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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito dos Animais, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.
Citation preview
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO
DOS ANIMAIS
V.
01
N.
01
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITO DOS ANIMAIS
(V. 01, N. 01)
Capa: Tarsila do Amaral, Cartão Postal (1929).
ISBN: 978-1517124618
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada
mediante citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por
meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo
dogmático. É possível, à luz da tradicional visão
empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual
não se incluem somente as instituições legais, as ordens
legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma “meta direito”. No
Direito, a construção do conhecimento advém da
interpretação de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando
as experiências empíricas e o contorno regional como
elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.
Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento
jurídico como algo dogmático, buscando conferir
molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos
científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática
de Direito dos Animais, o presente busca trazer para o
debate uma série de assuntos contemporâneos e que
reclamam maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
A proeminência da Declaração Universal dos Direitos dos
Animais na afirmação da solidariedade entre espécies ..... 06
Anotações aos princípios internacionais para a pesquisa
biomédica envolvendo animais: breve painel ..................... 45
Comentários à Lei nº 11.794/2008: reconhecimento do
fortalecimento da solidariedade entre espécies naturais
na pesquisa envolvendo animais ........................................ 76
Do reconhecimento da edificação do Direito dos Animais:
o fortalecimento da solidariedade entre espécies
naturais ................................................................................ 114
O redimensionamento da filosófica concepção de
dignidade entre espécies animais à luz da bioética:
solidariedade entre espécies animais? ................................ 155
Solidariedade entre espécies naturais? O alargamento da
moldura axiológica do princípio da solidariedade
ambiental ............................................................................. 203
6
A PROEMINÊNCIA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL
DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NA AFIRMAÇÃO DA
SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
Resumo: O objetivo do presente está alicerçado
na análise do princípio da solidariedade,
expressamente positivado no Texto
Constitucional, em uma acepção alargada,
voltada, não apenas para o gênero humano, para
as demais espécies (animais e vegetais)
existentes. Como desdobramento da projeção
normativa do corolário da solidariedade, na órbita
ecológica, há que se estruturar uma solidariedade
entre todas as espécies vivas, na forma de uma
comunidade entre a terra, as plantas, os animais
e os seres humanos, visto que a ameaça ecológica
coloca em risco todas as espécies existentes no
planeta, afetando por igual a todos e ao todo.
Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as
espécies naturais é despertada, sobremaneira, em
decorrência das ameaças à vida desencadeadas
pelo desenvolvimento civilizatório fazerem com
que o ser humano se reconheça como um ser
7
natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação
de ameaça existencial. A ameaça de contaminação
propicia que o ser humano perceba que o seu
corpo integra parte das “coisas naturais” e que,
em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência
leva o ser humano a reconhecer, forçosamente,
uma comunidade natural, diante da qual o
estabelecimento de um vínculo de solidariedade e
respeito mútuo como pressuposto para a
permanência existencial das espécies naturais,
abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Palavras-chaves: Meio Ambiente. Princípio da
Solidariedade. Espécies Naturais. Interpretação
Axiológica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica do Direito Ambiental;
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3
A Solidariedade Intergeracional no Direito
Ambiental: O Fortalecimento dos Ideários de
Fraternidade nos Direitos de Terceira
Dimensão; 4 Solidariedade entre Espécies
Naturais? O Alargamento da Moldura Axiológica
do Princípio da Solidariedade Ambiental; 5 A
Proeminência da Declaração Universal dos
Direitos dos Animais na Afirmação da
Solidariedade entre Espécies
8
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
9
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,
está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação
de interdependência que esse binômio mantém”1.
Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma
interação consolidada na mútua dependência, já que o
primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo
de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 30 mai.
2015.
10
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 30 mai. 2015.
11
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
3 VERDAN, 2009, s.p.
12
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a
desvendar as peculiaridades ambientais, que, por
estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até
então era marginalizadas”4. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 30 mai. 2015.
13
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade5·.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária” 6.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
14
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando, com bastante pertinência, destaca que:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível7.
7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
15
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 30 mai. 2015. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
16
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 19819,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
9 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
17
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-
ambiente como “a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”10.
Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
10 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
18
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal12.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 30 mai.
2015.
19
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal14 está abalizado em quatro
pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,
dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura
o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
13 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
20
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,
destacou, com bastante pertinência, que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade15.
15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
21
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
22
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
23
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
24
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NO
DIREITO AMBIENTAL: O FORTALECIMENTO
DOS IDEÁRIOS DE FRATERNIDADE NOS
DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO
Em sede de comentários introdutórios, ao
volver um olhar analítico para o tema colocado em
debate, forçoso é reconhecer que o corolário da
solidariedade intergeracional apresenta-se como reflexo
de direitos de terceira dimensão, denominados direitos
de solidariedade ou fraternidade. Com destaque, os
direitos encampados pela denominação ora expendida
encontra como alicerce de sustentação o ideário de
fraternidade e tem como exemplos o direito ao meio
ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a
proteção e defesa do consumidor, além de outros
25
direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo”16 ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente. Ainda nesta esteira, é possível verificar
que a construção dos direitos encampados sob a rubrica
de terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com efeito, está-se diante de
valores transindividuais, eis que os direitos abarcados
pela dimensão em comento não estão restritos a
determinados indivíduos; ao reverso, incBRASIL sobre
a coletividade. Ao lado disso, os direitos de terceira
dimensão são considerados como difusos, porquanto não
têm titular individual, sendo que o liame entre os seus
vários titulares decorre de mera circunstância factual.
Nesta feita, importa acrescentar que os
direitos de terceira dimensão possuem caráter
16 BONAVIDES, 2007, p. 569.
26
transindividual, o que os faz abranger a toda a
coletividade, sem quaisquer restrições a grupos
específicos. Ora, o ideário de solidariedade alberga
justamente um sucedâneo de direitos que contemplam a
coletividade enquanto unidade, não se atendendo a
característicos diferenciadores ou mesmo
particularidades segregadoras. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que “os direitos de terceira geração
possuem natureza essencialmente transindividual,
porquanto não possuem destinatários especificados,
como os de primeira e segunda geração, abrangendo a
coletividade como um todo”17. Desta feita, são direitos
de titularidade difusa ou coletiva, alcançando
destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil
determinação. Nesta esteira de exposição, os direitos em
comento estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se
que o caráter difuso de tais direitos permite a
17 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
27
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. “Têm
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo,
num momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta”18. A
respeito do assunto, com bastante pertinência, Motta e
Barchet19, em seu magistério, ensinam que os direitos de
terceira dimensão surgiram como “soluções” à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
Tecidos estes comentários, ao esmiuçar o
corolário da solidariedade intergeracional, também
denominado de princípio da equidade ou princípio do
acesso equitativo dos recursos naturais, salta aos olhos
sua íntima relação com a temática dos espaços
protegidos, eis que configura um dos baldrames robustos
18 BONAVIDES, 2007, p. 569. 19 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. “Duas são as origens básicas
desses direitos: a degradação das liberdades ou a deterioração dos
demais direitos fundamentais em virtude do uso nocivo das
modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e econômica
existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais “soluções” são os direitos de terceira geração”.
28
para a sua estruturação. Afora isso, é possível verificar a
materialização do dogma em comento no caput do
artigo 225 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 198820. Assim, a atual geração, ao instituir
os espaços protegidos, furta-se à sua utilização normal
(aqui considerada aquela utilização encontradiça fora
desses espaços) para garantir as presentes gerações e,
sobretudo, às futuras, o equilíbrio do meio ambiente,
mediante a manutenção da biodiversidade. Logo, a
adoção do termo “solidariedade intergeracional” busca,
justamente, destacar esse elo de responsabilidade da
atual geração pela existência das futuras. Neste sentido,
é possível trazer à colação o paradigmático entendimento
jurisprudencial construído, no qual acena, com clareza
solar, que:
Ementa: Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental: Adequação.
Observância do princípio da
subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da
Constituição da República.
Constitucionalidade de atos normativos
20 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
29
proibitivos da importação de pneus usados.
Reciclagem de pneus usados: ausência de
eliminação total de seus efeitos nocivos à
saúde e ao meio ambiente equilibrado.
Afronta aos princípios constitucionais da
saúde e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Coisa julgada com conteúdo
executado ou exaurido: impossibilidade de
alteração. Decisões judiciais com conteúdo
indeterminado no tempo: proibição de novos
efeitos a partir do julgamento. Arguição
julgada parcialmente procedente. 1.
Adequação da arguição pela correta
indicação de preceitos fundamentais
atingidos, a saber, o direito à saúde, direito
ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição
Brasileira) e a busca de desenvolvimento
econômico sustentável: princípios
constitucionais da livre iniciativa e da
liberdade de comércio interpretados e
aplicados em harmonia com o do
desenvolvimento social saudável.
Multiplicidade de ações judiciais, nos
diversos graus de jurisdição, nas quais se
têm interpretações e decisões divergentes
sobre a matéria: situação de insegurança
jurídica acrescida da ausência de outro meio
processual hábil para solucionar a polêmica
pendente: observância do princípio da
subsidiariedade. Cabimento da presente
ação. [...] 4. Princípios constitucionais (art.
225) a) do desenvolvimento sustentável e b)
da equidade e responsabilidade
intergeracional. Meio ambiente
ecologicamente equilibrado: preservação
para a geração atual e para as gerações
futuras. Desenvolvimento sustentável:
crescimento econômico com garantia
paralela e superiormente respeitada da
saúde da população, cujos direitos devem
ser observados em face das necessidades
atuais e daquelas previsíveis e a serem
30
prevenidas para garantia e respeito às
gerações futuras. Atendimento ao princípio
da precaução, acolhido constitucionalmente,
harmonizado com os demais princípios da
ordem social e econômica [...] (Supremo
Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADPF
nº 101/ Relatora: Ministra Cármen Lúcia/
Julgado em 24.06.2009/ Publicado no DJe
em 01.06.2012).
Observar-se-á a existência de duas espécies de
solidariedade intergeracional, tais sejam: uma pautada
na atual geração, denominada, em razão disso, de
sincrônica; e, outra voltada para as futuras gerações,
chamada anacrônica. Com destaque, assinalar faz-se
imprescindível, consoante entendimento explicitado por
Andréia Minussi Facin21, que é possível enumerar três
formas distintas de acesso a bens materiais, quais
sejam: acesso visando o consumo do bem, tal como ocorre
com a captação de água e instrumentos predatórios de
caça e pesca; acesso causando poluição ao meio ambiente,
a exemplo do que se denota no acesso à água ou ao ar,
lançando, para tanto, poluentes ou emitindo poluição
sonora; e, acesso ao meio ambiente para a contemplação
de seus elementos e paisagem. Verifica-se, deste modo, a
21 FACIN, Andréia Minussi. Meio-ambiente e direitos humanos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 01 nov. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3463>. Acesso em 30
mai. 2015.
31
existência do meio ecologicamente equilibrado não se
traduz somente na preservação para a geração atual,
mas, também, para as gerações futuras. Logo, se o
pavilhão desfraldado tremula em direção ao
desenvolvimento sustentável, patente faz-se que a
concepção albergue o crescimento econômico como
garantia paralela e superiormente respeitada da saúde
da população, cujo acervo de direito devem ser
observados, tendo-se em vista não apenas as
necessidades atuais, contudo, também, as que são
passíveis de prevenção para as gerações futuras. Neste
sedimento de exposição, cuida apontar, com ênfase, que
está diretamente vinculado ao corolário em comento o
preceito da precaução, já que a necessidade de
afastamento de perigo, tal como a adoção de
instrumentos que busquem a promoção da segurança dos
procedimentos adotado para a garantia das gerações
futuras, efetivando-se apenas por meio da
sustentabilidade ambiental das nações humanas.
Denota-se, destarte, que o princípio em
comento torna efetiva a busca incansável pela proteção
da existência humana, seja tanto pela proteção do meio
ambiente como pela estruturação de condições que
salvaguardem a saúde e a integridade física,
32
considerando-se o indivíduo em sua inteireza. Gize-se
que tal fato decorre da nova visão reinante, na qual há
que se adotar, como política pública, o que se faz
imprescindível para antecipar os riscos de danos que
sejam passíveis de materialização em relação ao meio
ambiente, tanto quanto o impacto que as ações ou as
omissões possam produzir. Ora, o artigo 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil de
198822., ao estabelecer o ônus em relação à coletividade e
ao Poder Público, na condição de dever, de defender e
preservar o meio ambiente para as presentes e futuras
gerações, inaugura um dever geral arrimado na
prevenção de riscos ambientais, no patamar de um
ordem normativa objetiva de antecipação de futuros
danos ambientais, os quais encontram como
sustentáculos os dogmas da prevenção, quando tratar de
riscos concretos, e da precaução, quando estiver diante
de riscos abstratos.
No mais, cuida colocar em destaque que a
reserva dos bens ambientais, com a sua não utilização
22 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
33
atual, passaria a ser equitativa se fosse demonstrado que
ela ocorrera com o escopo de evitar o esgotamento dos
recursos, com a guarda desses bens para as futuras
gerações. Neste passo, ao se considerar a densidade da
moldura de fraternidade e solidariedade que reveste o
acesso ao meio ambiente, em especial devido ao status de
elemento que assegura o alcance da dignidade da pessoa
humana, considerando o indivíduo em todas as suas
potencialidades e complexidades, não é possível suprimir
que a manutenção da preservação dos bens ambientais
refoge ao ideário ingênuo de meio ambiente intocável,
mas sim lhe confere à contemporaneidade ao tema. “A
equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser
enfocada não só com relação à localização especial dos
usuários atuais, como em relação aos usuários
potenciais das gerações vindouras”23.
Com efeito, um posicionamento equânime não
é fácil de ser construído, vindicando considerações
dotadas de ordem ética, científica e econômica das
gerações atuais e uma avaliação prospectiva das
necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem
conhecidas e medidas no presente. Neste aspecto, é
23 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Editores Malheiros, 2013, p. 92.
34
possível colocar em destaque que o aspecto
intergeracional que tende a caracterizar o discurso de
proteção e preservação ambiental ambiciona conferir
concreção ao ideário de solidariedade que caracteriza o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
enquanto direito de terceira dimensão. Supera-se, com
efeito, a essência de individualidade que caracterizou os
direitos humanos, adotados uma ótica na qual a
preocupação com o semelhante, mesmo em se tratando
de uma geração futura, é dotada de grande
proeminência, analisando-se a coletividade na condição
de unidade, na qual cada um dos indivíduos é dotado de
relevância e substancial atenção. Tal fato decorre,
notadamente, do superprincípio da dignidade da pessoa
humana, o qual só alcança sua materialização por meio
da conjunção de inúmeros, porém carecidos, direitos, os
quais, em um fim último, proporcionam a realização de
todas as complexidades encerradas no ser humano.
Ademais, um aspecto característico
proeminente da sociedade contemporânea está
assentado na sua paradoxal capacidade de controlar e
produzir indeterminações. Entrementes, a forma como
esse dever será atendido constitui tarefa inafastável dos
órgãos estatais, os quais dispõem de ampla liberdade de
35
conformação, atentando-se para os limites
constitucionais consagrados. Com efeito, as mencionadas
determinações constitucionais objetivam evitar riscos,
encontrando assento, para tanto, no próprio Texto
Constitucional, o que autoriza o Estado a atuar de modo
a evitar riscos para o cidadão em geral, por meio da
adoção de medidas de proteção ou de prevenção da saúde
e do meio ambiente, notadamente em relação ao
desenvolvimento técnico ou tecnológico e suas
consequências para as presentes e futuras gerações. No
controle judicial de políticas públicas do meio ambiente,
a atuação do Poder Judiciário deve buscar a garantia,
inclusive, o mínimo existencial ecológico dos indivíduos
atingidos diretamente e indiretamente em seu
patrimônio de natureza material e imaterial, neste
sentido, visando garantir a inviolabilidade do direito
fundamental à sadia qualidade de vida, bem assim a
defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, em busca do desenvolvimento sustentável
para as presentes e futuras gerações.
4 SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS? O ALARGAMENTO DA MOLDURA
AXIOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA
36
SOLIDARIEDADE AMBIENTAL
Como desdobramento da projeção normativa do
corolário da solidariedade, na órbita ecológica, há que se
estruturar uma solidariedade entre todas as espécies
vivas, na forma de uma comunidade entre a terra, as
plantas, os animais e os seres humanos, visto que a
ameaça ecológica coloca em risco todas as espécies
existentes no planeta, afetando por igual a todos e ao
todo. Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as espécies
naturais é despertada, sobremaneira, em decorrência
das ameaças à vida desencadeadas pelo desenvolvimento
civilizatório fazerem com que o ser humano se reconheça
como um ser natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação de
ameaça existencial. Segundo Sarlet e Fensterseifer24, a
ameaça de contaminação propicia que o ser humano
perceba que o seu corpo integra parte das “coisas
naturais” e que, em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência leva o
ser humano a reconhecer, forçosamente, uma
24 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios
do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 77.
37
comunidade natural, diante da qual o estabelecimento de
um vínculo de solidariedade e respeito mútuo como
pressuposto para a permanência existencial das espécies
naturais, abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Em uma perspectiva jurídica, a vedação das
políticas cruéis contra os animais (não humanos)
encontra repouso no Texto Constitucional, reforçando,
portanto, o ideário axiológico de solidariedade entre as
espécies naturais. Mais que isso, ao analisar o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, salta
aos olhos a concreção do dogma em comento, em especial
quando a ementa consagra que “a promoção de briga de
galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada
na legislação ambiental, configura conduta atentatória à
Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade”25. Ora, há que se
25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação Direta de
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98) -
Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei nº 9.605/98,
art. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
38
reconhecer que essa especial tutela, que tem por
fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a
ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do
gênero humano, mas, também, a própria vida animal,
cuja integridade restaria comprometida, não fora a
vedação constitucional, por práticas aviltantes,
perversas e violentas contra os seres irracionais. “A ideia
de „solidariedade entre espécies naturais‟, portanto,
também pode transportar o reconhecimento do valor
intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem
como o respeito à reciprocidade indispensável ao convívio
harmonioso” 26, estendido a todos os seres vivos. Salta
aos olhos, desta feita, que o princípio da solidariedade,
cuja incidência deve ser maximizada em diversos
âmbitos, inclusive na seara ambiental, passa a ser
desfraldado como pilar sustentador das relações
contemporâneas, em sua senda civilizatória,
considerando todas as suas dimensões, a saber:
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei estadual impugnada - Ação Direta
Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso
de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Publicado no DJe em 13 out.
2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jan. 2014. 26 SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 77.
39
intergeracional, intrageracional e interespécies.
5 A PROEMINÊNCIA DA DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NA
AFIRMAÇÃO DA SOLIDARIEDADE ENTRE
ESPÉCIES
Em um primeiro comentário, cuida destacar
que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais
considera que todo o animal possui direitos, bem como
que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm
levado e continuam a levar o homem a cometer crimes
contra os animais e contra a natureza. Igualmente, a
Declaração estabelece que o reconhecimento pela espécie
humana do direito à existência das outras espécies
animais constitui o fundamento da coexistência das
outras espécies no mundo, tal como que os genocídios são
perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a
perpetrar outros. No mais, o documento considera que o
respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito
dos homens pelo seu semelhante, assim como que a
educação deve ensinar desde a infância a observar, a
compreender, a respeitar e a amar os animais. Em seu
artigo 1º, a Declaração estabelece que todos os animais
40
nascem iguais diante da vida,e têm o mesmo direito à
existência. Já o artigo subsequente assinala que: a) cada
animal tem direito ao respeito; b) o homem, enquanto
espécie animal, não pode atribuir-se o direito de
exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando
esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência
a serviço dos outros animais; c) cada animal tem direito à
consideração, à cura e à proteção do homem.
Preconiza o artigo 3º que: a) nenhum animal
será submetido a maus-tratos e a atos cruéis; b) se a
morte de um animal é necessária, deve ser instantânea,
sem dor ou angústia. Por sua vez, o artigo 4º estabelece
que: a) cada animal que pertence a uma espécie selvagem
tem o direito de viver livre no seu ambiente natural
terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-
se; b) a privação da liberdade, ainda que para fins
educativos, é contrária a este direito. Assinala o artigo 5º
que: a) cada animal pertencente a uma espécie, que vive
habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de
viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e
de liberdade que são próprias de sua espécie; b) toda a
modificação imposta pelo homem para fins mercantis é
contrária a esse direito. Aponta o artigo 6º: a) cada
animal que o homem escolher para companheiro tem o
41
direito a uma duração de vida conforme sua longevidade
natural; b) o abandono de um animal é um ato cruel e
degradante. Frisa o artigo 7º que cada animal que
trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo
e intensidade do trabalho, e a uma alimentação
adequada e ao repouso. No mais, ofusca o artigo 8º que:
a) a experimentação animal, que implica em sofrimento
físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja
uma experiência médica, científica, comercial ou
qualquer outra; b) as técnicas substitutivas devem ser
utilizadas e desenvolvidas.
O artigo subsequente destaca que nenhum
animal deve ser criado para servir de alimentação, deve
ser nutrido, alojado, transportado e abatido, sem que
para ele tenha ansiedade ou dor. Já o artigo 10º esclarece
que nenhum animal deve ser usado para divertimento do
homem. A exibição dos animais e os espetáculos que
utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do
animal. Assinala o artigo 11 que o ato que leva à morte
de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um
crime contra a vida. Por sua vez, o artigo subsequente: a)
cada ato que leve à morte um grande número de animais
selvagens é um genocídio, ou seja, um delito contra a
espécie; b) o aniquilamento e a destruição do meio
42
ambiente natural levam ao genocídio. No mais, o artigo
13 explicita que: a) o animal morto deve ser tratado com
respeito; b) as cenas de violência de que os animais são
vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a
menos que tenham como fim mostrar um atentado aos
direitos dos animais. Por derradeiro, o artigo 14 destaca
que: a) as associações de proteção e de salvaguarda dos
animais devem ser representadas a nível de governo; b)
os direitos dos animais devem ser defendidos por leis,
como os direitos dos homens.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
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___________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 mai. 2015.
___________. Superior Tribunal de Justiça.
Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 30 mai.
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45
ANOTAÇÕES AOS PRINCÍPIOS INTERNACIONAIS
PARA A PESQUISA BIOMÉDICA ENVOLVENDO
ANIMAIS: BREVE PAINEL
Resumo: O objetivo do presente está alicerçado
na análise dos princípios internacionais para a
pesquisa biomédica envolvendo animais. Como
desdobramento da projeção normativa do
corolário da solidariedade, na órbita ecológica, há
que se estruturar uma solidariedade entre todas
as espécies vivas, na forma de uma comunidade
entre a terra, as plantas, os animais e os seres
humanos, visto que a ameaça ecológica coloca em
risco todas as espécies existentes no planeta,
afetando por igual a todos e ao todo. Neste
diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as
espécies naturais é despertada, sobremaneira, em
decorrência das ameaças à vida desencadeadas
pelo desenvolvimento civilizatório fazerem com
que o ser humano se reconheça como um ser
natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação
de ameaça existencial. A ameaça de contaminação
46
propicia que o ser humano perceba que o seu
corpo integra parte das “coisas naturais” e que,
em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência
leva o ser humano a reconhecer, forçosamente,
uma comunidade natural, diante da qual o
estabelecimento de um vínculo de solidariedade e
respeito mútuo como pressuposto para a
permanência existencial das espécies naturais,
abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Palavras-chaves: Solidariedade entre Espécies.
Direito dos Animais. Pesquisa com Animais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica do Direito Ambiental;
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3
Solidariedade entre Espécies Naturais? O
Alargamento da Moldura Axiológica do Princípio
da Solidariedade Ambiental; 4 Do
Reconhecimento da Edificação do Direito dos
Animais: O fortalecimento da solidariedade entre
espécies naturais; 5 Anotações aos Princípios
Internacionais para a Pesquisa Biomédica
envolvendo Animais: Breve Painel
47
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
48
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,
está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação
de interdependência que esse binômio mantém”27.
Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma
interação consolidada na mútua dependência, já que o
primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo
de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
27 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 jun.
2015.
49
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”28. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 12 jun. 2015.
50
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”29. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
29 VERDAN, 2009, s.p.
51
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a
desvendar as peculiaridades ambientais, que, por
estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até
então era marginalizadas”30. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
30 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 12 jun. 2015.
52
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade31·.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária” 32.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
31 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 32 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
53
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando, com bastante pertinência, destaca que:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível33.
33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
54
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”34. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015. 34 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
55
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198135,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
35 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
56
formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-
ambiente como “a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”36.
Nesta senda, ainda, Fiorillo37, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
36 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 37 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
57
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal38.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
58
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”39.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal40 está abalizado em quatro
pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,
dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura
o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
39 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 40 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
59
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,
destacou, com bastante pertinência, que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade41.
41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
60
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
61
estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
62
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
63
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS? O ALARGAMENTO DA MOLDURA
AXIOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE AMBIENTAL
Como desdobramento da projeção normativa do
corolário da solidariedade, na órbita ecológica, há que se
estruturar uma solidariedade entre todas as espécies
vivas, na forma de uma comunidade entre a terra, as
plantas, os animais e os seres humanos, visto que a
ameaça ecológica coloca em risco todas as espécies
existentes no planeta, afetando por igual a todos e ao
todo. Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as espécies
naturais é despertada, sobremaneira, em decorrência
das ameaças à vida desencadeadas pelo desenvolvimento
civilizatório fazerem com que o ser humano se reconheça
como um ser natural integrante de um todo ameaçado e,
64
concomitantemente, responsável por tal situação de
ameaça existencial. Segundo Sarlet e Fensterseifer42, a
ameaça de contaminação propicia que o ser humano
perceba que o seu corpo integra parte das “coisas
naturais” e que, em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência leva o
ser humano a reconhecer, forçosamente, uma
comunidade natural, diante da qual o estabelecimento de
um vínculo de solidariedade e respeito mútuo como
pressuposto para a permanência existencial das espécies
naturais, abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Em uma perspectiva jurídica, a vedação das
políticas cruéis contra os animais (não humanos)
encontra repouso no Texto Constitucional, reforçando,
portanto, o ideário axiológico de solidariedade entre as
espécies naturais. Mais que isso, ao analisar o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, salta
aos olhos a concreção do dogma em comento, em especial
quando a ementa consagra que “a promoção de briga de
galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada
na legislação ambiental, configura conduta atentatória à
42 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios
do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 77.
65
Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade”43. Ora, há que se
reconhecer que essa especial tutela, que tem por
fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a
ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do
gênero humano, mas, também, a própria vida animal,
cuja integridade restaria comprometida, não fora a
vedação constitucional, por práticas aviltantes,
perversas e violentas contra os seres irracionais. “A ideia
de „solidariedade entre espécies naturais‟, portanto,
também pode transportar o reconhecimento do valor
intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem
43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação Direta de
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98) -
Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei nº 9.605/98,
art. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei estadual impugnada - Ação Direta
Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso
de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Publicado no DJe em 13 out.
2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
66
como o respeito à reciprocidade indispensável ao convívio
harmonioso” 44, estendido a todos os seres vivos. Salta
aos olhos, desta feita, que o princípio da solidariedade,
cuja incidência deve ser maximizada em diversos
âmbitos, inclusive na seara ambiental, passa a ser
desfraldado como pilar sustentador das relações
contemporâneas, em sua senda civilizatória,
considerando todas as suas dimensões, a saber:
intergeracional, intrageracional e interespécies.
4 DO RECONHECIMENTO DA EDIFICAÇÃO DO
DIREITO DOS ANIMAIS: O FORTALECIMENTO
DA SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS
Em um primeiro comentário, cuida destacar
que o Direito dos Animais ou o movimento de proteção
desses direitos desponta, em um cenário contemporâneo,
como um novo ramo da Ciência Jurídica, objetivando
proteger tais seres vivos como de salvaguardar não
apenas o meio ambiental, o ecossistema e evitar a
extinção de diversas espécies, mas também o leque de
direitos fundamentais, a exemplo do direito à vida, à
44 SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 77.
67
liberdade e o respeito, coibindo, por via de consequência,
os atos de violência, maus-tratos e crueldade. Neste
sentido, ainda, é possível fazer alusão ao Texto
Constitucional, quando, de maneira expressa e ofuscante,
no inciso VII do §1º do artigo 225, explicita que “para
assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: [omissis] VII - proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade”45. Aduz,
ainda, Gomes e Chalfun que:
Na verdade, os animais devem ser
protegidos não apenas em benefício do
homem, mas também como um exercício de
compaixão e solidariedade a espécies mais
vulneráveis e dignas de respeito, o homem
não deve ser o único ser protegido, o único a
ter direitos fundamentais reconhecidos, é
preciso considerar que o homem é também
uma espécie animal, e dentro desta ótica o
animal é o outro do homem46.
Salta aos olhos que a proposição de uma
ramificação jurídica autônoma, pautada exclusivamente
45 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015. 46 GOMES, Rosangela Maria A.; CHALFUN, Mery. Direito dos
Animais – Um novo e fundamental Direito. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br>. Acesso em 12 jun. 2015, p. 852.
68
no Direito dos Animais, decorre da desconstrução da
tradicional ótica antropocêntrica. Neste sentido, convém
mencionar que a visão antropocêntrica está alicerçada no
preceito de que o homem se identificava no centro do
mundo - em que usufrui do meio ambiente de modo
indiferente à sua existência-, o ecocentrismo mudou o
paradigma apresentando sentido e valor à vida do ser,
englobando agora a fauna e a flora como ícones
essenciais ao equilíbrio ambiental. Ao lado disso, Abreu e
Bussinguer, oportunamente, destacam que “a concepção
eminentemente antropocêntrica se mantém arraigada
em alguns setores da sociedade contemporânea, o que
impede muitos avanços em projetos que visam a
conservação do meio, em especial, a conservação de
espécies em vias de extinção e a instalação de Unidades
de Conservação”47. Podendo o ecocentrismo ser chamado
também de biocentrismo, abordando a vida do ser de
forma ampla considerando-a como personagem central
da uma tutela ambiental, este segundo termo surgiu com
a Lei nº 6.938/1981, eliminando a visão antropocêntrica.
47 ABREU, Ivy de Souza; BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo.
Antropocentrismo, Ecocentrismo e Holismo: uma breve análise das
escolas de pensamento ambiental. Derecho y Cambio Social,
2013, p. 01-11. Disponível em:
<http://www.derechoycambiosocial.com/revista034/escolas_de_pensa
mento_ambiental.pdf>. Acesso em 12 jun. 2015, p. 05.
69
“Assim, a escola ecocêntrica (ou biocêntrica, como muitos
preferem) coloca em primeiro plano de discussão e
proteção o equilíbrio dos ecossistemas e do meio
ambiente natural”48.
Figura 01. Egocentrismo
(antropocentrismo)
Figura 02. Econcentrismo/
Biocentrismo.
O holismo considera e defende as entidades
físicas e biológicas como um sistema único e integrando -
seres vivos e recursos ambientais disponíveis -,
considerado autônomo o meio ambiente não é mais
notado como aquele que nutre somente as necessidades
humanas, mas aquele que carece de cuidados e zelo.
Nessa perspectiva, “a análise do meio ambiente deve
considerar o contexto amplo e global de todas as
48 ABREU; BUSSINGUER, 2013, p. 05.
70
variáveis intrínsecas e extrínsecas que geram influências
diversas e, primordialmente, a interação entre essas
variáveis, para que não haja uma visão distorcida,
simplória e reducionista do bem ambiental” 49. Assim, no
holismo ambiental tem suas bases sustentadas não
apenas no meio natural e nos seus elementos. A vida
humana e suas expressões também se tornam objeto de
proteção, mas não pelos motivos apregoados pelo
antropocentrismo e sim, pela espécie humana (e os
fatores que se relacionam com sua existência e
desenvolvimento) ser parte do meio ambiente e
indispensável ao equilíbrio ambiental.
É oportuno consignar que o tratamento dos
animais, sobretudo no que se refere à edificação de uma
ramificação jurídica autônoma, deve ser pautado pela
ética e por princípios morais, porquanto esses devem
nortear a conduta humana. “Conduta ética em relação
aos animais oprimidos, e todos devem agir em sua
defesa, como forma de legítima manifestação de
cidadania” 50. Assim, à luz da exposição apresenta, é
notório que o direito dos animais e a proteção dos direitos
fundamentais como inerentes a estes, desponta com um
49 ABREU; BUSSINGUER, 2013, p. 08. 50 GOMES; CHALFUN, s.d., p. 852.
71
novo ramo do direito, merecedor de estudos,
desenvolvimento e evolução, muito há o que se debater e
estudar, não obstante muito se avançou. Imprescindível
para toda a sociedade, para o meio ambiente, para os
amantes da natureza e dos animais, o direito dos animais
possui sua essência na filosofia, na ética, na moral, e
desponta com um novo seguimento do direito a ser
aprimorado e estudado.
5 ANOTAÇÕES AOS PRINCÍPIOS
INTERNACIONAIS PARA A PESQUISA
BIOMÉDICA ENVOLVENDO ANIMAIS: BREVE
PAINEL
Em um primeiro momento, cuida destacar que
o primeiro princípio anota que o avanço do conhecimento
biológico requer muitas vezes o uso de animais vivos de
perfeita qualidade e de uma larga variedade de espécies.
Já o segundo estabelece que métodos alternativos devem
ser utilizados sempre que apropriados. Adota-se
internacionalmente o principio das 3RS (refinement
reduction and replacement) estabelecido por Russel y
Burch em 1959 e que pode assim ser resumido:
”Qualquer técnica que refine um método existente para
72
diminuir a dor e o desconforto dos animais, que reduza
seu número em um trabalho particular ou que substitua
o uso de uma espécie animal por outra, de categoria
inferior na escala zoológica, ou por métodos
computadorizados ou “in vitro”, deve ser considerado
como método alternativo”. O terceiro corolário estabelece
que a experimentação animal deve ser conduzida apenas
após consideração de sua relevância para a saúde do
homem e dos animais. O quarto princípio afixa que os
animais selecionados para um protocolo experimental
devem ser de espécie e qualidade apropriada e em um
número mínimo para obter resultados válidos
cientificamente.
O princípio subsequente estabelece que
pesquisadores e outras pessoas envolvidas na pesquisa
devem ter como imperativo ético a conduta de evitar ou
minimizar o desconforto, estresse e dor nos animais. Já o
sexto princípio afixa que se deve assumir que qualquer
procedimento que cause dor no ser humano, causará dor
em outras espécies de vertebrados (ainda que pouco se
saiba sobre a percepção de dor em animais). O sétimo
aclara que é necessário utilizar sedação, analgesia e
anestesia de acordo com as práticas veterinárias.
Proibido o uso de agentes paralisantes (curare). Se o
73
artigo VII não puder ser obedecido, as justificativas
deverão ser encaminhadas à CEA para discussão e
autorização específica para cada caso. No final ou
durante a experimentação, animais que sofram dor
severa crônica e intenso desconforto, deverão ser
sacrificados sem dor (eutanásia). Condições de
acomodação devem atender as exigências mínimas
definidas neste documento. É de responsabilidade do
Chefe do Departamento assegurar que todos os
pesquisadores e todo o pessoal envolvido na
experimentação siga as boas normas para utilização de
animais.
REFERÊNCIA:
ABREU, Ivy de Souza; BUSSINGUER, Elda Coelho de
Azevedo. Antropocentrismo, Ecocentrismo e Holismo:
uma breve análise das escolas de pensamento ambiental.
Derecho y Cambio Social, 2013, p. 01-11. Disponível
em:
<http://www.derechoycambiosocial.com/revista034/escola
s_de_pensamento_ambiental.pdf>. Acesso em 12 jun.
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
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Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
___________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
___________. Superior Tribunal de Justiça.
Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 12 jun.
2015.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 12 jun. 2015.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
GOMES, Rosangela Maria A.; CHALFUN, Mery.
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SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Princípios do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva,
2014.
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Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
76
COMENTÁRIOS À LEI Nº 11.794/2008:
RECONHECIMENTO DO FORTALECIMENTO DA
SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES NATURAIS
NA PESQUISA ENVOLVENDO ANIMAIS
Resumo: O objetivo do presente está alicerçado
na análise da Lei nº 11.794, de 08 de outubro de
2008, que regulamenta o inciso VII do § 1o do art.
225 da Constituição Federal, estabelecendo
procedimentos para o uso científico de animais;
revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá
outras providências. Como desdobramento da
projeção normativa do corolário da solidariedade,
na órbita ecológica, há que se estruturar uma
solidariedade entre todas as espécies vivas, na
forma de uma comunidade entre a terra, as
plantas, os animais e os seres humanos, visto que
a ameaça ecológica coloca em risco todas as
espécies existentes no planeta, afetando por igual
a todos e ao todo. Neste diapasão, a necessidade
de despertar uma consciência pautada na
solidariedade entre as espécies naturais é
despertada, sobremaneira, em decorrência das
77
ameaças à vida desencadeadas pelo
desenvolvimento civilizatório fazerem com que o
ser humano se reconheça como um ser natural
integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação
de ameaça existencial. A ameaça de contaminação
propicia que o ser humano perceba que o seu
corpo integra parte das “coisas naturais” e que,
em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência
leva o ser humano a reconhecer, forçosamente,
uma comunidade natural, diante da qual o
estabelecimento de um vínculo de solidariedade e
respeito mútuo como pressuposto para a
permanência existencial das espécies naturais,
abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Palavras-chaves: Solidariedade entre Espécies.
Direito dos Animais. Pesquisa com Animais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica do Direito Ambiental;
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3
Solidariedade entre Espécies Naturais? O
Alargamento da Moldura Axiológica do Princípio
da Solidariedade Ambiental; 4 Do
Reconhecimento da Edificação do Direito dos
Animais: O fortalecimento da solidariedade entre
espécies naturais; 5 Comentários à Lei nº
11.794/2008: Reconhecimento do fortalecimento
da solidariedade entre espécies naturais na
pesquisa envolvendo animais
78
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
79
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,
está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação
de interdependência que esse binômio mantém”51.
Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma
interação consolidada na mútua dependência, já que o
primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo
de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
51 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 jun.
2015.
80
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”52. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
52 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 12 jun. 2015.
81
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”53. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
53 VERDAN, 2009, s.p.
82
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a
desvendar as peculiaridades ambientais, que, por
estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até
então era marginalizadas”54. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
54 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 12 jun. 2015.
83
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade55·.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária” 56.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
55 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 56 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
84
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando, com bastante pertinência, destaca que:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível57.
57 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
85
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”58. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015. 58 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
86
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198159,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
59 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
87
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-
ambiente como “a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”60.
Nesta senda, ainda, Fiorillo61, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
60 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 61 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
88
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal62.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
62 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
89
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”63.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal64 está abalizado em quatro
pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,
dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura
o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
63 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 64 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
90
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,
destacou, com bastante pertinência, que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade65.
65 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
91
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
92
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
93
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
94
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS? O ALARGAMENTO DA MOLDURA
AXIOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE AMBIENTAL
Como desdobramento da projeção normativa do
corolário da solidariedade, na órbita ecológica, há que se
estruturar uma solidariedade entre todas as espécies
vivas, na forma de uma comunidade entre a terra, as
plantas, os animais e os seres humanos, visto que a
ameaça ecológica coloca em risco todas as espécies
existentes no planeta, afetando por igual a todos e ao
todo. Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as espécies
naturais é despertada, sobremaneira, em decorrência
das ameaças à vida desencadeadas pelo desenvolvimento
civilizatório fazerem com que o ser humano se reconheça
95
como um ser natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação de
ameaça existencial. Segundo Sarlet e Fensterseifer66, a
ameaça de contaminação propicia que o ser humano
perceba que o seu corpo integra parte das “coisas
naturais” e que, em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência leva o
ser humano a reconhecer, forçosamente, uma
comunidade natural, diante da qual o estabelecimento de
um vínculo de solidariedade e respeito mútuo como
pressuposto para a permanência existencial das espécies
naturais, abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Em uma perspectiva jurídica, a vedação das
políticas cruéis contra os animais (não humanos)
encontra repouso no Texto Constitucional, reforçando,
portanto, o ideário axiológico de solidariedade entre as
espécies naturais. Mais que isso, ao analisar o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, salta
aos olhos a concreção do dogma em comento, em especial
quando a ementa consagra que “a promoção de briga de
galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada
66 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios
do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 77.
96
na legislação ambiental, configura conduta atentatória à
Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade”67. Ora, há que se
reconhecer que essa especial tutela, que tem por
fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a
ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do
gênero humano, mas, também, a própria vida animal,
cuja integridade restaria comprometida, não fora a
vedação constitucional, por práticas aviltantes,
perversas e violentas contra os seres irracionais. “A ideia
de „solidariedade entre espécies naturais‟, portanto,
também pode transportar o reconhecimento do valor
67 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação Direta de
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98) -
Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei nº 9.605/98,
art. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei estadual impugnada - Ação Direta
Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso
de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Publicado no DJe em 13 out.
2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
97
intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem
como o respeito à reciprocidade indispensável ao convívio
harmonioso” 68, estendido a todos os seres vivos. Salta
aos olhos, desta feita, que o princípio da solidariedade,
cuja incidência deve ser maximizada em diversos
âmbitos, inclusive na seara ambiental, passa a ser
desfraldado como pilar sustentador das relações
contemporâneas, em sua senda civilizatória,
considerando todas as suas dimensões, a saber:
intergeracional, intrageracional e interespécies.
4 DO RECONHECIMENTO DA EDIFICAÇÃO DO
DIREITO DOS ANIMAIS: O FORTALECIMENTO
DA SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS
Em um primeiro comentário, cuida destacar
que o Direito dos Animais ou o movimento de proteção
desses direitos desponta, em um cenário contemporâneo,
como um novo ramo da Ciência Jurídica, objetivando
proteger tais seres vivos como de salvaguardar não
apenas o meio ambiental, o ecossistema e evitar a
extinção de diversas espécies, mas também o leque de
68 SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 77.
98
direitos fundamentais, a exemplo do direito à vida, à
liberdade e o respeito, coibindo, por via de consequência,
os atos de violência, maus-tratos e crueldade. Neste
sentido, ainda, é possível fazer alusão ao Texto
Constitucional, quando, de maneira expressa e ofuscante,
no inciso VII do §1º do artigo 225, explicita que “para
assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: [omissis] VII - proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade”69. Aduz,
ainda, Gomes e Chalfun que:
Na verdade, os animais devem ser
protegidos não apenas em benefício do
homem, mas também como um exercício de
compaixão e solidariedade a espécies mais
vulneráveis e dignas de respeito, o homem
não deve ser o único ser protegido, o único a
ter direitos fundamentais reconhecidos, é
preciso considerar que o homem é também
uma espécie animal, e dentro desta ótica o
animal é o outro do homem70.
Salta aos olhos que a proposição de uma
69 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun. 2015. 70 GOMES, Rosangela Maria A.; CHALFUN, Mery. Direito dos
Animais – Um novo e fundamental Direito. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br>. Acesso em 12 jun. 2015, p. 852.
99
ramificação jurídica autônoma, pautada exclusivamente
no Direito dos Animais, decorre da desconstrução da
tradicional ótica antropocêntrica. Neste sentido, convém
mencionar que a visão antropocêntrica está alicerçada no
preceito de que o homem se identificava no centro do
mundo - em que usufrui do meio ambiente de modo
indiferente à sua existência-, o ecocentrismo mudou o
paradigma apresentando sentido e valor à vida do ser,
englobando agora a fauna e a flora como ícones
essenciais ao equilíbrio ambiental. Ao lado disso, Abreu e
Bussinguer, oportunamente, destacam que “a concepção
eminentemente antropocêntrica se mantém arraigada
em alguns setores da sociedade contemporânea, o que
impede muitos avanços em projetos que visam a
conservação do meio, em especial, a conservação de
espécies em vias de extinção e a instalação de Unidades
de Conservação”71. Podendo o ecocentrismo ser chamado
também de biocentrismo, abordando a vida do ser de
forma ampla considerando-a como personagem central
da uma tutela ambiental, este segundo termo surgiu com
71 ABREU, Ivy de Souza; BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo.
Antropocentrismo, Ecocentrismo e Holismo: uma breve análise das
escolas de pensamento ambiental. Derecho y Cambio Social,
2013, p. 01-11. Disponível em:
<http://www.derechoycambiosocial.com/revista034/escolas_de_pensa
mento_ambiental.pdf>. Acesso em 12 jun. 2015, p. 05.
100
a Lei nº 6.938/1981, eliminando a visão antropocêntrica.
“Assim, a escola ecocêntrica (ou biocêntrica, como muitos
preferem) coloca em primeiro plano de discussão e
proteção o equilíbrio dos ecossistemas e do meio
ambiente natural”72.
Figura 01. Egocentrismo
(antropocentrismo)
Figura 02. Econcentrismo/Biocentrismo.
O holismo considera e defende as entidades
físicas e biológicas como um sistema único e integrando -
seres vivos e recursos ambientais disponíveis -,
considerado autônomo o meio ambiente não é mais
notado como aquele que nutre somente as necessidades
humanas, mas aquele que carece de cuidados e zelo.
72 ABREU; BUSSINGUER, 2013, p. 05.
101
Nessa perspectiva, “a análise do meio ambiente deve
considerar o contexto amplo e global de todas as
variáveis intrínsecas e extrínsecas que geram influências
diversas e, primordialmente, a interação entre essas
variáveis, para que não haja uma visão distorcida,
simplória e reducionista do bem ambiental” 73. Assim, no
holismo ambiental tem suas bases sustentadas não
apenas no meio natural e nos seus elementos. A vida
humana e suas expressões também se tornam objeto de
proteção, mas não pelos motivos apregoados pelo
antropocentrismo e sim, pela espécie humana (e os
fatores que se relacionam com sua existência e
desenvolvimento) ser parte do meio ambiente e
indispensável ao equilíbrio ambiental.
É oportuno consignar que o tratamento dos
animais, sobretudo no que se refere à edificação de uma
ramificação jurídica autônoma, deve ser pautado pela
ética e por princípios morais, porquanto esses devem
nortear a conduta humana. “Conduta ética em relação
aos animais oprimidos, e todos devem agir em sua
defesa, como forma de legítima manifestação de
cidadania” 74. Assim, à luz da exposição apresenta, é
73 ABREU; BUSSINGUER, 2013, p. 08. 74 GOMES; CHALFUN, s.d., p. 852.
102
notório que o direito dos animais e a proteção dos direitos
fundamentais como inerentes a estes, desponta com um
novo ramo do direito, merecedor de estudos,
desenvolvimento e evolução, muito há o que se debater e
estudar, não obstante muito se avançou. Imprescindível
para toda a sociedade, para o meio ambiente, para os
amantes da natureza e dos animais, o direito dos animais
possui sua essência na filosofia, na ética, na moral, e
desponta com um novo seguimento do direito a ser
aprimorado e estudado.
5 COMENTÁRIOS À LEI Nº 11.794/2008:
RECONHECIMENTO DO FORTALECIMENTO DA
SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES NATURAIS
NA PESQUISA ENVOLVENDO ANIMAIS
A criação e a utilização de animais em
atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o
território nacional, obedece aos critérios estabelecidos na
Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 200875, que
75 BRASIL. Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 2008.
Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal,
estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga
a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun.
2015.
103
regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da
Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para
o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de
maio de 1979; e dá outras providências. A utilização de
animais em atividades educacionais fica restrita a: I –
estabelecimentos de ensino superior; II –
estabelecimentos de educação profissional técnica de
nível médio da área biomédica. São consideradas como
atividades de pesquisa científica todas aquelas
relacionadas com ciência básica, ciência aplicada,
desenvolvimento tecnológico, produção e controle da
qualidade de drogas, medicamentos, alimentos,
imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros
testados em animais, conforme definido em regulamento
próprio. Não são consideradas como atividades de
pesquisa as práticas zootécnicas relacionadas à
agropecuária.
O disposto na Lei nº 11.794, de 08 de outubro
de 200876, que regulamenta o inciso VII do § 1o do art.
225 da Constituição Federal, estabelecendo
76 BRASIL. Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 2008.
Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal,
estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga
a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun.
2015.
104
procedimentos para o uso científico de animais; revoga a
Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras
providências, aplica-se aos animais das espécies
classificadas como filo Chordata, subfilo Vertebrata,
observada a legislação ambiental. A legislação em
comento criou o Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal – CONCEA, cuja competência: I
– formular e zelar pelo cumprimento das normas
relativas à utilização humanitária de animais com
finalidade de ensino e pesquisa científica; II – credenciar
instituições para criação ou utilização de animais em
ensino e pesquisa científica; III – monitorar e avaliar a
introdução de técnicas alternativas que substituam a
utilização de animais em ensino e pesquisa; IV –
estabelecer e rever, periodicamente, as normas para uso
e cuidados com animais para ensino e pesquisa, em
consonância com as convenções internacionais das quais
o Brasil seja signatário; V – estabelecer e rever,
periodicamente, normas técnicas para instalação e
funcionamento de centros de criação, de biotérios e de
laboratórios de experimentação animal, bem como sobre
as condições de trabalho em tais instalações; VI –
estabelecer e rever, periodicamente, normas para
credenciamento de instituições que criem ou utilizem
105
animais para ensino e pesquisa; VII – manter cadastro
atualizado dos procedimentos de ensino e pesquisa
realizados ou em andamento no País, assim como dos
pesquisadores, a partir de informações remetidas pelas
Comissões de Ética no Uso de Animais - CEUAs, de que
trata o art. 8o da lei em comento; VIII – apreciar e
decidir recursos interpostos contra decisões das CEUAs;
IX – elaborar e submeter ao Ministro de Estado da
Ciência e Tecnologia, para aprovação, o seu regimento
interno; X – assessorar o Poder Executivo a respeito das
atividades de ensino e pesquisa tratadas na lei em
apreço.
O CONCEA é constituído por: I – Plenário; II –
Câmaras Permanentes e Temporárias; III – Secretaria-
Executiva. As Câmaras Permanentes e Temporárias do
CONCEA serão definidas no regimento interno. A
Secretaria-Executiva é responsável pelo expediente do
CONCEA e terá o apoio administrativo do Ministério da
Ciência e Tecnologia. O CONCEA poderá valer-se de
consultores ad hoc de reconhecida competência técnica e
científica, para instruir quaisquer processos de sua pauta
de trabalhos. O CONCEA será presidido pelo Ministro de
Estado da Ciência e Tecnologia e integrado por: I – 1
(um) representante de cada órgão e entidade a seguir
106
indicados: a) Ministério da Ciência e Tecnologia; b)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq; c) Ministério da Educação; d)
Ministério do Meio Ambiente; e) Ministério da Saúde; f)
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; g)
Conselho de Reitores das Universidades do Brasil –
CRUB; h) Academia Brasileira de Ciências; i) Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência; j) Federação das
Sociedades de Biologia Experimental; l) Colégio
Brasileiro de Experimentação Animal; m) Federação
Nacional da Indústria Farmacêutica; II – 2 (dois)
representantes das sociedades protetoras de animais
legalmente estabelecidas no País.
É condição indispensável para o
credenciamento das instituições com atividades de ensino
ou pesquisa com animais a constituição prévia de
Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs. As
CEUAs são integradas por: I – médicos veterinários e
biólogos; II – docentes e pesquisadores na área específica;
III – 1 (um) representante de sociedades protetoras de
animais legalmente estabelecidas no País, na forma do
Regulamento. Compete às CEUAs: I – cumprir e fazer
cumprir, no âmbito de suas atribuições, o disposto nesta
Lei e nas demais normas aplicáveis à utilização de
107
animais para ensino e pesquisa, especialmente nas
resoluções do CONCEA; II – examinar previamente os
procedimentos de ensino e pesquisa a serem realizados
na instituição à qual esteja vinculada, para determinar
sua compatibilidade com a legislação aplicável; III –
manter cadastro atualizado dos procedimentos de ensino
e pesquisa realizados, ou em andamento, na instituição,
enviando cópia ao CONCEA; IV – manter cadastro dos
pesquisadores que realizem procedimentos de ensino e
pesquisa, enviando cópia ao CONCEA; V – expedir, no
âmbito de suas atribuições, certificados que se fizerem
necessários perante órgãos de financiamento de
pesquisa, periódicos científicos ou outros; VI – notificar
imediatamente ao CONCEA e às autoridades sanitárias
a ocorrência de qualquer acidente com os animais nas
instituições credenciadas, fornecendo informações que
permitam ações saneadoras.
Constatado qualquer procedimento em
descumprimento às disposições desta Lei na execução de
atividade de ensino e pesquisa, a respectiva CEUA
determinará a paralisação de sua execução, até que a
irregularidade seja sanada, sem prejuízo da aplicação de
outras sanções cabíveis. Quando se configurar a hipótese
prevista no § 1o do artigo 10, a omissão da CEUA
108
acarretará sanções à instituição, nos termos dos arts. 17
e 20 da Lei. Das decisões proferidas pelas CEUAs cabe
recurso, sem efeito suspensivo, ao CONCEA. Os
membros das CEUAs responderão pelos prejuízos que,
por dolo, causarem às pesquisas em andamento. Os
membros das CEUAs estão obrigados a resguardar o
segredo industrial, sob pena de responsabilidade.
Compete ao Ministério da Ciência e Tecnologia licenciar
as atividades destinadas à criação de animais, ao ensino
e à pesquisa científica de que trata a legislação em
comento. A criação ou a utilização de animais para
pesquisa ficam restritas, exclusivamente, às instituições
credenciadas no CONCEA. Qualquer instituição
legalmente estabelecida em território nacional que crie
ou utilize animais para ensino e pesquisa deverá
requerer credenciamento no CONCEA, para uso de
animais, desde que, previamente, crie a CEUA. A critério
da instituição e mediante autorização do CONCEA, é
admitida a criação de mais de uma CEUA por
instituição. Na hipótese prevista no § 1o do artigo 1377 da
77 BRASIL. Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 2008.
Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal,
estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga
a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jun.
2015.
109
legislação em comento, cada CEUA definirá os
laboratórios de experimentação animal, biotérios e
centros de criação sob seu controle.
O animal só poderá ser submetido às
intervenções recomendadas nos protocolos dos
experimentos que constituem a pesquisa ou programa de
aprendizado quando, antes, durante e após o
experimento, receber cuidados especiais, conforme
estabelecido pelo CONCEA. O animal será submetido a
eutanásia, sob estrita obediência às prescrições
pertinentes a cada espécie, conforme as diretrizes do
Ministério da Ciência e Tecnologia, sempre que,
encerrado o experimento ou em qualquer de suas fases,
for tecnicamente recomendado aquele procedimento ou
quando ocorrer intenso sofrimento. Excepcionalmente,
quando os animais utilizados em experiências ou
demonstrações não forem submetidos a eutanásia,
poderão sair do biotério após a intervenção, ouvida a
respectiva CEUA quanto aos critérios vigentes de
segurança, desde que destinados a pessoas idôneas ou
entidades protetoras de animais devidamente
legalizadas, que por eles queiram responsabilizar-se.
Sempre que possível, as práticas de ensino deverão ser
fotografadas, filmadas ou gravadas, de forma a permitir
110
sua reprodução para ilustração de práticas futuras,
evitando-se a repetição desnecessária de procedimentos
didáticos com animais.
O número de animais a serem utilizados para
a execução de um projeto e o tempo de duração de cada
experimento será o mínimo indispensável para produzir
o resultado conclusivo, poupando-se, ao máximo, o
animal de sofrimento. Experimentos que possam causar
dor ou angústia desenvolver-se-ão sob sedação, analgesia
ou anestesia adequadas. Experimentos cujo objetivo seja
o estudo dos processos relacionados à dor e à angústia
exigem autorização específica da CEUA, em obediência a
normas estabelecidas pelo CONCEA. É vedado o uso de
bloqueadores neuromusculares ou de relaxantes
musculares em substituição a substâncias sedativas,
analgésicas ou anestésicas. É vedada a reutilização do
mesmo animal depois de alcançado o objetivo principal
do projeto de pesquisa. Em programa de ensino, sempre
que forem empregados procedimentos traumáticos,
vários procedimentos poderão ser realizados num mesmo
animal, desde que todos sejam executados durante a
vigência de um único anestésico e que o animal seja
sacrificado antes de recobrar a consciência.
111
Para a realização de trabalhos de criação e
experimentação de animais em sistemas fechados, serão
consideradas as condições e normas de segurança
recomendadas pelos organismos internacionais aos quais
o Brasil se vincula. O CONCEA, levando em conta a
relação entre o nível de sofrimento para o animal e os
resultados práticos que se esperam obter, poderá
restringir ou proibir experimentos que importem em
elevado grau de agressão. Todo projeto de pesquisa
científica ou atividade de ensino será supervisionado por
profissional de nível superior, graduado ou pós-graduado
na área biomédica, vinculado a entidade de ensino ou
pesquisa credenciada pelo CONCEA.
REFERÊNCIA:
ABREU, Ivy de Souza; BUSSINGUER, Elda Coelho de
Azevedo. Antropocentrismo, Ecocentrismo e Holismo:
uma breve análise das escolas de pensamento ambiental.
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fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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___________. Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 2008.
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Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para
o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de
maio de 1979; e dá outras providências. Disponível em:
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___________. Superior Tribunal de Justiça.
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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
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Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
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Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 jun. 2015.
114
DO RECONHECIMENTO DA EDIFICAÇÃO DO
DIREITO DOS ANIMAIS: O FORTALECIMENTO DA
SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES NATURAIS
Resumo: O objetivo do presente está alicerçado
na análise da edificação do Direito dos Animais,
na condição de ramo autônomo da Ciência
Jurídica, inspirado, sobremaneira, no princípio da
solidariedade, expressamente positivado no Texto
Constitucional, em uma acepção alargada,
voltada, não apenas para o gênero humano, para
as demais espécies (animais e vegetais)
existentes. Como desdobramento da projeção
normativa do corolário da solidariedade, na órbita
ecológica, há que se estruturar uma solidariedade
entre todas as espécies vivas, na forma de uma
comunidade entre a terra, as plantas, os animais
e os seres humanos, visto que a ameaça ecológica
coloca em risco todas as espécies existentes no
planeta, afetando por igual a todos e ao todo.
Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as
espécies naturais é despertada, sobremaneira, em
decorrência das ameaças à vida desencadeadas
115
pelo desenvolvimento civilizatório fazerem com
que o ser humano se reconheça como um ser
natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação
de ameaça existencial. A ameaça de contaminação
propicia que o ser humano perceba que o seu
corpo integra parte das “coisas naturais” e que,
em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência
leva o ser humano a reconhecer, forçosamente,
uma comunidade natural, diante da qual o
estabelecimento de um vínculo de solidariedade e
respeito mútuo como pressuposto para a
permanência existencial das espécies naturais,
abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Palavras-chaves: Solidariedade entre Espécies.
Direito dos Animais. Dignidade Animal.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica do Direito Ambiental;
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3
A Solidariedade Intergeracional no Direito
Ambiental: O Fortalecimento dos Ideários de
Fraternidade nos Direitos de Terceira
Dimensão; 4 Solidariedade entre Espécies
Naturais? O Alargamento da Moldura Axiológica
do Princípio da Solidariedade Ambiental; 5 Do
Reconhecimento da Edificação do Direito dos
Animais: O fortalecimento da solidariedade entre
espécies naturais
116
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
117
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,
está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação
de interdependência que esse binômio mantém”78.
Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma
interação consolidada na mútua dependência, já que o
primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo
de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
78 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 jun.
2015.
118
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”79. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
79 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 07 jun. 2015.
119
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”80. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
80 VERDAN, 2009, s.p.
120
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a
desvendar as peculiaridades ambientais, que, por
estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até
então era marginalizadas”81. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
81 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 jun. 2015.
121
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade82·.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária” 83.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
82 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 83 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 jun. 2015.
122
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando, com bastante pertinência, destaca que:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível84.
84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
123
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”85. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 jun. 2015. 85 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
124
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198186,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
86 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 jun. 2015.
125
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-
ambiente como “a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”87.
Nesta senda, ainda, Fiorillo88, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
87 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 88 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
126
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal89.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 jun. 2015.
127
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”90.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal91 está abalizado em quatro
pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,
dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura
o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
90 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 91 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 jun. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
128
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,
destacou, com bastante pertinência, que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade92.
92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
129
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 jun. 2015.
130
estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
131
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
132
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NO
DIREITO AMBIENTAL: O FORTALECIMENTO
DOS IDEÁRIOS DE FRATERNIDADE NOS
DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO
Em sede de comentários introdutórios, ao
volver um olhar analítico para o tema colocado em
debate, forçoso é reconhecer que o corolário da
solidariedade intergeracional apresenta-se como reflexo
de direitos de terceira dimensão, denominados direitos
de solidariedade ou fraternidade. Com destaque, os
direitos encampados pela denominação ora expendida
encontra como alicerce de sustentação o ideário de
fraternidade e tem como exemplos o direito ao meio
ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a
proteção e defesa do consumidor, além de outros
direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo
133
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo”93 ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente. Ainda nesta esteira, é possível verificar
que a construção dos direitos encampados sob a rubrica
de terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com efeito, está-se diante de
valores transindividuais, eis que os direitos abarcados
pela dimensão em comento não estão restritos a
determinados indivíduos; ao reverso, incBRASIL sobre
a coletividade. Ao lado disso, os direitos de terceira
dimensão são considerados como difusos, porquanto não
têm titular individual, sendo que o liame entre os seus
vários titulares decorre de mera circunstância factual.
Nesta feita, importa acrescentar que os
direitos de terceira dimensão possuem caráter
transindividual, o que os faz abranger a toda a
93 BONAVIDES, 2007, p. 569.
134
coletividade, sem quaisquer restrições a grupos
específicos. Ora, o ideário de solidariedade alberga
justamente um sucedâneo de direitos que contemplam a
coletividade enquanto unidade, não se atendendo a
característicos diferenciadores ou mesmo
particularidades segregadoras. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que “os direitos de terceira geração
possuem natureza essencialmente transindividual,
porquanto não possuem destinatários especificados,
como os de primeira e segunda geração, abrangendo a
coletividade como um todo”94. Desta feita, são direitos
de titularidade difusa ou coletiva, alcançando
destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil
determinação. Nesta esteira de exposição, os direitos em
comento estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se
que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
94 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
135
valorização destes é de extrema relevância. “Têm
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo,
num momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta”95. A
respeito do assunto, com bastante pertinência, Motta e
Barchet96, em seu magistério, ensinam que os direitos de
terceira dimensão surgiram como “soluções” à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
Tecidos estes comentários, ao esmiuçar o
corolário da solidariedade intergeracional, também
denominado de princípio da equidade ou princípio do
acesso equitativo dos recursos naturais, salta aos olhos
sua íntima relação com a temática dos espaços
protegidos, eis que configura um dos baldrames robustos
para a sua estruturação. Afora isso, é possível verificar a
95 BONAVIDES, 2007, p. 569. 96 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. “Duas são as origens básicas
desses direitos: a degradação das liberdades ou a deterioração dos
demais direitos fundamentais em virtude do uso nocivo das
modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e econômica
existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais “soluções” são os direitos de terceira geração”.
136
materialização do dogma em comento no caput do
artigo 225 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 198897. Assim, a atual geração, ao instituir
os espaços protegidos, furta-se à sua utilização normal
(aqui considerada aquela utilização encontradiça fora
desses espaços) para garantir as presentes gerações e,
sobretudo, às futuras, o equilíbrio do meio ambiente,
mediante a manutenção da biodiversidade. Logo, a
adoção do termo “solidariedade intergeracional” busca,
justamente, destacar esse elo de responsabilidade da
atual geração pela existência das futuras. Neste sentido,
é possível trazer à colação o paradigmático entendimento
jurisprudencial construído, no qual acena, com clareza
solar, que:
Ementa: Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental: Adequação.
Observância do princípio da
subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da
Constituição da República.
Constitucionalidade de atos normativos
proibitivos da importação de pneus usados.
Reciclagem de pneus usados: ausência de
97 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 jun. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
137
eliminação total de seus efeitos nocivos à
saúde e ao meio ambiente equilibrado.
Afronta aos princípios constitucionais da
saúde e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Coisa julgada com conteúdo
executado ou exaurido: impossibilidade de
alteração. Decisões judiciais com conteúdo
indeterminado no tempo: proibição de novos
efeitos a partir do julgamento. Arguição
julgada parcialmente procedente. 1.
Adequação da arguição pela correta
indicação de preceitos fundamentais
atingidos, a saber, o direito à saúde, direito
ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição
Brasileira) e a busca de desenvolvimento
econômico sustentável: princípios
constitucionais da livre iniciativa e da
liberdade de comércio interpretados e
aplicados em harmonia com o do
desenvolvimento social saudável.
Multiplicidade de ações judiciais, nos
diversos graus de jurisdição, nas quais se
têm interpretações e decisões divergentes
sobre a matéria: situação de insegurança
jurídica acrescida da ausência de outro meio
processual hábil para solucionar a polêmica
pendente: observância do princípio da
subsidiariedade. Cabimento da presente
ação. [...] 4. Princípios constitucionais (art.
225) a) do desenvolvimento sustentável e b)
da equidade e responsabilidade
intergeracional. Meio ambiente
ecologicamente equilibrado: preservação
para a geração atual e para as gerações
futuras. Desenvolvimento sustentável:
crescimento econômico com garantia
paralela e superiormente respeitada da
saúde da população, cujos direitos devem
ser observados em face das necessidades
atuais e daquelas previsíveis e a serem
prevenidas para garantia e respeito às
gerações futuras. Atendimento ao princípio
138
da precaução, acolhido constitucionalmente,
harmonizado com os demais princípios da
ordem social e econômica [...] (Supremo
Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADPF
nº 101/ Relatora: Ministra Cármen Lúcia/
Julgado em 24.06.2009/ Publicado no DJe
em 01.06.2012).
Observar-se-á a existência de duas espécies de
solidariedade intergeracional, tais sejam: uma pautada
na atual geração, denominada, em razão disso, de
sincrônica; e, outra voltada para as futuras gerações,
chamada anacrônica. Com destaque, assinalar faz-se
imprescindível, consoante entendimento explicitado por
Andréia Minussi Facin98, que é possível enumerar três
formas distintas de acesso a bens materiais, quais
sejam: acesso visando o consumo do bem, tal como ocorre
com a captação de água e instrumentos predatórios de
caça e pesca; acesso causando poluição ao meio ambiente,
a exemplo do que se denota no acesso à água ou ao ar,
lançando, para tanto, poluentes ou emitindo poluição
sonora; e, acesso ao meio ambiente para a contemplação
de seus elementos e paisagem. Verifica-se, deste modo, a
existência do meio ecologicamente equilibrado não se
98 FACIN, Andréia Minussi. Meio-ambiente e direitos humanos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 01 nov. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3463>. Acesso em 07
jun. 2015.
139
traduz somente na preservação para a geração atual,
mas, também, para as gerações futuras. Logo, se o
pavilhão desfraldado tremula em direção ao
desenvolvimento sustentável, patente faz-se que a
concepção albergue o crescimento econômico como
garantia paralela e superiormente respeitada da saúde
da população, cujo acervo de direito devem ser
observados, tendo-se em vista não apenas as
necessidades atuais, contudo, também, as que são
passíveis de prevenção para as gerações futuras. Neste
sedimento de exposição, cuida apontar, com ênfase, que
está diretamente vinculado ao corolário em comento o
preceito da precaução, já que a necessidade de
afastamento de perigo, tal como a adoção de
instrumentos que busquem a promoção da segurança dos
procedimentos adotado para a garantia das gerações
futuras, efetivando-se apenas por meio da
sustentabilidade ambiental das nações humanas.
Denota-se, destarte, que o princípio em
comento torna efetiva a busca incansável pela proteção
da existência humana, seja tanto pela proteção do meio
ambiente como pela estruturação de condições que
salvaguardem a saúde e a integridade física,
considerando-se o indivíduo em sua inteireza. Gize-se
140
que tal fato decorre da nova visão reinante, na qual há
que se adotar, como política pública, o que se faz
imprescindível para antecipar os riscos de danos que
sejam passíveis de materialização em relação ao meio
ambiente, tanto quanto o impacto que as ações ou as
omissões possam produzir. Ora, o artigo 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil de
198899, ao estabelecer o ônus em relação à coletividade e
ao Poder Público, na condição de dever, de defender e
preservar o meio ambiente para as presentes e futuras
gerações, inaugura um dever geral arrimado na
prevenção de riscos ambientais, no patamar de um
ordem normativa objetiva de antecipação de futuros
danos ambientais, os quais encontram como
sustentáculos os dogmas da prevenção, quando tratar de
riscos concretos, e da precaução, quando estiver diante
de riscos abstratos.
No mais, cuida colocar em destaque que a
reserva dos bens ambientais, com a sua não utilização
atual, passaria a ser equitativa se fosse demonstrado que
99 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 jun. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
141
ela ocorrera com o escopo de evitar o esgotamento dos
recursos, com a guarda desses bens para as futuras
gerações. Neste passo, ao se considerar a densidade da
moldura de fraternidade e solidariedade que reveste o
acesso ao meio ambiente, em especial devido ao status de
elemento que assegura o alcance da dignidade da pessoa
humana, considerando o indivíduo em todas as suas
potencialidades e complexidades, não é possível suprimir
que a manutenção da preservação dos bens ambientais
refoge ao ideário ingênuo de meio ambiente intocável,
mas sim lhe confere à contemporaneidade ao tema. “A
equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser
enfocada não só com relação à localização especial dos
usuários atuais, como em relação aos usuários
potenciais das gerações vindouras”100.
Com efeito, um posicionamento equânime não
é fácil de ser construído, vindicando considerações
dotadas de ordem ética, científica e econômica das
gerações atuais e uma avaliação prospectiva das
necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem
conhecidas e medidas no presente. Neste aspecto, é
possível colocar em destaque que o aspecto
100 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Editores Malheiros, 2013, p. 92.
142
intergeracional que tende a caracterizar o discurso de
proteção e preservação ambiental ambiciona conferir
concreção ao ideário de solidariedade que caracteriza o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
enquanto direito de terceira dimensão. Supera-se, com
efeito, a essência de individualidade que caracterizou os
direitos humanos, adotados uma ótica na qual a
preocupação com o semelhante, mesmo em se tratando
de uma geração futura, é dotada de grande
proeminência, analisando-se a coletividade na condição
de unidade, na qual cada um dos indivíduos é dotado de
relevância e substancial atenção. Tal fato decorre,
notadamente, do superprincípio da dignidade da pessoa
humana, o qual só alcança sua materialização por meio
da conjunção de inúmeros, porém carecidos, direitos, os
quais, em um fim último, proporcionam a realização de
todas as complexidades encerradas no ser humano.
Ademais, um aspecto característico
proeminente da sociedade contemporânea está
assentado na sua paradoxal capacidade de controlar e
produzir indeterminações. Entrementes, a forma como
esse dever será atendido constitui tarefa inafastável dos
órgãos estatais, os quais dispõem de ampla liberdade de
conformação, atentando-se para os limites
143
constitucionais consagrados. Com efeito, as mencionadas
determinações constitucionais objetivam evitar riscos,
encontrando assento, para tanto, no próprio Texto
Constitucional, o que autoriza o Estado a atuar de modo
a evitar riscos para o cidadão em geral, por meio da
adoção de medidas de proteção ou de prevenção da saúde
e do meio ambiente, notadamente em relação ao
desenvolvimento técnico ou tecnológico e suas
consequências para as presentes e futuras gerações. No
controle judicial de políticas públicas do meio ambiente,
a atuação do Poder Judiciário deve buscar a garantia,
inclusive, o mínimo existencial ecológico dos indivíduos
atingidos diretamente e indiretamente em seu
patrimônio de natureza material e imaterial, neste
sentido, visando garantir a inviolabilidade do direito
fundamental à sadia qualidade de vida, bem assim a
defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, em busca do desenvolvimento sustentável
para as presentes e futuras gerações.
4 SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS? O ALARGAMENTO DA MOLDURA
AXIOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE AMBIENTAL
144
Como desdobramento da projeção normativa do
corolário da solidariedade, na órbita ecológica, há que se
estruturar uma solidariedade entre todas as espécies
vivas, na forma de uma comunidade entre a terra, as
plantas, os animais e os seres humanos, visto que a
ameaça ecológica coloca em risco todas as espécies
existentes no planeta, afetando por igual a todos e ao
todo. Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as espécies
naturais é despertada, sobremaneira, em decorrência
das ameaças à vida desencadeadas pelo desenvolvimento
civilizatório fazerem com que o ser humano se reconheça
como um ser natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação de
ameaça existencial. Segundo Sarlet e Fensterseifer101, a
ameaça de contaminação propicia que o ser humano
perceba que o seu corpo integra parte das “coisas
naturais” e que, em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência leva o
ser humano a reconhecer, forçosamente, uma
comunidade natural, diante da qual o estabelecimento de
um vínculo de solidariedade e respeito mútuo como
101 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios
do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 77.
145
pressuposto para a permanência existencial das espécies
naturais, abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Em uma perspectiva jurídica, a vedação das
políticas cruéis contra os animais (não humanos)
encontra repouso no Texto Constitucional, reforçando,
portanto, o ideário axiológico de solidariedade entre as
espécies naturais. Mais que isso, ao analisar o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, salta
aos olhos a concreção do dogma em comento, em especial
quando a ementa consagra que “a promoção de briga de
galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada
na legislação ambiental, configura conduta atentatória à
Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade”102. Ora, há que se
102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação Direta de
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98) -
Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei nº 9.605/98,
art. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei estadual impugnada - Ação Direta
Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso
146
reconhecer que essa especial tutela, que tem por
fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a
ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do
gênero humano, mas, também, a própria vida animal,
cuja integridade restaria comprometida, não fora a
vedação constitucional, por práticas aviltantes,
perversas e violentas contra os seres irracionais. “A ideia
de „solidariedade entre espécies naturais‟, portanto,
também pode transportar o reconhecimento do valor
intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem
como o respeito à reciprocidade indispensável ao convívio
harmonioso” 103, estendido a todos os seres vivos. Salta
aos olhos, desta feita, que o princípio da solidariedade,
cuja incidência deve ser maximizada em diversos
âmbitos, inclusive na seara ambiental, passa a ser
desfraldado como pilar sustentador das relações
contemporâneas, em sua senda civilizatória,
considerando todas as suas dimensões, a saber:
intergeracional, intrageracional e interespécies.
de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Publicado no DJe em 13 out.
2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 jun. 2015. 103 SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 77.
147
5 DO RECONHECIMENTO DA EDIFICAÇÃO DO
DIREITO DOS ANIMAIS: O FORTALECIMENTO
DA SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS
Em um primeiro comentário, cuida destacar
que o Direito dos Animais ou o movimento de proteção
desses direitos desponta, em um cenário contemporâneo,
como um novo ramo da Ciência Jurídica, objetivando
proteger tais seres vivos como de salvaguardar não
apenas o meio ambiental, o ecossistema e evitar a
extinção de diversas espécies, mas também o leque de
direitos fundamentais, a exemplo do direito à vida, à
liberdade e o respeito, coibindo, por via de consequência,
os atos de violência, maus-tratos e crueldade. Neste
sentido, ainda, é possível fazer alusão ao Texto
Constitucional, quando, de maneira expressa e ofuscante,
no inciso VII do §1º do artigo 225, explicita que “para
assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: [omissis] VII - proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade”104. Aduz,
104 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
148
ainda, Gomes e Chalfun que:
Na verdade, os animais devem ser
protegidos não apenas em benefício do
homem, mas também como um exercício de
compaixão e solidariedade a espécies mais
vulneráveis e dignas de respeito, o homem
não deve ser o único ser protegido, o único a
ter direitos fundamentais reconhecidos, é
preciso considerar que o homem é também
uma espécie animal, e dentro desta ótica o
animal é o outro do homem105.
Salta aos olhos que a proposição de uma
ramificação jurídica autônoma, pautada exclusivamente
no Direito dos Animais, decorre da desconstrução da
tradicional ótica antropocêntrica. Neste sentido, convém
mencionar que a visão antropocêntrica está alicerçada no
preceito de que o homem se identificava no centro do
mundo - em que usufrui do meio ambiente de modo
indiferente à sua existência-, o ecocentrismo mudou o
paradigma apresentando sentido e valor à vida do ser,
englobando agora a fauna e a flora como ícones
essenciais ao equilíbrio ambiental. Ao lado disso, Abreu e
Bussinguer, oportunamente, destacam que “a concepção
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 jun. 2015. 105 GOMES, Rosangela Maria A.; CHALFUN, Mery. Direito dos
Animais – Um novo e fundamental Direito. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br>. Acesso em 07 jun. 2015, p. 852.
149
eminentemente antropocêntrica se mantém arraigada
em alguns setores da sociedade contemporânea, o que
impede muitos avanços em projetos que visam a
conservação do meio, em especial, a conservação de
espécies em vias de extinção e a instalação de Unidades
de Conservação”106. Podendo o ecocentrismo ser chamado
também de biocentrismo, abordando a vida do ser de
forma ampla considerando-a como personagem central
da uma tutela ambiental, este segundo termo surgiu com
a Lei nº 6.938/1981, eliminando a visão antropocêntrica.
“Assim, a escola ecocêntrica (ou biocêntrica, como muitos
preferem) coloca em primeiro plano de discussão e
proteção o equilíbrio dos ecossistemas e do meio
ambiente natural”107.
106 ABREU, Ivy de Souza; BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo.
Antropocentrismo, Ecocentrismo e Holismo: uma breve análise das
escolas de pensamento ambiental. Derecho y Cambio Social,
2013, p. 01-11. Disponível em:
<http://www.derechoycambiosocial.com/revista034/escolas_de_pensa
mento_ambiental.pdf>. Acesso em 07 jun. 2015, p. 05. 107 Ibid.
150
Figura 01. Egocentrismo
(antropocentrismo)
Figura 02. Econcentrismo/
Biocentrismo.
O holismo considera e defende as entidades
físicas e biológicas como um sistema único e integrando -
seres vivos e recursos ambientais disponíveis -,
considerado autônomo o meio ambiente não é mais
notado como aquele que nutre somente as necessidades
humanas, mas aquele que carece de cuidados e zelo.
Nessa perspectiva, “a análise do meio ambiente deve
considerar o contexto amplo e global de todas as
variáveis intrínsecas e extrínsecas que geram influências
diversas e, primordialmente, a interação entre essas
variáveis, para que não haja uma visão distorcida,
151
simplória e reducionista do bem ambiental” 108. Assim, no
holismo ambiental tem suas bases sustentadas não
apenas no meio natural e nos seus elementos. A vida
humana e suas expressões também se tornam objeto de
proteção, mas não pelos motivos apregoados pelo
antropocentrismo e sim, pela espécie humana (e os
fatores que se relacionam com sua existência e
desenvolvimento) ser parte do meio ambiente e
indispensável ao equilíbrio ambiental.
É oportuno consignar que o tratamento dos
animais, sobretudo no que se refere à edificação de uma
ramificação jurídica autônoma, deve ser pautado pela
ética e por princípios morais, porquanto esses devem
nortear a conduta humana. “Conduta ética em relação
aos animais oprimidos, e todos devem agir em sua
defesa, como forma de legítima manifestação de
cidadania” 109. Assim, à luz da exposição apresenta, é
notório que o direito dos animais e a proteção dos direitos
fundamentais como inerentes a estes, desponta com um
novo ramo do direito, merecedor de estudos,
desenvolvimento e evolução, muito há o que se debater e
estudar, não obstante muito se avançou. Imprescindível
108 ABREU; BUSSINGUER, 2013, p. 08. 109 GOMES; CHALFUN, s.d., p. 852.
152
para toda a sociedade, para o meio ambiente, para os
amantes da natureza e dos animais, o direito dos animais
possui sua essência na filosofia, na ética, na moral, e
desponta com um novo seguimento do direito a ser
aprimorado e estudado.
REFERÊNCIA:
ABREU, Ivy de Souza; BUSSINGUER, Elda Coelho de
Azevedo. Antropocentrismo, Ecocentrismo e Holismo:
uma breve análise das escolas de pensamento ambiental.
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Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 jun. 2015.
153
___________. Superior Tribunal de Justiça.
Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 07 jun.
2015.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 jun. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
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Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
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<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 jun. 2015.
155
O REDIMENSIONAMENTO DA FILOSÓFICA
CONCEPÇÃO DE DIGNIDADE ENTRE ESPÉCIES
ANIMAIS À LUZ DA BIOÉTICA: SOLIDARIEDADE
ENTER ESPÉCIES ANIMAIS?
Resumo: O objeto do presente está assentado na
imprescindibilidade de se desenvolver uma nova
acepção do fluído conceito de dignidade a partir da
reafirmação de uma solidariedade entre espécies
animais. Neste aspecto, como desdobramento da
projeção normativa do corolário da solidariedade, na
órbita ecológica, há que se estruturar uma ótica que
abarque todas as espécies vivas, na forma de uma
comunidade formada pela terra, pelas plantas, pelos
animais e pelos seres humanos, visto que a ameaça
ecológica coloca em risco todas as espécies existentes
no planeta, afetando por igual a todos e ao todo. É
perceptível, ainda, a necessidade de fomentar uma
consciência pautada na solidariedade entre as espécies
naturais, sobremaneira, em decorrência das ameaças à
vida desencadeadas pelo desenvolvimento civilizatório
fazerem com que o ser humano se reconheça como um
ser natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação de
ameaça existencial. É fato que a ameaça de
156
contaminação propicia que o ser humano perceba que o
seu corpo integra parte das “coisas naturais” e que, em
razão disso, está sujeito à ameaça supramencionada. A
construção de tal consciência leva o ser humano a
reconhecer, forçosamente, uma comunidade natural,
diante da qual o estabelecimento de um vínculo de
solidariedade e respeito mútuo como pressuposto para
a permanência existencial das espécies naturais,
abarcando-se em tal concepção o ser humano. Denota-
se, portanto, a edificação de um novel painel, no qual o
ecocentrismo é fortalecido, conferindo, de maneira
geral, especial atenção ao meio ambiente e as relações
nutridas entre o ser humano e seus componentes, em
detrimento da anacrônica visão antropocêntrica. Assim
sendo, valendo-se das reflexões fomentadas pela
Bioética, o presente busca pautar um
redimensionamento da concepção tradicional da
dignidade, não mais como um ideário essencialmente
antrópico, mas sim remodelado pelo ecocentrismo e
pela solidariedade entre espécies.
Palavras-chaves: Solidariedade entre Espécies.
Bioética. Dignidade Animal.
Sumário: 1 Apontamentos inaugurais: singelo painel
à edificação teórica da ramificação ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção jurídica de meio
ambiente: singelo painel à Política Nacional de Meio
Ambiente; 3 A solidariedade intergeracional no
Direito Ambiental: O fortalecimento dos ideários
de fraternidade nos direitos de terceira dimensão; 4
Solidariedade entre espécies naturais? O alargamento
da moldura axiológica do princípio da solidariedade
ambiental; 5 Bioética e animais: um recorte
contemporâneo em prol da afirmação da solidariedade
entre espécies; 6 Conclusão
157
1 APONTAMENTOS INAUGURAIS: SINGELO
PAINEL À EDIFICAÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
158
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,
está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação
de interdependência que esse binômio mantém”110.
Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma
interação consolidada na mútua dependência, já que o
primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo
de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
110 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 mai.
2015.
159
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”111. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
111 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 16 mai. 2015.
160
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”112. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
112 VERDAN, 2009, s.p.
161
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a
desvendar as peculiaridades ambientais, que, por
estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até
então era marginalizadas”113. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
113 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 16 mai. 2015.
162
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade114·.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária” 115.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
114 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 115 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015.
163
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando, com bastante pertinência, destaca que:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível116.
116 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
164
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”117. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2015. 117 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
165
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO JURÍDICA DE
MEIO AMBIENTE: SINGELO PAINEL À POLÍTICA
NACIONAL DE MEIO AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981118,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
118 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015.
166
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-
ambiente como “a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”119.
Nesta senda, ainda, Fiorillo120, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
119 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 120 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
167
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal121.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
121 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai.
2015.
168
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”122.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal123 está abalizado em quatro
pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,
dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura
o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
122 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 123 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
169
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,
destacou, com bastante pertinência, que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade124.
124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
170
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2015.
171
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
172
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
173
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NO
DIREITO AMBIENTAL: O FORTALECIMENTO
DOS IDEÁRIOS DE FRATERNIDADE NOS
DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO
Em sede de comentários introdutórios, ao
volver um olhar analítico para o tema colocado em
debate, forçoso é reconhecer que o corolário da
solidariedade intergeracional apresenta-se como reflexo
de direitos de terceira dimensão, denominados direitos
de solidariedade ou fraternidade. Com destaque, os
direitos encampados pela denominação ora expendida
encontra como alicerce de sustentação o ideário de
fraternidade e tem como exemplos o direito ao meio
ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a
proteção e defesa do consumidor, além de outros
174
direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo”125 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente. Ainda nesta esteira, é possível
verificar que a construção dos direitos encampados sob a
rubrica de terceira dimensão tende a identificar a
existência de valores concernentes a uma determinada
categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade,
não mais prosperando a típica fragmentação individual
de seus componentes de maneira isolada, tal como
ocorria em momento pretérito. Com efeito, está-se
diante de valores transindividuais, eis que os direitos
abarcados pela dimensão em comento não estão
restritos a determinados indivíduos; ao reverso,
incluindo-se a coletividade. Ao lado disso, os direitos de
terceira dimensão são considerados como difusos,
porquanto não têm titular individual, sendo que o liame
entre os seus vários titulares decorre de mera
circunstância factual.
Nesta feita, importa acrescentar que os
125 BONAVIDES, 2007, p. 569.
175
direitos de terceira dimensão possuem caráter
transindividual, o que os faz abranger a toda a
coletividade, sem quaisquer restrições a grupos
específicos. Ora, o ideário de solidariedade alberga
justamente um sucedâneo de direitos que contemplam a
coletividade enquanto unidade, não se atendendo a
característicos diferenciadores ou mesmo
particularidades segregadoras. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que “os direitos de terceira geração
possuem natureza essencialmente transindividual,
porquanto não possuem destinatários especificados,
como os de primeira e segunda geração, abrangendo a
coletividade como um todo”126. Desta feita, são direitos
de titularidade difusa ou coletiva, alcançando
destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil
determinação. Nesta esteira de exposição, os direitos em
comento estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se
126 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
176
que o caráter difuso de tais direitos permite a
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. “Têm
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo,
num momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta”127. A
respeito do assunto, com bastante pertinência, Motta e
Barchet128, em seu magistério, ensinam que os direitos
de terceira dimensão surgiram como “soluções” à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
Tecidos estes comentários, ao esmiuçar o
corolário da solidariedade intergeracional, também
denominado de princípio da equidade ou princípio do
acesso equitativo dos recursos naturais, salta aos olhos
sua íntima relação com a temática dos espaços
127 BONAVIDES, 2007, p. 569. 128 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. “Duas são as origens básicas
desses direitos: a degradação das liberdades ou a deterioração dos
demais direitos fundamentais em virtude do uso nocivo das
modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e econômica
existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais “soluções” são os direitos de terceira geração”.
177
protegidos, eis que configura um dos baldrames robustos
para a sua estruturação. Afora isso, é possível verificar a
materialização do dogma em comento no caput do
artigo 225 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988129. Assim, a atual geração, ao instituir
os espaços protegidos, furta-se à sua utilização normal
(aqui considerada aquela utilização encontradiça fora
desses espaços) para garantir as presentes gerações e,
sobretudo, às futuras, o equilíbrio do meio ambiente,
mediante a manutenção da biodiversidade. Logo, a
adoção do termo “solidariedade intergeracional” busca,
justamente, destacar esse elo de responsabilidade da
atual geração pela existência das futuras. Neste sentido,
é possível trazer à colação o paradigmático entendimento
jurisprudencial construído, no qual acena, com clareza
solar, que:
Ementa: Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental: Adequação.
Observância do princípio da
subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da
129 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
178
Constituição da República.
Constitucionalidade de atos normativos
proibitivos da importação de pneus usados.
Reciclagem de pneus usados: ausência de
eliminação total de seus efeitos nocivos à
saúde e ao meio ambiente equilibrado.
Afronta aos princípios constitucionais da
saúde e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Coisa julgada com conteúdo
executado ou exaurido: impossibilidade de
alteração. Decisões judiciais com conteúdo
indeterminado no tempo: proibição de novos
efeitos a partir do julgamento. Arguição
julgada parcialmente procedente. 1.
Adequação da arguição pela correta
indicação de preceitos fundamentais
atingidos, a saber, o direito à saúde, direito
ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição
Brasileira) e a busca de desenvolvimento
econômico sustentável: princípios
constitucionais da livre iniciativa e da
liberdade de comércio interpretados e
aplicados em harmonia com o do
desenvolvimento social saudável.
Multiplicidade de ações judiciais, nos
diversos graus de jurisdição, nas quais se
têm interpretações e decisões divergentes
sobre a matéria: situação de insegurança
jurídica acrescida da ausência de outro meio
processual hábil para solucionar a polêmica
pendente: observância do princípio da
subsidiariedade. Cabimento da presente
ação. [...] 4. Princípios constitucionais (art.
225) a) do desenvolvimento sustentável e b)
da equidade e responsabilidade
intergeracional. Meio ambiente
ecologicamente equilibrado: preservação
para a geração atual e para as gerações
futuras. Desenvolvimento sustentável:
crescimento econômico com garantia
paralela e superiormente respeitada da
saúde da população, cujos direitos devem
179
ser observados em face das necessidades
atuais e daquelas previsíveis e a serem
prevenidas para garantia e respeito às
gerações futuras. Atendimento ao princípio
da precaução, acolhido constitucionalmente,
harmonizado com os demais princípios da
ordem social e econômica [...] (Supremo
Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADPF
nº 101/ Relatora: Ministra Cármen Lúcia/
Julgado em 24.06.2009/ Publicado no DJe
em 01.06.2012).
Observar-se-á a existência de duas espécies de
solidariedade intergeracional, tais sejam: uma pautada
na atual geração, denominada, em razão disso, de
sincrônica; e, outra voltada para as futuras gerações,
chamada anacrônica. Com destaque, assinalar faz-se
imprescindível, consoante entendimento explicitado por
Andréia Minussi Facin130, que é possível enumerar três
formas distintas de acesso a bens materiais, quais
sejam: acesso visando o consumo do bem, tal como ocorre
com a captação de água e instrumentos predatórios de
caça e pesca; acesso causando poluição ao meio ambiente,
a exemplo do que se denota no acesso à água ou ao ar,
lançando, para tanto, poluentes ou emitindo poluição
sonora; e, acesso ao meio ambiente para a contemplação
130 FACIN, Andréia Minussi. Meio-ambiente e direitos humanos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 01 nov. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3463>. Acesso em 16
mai. 2015.
180
de seus elementos e paisagem. Verifica-se, deste modo, a
existência do meio ecologicamente equilibrado não se
traduz somente na preservação para a geração atual,
mas, também, para as gerações futuras. Logo, se o
pavilhão desfraldado tremula em direção ao
desenvolvimento sustentável, patente faz-se que a
concepção albergue o crescimento econômico como
garantia paralela e superiormente respeitada da saúde
da população, cujo acervo de direito devem ser
observados, tendo-se em vista não apenas as
necessidades atuais, contudo, também, as que são
passíveis de prevenção para as gerações futuras. Neste
sedimento de exposição, cuida apontar, com ênfase, que
está diretamente vinculado ao corolário em comento o
preceito da precaução, já que a necessidade de
afastamento de perigo, tal como a adoção de
instrumentos que busquem a promoção da segurança dos
procedimentos adotado para a garantia das gerações
futuras, efetivando-se apenas por meio da
sustentabilidade ambiental das nações humanas.
Denota-se, destarte, que o princípio em
comento torna efetiva a busca incansável pela proteção
da existência humana, seja tanto pela proteção do meio
ambiente como pela estruturação de condições que
181
salvaguardem a saúde e a integridade física,
considerando-se o indivíduo em sua inteireza. Gize-se
que tal fato decorre da nova visão reinante, na qual há
que se adotar, como política pública, o que se faz
imprescindível para antecipar os riscos de danos que
sejam passíveis de materialização em relação ao meio
ambiente, tanto quanto o impacto que as ações ou as
omissões possam produzir. Ora, o artigo 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil de
1988131., ao estabelecer o ônus em relação à coletividade
e ao Poder Público, na condição de dever, de defender e
preservar o meio ambiente para as presentes e futuras
gerações, inaugura um dever geral arrimado na
prevenção de riscos ambientais, no patamar de um
ordem normativa objetiva de antecipação de futuros
danos ambientais, os quais encontram como
sustentáculos os dogmas da prevenção, quando tratar de
riscos concretos, e da precaução, quando estiver diante
de riscos abstratos.
No mais, cuida colocar em destaque que a
131 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
182
reserva dos bens ambientais, com a sua não utilização
atual, passaria a ser equitativa se fosse demonstrado que
ela ocorrera com o escopo de evitar o esgotamento dos
recursos, com a guarda desses bens para as futuras
gerações. Neste passo, ao se considerar a densidade da
moldura de fraternidade e solidariedade que reveste o
acesso ao meio ambiente, em especial devido ao status de
elemento que assegura o alcance da dignidade da pessoa
humana, considerando o indivíduo em todas as suas
potencialidades e complexidades, não é possível suprimir
que a manutenção da preservação dos bens ambientais
refoge ao ideário ingênuo de meio ambiente intocável,
mas sim lhe confere à contemporaneidade ao tema. “A
equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser
enfocada não só com relação à localização especial dos
usuários atuais, como em relação aos usuários
potenciais das gerações vindouras”132.
Com efeito, um posicionamento equânime não
é fácil de ser construído, vindicando considerações
dotadas de ordem ética, científica e econômica das
gerações atuais e uma avaliação prospectiva das
necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem
132 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Editores Malheiros, 2013, p. 92.
183
conhecidas e medidas no presente. Neste aspecto, é
possível colocar em destaque que o aspecto
intergeracional que tende a caracterizar o discurso de
proteção e preservação ambiental ambiciona conferir
concreção ao ideário de solidariedade que caracteriza o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
enquanto direito de terceira dimensão. Supera-se, com
efeito, a essência de individualidade que caracterizou os
direitos humanos, adotados uma ótica na qual a
preocupação com o semelhante, mesmo em se tratando
de uma geração futura, é dotada de grande
proeminência, analisando-se a coletividade na condição
de unidade, na qual cada um dos indivíduos é dotado de
relevância e substancial atenção. Tal fato decorre,
notadamente, do superprincípio da dignidade da pessoa
humana, o qual só alcança sua materialização por meio
da conjunção de inúmeros, porém carecidos, direitos, os
quais, em um fim último, proporcionam a realização de
todas as complexidades encerradas no ser humano.
Ademais, um aspecto característico
proeminente da sociedade contemporânea está
assentado na sua paradoxal capacidade de controlar e
produzir indeterminações. Entrementes, a forma como
esse dever será atendido constitui tarefa inafastável dos
184
órgãos estatais, os quais dispõem de ampla liberdade de
conformação, atentando-se para os limites
constitucionais consagrados. Com efeito, as mencionadas
determinações constitucionais objetivam evitar riscos,
encontrando assento, para tanto, no próprio Texto
Constitucional, o que autoriza o Estado a atuar de modo
a evitar riscos para o cidadão em geral, por meio da
adoção de medidas de proteção ou de prevenção da saúde
e do meio ambiente, notadamente em relação ao
desenvolvimento técnico ou tecnológico e suas
consequências para as presentes e futuras gerações. No
controle judicial de políticas públicas do meio ambiente,
a atuação do Poder Judiciário deve buscar a garantia,
inclusive, o mínimo existencial ecológico dos indivíduos
atingidos diretamente e indiretamente em seu
patrimônio de natureza material e imaterial, neste
sentido, visando garantir a inviolabilidade do direito
fundamental à sadia qualidade de vida, bem assim a
defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, em busca do desenvolvimento sustentável
para as presentes e futuras gerações.
4 SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS? O ALARGAMENTO DA MOLDURA
185
AXIOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE AMBIENTAL
Como desdobramento da projeção normativa do
corolário da solidariedade, na órbita ecológica, há que se
estruturar uma solidariedade entre todas as espécies
vivas, na forma de uma comunidade entre a terra, as
plantas, os animais e os seres humanos, visto que a
ameaça ecológica coloca em risco todas as espécies
existentes no planeta, afetando por igual a todos e ao
todo. Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as espécies
naturais é despertada, sobremaneira, em decorrência
das ameaças à vida desencadeadas pelo desenvolvimento
civilizatório fazerem com que o ser humano se reconheça
como um ser natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação de
ameaça existencial. Segundo Sarlet e Fensterseifer133, a
ameaça de contaminação propicia que o ser humano
perceba que o seu corpo integra parte das “coisas
naturais” e que, em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência leva o
133 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios
do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 77.
186
ser humano a reconhecer, forçosamente, uma
comunidade natural, diante da qual o estabelecimento de
um vínculo de solidariedade e respeito mútuo como
pressuposto para a permanência existencial das espécies
naturais, abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Em uma perspectiva jurídica, a vedação das
políticas cruéis contra os animais (não humanos)
encontra repouso no Texto Constitucional, reforçando,
portanto, o ideário axiológico de solidariedade entre as
espécies naturais. Mais que isso, ao analisar o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, salta
aos olhos a concreção do dogma em comento, em especial
quando a ementa consagra que “a promoção de briga de
galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada
na legislação ambiental, configura conduta atentatória à
Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade”134. Ora, há que se
134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação Direta de
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98) -
Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei nº 9.605/98,
art. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
187
reconhecer que essa especial tutela, que tem por
fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a
ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do
gênero humano, mas, também, a própria vida animal,
cuja integridade restaria comprometida, não fora a
vedação constitucional, por práticas aviltantes,
perversas e violentas contra os seres irracionais. “A ideia
de „solidariedade entre espécies naturais‟, portanto,
também pode transportar o reconhecimento do valor
intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem
como o respeito à reciprocidade indispensável ao convívio
harmonioso” 135, estendido a todos os seres vivos. Salta
aos olhos, desta feita, que o princípio da solidariedade,
cuja incidência deve ser maximizada em diversos
âmbitos, inclusive na seara ambiental, passa a ser
desfraldado como pilar sustentador das relações
contemporâneas, em sua senda civilizatória,
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei estadual impugnada - Ação Direta
Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso
de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Publicado no DJe em 13 out.
2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2014. 135 SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 77.
188
considerando todas as suas dimensões, a saber:
intergeracional, intrageracional e interespécies.
A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos trouxe o comprometimento internacional aos
princípios fundamentais e suas aplicações no âmbito
social (artigo 13º), por tratar de questões éticas e
relacionar todas as ciências que tratam da vida do ser
humano, de forma que os princípios e regras que
norteiam o homem culminem a preservação da sua
dignidade humana, do seu direito individual e de
liberdade considerados fundamentais. Animal racional,
que possui capacidade de definir, identificar, atos
injustos, ilícitos, que procura dar sentido a moral e a
ética, se reconhecer responsabilidades e motivos para
uma cooperação mutua, o ser humano possui a presente
escolha de seus atos para preservar futuras gerações
(artigo 16º).
Reconhecendo que cada ser racional é detentor da
autonomia, vide artigo 5º, que propõe limitações nas
investigações de cunho científico, para que além dos
benefícios a serem alcançados nenhum direito seja
violado, suprindo expectativas de vida e promovendo
amplamente o respeito efetivo dos direitos individuais.
Como explicita a Declaração no seu artigo 3º, 2, que “os
189
interesses e o bem-estar do indivíduo devem prevalecer
sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade”
(ONU, 2005). Assim como a proteção e a dignidade do
homem é requerido e incitado pela declaração em
comento, a proteção ao meio ambiente não pode ser
deixado à parte, como afirma o artigo 17º, ao relatar de
forma importantíssima a preocupação com a biosfera e a
biodiversidade, interação destas com o homo sapiens
contemporâneo com outras formas de vida.
5 BIOÉTICA E ANIMAIS: UM RECORTE
CONTEMPORÂNEO EM PROL DA AFIRMAÇÃO
DA SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
Após a visão antropocêntrica, quando o homem se
identificava no centro do mundo - em que usufrui do meio
ambiente de modo indiferente à sua existência-, o
ecocentrismo mudou o paradigma apresentando sentido e
valor à vida do ser, englobando agora a fauna e a flora
como ícones essenciais ao equilíbrio ambiental. Ao lado
disso, Abreu e Bussinguer destacam que “a concepção
eminentemente antropocêntrica se mantém arraigada
em alguns setores da sociedade contemporânea, o que
impede muitos avanços em projetos que visam a
conservação do meio, em especial, a conservação de
190
espécies em vias de extinção e a instalação de Unidades
de Conservação”. Podendo o ecocentrismo ser chamado
também de biocentrismo, abordando a vida do ser de
forma ampla considerando-a como personagem central
da uma tutela ambiental, este segundo termo surgiu com
a Lei nº 6.938/1981, eliminando a visão antropocêntrica.
“Assim, a escola ecocêntrica (ou biocêntrica, como muitos
preferem) coloca em primeiro plano de discussão e
proteção o equilíbrio dos ecossistemas e do meio
ambiente natural”136.
Figura 01. Egocentrismo
(antropocentrismo)
Figura 02. Econcentrismo/
Biocentrismo.
136 ABREU, Ivy de Souza; BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo.
Antropocentrismo, Ecocentrismo e Holismo: uma breve análise das
escolas de pensamento ambiental. Derecho y Cambio Social,
2013, p. 01-11. Disponível em:
<http://www.derechoycambiosocial.com/revista034/escolas_de_pensa
mento_ambiental.pdf>. Acesso em 16 mai. 2015, p. 05.
191
O holismo considera e defende as entidades
físicas e biológicas como um sistema único e integrando -
seres vivos e recursos ambientais disponíveis -,
considerado autônomo o meio ambiente não é mais
notado como aquele que nutre somente as necessidades
humanas, mas aquele que carece de cuidados e zelo.
Nessa perspectiva, “a análise do meio ambiente deve
considerar o contexto amplo e global de todas as
variáveis intrínsecas e extrínsecas que geram influências
diversas e, primordialmente, a interação entre essas
variáveis, para que não haja uma visão distorcida,
simplória e reducionista do bem ambiental”137. Assim, no
holismo ambiental tem suas bases sustentadas não
apenas no meio natural e nos seus elementos. A vida
humana e suas expressões também se tornam objeto de
proteção, mas não pelos motivos apregoados pelo
antropocentrismo e sim, pela espécie humana (e os
fatores que se relacionam com sua existência e
desenvolvimento) ser parte do meio ambiente e
indispensável ao equilíbrio ambiental.
A Lei nº 11.794/2008 aborda sobre pesquisas com
animais para fins científicos e acadêmicos, limitando as
pesquisas com animais para que assim sua dignidade
137 ABREU; BUSSINGER, 2013, p. 08.
192
possa ser preservada, abordando quais são os
procedimentos a ser utilizado no caso do uso desses
animais para a pesquisa, dispondo penalidades aos
indivíduos que a infligirem, previsto no art. 17 e 18 desta
mesma Lei. Já a Lei 11.105, de 24 de Março de 2005, que
regulamenta o dispositivo legal da Constituição 225 § 1°,
a importância destes na prevenção a vida de animais e
vegetais, a Lei de Biossegurança estabelece normas e
mecanismos fiscalizando atividades que envolva
organismos mesmo que geneticamente modificados como
os transgênicos. Apesar de ser uma legislação
considerada atécnica não pode ser ignorada, pois cria o
Conselho Nacional de Biossegurança- CBN, para efetivar
os direitos dos organismos que compõem a vida terrestre.
Estabelecendo preceitos para qualquer intervenção do
ser humano em relação à outro e à vida deste,
estimulando o desenvolvimento técnico-científico visando
proteger a saúde humana, vegetal e animal, precavendo
a existência da biodiversidade, exigindo um instrumento
de ato licito por parte das entidades responsáveis pelo
manuseio das pesquisas.
Encontra-se no artigo 5º desta lei permissão para
pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias,
como as fertilizações in vitro, restringindo a
193
comercialização o material biológico, proibindo o descarte
e clonagem humana no artigo 6º, tipificando crimes e
penas do artigo 24 ao artigo 29. É possível observar nos
direitos de terceira dimensão ou direito fraternal, ha
solidariedade contemporânea entre as espécies, visto que
se dá em âmbito internacional, e pensar nesse ângulo
adquirimos um conceito sem distinção entre animal
racional e o não racional, entre animais e espécies
vegetais, posto que todos são seres viventes e necessitam
do equilíbrio da biosfera para a preservação da vida.
Nesta esteira de exposição, denota-se que a dignidade
nesse meio se torna ícone primordial, se tratando de
respeito mútuo, como apresenta o artigo 3º, inciso I,
quando tratando de justiça, solidariedade e liberdade,
todos estes remetem a um organismo digno sem distinção
qualquer.
Dignidade dos animais não humanos é uma
releitura da relação dos componentes que mantém a
terra equilibrada biologicamente, associando a filosofia
da interação humana com o mundo natural. Refletindo
um compromisso com a existência da vida na terra,
pautando na situação limite em que a espécie humana
vive. Kant preconiza juridicamente dignidade humana
considerando-a um fundamento imutável quando diz
194
ainda hoje parece estar identificando as bases de uma
fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação
de dignidade da pessoa humana. Até que ponto, contudo,
tal concepção efetivamente poderá ser adotada sem
reservas ou ajustes na atual quadra da evolução social,
econômica e jurídica constitui, sem dúvida, desafio
fascinante138 . É imprescindível valorar o reconhecimento
da dignidade à vida de modo geral, principalmente em
época como a que estamos, onde proteger o meio
ambiente indica lutar favoravelmente preservando
recursos naturais e formas de vida no planeta, ainda
refletir enfaticamente em educação ambiental.
Sarlet139 trouxe entendimento contrário ao
Kantiano em relação à dignidade, com intuito de adaptá-
la aproximando tal pensamento a contemporâneos
valores, visões morais e culturais instigados pela
reformulação de configurações ecologicamente corretas,
descartando um conceito individualista, incidindo aos
animais não-humanos e humanos, bem como sua inter-
relação projetando-o como direito fundamental ao ser
vivo e seu estado. O termo bioética que dizer “bio”
138 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e
Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9
ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 139 Ibid.
195
representa o reconhecimento biológico dos sistemas vivos
e “ética” representa o conhecimento dos valores humanos.
O primeiro ponto da bioética explorado por Van
Rensselaer Potter, pai da bioética, diz que se conhecem
as pessoas pelo seu intelecto. Potter coloca a bioética
como ponte entre a ciência biológica e a ética,
conclamando bioética como “ciência da sobrevivência
humana” (POTTER,1971). A bioética não deve ser
limitada, mas colocada em balizas diversas, vez que esta
sua análise se apresenta desconexa à uma atitude
legalista ou funcionalista. Colocando uma visão mais
profunda que outras disciplinas ao abordar tal assunto,
referindo as ações humanas ao todo no campo da saúde –
bem comum-, a ordem ética substancialmente inserida
na vida. Considerada por Potter uma disciplina
independente, mas inter-relacionada aos indivíduos. A
mudança adotada no comportamento e conscientização
dos indivíduos, educação ambiental, implica a ética, a
política, a economia, a ciência, a cultura, a tecnologia e a
ecologia. Essa visão interdisciplinar enfatiza a
interdependência solidaria, que necessária, direciona
essa recente filosofia aos seres viventes. Um grande
problema da humanidade a ser enfrentado é a visão de
que a dignidade está pautada entre o animal não
196
racional, o meio em que está inserido e o homem, em um
mesmo patamar, assim considerados responsáveis uns
pelos outros. Tal tolerância é um princípio a ser adotado
e segui em direção à solidariedade.
O Estado Democrático de Direito tem o poder-
dever de garantir o bem comum, Estado este formado por
cidadãos, portanto assegurando a liberdade, igualdade-
conquista da Revolução Francesa nos séculos XIX e XX
respectivamente-, procurando desenvolver a fraternidade
– solidariedade no século XXI- direito de terceira
dimensão-. A relação do homem com o meio ambiente se
torna irrenunciável, e menosprezar a responsabilidade
excluiria uma forma de justiça, que é inerente a ética
responsável. Esta disciplina insere certa sensibilidade
moral a comunidade liderada pela simples capacidade de
sentir, tocando a consciência, principalmente ambiental
assegurada jurisprudencialmente pelo magistrado
Candido Alfredo Silva Leal Júnior que amparou, no Rio
Grande do Sul, os animais com a proibição de caça
amadora por meio de sentença. Esta ação projetou
valores culturais nesse meio social de forma que
respeitasse a dignidade animal afirmando a
fraternidade.
197
6 CONCLUSÃO
Diante das ponderações apresentadas, ao
reconhecer que cada ser racional é detentor da
autonomia, vide artigo 5º, que propõe limitações nas
investigações de cunho científico, para que além dos
benefícios a serem alcançados nenhum direito seja
violado, suprindo expectativas de vida e promovendo
amplamente o respeito efetivo dos direitos individuais.
Cuida explicitar que o vocábulo dignidade, na conjuntura
contemporânea, passou a ser dotado de substancial
fluidez, não estando mais limitado apenas ao gênero
humano. Em que pese sua gênese estar intimamente
associada ao reconhecimento do ser humano,
independente de seus aspectos caracterizadores (etnia,
condição social, condição sexual, gênero), como ser dotado
de dignidade, em decorrência do fato de ser um
indivíduo, na contemporaneidade, sobretudo a partir dos
debates éticos inaugurados pela Bioética, é estabelecida
uma nova ótica acerca da dignidade. Neste cenário, a
concepção trazida à baila no presente busca refletir sobre
a extensão do conceito de dignidade aos animais,
pautando-se em uma perspectiva alargada sobre a
solidariedade entre espécies animais distintas,
198
Nessa linha de exposição, como explicita a
Declaração de Bioética e Direitos a proteção e a
dignidade do homem é requerida e incitada pela
declaração, a proteção ao meio ambiente, igualmente,
não pode ser deixada à parte, como afirma o artigo 17º,
ao relatar de forma importantíssima a preocupação com
a biosfera e a biodiversidade, interação destas com o
homo sapiens contemporâneo com outras formas de vida.
Supera-se, portanto, a tradicional visão que reconhece o
ser humano como centro de todos os debates, erigindo,
em seu lugar, uma concepção biocêntrica/ecocêntrica que
concede especial destaque ao meio ambiente, no qual
cada espécie é dotada de proeminente relevância, agindo
como catalisador para a manutenção do delicado
equilíbrio entre as demais espécies. Mais que isso, o ser
humano é deslocado da sua condição de protagonismo
para figurar como mais um elemento. Salta aos olhos,
portanto, que o fortalecimento do discurso entre a
solidariedade entre as espécies, em especial os animais,
materializa a reformulação de uma barreira tradicional,
passando a conferir dignidade àqueles que sempre
detiveram statu de coisa.
199
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Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da
Constituição Federal, estabelece normas de segurança e
mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados – OGM e seus
derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança –
CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política
Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974,
200
de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9,
de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16
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o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de
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203
SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES NATURAIS?
O ALARGAMENTO DA MOLDURA AXIOLÓGICA
DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE AMBIENTAL
Resumo: O objetivo do presente está alicerçado
na análise do princípio da solidariedade,
expressamente positivado no Texto
Constitucional, em uma acepção alargada,
voltada, não apenas para o gênero humano, para
as demais espécies (animais e vegetais)
existentes. Como desdobramento da projeção
normativa do corolário da solidariedade, na órbita
ecológica, há que se estruturar uma solidariedade
entre todas as espécies vivas, na forma de uma
comunidade entre a terra, as plantas, os animais
e os seres humanos, visto que a ameaça ecológica
coloca em risco todas as espécies existentes no
planeta, afetando por igual a todos e ao todo.
Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as
espécies naturais é despertada, sobremaneira, em
decorrência das ameaças à vida desencadeadas
pelo desenvolvimento civilizatório fazerem com
que o ser humano se reconheça como um ser
204
natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação
de ameaça existencial. A ameaça de contaminação
propicia que o ser humano perceba que o seu
corpo integra parte das “coisas naturais” e que,
em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência
leva o ser humano a reconhecer, forçosamente,
uma comunidade natural, diante da qual o
estabelecimento de um vínculo de solidariedade e
respeito mútuo como pressuposto para a
permanência existencial das espécies naturais,
abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Palavras-chaves: Meio Ambiente. Princípio da
Solidariedade. Espécies Naturais. Interpretação
Axiológica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica do Direito Ambiental;
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3
A Solidariedade Intergeracional no Direito
Ambiental: O Fortalecimento dos Ideários de
Fraternidade nos Direitos de Terceira
Dimensão; 4 Solidariedade entre Espécies
Naturais? O Alargamento da Moldura Axiológica
do Princípio da Solidariedade Ambiental
205
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
206
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,
está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação
de interdependência que esse binômio mantém”140.
Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma
interação consolidada na mútua dependência, já que o
primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo
de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados
de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
140 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 21 jan.
2015.
207
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”141. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 21 jan. 2015.
208
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”142. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
142 VERDAN, 2009, s.p.
209
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a
desvendar as peculiaridades ambientais, que, por
estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até
então era marginalizadas”143. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
143 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 21 jan. 2015.
210
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade144·.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária” 145.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
144 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 145 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jan. 2015.
211
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando, com bastante pertinência, destaca que:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível146.
146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
212
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”147. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jan. 2015. 147 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
213
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981148,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
148 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jan. 2015.
214
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-
ambiente como “a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”149.
Nesta senda, ainda, Fiorillo150, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
149 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 150 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
215
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal151.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
151 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jan. 2015.
216
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”152.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal153 está abalizado em quatro
pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,
dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura
o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
152 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 153 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jan. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
217
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,
destacou, com bastante pertinência, que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade154.
154 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
218
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jan. 2015.
219
estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
220
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
221
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NO
DIREITO AMBIENTAL: O FORTALECIMENTO
DOS IDEÁRIOS DE FRATERNIDADE NOS
DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO
Em sede de comentários introdutórios, ao
volver um olhar analítico para o tema colocado em
debate, forçoso é reconhecer que o corolário da
solidariedade intergeracional apresenta-se como reflexo
de direitos de terceira dimensão, denominados direitos
de solidariedade ou fraternidade. Com destaque, os
direitos encampados pela denominação ora expendida
encontra como alicerce de sustentação o ideário de
fraternidade e tem como exemplos o direito ao meio
ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a
proteção e defesa do consumidor, além de outros
direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo
222
teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século
XX enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo”155 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente. Ainda nesta esteira, é possível
verificar que a construção dos direitos encampados sob a
rubrica de terceira dimensão tende a identificar a
existência de valores concernentes a uma determinada
categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade,
não mais prosperando a típica fragmentação individual
de seus componentes de maneira isolada, tal como
ocorria em momento pretérito. Com efeito, está-se
diante de valores transindividuais, eis que os direitos
abarcados pela dimensão em comento não estão
restritos a determinados indivíduos; ao reverso,
incBRASIL sobre a coletividade. Ao lado disso, os
direitos de terceira dimensão são considerados como
difusos, porquanto não têm titular individual, sendo que
o liame entre os seus vários titulares decorre de mera
circunstância factual.
Nesta feita, importa acrescentar que os
direitos de terceira dimensão possuem caráter
155 BONAVIDES, 2007, p. 569.
223
transindividual, o que os faz abranger a toda a
coletividade, sem quaisquer restrições a grupos
específicos. Ora, o ideário de solidariedade alberga
justamente um sucedâneo de direitos que contemplam a
coletividade enquanto unidade, não se atendendo a
característicos diferenciadores ou mesmo
particularidades segregadoras. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderações, que “os direitos de terceira geração
possuem natureza essencialmente transindividual,
porquanto não possuem destinatários especificados,
como os de primeira e segunda geração, abrangendo a
coletividade como um todo”156. Desta feita, são direitos
de titularidade difusa ou coletiva, alcançando
destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil
determinação. Nesta esteira de exposição, os direitos em
comento estão vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as gerações presentes às
futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se
que o caráter difuso de tais direitos permite a
156 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
224
abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a
valorização destes é de extrema relevância. “Têm
primeiro por destinatários o gênero humano mesmo,
num momento expressivo de sua afirmação como valor
supremo em termos de existencialidade concreta”157. A
respeito do assunto, com bastante pertinência, Motta e
Barchet158, em seu magistério, ensinam que os direitos
de terceira dimensão surgiram como “soluções” à
degradação das liberdades, à deterioração dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica
vigente entre as diferentes nações.
Tecidos estes comentários, ao esmiuçar o
corolário da solidariedade intergeracional, também
denominado de princípio da equidade ou princípio do
acesso equitativo dos recursos naturais, salta aos olhos
sua íntima relação com a temática dos espaços
protegidos, eis que configura um dos baldrames robustos
157 BONAVIDES, 2007, p. 569. 158 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. “Duas são as origens básicas
desses direitos: a degradação das liberdades ou a deterioração dos
demais direitos fundamentais em virtude do uso nocivo das
modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e econômica
existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o
reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a
humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há
como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções
também globais. Tais “soluções” são os direitos de terceira geração”.
225
para a sua estruturação. Afora isso, é possível verificar a
materialização do dogma em comento no caput do
artigo 225 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988159. Assim, a atual geração, ao instituir
os espaços protegidos, furta-se à sua utilização normal
(aqui considerada aquela utilização encontradiça fora
desses espaços) para garantir as presentes gerações e,
sobretudo, às futuras, o equilíbrio do meio ambiente,
mediante a manutenção da biodiversidade. Logo, a
adoção do termo “solidariedade intergeracional” busca,
justamente, destacar esse elo de responsabilidade da
atual geração pela existência das futuras. Neste sentido,
é possível trazer à colação o paradigmático entendimento
jurisprudencial construído, no qual acena, com clareza
solar, que:
Ementa: Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental: Adequação.
Observância do princípio da
subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da
Constituição da República.
Constitucionalidade de atos normativos
159 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jan. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
226
proibitivos da importação de pneus usados.
Reciclagem de pneus usados: ausência de
eliminação total de seus efeitos nocivos à
saúde e ao meio ambiente equilibrado.
Afronta aos princípios constitucionais da
saúde e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Coisa julgada com conteúdo
executado ou exaurido: impossibilidade de
alteração. Decisões judiciais com conteúdo
indeterminado no tempo: proibição de novos
efeitos a partir do julgamento. Arguição
julgada parcialmente procedente. 1.
Adequação da arguição pela correta
indicação de preceitos fundamentais
atingidos, a saber, o direito à saúde, direito
ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição
Brasileira) e a busca de desenvolvimento
econômico sustentável: princípios
constitucionais da livre iniciativa e da
liberdade de comércio interpretados e
aplicados em harmonia com o do
desenvolvimento social saudável.
Multiplicidade de ações judiciais, nos
diversos graus de jurisdição, nas quais se
têm interpretações e decisões divergentes
sobre a matéria: situação de insegurança
jurídica acrescida da ausência de outro meio
processual hábil para solucionar a polêmica
pendente: observância do princípio da
subsidiariedade. Cabimento da presente
ação. [...] 4. Princípios constitucionais (art.
225) a) do desenvolvimento sustentável e b)
da equidade e responsabilidade
intergeracional. Meio ambiente
ecologicamente equilibrado: preservação
para a geração atual e para as gerações
futuras. Desenvolvimento sustentável:
crescimento econômico com garantia
paralela e superiormente respeitada da
saúde da população, cujos direitos devem
ser observados em face das necessidades
atuais e daquelas previsíveis e a serem
227
prevenidas para garantia e respeito às
gerações futuras. Atendimento ao princípio
da precaução, acolhido constitucionalmente,
harmonizado com os demais princípios da
ordem social e econômica [...] (Supremo
Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADPF
nº 101/ Relatora: Ministra Cármen Lúcia/
Julgado em 24.06.2009/ Publicado no DJe
em 01.06.2012).
Observar-se-á a existência de duas espécies de
solidariedade intergeracional, tais sejam: uma pautada
na atual geração, denominada, em razão disso, de
sincrônica; e, outra voltada para as futuras gerações,
chamada anacrônica. Com destaque, assinalar faz-se
imprescindível, consoante entendimento explicitado por
Andréia Minussi Facin160, que é possível enumerar três
formas distintas de acesso a bens materiais, quais
sejam: acesso visando o consumo do bem, tal como ocorre
com a captação de água e instrumentos predatórios de
caça e pesca; acesso causando poluição ao meio ambiente,
a exemplo do que se denota no acesso à água ou ao ar,
lançando, para tanto, poluentes ou emitindo poluição
sonora; e, acesso ao meio ambiente para a contemplação
de seus elementos e paisagem. Verifica-se, deste modo, a
160 FACIN, Andréia Minussi. Meio-ambiente e direitos humanos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 01 nov. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3463>. Acesso em 21
jan. 2015.
228
existência do meio ecologicamente equilibrado não se
traduz somente na preservação para a geração atual,
mas, também, para as gerações futuras. Logo, se o
pavilhão desfraldado tremula em direção ao
desenvolvimento sustentável, patente faz-se que a
concepção albergue o crescimento econômico como
garantia paralela e superiormente respeitada da saúde
da população, cujo acervo de direito devem ser
observados, tendo-se em vista não apenas as
necessidades atuais, contudo, também, as que são
passíveis de prevenção para as gerações futuras. Neste
sedimento de exposição, cuida apontar, com ênfase, que
está diretamente vinculado ao corolário em comento o
preceito da precaução, já que a necessidade de
afastamento de perigo, tal como a adoção de
instrumentos que busquem a promoção da segurança dos
procedimentos adotado para a garantia das gerações
futuras, efetivando-se apenas por meio da
sustentabilidade ambiental das nações humanas.
Denota-se, destarte, que o princípio em
comento torna efetiva a busca incansável pela proteção
da existência humana, seja tanto pela proteção do meio
ambiente como pela estruturação de condições que
salvaguardem a saúde e a integridade física,
229
considerando-se o indivíduo em sua inteireza. Gize-se
que tal fato decorre da nova visão reinante, na qual há
que se adotar, como política pública, o que se faz
imprescindível para antecipar os riscos de danos que
sejam passíveis de materialização em relação ao meio
ambiente, tanto quanto o impacto que as ações ou as
omissões possam produzir. Ora, o artigo 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil de
1988161., ao estabelecer o ônus em relação à coletividade
e ao Poder Público, na condição de dever, de defender e
preservar o meio ambiente para as presentes e futuras
gerações, inaugura um dever geral arrimado na
prevenção de riscos ambientais, no patamar de um
ordem normativa objetiva de antecipação de futuros
danos ambientais, os quais encontram como
sustentáculos os dogmas da prevenção, quando tratar de
riscos concretos, e da precaução, quando estiver diante
de riscos abstratos.
No mais, cuida colocar em destaque que a
reserva dos bens ambientais, com a sua não utilização
161 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jan. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
230
atual, passaria a ser equitativa se fosse demonstrado que
ela ocorrera com o escopo de evitar o esgotamento dos
recursos, com a guarda desses bens para as futuras
gerações. Neste passo, ao se considerar a densidade da
moldura de fraternidade e solidariedade que reveste o
acesso ao meio ambiente, em especial devido ao status de
elemento que assegura o alcance da dignidade da pessoa
humana, considerando o indivíduo em todas as suas
potencialidades e complexidades, não é possível suprimir
que a manutenção da preservação dos bens ambientais
refoge ao ideário ingênuo de meio ambiente intocável,
mas sim lhe confere à contemporaneidade ao tema. “A
equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser
enfocada não só com relação à localização especial dos
usuários atuais, como em relação aos usuários
potenciais das gerações vindouras”162.
Com efeito, um posicionamento equânime não
é fácil de ser construído, vindicando considerações
dotadas de ordem ética, científica e econômica das
gerações atuais e uma avaliação prospectiva das
necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem
conhecidas e medidas no presente. Neste aspecto, é
162 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Editores Malheiros, 2013, p. 92.
231
possível colocar em destaque que o aspecto
intergeracional que tende a caracterizar o discurso de
proteção e preservação ambiental ambiciona conferir
concreção ao ideário de solidariedade que caracteriza o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
enquanto direito de terceira dimensão. Supera-se, com
efeito, a essência de individualidade que caracterizou os
direitos humanos, adotados uma ótica na qual a
preocupação com o semelhante, mesmo em se tratando
de uma geração futura, é dotada de grande
proeminência, analisando-se a coletividade na condição
de unidade, na qual cada um dos indivíduos é dotado de
relevância e substancial atenção. Tal fato decorre,
notadamente, do superprincípio da dignidade da pessoa
humana, o qual só alcança sua materialização por meio
da conjunção de inúmeros, porém carecidos, direitos, os
quais, em um fim último, proporcionam a realização de
todas as complexidades encerradas no ser humano.
Ademais, um aspecto característico
proeminente da sociedade contemporânea está
assentado na sua paradoxal capacidade de controlar e
produzir indeterminações. Entrementes, a forma como
esse dever será atendido constitui tarefa inafastável dos
órgãos estatais, os quais dispõem de ampla liberdade de
232
conformação, atentando-se para os limites
constitucionais consagrados. Com efeito, as mencionadas
determinações constitucionais objetivam evitar riscos,
encontrando assento, para tanto, no próprio Texto
Constitucional, o que autoriza o Estado a atuar de modo
a evitar riscos para o cidadão em geral, por meio da
adoção de medidas de proteção ou de prevenção da saúde
e do meio ambiente, notadamente em relação ao
desenvolvimento técnico ou tecnológico e suas
consequências para as presentes e futuras gerações. No
controle judicial de políticas públicas do meio ambiente,
a atuação do Poder Judiciário deve buscar a garantia,
inclusive, o mínimo existencial ecológico dos indivíduos
atingidos diretamente e indiretamente em seu
patrimônio de natureza material e imaterial, neste
sentido, visando garantir a inviolabilidade do direito
fundamental à sadia qualidade de vida, bem assim a
defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, em busca do desenvolvimento sustentável
para as presentes e futuras gerações.
4 SOLIDARIEDADE ENTRE ESPÉCIES
NATURAIS? O ALARGAMENTO DA MOLDURA
AXIOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA
233
SOLIDARIEDADE AMBIENTAL
Como desdobramento da projeção normativa do
corolário da solidariedade, na órbita ecológica, há que se
estruturar uma solidariedade entre todas as espécies
vivas, na forma de uma comunidade entre a terra, as
plantas, os animais e os seres humanos, visto que a
ameaça ecológica coloca em risco todas as espécies
existentes no planeta, afetando por igual a todos e ao
todo. Neste diapasão, a necessidade de despertar uma
consciência pautada na solidariedade entre as espécies
naturais é despertada, sobremaneira, em decorrência
das ameaças à vida desencadeadas pelo desenvolvimento
civilizatório fazerem com que o ser humano se reconheça
como um ser natural integrante de um todo ameaçado e,
concomitantemente, responsável por tal situação de
ameaça existencial. Segundo Sarlet e Fensterseifer163, a
ameaça de contaminação propicia que o ser humano
perceba que o seu corpo integra parte das “coisas
naturais” e que, em razão disso, está sujeito à ameaça
supramencionada. A construção de tal consciência leva o
ser humano a reconhecer, forçosamente, uma
163 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios
do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 77.
234
comunidade natural, diante da qual o estabelecimento de
um vínculo de solidariedade e respeito mútuo como
pressuposto para a permanência existencial das espécies
naturais, abarcando-se em tal concepção o ser humano.
Em uma perspectiva jurídica, a vedação das
políticas cruéis contra os animais (não humanos)
encontra repouso no Texto Constitucional, reforçando,
portanto, o ideário axiológico de solidariedade entre as
espécies naturais. Mais que isso, ao analisar o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, salta
aos olhos a concreção do dogma em comento, em especial
quando a ementa consagra que “a promoção de briga de
galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada
na legislação ambiental, configura conduta atentatória à
Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade”164. Ora, há que se
164 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação Direta de
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98) -
Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei nº 9.605/98,
art. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
235
reconhecer que essa especial tutela, que tem por
fundamento legitimador a autoridade da Constituição da
República, é motivada pela necessidade de impedir a
ocorrência de situações de risco que ameacem ou que
façam periclitar todas as formas de vida, não só a do
gênero humano, mas, também, a própria vida animal,
cuja integridade restaria comprometida, não fora a
vedação constitucional, por práticas aviltantes,
perversas e violentas contra os seres irracionais. “A ideia
de „solidariedade entre espécies naturais‟, portanto,
também pode transportar o reconhecimento do valor
intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem
como o respeito à reciprocidade indispensável ao convívio
harmonioso” 165, estendido a todos os seres vivos. Salta
aos olhos, desta feita, que o princípio da solidariedade,
cuja incidência deve ser maximizada em diversos
âmbitos, inclusive na seara ambiental, passa a ser
desfraldado como pilar sustentador das relações
contemporâneas, em sua senda civilizatória,
considerando todas as suas dimensões, a saber:
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei estadual impugnada - Ação Direta
Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso
de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Publicado no DJe em 13 out.
2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jan. 2014. 165 SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 77.
236
intergeracional, intrageracional e interespécies.
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