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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. Aonde vai a China? In: Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 243-253. ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.0012. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Capítulo X Aonde vai a China? Renildo Souza

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. Aonde vai a China? In: Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 243-253. ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.0012.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Capítulo X Aonde vai a China?

Renildo Souza

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CAPÍTULO X

Aonde vai a China?

A nova superpotência do século XXI

O patamar econômico internacional já alcançado pela China res-taurou o orgulho nacional do seu povo. Todavia, as grandiosasconquistas econômicas da nação repercutem mais positivamen-te em todos aqueles que são diretamente beneficiários da ascen-são da China, ou seja, empresários chineses do continente ou da diáspora,osburocratasdoPartido-Estadoealgunssetoresdeclas-semédia.OprojetoderesgataropapelhistóricodaChinacomograndepotênciadeprimeiraordemousuperpotêncianomundoéumadasformasdelegitimaçãodastransformaçõeseconômicasemcurso, uma das maneiras de justificar as reformas.

ParaMarie-ClaireBergère(1996,p.725),

[n]amortedeMaoZedong,aChinaqueDengher-doueraumagrandepotência,maseraumagrandepotência débil, marcada pela tarefa inacabada de sua modernização econômica, pelos arcaísmos de sua burocracia, pela instabilidade política induzida pela violência das lutas entre as facções.

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OmovimentoderesgatedaGrandeChinacontemplaapers-pectivadamaislargareunificaçãodoEstadonacionalatravés,es-pecialmente,daincorporaçãodeTaiwan,sobafórmula“umpaís,doissistemas”.Entretanto,umaestratégianacionalistaquetendeaserestringiràreconstituiçãoeprotagonismodaburguesiachinesaenfrentará inúmeros percalços na China e no mundo. As atuais condiçõesdoimperialismo–comaglobalizaçãoeconômica,afi-nanceirizaçãoeoneoliberalismo,eaindaaagressividadedocapi-tal decorrente dos ecos do colapso das experiências do socialismo real–enfatizamainviabilidadedeumaestratégiaeconômicaforte-mente centrada em uma espécie de burguesia nacional chinesa.Pode funcionar por determinado período, mas não se sustenta, sem reveses, nas condições de estruturação e funcionamento do capitalismo contemporâneo.

É preciso considerar, em primeiro lugar, que nem a própriaclasseburguesa,emformaçãodentrodaChina,teráinteresseemseaventuraremumaestratégiaeconômicaestreitamentenaciona-lista, relativamente autorreferenciada, nas atuais circunstâncias globais.Ograndecapital,dentroeforadaChina,assimilouopaíscomograndepotênciadeprimeiraordem,aprofundandoseuatualcurso de participação na economia mundial. E isso não é possí-vel semmodernização econômica segundoos termosdo capital.Assim, a transformação da economia chinesa tem de ser impul-sionadapelaglobalização,conformeoavançodocapitalnativoeestrangeiroedasmaisvariadasformasdeinternacionalizaçãodaspróprias empresas estatais, inclusive em associação com o setor privado forâneo.

Manter-se capital e voltar à China

A despeito dos estreitos vínculos com o capital estrangeiro, odesenvolvimento econômico da China não é uma repetição do

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capitalismo comprador que prosperou entre as últimas décadas do séculoXIXearevoluçãode1949,emXangai,Cantão(Guangzhou), Hong Kong e Macau. Com a revolução, os compradores fugi-ram da China continental. Estima-se que 51 milhões de chineses expatriadosdetinhamativosdeUS$2,5 trilhões, em 1996.AlémdassituaçõesdeHongKong,MacaueTaiwan,oscapitalistaschi-neses ou descendentes controlavam 81% da economia da Tailândia eCingapura,70%daIndonésia,69%naMalásiaede50%a60%nasFilipinas,conformeJamesHeartfield(2005,p.198).

Assim, para Heartfield, a economia da China, hoje, não é de-pendente. Ele tem razão ao reconhecer a vitalidade no capitalismo endógenodopaís.Umadasrazõesdessaautonomiaéqueaprin-cipal fonte de investimento externo direto são os próprios capi-talistas chineses expatriados. Os compradores estariam voltando para casa. Nesse sentido, a via de desenvolvimento seria chinesa mesmo.AndrewGlyn (2006,p. 15) chamaa atençãoparaumas-pecto muito relevante: apenas 10% do investimento domésticochinêseramdeorigemexterna(IDE)noiníciodadécadade2000.Adespeitodisso,oIDE,globalmente,temsidomuitoimportantena China. Ademais, os próprios dados oferecidos por Heartfield mostraram uma mudança extremamente rápida do IDE, a partir docrescimentomaisaceleradodoscapitaisorigináriosdasgrandespotênciasocidentaisedoJapão,comapresençadasmaisimpor-tantes empresas transnacionais.

Em2010,asfirmasdepropriedadetotalmenteestrangeiradeti-veramaparcelade56,65%dasexportaçõese26,67%dovaloradicio-nadonosprodutos exportados. (TANG;WANG;WANG, 2015,p.30)Muitasdessasempresaspertencema investidoresdeHongKong,MacaueTaiwan(HKMT).Em1997,oinvestimentodiretoexternoproveniente de partes daGrandeChina, ou seja,HongKong,Macau,TaiwaneCingapura,representaramumaparcelade54,94%emcomparaçãocomos45,06%dosEstadosUnidos,União

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EuropeiaeJapão.Em2002,noprazoexíguodeseisanos,essasci-frastrocaramdeposições:daGrandeChinaforamatraídos46,94%do total do IDE, no mesmo período de comparação, enquanto os EUA,aUEeoJapãopassaramparaaposiçãomajoritáriade53,06%.Assim, aChina é um campo emdisputa do capital estrangeiro, embora o Estado chinês conte com a ajuda desse mesmo capital forâneo para, contraditoriamente, transformar-se em uma super-potência, em prol dos seus próprios interesses nacionais.

Retórica da ascensão pacífica

“Ascensão pacífica”, é assim que a China define sua escalada na ordem internacionalno séculoXXI.AChinaprecisadepazpormuito tempo para concentrar o máximo dos esforços na busca da liderançaeconômica,tecnológicaefinanceiranomundo,semdes-curardasrelaçõesdiplomáticas.Mas,dessavez,diferentedoséculodehumilhaçãoetratadosinjustosdesdeaprimeiraguerradoópio,a China não está nem estará despreparada militar e politicamen-tediantederivais.FoiviradaapáginadoassombrosoisolamentointernacionaldaChinanoséculoXIXemtermosdeserviçosdiplo-máticos no Ocidente. Naquele século, a China foi submetida a su-cessivasinvasõesederrotasmilitaresperanteaInglaterra,aFrançaeatéoJapão,entreoutrosagressores,comperdadepartesdoterri-tório,alémdosimensossaquesatítulodeindenizaçõesdeguerra.OstratadosinjustosforamabolidosnocursodaSegundaGuerraMundialeasoberaniaeadignidadedanaçãoforamrecuperadasapartir da vitória da revolução comunista em outubro de 1949.

NoiníciodoséculoXXI,aChinajásetransformouemumagrandepotênciaeconômicaepolítica,apresentando-secomoumpolo de poder, um campo de oportunidades de investimento e um motor do crescimento da economiamundial. “A emergência daChinacomoumagrandepotência industrialeexportadora [...]é

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inquestionável”, conclui Heartfield. (2005, p. 1) A ascensão chinesa resultou em reforço, em vez de debilitamento, da economia do sis-temacapitalista.AascensãodaChinasignificou,aomesmotempo,acirramento, tanto da concorrência e das tensões comerciais quan-to das disputas diplomáticas, políticas e militares. Em paralelo com a ascensão econômica mundial do país, avança o papel da China no cenário geopolíticomundial. AChina tende a avançar paraumaposiçãodehegemoniaregionalnoLesteAsiático,anuncian-doumarelaçãocomplexacomoJapão.

AbandeiradaChinacomograndepotência,atravésdodesen-volvimentismo econômico, apresenta-se como um instrumento de mobilização e coesão política da nação. Ao mesmo tempo, essa ideologiainspiraumaespéciedeabstraçãosobrealutadeclasses.Favoreceaconstituiçãoeconsolidaçãodeumaburguesianacionalchinesa.Daídecorre,parece,aimportânciadeatraçãoeagregaçãoprecisamentedosprincipaisempresáriosdeorigemchinesa,osmaisexperienteseosmaisinfluentes,residentesemHongKong,Macau,Taiwan,Cingapura,Indonésia,Malásia,Austrália,CalifórnianosEstadosUnidos,Canadáeemtodosos lugaresporondese loca-lizou a diáspora chinesa. Além da realidade dos fatos das mudan-çaseconômicasdegrandevulto,serianecessário,nessaconcepção“nacional-desenvolvimentista-globalista”, brandir os símbolos dacivilização milenar, do poderio do Império doMeio, da GrandeChina,daterra-mãe.AChinaéodragão–gigantesco,poderoso,mas lendário, colorido, pacífico, operoso, promissor.

Com os olhos na China e no mundo

Avisãodegrandepotênciacontemplaapreservação,ofortaleci-mento e a internacionalização das chamadas empresas estatais es-tratégicase,aomesmotempo,abarcaaprivatizaçãodasinúmerasmilhares de outras firmas públicas deslocadas para as mãos da nova

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burguesiachinesaemformaçãonoContinente.Aautarquizaçãoeo isolamento econômico frustrariam inapelavelmente o desenvol-vimentismochinêseseupapeldegrandepotência,comoseperce-benocasodasnecessidadesdeprogressotécnico,viaimportaçãodetecnologiaeabsorçãodeinvestimentodiretoestrangeiro,semfalar da necessidade de influenciar nas decisões relevantes na or-dem internacional.

Paraaburguesiachinesa,semabrirmãodeseusprópriosnegó-cioseinteresses,aideologianacionalistaéetemdesercompatívelcomaassociaçãoaocapitalestrangeiroeaintegraçãoàeconomiamundial. Desde o início, a modernização esteve assentada na po-lítica de portas abertas. A abertura é um dos principais pilares das reformas. A influência ocidental, cada vez mais, perpassa os diversos terrenos da vida social na China, a despeito de todas as proclamações retumbantes, simbólicas, da preservação da especi-ficidade cultural chinesa. Essa retórica adequou-se bem ao nacio-nalismoepragmatismoprevalecentesnaconduçãodas reformaseconômicas. Independentemente das intenções e desejos do PCC, abuscadagrandezadoEstadoedanaçãonãotemsidodissociadado atropelamento dos direitos dos trabalhadores e imposição da dominação do capital. A afirmação nacional da China tem passado pela sua ascensão econômica, política e militar no mundo como a nova e efetiva superpotência.

Autoilusão

OPCC,emoutubrode2017,realizouoseu19ºCongresso.Reafir-mouomarxismo.ReiterouocarátersocialistadaChina.Assim,élegítimoalguémpensarquesenãoexistisseagrandiosidadedaChina, proclamando-se como um país dirigido por comunistas,desfraldando a bandeira vermelha da foice e do martelo, a causa do comunismo estaria em maiores e imensas dificuldades, depois

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da derrota devastadora da União Soviética. Ainda, nesse sentido, a China faz o mundo recordar da existência do marxismo e do socia-lismo.Mas,dadasascircunstânciasconcretas,éprovávelqueessasreflexõessejamenganosas,ilusórias.

Agora,agrandenovidadedoPCCéoassimchamado“pen-samentoXi Jinping”.O19ºCongressoaprovoua inscriçãodessepensamentoaoladodareferênciaao“pensamentoMaoZedong”nosEstatutosdoPCC.XifoireconduzidoparamaisummandatodecincoanosnapresidênciadaChina,alémdasecretariageraldoPCCepresidênciadaComissãoMilitar.OdiscursodeXiémaisassertivo em entusiasmo e confiança na futura superioridade da China na economia e na ordem internacional. Enfatiza a crucial importância da redução das desigualdades sociais. Demonstraengajamentonocombateàpoluiçãoedefesadomeioambiente.Ataca duramente a corrupção. Declara abertamente o supremo e incontestável poder e direção do PCC em todos os terrenos da vida política, econômica e social da China. Dedica-se à defesa de maior fortalecimento militar do país. Desenvolve intensa atividade política juntoadiversossegmentosdentrodopaíseemmissõesinternacionais. Propõe que a globalização sejamais aberta,maisequilibrada e mais justa para todos, como uma retórica curiosa, comosefossepanglossiana,emquenãoaparecemconflitossociaiseabalosnocapitalismoetodosganham.

No governoXi, entre 2013 e 2016, aChina teve crescimentoeconômico de 7,2%, contribuindo em 30% para o crescimento da economia mundial no período. No balanço desses quatro anos, a imprensachinesadivulgaumnúmeroimpressionantede360refor-masqueresultaramem1500medidasdegoverno.Háumagrandeprioridade para a Initiative One Belt, One Road, que promoverá de-mandaexternaparaacapacidadeociosadealgunssetoresindus-triais da China e contribuirá para o aumento da projeção política chinesanomundo.O19ºCongressoaprovouametadecompletar

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em 2020 a construção da China como uma sociedade moderada-mente próspera. Proclama-se que em 2035 a modernização socialis-ta estará fundamentalmente completada. Deseja-se que, de 2035 até 2050, a China deve se tornar um país socialista, com prosperida-de, força, democracia, cultura avançada. A partir de 2018, durante 15 anos,colocou-seametadeatraçãode2 trilhõesdedólaresdeinvestimento direto externo na China e também US$ 2 trilhões de investimento chineses no exterior.

Porqueo fatorXi agora?Houveumaclara tomadade cons-ciênciadoslíderesdoPCC,apartirdogovernodopresidenteHuJintao,sobreaestruturaçãodeantagonismosfundamentaisentreclassessociais,aoladodasgrandesvitóriaseconômicasdodesen-volvimentismo.ÉclaroquenemHuJintaonemXiJinpingvãodis-corrersobreisso.Aocontrário,ograndeslogan de Hu era sociedade harmoniosa.As atenções dos dirigentes comunistas voltaram-semais para as desigualdades sociais e aumentaram as referênciasao marxismo. Portanto, os limites e as contradições da corrida de-senvolvimentista associados aos desafios do futuro são a causa do surgimentodeumconjuntodeelementosnovose integradosnavidapolíticadaChinanoséculoXXI,como:odiscursodeXicujocerneéaChinacomoanovasuperpotência;anecessidadedequa-secomeçodocultodapersonalidadedopresidenteXi;aexaltaçãodopapelincontestáveldoPCCedosmilitares;orelançamentodaeconomiacomatençãoredobradaàsdesigualdadessociaiseregio-naiseaomeioambiente;asaliançasgeopolíticas,sobretudocomaRússia;areconfiguraçãodadançadeconflitoecooperaçãocomosEstadosUnidos;aretóricanasrelaçõesinternacionaisdepazeganhosparatodos.

AnovacenapolíticadaChina,comopresidenteXi,mostraque os líderes chineses, compulsoriamente, estão se defrontando com os limites, as contradições e os perigos que se aproximamcomograndecapitaldentrodecasa.Osefeitosdaformaçãoem

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processo de poderosíssima classe de capitalistas chineses, com ne-góciosdegigantescacentralizaçãodecapitais,transbordam,poucoapouco,daeconomiaparaapolítica,aideologia,acultura.Ascon-tradiçõessociaissãodenunciadaspelasgritantesdesigualdadesderenda e riqueza.

OPartidoComunistaChinêsreiteraenfaticamenteavigênciadomarxismo-leninismoemsuaorientaçãogeral. Insisteempro-clamarosocialismonaChina.MasoPCCparece,naverdade,queestásendoconstrangidoaserumseguidordeumaideologianacio-nal-desenvolvimentistaatualizadaparaostemposdaglobalização.AChinaconseguiurealizaraimportantetarefadonacional-desen-volvimentismo como uma etapa da modernização econômica, com a acumulação extensiva, superando os atrasos na infraestrutura, industrializaçãoeurbanização.Masosproblemasagoratornam-se,provavelmente, mais difíceis em razão dos desafios da assim cha-madaacumulaçãointensiva,dastransformaçõestecnológicas,dacorrosão da sociedade dividida em classes sociais mais nítidas e polarizadas, dos limites ambientais e das novas formas das tensões internacionais a partir dos Estados Unidos

Ogigantismoeo inexorável funcionamentodoscapitaischi-nesesjáimpuserametendemaintensificaranecessidadeorgânicae histórica de mais mercados, mais lucros e mais acumulação, com penetração em todo o mundo, com estruturais impactos políticos esociais.Sãoatingidasasasdimensõeseconômicasmaisdiversas,desde o comércio, a tecnologia e inovação, os recursos naturais,a força de trabalho e as finanças, inclusive a típica exportação de capitais. Isso é própriodo grande capital, a partir deuma super-potência,sobretudonascondiçõesdocapitalismodoséculoXXI.Tendem a crescer as acusações de imperialismo nas relações eco-nômicas internacionais dos capitais chineses já fortemente concen-trados e poderosos, que ainda contam com as políticas expansio-nistas do Estado chinês, a exemplo da Initiative One Belt, One Road.

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Entre 2003e2017,oscapitaischineses,sobretudoestatais,usurpa-ramnoBrasilprincipalmenteempresaseáreasdeenergia,óleoegás,inclusivecamposdopré-sal,emineração,comapenas11%emprojetosnovos.(FERNANDES;WARTH,2018)OBrasilconstruiuempresasedesenvolveutecnologiasqueagoraforamaçambarcadaspelos interesses estratégicos do imperialismo chinês em prejuízoda soberania nacional brasileira. Ademais, os capitais chineses não podem escapar dos conflitos interimperialistas entre os Estados Unidos, em defensiva, e da China, em ofensiva, pela liderança e controle de tecnologia, produção, comércio e finanças, além deproblemas políticos, como tem demonstrado a guerra comercial,comelevaçãodetarifas,deflagradapelogovernoTrumpem2018.

Aqui, por fim, vale lembrar a famosa advertência de Marx:“Os homensfazemasuaprópriahistória,masnãoafazemsegundoa sua livre vontade”. Há o peso das condições da realidade social. Os homens do PCC podem desejar fazer a história do socialismo na China.Mas,dadasascircunstânciaseconômicasesociaisconcretase as condições espirituais e culturais da China, parece que os líde-resdoPCCseenredamemilusõesaofalaremsocialismo.Éconfu-saainterpretaçãopolíticadoslídereschinesesemfacedasgrandesvitórias da modernização econômica, da redução da pobreza e do construído consentimento do povo. Estatização não é socialização dos meios de produção. De fato, os trabalhadores não têm contro-le da produção (com mediações e sem voluntarismo, claro) nem do poderpolítico–comliberdadeselegalidade,inclusiveinstituiçõesda democracia representativa, claro. Há uma corrosão social já em curso, em decorrência da restauração capitalista, em sentido objeti-voesubjetivo,quejáseinsinuouesepropaganointeriordasocie-dadechinesa.Mas,adespeitodosatuaisretrocessossistêmicosnosentidodosocialismo,arespostaàquestão Aonde vai a China? nãoestá predeterminada. O próprio Estado chinês, tão decisivo na as-censão do país, não é onipotente, não é portador de capacidade e

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neutralidade técnicas, não tem trajetória linear, não é monolítico, não pode deixar de ser condicionado pelas relações de produção e lutas de classes. A nova e imensa classe trabalhadora chinesa tem dado inúmeras provas de capacidade de luta. Na China, diferen-tementedeoutroslugares,nãofoiapagadocompletamenteolega-do do passado revolucionário. A evolução da sociedade chinesa e ascontradiçõesdocapitalismodoséculoXXIdeixamemabertoofuturodessanaçãodeimportânciaestratégicanomundo.Hoje,jáchegouàChina,comoatestamasdiscussõessobreajustesdomo-delo econômico, o curso necessário da dinâmica capitalista turbu-lenta, através da articulação entre sobreacumulação, superprodu-ção, capacidade produtiva ociosa e pressões sobre os lucros, com seus impactos políticos e sociais.

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