome de Liceo Dramtico de los
Aficionados, conhecido popularmente como Liceo. Outro centro importante era o
Conservatrio Superior de Msica de Barcelona, fundado em 1886 com o nome de
Escola Municipal de Msica. Os primeiros professores de violo nestes dois principais
centros de msica foram os discpulos de Jos Broc. Miguel Ms foi o primeiro a
exercer a funo de professor de violo e instrumentos de plectro, seguido por Juan
34
Nogus y Pon, na Escola Municipal. Domingo Bonet (de 1897 a 1898) e Jos Ferrer (de
1898 a 1901) foram os primeiros professores do Liceo, seguidos por Joaquin Casanovas
que ocupou o cargo at ser substitudo por Graciano Tarrag27 (1892-1973), em 1933.
Vale citar tambm algumas casas que serviam para reunir os diletantes, onde
se tocava e discutia violo.
A Cals Guitarrers (Casa dos Violonistas) existia em 1892 e oferecia o
ambiente ideal para os aficionados pelo violo, pois reunia os professores e violonistas
mais importantes da poca (PUJOL, 1960, p. 119).
A Casa Llibre em Barcelona, por sua situao estratgica, reunia vrios
artistas (RIERA, 1974, p. 47). Nestas ocasies era muito comum ocorrer o costume que
muito popular at hoje entre os espanhis a tertlia28.
Neste contexto, o violo se estabelecia gradualmente na sociedade como
instrumento de concerto e conquistava seu espao nas cadeiras das escolas de msica da
Catalunha.
As contribuies de Antonio Torres (1817-1892) marcaram grandes
transformaes na arte de lutheria do violo29 estabelecendo novos padres estticos. A
construo de um novo violo, com mais sonoridade, um timbre de maior qualidade e
contornos mais harmoniosos, ofereceram condies para sua evoluo e este modelo foi
adotado pelos construtores que o sucederam, na Espanha e no resto do mundo. Torres
27 Tarrag foi aluno de Casanovas antes de ocupar o cargo de professor do Liceo e possua algumas deficincias em sua formao como violonista (MANGADO, 1998, p. 90). No tendo suas necessidades musicais atendidas por seu professor, foi procurar a orientao dos discpulos de Trrega e teve de escolher entre Pujol e Llobet. A respeito de sua deciso, comentaremos mais adiante, para tentarmos delinear a personalidade e a concepo musical de Llobet. 28 A tertlia consiste em que outros escutem mesmo que o locutor no tenha a mnima idia do que est falando. O importante saber falar alto numa espcie de torneio para decidir quem tem o pulmo mais forte ou quem fala a maior besteira. Os assuntos podem ser os mais variados: arte, poltica, esportes, histria, cincia, etc (BUADES, 2006, p. 32). Llobet pode ser reconhecido como um verdadeiro tertuliano, como veremos adiante, para delinear sua personalidade engajada em acontecimentos polticos e sociais que pode t-lo motivado a escrever as canes tradicionais catals. 29 Para mais informaes sobre lutheria histrica realizada na Espanha recomendamos o trabalho de GRONDONA, S.; WALDNER, L. La Guitarra di Liuteria. Master Pieces of Guitar Making. Lofficina del libro, 2001.
35
era andaluz, mas enviava a maioria de seus violes, para a regio da Catalunha, que
representava o grande centro de msica culta para violo. Julin Arcas foi o primeiro a
utilizar um violo Torres e tornou-o conhecido atravs de suas atuaes. Na ocasio em
que Trrega ouviu Arcas pela primeira vez, ele usava um modelo que ficou conhecido
como La Leona30, por ser considerada a melhor de todas existentes (PUJOL, 1960, p.
35). O novo violo surgiu principalmente pelas mos de Torres, e em breve o
monoplio que era mantido pelos catales gradualmente deixou de existir, tendo seus
modelos espalhados pela Europa, atravs das atividades de concertista de Trrega,
Llobet e Pujol. O violo de Torres era o preferido de Llobet (figura 3), que o apresentou
mais tarde para o luthier alemo Hermann Hauser I (1882-1952), talvez o primeiro
construtor fora da Espanha a adotar o modelo Torres.
Figura 3. Miguel Llobet com um violo Torres de 1859
30 Cf. STEFANO GRONDONA. La Guitarra de Torres. Appassionato, 2000 (Cd). O violonista Stefano Grondona usou este violo histrico nas gravaes deste Cd.
36
No podemos deixar de mencionar o violonista andaluz Andrs Segovia
(1893-1987), que com sua carreira de quase oitenta anos continua a fascinar estudantes,
profissionais e amadores. Segovia ainda considerado como a personificao do
violonista-intprete por vrias geraes de violonistas e teve um papel decisivo no
desenvolvimento do violo. Alm de transform-lo num instrumento de prestgio
atravs de seus concertos nas salas mais importantes do mundo, ajudou a ampliar o
repertrio com obras por ele comissionadas a outros compositores como: Federico
Moreno Torroba (1891-1982), Joaquin Rodrigo (1902-1999), Alexander Tansman
(1897-1986), Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968), Manuel Ponce (1882-1948) e
Heitor Villa-Lobos (1887-1959). O conjunto deste repertrio foi dedicado a Segovia,
por isso conhecido hoje como repertrio segoviano. O prprio Segovia teve uma
pequena incurso como compositor e algumas de suas obras tambm utilizaram canes
tradicionais catals, como veremos adiante.
Segovia divulgou o violo, levando-o s melhores salas de concerto do
mundo, aps Llobet refinar a arte do violo tanto nos aspectos da composio, da
transcrio e da execuo.
As informaes que encontramos sobre a formao de Segovia no oferecem
dados precisos. Afirmava ser autodidata, embora reconhecesse ter sido um discpulo
indireto de Trrega. Em sua biografia, fala de seus encontros com Llobet, com quem
mantinha uma relao de amizade. Destes encontros, espcies de classes de violo,
podemos concluir que Llobet teve influncia sobre a formao de Segovia.
Llobet causou uma forte impresso em Segovia, quando se conheceram em
1914. Segovia narra esta ocasio em sua autobiografia:
No other guitarist I had heard, I told him, had made me forget the limitations of the guitar or revealed the scope of its potencial (...) I assured him I agreed implicitly with his technique and would follow it relentlessly, no matter in how difficult the path ahead for me (...) In spite of the difference in our ages, Llobet and I became good friends
37
and, in time, the results o four relationship were happy ones for me. My attitude towards him was one of admiration for the artist and affection for the friend. Once he had tested my technique and capacity of expression, his esteem for me was probably increased by my profound determination to broaden the guitars repertoire and raise the instruments prestige. I was in every sense a friend! (SEGOVIA, 1976, p.100 e 102).
O impacto resultou em diversas sesses de concerto particulares e uma
relao de amizade entre os violonistas. Embora Segovia no admita, Llobet pode ter
representado para ele a figura de orientador.
Purcell publicou uma foto (figura 4) onde Llobet est tocando num crculo
de amigos. Entre eles, outro discpulo de Trrega, Abade Corelle, Juan Parras (aluno de
Segovia), o luthier Enrique Garcia, Alfred Cottin, Francisco Rizo (filho de Trrega) e
finalmente, Segovia, sentado sua direita e no s estava atento sua execuo, como
levou um de seus alunos para o concerto ntimo (PURCELL, 1989, vol. 1, p. viii).
Figura 4. Llobet rodeado pelo grupo de admiradores
Phillips afirma que Llobet teve uma influncia direta na formao de
Segovia: The Llobet was mentor to Mara Luisa Anido, Jos Rey de la Torre and
38
Andrs Segovia, three of the most important guitarrists of the first half of twentieth
century, must be considered relevant. (PHILLIPS, 2002b, p. 4) Podemos concluir a
evidncia disso ao analisarmos as gravaes realizadas por Llobet31 e Segovia32, onde
percebemos a influncia do estilo de Trrega em ambos os violonistas (PURCELL,
1989, vol.1, ii). Segovia, obviamente, teve contato com a tcnica de Trrega atravs dos
discpulos de Trrega, principalmente de Llobet (figura 5).
Figura 5. Fotografia histrica (c. 1918): Segovia, Fortea, Llobet e Pujol
O prprio Segovia, numa passagem em sua autobiografia, narra que Llobet o
convidou para ir a sua casa a fim de orient-lo na execuo de algumas composies
suas (SEGOVIA, 1976, p. 106). Com as informaes encontradas na autobiografia de
Segovia, podemos posicionar a figura de Llobet na formao de Segovia e atribuir o
devido crdito ao violonista catalo ao influenciar geraes de violonistas importantes.
Uma fotografia (c. 1924) publicada por Purcell nos faz acreditar que Segovia estava
muito interessado na carreira de Llobet como concertista. Nesta foto ele aparece ao lado
31 MIGUEL LLOBET. The Guitar Recordings 1925-1929. Chanterelle Historical Recordings (Cd). 32 Andrs Segovia 1927-1939 Recordings, volume 1 e 2.
39
do violonista catalo em meio a outras personalidades como Alfred Rondorf, Heinrich
Albert, Hermann Hauser I e os membros da Munich Guitar Society (figura 6).
A polmica relao entre Segovia e Llobet um captulo importante da
histria do violo. Emilio Pujol numa nota biogrfica a respeito de Llobet no prefcio
de primeira edio da obra Le Tombeau de Claude Debussy, que falaremos mais
adiante, comenta que Segovia estava entre seus estudantes. Hector Garcia, detentor de
parte do arquivo com obras e documentos de Pujol, responde esta questo numa carta
para Robert Phillips:
De acuerdo con ancdotas contadas a m por el maestro Emilio Pujol, Andrs Segovia le pidi tomar lecciones de l. El Maestro Pujol declino de la peticin y recomend a Segovia que tomar lecciones de Miguel Llobet quien aparte de la ayuda musico-instrumental, podra ayudarlo a darse conocer a travs de los contactos que Llobet, por ser el guitarrista-concertista ms conocido, tena en toda Europa (...) Pujol le prometi que hablaria con Llobet y que estaba seguro que debido a la amistad entre ellos, este accederia a la peticin. Asi fu, y Segovia comenz a recibir lecciones de Miguel Llobet, unas cuatro o cinco. Al cabo de las mismas Llobet le informo a Pujol que l havia accedido a tomar a Segovia como estudiante, pero dada la rebeldia de Segovia a seguir las indicaciones de Llobet, este se ver obligado a terminar las clases con Segovia. (GARCIA, 2002 apud PHILLPS, 2002b, p. 85)
Figura 6. Llobet com a Munich Guitar Society aps um concerto
40
No sabemos at que ponto Llobet influenciou Segovia. Mas examinando
depoimentos de seus contemporneos e alguns episdios relatados pelo prprio Segovia,
somos cada vez mais levados a crer que tal influncia um fato.
Trataremos agora de comentar a gerao de discpulos de Llobet,
representados na figura dos irmos Regino (1896-1981) e Eduardo Sainz de la Maza
(1903-1982), Maria Luisa Anido (1907-1996), Luise Walker (1910-1998) e Jos Rey de
la Torre (1917-1994).
Os irmos Sainz de la Maza iniciaram seus estudos com Daniel Fortea em
Madri, mudando-se em seguida para Barcelona a fim de continuar seus estudos com
Llobet. Regino tornou-se mais conhecido por sua carreira de concertista internacional,
enquanto que Eduardo tornou-se um respeitado professor de violo.
Maria Luisa Anido foi uma prodigiosa violonista argentina. Seu primeiro
concerto se deu em 1918, quando tinha apenas 11 anos de idade.
Transcreveremos aqui um comentrio de Llobet feito em 1919:
Maria Luisa Anido fu para mi una revelacin. La impressin que me produjo no se borrar jams de mi mente, pues en realidade es algo que sobrepasa todo lo imaginable. Ver uma nina de once aos venciendo y dominando las ms grandes dificultades sin el menor esfuerzo, cual podra hacerlo el ms consumado de los concertistas, es cosa que causa assombro, y lo ms admirable en ella, quiz, y que sen duda alguna constituye el ms preciado de los dotes, es la rica intuicin musical que revelan sus interpretaciones, la mayora de ellas altamente artsticas. A pesar de las sensacionales noticias que de elle tena por la prensa de Buenos Aires, a raiz de sus primeras audiciones y muy especialmente por su eminente maestro Domingo Prat, tuve, al orla, la sensacin de lo increble. Desconcierta el pensar qu es lo que podr hacer esa maravilhosa criatura cuando est en plena madurez. (PRAT, 1986, p. 30)
Podemos encontrar dados importantes sobre Llobet nos depoimentos desta
clebre violonista em forma de entrevistas. Sobre estes dados falaremos adiante.
41
Luise Walker, violonista austraca que recebeu orientao de Llobet durante
suas idas Viena. Realizou intensas atividades como concertista na Europa, Rssia e
Estada Unidos e como compositora.
Jos Rey de la Torre, violonista cubano, tambm foi um menino prodgio do
violo. Mudou-se para Barcelona em 1932 com a finalidade de estudar com Llobet, com
quem estudou durante dois anos e meio. Sua carreira de concertista teve grande sucesso
nos Estados Unidos, onde se estabeleceu em 1939. Vrias obras de compositores
importantes foram escritas para ele. Entre estes, Julian Orbn, Jos Ardevol e Joaqun
Nin-Cumell. Podemos tirar algumas concluses sobre a concepo tcnica e musical de
Llobet dos relatos de Rey de la Torres a respeito da orientao que recebeu de seu
mestre e discutiremos isso mais adiante.
No Brasil temos um violonista que estudou com Llobet o uruguaio Isaas
Svio (1900-1977) (PHILLIPS, 2002b, p. 9; DUDEQUE, 1994, p. 103) - que colaborou
na difuso da escola de violo espanhola quando se estabeleceu no pas em 1931.
As atividades dos discpulos de Llobet tiveram destaque no cenrio musical
e ajudaram a difundir a importncia de seu mestre para a histria do violo e sua nova
linguagem esttica, temas que discutiremos adiante.
42
3. MIGUEL LLOBET Y SOLS (1878-1938)
Neste captulo vamos procurar analisar a personalidade de Miguel Llobet
como compositor, transcritor, professor, artista plstico, concertista e intelectual bem
como comentar a sua importncia na histria do violo e sua contribuio para
posicionar o violo dentro de uma nova linguagem esttica com a adaptao das
Canciones Catalanas, entre outras obras.
Falaremos sobre a vida de Llobet a fim de contextualizar sua obra no tempo,
considerar as influncias que recebeu a partir de suas relaes com outros compositores
e violonistas e delinear algumas facetas de sua personalidade com base em algumas
informaes biogrficas encontradas33.
Miguel Llobet y Sols nasceu em 18 de Outubro de 1878 em Barcelona,
capital da Catalunha. Filho de pai escultor, Llobet mostrou disposio para a pintura,
mas foi pela msica seu maior interesse. Alm do violo estudou violino e piano na
Escola Municipal de Msica de Barcelona e sua paixo pelo violo comeou quando
ganhou o instrumento de um tio. Ao contrrio de Trrega, Llobet em sua juventude teve
condies mais favorveis. Em 1889, Llobet assiste um concerto de Antonio Manjn
(1866-1919)34 e impressionado com o instrumento, decide dedicar-se completamente,
33 Para mais dados biogrficos a respeito de Miguel Llobet, recomendamos a leitura de autores como: PRAT, D. Diccionario de Guitarristas. Columbus, Ohio: Editions Orphe, 1986; PURCELL, R. Miguel Llobet Guitar Works, 5 volumes (partitura); TONAZZI, B. Miguel Llobet, Chitarrista dellImpressionismo. Ancona: Brben, 1966 e STEFANO GRONDONA (encarte de Cds). 34 Antonio Manjn uma figura ainda pouco estudada que ainda precisa ser desvendada. Estudou com um discpulo de Aguado em sua terra natal, Jan, embora seja possvel afirmar que era considerado um autodidata. Devemos a ele o mtodo mais completo de instrumentos com mais de seis cordas. Os primeiros anos de sua carreira foram muito difceis, devido falta de apoio e a perda da viso, aos 13 anos. Seus programas de concerto revelam uma personalidade nada comum para o mundo violonstico de sua poca, pois inclua obras dos grandes compositores como Beethoven e Schumann. Este fato o coloca numa posio curiosa em relao Trrega, que apenas um pouco mais tarde realizou as transcries destes compositores. A impresso que deixava em seu pblico era inesquecvel e as crticas de seus concertos eram sempre as melhores. A este importante e pouco conhecido violonista atribudo o fato de Llobet ter abandonado sua carreira promissora de artista plstico para se dedicar aos estudos de violo, aps ter assistido um de seus concertos. Cf. RAPHALLA SMITH. Antonio Jimenez Manjn 1866-1919 (Cd); MANJN, A. Collected Works. Chanterelle, 1996 (partitura).
43
estudando com Magn Alegre (?-?)35, um nome com poucas referncias, e depois, com
Francisco Trrega36.
Miguel Llobet uma figura extremamente importante na histria do violo,
mas ainda no teve seu merecido destaque. Apesar das informaes citadas acima,
Llobet ficou um tanto esquecido e sufocado entre as notoriedades de Trrega e Segovia.
Procuramos identificar, portanto, os fatores que contriburam para o esquecimento da
totalidade da obra de Llobet, o atraso das edies de suas obras e arquivos perdidos.
A guerra civil espanhola37 (1936-39) colocou uma espcie de cortina na
produo musical e intelectual desta etapa em toda a Espanha e Llobet foi um dos
autores que ficou neste ostracismo latente. A maioria de suas obras comeou a ser
editadas somente a partir da dcada de 60. Alm disso, a bibliografia que temos no
suficiente para classificar esta figura to importante para o violo.
Esta insuficincia nas publicaes a respeito de Llobet traz a necessidade de
analisarmos sua posio na histria do violo de maneira contextualizada, a partir de
suas relaes com outros nomes importantes do cenrio violonstico de sua poca.
No captulo 2 citamos alguns nomes pouco conhecidos dos violonistas que
sucederam a Sor. Os dois perodos onde figuram tais nomes foram pouco investigados.
A partir de Trrega temos mais informaes sobre os acontecimentos na Catalunha.
Temos os ensaios biogrficos tanto de Trrega como de Pujol. No entanto, falta um 35 Prat revela que Magn Alegre era compositor e guitarrista modesto que se viu obrigado a se dividir em duas profisses, visto pertencer a uma poca em que o violo era pouco difundido. Era comerciante e professor de violo. Seus discpulos foram Pedro Lloret, o prprio Llobet, Jos Tey, Toms Prat e outros. Realizava reunies animadas em sua casa onde recebia seus alunos para tocar obras dos violonistas da poca como Broc, Vias, Arcas e outros. Julin Arcas dedicou a ele a clebre Jota Aragonesa. No ano de 1892 foi organizada uma sociedade de violo de efmera existncia cujo conselheiro era o Senhor Magi, como era conhecido. Apesar de sua modstia, foi decisiva a sua participao na formao de uma gerao de violonistas. 36 Seu primeiro contato com Trrega se deu na Casa dos Violonistas (Cals Gitarrers) citada no captulo 2 (RIERA, 1974, p. 119). 37 A guerra civil pode ser interpretada como o episdio mais cruel e sangrento do processo de modernizao espanhol. Entre as causas diagnosticadas desta guerra encontra-se um complexo conjunto de sentimentos nacionais (BUADES, 2006, p. 171). Os catales possuem um forte sentimento nacionalista que os levou a lutar por sua autonomia lingstica, literria e musical, alm de sua autonomia econmica, social e poltica atravs de uma forte campanha anarquista (figura 1).
44
livro biogrfico mais completo sobre Miguel Llobet, o que dificulta comentarmos sua
vida artstica e social de maneira definida. Mas podemos ter certeza que sua influncia
desencadeou perspectivas de um futuro para o violo que Andrs Segovia soube
aproveitar e aumentar.
Figura 1. Cartaz anarquista que fomentou a propaganda poltica durante a Guerra Civil Espanhola
Examinando o escasso material bibliogrfico que tivemos acesso, nos
sentimos cada vez mais atrados pela obra deste extraordinrio violonista, bem como
por sua personalidade. Segundo Pahissa (1947, p. 121) Llobet era amvel e bom. Anido
comenta a respeito da personalidade contraditria de Llobet, seu virtuosismo, embora
um pouco acomodado:
(...) una persona que era ms camarada que otra cosa. Como guitarrista era de una facilidade natural y un virtuosismo que pocas veces he visto en mi vida. Llobet no estudiaba casi nada, no pasaba de una hora, pero siempre estaba pensando en msica (...) Llobet era un hombre muy libre en sus cosas aunque era metdico en su forma de vida, en sus horas de comida y todo; pero no s, tena esa facilidade natural que lo haca estudiar poco o casi nada. Es decir: entre concierto y concierto
45
(diez dias, por ejemplo) l se limaba las uas para no estudiar, aunque siempre estaba pensando en la guitarra (...). (HELGUERA, 2001, p. 12)
Grondona comenta que as trs facetas de Llobet como intelectual,
concertista e compositor tambm eram um tanto contraditrias (informao verbal) 38.
Este conjunto de informaes ajuda a identificar os problemas que dificultam uma
definio da obra e da personalidade de Llobet.
Sabemos que Llobet manteve relaes com figuras importantes do cenrio
musical, dentro e fora da Espanha. Seu contato com Albniz, Granados e Falla o levou a
transcrever obras destes grandes compositores, o que fez com que aprimorasse ainda
mais no campo da explorao timbrstica tendo Trrega como referncia.
Vimos que Llobet comeou a carreira muito jovem, encontrando condies
mais favorveis do que seu mestre Trrega. Seu primeiro concerto pblico foi em 1901,
no Conservatrio de Valencia, e neste mesmo ano em outros conservatrios importantes
da Espanha. Seu contato com Ricardo Vies (1885-1943) 39 o levou a Paris (1904),
onde realizou seu primeiro concerto fora da Espanha. Este contato foi muito importante,
pois foi Vies que o introduziu neste novo mundo e possibilitou o convvio com a elite
musical francesa. Este ambiente musical na Frana certamente o influenciou na
concepo de algumas de suas obras. Suas turns pela Europa o colocaram em centros
musicais onde manteve relaes com compositores clebres como Debussy, Ravel,
Faur, Dukas e Stravinsky.
Devido ao pouco espao que o violo encontrava em Barcelona40, Llobet se
viu motivado a mudar-se para Paris (1904). Na Espanha, seus concertos limitavam-se s
sociedades particulares, e muitas vezes no recebia nada alm de um agradecimento. 38 Entrevista realizada durante o II Encontro Internacional de Violonistas de Tatu, SP, no dia 22 de Abril de 2007 (Anexo B). 39 Pianista espanhol divulgador das obras de Albeniz e Granados e da msica moderna francesa. Era amigo de Debussy, Ravel e Falla. 40 Domingo Prat afirma que Barcelona tinha averso ao violo (...). (PRAT, 1986, p. 184) Antes de se mudar para Paris, Llobet conhece Concepcin Jacoby, que passa a ser sua protetora. Com o auxlio desta senhora, consegue certa notoriedade tocando em vrias partes da Espanha.
46
Existe uma contradio em sua biografia a respeito do perodo em que permaneceu na
Frana. Purcell afirma que Llobet residiu em Paris at 1910 (PURCELL, 1989, vol. 1, p.
iii, partitura), enquanto que Tonazzi relata seu retorno a Paris em 1910 (TONAZZI,
1966, p. 12). Existem alguns detalhes biogrficos confusos a respeito de Llobet, como
sua residncia durante a Primeira Guerra Mundial41 e as datas de algumas Canciones
Catalanas, como veremos adiante. Tais contradies em dados cronolgicos tambm
dificultam definir a vida e a obra de Llobet.
O catlogo de suas obras realizado pelo autor j citado Bruno Tonazzi, junto
com a publicao mais recente de Ronald Purcell e a integral que vem sendo realizada
por Stefano Grondona (em vrios Cds) nos do apenas uma idia da obra do violonista
catalo. As dificuldades ocasionadas pela guerra civil espanhola e o fato de Llobet no
se mostrar muito preocupado com o registro e a difuso de sua produo levaram
perda de algumas obras42. Algumas obras que n