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CIDADANIA E INTERCULTURALISMO

Cidadania e Interculturalismo T2

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CIDADANIA E

INTERCULTURALISMO

CIDADANIA E INTERCULTURALISMO

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IMES Instituto Mantenedor de Ensino Superior Metropolitano S/C Ltda.

William Oliveira Presidente

MATERIAL DIDÁTICO

Produção Acadêmica Produção Técnica Adroaldo Belens | Autor Márcio Magno Ribeiro de Melo | Revisão de Texto

Equipe

Ana Carolina Paschoal, Andrei Bittencourt, Augusto Sansão, Aurélio Corujeira, Fernando Fonseca,

João Jacomel, João Paulo Neto, José Cupertino, Júlia Centurião, Lorena Porto Seróes, Luís Alberto Bacelar,

Paulo Vinicius Figueiredo e Roberto Ribeiro.

Imagens Corbis/Image100/Imagemsource

© 2009 by IMES

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida

ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, tampouco poderá ser utilizado

qualquer tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem a prévia autorização, por escrito, do

Instituto Mantenedor de Ensino Superior da Bahia S/C Ltda.

2009

Direitos exclusivos cedidos ao Instituto Mantenedor de Ensino Superior da Bahia S/C Ltda.

www.ftc.br

CIDADANIA E INTERCULTURALISMO

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SUMÁRIO

1 TEMA 01 - A CIDADANIA E OS DIREITOS HUMANOS .............................................................................. 4

1.1 A Cidadania: conceito e histórico ...................................................................................................... 4

1.2 Direitos Humanos e Justiça Social.................................................................................................... 9

1.3 A Inclusão e Exclusão Social no Contexto Urbano ......................................................................... 17

1.4 Movimentos Sociais e o Exercício da Cidadania............................................................................. 21

2 TEMA 02 - A CIDADANIA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO.................................................................... 28

2.1 A Globalização, o Estado e o Terceiro Setor .................................................................................. 28

2.2 Ética e Moral na Sociedade Contemporânea.................................................................................. 35

2.3 Mundo Contemporâneo 1: a cidadania e as emoções. ................................................................... 41

2.4 Mundo Contemporâneo 2: A Cidadania e a Indústria Cultural ....................................................... 44

3 TEMA 03 - A FORMAÇÃO CULTURAL DO BRASIL ................................................................................ 50

3.1 O Conceito Sócio-Antropológico de Cultura e Identidade............................................................... 50

3.2 Cultura Brasileira: a multiplicidade de influência............................................................................. 57

3.3 Interculturalidade: Raça e Etnicidade um conceito híbrido no Brasil e as raízes das “ciências

racialista”......................................................................................................................................... 60

3.4 Pluralidade religiosa: um diálogo permanente com o “outro” e a educação intercultural. ............... 67

4 TEMA 04 – A VIRTUALIDADE E A URBANIDADE.................................................................................... 75

4.1 A Sociedade da Informação: a sociedade virtual ............................................................................ 75

4.2 As Mídias Digitais: Das Comunidades Virtuais Aos Games............................................................ 81

4.3 Construindo Comunidades Virtuais De Aprendizagem ................................................................... 89

4.4 Tribos Urbanas 1: Os Estilos Em Jogo. .......................................................................................... 90

5 REFERÊNCIAS............................................................................................................................................ 93

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2 TEMA 02 TEMA 02 TEMA 02 TEMA 02 ---- A CIDADANIA NO MUND A CIDADANIA NO MUND A CIDADANIA NO MUND A CIDADANIA NO MUNDO O O O COCOCOCON-N-N-N-TEMPORÂNEOTEMPORÂNEOTEMPORÂNEOTEMPORÂNEO

2.1 A GLOBALIZAÇÃO, O ESA GLOBALIZAÇÃO, O ESA GLOBALIZAÇÃO, O ESA GLOBALIZAÇÃO, O ESTADO E O TERCEIRO SETADO E O TERCEIRO SETADO E O TERCEIRO SETADO E O TERCEIRO SETORTORTORTOR

IMAGENS DA GLOBALIZAÇÃO

No Brasil dos anos 90 do século XX, o tema da “globalização” vem intensificando o debate sobre a economia mundial e as relações internacionais do país.

Segundo Paulo Nogueira Batista Jr. (1998), este debate virou uma mania nacional depois que a abertura da economia e o programa de estabilização monetária iniciado em 1994, expuseram a-bruptamente grande parte da economia nacional à competição internacional.

Para outros estudiosos, esta mania à brasileira, explicitou algum atraso, diante das discus-sões já iniciadas nos países desenvolvidos, especialmente nos EUA, onde os meios de comunicação de massa e diferentes setores da intelectualidade lançaram-se avidamente na discussão do assunto.

Do ponto de vista histórico, “globalização” é a palavra da moda, para um processo que re-monta à expansão da civilização européia a partir do final do século XV.

Como lembra o historiador Marc Ferro, esse antigo processo de internacionalização e de cria-ção de um mercado de alcance mundial foi lançado pela colonização, tendo como resultado a am-pliação das desigualdades entre os países colonizadores e os demais.

Muitos questionam se a chamada “globalização” não seria uma nova faceta da colonização.

Há uma falsa novidade da “globalização”

Vale a pena recordar de alguns aspectos do quadro internacional que prevaleceu nas décadas

anteriores à Primeira Guerra Mundial. Naquele período, ocorreu uma revolução tecnológica em transportes e comunicações, que favoreceu forte expansão dos fluxos internacionais.

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É verdade que os métodos modernos de comunicação e transporte ampliaram dramatica-mente o volume e a complexidade das transações econômicas, mas não se deve perder de vista que a economia internacional dispõe, há mais de 100 anos, de meios de informação e transporte capa-zes de sustentar um sistema de cunho internacional.

Um contraste notável na economia “global” são as ações restritivas e severas contra imigran-tes, originários da África, da América Latina e da Ásia. Esses são perseguidos pela polícia e, às vezes, recebidos a tiros, nas fronteiras do mundo desenvolvido. Além de não ser um fenômeno inteiramente novo, o processo recente de integração das economias nacionais não tem o alcance que sugere o uso indiscriminado do termo “globalização”. O grau de internacionalização alcança-do nos últimos 20 ou 30 anos é, na realidade, bem menor do que geralmente se imagina.

Os mercados de trabalho permanecem altamente segmentados por políticas restritivas de i-migração e barreiras lingüísticas, culturais e outros obstáculos à movimentação internacional de trabalhadores.

Nas décadas de 1950 e 1960, ainda houve um montante limitado de migração internacional de trabalhadores dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, atribuível em grande medida à escassez de mão de obra na Europa de pós-guerra e, em alguns casos, a ligações pós-coloniais reforçadas por uma língua comum.

Dos anos 1970 em diante, entretanto, a migração internacional foi severamente limitada por leis restritivas à imigração, e, desde então, o movimento internacional de trabalhadores tem afeta-do apenas uma pequena parcela da força mundial de trabalho.

Apesar de tudo que tem sido dito sobre o efeito avassalador das tendências “globais”, o de-sempenho do mercado de trabalho reflete, no essencial, processos que ocorrem em âmbito nacional ou no máximo regional, especialmente nas economias maiores.

A questão do desemprego, assim como tantas outras, continua a depender fundamentalmen-te da evolução da economia doméstica e da eficácia das políticas econômicas e sociais.

O último relatório anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), critica os “exage-ros sensacionalistas” a respeito do impacto das variáveis internacionais sobre os mercados de tra-balho. Ainda é relativamente pequeno o número de trabalhadores empregados em atividades li-gadas ao mercado internacional.

Nos países desenvolvidos, uma média de quase 70% dos trabalhadores estão no setor de ser-viços. Nos países em desenvolvimento, de baixa-renda, o grosso do emprego ainda é gerado pela agricultura tradicional ou de subsistência e pelo setor urbano informal.

Não é verdade, ressalta a OIT, que a “globalização” seja uma força supranacional irresistível que tenha usurpado, em grande medida, a autonomia dos governos. As políticas nacionais ainda são a influência dominante nos resultados em termos econômicos e de mercado de trabalho.

O ESTADO E A GLOBALIZAÇÃO

A ideologia da “globalização” é especialmente enganosa quando associada à ideia de que es-tá em curso na economia mundial, um declínio do Estado e das suas possibilidades de interven-ção nos domínios econômico e social.

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Essa concepção representa um retorno ao que pregavam os liberais do século XIX. O Estado deveria atuar na definição e proteção dos direitos de propriedade e do sistema de leis e contratos, na garantia da segurança interna e externa do país e na defesa da estabilidade do padrão monetário.

Além disso, os governos deveriam, no máximo, proporcionar educação básica, uma rede mí-nima de proteção social e alguns investimentos de infra-estrutura.

A rigor, não haveria porque designar essa corrente de “neoliberal”. A etiqueta confere status de novidade a um fenômeno ideológico que representa uma volta ao passado e não incorpora nada de novo ao velho liberalismo.

Como há um preconceito generalizado a favor do novo e do “progresso”, o prefixo “neo” co-loca os seus adversários em posição desvantajosa. É uma concessão indevida, que enfraquece au-tomaticamente a crítica.

Há uma enorme distância entre a retórica “neoliberal” e a realidade prática dos países nos quais essa ideologia teve origem. A discussão, inclusive nos meios acadêmicos, se dá em nível pu-ramente ideológico. Essa distância não tem recebido a devida atenção.

Nos países desenvolvidos, o prestígio intelectual e acadêmico dos teóricos e ideólogos do “neoliberalismo” contrasta, de forma notável, com a sua limitada influência prática, especialmente nos anos mais recentes.

Intelectuais do mundo inteiro se opõem a ideia de que o liberalismo seja uma doutrina eco-nômica que tenha efetiva força nos governos e no Estado.

Indiferentes a essa realidade internacional, os porta-vozes brasileiros do “neoliberalismo” e da “globalização”, pregam a aplicação de modelos que são pouco aplicados nos países onde têm origem essas ideologias. Enquanto isso, os seus adversários ideológicos se deixam intimidar pelo discurso dominante.

Em conseqüência da alienação reinante, prevalece no Brasil a convicção de que a tendência mundial é de redução do papel do Estado no campo econômico e social.

É verdade que em certas regiões do mundo, em grande parte da África e da América Latina, por exemplo, o Estado entrou em fase de declínio ou até de desmantelamento. Mas não é o que vem acontecendo nos países desenvolvidos ou nos países em desenvolvimento, mais bem-sucedidos.

Esse desconhecimento de aspectos centrais da evolução da economia internacional acaba tendo efeitos práticos. Nos últimos anos, particularmente desde o governo Collor, a política eco-nômica nacional vem se caracterizando, em larga medida, como uma adaptação passiva não às tendências mundiais, tal como realmente ocorrem, mas a uma versão mitificada, construída para consumo na periferia subdesenvolvida.

E, no entanto, não é necessário grande esforço para perceber as falácias do discurso hegemônico. Basta consultar, por exemplo, as estatísticas publi-cadas por organizações internacionais, como, a OCDE e o FMI.

Quem se der ao trabalho de fazê-lo, verá que nos anos 80 e na primeira metade dos anos 90, em plena época de suposto triunfo do chamado “neoli-beralismo”, a participação do Estado na economia não diminuiu nos países mais adiantados. Ao contrário, aumentou em quase todos eles.

É certo que houve desregulamentação de mercados, remoção de barreiras ao comércio interna-cional, acordos multilaterais e regionais de liberalização comercial, eliminação de controles sobre os movimentos internacionais de capital e programas importantes de privatização de empresas públicas.

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Mas a participação do Estado na economia, que já vinha crescendo de forma expressiva e contínua desde a Primeira Guerra Mundial, continuou a aumentar no período mais recente, a des-peito da preponderância ideológica do pensamento “neoliberal”.

Em suma, o “neoliberalismo” reina, mas não governa. Assim afirma Batista Junior (1998).

Como já foi mencionado, o aumento da participação do Estado nas economias desenvolvidas nas últimas décadas representou a continuação de uma tendência que remonta ao início do século XX.

No campo econômico, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, predominaram políti-cas macroeconômicas. No campo social, construiu-se uma ampla rede de proteção social, o chama-do Estado do bem-estar social.

O mito do declínio do Estado é a ideia da ascensão de corporações “globais”, supostamente livres de lealdades nacionais e apontadas como os principais agentes de uma avassaladora trans-formação da economia mundial.

Não há dúvida de que nas últimas décadas aumentou a proporção de firmas que operam em âmbito internacional.

As corporações industriais e financeiras dos países desenvolvidos e mesmo de alguns países em desenvolvimento, ampliaram as suas atividades no exterior e mantêm uma parte dos seus ati-vos fora do seu país de origem.

Uma percentagem maior do valor adicionado é produzida por subsidiárias estrangeiras e cada empresa individual enfrenta maior número de competidores externos, tanto na sua base do-méstica, quanto em outros países

Daí não segue, entretanto, que se possa falar em supremacia de empresas “transnacionais” ou “multinacionais”, sem identificação nacional específica.

Mesmo as grandes empresas, que tendem a ser mais internacionalizadas do que as pequenas e médias, permanecem marcadas por sua origem nacional.

Corporações verdadeiramente transnacionais são raras, especialmente nas economias de maior porte, que contam com amplos mercados internos.

E não se pode dizer que exista tendência perceptível de predomínio de empresas genuina-mente globais, que não revelam preferência por um país particular.

GLOBALIZAÇÃO X ESTADO

As percepções sobre a evolução do contexto internacional sempre condicionam, em certa medida, o debate sobre as opções de um país. Uma avaliação objetiva, não mitificada, do quadro mundial, constitui uma das pré-condições para a definição apropriada das políticas nacionais.

Apesar de marcadas por vulgaridades e simplificações, as discussões sobre a “globalização” ou “mundialização” da economia adquiriram, nos últimos anos, uma importância estratégica. Da forma como vem sendo conduzido, esse debate tem tido efeitos predominantemente negativos.

Por um lado, ajuda a mascarar a responsabilidade pelas opções e decisões dos governos, obs-truindo a crítica das políticas públicas. Por outro, inibe a reflexão sobre as alternativas de que dis-põem os países na definição de suas políticas econômicas, sociais e de inserção internacional, con-tribuindo para imobilizar as iniciativas nacionais.

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Para países como o Brasil, que ainda carregam traços acentua-dos do seu passado colonial, um debate como esse é sempre proble-mático. A ideologia da “globalização”, principalmente nas suas ver-tentes mais extremadas, constitui um reforço considerável e falsamen-te moderno para a arraigada subserviência de muitos setores das ca-madas dirigentes do país, sempre prontos a atuar como prepostos dos interesses internacionais dominantes e a colaborar para uma integra-ção subordinada à economia internacional.

Nesse contexto, a “globalização” funciona como álibi para al-gumas posições tradicionais das elites locais. Um dos principais efeitos desse debate tem sido o de propagar a impressão de que a margem de manobra dos Estados nacionais, especialmente na peri-feria do sistema econômico internacional, sofreu dramático estreitamento nas décadas recentes.

Segundo as versões mais extravagantes da ideologia da “globalização”, os Estados nacionais estariam indefesos diante de processos “globais” incontroláveis ou irreversíveis e teriam ingressa-do em uma época de inevitável declínio.

As avaliações recentes sobre as tendências da economia internacional estão carregadas de exageros e mitos. Carecem freqüentemente de perspectiva histórica. Apóiam-se, em geral, em pre-conceitos e impressões superficiais e não em um exame cuidadoso dos dados macroeconômicos internacionais.

O próprio vocabulário – “globalização”, “mundialização”, “neoliberalismo”, empresas “transnacionais” ou “multinacionais”– está contaminado de distorções e conotações ideológicas.

A “Globalização” é uma nova palavra para um processo que remonta, em última análise, à expansão da civilização européia desde o final do século XV.

A internacionalização econômica dos últimos 20 ou 30 anos tem precedentes históricos, no-tadamente nas décadas anteriores à Primeira Guerra.

O processo de internacionalização observado nas décadas recentes não tem o alcance e muito menos o caráter universal sugerido pelo uso indiscriminado do termo “globalização”. Está muito longe de provocar o desaparecimento das fronteiras ou ameaçar a sobrevivência do Estado nacional.

É verdade que o progresso técnico e as inovações em áreas como informática, telecomunica-ções e finanças, combinados com a liberalização de mercados e a remoção de restrições a operações internacionais, vêm contribuindo para a maior integração das economias nacionais.

Além disso, os mercados de trabalho permanecem altamente segmentados por políticas res-tritivas de imigração e outros obstáculos à movimentação internacional de trabalhadores.

A própria expressão “globalização” é enganosa e deve ser evitada. É preferível utilizar ter-mos como “economia internacional” ou “internacionalização econômica”, mas compatíveis com um quadro mundial caracterizado pelo intercâmbio entre economias nacionais distintas.

CONCEITO DE GLOBALIZAÇÃO

Nessa parte, dediquei a uma conceituação de globalização a partir da teoria de Paulo Batista Jr (1998), no artigo intitulado Os Oito Mitos da Globalização, e como devemos desmitificar o ter-

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mo. Há um mito de que não existirão empresas nacionais e tudo será global. Pelo menos, isso que orienta as políticas de governo e de Estado.

O predomínio ideológico do chamado neoliberalismo – que apesar do prefixo constitui uma tentativa de restaurar o ideário econômico do século XIX –, não chegou a modificar de maneira significativa e duradoura a dimensão do Estado na maioria das economias desenvolvidas. Não chegou sequer a interromper a tendência de aumento do peso do governo, medido por indi-cadores agregados, como a relação entre a despesa e a receita públicas e o PIB (Produto Interno Bruto), que é soma das riquezas nacionais dividido pelo número de habitantes.

O exame dos dados macroeconômicos das economias desenvolvidas indica que há uma e-norme distância entre o discurso “neoliberal” e a realidade dos países onde essa ideologia teve origem.

Nas últimas décadas as empresas dos países desenvolvidos e mesmo de alguns países em desenvolvimento, ampliaram as suas atividades no exterior e passaram a desenvolver uma parte das suas atividades fora de seu país de origem. Mas isso não significa que as firmas perderam as suas referências e vínculos nacionais.

A maioria delas mantém o grosso dos seus ativos, vendas e empregos, na sua base nacional. As atividades geradoras de maior valor adicionado e funções estratégicas, como pesquisa e desen-volvimento, tendem a se realizar no país de origem das empresas.

Em geral, as corporações não devem ser caracterizadas como “transnacionais” ou “multina-cionais”, mas sim, como firmas nacionais com operações internacionais.

O grau de internacionalização das finanças é mais limitado do que sugere o uso indiscrimi-nado de expressões como “globalização financeira” ou “mundialização do capital financeiro”. A despeito da acentuada expansão das operações financeiras internacionais, as aplicações domésticas ainda são largamente predominantes.

Longe de estarem reduzidos à condição de atores secundários, os Bancos Centrais continuam e continuarão a preservar a sua autonomia e a exercer forte influência sobre os mercados de câm-bio, agindo isoladamente ou em intervenções coordenadas com outros bancos centrais.

O TERCEIRO SETOR E A GLOBALIZAÇÃO

Os Estados nacionais, sobretudo nos países mais bem-sucedidos, não estão indefesos diante de processos econômicos “globais” incontroláveis ou irresistíveis. Ao contrário do que sugere o fatalismo associado à ideologia da “globalização”, o desempenho das economias e o raio de mano-bra dos governos continuam a depender crucialmente de escolhas nacionais.

O fascínio com a “globalização” é revelador do estado de prostração mental e desarmamento intelectual em que se encontram países como o Brasil. Para superá-lo, poderíamos começar por uma reavaliação do quadro mundial e do papel dos Estados nacionais, desenvolvendo, sem inibi-ções, a nossa própria concepção dos rumos que devem tomar as relações internacionais da econo-mia brasileira.

Na primeira metade do século XX, o capitalismo tinha interesse em fortalecer o Estado – no qual as grandes empresas "mamavam" recursos financeiros, isenções fiscais e privilégios legais (como ainda acontece no Brasil). Agora, as empresas transnacionais, que controlam a economia do planeta, insistem em privatizar as empresas estatais. Ou seja, querem enfraquecer o Estado e forta-lecer o mercado – menos leis, mais competitividade desenfreada.

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A globalização tende a destruir um valor importante: a nossa identidade como nação. Um brasileiro não é igual a um estadunidense ou a um indiano.

Cada povo tem suas raízes, sua cultura, seu modo de encarar a vida. Não é verdade que um mineiro adoraria encontrar, ao viajar pelo mundo, um tutu com feijão? O nordestino não morre de saudade de uma carne de sol com feijão-de-corda e manteiga de garrafa?

Ou seja, elas são organizações que não representam um determinado grupo social específico ou uma categoria de trabalhadores, mas tem a função de desenvolver projetos sociais, visando com que as comunidades se tornem auto-sustentáveis.

O que antes era pauta do movimento social, como a “transformação social” e a luta pela “ci-dadania”, significando melhores condições de vida como transporte, saúde, educação, agora as ONGs, desenvolvem projetos de caráter social sem às vezes, pretensão de desenvolver um movi-mento de pressão pelas mudanças efetivas na ordem vigente.

Porque a fonte financiadora é, na maioria, os recursos públicos que são destinados para o ter-ceiro setor ou para as ONGs. Então, essas entidades ficam reféns daqueles que financiam os projetos.

Na era das ONGs, a luta pela “cidadania” desvinculou-se da proposta de transformação so-cial, e o discurso tornou-se perfeitamente compatível com as desigualdades sociais.

Para muitos, as ONGs devem ser uma entidade intermediária entre a sociedade, o Estado e o mercado: “a forma por meio da qual a sociedade se estrutura politicamente para influenciar a ação do Estado”.

A ideia que impera, é de que os agentes comunitários são considerados “empreendedores”, levados a atuarem como pequenos empresários. Por isso, muitos estudiosos mais radicais, enten-dem que não há impacto substancial nas comunidades onde atuam, a não ser como um fator de despolitização.

O número de entidades consideradas sem fins-lucrativos e de utilidade pública, somente no Brasil, já chega a quase 276 mil instituições. E nas ações de muitas delas, prevalecem as de ativida-des de caráter assistencial. As ONGs desenvolveram, na década de 1960 e 1970, o papel de mediado-res dos movimentos sociais e de apoio às causas populares, no sentido da luta pela democratização da sociedade brasileira.

O papel político dos mediadores variava de acordo com as necessidades dos movimentos e as conjunturas políticas específicas. Estes agentes foram fundamentais para a qualificação dos con-flitos sociais neste período.

É na década de 1990 que um novo perfil de estratégia de ação das ONGs é motivado: 1. Pelas novas relações com o Estado; 2. Pela crise nas fontes tradicionais de financiamento, oriundos da cooperação internacional; 3. Novos parâmetros de relação com os movimentos sociais; 4. Vão se apresentar como espaço de trabalho para muitas pessoas, algumas migrando dos movimentos sociais.

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2.2 ÉTICAÉTICAÉTICAÉTICA E MORAL NA SOCIEDAD E MORAL NA SOCIEDAD E MORAL NA SOCIEDAD E MORAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEAE CONTEMPORÂNEAE CONTEMPORÂNEAE CONTEMPORÂNEA

CONCEITO DE ÉTICA E MORAL

A ética e a moral na sociedade contemporânea é uma temática que ultrapassa o campo teórico para invadir o universo cotidiano. Isso porque muitas das questões que lidamos nas relações do dia a dia são difíceis de tomarmos uma decisão, ou, quando tomamos partido em uma questão, usamos os nossos valores para assim definirmos os ru-mos de nossas ações.

Então lhe pergunto, a ética tem importância para você? Ética é a mesma coisa que Moral? No entanto, se alguém rouba uma lata de sar-dinha no supermercado, ele está cometendo um ato moral ou antiético?

A discussão sobre ética e moral ocupa espaço nos meios de comunicação social, nas organiza-ções empresariais, nos debates políticos e universitários, além de congressos nacionais e Internacio-nais, debates e seminários sobre questões ligadas à ecologia, à fome, à saúde e à educação.

O dois termos são etimologicamente quase parecidos, mas têm origem diferente: “Ética” vem do grego “ethos”, e significa hábito. E Moral, vem do latim mores que significa hábito, costumes. Adquirimos a moral também no meio ambiente em que vivemos pelo simples fato de que a locali-dade onde se mora influencia o comportamento humano.

Para distinguir, os dois conceitos variam de sociedade para sociedade: o que em geral pode ser prejudicial para uma, para outra é antiético. Tome como exemplo, uma rua de grande movi-mento na sua cidade, onde uma tira a roupa. É provável que a comunidade o julgue conforme os seus valores e ainda manifeste o quanto esse ato fere os seus princípios como, por exemplo, o ato pode perverter adolescentes, levando-os para um “mau caminho sob parâmetros morais?

Diferindo-se da moral, a ética, em geral, é concebida como a ciência que trata apenas do co-nhecimento natural sobre o Bem e o Mal ou teoriza sobre as condutas, estudando as concepções que dão suporte à moral numa sociedade, tendo em vista a sua história e as estruturas sociais. E a moral normatiza e direciona a prática das pessoas.

Os filósofos afirmam a ética como a ciência normativa, que emite juízos de valor em função do discernimento entre o bem e o mal. E Moral, é um código de conduta variável com os costumes ao longo dos tempos de uma sociedade.

A moral existe para se viver melhor. Mesmo que as regras morais sejam concebidas como condição de repressão humana e geradoras de infelicidade, os grupos humanos precisam dela para viver bem.

Nos conflitos bélicos, na insatisfação de milhões de seres humanos com a má distribuição de renda, na desigualdade entre os chamados países desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre a opu-lência e desperdícios de poucos, em contraste com a fome e a miséria de muitos, as milhões de pes-soas que buscam uma vida melhor nos grandes centros capitalistas modernos se frustram com as políticas anti-imigração desses países.

É comum que no mundo contemporâneo fechemos os olhos para as questões que estão em crise de valores. Mas você se considera uma pessoa ética?

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Digamos que se você faz uma critica ao cotidiano daquilo que todos consideram normal e pauta a sua vida na responsabilidade e solidariedade com o outro de natureza humana, animal, vegetal ou material, você está tendo uma atitude ética.

Para Deleuze e Guattari (1976, apud WEINMANN, 2002), as idéias de Ética e Moral são movi-mentos produtores de realidade psicossocial ou sentidos de produção da vida psicossocial que agenciam, em seu percurso, maiores ou menores espaços.

Para obter mais informações, acesse o link:

www.scielo.br

O espaço psicossocial é a relação entre o indivíduo e suas conexões sociais, econômicas, lin-güísticas e culturais. Esses movimentos psicossociais podem produzir desde a manutenção de um estado de valores até a recriação da subjetividade.

Por práticas psicossociais entende-se exatamente aquilo que os homens fazem em seu cotidi-ano. Essa prática é a própria produção humana em sua existência, em todas as instâncias psicológi-cas, culturais, Políticas, etc. que produz a subjetividade e, portanto, a realidade psicossocial.

O conteúdo das regras morais, conforme a época ou lugar, todas as comunidades têm a ne-cessidade formal de regras morais. É formalmente correto que a coragem é melhor que a covardia, que a amizade é um valor desejável entre os membros de um grupo.

Tomemos um exemplo corriqueiro, ainda que não referente à moral propriamente dita: se al-guns riem de uma pessoa oriunda do interior do Estado com medo de atravessar a avenida na grande cidade, certamente será ele que rirá de uma pessoa nascida numa grande cidade, assustada com sapos e cobras na fazenda.

Transportando o exemplo para o campo da moral, a coragem do guerreiro da tribo é certa-mente diferente da coragem do homem urbano desafiado, por exemplo, pelos riscos da corrupção.

Ninguém nasce moral, mas torna-se moral. Há uma longa caminhada a ser percorrida para a aprendizagem de descentralização do eu subjetivo, a fim de superar o egocentrismo infantil e tor-nar-se capaz de "con-viver". Por isso, segundo Elizete Passos (2003), ela tem um caráter social e outro dialético.

O seu caráter social se explicita no papel que ela desempenha na sociedade, no sentido de pos-sibilitar o equilíbrio entre aquilo que anseio individualmente e os interesses da sociedade. Por isso, se diz que não existe moral individual, mas sempre social, porque envolve as relações entre os sujeitos.

O seu caráter é dialético porque os valores morais expressam uma cultura, variam historica-mente, pois cada sociedade edifica as suas normas a partir das suas crenças, modelo social, forma-ção econômica e social.

Em outras palavras, a moral deve ser entendida como produto da sociedade que estamos in-seridos: se vivemos numa sociedade desigual é evidente que prevalecerá a moral de um determi-nado grupo dominante, que impõe para a maioria, seus valores como mecanismo de dominação social e cultural.

As pessoas são aquilo que pensa. E aquilo que pensa é a referencia de como elas agem na so-ciedade, na relação concreta com as pessoas no cotidiano. No entanto, a nossa liberdade pode ser condicionada ao sistema de valores de uma sociedade.

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Passo a considerar a questão da ética a partir de uma visão pessoal, através do seguinte qua-dro comparativo:

Ética Normativa Ética Teleológica Ética Situacional

Ética Moral Ética Imoral Ética Amoral

Baseia-se em princípios e

regras morais fixas

Baseia-se na ética dos

fins: “Os fins justificam

os meios”.

Baseia-se nas circunstâncias.

Tudo é relativo e temporal.

Ética Profissional e Ética

Religiosa: As regras de-

vem ser obedecidas.

Ética Econômica: O que

importa é o capital.

Ética Política: Tudo é possí-

vel, pois em política tudo

vale.

O ato moral é exclusivo do ser humano, e outros animais vivem conforme o seu instinto e não se baseiam em valores construídos historicamente. Por outro lado, o ser humano é o único dotado de consciência, de liberdade e de poder de decisão.

A liberdade depende da transgressão dos valores, assunto que veremos na entrevista do pro-fessor Rodrigo Araújo e nas próximas aulas.

CIDADANIA E ÉTICA - LIBERDADE

A liberdade é a concepção natural de uma pessoa ou a-nimal ser livre, mas ser livre significa, antes de tudo, algumas limitações que a própria Lei Natural impõe ao ser humano.

A liberdade parte em princípio do respeito aos direitos alheios, onde, dialeticamente, não se constata que na vida prá-tica exista o respeito ao homem em si. O que existe na consci-ência humana é o respeito a si mesmo, a busca de tudo, para si próprio, e o resto que procure respeitar os direitos dos outros, sem nenhuma contrapartida.

Ao longo da história se tem deturpado o real significado da palavra liberdade; é só verificar o dia a dia das novelas; os anúncios de jornais, os outdoors, os filmes de sexos, que são verdadeiros atentados contra o pudor e os bons costumes. Isto tem trazido uma revolução aos princípios éticos e morais de uma sociedade que prima pelas boas maneiras de vida.

A liberdade que se procura não é esta, mas aquela que está dentro de uma formação trazida pelos pais, avós, ancestrais, que sempre procuram transmitir de geração a geração os caminhos da verdade e da vida.

O caráter consciente e livre da ação: a responsabilidade moral está na exigência de um com-promisso livremente assumido. Responsável, é a pessoa que reconhece seus atos como resultantes

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da vontade e responde pelas conseqüências deles. Quando adultos, como as mulheres e os escra-vos, permanecem tutelados, o resultado é o empobrecimento moral das relações humanas.

Há um grau de articulação entre interesses coletivos e pessoais. Enquanto nas tribos primiti-vas o coletivo predomina sobre o pessoal, nas sociedades contemporâneas, o individualismo exa-cerbado tende a desconsiderar os interesses da coletividade. É importante que o desenvolvimento de cada um não seja feito à revelia do desenvolvimento dos demais.

A liberdade precisa ser analisada historicamente e não como um dado a priori fruto da abs-tração. Ela surge como condição concreta de um ser humano real, concreto e operante, capaz de transformar a sua realidade a parir das suas necessidades.

A liberdade não implica ausência de condicionamentos; ao contrario, ela ocorre dentro des-ses condicionamentos, o que força o sujeito a tomar decisões conscientes. Respeitar a pluralidade de valores é a condição exigida para a conquista da liberdade e para o exercício da cidadania.

A pluralidade é o respeito à autonomia do ser humano, a sua capacidade de escolher; é o caminho mais coerente com nossa faculdade criadora, pois respeita o exercício da liberdade.

A liberdade é o cerne da nova ética, que deve ser entendida como supressão de todo e qual-quer tipo de coação e toda repressão imposta pela lei ou pela necessidade. Segundo Elizete Passos, o ser humano está livre quando passa a conceber a vida de maneira mais simples e mais alegre.

Livrando-se das amarras da repressão e da exploração de uma sociedade comprometida a-penas com a produtividade, com o lucro desmedido e com o sucesso a qualquer custo.

ÉTICA – POLÍTICA

Há uma relação entre política e moral. Embora sejam campos de ação diferentes e autôno-mos, a política e a moral estão estreitamente relacionadas, ainda que essas não tenham o mesmo fim. A moral responde a uma exigência interior, segundo a retidão dos atos pessoais quanto à norma dos deveres, enquanto a outra é acima de tudo, ação social.

Aristóteles distingue o cidadão do homem de bem. O ideal é o homem associar as duas vir-tudes, “mas pode ser bom cidadão sem possuir as virtudes de um homem de bem”. A política diz respeito às ações relativas ao poder e à administração dos assuntos públicos.

Quando há desequilíbrio de poder na sociedade e a maior parte das pessoas não atinge a ci-dadania plena, isso repercute na moral individual de inúmeras maneiras: as exigências de compe-tição para manter ou alcançar privilégios e a luta pela sobrevivência na sociedade desigual, elevam a níveis intoleráveis o egoísmo e o individualismo, geradores de violência dos mais diversos tipos.

É assim que se poder falar em falte a ética tanto diante da má administração de verbas publi-cas, provocando, por exemplo, o colapso da rede de hospitais, como também em moral seqüestrar ou assaltar a mão armada.

Os problemas decorrentes da decadência Ética que presenciamos não podem ser resolvidos, a partir de ações isoladas de educação moral dos indivíduos. É preciso que exista a vontade políti-ca de alterar as condições geradoras da doença social, para que se possa dar possibilidade de supe-ração da pobreza moral.

Dito de outra forma, não basta "reformar o indivíduo para reformar a sociedade". Um projeto moral desligado do projeto político está destinado ao fracasso. Os dois processos devem caminhar

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juntos, pois formar o homem plenamente moral só é possível na sociedade que também se esforça para ser justa.

A sua manutenção ou superação dependem da nossa livre escolha, em consonância com a mudança da estrutura social, política e econômica da sociedade.

A mudança dessa ordem moral, baseada na exploração e no egoísmo, depende da criação de novas condições socioeconômicas e culturais. Para isso, precisamos de uma ação política.

Uma nova ordem moral implicará, segundo Sanchez Vásquez (2008), numa mudança de ati-tude diante do trabalho, num desenvolvimento de um espírito coletivista, na eliminação do espíri-to de posse, do individualismo, do racismo e do preconceito.

Trará também uma mudança radical na atitude para com a realização e a estabilização das relações familiares.

Apesar da hegemonia que os valores capitalistas mantêm no mundo atua, cresce a consciên-cia de que não basta viver, que a vida não pode resumir-se a ganhar dinheiro sem sequer ter tempo para gastá-lo, que além das necessidades físicas, os indivíduos possuem as espirituais (amizade, prazer, cultura, descanso).

À nova ética não interessa as condições de raça, classe ou sexo, pois seu compromisso é com a liberdade de condições para todos os indivíduos e com a superação de toda forma de exploração e de dominação, inclusive aquela que tem sido exercida pela razão, sobre os instintos e dos sentimentos.

ÉTICA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Por que se discute tanto a ética e a moral no mundo contemporâneo? Por que vivemos num mundo em crise, o que representa estar em CRISE?

No seu significado original, do grego antigo, o conceito de crise - Krinein - significa dis-tinguir, separar, decidir. O termo crise tem a mesma equivalência da palavra vento. Indica, as-sim, um estágio de alternância, no qual uma vez trasncorrido, diferencia-se do que costumava ser. Enfim, não existe possibilidade de retorno aos antigos padrões.

CRISE DE VALORES

Hoje se fala muito em valores morais. Mas afinal o que são estes valores? Quais os seus crité-rios? Quem os define ou quem os deveria definir? Estes padrões de comportamento devem existir? Acho que depende de pessoa para pessoa.

Vivemos, portanto, em momento de crise de valores.

Mas cabe perguntar: que é valor?

Toda sociedade, seja essa simples ou desenvolvida, possui os seus valores morais, que vão sendo ensinados a seus membros através da família, da escola, da igreja, dos meios de comunica-ção de massa.

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Isso porque os valores morais desempenham um papel de elemento regulador do compor-tamento das pessoas, pautando-se nos valores são em parte herdados da cultura. Aliás, a primeira compreensão que temos do mundo.

Os valores não são coisas, pois resultam da experiência vivida pelo homem quando se rela-ciona com o mundo e os outros homens. Tais experiências variam conforme o povo e a época, num contexto de diversidade de costumes: para algumas tribos, é indispensável matar os velhos e as crianças que nascem com algum defeito, o que para nós pode parecer incrível crueldade.

Na Idade Média era proibido dissecar cadáveres, e, no entanto, as instituições de justiça ti-nham o direito de torturar seres vivos. Nosso costume de comer bife escandaliza o hindu, para quem, a vaca, é animal sagrado.

Isso significa que os valores são em parte herdados da cultura. Aliás, a primeira compreen-são que temos do mundo é fundada no solo dos valores da comunidade a que pertencemos.

Cabe-nos, pois, refletir sobre comportamentos em nosso tempo e nesta sociedade. Que é mais importante para você neste momento de crise?

• Reproduzir as mudanças que acontecem a todo o momento e que mui-tas vezes são desenvolvidas num sentido contrário aos valores maiores da solidariedade, justiça e liberdade, entre outros... Ou problematizar essas mudanças, procurando evidenciar as suas contradições?

• Procurar viver em sociedade de acordo com as conveniências sociais, servindo os interesses do imediato, do aqui e agora... Ou Viver de uma forma autêntica, genuína, "sendo aquilo que é", sem receios nem falsos preconceitos?

• Procurar o sensacionalismo fácil e a rápida ascensão profissional... Ou

procurar com humildade e esforço reflexivo, empenhar-se no seu próprio aperfeiçoamento pessoal e profissional?

• Alguém que se deixa encerrar por preconceitos e falsos estereótipos... Ou alguém que procura ter uma atitude crítica e de abertura perante os acontecimentos?

A sociedade contemporânea vive uma crise da inversão de valores e agora paga o preço de optar apenas pelo TER e sem considerar o SER. Nessa direção, as pessoas da sociedade buscam orientar-se para um verdadeiro culto ao prazer e ao poder, ao hedonismo materialista que fomen-tou seu isolamento, sua depressão e a falta de perspectiva de futuro.

O acumulo econômico ganhou o mais alto alcance de valorização, fazendo o ser humano vol-tar-se totalmente para a procura dos meios que possibilitem o crescimento de seu poder econômi-co. Como conseqüência, a essência humana é alterada, e orientação moral fundamenta a explora-ção do homem pelo homem, egoísmo, a hipocrisia, o lucro e o individualismo. Valemos pelo que TEMOS e não pelo que SOMOS.

Valoriza-se mais no ser humano seu potencial produtivo, sua possibilidade de tornar-se Ú-TIL aos interesses do capital. Uma sociedade regida pela desigualdade e pelo processo de explora-ção, despreza as virtudes públicas da justiça social, igualdade e liberdade e valoriza os ditos vícios

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individuais, tais como: sexo, vestimenta, descanso, prendendo-se ao moralismo privado, deixando de lado a moral pública.

2.3 MUNDO MUNDO MUNDO MUNDO CONTEMPORÂNEOCONTEMPORÂNEOCONTEMPORÂNEOCONTEMPORÂNEO 1: A CIDADANIA E AS 1: A CIDADANIA E AS 1: A CIDADANIA E AS 1: A CIDADANIA E AS EEEEMOÇÕES.MOÇÕES.MOÇÕES.MOÇÕES.

A CIDADE FORTIFICADA: PERDA DA ESPONTANEIDADE DAS EMOÇÕES

Hoje, você já se olhou no espelho? Observou o que em você? Existe alguma coisa diferente em você? Enquanto nos olhamos no espelho, muito sequer tem um lar. Sabia disso ou pensou so-bre isso algum dia na sua vida?

A cidade é aquilo que produzimos com as nossas emoções. A cidade está em pânico e em lu-ta para garantir a cidadania, tudo isso como reflexo da desigualdade em todos os níveis.

Os espaços públicos das chamadas cidades globais passam por profunda re-significação, e por isso, regulamentações e instrumentos de vigilância são instituídos, com a pretensão de disci-plinar a freqüentação de pessoas aos espaços através da exclusão desses das áreas da cidade.

Termos como insegurança, violência, medo, risco e perigo fazem parte de um domínio se-mântico que tem sido empregado de forma crescente para descrever a vida urbana.

O Brasil passa a ser então o país da violência urbana e dos enclaves fortificados onde os membros das “elites alienadas” se encastelam em ilhas da fantasia onde podem se inocular dos perigos e impurezas do caos urbano tido como incontrolável.

A cidade é uma instância significativa na “desordem” do mundo contemporâneo.

É nela que, por assim dizer, a vida acontece. Aparatos de vigilância e condomínios fechados proliferam nas mais diversas partes do globo e têm, como justificativas, anseios, medos e sonhos de bem-viver, que se alimentam no espaço urbano.

Há uma “cultura do medo” sendo alimentada na sociedade, porque traz vantagens para um contexto de desigualdade. Com isso, se tem a vantagem de apontar para processos simbólicos e for-mas de apreensão da realidade que não são simplesmente conseqüências diretas de “fatos” concretos.

Análises da “cultura do medo” nos Estados Unidos apontam para uma incongruência entre riscos estatisticamente calculáveis e imaginários compartilhados pelo senso comum, mesmo tendo em vista as ansiedades geradas pela arbitrariedade e imprevisibilidade de atos de graves conse-qüências como ataques terroristas.

A proliferação de medidas de controle do espaço, aliada à circulação cada vez maior de narrativas de violência pela mídia, certamente faz parte dessa cultura do medo.

A propaganda, como produtora de significados, também atua como produtora de inseguran-ças a serem sanadas por medidas de segurança. O sentimento de insegurança e as medidas profilá-ticas, são muitas vezes comprados simultaneamente, em uma criação constante de necessidades próprias do espírito do consumismo moderno.

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De fato, o mercado aparece preenchendo o espaço vazio deixado pelas instituições públicas e civis, criando também novas formas de associação baseadas na confiança fabricada por peritos devidamente treinados.

Este olhar é particularmente dirigido à expressão emocional dos intervenientes, na apresen-tação deles mesmos e na relação com os outros, a qual serve de critério da sua ‘autenticidade’, quando não mesmo da sua ‘sanidade’

É Zigmut Baumann (2003), quem aponta para o fato de que os guetos voluntários pretendem servir à causa da liberdade. Se a liberdade só é possível dentro de certos limites de segurança, o sentimento de segurança está em oposição direta a outro sentimento, o de insegurança.

Essa insegurança, por sua vez, está ligada à noção de risco que se refere a uma concepção de que o mundo fora dos muros é perigoso e violento. A “cultura do medo” se alimenta de narrativas e fluxos de informações em que, muito transcendem as experiências locais imediatas.

A CIDADANIA E POLÍTICA DAS EMOÇÕES

A impessoalidade é uma das primeiras máscaras da contra emoção. Somos emocionais a to-do instante de nossas vidas. As emoções têm conexão direta com o controle social seja este a ver-gonha, nojo, e muitas vezes geram preconceito contra o “outro”.

Emoção em oposição à razão é um mito ainda fortemente arraigado à nossa cultura. A própria etimologia carrega essa pecha: em latim, deriva de motion, movimento, perturba-ção causada por febre. Em francês, que gerou a grafia émotion, o sentido aponta para “per-turbação moral”, chegando ao português com o mesmo sentido: turbação, abalo afetivo.

O indivíduo e a sociedade são intrínsecos, ou seja, não há uma separação radical entre o que é “interno” e “externo” ao sujeito, portanto, qualquer produção do sujeito é composta por elemen-tos sociais e elementos subjetivos.

As emoções parecem agora cada vez mais vigiadas em praça pública, sujeitas ao escrutínio, ao debate e à reflexão, ou moral. Ao contrário da razão, que se define como “faculdade de racioci-nar, de apreender, de compreender, de ponderar, de julgar; a inteligência”, o senso comum esvazia as possibilidades cognitivas presentes nas emoções.

Todo este comportamento emocional incita o sujeito a refletir e a falar sobre as suas emoções. Há discordância no mundo contemporâneo quanto a oposição entre razão e emoção.

Para muitos autores, ser racional significa também ser emocional, já que a razão precisa se amparar na emoção para julgar e escolher entre inúmeras variáveis que, sozinha, não teria capaci-dade para decidir.

Para Platão as emoções pervertem a razão, e por isso não são confiáveis. E para Darwin são resquícios evolutivos de nossa animalidade, presentes com mais intensidade na infância.

Na verdade, as emoções fazem hoje parte de um conjunto cada vez mais alargado de refe-rências identitárias das sociedades contemporâneas ditas ocidentais. Desde o nível profissional ao nível familiar, saber gerir, controlar. Ao nível pessoal, a capacidade de ‘envolvimento’ no mundo, por um lado, e a ‘expressão autêntica’ da individualidade, por outro, preenchem um imaginário de

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projeto de vida onde o contacto com as emoções, a sua compreensão, a atenção que lhes é dedica-da, a sua expressão ‘saudável’, desempenham papel igualmente fundamental.

O processo civilizador de racionalização ou de modernização da sociedade tem como cerne, o controle da razão, e instituições sob a consciência individual para “domesticar” os desejos do sujeito. A padronização da conduta individual é cada vez mais necessária para a sociedade, por-que está esta cada vez mais dependente da ação de cada indivíduo que a compõe.

Essas padronizações são muito comuns numa sociedade de consumo em massa, pois o con-trole das emoções indica aos consumidores, o mais essencial para se relacionar no contexto social.

Pense a ideia de ser gordo ou magro. Alto ou baixo. Jovem e Idoso. Bonito ou feio. Todas es-sas emoções são construídas para nos controlar e nos forçarmos na busca de padrões estéticos que se adéqüem a sociedade de consumo.

A política das emoções vai além da escolha, pois precisamos reconhecer que somos sujeitos únicos e temos responsabilidade em construir o campo emocional sem necessariamente termos que nos submeter àquilo que outros acham mais importante para nós.

O MUNDO CONTEMPORÂNEO E AS EMOÇÕES

Como sentimos que estamos vivos? Você sabia que em quase tudo que fazemos na vida pos-sui uma carga de emoção? Agora estudaremos o papel das emoções na reconstrução da condição humana, sugerindo a auto-organização do sujeito como ponto de partida para novas formas de gestão social, mediadas pela partilha e cooperação.

De qualquer forma, os discursos autorizados pelos lugares oficiais de transmissão da cultura – família, escola, religião, produzem o conhecimento proibido. Como se fosse uma armadilha ne-cessária do pensamento, certo espaço do segredo e do perigo foi sendo resguardado para acondi-cionar domínios da condição humana, sobre os quais olhamos ora com desconfiança, ora com me-do. Penso que isso se deu, sobretudo, com as interpretações científicas a respeito da dinâmica de produção do pensamento e da condição humana.

Para Erving Goffman (1975), a interação entre os indivíduos de uma coletividade especifica as trocas simbólicas que ocorrem em dois níveis: um consciente (a expressão) e outro inconsciente (a impressão). Ambos os níveis estão presentes na interação entre as pessoas. A diferença é que o primeiro, que é consciente, é controlado pelo indivíduo durante a interação, constituindo as más-caras sociais que aprendemos a demonstrar diante das situações sociais específicas, então, para cada situação (ou quadros), há uma representação ou máscara adequada. Já as impressões, por serem inconscientes, seriam muito mais difíceis de controlar ou manipular durante as interações.

Os dois modos de representação dos indivíduos (expressão e impressão) nas interações soci-ais, estão vivamente carregados de todas as conseqüências advindas dos estudos das emoções.

A atuação é afetada pelas emoções e todos os interlocutores das interações simbólicas podem se beneficiar do conhecimento. A empatia para com o outro pode se traduzir num nível de atenção ou de desatenção, diante das impressões passadas pelo outro, o que pode contribuir para a supera-ção das dificuldades inerentes as relações humanas: preconceitos, julgamentos, antipatia e rejeição.

Para BAUMAN (2003), a dinâmica da sociedade contemporânea provoca um verdadeiro re-dimensionamento das relações familiares, levando-a a fragilidade na formação e manutenção de seus vínculos, e exige dos indivíduos investimento pessoal cada vez mais difícil de manter frente ao pragmatismo da vida moderna.

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O afeto é parte integrante do sentimento das famílias contemporâneas. Difícil, tem sido defi-nir o que é esse sentimento e apreender seu significado. Segundo Leonardo Boff, construímos o mundo a partir de laços afetivos.

As emoções poderiam parecer plausíveis quando aplicada a uma emoção particular como, por exemplo, a raiva ou o desprezo, mas não para a maioria das outras emoções. As fontes, as formas de aparecimento e as conseqüências da raiva e do medo ou vergonha, por exemplo, são diferentes o suficiente para que as proíba de aparecerem juntas.

Nós definimos vergonha como uma extensa família de emoções com muitos cognatos e variantes, alguns dos quais não são negativos. Nós também localizamos o modo no qual a vergonha regula e amplia outras emoções, como na vergonha-ira de braços dados com a fúria-humilhação.

A culpabilidade é uma emoção altamente individualista, reafirmando a centralidade da pes-soa isolada. Também envolve sentimentos de que o ego é forte e intacto. A vergonha é uma emo-ção social e reafirma a interdependência emocional das pessoas. É por contraste, apresenta-se co-mo um sentimento de fraqueza e de dissolução do ego.

Internet e a ausência do corpo nas relações afetivas

O tema amor contemporâneo se manifesta pela web como um sinal de proteção do EU. Esse comportamento mostra que a relação com os sentimentos é imediata e a manifestação com a ausência do corpo, via Internet, é um meio pelo qual as pessoas reinventam as suas características físicas e emocionais para o seu interlocutor.

As mudanças na sociedade e na concepção de sujeito influenciaram nas manifestações amorosas, principalmente

para apresentar os sentimentos como construções sociais.

2.4 MMMMUNDOUNDOUNDOUNDO C C C CONTEMPORONTEMPORONTEMPORONTEMPORÂNEOÂNEOÂNEOÂNEO 2: 2: 2: 2: A CA CA CA CIDADANIAIDADANIAIDADANIAIDADANIA EEEE AAAA I I I INDNDNDNDÚSTRIA CULTURALÚSTRIA CULTURALÚSTRIA CULTURALÚSTRIA CULTURAL

Para discutir a indústria cultural podemos nos eximir de discutir alguns aspectos da cultura.

A cultura é entendida como o cultivo do espírito e ocorre como algo que vem de dentro para fora do indivíduo, através dela recebe escolarização, tornando-o culto; (2) como a manifestação artística e filosófica de uma elite; (3) como um conceito nacionalista: o pensamento coletivo dos habitantes de um país ou da maioria deles.

De todo modo, a transmissão da cultura sempre esteve associado a figura do Estado, bem como a outros temas, tais quais “amparo”, proteção”, “incentivo”.

No Brasil, o vocábulo cultura ressurge em diversas passagens do Texto Constitucional de 1988, na acepção de “bem” a ser protegido, segundo o qual é de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, proporcionar “meios de acesso” à cultura, que, além da educação, ensino e desporto, constitui o objeto primordial destes entes de direito público interno.

No artigo 215, que inaugura a seção intitulada “Da cultura”, por sua vez, estabelece que:

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O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultu-ra nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Uma pessoa quando diz que teve contato com “várias culturas”, ele está se referindo ao “to-do” dessas culturas, o que inclui:

- Hábitos alimentares; - Etiqueta social (cumprimentos, olhares, gestos); - O modo de usar a linguagem — o emprego ou não de gírias em situações formais etc.; - O modo de trajar; - A música, popular ou não, a literatura, oral ou escrita, as artes plásticas, o teatro e todas as demais manifestações artísticas; - A maneira de estabelecer relações familiares, amorosas, profissionais, etc.; - O modo de ver a si mesmo e aos outros povos, entre muitas outras características.

Para o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta (1998), a cultura, no sentido antropológico, é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado.

Segundo Renato Ortiz (1998), com prenúncio da Modernidade, a metrópole, industrialização e divisão do trabalho, passaram a se tornar temas dominantes, ao passo que folclore e cultura po-pular eram considerados “coisa do passado”.

Na América Latina, o interesse pela cultura popular é semelhante ao que ocorre nos países periféricos europeus. A ausência da modernidade, ou seja, sua realização ‘incompleta’, implica o corolário oposto, a riqueza das tradições populares, o que é visto como um entrave à moderniza-ção pelas elites dominantes.

Em outras palavras, no início do século XX, a cultura popular passa a receber grande atenção dos intelectuais na América Latina; mas, ao mesmo tempo, a elite econômica continua a desprezá-la, pois a considerava um obstáculo ao desenvolvimento.

Nas décadas de 1930 e 1940, surge nos Estados Unidos uma nova questão no campo das teo-rias culturais: o conceito de cultura de massa, que não se confunde com o de cultura popular. Esta produção se deveu ao fato de os Estados Unidos conhecerem, antes dos outros, a ‘revolução’ tecno-lógica-comunicacional e os seus impactos na esfera da cultura.

A cultura de massa consiste na produção de filmes, programas de TV, livros e outros bens culturais para o grande público. Os alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Walter Benjamin (1892-1940) e o francês Edgar Morin (1921), afirmam a cultura de massa como uma indústria — daí a denominação indústria cultural, adotada por eles.

A indústria cultural é responsável pela destruição das culturas locais, pela padronização do pensamento e, principalmente, pela criação de um clima “conformista e dócil na multidão passiva”.

As manifestações folclóricas ainda estavam bem presentes por aqui quando se iniciou a mo-dernização. A indústria cultural, que se seguiu a esse processo, oriunda em grande parte do pró-prio Estados Unidos, tornou-se um modo paralelo de se produzir cultura, ao passo que com o tempo, o folclore foi perdendo espaço para a cultura de massa.

Dentre outras abordagens de estudo, a cultura, como toda prática social que tenha significa-do para o grupo que a realiza, é um conceito muito utilizado.

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Assim, um baile funk, as telenovelas, desenhos animados, ou mesmo um programa de audi-tório são manifestações culturais e nos interessam descobrir quais significados os sujeitos atribuem a tais práticas.

A chamada “Indústria Cultural”, termo muito usado hoje pelas sociedades modernas, foi uma terminologia que surgiu na obra publicada em 1947, na “A Dialética do Esclarecimento” de Adorno & Horkheimer.

Pode-se mesmo dizer que em alguns aspectos sociais, políticos e econômicos, ou se está na mídia ou, estando fora dela, será excluído da sociedade que amplia cada vez mais o binômio inclu-são/exclusão.

Observando um contexto no qual a arte passa a se subordinar a “necessidades” de consumo, Adorno apresenta o conceito de Indústria Cultural em parceria com Horkheimer, e descreve o I-luminismo como um esforço consciente de valorização da razão e abandono de preconceitos tradi-cionais, com vistas ao progresso da humanidade.

Na Indústria Cultural, portanto, padronizam-se, não apenas os bens culturais, mas também seus consumidores, prevendo-se e destinando-se a todos, um tipo de arte a ser consumida.

Com a finalidade de tornar este consumo fácil e imediato, o processo de padronização em-pobrece o material estético, tornando-o previsível e impondo este padrão aos consumidores. Estes bombardeados pela completa ausência de fantasia e imaginação experimentam e se tornam desvir-tuados ao longo de seu desenvolvimento.

Instaura-se então, o desejo pelo consumo da arte que Adorno chama de “leve”, que propor-ciona o divertimento, em detrimento da arte “séria”, que leva à reflexão crítica; elimina-se qual-quer indício de instinto revolucionário e institui-se a tolerância da vida desumana proporcionada pelo sistema capitalista.

Contudo, a reflexão dos autores mostra de que maneira a ciência e a técnica, que a priori li-bertariam a humanidade da visão mágica, findaram por criar outro mito, mais potente e sofistica-do. A partir de então, os homens passam a ser vítimas do próprio progresso e racionalidade técni-ca, uma vez que estas instâncias vão se desassociando de seu potencial libertário e tornando-se verdades absolutas, portanto, mito. Em contrapartida, nos deparamos com uma nova geração, a geração da tecnologia da informação.

Hoje em dia, os micro-computadores devem ser entronizados em local mais importante do que os antigos televisores. Em cada casa, pelo menos um micro, se possível com acesso à Internet. É a exigência da chamada inclusão digital.

Mas um aspecto que ganha força nesses meios de comunicação, é o conteúdo em torno da violência. Na televisão esse fenômeno é muito difundido, sobretudo nas telenovelas, filmes, tele-jornalismo. A mídia dissemina a violência simbólica que se assenta no deslumbramento.

O desenvolvimento das organizações que produzem cultura é concomitante ao processo de ‘desencantamento do mundo’ e perda do sentido. A mídia vem preencher o vazio do mundo de-sencantado com seu êxtase.

Para o filósofo Jean Baudrillard (2000), a fascinação ‘é a intensidade extrema do neutro (...) os leitores não vêem mais diferença entre os conteúdos que se refratam no vácuo – só o meio funcio-nando como efeito ambiente e se apresentando como espetáculo e fascinação’.

O meio é a mensagem, afirma MacLuhan (1999), que complementa a ideia dizendo que as massas não escolhem, não produzem diferenças, mas indiferenciação – elas mantêm a fascina-ção do meio, que preferem à exigência crítica da mensagem. O termo meio que se refere MacLu-

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han nos faz entender que é por onde se chega a informação ou a mensagem que a industria cul-tural pretende formatar.

Transformados em consumidores passivos, os ouvintes divorciam-se da consciência, estabe-lecendo-se o bloqueio da transcendência antes inspirada pela música séria. No lugar desta, estabe-lecem-se os repetitivos clichês e estereótipos que deseducam a sensibilidade das massas, levando-as à ingênua regressão e à aceitação de mistificações da realidade.

Ao invés de se buscar a arte, finda-se por buscar o lazer e o descanso dos corpos e das men-tes, regados generosamente pelo conformismo diante das agruras sociais .

A espacialização das relações sociais que objetivam práticas de consumo cultural (material ou não) está fortemente relacionada ao conceito de lugar.

Este lugar constitui então um elemento de sentido para quem nele habita e contribui para a capacidade interpretativa dos seus observadores, o que encaminha a constituição das caracte-rísticas fundamentais associadas aos lugares para autor: pretenderem-se identitários, relacionais e históricos.

A ideia de Identitário se explicita como expressão de “nascer em um lugar”. É o lugar onde as pessoas interagem com os símbolos da cultura e vivem os costumes que aprenderam na sua história de vida.

Patrimônio Cultural Imaterial

O Patrimônio Cultural Imaterial se caracteriza pelas práticas, representações, expressões, co-nhecimentos e técnicas e também os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associ-ados e as comunidades, os grupos, e, em alguns casos, os indivíduos que se reconhecem como par-te integrante de seu patrimônio cultural.

O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua his-tória, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim, para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

As culturas populares, segundo Néstor Garcia Canclini (2004), se constituem por um proces-so de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia, por parte dos seus setores subalternos,e pela compreensão, reprodução e transformação real e simbólica das condições gerais e específicas do trabalho e da vida.

O termo cunhado como popular, quer representar o conjunto de produção de objetos materi-ais ou imateriais em uma determinada cultura, onde as classes subalternas criam para garantir a sua identidade na sociedade ou para mostrar a sua forma de ser.

Ao discutir a festa como conceito e objeto, “tudo indica que o capitalismo cooptou as festas populares e foi cooptado por elas, mas também que o povo vem reinventando suas festas nas no-vas condições de vida, resultantes de novos contextos econômicos e sociais.

Exemplificando o arrocha, manifestação genuinamente da Região do Recôncavo baiano, so-fria muito preconceito por parte das elites de classe média. Quando esta se tornou um produto da indústria cultural, esta manifestação passou a ganhar destaque na mídia, assim como o Axé Music, o Funk, no Rio de Janeiro, entre outros exemplos.

Do mesmo modo no carnaval, quando os blocos de trio apresentam os seus cantores e ban-das para arrecadar milhões de reais com vendas de abadas. E não muito diferente, os camarotes.

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Mas o que está por trás disso tudo? Uma elitização dos grupos que podem comprar os pro-dutos da indústria cultural. Os blocos de abadás ofereceram o status aos mais ricos, ainda que as pessoas das classes populares não deixassem de ira à festa, à sua maneira, como forma de imprimir o seu caráter subversivo, satírico.

Observe um exemplo muito interessante, é o Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, que sofreu intervenções urbanas para atender uma demanda da indústria cultual. Em contrapartida, os moradores foram expulsos de suas moradias.

Na verdade, houve uma adequação do patrimônio às demandas de mercado, inserindo no contexto urbano um processo que forma lugares de exclusão sócio-econômica e afirmação de po-der social em espaços públicos.

FESTAS POPULARES

A análise das festas para entender o universo cul-tural do lugar, das pessoas, das experiências de alterida-de, foi aparecendo naturalmente nas narrativas orais. Aquilo que se concebe como ‘tradição’, costume não são imutáveis, ao contrário, são constantemente revisitadas e transformadas em resposta às novas experiências.

Nas festividades, é possível perceber a dinamicida-de de ações, interações, sociabilidades e construção de identidade dos diferentes grupos sociais. É muito comum na Bahia, as cidades que não possuem carnaval, realiza-rem as micaretas.

Termo deriva do francês Micarême, uma festa que acontecia na França, desde o século XV, em meio ao perí-odo de quarenta dias de penitência da Igreja Católica. De origem francesa, a palavra significa literalmente "meio da

quaresma". No Brasil, a introdução da Micarême como festa urbana, ocorreu primeiramente nas grandes capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte.

No Brasil, o que é denominado "carnaval fora de época", deriva-se de uma festa francesa, Mi-carême, e desde os anos noventa vêm se espalhando por várias capitais e cidades brasileiras, também em países como Canadá e Portugal, e na Bahia em Jacobina e Feira de Santana.

IDENTIDADE

Os fenômenos sociais e culturais, segundo Michel de Certeau (2002), resultam das práticas vivenciadas no cotidiano. As práticas culturais estão sempre em consonância com o contexto histó-rico dos territórios onde são realizadas.

Assim como o de cultura, o conceito de identidade transformou-se ao longo do tempo e teve (ou tem) diferentes acepções. Até o advento da globalização, fenômeno que estudamos, o conceito de identidade era bem limitado.

CIDADANIA E INTERCULTURALISMO

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Um homem que vivesse, por exemplo, durante a Revolução Industrial na Inglaterra, teria sua identidade social e individual decisivamente marcada por três fatores: trabalho, classe social e lugar.

No fim do século XX, a globalização econômica, as novas tecnologias da informação e da comunicação e a emergência da sociedade do conhecimento, mudaram radicalmente esse quadro. A noção de identidade tornou-se múltipla, móvel, escorregadia e passou, então, a atrair o interesse dos intelectuais.

Para Bauman (2003), vivemos em um mundo líquido, no qual as relações sociais dissolvem-se e “escorrem”, frouxas e sem peso. Assim como a indústria do consumo nos leva a trocar cons-tantemente de carro, computador, celular e TV, em busca de uma satisfação que nunca vem, a “li-quidez” do mundo atual nos leva a querer trocar o tempo todo de identidade e relacionamentos, inclusive amorosos.

Nessas mudanças de identidade, o mercado se ajusta inteiramente organizado à procura do consumidor que, por sua vez, mantém-se permanentemente insatisfeito. Esse comportamento evita que quaisquer hábitos adquiridos sejam diluídos em nome do excitado o apetite dos consumidores de sensações cada vez mais intensas e sempre novas experiências.

Para Bauman (1998), essa é a identidade que se ajusta ao mundo da cultura de massa, a arte de esquecer é um bem mais importante do que a arte de memorizar. Associado a isso, esquecer é mais do que aprender, é a condição de contínua adaptação na cultura de massa. Sempre novas coisas e pessoas entram e saem de cena sem muita ou qualquer finalidade. A memória é como uma fita de vídeo, sempre pronta a ser apagada, a fim de receber novas imagens. (BAUMAN, 1998)

Segundo Stuart Hall (1996) (1999), a identidade coletiva pode ser pensada segundo duas perspectivas: a da semelhança e a da diferença. Na perspectiva da semelhança, os indivíduos se agrupam em comunidades imaginadas, segundo aquilo que têm em comum.

A perspectiva da semelhança, porque nela o indivíduo se percebe, em essência, como perten-cente a determinado grupo — é a que predominou até o fim do século XX.

Nas décadas de ouro do Estado-Nação, estimulava-se fortemente a construção à semelhança da identidade nacional, de maneira que os indivíduos se percebessem, antes de qualquer coisa, como alemães, brasileiros, japoneses etc.

Além de aumentar as chances de cada país na competitividade internacional, essa estratégia estimulava os jovens a “morrer pela pátria” nas inúmeras guerras do século XX.

Com a emergência de poderosos organismos supranacionais, como a União Européia, o FMI e o Banco Mundial, e com a decadência do Estado de Bem-Estar Social, o Estado-Nação vai per-dendo sua força, junto com a ideia de identidade nacional.

Em outras palavras: ter a identidade coletiva de negro pode ser libertador, se você consegue obter direitos com isso, como o de processar alguém por racismo; mas também pode ser uma “cami-sa-de-força”, se a sociedade exigir que você siga o “estereótipo do negro” e o rejeite caso não o faça.

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