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Anais do XI Encontro do Grupo de Pesquisa Educação, Artes e Inclusão – 22, 23 e 24 de junho de 2015 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566 152 CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIA E A IMPLEMENTAÇÃO DATECNOLOGIA ASSISTIVA NAS ESCOLAS Geisa Letícia kempfer Bock, UDESC Susana Medeiros Vieira, UDESC RESUMO: Este artigo tem como objetivo abordar sobre a possibilidade que crianças e jovens com deficiência possuem para interagir com os demais estudantes no contexto escolar, numa relação que ultrapassa os limites da perspectiva médica e curativa, adentrando as concepções do modelo social para a construção de conhecimentos a partir do uso de recursos, estratégias e metodologias de Tecnologia Assistiva (TA). Tal estudo parte da relação entre a pessoa com deficiência e a TA, contrapondo a questão do uso de tais artefatos enquanto mecanismo de reabilitação. Apresentam-se, brevemente, dados e informações sobre a situação das pessoas com deficiência, no Brasil, fazendo uma análise sobre a necessidade de mudança de compreensão, por parte da sociedade, do que é inclusão e do modo de se fazer a docência num contexto inclusivo ultrapassando os limites da estigmatização das pessoas com deficiência. Palavras-chave: Tecnologias Assistivas, Educação, Desenho Universal, Inclusão. ABSTRACT This article takes as its objective approach the possibility about that children and young people with disabilities have to interact with the others students in the school context, in a relationship which goes beyond the medical perspective and curative, moving into the conceptions of the social model for the construction of knowledge from the use of resources, strategies and methodologies of Assistive Technology (AT). That study of the relation between the disabled person and the AT, opposing the question of using such artifacts as rehabilitation mechanism. It is presented, briefly, data and information of the situation of people with disabilities in Brazil, making an analysis of the need for change the way of comprehension, from part of the society, of what is inclusion and the way to do teaching in an inclusive context surpassing the limits of stigmatization of people with disabilities. Key-words: Assistive Technology, education, Universal Design, inclusion Introdução O Censo Populacional de 2010 mostra que existem, no Brasil, cerca de 45,6 milhões de pessoas com deficiência, cerca de 24% da população total. Cada uma

CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIA E A IMPLEMENTAÇÃO ... · ASSISTIVA NAS ESCOLAS Geisa Letícia kempfer Bock, ... com deficiência prejudicam o bom andamento das aulas, ... O ministério

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Anais do XI Encontro do Grupo de Pesquisa Educação, Artes e Inclusão – 22, 23 e 24 de junho de 2015 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566

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CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIA E A IMPLEMENTAÇÃO DATECNOLOGIA ASSISTIVA NAS ESCOLAS

Geisa Letícia kempfer Bock, UDESC

Susana Medeiros Vieira, UDESC RESUMO: Este artigo tem como objetivo abordar sobre a possibilidade que crianças e jovens com deficiência possuem para interagir com os demais estudantes no contexto escolar, numa relação que ultrapassa os limites da perspectiva médica e curativa, adentrando as concepções do modelo social para a construção de conhecimentos a partir do uso de recursos, estratégias e metodologias de Tecnologia Assistiva (TA). Tal estudo parte da relação entre a pessoa com deficiência e a TA, contrapondo a questão do uso de tais artefatos enquanto mecanismo de reabilitação. Apresentam-se, brevemente, dados e informações sobre a situação das pessoas com deficiência, no Brasil, fazendo uma análise sobre a necessidade de mudança de compreensão, por parte da sociedade, do que é inclusão e do modo de se fazer a docência num contexto inclusivo ultrapassando os limites da estigmatização das pessoas com deficiência. Palavras-chave: Tecnologias Assistivas, Educação, Desenho Universal, Inclusão. ABSTRACT This article takes as its objective approach the possibility about that children and young people with disabilities have to interact with the others students in the school context, in a relationship which goes beyond the medical perspective and curative, moving into the conceptions of the social model for the construction of knowledge from the use of resources, strategies and methodologies of Assistive Technology (AT). That study of the relation between the disabled person and the AT, opposing the question of using such artifacts as rehabilitation mechanism. It is presented, briefly, data and information of the situation of people with disabilities in Brazil, making an analysis of the need for change the way of comprehension, from part of the society, of what is inclusion and the way to do teaching in an inclusive context surpassing the limits of stigmatization of people with disabilities. Key-words: Assistive Technology, education, Universal Design, inclusion Introdução

O Censo Populacional de 2010 mostra que existem, no Brasil, cerca de 45,6

milhões de pessoas com deficiência, cerca de 24% da população total. Cada uma

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dessas pessoas possui alguma condição de deficiência, dentre elas: visual, auditiva,

motora (e física) e mental (intelectual). Dentre as pessoas com deficiência, 78%

apresentam deficiência visual, 21% deficiência auditiva, 29% deficiência motora ou

física e 5% deficiência mental/ intelectual. Em 2000 o total de pessoas com

deficiência era de 14,5% (ANDRÉS, 2014), ou seja, em dez anos, este contingente

populacional cresceu aproximadamente 10%. Tais dados são significativos para

esboçar a realidade e demonstrar que a proporção de pessoas com deficiência é

crescente no Brasil e, ainda, poucas são as políticas públicas e/ou seu entendimento

em prol da inclusão educacional.

No ano de 2015, o Plenário do Senado aprovou a Lei de Inclusão da Pessoa

com Deficiência (PLS 6/2003), que estava há 12 anos tramitando no Congresso

Nacional. Durante esses 12 anos as discussões poderiam ter ido muito além, pois

prevê uma série de direitos referentes a inclusão por meio de garantias básicas de

acesso. O texto da Lei apresenta o entendimento de pessoa com deficiência como

sendo “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza físico, mental,

intelectual ou sensorial, que podem obstruir a sua participação plena e efetiva na

sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Agência Senado,

2015). No entanto, é preciso compreender que a Política de Educação Inclusiva

causou certo impacto na educação, uma vez que aumentou o número de matrículas

de crianças com deficiência na escola regular; aumentou o repasse de recursos do

FUNDEB para a qualificação dos espaços educativos e, ainda proporcionou maior

acesso a escolarização de crianças com deficiência num espaço comum as demais

crianças, ou seja, estas pessoas não frequentam mais espaços segregados e, com

isso, começaram a aparecer no espaço público (nas escolas), deixando assim de

serem invisíveis.

O momento, portanto, que se vive é de pensar a inclusão diferenciando-a da

Integração e das propostas de uso da Tecnologia Assistiva como “cura” para as

deficiências, deslocando para o uso de ampliação de possibilidade para acessar o

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conhecimento numa perspectiva mais universalizada. Embora existam algumas leis,

no país, estas ainda são em sua maioria utilizadas de forma burocrática, não

conseguem alcançar a dimensão das concepções, com isso percebe-se que

perpetuam entendimentos equivocados e descrédito acerca do potencial dos

estudantes com deficiência, assim como na velha educação especial, ou seja, um

corpo para ser reabilitado ao invés do entendimento das variações na forma de ser e

estar neste mundo. Este não é apenas um dado de pesquisa, mas sim aquilo que é

sentido e percebido no dia-a-dia de cada uma das pessoas que não estão com

equidade de oportunidades no cotidiano social.

A deficiência e os modelos médico e social

A concepção de deficiência modificou-se ao longo dos anos, percebe-se isso

de maneira evidente a partir das tensões e contradições entre o modelo médico e o

modelo social, e isso deu-se para além dos conceitos verificando-se nas formas de

tratamento e oportunidades a que estas pessoas foram submetidas.

A deficiência sob o ponto de vista do modelo médico é tratada como um fato

individual, ou restritivo na privacidade da família ou ainda, um caso médico isolado

que necessita ser tratado, curado ou resolvido. É quase como uma doença, um

problema que algumas pessoas adquirem e que as torna um “estorvo” para a

sociedade, pois a partir dessa concepção as pessoas com deficiência são tidas

como limitadas, tem sua capacidade de produção reduzida e não podem gerar lucro.

No modelo médico compreende-se que nas escolas do ensino regular, as crianças

com deficiência prejudicam o bom andamento das aulas, interferindo na eficácia do

trabalho do professor e no desempenho dos demais estudantes e que para tentar

minimizar tal situação é necessário considerar e efetivar programas de reabilitação

ou campanhas de prevenção de deficiências; ou seja, é necessário reabilitar o corpo,

tratar a doença, ou ainda, suprir a falta para poder estar nos mesmos espaços que

as demais pessoas. (MANUAL DA MÍDIA LEGAL 3, 2004).

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No contraponto tem-se o modelo social, nesta perspectiva compreende-se a

deficiência como uma das características que transversaliza a identidade de cada

sujeito, assim como gênero, classe social, renda, etc. Com isso a deficiência passa a

ser entendida como um conceito relacional. Na Convenção sobre os Direitos da

Pessoa com Deficiência temos a compreensão de deficiência como um conceito em

evolução e esta é resultado “da interação entre pessoas com deficiência e as

barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva

participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as

demais pessoas”. (DECRETO 6949/2009).

Neste sentido podemos inferir que

É deficiência toda e qualquer forma de desvantagem resultante da relação do corpo com lesões e a sociedade. Lesão, por sua vez, engloba doenças crônicas, desvios ou traumas que, na relação com o meio ambiente, implica em restrições de habilidades consideradas comuns às pessoas com mesma idade e sexo em cada sociedade. (DINIZ, 2003 p.01)

A deficiência, para além da lesão (natureza) é uma experiência cultural e

social e, dependendo da situação de vivência com maiores ou menores barreiras é

que teremos a real situação de desvantagem ou de equidade de oportunidade.

Ainda, a partir do modelo social a deficiência passa a ser um tema do interesse de

todos, universal e público e deve tratar sobre a perspectiva dos direitos humanos e

do desenvolvimento de uma cultura realmente inclusiva.

As questões que circundam a temática da deficiência devem ser evidenciadas

para avaliar os impactos sociais de programas que visam garantir a educação

básica, níveis razoáveis de empregabilidade da população e a redução da pobreza.

É uma forma da sociedade aprender a lidar com as diferenças e com os problemas

enfrentados pela população de risco e, passar a pensar em políticas inclusivas que

deem acesso a bens e serviços. Além disso, a perspectiva social considera a pessoa

com deficiência como aquela que é capaz de conquistar autonomia e participar

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ativamente das decisões sociais, políticas e econômicas da sociedade, é preciso

empoderamento.

Segundo Diniz (2007), o modelo social compreende a deficiência a partir da

realidade social que vivencia, principalmente as barreiras existentes e, desta forma,

posiciona a deficiência num contexto de diversidade humana, extraindo de seu

conceito a ideologia de exceção, de “tragédia humana” fortalecido pelo modelo

médico.

Para o modelo social a deficiência não é somente um problema médico, mas

é também uma questão relacionada aos fatores econômicos, sociais, de direitos

humanos e culturais. A pessoa com deficiência é um ser humano assim como

qualquer outro, é um cidadão que pode fazer tudo aquilo que todas as pessoas

fazem: viver, trabalhar, se divertir. É um sujeito de ação e de direito que tem um

estilo, um modo de vida diferente dos padrões estabelecidos pelo sistema capitalista

assim como afirma Diniz:

É um fenômeno recente compreender a deficiência como um estilo de vida particular. Mas, diferentemente de outros modos de vida, a deficiência reclama o "direito de estar no mundo". E o maior desafio para a concretização desse direito é o fato de que se conhece pouco sobre a deficiência. (DINIZ, 2007p.77)

Devido as concepções de deficiência do modelo médico, durante anos as

pessoas com deficiência ficaram confinadas dentro de residências ou espaços

privados. Este processo histórico de opressão, exclusão e desprezo vivenciados

pelas pessoas com deficiência construiu no inconsciente coletivo o conceito de ser

incapaz de participar da vida social, sendo necessário reabilitá-la.

A reabilitação segundo a concepção médica é um conjunto de medidas para

auxiliar os indivíduos que enfrentam ou podem enfrentar deficiência, visando

alcançar e manter um nível ótimo de funcionalidade em interação com seu ambiente.

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E, deve considerar as necessidades e capacidades dos indivíduos, além de utilizar a

TA para eliminar as desvantagens vivenciadas no cotidiano, contribuindo para que a

pessoa mantenha certo grau de funcionalidade para interagir com os outros e com o

ambiente, e assim tornar as pessoas capazes de participar da vida educacional,

social e do mercado de trabalho (WORD HEALTH ORGANIZATION, 2012).

A deficiência não deve ser vista a partir da falta, pois diferentes são as formas

de se relacionar e construir o conhecimento, e qualquer pessoa, com ou sem

deficiência, em algum momento da vida poderão ou não ser dependente de alguém,

de algum cuidado ou de uma TA.

A Tecnologia Assistiva e o Desenho Universal A TA é considerada como “qualquer item, parte de equipamento, ou produto,

adquirido no comércio ou adaptado ou modificado, usado para aumentar, manter ou

melhorar a capacidade funcional de pessoas com deficiência” (RELATÓRIO

MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA, 2012, p.105). Elas são ferramentas que

funcionam como um acessório que quanto mais adequado ao sujeito e o seu

ambiente, maior é a sua eficiência para aumentar a autonomia e a participação das

pessoas nas ações coletivas e públicas.

O ministério da Ciência e Tecnologia (2005) define TA como aquelas “que

reduzem ou eliminam as limitações decorrentes das deficiências física, mental,

visual e/ou auditiva, a fim de colaborar para a inclusão social das pessoas

portadoras de deficiência e dos idosos”. Bersch (2013), apresenta algumas

categorias de TA, que atendem as diversas necessidades das pessoas com

deficiência, são elas :

- Auxílios para a vida diária e vida prática: talheres modificadas, roupas

projetadas para auxiliar o vestir, barras de apoio, engrossadores de lápis,

pulseira de imã estabilizadora para a mão.

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- Comunicação aumentativa e alternativa: prancha de comunicação impressa,

vocalizadores de mensagens gravadas.

- Recursos de acessibilidade ao computador: softwares leitores de tela,

software para ajustes de cores e tamanhos das informações (efeito lupa), os

softwares leitores de texto impresso (OCR), impressoras braile e linha braile,

impressão em relevo.

- Sistemas de controle de ambiente: que podem ser de pressão, de tração, de

sopro, de piscar de olhos, por comando de voz.

- Projetos arquitetônicos para acessibilidade: que garantem acesso,

funcionalidade e mobilidade a todas as pessoas, independente de sua

condição física e sensorial (rampas, elevadores, mobiliário).

- Órteses e próteses: Próteses de membros superiores e órtese de membro

inferior.

- Adequação postural: Recursos que auxiliam e estabilizam a postura deitada e

de pé (inclui almofadas no leito ou estabilizadores ortostáticos)

- Auxílios de mobilidade: bengalas, muletas, andadores, carrinhos, cadeiras de

rodas manuais ou elétricas, scooters e qualquer outro veículo, equipamento

ou estratégia.

- Auxílios para cegos ou para pessoas com visão subnormal: Auxílios ópticos,

lentes, lupas manuais e lupas eletrônicas; os softwares ampliadores de tela.

Material gráfico com texturas e relevos, mapas e gráficos táteis, software

OCR em celulares para identificação de texto informativo.

- Auxílios para surdos ou com déficit auditivo: Aparelho auditivo; celular com

mensagens escritas e chamadas por vibração, aplicativo que traduz em língua

de sinais mensagens de texto, voz e texto fotografado.

- Adaptações em veículos: Adequações no automóvel para dirigir somente com

as mãos e elevador para cadeiras de rodas.

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Pode-se observar pelo descrito que a TA ainda é entendida com base no

modelo médico, pois se evidenciam na prática como estratégias e recursos de uma

maneira curativa e de reabilitação dos sujeitos. Elas fazem parte de uma gama de

produtos que são desenvolvidos exclusivamente para as pessoas com deficiência,

excluindo do uso as outras pessoas, pois tais tecnologias não costumam ser

pensadas com base no Desenho Universal e seus princípios.

O Design Universal estabelece princípios que orientam o planejamento de

produtos que possam atender a maior gama de usuários possível, considerando

características antropométricas, biomecânicas e sensoriais. Além disso, os produtos

desenvolvidos com base no desenho universal devem evitar ser direcionados

exclusivamente para atender necessidades específicas de grupos com ou sem

deficiência ou restrições, pois é o produto que deve se adaptar aos várias formas e

modos de viva e não o sujeito se adaptar aos objetos e tecnologias.

Os produtos e a TA devem abranger uma gama significativa de capacidades

ou habilidades sem desconsiderar as diferenças culturais, sociais e econômicas. É

necessário compreender que eles devem servir para todos os sujeitos não por uma

questão de tendência, mas por que é fundamental para a sociedade ter uma postura

de inclusão que compreenda a diversidade humana.

Os sete princípios do Design Universal colaboram não só para o

desenvolvimento e confecção de produtos, mas também, para que se compreendam

quais são os elementos mais relevantes quando se trata de avaliar o quanto um

artefato ou tecnologia é acessível, com isso passam a contribuir para quebrar com

as características de exclusão ainda permanentes nos produtos e recursos da TA,

que os tornam elementos curativos e não integradores/inclusivos. A seguir,

apresentam-se os princípios do Design Universal e suas principais características

(CUD, 2002):

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Princípio 01 – Uso eqüitativo: O artefato não pode estigmatizar ou colocar em

desvantagem nenhum grupo de usuários;

Princípio 02 – Flexibilidade de uso: O artefato acomoda a mais ampla série de

preferências e habilidades individuais;

Princípio 03 – Simples, de uso intuitivo: O artefato é facilmente compreendido

para o uso, respeita a experiência dos usuários, conhecimento, idioma ou atual nível

de concentração;

Princípio 04 – Informação perceptiva: O artefato comunica necessariamente

informações efetivas aos usuários, com respeito às condições do ambiente ou às

suas habilidades sensoriais;

Princípio 05 – Tolerância ao erro: O artefato minimiza o perigo e as

conseqüências adversas de uma ação acidental ou sem intencionalidade;

Princípio 06 – Baixo esforço físico: O artefato pode ser utilizado de forma

eficiente e confortável e com o mínimo de fadiga;

Princípio 07 – Tamanho do espaço para aproximação e uso: O tamanho

apropriado e o espaço providenciado para aproximação, toque, manipulação e uso

de acordo com o tamanho do corpo do usuário, postura ou mobilidade.

A maioria dos artefatos e recursos de TA e demais produtos não promovem

de maneira adequada a acessibilidade e a inclusão, pois não atendem tais

princípios. Assim, para atender as necessidades básicas da população como um

todo é necessário considerar tanto as questões estéticas como funcionais deles, e,

relacionar, por exemplo, os elementos como cores contrastantes, odores e/ou

texturas diferenciadas, variação de escalas, entre outros, com os conceitos e

princípios de design universal e de acessibilidade..

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TA para além dos limites da perspectiva médico e curativa A TA pode ir além dos limites estabelecidos pelo modelo médico, ela não

necessita permanecer como um artefato que contribui exclusivamente para a

reabilitação ou para suprir a falta/ausência. A interação e a construção de

conhecimentos entre crianças e jovens com deficiência e os demais estudantes pode

ser garantida a partir do uso dos recursos, estratégias e metodologias de TA que

adentram o contexto da sala de aula comum, a exemplo dos mapas em relevo, que

são pensados por existir um estudante cego, mas que acabam por proporcionar um

melhor aprendizado aos demais estudantes da turma.

Para alcançar tal objetivo basta que se abandone o normocentrismo e o

capacitismo no contexto educacional, ou seja, deve-se parar de produzir os

artefatos, materiais e demais recursos pedagógicos e educacionais para apenas

uma parcela da sociedade, para os ditos normais em oposição binária aos ditos

deficientes. Pode-se exemplificar a partir do que é chamado de centrismo visual,

este privilégio que é dado ao conhecimento que perpassa pela visão, ou seja o

grande suporte na imagem, na utilização de recursos como vídeos, materiais

didáticos impressos, que criam barreiras para uma aprendizagem de todos,

principalmente daqueles que apresentam alguma deficiência visual. Como construir

o conhecimento se a criança cega não pode ver as imagens, os textos, se não pode

interagir com os recursos utilizados pelo professor?

Kenski (2007,p. 29) apresenta que “[...] ao contrário das sociedades orais,

onde predominavam a repetição e a memorização como forma de aquisição dos

conhecimentos, na sociedade da escrita há necessidade de compreensão do que

está sendo comunicado graficamente”. Com isso evidencia-se novamente a

visualidade, ou seja, adentramos naquilo que Bruno Senna apresenta como

visocentrismo.

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De acordo com este autor,

A visão é o domínio metafórico base para conceptualizar o conhecimento. Desta relação, já sedimentada no contexto grego, nos dá conta a evolução etimológica da palavra “ideia” nas línguas europeias: Idein, Eidos, Idea. Uma genealogia cuja origem nos transporta ao verbo grego Idein que significa “ver”, constituindo esta uma prova emblemática de que “o modo como pensamos acerca do modo como pensamos é orientado na cultura ocidental por um paradigma visual”. (2006, p. 49, grifos do autor).

Quando se fala em inclusão nas escolas este normocentrismo, como

promotor de barreiras para a participação de estudantes com deficiência precisa ser

questionado e combatido, tanto no âmbito da visão, quanto de outras habilidades

(auditivas, motoras, etc). Faz-se necessário incorporar ações que estejam atentas as

diferenças no processo do aprender, apresentando recursos que ampliem as

possibilidades de todos os estudantes, independentemente dos diagnósticos

médicos.

Quando se trata de acessibilidade se costuma associar apenas as questões

referentes, aos aspectos arquitetônicos e de acessibilidade meramente física. No

entanto, só isso não contribui para a inclusão e a interação entre os estudantes e

nem para a construção do conhecimento, pois para um processo de ensino e

aprendizagem significativo e inclusivo não basta o estudante conseguir chegar

dentro da sala de aula. A estratégia pedagogica também tem que ser acessível a

todos os estudantes, respeitando cada qual com suas características e dificuldades

de aprendizagem.

Existem algumas estratégias e recursos do design universal que podem ser

incorporados nas práticas escolares como, por exemplo, a utilização de cores

contrastantes, ou textos com letras ampliadas que atendem tanto as necessidades

de estudantes com baixa visão, quanto das demais. Outro exemplo é a utilização de

livro em Braille que possuam texturas e possam ser utilizado tanto com estudantes

cegos, quanto com os demais. Isso nos leva para algumas reflexões, tais como: Por

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que o livro em Braille precisa ser completamente branco? por que ele não pode ter

imagens, cores, textos? Se, o livro em Braille fosse concebido desta forma, colorido,

com texturas e tendo equivalência do texto em tinta e em Braille estaria atendendo a

mais de uma maneira de se apropriar do conhecimento. Tais alternativas não

parecem inviáveis, então por que os materiais pedagógicos e os artefatos, de modo

geral, não são desenvolvidos para todos?

Esse é o desafio para os professores numa perspectiva de docência inclusiva,

não mais adaptar recursos para os estudantes, mas adequar desde o princípio, a

partir do planejamento suas ações pedagógicas de maneira a atender o maior

número de características dos aprendizes, pois, de acordo com Jan W. Valle e David

J. Connor (2014, p.73), “Toda comunidade de turmas é um mosaico singular de

variação”, sendo assim os materiais pedagógicos, elementos primordiais da

condução do percurso acadêmico dos estudantes devem contemplar as mais

diferentes especificidades deste mosaico.

Considerações

A concepção de inclusão e a utilização da tecnologia assistiva esboçada

brevemente por este artigo servem de subsídio, de informação e estímulo para que

todas as pessoas, pesquisadores, educadores e das mais diversas áreas de atuação

(profissões, principalmente aquelas que atendem diretamente ao público)

compreendam e respeitem as diversas formas de cultura, de viver e os vários estilos

de vida. Deve-se agir em prol do melhor convívio para todos, reduzindo as barreiras

atitudinais e desenvolvendo esta TA, seja no que se refere aos recursos, como as

estratégias e metodologias na ação docente de maneira que se adequem as

diferentes características no processo de construção do conhecimento e das

necessidades específicas de cada pessoa. Com isso, ampliamos a possibilidade de

customização no processo de ensino/aprendizagem.

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A barreira atitudinal gera o preconceito da invisibilidade, em que não se

oportuniza o espaço para que o estudante possa se desenvolver, e isso desde a

educação infantil até os demais níveis de ensino. A maneira com que um professor

conduz a sua docência determina em muitos aspectos as características

comportamentais que a turma irá apresentar. Por isso é necessário estar atento a

forma com que se utiliza a tecnologia assistiva para evitar que o professor acabe

potencializando a exclusão, conceitos discriminativos e o menosprezo por pessoas

com deficiência.

A perspectiva médica sobre as deficiências deve ser repensada,

principalmente no âmbito escolar, pois também influencia significativamente o

comportamento das pessoas em relação a este sujeito que carrega um estigma do

diagnóstico de deficiência. A TA não deveria ser vistas ou servir com o propósito de

ser um instrumento de recuperação, de cura, de reabilitação das pessoas com

deficiência. Tais tecnologias não são capazes de reverter quem o sujeito é, mas sim,

contribuir para fornecer aos estudantes com deficiência condições de igualdade de

se relacionar, de ler, de escrever, de falar, de ver, de viver no mundo, como todas as

outras pessoas.

O desenvolvimento e a divulgação de políticas, pesquisas, cursos sobre a

inclusão e sobre as concepções de deficiência contribui para a construção de uma

sociedade com responsabilidade social, consciência e ética, pois a desvantagem

vivenciada pelas pessoas com deficiência está na sociedade que impõem barreiras e

não apenas no indivíduo. No entanto, transformar estas concepções e conceitos

referentes a inclusão é um desafio que todas as pessoas, com ou deficiência, devem

vivenciar para romper e ultrapassar os paradigmas segregacionistas e transformar a

vida em sociedade como algo possível, mais prazeroso, menos discriminatório e

mais autônomo.

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Ao finalizar este artigo, tem-se a certeza que não se encerram as discussões

sobre esta transposição de um recurso de Tecnologia Assistiva para um contexto de

Desenho Universal e que, as concepções de deficiência que circundam os

ambientes acadêmicos ainda estão carregadas de concepções assistencialistas e

desencontradas do modelo social. Isso nos indica que ainda há muito para ser feito,

seja no campo do ensino, pesquisa e extensão do ensino superior ou ainda na

militância nos movimentos sociais, perspectivando que uma cultura inclusiva adentre

todos os espaços de aprendizagem, em quaisquer níveis, etapas e modalidades de

ensino.

Referências Agencia Senado. Senado aprova Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, 10/06/2015. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/06/10/senado-vota-lei-de-inclusao-da-pessoa-com-deficiencia>. Acesso em: junho de 2015.

ANDRÉS, Aparecida. Pessoas com deficiência nos censos populacionais e educação inclusiva. Brasília: Câmara dos Deputados. Estudo novembro de 2014. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/areas-da-conle/tema11/2014_14137.pdf>. Acesso em: junho de 2015.

BERSCH, Rita. Introdução à Tecnologia Assistiva. Assistiva - Tecnologia e Educação: Porto Alegre, RS, 2013.

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Geisa Letícia kempfer Bock Professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) no Laboratório de Educação Inclusiva (LEdI) do Centro de Educação à Distância (CEAD). Possui graduação em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (2001) e mestrado em Educação e Formação de Educadores pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004) e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFSC. Susana Medeiros Vieira

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Mestra em Design e Expressão Gráfica, pela UFSC, Graduada em Design de produto, pelo IFSC, Graduada em Filosofia, pela UFSC, Graduanda em Pedagogia, na UDESC e bolsista do Laboratório de Educação Inclusiva (LEdI), do CEAD/UDESC.