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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. Integração à economia mundial. In: Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 141-166. ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.0008. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Capítulo VI Integração à economia mundial Renildo Souza

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. Integração à economia mundial. In: Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 141-166. ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.0008.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Capítulo VI Integração à economia mundial

Renildo Souza

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CAPÍTULO VI

Integração à economia mundial

AChinadefendeaglobalização.OsEstadosUnidosdefendemoprotecionismo.Papéistrocados?Omundoviroudeponta-cabeça?Em janeiro de 2017, emDavos, no Fórum EconômicoMundial,confraria de exaltação das belezas do neoliberalismo e do capita-lismo,opresidenteXiJinpingexaltouaChinacomoacombatentemilitanteemdefesadaglobalizaçãoedolivrecomércio.Xilançouumdesafiocontundenteaodiscursoantiglobalizaçãoeprotecio-nista do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

AsgrandestransformaçõeseconômicasdaChinatêmumvín-culo especial com o mercado mundial. O ano de 2013 constituiu-se emummarcodaascensãochinesa:nesseano,aChinaultrapassouosEstadosUnidoscomooprotagonistadocomérciomundial,aorealizarUS$4,16trilhõesemexportaçõeseimportaçõesdemerca-dorias.(ANDERLINI;HORNBY,2014)AChinajátinhasetorna-doomaiorexportadordomundoem2009.AChina,em2016,com13,15% das exportações, mantinha-se como o maior exportador

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domundoecom9,78%dasimportaçõesdetinhaosegundolugarcomoimportadorglobalmente.Portodaparte,avitrinedemaiorexposição do vínculo entre a ascensão chinesa e o comércio mun-dial são os produtos com o selo made in China.Agora, essevín-culo polariza as atenções através da Iniciative One Belt, One Road, a rota da seda por terra e por mar, o maior conjunto de obras de infraestruturadeabrangênciainternacionaldoséculoXXI.Desdeo início das reformas em 1979, a política de portas abertas corres-pondeàcompreensãodequeaintegraçãoàeconomiainternacio-naléumrecursodecisivoparaamodernizaçãotecnológicaeaex-pansãoprodutivaecomercialdaChina.Umacomplexaestratégia,combinando liberalização e regulação estatal, temmoldado essaintegraçãochinesaàeconomiamundial.

Ao longo do tempo, gradual e seletivamente, reduziu-se oumodificou-se a discricionariedade estatal, em termos de política industrial, e expandiu-se a liberalização econômica, sobretudo de-poisdoacordocomaOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC)em2001.MasaomesmotempoaChinadriblou,comastúcia,asimposiçõesdaOMC,tirandooEstadocomumamãoecolocando--ocomaoutramão,sobnovasformasderegulaçãodaindústria,investimentos e comércio. Com as reformas orientadas ao mer-cado, o Investimento Direto Externo (IDE) instalou as filiais de empresas estrangeiras, com controle forâneode 100%do capitalempresarial,emalgunscasos,efoiobrigadoaassociar-se,criandojoint-ventures, com as mais diversas formas de empresas chinesas, inclusive as firmas estatais, em outros casos.

Em 2015, a China manteve-se na liderança das exportações de bens, com vendas de US$ 2,27 trilhões, representando 14% do total exportado no mundo, enquanto nas importações o país situou-se emsegundolugarcomUS$1,68trilhões,emumaparcelade10%

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dasimportaçõesglobais.21 A corrente de comércio passou de 10% doprodutonacionalbrutoem1978,para36%,em1996,eosinves-timentos diretos externos saltaram de apenas US$ 2 bilhões, em 1983,paraUS$45bilhões,em1997.(WING,1999,p.8;15)Em2016,aentradadecapitaisestrangeirosatingiuUS$126bilhões.AChinaexibe, ou exibiu até 2012, a mais elevada taxa de crescimento do PIB. Conta com trilhões de dólares de reservas internacionais. A imprensanomundonãosecansadeveicularnotíciascomosnúmeros da dimensão econômica chinesa, destacando sua partici-pação na demanda mundial de petróleo, aço, cimento, soja, auto-móveis, computadores etc.

Zonas Econômicas Especiais

A política de portas abertas, a partir de 1979, pretendeu atrair o investimento direto externo, especialmente com a criação de qua-tro Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). As primeiras zonas fo-ram implantadas em Shenzen e Shantou, na província de Cantão (Guangdong), em frente a Hong Kong, em Zhuhai, próxima deMacau,eemXiamen,naprovínciadeFujian,emfrenteaTaiwan.Aconstruçãodevínculos,aolongodotempo,comoscapitaisdadiáspora chinesa, nessas Zonas Especiais, teria que resultar emcondiçõesmuito favoráveisparaa reintegraçãodeHong-KongeMacauàChina,aguardandoaindaTaiwan.Aexpectativaeraqueasempresasnessaszonastrouxessemtecnologia,servissemcomoalavancasdasexportações,criassemempregosefossemescolasde

21 Os Estados Unidos, em segundo lugar, tiveram exportações de US$ 1,50trilhões,com9%dovolumeglobaldeexportações.Osnúmeroscorrespon-dentesparaaAlemanhaforam:US$1,33trilhõese8%.(WORLDTRADEORGANIZATION.WorldTradeStatisticalReview2016,p.44(https://www.wto.org/english/res_e/statis_e/wts2016_e/wts2016_e.pdf)

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atuação no mercado. Em 1983, permitiu-se que o IDE assumisse a propriedade total de empresas. A área de penetração do capital es-trangeirofoiampliada,naregiãocosteira, incorporando-se14ci-dades,em1984,eastrêszonasdosdeltasdosriosdasPérolas,MineIangtsé,em1985.

ParaJoh-renChen(2005,p.326),asZEEssãoumfatordecisi-vonaatraçãodo investimentodiretoexterno.Aocriar asZonas,o Estado chinês deflagrou um processo que se realimentava emtermosdeatraçãodeinvestimentoecomércioexterior.AsZonasteriamcontribuídoparaoêxitodanovaestratégiavoltadaparaomercadoeparaoexterior.Issojáfoiprovadoefuncionou:Taiwanjá contava com zonas de processamento de exportação desde os anos1960.Eraumaexperiênciatambémemoutrospaísesasiáticos.

Semsairdavisãotradicional,Chen(2005,326-327)listoualgu-masvantagensdasZEEs.Assim,asZonassãoinstrumentosmaisadequadosparaalongatransiçãodaplanificaçãoparaomercado.Emvezdeumamudançaglobalnopaís,émaisfácilaexperiênciadeliberalizaçãoemumaáreadelimitadacomoumaZEE,constituindonovasinstituiçõespassoapasso.Emsegundolugar,asZonastêmos apoios, infraestrutura, incentivos fiscais e comércio liberalizado paraaviabilizaçãodosinvestimentos.Terceiro,asZEEsfavorecemalivreimportaçãodeinsumoseafragmentaçãoglobaldaprodu-ção manufatureira e impulsionam a competitividade conforme os termosdomercadomundial.Quarto,asZEEscontamcomosefei-tospositivoscriadospelaconcentraçãonomesmolugardesetoresestratégicos.AsZEEsreduziriamoscustosadministrativosdepe-quenas e médias empresas.

De fato, o comércio exterior exerceu, desde o início das refor-mas, uma influência fundamental nas mudanças produtivas chi-nesas, a começar pela viabilidade emprestada ao escoamento da produçãodasZEEs.

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Capital estrangeiro para trazer tecnologia, produzir e exportar

Aconcretizaçãodapresençadocapitalestrangeiroocorreu,signi-ficativamente, em associação com as empresas domésticas, for-mando joint-ventures, com acentuado controle dos chineses na administração dessas firmas. O volume e o papel desempenhado peloIDEdistinguiram-sedasdemaisexperiênciasnaChina.Oin-vestimento externo representava apenas 1,5% do produto interno brutodaChina,em1991,mas,logoemseguida,alcançouamarcade6,7doPIB,em1994.Nessebrevíssimolapsodetempo,de1991a1994, o IDE passou de 3,9% para 17% da formação bruta de capital. O Estado lançou mão de políticas de incentivos fiscais, benefician-doosinvestimentosestrangeiros,emdetrimentodasempresaschi-nesas.(YASHENG,2003,p.415)AAssembleiaNacionalPopular,nasessãodemarçode2007,aprovouumanova legislaçãocomaexpectativadealcançaraigualdadedetratamentotributárioentreasempresaschinesaseasestrangeiras,amédioprazo,naChina.

A política do Estado chinês foi marcada pela liberalização, em certosaspectoseconômicos,paraatraçãodocapitalestrangeiro,in-clusivepormotivostecnológicos,emborasemantenhaumacertaaproximaçãodasabordagensjaponesaecoreanadefortepolíticain-dustrial protecionista. O complexo, parcial e diferente liberalismo econômicochinês,nocaso, sepatenteiapelo importantegraudeconfiançadepositadanolivrecursodasempresasestrangeirasparaalavancar a produção, as exportações e promover a superação da defasagemtecnológicadopaís.NoJapãoenaCoreia,oEstadoem-preendeuum grande esforço de construção do desenvolvimentotecnológiconacional,ao ladodaproteçãoparaaconsolidaçãodegrandesempresasegruposprivados, comoszeiretsus japoneses e os chaebols coreanos. Porém, há que se notar a relativa autonomia do crescimento econômico da China em face do investimento ex-terno, considerando, por exemplo, que o tamanho do PIB real se

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elevou em 90%, entre 1994 e 2002, enquanto o volume da entrada real de IDE aumentou em 40%. (FLASSBECK, 2005, p. 35-37)

No período de 1980 a 2001, mais 380 mil empresas de capital es-trangeiroseinstalaramnaChina,comquase90%delaslocalizando--senaregiãocosteira.22Oinvestimentodiretoexternoagudizougra-vementeasdesigualdadeseconômicasregionaisnopaís.(YUCHAO,2004, p. 1011-1012)Em 1995, as empresas integralmente estrangeirascontavamcomuminvestimentoqueultrapassavaUS$ 60bilhõesedetinham34%docomércioexterior.(YING,1995,p45)

O período de reformas na China coincidiu com a deslocali-zação das firmas dos países desenvolvidos e dos novos países in-dustrializados, inclusive asiáticos, transferindo suas linhas de produção mais intensivas em trabalho para outros países, relati-vamente atrasados. A gigantesca, barata e disciplinada força detrabalho chinesa, além dos incentivos fiscais e liberdade comercial egerencial,transformouopaísemumímãparaessetipodeem-presas. Ademais, há a peculiaridade da diáspora chinesa, que teve seuscapitaisemHongKong,Taiwan,CingapuraeoutraspartesdaÁsia,atraídosparaasnovasoportunidadeseestabilidadeofereci-das pela China continental.

A China passou da atração de US$ 3,5 bilhões de investimento diretoexternolíquido,em1990,paraUS$60,6bilhões,em2004.(HART-LANDSBERG,2006,p.13)Acorridaparaasprivatizações,emespecialapartirdasegundametadedosanos1990,foiumadas

22 VernoestudodoBancoAsiáticodeDesenvolvimentoatabelasobreinvesti-mentodiretoexternonoperíodode1996a2002(emmilhõesdedólares).Sãoapresentadososnúmerossobreo IDErealeocontratado(esperado).É re-gistradaadistribuiçãoregionaldoIDEentreacosta,ocentroeooestedaChina. In:ADB.PrivateSectorAssesstement–PRC.AsianDevelopmentBank(ADB,2003,p.7).ComdadosdoAnuárioEstatísticodaChina(ChinaStatistical Yearbook) de 1998, 1999 e 2001 e do Ministério do ComércioExterioredaCooperaçãoEconômica(MOFTEC).

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maneiras de ampliar o afluxo do Investimento Direto Externo. O anode2002foimarcanteparaonovopatamarinauguradopelaChinanaatraçãodecapitalestrangeiroporque,comoinfluxodeUS$ 52,7 bilhões, o país foi o maior receptor de IDE no mundo. O  investimento externo aumentou a capacidade produtiva daChina, mas o país tornou-se mais dependente das exportações dasempresasintegralmenteestrangeiras.Portanto,aeconomiadaChina depende, em parte, dos humores dos mercados internacio-naisedasdecisõesdascorporaçõesestrangeiras.

Os principais estados ocidentais sempre denunciaram o Catá-logodeDirecionamentodosInvestimentosEstrangeiros na China como a prova cabal das restrições do Estado chinês a assim cha-mada livre economia de mercado. Pequim determina o que e onde é aceito como InvestimentoDiretoEstrangeiro (IDE).A impor-tância da internacionalização dos capitais chineses, a necessidade deaumentaraparticipaçãonascadeiasdevalorglobaleastrans-formações produtivas internas no país levaram o Estado chinês à revisãodoCatálogodoIDE,em2017.ForamreduzidososcasoseostiposdefirmasestrangeiraslistadasnoCatálogocomodepen-dentesde aprovaçãodogoverno.Foram relacionadosos investi-mentos desejados e que são considerados estratégicos em favordoavançodaeconomiadopaís.AsproibiçõesnoCatálogoparaoIDEforamreduzidasde93para66regulamentaçõessobresetoreseconômicos,abrindo-seopaísparao IDEem:serviçosde infor-maçãoeavaliaçãodecrédito,contabilidadeeauditoria;operaçãoemmercadosdegrandeescalanosnegóciosaatacadodeprodutosagrícolas;equipamentosferroviários,óleodesoja,exploraçãoemáreasnãoconvencionaisdeóleoegás(petróleodexistoeareia;gásdexisto).ForamampliadosnoCatálogoostiposdeinvestimentosque serão objetos de incentivos, a exemplo de pesquisa e produção de componentes sofisticados de impressão 3D.

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O impulso exportador

No início das reformas, o crescimento das exportações chinesas ocorreu mais lentamente do que outras experiências asiáticas. No períododedezanos,entre1981e1990,aChinasóconseguiuau-mentarem50%suasexportações.Mas,emcomparação,anterior-mente,em1968,aCoreiadoSulprecisoudeapenasquatroanosparadobrarsuasexportações.Apartirde1994,aChinaconseguiuacelerar suas exportações, e em apenas três anos, de 2000 a 2003, quase dobrou suas vendas externas. Entre outros fatores, a ade-sãoàOMCem2001,paradoxalmente,ajudouessedesempenhoaodiminuir relativamente barreiras para as vendas chinesas. A ade-sãoàOMCocorreusemqueaChinatenhaaderidoaoneolibe-ralismo subjacente às imposições desta instituição internacional, polarizada pelos Estados Unidos e União Europeia. As exporta-ções chinesas cresceramaumamédia anual, comoporcentagemdo PIB, em 10,5%, no período de 1981 a 1988, e em 25,1%, de 1994 a 2003. A partir dos anos 1990, o desempenho comercial da China assemelhou-se às experiências asiáticas, como o que ocorreu no JapãoenaCoreiadoSul.(FLASSBECK,2005,p.4-6)

As exportações diversificaram-se rapidamente, dos têxteis aos eletroeletrônicos. A exportação de manufaturados cresceu 20% ao ano, desde 1980. As vendas de bens manufaturados saltaram de 40%, em 1980, para 90%, em 2001, como participação na pauta de exportaçõesdaChina.Ovalordasexportaçõeschinesas, em1990,representava16%doPIBdopaís.Masessarelação–exporta-ções/PIB–puloupara36%,em2003.(HART-LANDSBERG,2006,p. 13) Então, o crescimento econômico passou a depender mais das exportações, que precisaram ser cada vez maiores.

Zhang Junavaliou em2006queoProduto InternoBrutodaChina estava em cerca de 70% relacionado com o comércio exte-rior, demonstrando a dependência da economia em face das trocas

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internacionais. Apesar da constatação dessa dependência, o pro-fessorZhangavaliavapositivamenteessa realidade.AChinaes-taria demonstrando competitividade. Essa arrancada exportadora, alémdosbaixossaláriosedaspolíticaspreferenciaisdogoverno,sustentariaagrandeatraçãodoinvestimentoexternoparaaChina.“Eu acho que o crescimento econômico na China tem sido ampla-menteumresultadodaglobalizaçãodaproduçãochinesadema-nufaturados”,afirmouZhangJun(2006).Estranhamente,aocon-centrar-senaglobalizaçãocomofatorcausal,Zhangsepara,deumlado,osbaixossalários,os incentivos,ascondiçõesprivilegiadaspara as próprias empresas exportadoras, e, de outro, o desempenho exportador chinês, ou seja, dessas mesmas empresas em sua com-petitividade. Contudo, entre esses dois lados, parece que o primei-roécausae,osegundo,efeito.Essaseria,assim,umamelhorexpli-cação,entreoutrosfatores,paraaatraçãodoIDE.As exportaçõesdas empresas de capital estrangeiro aumentaram rapidamente,saindo de 20%, em 1992, e alcançando 50% do conjunto das vendas externas da China, em 2001.23Mas,em2010,jáaçambarcaram56%de todas as suas exportações.

Mantém-se uma grande polêmica, principalmente entre osEstados Unidos e a China, a respeito da questão cambial. Pole-miza-se sobre os efeitos da desvalorização do renminbi na compe-titividade das exportações chinesas, reforçando o grande déficit

23 Ver no estudo de Heiner Flassbeck o gráfico com a participação das fir-mas estrangeirasnas exportações totaisdaChina (em%),noperíodo 1985a2003.Em1992,essaparticipaçãoalcançou20%,em1996passoude40%eem2001atingiu50%.In:FLASSBECK,Heiner.China’sSpetacularGrowthSinceMid-1990.MacroeconomicConditionsandEconomicPolicyChanges.UNCTAD(2005).ChinainaGlobalizingWorld.p.36.

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norte-americano.24 Com a incorporação do renminbi aos Direitos Especiais de Saques do FMI, em outubro de 2016, aChina terámuito mais dificuldade para adotar medidas de depreciação da sua moeda. Todavia, no período das reformas, na China, qual foi a trajetóriada suapolítica cambial?Embora tenha incorrido emvalorizaçãocambialnadécadade 1980,aChina,comumregimede câmbio múltiplo e controles cambiais, promoveu, por diversas vezes, a desvalorização do renminbi, até 1994. Nesse mesmo ano, foram unificados os mercados de câmbio oficial e swap, sob forte desvalorização.Asfirmasdomésticasjánãoseriamobrigadasatro-car suas receitas em dólares pela taxa oficial desfavorável. A partir daí, as autoridades só permitiam uma flutuação, com bandas mui-to estreitas, ancorando o renminbi no dólar. Assim, obtinha-se uma razoávelestabilidade.Entretanto,ataxarealdecâmbioregistrouimportantedesvalorizaçãonasegundametadedosanos1990.Nes-ses termos, a China passou a dispor de uma taxa de câmbio estável e competitiva, favorecendo os investimentos e as exportações.

Apesar dos protestos dos Estados Unidos, há forte crescimen-to das importações chinesas desde a década de 2000. A China passouaoterceirolugarnasimportaçõesnomundojáem2005.25

24 A moeda chinesa é denominada renminbi – traduz-se como “dinheiro do povo”etemcomosiglaRMB.Empregam-seindistintamenteasdenomina-ções renminbi ou yuan (CNY, yuan da China). O renminbi tem como unidade básica o yuan, que é dividido em dez jiaos, e um jiao divide-se em 10 fens.

25 VernanotadeSergioMartínoquadrocomos10paísescommaisexporta-ções e os 10 com mais importações no comércio mundial em 2005 (em bilhões dedólareseem%).AChina,em2005,jáestavaemterceirolugarnoranking tanto da exportação quanto da importação no mundo. Os dois primeiros ex-portadores eram a Alemanha e os Estados Unidos, com 9,3% e 8,7% do total exportado, respectivamente. Na importação, as posições eram trocadas, com osEstadosUnidoseaAlemanhaparticipandocom16,1%e7,2%, respecti-vamente.In:MARTÍN,Sergio.China,la tercera maior potencia comercial del

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As  compras chinesas de insumos industriais e commodities agrí-colas avançaram por toda parte, inclusive com forte presença na ÁfricaeAméricaLatina.Ademais,hádéficitsestruturaischinesesnastrocascomalgunsvizinhosasiáticos.

Montagem para exportações versus capacitação tecnológica

Noinício,aindústriademontagemtevemuitoavercomosucessodas exportações chinesas. De certa forma, a China transformou-se em uma poderosa plataforma de exportações para as firmas estran-geiras, inclusivedadiáspora chinesa.A lógicaprodutiva, empar-te, consistiu no processamento de insumos importados. Por isso mesmo,asfirmasestrangeiras,commaisde70%dosetor,domina-vamocomérciobaseadoemindústriademontagem.Aspeças,com-ponentes e insumos para essas firmas são supridos, principalmente, por firmas dos vizinhos asiáticos, e em muitos casos, na troca intra-firmas, relacionando a matriz, externamente, com a filial chinesa.

Deve-se ressalvar que o aspecto da especialização produtiva chinesaemindústriademontagemnãoéarepetiçãodofenômenodas maquiladoras doMéxico. Há traços que aparentam algumasimilaridade entre as duas experiências, como os baixos salários, a dependência do capital e tecnologia estrangeiros, uma apro-ximação de enclave etc. Porém, além de outros fatores políticos, o tamanho e o dinamismo da economia chinesa, sua acelerada

mundo. CasadeÁsia-Economia,n.193,nov.2006,p.1.Veraindaatabelasobrea evolução do comércio exterior da China no período de 1995 a 2005, com o re-gistrodarápidaescaladadasexportaçõesedasimportações.AsexportaçõessaltaramdeUS$148bilhõesem1995paraUS$761bilhõesem2005,enquantoas importaçõesaumentaramdeUS$132bilhõesparaUS$660 bilhõesnosmesmosanos.In:MARTÍN,Sergio.China,la tercera maior potencia comercial

del mundo.CasadeÁsia-Economia,n.193,nov.2006,p.2.

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evolução tecnológicaea formada integraçãoprodutiva regionalnaÁsiadiferenciamcompletamenteastrajetóriasmexicanaechi-nesa.Ademais,existeimensonúmerodefirmasintegralmentechi-nesasespecializadasnocomérciodebensdemontagem.

Areelaboraçãoeamontagemdeinsumosimportadosrespon-diampelaelevadíssimapercentagemde90%,nocasodasexpor-taçõesdealtatecnologiaem2002,segundoCong.(CONG,2004,p. 6-7)Nessesegmentoeconômico,verificava-senaquelemomen-toaindagrandedesigualdadenocomércio,comumaposiçãoim-portadora da China.26

Françoise Lemoine e Deniz Ünal-Kesenci avaliavam que o in-vestimento direto externo tem desempenhado um papel positivo para o aumento da produtividade e para o crescimento econômico da China. (LEMOINE; ÜNAL-KESENCI, 2004, p. 840-842)Criticavam,contudo,oinsignificantetransbordamentodacapaci-taçãotecnológicaedacompetitividadedasfirmasestrangeirasparaasempresasintegralmentechinesas.Elesapontavamparaumdua-lismonaestruturatecnológicaecomercialdaChina.Assim,asfir-masdemontagemestavamlocalizadasnaregiãocosteira,sobretudonasZonasEconômicasEspeciais.Sãofirmasmaisvoltadasparaasexportaçõeseconcentravamamodernizaçãotecnológica.Emcon-traste,asfirmas integralmentechinesastêmumalocalizaçãorela-tivamentemais dispersa geograficamente, estavammais voltadasparaomercadodomésticoesãodefasadastecnologicamente.

26 VernoestudodeMasahiroKatsunoatabelasobreacomposiçãodocomérciodealtatecnologiadaChinaem2003,comasimportaçõeseasexportaçõesdecomponentes eletrônicos, equipamentos de computação, equipamentos de telecomunicações,outrosbensdetecnologiadeinformaçãoecomunicação,equipamentos de áudio e vídeo. In: KATSUNO, Masahiro. Status andOverviewOfficial ICTIndicators forChina.OECD,ITCSdatabaseapud

Katsuno (2005, p. 20).

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Na década de 1980, predominavam as exportações de têxteis, mas desde os anos 1990 passaram a prevalecer os produtos elétricos e eletrônicos nas vendas externas da China. Isso não quer dizer que amaioria das empresas integralmente chinesas tenha adquiridocapacidade inovativa para uma produção mais sofisticada tecno-logicamente. A produção pode sair das fábricas integralmentechinesas–e,portanto,nãosomentefirmasestrangeiras–,masoprocessoprodutivoaindasebaseia,significativamente,natecno-logiaestrangeira.Éporissoqueem2004aspatentesestrangeirasestavampresentes em95%dosprodutos,no setor farmacêutico;em 80%, na produção de chips;em70%,nasmáquinasdecontroledigitaleequipamentotêxtil,eem90%emautomóveis,conformeLi Deshui, diretor do Departamento Nacional de Estatísticas da China.(FOREIGN,2005)

Entretanto, há uma importante mudança, desde a década de 2000, no que diz respeito ao esforço próprio chinês no desenvolvi-mentotecnológico.Em2016,segundoaWorldIntellectualPropertyOrganization(WIPO),aChinaapresentou1,3milhãodesolicitaçõesde patentes, superando a soma dos EUA (605.571), Japão (318.381),Coreia do Sul (208.830) e União Europeia (159.358). Conforme a OCDE,aChina,em2004,jáestavaemsegundolugarcomoinvesti-dorempesquisaedesenvolvimento(P&D),ultrapassandooJapão,enquanto os Estados Unidos se mantinham na liderança. (CHINA WILL, 2006) Assim, a estimativa da hierarquia dos gastos, embilhõesdedólares,comP&Dem2004era:EUA,com$330;China,com$136,eJapão,com$130;enquantoaUniãoEuropeia(EU-15,comprincipaispaíses)gastouUS$230bilhões.AChinateve, segundoaOCDE,umaascensãomuitorápida,tantonosgastos,quantononúmerodepesquisadores,emumcontextoglobaldemaiorcompe-tição.Osgastoschinesesforamdobradosentre1995 (0,6%doPIB)e 2004 (mais de 1,2% do PIB). Em 2015, a China respondeu por 21% dototalmundialdegastosempesquisaedesenvolvimento,ficando

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atrás apenas dos Estados Unidos, conforme a Fundação Nacional de CiênciadosEUA(NSF).Alémdisso,amassivamigraçãodascor-porações ocidentais para a China alcançou um novo patamar com o início de atividades de P&D nas filiais chinesas.

Nasegundametadedadécadade2010,aChinapassouafazerparte dos protagonistas das cadeias de valor global, ao lado dosEstadosUnidoseAlemanha,comainovaçãotecnológicatomandoolugardossaláriosbaixosnacompetitividadechinesa.Assim,paraAndrewShengeXiaoGeng(2017),arápidadigitalizaçãonaecono-mia e na sociedade é o veículo principal da ascensão da China nas cadeiasdevalor.Emdefesadessaperspectivada“Chinadigital”,ShengeGeng,emvisãomuitootimista,subestimandoosproble-masdodesemprego,apontamosmaisvariadosargumentos:ospla-nosgovernamentaisMade in China 2025 e Internet Plus contribuem paraasmudançascomintegraçãodainteligênciaartificial,big data, robótica,impressãoem3Deprocessosdigitaisdeproduçãoindus-trial,alémdemídiasocial;osgastoschinesesempesquisaedesen-volvimento superamosdispêndiosdaUniãoEuropeia; aChinajá situa-se em paridade com os Estados Unidos nas publicações científicas;hásuperioridadechinesanonúmerodedoutoresemciênciasnaturaiseengenharia;aChina,desde2015,játinhaatin-gido 18%do totalde suas vendasdovarejo atravésdo comércioeletrônico,enquantonosEstadosUnidossão8%;ospagamentosatravés de smartphones alcançaram um valor 50 vezes maior do que nosEUAem2016.

Em janeirode2018, foidivulgadoumfatoextremamente re-levante: aultrapassagemdosEstadosUnidospelaChinanonú-mero de artigos científicos publicados, conforme a avaliação daFundaçãoNacionaldeCiência (NSF)dosEUA.Assim,em2016autoresdaChinapublicarammaisde426mil estudos, 18,6%dototal,enquantoosEstadosUnidosconseguiram409mil,deacordocom a base de dados Scopus da editora Elsevier.

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A China driblou a OMC

AntesdoingressonaOMC,aChinacomeçouasualiberalizaçãocomercial parcial com a extinção do monopólio estatal do comér-cioexterior,areduçãodastarifasebarreirasnãoalfandegáriasefimdossubsídiosdiretosàexportação.(FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999)Astarifasalfandegáriassobreasimportaçõescaíramde41%,em1992,para16,8%,em2001.Omomentocrucialdaliberalizaçãofoi a adesão àOMC,em2001.Entretanto, aChina aplicouumafinta, um drible, um movimento inesperado e desconcertante:aproveitandoasbrechaslegaisnaOMC,criounovosinstrumen-tosestataisderegulaçãoepromoçãodassuasexportaçõeseinves-timentos,ao ladodocontrolesobreocapitalestrangeiroemsuaestrutura produtiva doméstica.

Anteriormente,existiramestudosdogovernochinês,vislum-brandoos ganhos econômicos líquidos do acordo com aOMC.Tambémhaviapreocupações:jáem1998,estimava-sequeoacesso,pela concorrência estrangeira, aos mercados chineses agrícolas,alémdosmercadosdebensindustriais,deixaria9,6milhõesdetra-balhadores ruraisdesempregados. (FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999,p.7)AentradadaChinanaOMCajudouaabrirmaismerca-dos para as suas exportações, porém, em contrapartida, diminuiu, mesmo que apenas relativamente, sua autonomia anterior para fa-zer política industrial. A especificidade da China – em razão do dinamismo e tamanho da sua economia e do seu posicionamento já alcançado no mercado mundial –, fez com que a maior liberali-zaçãodoseumercadodomésticonãotenhageradobloqueiosparaa graduação tecnológica das empresas integralmente chinesas epara a constituição de um sistema nacional de inovação. Em 2001, a China já estava, vantajosamente, para seus interesses nacionais, bastante integradaaomercadomundial.Defato,aartilhariadospreçosbaixosdasexportaçõeschinesastrouxegrandesbenefícios

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paraaeconomiadopaís,apósamelhoriagradualdeacessoaomer-cadomundialporcontadoacordocomaOMC.

Aoladodasmajoritáriasvantagenscomerciaisetecnológicas,oacordocomaOrganizaçãoMundialdoComércio resultouemalgumas situações de falência ou privatizações de parte de em-presas estatais, em razão do aumento da concorrência externa. (HART-LANDSBERG;BURKETT,2004,p.49)Asempresasasiá-ticas, norte-americanas e europeias já tinham avançado substan-cialmente na década de 1990 com exportações de bens destinados ao mercado interno da China. No entanto, diante disso, a crença dogovernoeradequeaprópriaaberturaexternadocomércioedoinvestimentodeveriaprovocarosurgimentodenovasoportunida-desdenegóciosparaasempresaschinesas.Nessemesmosentido,acreditava-se que, nas novas condições de liberalização dos mer-cados, surgiriaum impulso ao crescimentodo setorde serviços,que, com dinamismo e competitividade, seria capaz de absorver os migrantesrurais,dadososlimitespotenciaisdademandapormãodeobranaindústria,comaescaladatecnológica.

Algunstiposdeperigosdoaprofundamentodaliberalização,commaisdominaçãodocapital,conformeoacordocomaOMC,nãoprovocaramparalisiadeaçãonosdirigentesdoEstadochinês.Caberessalvarqueemsentidosistêmico,profundoealongoprazo,a liderança do Estado-partido decidiu dar mais um passo adiante na integraçãomundial,nostermosdoliberalismodocapital,mesmoquemitigado,emlugardaparticipaçãonaeconomiainternacionalem conformidade com uma planificação de orientação socialista. Essadecisãoestavaemconsonânciacomaestratégiaeconômicaemcursoequesebaseavanaregulaçãodomercadoenacentralidadedaeconomiamista.Comoconfirmaçãodoacertodessaestratégia,oacessoàOMCteveimpactopositivosobreoestritocrescimentoeconômico. Portanto, os dirigentes chineses lutaram com firme-zaparaingressarnaOMC,assumindotodasassuasimplicações.

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As  principais potências, especialmente os Estados Unidos, sóderamoavalparaaChinanaOMCemtrocademaioraberturado mercado interno chinês, “particularmente, acesso aos lucrati-vosmercadosdeserviçosdopaís”.(FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999,p.7)NasnegociaçõesdoacordodoschinesescomaOMC,osEstadosUnidoseaUniãoEuropeiaconseguiramestabelecercotasdeexportaçõesdetecidoseroupaschinesasaté2008.OgovernochinêscumpriuoAcordocomaOMCemtodasasinéditas–his-toricamente – imposições de rápida redução de tarifas, abertura de diversos setores e abandono de aspectos de políticas públicas discricionárias,obedecendotodasasetapasdocronogramademe-didasdeliberalização.(ARRIGHI,2008,p.285)OsEstadosUnidosfizeramexigênciasextremamenteabusivas,violentaseexageradas,dentrodascláusulasdoAcordodaChinacomaOMC,comafina-lidade de liquidar a soberania nacional do Estado chinês. O tempo mostrou que a China soube driblar os abusos imperialistas e colo-nialistas contrabandeados pelos Estados Unidos para os termos do AcordochinêscomaOMC.

Mesmoantesderodadasdeliberalizaçãodosmercadosdomés-ticos de serviços, aChina já tinha aumentado significativamentesuas importações de serviços. Em 1987, a China importava em ser-viços 5% do seu total de comércio, mas, apenas dez anos depois, em 1997, esse percentual já tinha subido para 14%. Comparativamente, nesses mesmos anos, os Estados Unidos tinham os percentuais de 14,8% e 14,3%. As exportações de serviços da China, como porcenta-gemdoseutotaldevendasexternas,avançarammuitolentamente:em 1987, eram 9,7% e, em 1997, só avançaram para 11,8%. Novamente, na comparação, os Estados Unidos tinham nos citados anos os per-centuaisde25,5%e25%.(FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999,p.9)

NoacordocomaOMC,aChinafoiforçadaaaceitarsuaclassi-ficaçãocomoumaeconomiaquenãoerademercado(Non-marketEconomy–NME)atédezembrode2016.Durante15anos,aChina

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foiobrigadaaaceitarregrasprotecionistasdeoutrospaíses,atra-vésdesalvaguardasedireitos“antidumpings”.Apósaexpiraçãodesse prazo de 15 anos, os Estados Unidos, a União Europeia e o Japãodesobedecemefraudam,naprática,asregrasimpostasporeles próprios sobre os chineses, e continuam a recusar o status de economia de mercado para a China. Desconsideram a liberalização já efetivada, e acusam a persistência de práticas “desleais” de co-mércio e investimentos, com interferência do Estado chinês. Nesse sentido,aUniãoEuropeiajáimplantounovasregrasprotecionis-tasem2017,claramenteilegaisnoâmbitodaOMC,pararestringirasimportaçõesdepaísesquepossuamalegadaaltaestatizaçãodaeconomia e do sistema financeiro e baixos níveis dos custos tra-balhistas e de proteção do meio ambiente, os chamados dumpings social e ambiental. O alvo dos europeus é a China.O governoTrump, com retórica alarmista, avalia que o reconhecimento dos direitos de economia de mercado para a China seria um cataclismo naOMC.Mas,legalmente,aChinajáémembroplenodaOMC,e assim deveria ser considerada economia de mercado por todos osdemais163membrosdestainstituição.Nofundohá,porpartedas potências ocidentais, um discurso tipicamente falso ao sepa-rar economia e estado. Prevalece o inconfessável objetivo realis-tadepromoçãode seuscapitaisoriginariamentenacionaise suaeconomia doméstica. Para os interesses do grande capital, comsuas corporações produtivas e financeiras, o Estado é sempre in-dispensável, na dança contínua entre liberalismo e protecionismo. O Estadodasgrandespotênciasépartedalutacompetitivainevi-tável e sobredeterminante entre os capitais.

A China é campeã dos processos antidumping no mundo. Esse país,em2004,tinhaomaiornúmerodeinvestigaçõesdedumping, com48 casos, enquanto aCoreiadoSulvinha, em segundo lu-gar, com apenas 12 casos. Por causa do status de economia “não mercado”daChina(NME),apartedaacusaçãotevevantagensna

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simplificação de provas e na liberdade de escolha do país, que ser-vedeparadigmadecustosparacontrastarcomoscustoschineses.A propósito,umdosfatoresdorebaixamentodoscustoséobaixonível salarial dos trabalhadores chineses, embora Li Yuefen (2005) considereavantagemdecustosdaChinacomodecorrênciadesuaeficiência econômica. Li acusa as multinacionais como os princi-pais fomentadores e beneficiários das medidas antidumping em re-lação às firmas chinesas.

Nova Divisão Internacional e Regional do Trabalho

O tamanho e o dinamismo da economia chinesa passaram a desem-penhar um papel-chave no desempenho da economia mundial, desdeasegundametadedosanos1990.Háalgocomoum“efeitoChina”, que consiste em reorganização da divisão internacio-nal e regional do trabalho, conforme a polarização exercida pelaeconomiachinesa.Opatamaralcançadopelaintegraçãochinesanaeconomia mundial levou a China a exercer um papel de duplo polo, tornando-se umdos centros da globalização e, simultaneamente,umabasedecentralizaçãoregionalasiática.(MEDEIROS,2006)

Amigração de capitais tanto globais quanto asiáticos tem aChina como um dos destinos prioritários. A produção e as expor-taçõesdessepaísajudamarefazerasegmentaçãointernacionaleregional das cadeias produtivas. Muitas empresas classificadascomointegradorasnascadeiasglobaisdevalortêmunidadespro-dutivas estratégicasnaChina.Amarcha aceleradada produçãochinesa alterou profundamente as relações interindustriais no Leste e Sudeste daÁsia.Constituiu-se, com a participação chi-nesa, um novo espaço asiático de compartilhamento produtivo e comercial, bem como de competição. Entretanto, constata-se, ao mesmo tempo, uma crescente influência das empresas transnacio-nais na China e no Leste asiático.

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Depois de 1995, com a nova valorização do yen em relação ao dó-lar, com a diminuição do ritmo de importação japonesa de produtos asiáticos e com certa retração do investimento direto externo japo-nês, a China avançou, inclusive beneficiando-se da desvalorização de sua moeda, em 1994, e acelerando suas exportações. As expor-taçõesdoschamadostigresasiáticosedosmembrosdaAssociaçãoEconômicadoSudestedaÁsia(Asean)começaram,decertafor-ma, a sofrer um desvio de comércio, devido à penetração da China em mercados ocidentais, como os Estados Unidos. Estabeleceu-se, em contrapartida, forte dinamismo nas trocas asiáticas, nas quais a China é o destino de crescentes exportações dos países vizinhos, sobretudo de insumos. Além disso, as firmas asiáticas se instala-ram lá, massivamente, participando do êxito exportador chinês paraterceirosmercados.Há,aomesmotempo,comoprotagonis-modaChina,acirramentodacompetiçãonaÁsia,algumgraudesimilaridade em parte da produção e um potencial de crise nas re-lações econômicas internas ao Leste asiático.

Nas relações econômicas da China com outras nações do Leste eSudestedaÁsia,avalia-sequeosganhosmútuosdecomércioeinvestimentoseriamefetivos,comoesperavaJohnWeiss(2005),emmeadosdadécadade2000.Nãoobstanteessasvantagensrecípro-cas, haveria tanto riscos para setores individuais quanto necessida-de de flexibilidade e reajustes das empresas e Estados. Conforme JohnWeiss(2005,p.47-50),aChinatinhaumaestruturainterme-diária de comércio porque era menos sofisticada do que Japão,CoreiadoSul,TaiwaneCingapura,porémeramaisavançadadoqueIndonésia,Malásia,TailândiaeFilipinas.Masissomudou:aChinanadécadade2010jágalgoupatamarestecnológicoseleva-dos em muitos setores de máquinas e equipamentos, em compara-ção com seus rivais asiáticos mais avançados.

Alega-se ainda que a relação comercial poderia ser acompa-nhada pela unificação monetária, colocando em um nível mais alto

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acooperaçãoentrealgumasnaçõesasiáticas.Arapidezdocresci-mentoedaintegraçãodaseconomiasdoLesteasiático,bemcomoo relativo sincronismo dos seus movimentos cíclicos, de curto e longoprazo,játeriamcriadoascondiçõesnecessáriasparaauniãomonetáriaeamoedacomumdessaregião,segundoKiyotakaSatoeZhaoyongZhang(2006).

Aintegraçãoàeconomiamundialtemexigidoainternaciona-lização dos próprios capitais chineses. Essa é uma necessidade de sobrevivência–produtiva,comercial,financeiraetecnológica–nacompetiçãocomasfirmasestrangeiras.Essascorporaçõesestran-geirasatuamnaChina–paraosmercadosdaChinaedomundo,via exportações – e se beneficiam de seus próprios e diversos re-cursos e instrumentos já instalados na economia internacional, emespecialnosplanosfinanceiroetecnológico.Essascorporaçõesbeneficiam-se também da flexibilidade e diversidade, inclusive de custos, dadas pela miríade de fornecedores e parcerias produtivas dispersasnas cadeiasdevalor global.Assim,paraos chineses, anecessidade inexorável da nova concorrência internacional já se manifestavaem2002,no iníciodadécadadeviragemde seu lu-garnaeconomiamundial,quandoaChinajácontavacom2.382empresasinstaladasem128países,nasmaisdiversasregiões,comum total de investimento direto externo chinês de US$ 29,9 bi-lhões. (YUANJIANG, 2005, p. 46) Os investimentos chinesesdesdeoiníciosempreforamdirecionadosparaassegurarosupri-mentodealimentos,matérias-primaseenergia,comoseconstatanasuapresençanaAméricaLatina,naÁfricaenaprópriaÁsia,em combinação com a aquisição ou fusão de empresas da Europa, Estados Unidos e Canadá em função de incorporação de tecnolo-giaeposicionamentonascadeiasglobaisdevalor.Apartirde2010,aproveitando o momento de dificuldades das potências ociden-tais com os desdobramentos da crise de 2008, a China acelerou os investimentos no exterior, com suas empresas estatais e privadas.

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Há variadas críticas de analistas ocidentais sobre o IDE chinês. Alguns, alinhados aos interesses dosEstadosUnidos, esgrimemum ponto de vista econômico claramente convencional e conser-vadorismopolítico,negandorelevânciaaoIDEdaChina,porqueseriam recursos concentrados em países periféricos com exces-siva instabilidade política, com ameaças potenciais de perdas ou prejuízos dos capitais investidos. Esses mesmos críticos também concluemqueaChinasóconseguecomprarfirmassecundárias,comdebilidadestecnológicasedemercado,nosprincipaispaísesocidentais. De outro lado, absolutamente distinto, críticos de es-querda denunciam um novo tipo de imperialismo operado pela China na dimensão dos negócios, em vez das tradicionais inge-rências políticas e intervenções militares ocidentais. Para esses críticos,asalegadasvantagensdesenvolvimentistastrazidaspelasempresas chinesas para os países periféricos são uma nova forma de dependência perante os capitais e o poder da China, além do comércio assimétrico em que a China vende manufaturados, com maisvaloragregado,ecompracommoditiesbásicas,empurrandoesses parceiros comerciais na periferia capitalista para a desindus-trialização e o neocolonialismo.

AsestratégiaserespectivosprogramasgovernamentaisGoing

Global, Made in China e Belt and Road são articulados para a pro-moçãoesustentaçãodemarcas,empresasenegóciosnoexterior.Desde a década de 2010, os investimentos externos chineses no exterior crescem com mais rapidez do que a entrada de capitais es-trangeirosnaChina.Assim,desde2014,2015e2016,ovolumedeIDE chinês já ultrapassou a entrada de capitais na China. E essa diferença deve ser maior do que os números apresentados pelo Ministério do Comércio da China, porque, como se sabe, umaparcela muito relevante dos investimentos chineses no exterior estámascaradacomosefossecapitaldeHong-KongedeparaísosfiscaiscomoLuxemburgoeIlhasCayman.

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A exemplo dos grandes grupos empresariais do Japão e daCoreiadoSul, aChinaconstituiuconglomeradosegrandesem-presas para dispor de poder e autonomia financeira, capacitação tecnológicaeinternacionalizaçãonascadeiasdevalor,comcapaci-dadedecompetiçãonosmercadosglobais.DentrodacombinaçãocomplexadeliberalizaçãoeregulaçãonaChinafoicriada,em2003,a Administração Supervisora dos Ativos Estatais (State-OwnedAsset Supervision Administration – Sasac), que controla as prin-cipais decisões das 150 maiores empresas estatais. A Sasac suprimiu a dispersão entre diversos ministérios para a condução da política industrialdirecionadaparaessesconglomeradosempresariaisesta-tais. São estatais todas as 12 primeiras empresas chinesas que apa-receram na lista das 500 maiores companhias do mundo em 2014, conforme a revista Fortune. Nesse ano, da China, constavam na lis-taglobal76estataiseapenas22firmasprivadas.(FORTUNE,2015)Nalistade2016,aChinasubiupara110corporações,ocupandoasegundaposição,depoisdosEstadosUnidos.27Aescaladaéclara:em2012,eram73empresaschinesase68japonesas;28em2006,eram20 empresas da China A lista é composta por empresas listadas em bolsas de valores e o critério de classificação é o volume de fatura-mento. As empresas chinesas atuam principalmente nos setores de petróleo,energia,banco,telecomunicações,automóveis,ferroviaseconstruçãocivil.Em2016,asestataischinesasStateGrid(eletri-cidade),ChinaNationalPetroleumCorporationeSinopecGroup(petróleo)eoIndustrial&CommercialBankofChinasituaram-senossegundo,terceiroequartoe15º lugares,respectivamente.Em2006,apetroleiraSinopeceraamaiorempresadaChina,detinha

27 Verlistadas500maioresempresas,em2016,naFortunedisponívelem:<http://beta.fortune.com/global500/list>

28 Verlistadas500maioresempresas,em2012,naFortune disponívelem:<http://fortune.com/fortune500/2012>

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a 23ªposiçãona lista e só ficava abaixodaToyota, considerandoapenas as empresas asiáticas.

BRICS

O crescimento econômico dos chamados países emergentes, a ascensão chinesa em particular, os problemas e as políticas dos paí-ses centrais no cenário da crise de 2008 e os limites da representa-çãomultilateralemimportantesorganismosinternacionais,comooFundoMonetárioInternacional(FMI)eoBancoMundial,sãoosquatro fatores principais que motivaram a criação e evolução do grupoBRICS,congregandooBrasil,aRússia,aÍndia,aChinaeaÁfricadoSul.Desdeoperíodode2012e2016,acriseeconômicano Brasil e na Rússia, as grandes dificuldades da economia daÁfricadoSuleadesaceleraçãodocrescimentonaChinaprovo-carama renovaçãodas avaliações sobre a fragilidadedoBRICS.Diantedisso, aChina,pela sua grande expressão econômicanomundo,adespeitodamencionadadesaceleração,équemconseguedarviabilidadeerelevânciaaoBRICS.Trata-sedeumbloco,semconfiguração convencional de comércio e de espaço geográfico.Os paísesdoBRICSestãoemtodososcontinentes,reúnem42%da população mundial e detinham 21% do PIB mundial em 2015.

Asignificativaheterogeneidadepolíticaeeconômica,eatéaparcialseparaçãogeográficadosmembrosdoBRICS,comdesta-que para a esmagadora superioridade da economia chinesa, sãoenfatizados pelos críticos dessa iniciativa institucional de países da periferia e semiperiferia do sistema capitalista mundial. De fato, háfortestensõesinternasnoBRICS.Nessesentido,háasdisputasdefronteirasentreChinaeÍndia.Aliás,aÍndiatomouaatituderelevantedeabririnvestigaçõesdeantidumpingcontra13produ-toschinesesnaOMCem2017.Valelembraroimpactodesindus-trializante e reprimarizante sobre a estrutura produtiva brasileira,

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Renildo Souza

emrazãodagritanteassimetriadostiposdemercadoriasnocomér-cio entre China e Brasil.

DentrodoBRICS,aChina,paradoxalmente,éoelementodediferença,rivalidadeehegemoniaeaomesmotempoéocimentoeunidade do bloco. As relações comerciais são limitadas entre Brasil, Rússia,ÍndiaeÁfricadoSul,masaChinaéoparceirocomercialdestacadode todos eles. Para aChina, oBRICS tornou-seumaarma indispensável–embora insuficiente–emsuaestratégiaderelações internacionais para conquistar projeção e poder nos or-ganismose instâncias tradicionais,para forçaroalargamentodomultilateralismo em seu benefício, para diminuir a desenvoltura políticadosEstadosUnidos.Damesmaforma,oBRICSéimpor-tanteparaaChinaparaasegurançadoacessotantoaosuprimentode alimentos, energia ematérias-primasquantodas suas vendasexternas de manufaturados para os grandes mercados dos seusparceirosnobloco.OBRICSémaisuminstrumento,pelomenoscomo demonstração de aliança política, “cartão de visita”, para a Chinaabrirportasparaseusinteresseseconômicosgerais,paraainternacionalização das suas empresas, para as oportunidades de negóciosnaAméricaLatina,ÁfricaeRússiaeÍndia.

NascríticasaoBRICStransparecearesistênciaaqualquermo-vimentointernacionalmaisautônomoemfacedahegemoniadosEstados Unidos e Europa Ocidental. A denúncia de que se tratava de um fórum para meros discursos políticos e troca de opiniões dos chefes de Estado, sem qualquer relevância prática, tem sido respon-dida por um processo em que, lentamente, a cada ano, são estabele-cidos entendimentos de cooperação em diversas áreas, sobretudo em temas econômicos, financeiros, comerciais e de ciência e tec-nologia.Aprincipalrespostaàinviabilidadeeirrelevânciadoblo-cofoiacriação,em2014,dochamadobancodoBRICS,ouseja,oNovoBancodeDesenvolvimento(NBD),eoArranjoContingentede Reservas (ACR). O argumento da incontornável incipiência

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ESTADO E CAPITAL NA CHINA

organizacional do bloco foi vencido pela institucionalização doBRICSatravésdoNBDedoACR.OBancodestina-sea finan-ciar projetos de infraestrutura diante da insuficiência de recursos edirecionamentopolíticodeWashingtonnosfinanciamentosdoBancoMundial.OACRéummecanismodesocorroparaospaísescomproblemasdebalançodepagamentos,sematradicionalpolí-ticadecondicionalidadeseingerênciadoFMI,emboraosexíguosrecursosdoACRnestemomentosótenhamimportânciaefetivaparaumaeconomiapequenarelativamentecomoaÁfricadoSul.Éevidenteque,adespeitodesuanovidade,importânciaenecessi-dade,essainstitucionalidadefinanceiradoBRICSaindanãotemporte e alcance para já se caracterizar como alternativa e exclusão doFMIeBancoMundial.Sãoinstituiçõesefetivamentecomple-mentaresaosorganismostradicionaisesemforçaparaimporumareforma da arquitetura do sistema financeiro internacional.

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