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Estudo de Wendell Ficher Teixeira Assis e Marcos Cristiano Zucarelli Coordenação Lúcia Ortiz Fevereiro de 2007 Impactos Territoriais da Expansão das Monoculturas Energéticas no Brasil e Replicabilidade de Modelos Sustentáveis de Produção e Uso de Biocombustíveis Despoluindo Incertezas:

Despoluindo Incertezas:

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Page 1: Despoluindo Incertezas:

Estudo de Wendell Ficher Teixeira Assis e Marcos Cristiano Zucarelli

Coordenação Lúcia Ortiz

Fevereiro de 2007

Impactos Territoriais da Expansão das Monoculturas Energéticasno Brasil e Replicabilidade de Modelos Sustentáveis de

Produção e Uso de Biocombustíveis

Despoluindo Incertezas:

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Sobre os autores

Wendell Ficher T eixeira Assis é Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia pela UniversidadeFederal de Minas Gerais. Atualmente é pesquisador do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais -GESTA/UFMG, onde realiza investigações na área de conflitos ambientais; licenciamento ambiental,impactos de plantio de monoculturas, impactos da produção de biocombustíveis e análise de discursospublicitários de setores degradadores da natureza. ([email protected])

Marcos Cristiano Zucarelli é Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia pela UniversidadeFederal de Minas Gerais. Atualmente é pesquisador do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais -GESTA/UFMG, onde realiza investigações na área de conflitos ambientais, licenciamento ambiental,deslocamentos compulsórios decorrentes de projetos de infra-estrutura e criação de Unidades deConservação e impactos da produção de biocombustíveis. ([email protected])

Lúcia Schild Ortiz é Geóloga e Mestre em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.De 1998 a 2001 trabalhou como pesquisadora na Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM-RSna área de contaminação hídrica e atmosférica relacionada à extração e processamento do carvão mineral.É Coordenadora Geral da ONG Núcleo Amigos da Terra / Brasil e membro da coordenadoção do GTEnergiado Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – FBOMS.([email protected])

Este estudo foi realizado no âmbito do projeto “Debate Intenacional sobre Bioenergia: dando vozes àAmérica do Sul e apresentando exemplos de más e boas práticas e políticas na produção de biocombustíveisno Brasil”, executado pelo Núcleo Amigos da Terra / Brasil, Instituto Vitae Cívilis e ECOA - Ecologia e Ação,com apoio da Fundação C.S.Mott.

Sobre o estudo

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IntroduçãoConcordo que o álcool é uma alternativa profuturo, mas não patrolando tudo e massacran-do nossos espaços. A gente bate aí, mas cê sabea nossa voz é fraca. As usinas tão vindo e aca-bando com tudo. Eu não sei até quando vouagüentar, tenho medo de cair no desespero (As-sentado rural – Nova Alvorada do Sul/MS –região de expansão dos plantios de cana).

Os agrocombustíveis têm se consolidadomundialmente como saída tanto para os problemasclimáticos resultantes da queima de energia fóssil,quanto para as ameaças de finitude das reservasde petróleo. Nesse contexto, uma propaladapreocupação ambiental se apresenta comojustificativa para o emprego de energias limpas, aomesmo tempo que possibilita a manutenção de umritmo voraz de exploração da natureza. Embora essatransição para os agrocombustíveis seja cercadade toda uma aceitabilidade social revestida pelodiscurso da preservação ambiental, um olhar maisatento detecta a existência de ameaças no tocanteao aumento de desmatamentos, pressão sobreecossistemas, competição com plantios paraalimentos, deslocamento de populações rurais,dentre outras. Desse modo, urge reavaliar os atuaispadrões de consumo e questionar essa crença naeficiência técnica que tem sustentado o processode degradação da natureza.

Nessa maquinaria de ampliação do uso deagrocombustíveis, o Brasil se apresenta comoimportante engrenagem, tendo em vista que é omaior exportador mundial de etanol e já despontacomo potencial fornecedor de biodiesel para omercado externo. Assim sendo, com o intuito deavaliar os impactos socioambientais resultantesdessa expansão e mapear a existência de modelosde produção mais sustentáveis - que consideremopções políticas de soberania sobre o território,descentralização e gestão participativa, além dosaspectos meramente tecnológicos - nos lançamosna realização desta pesquisa.

O trabalho teve inicio em outubro de 2006 e sedesenvolveu em duas etapas: a primeira consistiuno levantamento de dados bibliográficos quepossibilitassem estabelecer as áreas prioritáriaspara expansão dos cultivos energéticos e queindicassem a existência de sistemas menosimpactantes. De posse dessas informações,

iniciamos a segunda fase que se fundamentou narealização de trabalhos de campo nas regiõesselecionadas como áreas de expansão e deocorrência de projetos mais sustentáveis. Essaetapa ocorreu entre os dias 22/11 e 23/12 sendopercorridos cerca de 8.000 km pelas regiões dequatro estados brasileiros: Triângulo Mineiro e Zonada Mata, em Minas Gerais; Oeste Paulista, em SãoPaulo; Sul e Leste do Mato Grosso do Sul; e Noroestedo Rio Grande do Sul1.

Durante o trabalho de campo foram realizadasentrevistas estruturadas e semi-estruturadas semregistro em áudio e com anotações no caderno decampo. O objetivo foi contemplar uma gama variadade atores sociais, que nos possibilitasse construiruma nova mirada acerca da expansão dos cultivosde cana-de-açúcar e de oleaginosas destinados àprodução de biocombustíveis. Nesse sentido, foramrealizadas entrevistas com representantes desindicatos de trabalhadores rurais, entidadesgovernamentais de assistência técnica rural,populações indígenas, pequenos e médiosprodutores rurais, representantes da ComissãoPastoral da Terra, cortadores de cana,representantes do Centro Indigenista Missionário,trabalhadores de usina de biodiesel, comercianteslocais, usineiros, garotas de programa, assentadosrurais, arrendatários de terra, políticos,representantes de cooperativas, dentre outros. Alémdisso, realizamos registros etnográficos das visitastécnicas às propriedades rurais e da participaçãoem reuniões e audiências públicas, sempreutilizando a técnica da observação participante(MALINOWSKI, 1978).

As informações coletadas durante a pesquisa decampo traçam um triste retrato da expansão doscultivos de cana e oleaginosas. A produção de álcoolbaseada na monocultura da cana-de-açúcar temacarretado inúmeros impactos sociais e ambientais,provocado uma reordenação do espaço, expulsadoo homem do campo, acirrado os conflitos por terra,explorado mão-de-obra indígena, diminuído aprodução de alimentos, dentre outras mazelas.Nessa mesma direção, o programa brasileiro deprodução de biodiesel não tem logrado cumprir comos objetivos de inclusão social e geração de rendae vem se transformando na via de escape damonocultura de soja. Dessa maneira, vislumbra-seem um horizonte próximo que esses modelos deprodução de biocombustíveis, calcados na produçãode monoculturas, provocarão um agravamento dosconflitos socioambientais no Brasil. Na tentativa de

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1 Regiões estaduais referidas conforme a classificação do IBGE.

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1) Produção de Etanol1.1 - Coordenadas da Expansão de Cana-de-Açúcar no Brasil

A expectativa de maior demanda por etanol, tantono mercado doméstico devidoao aumento de veículosbicombustíveis, quanto noexterno por adequações àsexigências do Protocolo deQuioto,1 tem se transformadono argumento central paraampliação das áreas de plantiode cana-de-açúcar. Aestimativa é que para atenderas demandas vindouras oBrasil precisará produzir, daquia sete anos, cerca do dobro deetanol e ainda mais 44% deaçúcar. Para tanto serianecessário ampliar a produçãode cana em cerca de 230milhões de toneladas (CGEE,2005) e isso representaria umincremento na área plantada daordem de 3 milhões e 200 milhectares. Os principais pontosde expansão selecionadospelo setor são: o TriânguloMineiro, Oeste Paulista, Sul deGoiás, Sudeste do Mato2 Durante o período 2001-2005 a quantidade de álcool exportado pelo Brasil cresceu expressivos 614,3%. Essa aceleração ficou maisevidente a partir de 2004, com crescimento do volume exportado de álcool carburante (IEA/SP, 2006).

Figura I – Mapa das Usinas de Açúcar e Álcool no Brasil

Em Processo deInstalação

Região Instaladas

NorteNordesteCentro-OesteSudesteSulTOTAL

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1246-

58

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sinalizar outros caminhos, essa pesquisa procurademonstrar a viabilidade e sustentabilidade dosmodelos de produção de biocombustíveis baseadosnuma lógica menos intensiva em capital e comredistribuição de poder e renda.

O presente texto está divido em duas partes: aprimeira apresenta um mapeamento da expansãodos cultivos de cana-de-açúcar e delineia seusprincipais impactos, além de localizar a existênciade sistemas de produção de álcool em um regimemais sustentável. A segunda focaliza as regras queinstituíram o programa de biodiesel no Brasil ediscorre sobre os problemas logísticos de produçãoe sobre as dificuldades de inserção da agriculturafamiliar. Por outro lado, apresenta também aspossibilidades de replicação de um modeloalternativo que contemple a produçãodescentralizada e uma maior participação dopequeno produtor rural, de forma articulada, emdiversas fases da cadeia produtiva.

Grosso do Sul e Maranhão. Nesse sentido, o mapaabaixo apresenta as usinas de açúcar e álcool emfuncionamento no país, bem como demonstra umaconcentração dos novos empreendimentos nasregiões Centro-Oeste e Sudeste.

A partir do mapa, constatamos que não existenenhuma nova usina projetada para a regiãoNordeste tida outrora como tradicional centro deprodução. Isso decorre da busca por maiorprodutividade/rentabilidade e desencadeia umredirecionamento de investimentos de gruposnordestinos para a região Centro-Sul do país. Comoveremos adiante, a expansão dos plantios de cananas regiões Sudeste e Centro-Oeste tem alteradotoda dinâmica de ocupação territorial, provocadonovos desmatamentos, diminuído a oferta degêneros alimentícios, inviabilizado a permanênciade pequenos agricultores no campo, bem comoimpossibilitado o avanço do programa de reformaagrária brasileiro.

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1.2 - Impactos na Ocupação Territorial e Produção de Alimentos

O cultivo de monoculturas em grandes extensõesde terra é apontado por movimentos sociais eambientalistas como provedor de desigualdades nocampo e como entrave à reprodução social daspopulações campesinas. A esse respeito, podemser verificados impactos sobre a manutenção daagricultura familiar e mudanças no padrão deprodução agrícola, como detectado durante otrabalho de campo realizado no Triângulo Mineiro,Oeste Paulista, Sul e Leste do Mato Grosso do Sul.

O mercado de terras representa um importantecomponente na expansão de monoculturas comconseqüente pressão sobre a pequena e médiapropriedade rural. Para Guedes et al (2006), adinâmica desse mercado é um indicador do vigordas atividades agropecuárias e das transformaçõesna estrutura produtiva e auxilia no entendimento darelação mudança/permanência dos modos deprodução de diferentes grupos sociais. Nessesentido, a expansão da cana-de-açúcar é facilitadapor um mercado de terras pouco ordenado jurídicae socialmente, o que acarreta reflexos positivos noscustos de produção, ao mesmo tempo queconcentra a propriedade fundiária e inviabiliza osusos praticados pela agricultura familiar. Assimsendo, como o aumento de produção naagroindústria canavieira está relacionado à expansãodo cultivo em novas áreas, isso ocasiona umareconfiguração do espaço geográfico e umapressão sobre modos de vida e atividades rurais.

As entrevistas e relatos coletados durante otrabalho de campo evidenciaram a prática dearrendamento de terras como principal estratégiautilizada pelo setor sucroalcooleiro para expansãodos plantios. Na região do triângulo mineiro as usinasjá dominam grandes extensões de terra nosmunicípios de Uberaba, Delta, Conceição dasAlagoas, Frutal, Itapagipe, Iturama, Limeira do Oeste,Alexandrita e União de Minas. Embora nas regiõesSul e Leste do Mato Grosso do Sul essa ocupaçãoesteja ainda em estágio menos avançado, já éevidente a alternância na paisagem entre fazendasde gado e extensos canaviais. Nessas regiões aopção pelo arrendamento pôde ser constatada emvários depoimentos, destacando-se os seguintes:

As usinas chegaram aqui e foram marcandoterritório, selecionando as melhores terras earrendando o que podiam. Agora fixam opreço e controlam tudo. É assim, o poder

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econômico é muito forte. (Entrevista comrepresentante da Cooperativa de Empresári-os Rurais do Triângulo Mineiro – Uberaba/MG, 26/11/2006).

Os usineiros não têm interesse na terra. O quequerem é a cana plantada e produzida, por issopartem pra o arrendamento e pra produçãoindependente (Entrevista com representante doSindicato dos Trabalhadores Rurais – Rio Bri-lhante/MS, 03/12/2006).

A gente aqui vai ficando exprimido. Tem gen-te que pensa diferente, tem sentimento pelaterra, aí num arrenda pra cana, mas outrosnum agüenta e acaba cedendo. Eu tô ficandocercado pela cana (Entrevista com P. peque-no produtor rural – Uberaba/MG, 26/11/2006).

Quando aluga pra cana a pessoa vai ficandoagredida, cê fica aqui cercado no meio do ca-navial ou vai pra cidade onde é tudo diferen-te. O meu pai, por exemplo, ele não tira os48.000 que a usina não cansa de oferecer, masa pessoa que toda a vida viveu na terra e nalida com a lavoura sofre de ver sua terra cheiade cana (Entrevista com pequeno produtorrural – Cássia/MG, 24/11/2006).

Eu por exemplo tenho 51 anos de idade. Se euarrendar pra cana por 12 anos quando aca-bar vou ter 63. Aí eu não consigo mais reto-mar minha atividade e acabo tendo que reno-var (Entrevista com médio produtor rural –Uberaba/MG, 26/11/2006).

A destilaria chega, arrenda as terras e já pen-sa que é dona. Mas ocê acha que alguém vaivoltar pra terra depois de 8 a 10 anos? Nofinal acaba tendo que vender ou renovar oarrendamento (Entrevista com comerciante –Iturama/MG, 29/11/2006).

O arrendamento de terras representa a basepara a ampliação dos plantios de cana edesencadeia uma complexa alteração nos tipos deprodução, na disponibilidade de empregos, no fluxomigratório para cidades, na oferta de alimentos ena possibilidade de demarcação de terras parareforma agrária. Isso fica evidente ao percorrermosas zonas rurais e urbanas de regiões elegidas como

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Essas evidências coletadas durante o trabalhode campo são corroboradas pelos levantamentosestatísticos publicados pela Comissão Pastoral daTerra - CPT. No estado do Mato Grosso do Sul osconflitos de terra que são ações de resistência pelaposse, uso e propriedade do território cresceram

Os tradicionais criadores aqui da região do tri-ângulo estão arrendando ou vendendo as ter-ras pra cana e indo criar gado em Tocantins,Rondônia e Mato Grosso (Entrevista com ve-terinário da Prefeitura de Iturama/MG, 28/11/2006).

Nessa mesma direção, as estatísticas oficiaisentre os anos de 2002 e 2005 apontam umincremento de mais de 11 milhões de cabeças norebanho bovino da região Norte, sobretudo, nosestados do Pará, Rondônia, Amazonas e Tocantins,

Aqui mesmo tem fazenda que era destinadapra reforma agrária e seria um novo assenta-mento, mas aí veio o arrendamento. Essa éuma estratégia dos usineiros, arrendam as ter-ras de fazendas improdutivas que é uma ma-neira de jogar um balde de água fria na refor-ma agrária. É assustador tão ocupando todasas terras da região (Entrevista com liderançado Assentamento Pana – Nova Alvorada doSul/MS, 04/12/2006).

O conflito cana e reforma agrária aqui no mu-nicípio de Rio Brilhante está complicadíssimo.A gente não consegue mais avançar com oprocesso de reforma agrária. Depois da che-gada da cana só tem aumentado o número deacampamentos de beira de estrada (Entrevis-ta com representante do Sindicato dos Traba-lhadores Rurais – Rio Brilhante/MS, 03/12/2006).

Em Nova Alvorada do Sul tinha 17 áreas queseriam para a reforma agrária. Com o arren-damento pra cana foram consideradas produ-tivas (Entrevista com representante da Comis-são Pastoral da Terra – Dourados/MS, 01/12/2006).

que respectivamente apresentaram aumentos de48,1%; 41,2%; 33,7% e 14,3%, enquanto em âmbitonacional o acréscimo foi de 5,9% (IBGE PPM, 2006).Dessa maneira, vislumbra-se uma eminentepressão da produção pecuária sobre osecossistemas amazônico e de cerrado, que deveser estudada com mais profundidade.

No Mato Grosso do Sul a expansão da cana temse processado sobre áreas dedicadas à produçãode soja, milho e gado. Além disso, foi-nos possívelcolher indícios de que fazendas outroraconsideradas improdutivas têm sido transformadasem produtivas através de arrendamentos para oplantio de cana. A utilização desse tipo demecanismo pôde ser evidenciada nos seguintesrelatos:

áreas de expansão. Nos municípios de Delta,Itapagipe, Uberaba e Iturama, no Triângulo Mineiro,constatamos uma nova configuração espacial e aexistência de vários pontos nos quais as pastagenscederam lugar ao plantio de cana. Dessa forma, aregião berço da pecuária mineira assiste atualmenteao avanço dos canaviais sobre a produção de leite,carnes e couros. Essa alteração fica evidentetambém quando avaliamos que na mesorregião doTriângulo Mineiro/Alto Paranaíba o efetivo bovino tevequeda de mais de 448 mil cabeças no intervalo entreos anos de 2003-2005 (IBGE PPM, 2006). Ademais,embora as estatísticas oficiais ainda não apontemuma redução na produção de leite, entrevistasrealizadas em cooperativas da região indicaram umaqueda na entrega desse produto.

Na região do Oeste Paulista a situação é similarsendo-nos possível visualizar um avanço daprodução canavieira sobre a pecuária. Na zona ruraldos municípios de Andradina e Castilho a paisagemdo campo alterna extensos canaviais e antigasáreas de pastagens preparadas para o plantio decana. Nesse cenário, a substituição de pastagensteve reflexos diretos sobre o efetivo bovino queregistrou na região uma queda de mais de 326 milcabeças no período 2003-2005. Da mesma forma,o número de vacas ordenhadas apresentou reduçãode 12,3% acarretando uma diminuição de mais de34 milhões de litros de leite no intervalo de dois anos(IBGE PPM, 2006). Destarte, os municípios daregião do Triângulo Mineiro e Oeste Paulista, quepossuem forte tradição na produção de carne e leite,têm vivenciado uma migração do rebanho bovinoem virtude do adensamento da plantação canavieirano centro-sul do país.

As informações coletadas no trabalho de camposugeriram os estados da região Norte como novasfronteiras de acomodação do gado, como se podeperceber na seguinte descrição:

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Quando o pessoal da usina aplica o venenopara acabar com o mato que dá no meio dacana, isso se espalha e acaba com o nosso pastotodo, que já é bem pouco. Aí na hora de tiraro leite é só prejuízo. Tem também osbesourinhos que vem de lá das plantações eatacam nossas hortas e árvores de fruta, an-tes a gente num usava nem um tipo de vene-no, agora se num atacar forte no combate numvira uma planta sequer (Entrevista com pe-queno produtor rural –Iturama/MG, 28/11/2006).

Antigamente num precisava nem dá combatenas nossas lavouras, agora num tem combateque dá jeito nessas pragas da cana. Ébisourinho verde, bisouro vaquinha, largata.Come nossa horta toda (Entrevista com as-sentada rural - Iturama/MG, 26/11/2006).

Em Castilho e Andradina no Oeste Paulista osmoradores do Assentamento Nossa SenhoraAparecida têm vivenciado essa mesma realidade equestionam os problemas trazidos pelo avanço dosplantios de cana. Do mesmo modo, os produtoresrurais do Assentamento Pana em Nova Alvorada doSul/MS relataram que a expansão da cana temameaçado a produção de alimentos voltados àreprodução das famílias, tendo em vista que asusinas têm oferecido aos assentados vantagenspara o plantio de cana. O receio e o temorocasionados na região pela expansão canavieira sãoexpressos na seguinte assertiva:

Essa chegada da cana é comprometedora. Tãoquerendo acabar com tudo. Depois da chega-da dessas usinas o círculo da cana vem se fe-chando ao redor do assentamento e isso com-promete o nosso futuro. É assustador nós aquiestamos ameaçados [...] Daqui uns tempos cêvai andar aqui na região de 100 a 200 quilô-metros sem ver nem um pé de feijão, milho oumandioca. O que vai acontecer é a degrada-ção da terra e depois que as usinas sugaremtudo, aí a terra pode ser comprada pra refor-ma agrária. Esse assentamento aqui mesmojá foi terra de cana nos tempos passados. Foicom muito suor que nós conseguimos fazer essepedaço de chão voltar a produzir (Entrevistacom assentado rural – Nova Alvorada do Sul/MS, 04/12/2006).

87,5% entre o período 2003-2005 saltando de 16 para30 enfrentamentos. Nessa mesma direção, onúmero de ocupações em imóveis rurais teve umcrescimento de 100% passando de 8 ocupaçõesem 2003 para 16 em 2005 (CPT, 2006). Valeressaltar, que durante o ano de 2004 foramrealizadas 24 ocupações, sendo que 15 dessasforam empreendidas em municípios onde sãoprojetados novos plantios canavieiros. A partir dasinformações coletadas no campo e das ocorrênciasregistradas, é possível sinalizar que a expansão dacana-de-açúcar em algumas regiões do MatoGrosso do Sul pode acarretar um aumento da tensãoe do conflito sobre a propriedade da terra.

Outro problema constatado no trabalho de campodiz respeito à expansão de canaviais em áreascircunvizinhas a assentamentos da reforma agráriadedicados à reprodução da agricultura familiar. EmIturama no Triângulo Mineiro as plantações de canajá deixaram o Assentamento Água Vermelhatotalmente ilhado e os moradores afirmaram quesão constantes as propostas para arrendamento e/ou plantio. Além disso, relataram que a implantaçãodos canaviais na região tem encarecido einviabilizado seus cultivos de hortaliças e frutíferas,uma vez que após a introdução da cana naspropriedades vizinhas foram forçados a utilizar umasérie de agrotóxicos para combater as pragas quemigram das plantações canavieiras. Esse tipo deocorrência pode ser ilustrado nas seguintesnarrativas:

Outra questão verificada durante a pesquisa decampo é que o aumento dos plantios de cana noSudeste do Mato Grosso do Sul tem sido identificadopor lideranças indígenas como uma ameaça aoprocesso de demarcação de terras. A esse respeito,estudos destacam que a demarcação de terras temsido maior em áreas nas quais as frentes deexpansão econômica já atuaram e onde,conseqüentemente, a população indígena é reduzidae o montante de terra pretendido é menor (OLIVEIRAFILHO, 1998). Como o Mato Grosso do Sul é vistopor parte de governantes e empresários como zonade expansão da fronteira agrícola, ao mesmo tempoque possui uma gama de povos indígenasreivindicando demarcação de terras, pode-seprognosticar uma luta mais delongada no tocanteao estabelecimento de novas reservas indígenas noestado. A percepção dessa problemática foiexpressa durante entrevistas com liderançasindígenas:

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Nossa última demarcação aqui em novembro,dezembro do ano passado foi revertida. Euacho que isso tem a ver com a chegada dacana aqui na região. Do jeito que vai o confli-to por terra vai ser ainda maior (Entrevistacom líder indígena Guarani-Kaiowá – Doura-dos/MS, 02/12/2006).

As entrevistas realizadas nas aldeias Jaguapirúe Bororó na região de Dourados/MS nospossibilitaram identificar que na visão dos líderesindígenas o espaço destinado à reserva não supreas necessidades de reprodução social do grupo. Namesma direção, os índios focalizam que o trabalhono corte de cana decorre dessa exígua quantidadede terra e contribui para distanciá-los dopertencimento e da relação com a aldeia. Os ecosdessas inquietações podem ser percebidos noseguinte fragmento:

Eu sei que esse trabalho na cana atrapalha nonosso problema maior que é a luta pela terra.O parente vai trabalhar na cana e esquececomo é viver aqui na nossa aldeia [...]. Quan-do o índio vai trabalhar na cana ele não valo-riza a luta, porque ele não tá pensando na ter-ra, no direito pela terra que é dele. Ele tá pen-sando só na cana (Entrevista com liderançaGuarani-Kaiowá realizada na AldeiaJaguapirú – região de Dourados/MS, 02/12/2006).

Para Oliveira Filho (1998), a estratégia utilizadapelo extinto Serviço de Proteção Indígena paraacomodar o choque entre frentes de expansãoeconômica e grupos indígenas parece ter sido a deestabelecer reservas com quantidade restrita deterras. A utilização desse mecanismo asseguravaaos povos indígenas os direitos oriundos dademarcação, ao mesmo tempo em que liberava asdemais terras para a utilização dos brancos. Osresultados dessa política podem ser evidenciadosnas reservas indígenas do Mato Grosso do Sul ondevivem os Guarani-Kaiowá (Dourados, Caarapó, PortoLindo e Amambaí), nas quais ocorrem os menoresíndices de terra por habitante, menos de um hectarepor pessoa, são cerca de 15.000 índios em poucomais de 10.000 hectares (CIMI, 2005).

A partir das entrevistas em campo, foi-nospossível identificar uma latente preocupação daslideranças indígenas com o avanço da cana-de-

1.3 - Impactos na Geração de Emprego e Condições de Trabalho

A reestruturação produtiva do setorsucroalcooleiro que visa desenvolver um aparatogerencial capaz de criar condições para introduçãode novas tecnologias, racionalizar o uso do trabalhoe incrementar a produtividade da mão-de-obra temdeterminado uma nova realidade aos trabalhadorese agravado suas condições (SCOPINHO, 2000).Com a ampliação dos processos de mecanizaçãoda produção canavieira os trabalhadores queexperimentavam condições precárias de trabalhopassaram a se preocupar com outros problemasque se traduzem no aumento do desemprego e nasexigências por maior produtividade no corte de cana.Para Veiga Filho et al (1994), a modernização daagricultura não se limita ao avanço dastransformações técnico-econômicas, mas abrangealterações na estrutura social e nas relações deemprego. Nesse sentido, a mecanização asseveraos níveis de exploração e desemprego naagroindústria canavieira e se transforma em umgrande problema social.

A partir dessas mudanças, ocorre umareconfiguração nas atividades da agroindústriacanavieira e o emprego de mão-de-obra passa aabranger as seguintes fases: produção de mudas,plantio, combate de formigas, conservação decarreadores, operação de máquinas, colheitamanual e retirada de sobras. De todas essasatividades a de maior demanda por mão-de-obra éa colheita manual sendo responsável por mais de60% do contingente de trabalhadores (GONÇALVES,2005). A forma de pagamento utilizada nessa fase éo regime de produtividade do trabalhador, no qual orendimento mensal fixo pode ser acrescido emvirtude de um melhor desempenho no corte de cana.Para se ter uma idéia, a produção média dostrabalhadores da região de Ribeirão Preto atinge hoje

açúcar em áreas circunvizinhas às reservas. Nasaldeias Jaguapirú e Bororó os canaviais já cercaramas terras indígenas em quase todas as direções elideranças temem o agravamento dos conflitos, umavez que na visão dos índios os plantios já estãoincidindo sobre um território ancestral que extrapolaos limites demarcados pela reserva. A esserespeito, merece destaque que o Mato Grosso doSul é o estado que concentra a maioria dos conflitosdecorrentes de violação de direitos territoriaisindígenas, foram 23 dos 26 casos relatados no Brasilem 2003; 28 dos 41 em 2004 e 17 dos 32 apuradosaté julho de 2005 (CIMI, 2005).

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12 toneladas/dia, enquanto que nos anos 1980 erade 6 toneladas/dia (ALVES, 2006). A constantepressão por aumento da produtividade temprovocado enormes problemas para o trabalhador,como constatam os relatos a seguir que foramnarrados durante a pesquisa de campo:

Nem o traçador, nem o machado é tão cruelcomo o facão. Cê tem que cortar rente ao chão,tem que pegar na cana e isso é desgastante.Na madeira cê bate e corta, na cana não. Épreciso segurar, abraçar, bater, cortar e depoisainda carregar. É esse o nosso sofrimento (En-trevista com trabalhador do corte de cana elíder sindical – Rio Brilhante/MS, 03/12/2006).

Eu já tô aqui tem três safras e não agüentomais. Tem dia que é câimbra, dor de cabeça,nariz que sangra e quando chega a noite nemdurmo de tanta dor (Entrevista com R.migrante alagoano trabalhador do corte decana – Uberaba, 27/11/2006).

É difícil a gente quase não agüenta. O suor étanto que a gente fica todo molhado, a botinachega a encher de suor. [...] A pressão é gran-de e cê num quer ficar pra trás, tem cabra aíque vai até o limite e chega a cortar 19 tone-ladas num dia, mas quase se mata (Entrevistacom F. migrante maranhense trabalhador docorte de cana – Uberaba, 27/11/2006).

Tem dia que a gente é forçado a cortar canade encontro ao fogo. O fogo da cana vem quei-mando o taião de lá pra cá e a gente vai deencontro. O calor é tanto que chega a tremerassim as vista. É difícil de agüentar o sofri-mento (Entrevista com J. migrantemaranhense trabalhador do corte de cana –Uberaba, 27/11/2006).

Cortar sete ruas é o que mata. A gente temque arrastar a cana por mais de vinte metrosindo e voltando. No final do dia chego até afracassar (Entrevista com Z. migrantemaranhense trabalhador do corte de cana –Uberaba, 27/11/2006).

Esses graves problemas, inclusive com casosde mortes, são tratados de maneira criminosa poralgumas empresas da agroindústria canavieira, que

inibem a demanda por serviços médicos informandoaos funcionários sobre a aplicação de penalidadesàqueles que procuram os consultórios sem seremportadores de doenças impeditivas do trabalho. ParaSCOPINHO (2000), isso representa uma maneirade forçar o trabalhador a procurar os serviços desaúde somente quando alcança os limites de tolerarsuas enfermidades. Desse modo, as mortes porexcesso de trabalho se traduzem em indicativos deuma dicotomia interna da indústria sucroalcooleira,que de um lado, emprega os mais modernosequipamentos de produção, e de outro, escraviza otrabalhador por intermédio dos sistemas dedesempenho, controle de ausências e consultasmédicas. Os relatos coletados nas entrevistas decampo evidenciam essa prática:

A cabeça dói bastante, o corpo todo fraqueja.Aí eu vou lá no médico que mede a minha pres-são e diz que eu não tenho nada. Depois per-gunta: Cê veio aqui atrás de medicamento oude atestado. Olha aí o médico dessa empresa(Entrevista com J. trabalhador do corte decana – Uberaba/MG, 06/12/2006).

Quando eu vim pra cá eu fiz exames dos os-sos, bati chapa, fiz todos os exames. Tomeiuma baita chuva no canavial, eu tava em cimado caminhão, tomamos a chuva todinha. Nooutro dia amanheci com febre, garganta infla-mada, gripado. Eu fui lá [ao médico] e elesnão me deram atestado. Eu te falo: fui eu queprovoquei essa doença? Eu tive ainda quepagar os remédios (Entrevista com P. traba-lhador do cortador de cana - Uberaba/MG, 06/12/2006).

Esse regime que impele o trabalhador a atuar nolimite de sua capacidade física é ainda agravado pelofato dos cortadores não deterem o controle sobre aquantidade de cana cortada. Isso impossibilita amensuração do valor a ser recebido, além de deixaro trabalhador a mercê de uma quantificaçãorealizada pela própria usina. Nas entrevistas decampo foram constantes as denúncias de que osfiscais encarregados de medir a cana são orientadospelas usinas a contabilizarem um volume bemmenor que a real produção extraída. Ademais, comoo pagamento é feito em razão das toneladas e nãodos metros cortados, isso ocasiona mais uma zonacinzenta sobre o valor a ser recebido, uma vez queos trabalhadores não são instruídos sobre as regrasde proporção e equivalência entre metros e tonela-

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Quando partem para o trabalho nos canaviais osindígenas recebem de adiantamento um vale-compras que é utilizado na aquisição de alimentospara manutenção de suas famílias durante apermanência no corte de cana. Todavia, esseadiantamento somente pode ser trocado em locaisdeterminados pelo “cabeçante”, nos quais os preçossão muito acima da média de mercado. Aochegarem aos alojamentos das usinas esseesquema de fornecimento de vales se repete e issoacarreta o endividamento da maioria dos índiosempregados no corte de cana. A partir dasinformações coletadas no trabalho de campo, épossível afirmar a existência de indígenastrabalhando em condições degradantes e tendo suaforça de trabalho remunerada com bebidasalcoólicas, alojamento e comida. O emprego detrabalho indígena no corte de cana é encarado pelaslideranças das tribos Jaguapirú e Bororó comoreflexo da exígua quantidade de terra disponível paraa manutenção das famílias. Além disso, destacam

das de cana cortada.

Nas regiões do Triângulo Mineiro e Oeste Paulistaé grande a presença de trabalhadores migrantesoriundos do nordeste do Brasil, sobretudo doMaranhão e Alagoas, bem como da mesorregião doVale do Jequitinhonha em Minas Gerais. Acontratação dessa mão-de-obra é realizada porintermediários que são denominados no âmbito daagroindústria canavieira de “gatos”. O papeldesempenhado pelos “gatos” consiste em procurartrabalhadores no Nordeste e Jequitinhonha e recrutá-los em nome das usinas. Os relatos coletadosdurante o trabalho de campo indicam que, na maioriados casos, os trabalhadores são aliciados nascidades de origem lhes sendo ofertado benefíciosque não são honrados pelos usineiros quando dachegada nas regiões canavieiras. Indicativos dessetipo de postura podem ser percebidos nasdeclarações transcritas a seguir:

Lá em Monte Carmelo [Minas Gerais] quemfoi buscar a gente lá foi o encarregado da usi-na. Viemos pra Uberaba, fizemos os exames epassamos. Ficamos nove dias parados na es-pera pelo trabalho e nem um centavo foi pago,fizeram promessas e não cumpriram. Eu nãovim pra ser escravo não, eu vim pra trabalharcomo ser humano (Entrevista com A. migrantetrabalhador no corte de cana – Uberaba, 06/12/2006).

O gato ganha por cabeça que ele bota pra tra-balhar pros patrão dele [usineiros]. É tipo umrebanho de ovelha, chega e solta lá. No come-ço fala que é melhoria depois não é nada dis-so (Entrevista com C. migrante trabalhadorno corte de cana – Uberaba, 06/12/2006).

O gato é o pior que existe. Eles são donos dosônibus, geralmente, ganham por produtivida-de, daí selecionam só os que produzem muito.Ele ganha na produção e por isso exige que otrabalhador produza mais, vai até o limite denum agüentar. [...] Ele recolhe as carteiras detrabalho e repassa pra usina e isso deixa o tra-balhador refém (Entrevista com representan-te do Sindicato dos Empregados Rurais -Andradina/SP, 29/11/2006).

Já no Sudeste de Mato Grosso do Sul o trabalhono corte de cana é realizado por índios que se

Duro que os que vão pro corte da cana é mai-oria jovem. Isso desagrega ainda mais a al-deia e os nossos costumes (Entrevista com lí-der indígena Guarani-Kaiowá – Dourados/MS, 02/12/2006).

O trabalho na cana desorienta nossa cultura,aí vem o álcool, a droga, essas coisas que atra-palha a nossa vida em família. O parente vaipra lá trabalhar e quando volta já perdeu atéa época de plantar (Entrevista com liderançaGuarani-Kaiowá realizada na AldeiaJaguapirú – região de Dourados/MS, 02/12/2006).

deslocam das reservas para viverem emalojamentos no interior de canaviais, bem como pormigrantes advindos da região do Vale doJequitinhonha/MG. Enquanto no Centro-Sul do paísimpera a figura dos “gatos”, nas regiões canavieirasdo Mato Grosso do Sul o papel de intermediário nacontratação dos indígenas é desempenhado por ummembro da tribo chamado de “cabeçante”. Os“cabeçantes” recrutam os índios mais fortes ejovens e os conduzem até as regiões canavieiras,por vezes os escolhidos são ainda menores de idadee têm sua documentação fraudada para driblar afiscalização trabalhista. Na visão das liderançasindígenas isso representa um forte problema, umavez que a migração dos mais jovens provoca umacompleta desagregação cultural da aldeia:

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Um povo que não produz é um povo semcriatividade. Isso é um meio de assassinar agente, se ocê não tem banana, mandiocal, mi-lho e pesca ocê vai morrer. [...] Aí vem as do-enças, a exploração do trabalho. Eu fico fa-lando assim, hoje tão matando a gente no tra-balho e com a nossa própria aprovação (En-trevista com líder indígena Guarani-Kaiowá– Dourados/MS, 02/12/2006).

Eu trabalhei lá no corte por 15 anos e o queme restou foram as doenças e as dores no cor-po. Hoje ainda continua indo muitos parentespra lá, nessa safra já foram quase mil. Eu te-nho medo que meus filhos tenham um dia queir pro corte de cana (Entrevista com liderançaindígena Guarani-Kaiowá realizada na aldeiaJaguapirú – Dourados/MS, 02/12/2006).

Quando o índio chega do corte depois de seismeses, ele compra algum objeto e acaba o di-nheiro dele. No corte da cana ele fica sem tem-po pra plantar e sem dinheiro pra comprar oque comer. [...] Volta de lá devendo e daí temque voltar pro corte pra poder ganhar mais epagar a dívida (Entrevista com CaciqueGuarani-Kaiowá realizada na Aldeia Bororó– região de Dourados/MS, 02/12/2006).3

Outra problemática detectada na pesquisa decampo foi que o arrendamento de terras em regiõeseleitas como zonas de expansão da cana-de-açúcartem ocasionado a perda de empregos em atividadeseconômicas tradicionais como a produção leiteira,o plantio de lavouras e o abate bovino. Como namaioria das vezes não ocorre uma absorção dostrabalhadores outrora empregados e as atividadesda agroindústria demandam novos profissionais,isso provoca um fluxo de trabalhadores migrantese um aumento do desemprego para as populaçõeslocais. Além disso, a perda de empregos em

Uma coisa que me preocupa é a chegada des-sas usinas. O pessoal que trabalhava na la-voura de soja e na lida com o gado tá tudoperdendo o emprego. Tem dia que eu chego aassinar mais de 30 rescisões de contrato porcausa dos arrendamentos de terra (Entrevistacom representante do Sindicato dos Trabalha-dores Rurais – Dourados/MS, 01/12/2006).

O pessoal daqui mesmo não enfrenta o corteda cana que é muito cruel. Aí vem o povo defora e pega esse tipo de trabalho, que na ver-dade é o que mais tem. Acaba que no final opovo daqui mesmo fica sem emprego (Entre-vista com comerciante local – Iturama/MG, 28/11/2006).

A gente aqui é tudo uma cadeia. O leite que eupego aqui vai lá pra cooperativa na comuni-dade, aí gera emprego lá. Daí vai pra cidade edá outros empregos também. Isso sem contarque um ou outro aí tem um trator pra arar aterra, aí se estraga, gera emprego também. Senós arrendar pra cana e parar de produzir oleite isso tudo aí pra frente vai acabar, porquea usina não gera esse tipo de emprego (Entre-vista com P. pequeno produtor rural –Uberaba/MG, 26/11/2006).

Os fazendeiros contratavam muito aqui na re-gião, depois que começou o arrendamento deterra acabou o emprego. Com o fazendeiroarrendando suas terras, meu pai e meu tio queeram empregados dele ficaram sem trabalho.[...] Vai ficando sem jeito de sobreviver naroça e a gente acaba tendo que mudar pra ci-dade. Lá na Palestina [zona rural de Uberaba]mesmo já tem umas 4 ou 5 famílias que vie-ram pra cidade depois que os fazendeiros co-

3 Para Oliveira Filho (1998), a demarcação de reservas com terras escassas é ineficaz como mecanismo para conter a atomização dastribos e favorece a proletarização dos povos indígenas. Ademais, assevera que isso é flagrante no Mato Grosso do Sul onde foramconstituídas 13 reservas com pouco mais de 31 mil hectares, em tais casos as áreas estabelecidas funcionam muito mais como reservasde mão-de-obra do que como território indígena, passando a ser uma característica dessas regiões formas temporárias de trabalhoassalariado através das quais os índios tentam reassegurar sua reprodução social.

que a migração de índios para as regiões decanaviais provoca uma desestruturação dos laçosfamiliares e inviabiliza os cultivos alimentares nointerior da aldeia deixando-os reféns da compra demantimentos. A esse respeito, as inquietaçõestranscritas a seguir são bastante ilustrativas:

atividades deslocadas pelo plantio de cana e a nãoincorporação desses trabalhadores no setorsucroalcooleiro tem acarretado um fluxo migratórioem direção às cidades. Esses problemas puderamser constatados durante a pesquisa de campo e osrelatos transcritos a seguir são exemplos daocorrência desses fatos:

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A usina traz os trabalhadores durante a safra,aí aumenta roubo, assassinato, prostituição.Depois os que vêm pra cá e gostam trazemfamília e a coisa piora ainda mais (Entrevistacom comerciante – Iturama/MG, 28/11/2006).

Em Ipezal cê vê mais homem que qualqueroutra coisa. Lá antes era uma vidinha pacata,agora parece um formigueiro. Do dia 1º ao dia10 você precisa ver a quantidade de mulherque desce pra lá. É uma prostituição só. Essacana é uma coisa que não traz desenvolvimen-to pro local, isso na verdade é um fracasso pragente (Entrevista com assentado rural – NovaAlvorada do Sul/MS, 04/12/2006).

Outra questão que sempre se escuta é que coma vinda dos nordestinos aumenta a prostitui-ção. Aí quando começa a safra você já vê amulherada chegando e se espalhando pela ruaafora (Entrevista com Irmã T. liderança reli-giosa – Rio Brilhante/MS, 03/12/2006).

Eu venho sempre pra cá no final do mês quan-do sai o dinheiro do pessoal [trabalhadores docorte de cana]. Lá onde eu moro não tem ne-nhuma opção, aí me restou a vida nos progra-mas (Entrevista com garota de programa –Iturama/MG, 28/11/2006).

Outro acontecimento decorrente da atração demão-de-obra migrante está relacionado à existênciade alojamentos no interior dos canaviais. Os relatoscoletados na pesquisa de campo dão conta daprecariedade e dos maus tratos sofridos pelostrabalhadores no interior dessas instalações. Nomunicípio de Rio Brilhante/MS um alojamentoimplantado dentro da área de plantio nos foi descritocomo sendo o “Presídio do Carandiru”, em virtudedas péssimas condições de higiene, superlotação,má qualidade da alimentação, ausência deprivacidade, encarceramento nos canaviais edistância das cidades. Na região do TriânguloMineiro, no município de Nova Ponte, os relatos nãoforam diferentes e se destacaram por conterem ummaior teor de crueldade, tendo em vista que foramuníssonas as denúncias de espancamentospraticados por seguranças contratados pela usinapara manterem a civilidade dentro de um ambienteinsalubre. Assim sendo, constatamos que o usodesse tipo de acomodação coloca os trabalhadoresem uma situação de vulnerabilidade distanciando-os das redes de proteção social, tais comosindicatos, delegacias do trabalho e outrosmovimentos sociais.

Usinas com gestão moderna, sobretudo aquelasque pretendem participar do mercado internacional,começaram a cuidar melhor das condições detrabalho e introduziram programas especiais paraa educação, alimentação e preparação física dostrabalhadores. De modo geral, tais empresas estãopreocupadas em evitar os prejuízos causados comgreves, doenças e processos judiciais, os quaispodem provocar quedas na produção e afetar aimagem corporativa no exterior. Por outro lado,estudos demonstram que a introdução de inovaçõestecnológicas não tem contribuído para sanar ascondições insalubres e penosas a que sãosubmetidos os trabalhadores do corte de cana, nemtampouco reduzido o número de queimadas noscanaviais, uma vez que o rendimento dascolheitadeiras chega a ser 30% maior no corte dacana queimada (ALESSI & SCOPINHO 1994;SCOPINHO, 1999; ALVES, 2006). Percebe-se,mesmo considerando os avanços na atuação dosetor, que a agroindústria canavieira tem dedicadopouca ou nenhuma atenção aos problemas sociaisenvolvidos no processo produtivo. Nesse sentido, oque vem predominando nessa importante atividade

1.4 - Impactos sobre a Infra-Estrutura Urbana

A chegada da agroindústria canavieira empequenos e médios municípios tem alterado toda adinâmica urbana e criado novas demandas porserviços públicos, tais como saúde, segurança,educação, abastecimento de água, tratamento deesgoto, saneamento básico, habitação, dentreoutros. O fluxo de trabalhadores atraídos por essesempreendimentos pressiona a infra-estruturaexistente, ao mesmo tempo que exige maioresinvestimentos por parte dos governos municipais. Apesquisa de campo pôde constatar nos municípioscanavieiros percorridos, que os moradoresassociam a instalação das usinas à piora naqualidade dos serviços públicos, bem como aoaumento da criminalidade e da prostituição:

meçaram a arrendar pra cana (Entrevista comrepresentante do Sindicato dos TrabalhadoresRurais, Uberaba/MG, 27/11/2006).

econômica brasileira é a lógica do paradigma daadequação tecnológica que se traduz em: progressotécnico agrícola/industrial, redução de emprego,precarização do trabalho e desrespeito à legislaçãobrasileira.

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Da mesma forma, pôde-se verificar durante otrabalho de campo uma pressão sobre a infra-estrutura de habitação com conseqüente inchaçodas áreas de periferia. No município de Uberaba/MG algumas localidades periféricas tiveram umaumento considerável da população residente, emvirtude da acomodação de migrantes cortadores decana que optam por não retornarem às suas cidadesde origem, exemplo disso, são os bairros de JardimUberaba, Valim de Melo e Jardim Alvorada. Apermanência dos trabalhadores nas cidadescanavieiras e a posterior vinda de seus familiares,como visto no bairro Jardim Alvorada onde a maioriados barracos é ocupada por maranhenses,ocasiona uma forte demanda por serviços básicoscomo saúde, educação, coleta de lixo e segurança.Ademais, como na entressafra o contingente demão-de-obra empregada é bem menor, muitostrabalhadores que não retornam para suaslocalidades permanecem desempregados até oinício da próxima safra.4

O período da safra foi identificado como sendo omomento de maior pressão sobre os equipamentosde infra-estrutura municipal. Durante esses mesesaumentam o número de habitantes, os atendimentosem hospitais, o volume de lixo produzido, aquantidade de água utilizada, dentre outrasdemandas. Essas modificações têm interferênciaem toda dinâmica urbana e exigem um rearranjo narotina dos moradores outrora acostumados comambientes pacatos e tranqüilos. Do mesmo modo,requerem uma resposta dos executivos municipaisque são forçados a aumentarem a capacidade deinvestimento em decorrência dos problemasocasionados pela agroindústria canavieira. Osreflexos disso podem ser ilustrados pela declaraçãode um secretário municipal:

4 Essa mesma situação foi encontrada nos municípios de Nova Alvorada do Sul e Rio Brilhante no Sudeste de Mato Grosso do Sul.5 Cabe lembrar os efeitos negativos das queimadas sobre os microorganismos presentes no solo, bem como as ameaças às zonasremanescentes de vegetação nativa. Além disso, as queimadas em regiões de canaviais ocasionam maior consumo de água, comoconfirmam dados do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto, onde ocorre um aumento de 50% dos níveis de utilização durantea época da safra, tendo em vista que os habitantes são forçados a limparem várias vezes os quintais, calçadas e roupas que se sujam emvirtude da fuligem dispersa na atmosfera (MATTOS & FERETTI FILHO, 2000).

Na época da safra temos uma grande pressãosobre os equipamentos de infra-estrutura. Parase ter uma idéia, nossa média de lixo aqui nomunicípio é de 700 gramas/dia/habitante,quando chega o período de safra isso dá umsalto para mais de 1200. Já tivemos inclusiveque ampliar nosso aterro sanitário (Entrevis-ta com representante da Secretaria de Agri-cultura Pecuária e Meio Ambiente – Iturama/MG, 28/11/2006).

A deterioração das rodovias e estradas rurais éoutro problema associado à atuação daagroindústria canavieira. O peso excessivotransportado pelos caminhões que realizam opercurso campo-usina reduz os custos de produção,ao mesmo tempo que arruínam a malha asfáltica eas vias que fazem a ligação entre comunidadesrurais. Durante a pesquisa de campo foi possívelverificar a existência de um fluxo intenso de grandescaminhões nas estradas próximas às usinas, bemcomo constatar a precariedade dos trechosrodoviários e rurais circunvizinhos às unidades defabricação. Em entrevistas realizadas nosmunicípios percorridos observamos a existência deuma vinculação entre o transporte de cana na safrae uma piora nas condições dos acessos rurais eintermunicipais.

1.5 - Impactos Ambientais da Produção Canavieira

A pesquisa de campo pôde constatar que aprodução canavieira tem ocasionado muitosproblemas ambientais, tais como: destruição deáreas com vegetação nativa, contaminação desolos, nascentes e rios, poluição da atmosfera pelaqueima de canaviais, destruição da biodiversidade,dentre outros mais. O problema ambiental maisvisível são as queimadas em canaviais, queacontecem em aproximadamente 80% das áreasplantadas. A utilização dessa técnica reduz cercade 80 a 90% o volume de palha da cana, ao mesmotempo que facilita o corte manual, diminui os custosde transporte e compensa perdas de até 20% nasafra. Entretanto, áreas de reserva legal ilhadas emcanaviais, animais da fauna nacional e populaçõescircunvizinhas aos plantios têm arcado com todo oônus socioambiental resultante dessa prática.5

Evidências desse tipo de ocorrência foram captadasdurante a pesquisa e podem ser percebidas nosseguintes fragmentos:

A usina queima a cana ou no começo da noiteou quase amanhecendo, lá pelas cinco horas.Vem muita sujeira com a queima da cana. Elesqueimam em círculo, aí os bichos ficam lá nomeio. Morre tudo os coitadinho. Antes tinhacapivara, daí deu de aparecer muitas mortas,queimada. Agora ocê não vê mais nenhuma.Arara vermelha ocê não vê mais. Ocê vê, de

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Como se pode notar nesses trechos, nas zonasde novos plantios o preparo da terra é seguido daderrubada das árvores, que são enterradas paraobscurecer e dificultar a fiscalização dos órgãosambientais. A esse rol de impactos ambientais sejunta a intensa utilização de agrotóxicos, queassociados aos desmates ilegais de matas ciliarestem contribuído para a contaminação de rios ecórregos. A partir dos trechos transcritos dasentrevistas de campo, pode-se notar que osmoradores rurais relacionam a ocorrência dessesproblemas à introdução dos plantios de cana, bemcomo focalizam uma diminuição no volume e nadisponibilidade de água:

Avião que passa jogando veneno contaminatudo, a água, o milho e outros cultivos aí. Hojeem dia tem muita gente morrendo de câncer.Antigamente, o povo todo da roça vivia maisde 90 anos. [...] Nossas nascentes tão sumin-do e os peixes morrendo por causa desses ve-nenos que jogam na cana e escorre proscórregos (Entrevista com B. pequeno produ-tor rural - Uberaba/MG, 26/11/2006).

Em Nova Alvorada do Sul/MS os canaviais estãoa menos de 20 metros das casas localizadas naperiferia da cidade. Na visão dos moradores dessesbairros o período das queimadas representa gravesproblemas que se traduzem em fuligem, fumaça,perigo de incêndio, aumento de doençasrespiratórias, aumento do calor e maior consumode água. Do mesmo modo, essas dificuldadesforam narradas por habitantes de cidadescanavieiras que estão a mais de 30 quilômetros dedistância das áreas de plantio. Assim sendo,percebe-se que as queimadas além derepresentarem graves impactos ambientais têm sidoa causa de vários problemas ocasionados àpopulação dos municípios circunvizinhos às regiõescanavieiras.

A ocorrência de desmates ilegais em áreas denovos plantios foi outro problema relatado durante otrabalho de campo. Para a maioria dos entrevistados,o arrendamento de terras tem provocado o aumentodos desmatamentos, uma vez que fragmentos dematas presentes nas propriedades são derrubadospara dar lugar à homogeneização dos canaviais. Emvários municípios foram coletadas informações queindicam a prática de desmate ilegal e a supressãode matas ciliares:

A usina chega e acaba com tudo. De dia tá láa Aroeira, o Buritizeiro e aqueles pedaços de

vez em quando, umas azuis, mas tá tudo su-mindo (Entrevista com assentada rural/ Assen-tamento Água Vermelha - Iturama/MG, 26/11/2006).

Os animais silvestres estão fugindo para as ci-dades, todos com marcas de queimaduras. Éarara, maritaca, curicaca, siriema, lobo guará,cutia, capivara e até cervo do pantanal temaparecido aí com marcas de queimadura (En-trevista com representante de ONG local -Castilho/SP, 29/11/2006).

Aqui cê tem reserva legal que tá mergulhadano meio do canavial. Aí cada queimada queacontece vai um pedaço da área que devia serprotegida. Cê num vê um passarim nessas áre-as de cana é um espaço intocável que envene-na (Entrevista com representante do Sindica-to dos Trabalhadores Rurais – Rio Brilhante/MS, 01/12/2006).

mata. Aí vem o preparo da terra. De noite tátudo derrubado e enterrado (Entrevista comP. pequeno produtor rural – Uberaba/MG, 26/11/2006).

As árvores que ficavam aí no meio das pasta-gens derrubaram tudo. Esses capãozinhos quetinham aí, esses amontoado de árvore, já aca-baram todos. De dia preparam a terra e denoite enterram as árvores (Entrevista com as-sentado rural – Nova Alvorada do Sul/MS, 04/12/2006).

Aqui mudou muita coisa, mudou as estradas,tirou as matas, não tem mais cerca. Anoiteceeles [trabalhadores da usina] ainda tão pre-parando a terra, amanhece já não tem maisárvore, tá tudo enterrado. Aqueles troncoscumpridos de aroeira, eles abrem um buracogrande, um valão de 3 a 5 metros de fundurae enterram tudo. Dá dó. Os troncos grandesdemais eles põe no caminhão e some com aqui-lo. Se for um pequeno a polícia multa na hora,mas, os grandes ninguém vê (Entrevista comcomerciante local - Rio Brilhante/MS, 03/12/2006).

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A partir das entrevistas de campo e dasevidências assinaladas neste texto, constata-se queo atual modelo de produção empregado pelaagroindústria canavieira não coroa princípiosmínimos de sustentabilidade ambiental e/ou social.Nesse sentido, é inaceitável que a produção de umaenergia tida como limpa acarrete os inúmeros danose impactos socioambientais anteriormentemencionados. A esse respeito, há que se ter emmente a complexidade dos processos envolvidosna geração dessa energia e não somente seu menorteor de poluição do ambiente, sobretudo, quandoavaliamos os graves problemas envolvidos naprodução deste insumo, tais como: emprego demonoculturas, deslocamento de populações rurais,pressão sobre a produção de alimentos,reconfiguração do espaço rural, destruição davegetação nativa, contaminação de solos, rios enascentes, poluição atmosférica, enfermidadesrespiratórias, mortes por excesso de trabalho eoutros mais. Assim, na tentativa de demonstrar aaplicabilidade de um modelo mais sustentável deprodução, procuraremos apresentar a seguir asexperiências de uma mini-destilaria de álcool queobjetiva descentralizar a produção, minimizar osimpactos negativos e promover a permanência dotrabalhador no campo.

1.6 - Da Monocultura aos Cultivos Diversificados: A Produção deÁlcool em Mini-Destilarias

A produção de álcool baseada num modelo queintegra geração de energia e cultivo de alimentosvem sendo desenvolvida na região dos municípiosde Ponte Nova e Guaraciaba na Zona da Mata

6 O projeto visitado é desenvolvido por Sergio Pataro em sua propriedade rural e tem despertado o interesse de cooperativas e de pequenosprodutores rurais. O custo médio para implantação de uma mini-destilaria com capacidade de produção de 300 litros/dia é cerca de R$17.000,00.7 Informações obtidas com o autor do projeto durante a pesquisa de campo dão conta da possibilidade de aplicar essa tecnologia naconstrução de mini-destilaria com capacidade de 50 a 2.500 litros/dia.8 A panela é posicionada dentro de uma fornalha de fogo direto abastecida por lenha de eucalipto plantado em uma área da propriedade e/ou por bagaço de cana.

Quando dá deles [usinas] molhar as cana, ocórrego aí chega quase a secar. Num dá nempra gente dá o de beber pras criação (Entre-vista com assentada rural - AssentamentoÁgua Vermelha - Iturama/MG, 26/11/2006).

Tem 30 anos que eu moro aqui. Nóis andava apé. Fomos criado dentro daqueles córregos.Agora que a cana chegou tá acabando tudo,os córregos tão secando tudo. Nem peixe temmais (Entrevista com morador da zona rural -Itapura/SP, 29/11/2006).

mineira. A proposta consiste em produzir álcool apartir da tecnologia empregada em mini-destilariaspromovendo um circuito de sustentabilidadeeconômica e ambiental que possibilita a autonomiaenergética da propriedade rural.6 Essa alternativapermite que a propriedade rural seja auto-suficienteem energia, ao mesmo tempo que diversifica osusos do solo, incentiva a permanência do homemno campo, diminui os fluxos de transporte,descentraliza a produção de álcool e reduz osimpactos socioambientais.

O projeto visitado tem capacidade para produzir300 litros de álcool no intervalo de cada 10 horas,7

mas a quantidade processada anualmente dependedas necessidades da propriedade e daspossibilidades de comercialização. O plantio dacana é realizado em áreas próximas à mini-destilariareduzindo os custos com transporte e possibilitandoo uso do vinhoto como fertilizante das lavouras.Nessas condições, obtêm-se em média 70toneladas/hectare o que resulta em uma produçãode aproximadamente 4.200 litros de álcool porhectare plantado. Assim sendo, é possível planejara área cultivada com cana tendo como referência ovolume de álcool que se pretende produzir. A etapado corte é realizada manualmente e não utiliza oemprego de fogo, uma vez que as partículasgeradas pela queima da palha podem dificultar oprocesso natural de fermentação. Além disso,durante o trabalho do corte é separada a chamadaponta da cana que é utilizada tanto para aalimentação do gado, quanto para o replantio dalavoura.

A moenda empregada para extração da garapapossui um motor adaptado movido a álcool e o caldoextraído é direcionado por gravidade para as caixasde fermentação posicionadas em uma área acimada mini-destilaria. Esse processo de fermentaçãoé todo natural e ao se atingir o ponto ideal paradestilação o caldo é novamente conduzido porgravidade para a panela de fervura.8 O processo dedestilação utilizado na mini-destilaria permite afabricação de álcool combustível, desinfetante,cachaça e outros produtos, tendo em vista queadmite uma variabilidade da gradação alcoólica.

Na operação desse sistema os subprodutos ge-

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2) Produção de Biodiesel2.1 - Regularização Legislativa e Introdução na Matriz Energética

O Biodiesel é um combustível líquido derivadode biomassa renovável, produzido a partir dediferentes matérias-primas, tais como: óleosvegetais extraídos das sementes e grãos de soja,girassol, mamona, pinhão manso, palma, algodão,babaçu, dentre outras; gorduras animais; e óleosresiduais. A produção do combustível ocorre pormeio de diversas rotas tecnológicas, todavia,pesquisas evidenciaram a adoção datransesterificação como principal processo deprodução. Esta tecnologia consiste em uma reaçãoquímica em meio alcalino, onde se fazem reagiróleos vegetais ou gorduras animais e um álcool(etanol ou metanol). Através desta reação se temcomo produto preponderante o biodiesel (éster deácidos graxos). Como subproduto, tem-se aglicerina que é utilizada em diversas aplicações daindústria química.9 A cadeia produtiva do biodieselgera ainda uma série de outros co-produtos, como

A época da colheita da cana bate certinho coma seca. Aí o bagaço entra como alimentaçãoem abundância pro gado. Além disso, dá prausar o vinhoto misturado ao bagaço. Acaba oproblema com pastagem (Entrevista comidealizador do projeto de mini-destilaria –Guaraciaba/MG, 15/01/2007).

Na visão do idealizador do projeto a introduçãodesse método possibilita a junção entre cultivosenergéticos e produção de alimentos, além depropiciar a independência energética do pequenoprodutor rural, uma vez que o combustível produzidopode ser introduzido em veículos da propriedade,em motores a álcool utilizados para irrigação, emmáquinas agrícolas e em fontes de geração motrize elétrica. Dessa maneira, a produção de álcoolpode viabilizar a permanência do homem no campoao dirimir a dependência do mercado de energia ediminuir os custos de produção:

Eu comecei esse projeto pela necessidade desobreviver no campo. Fui usando a cabeçapara ver se saia do marasmo financeiro, mastudo que eu tentava o combustívelinviabilizava. Tava pensando em largar a roça,mas troquei meu protesto pela pesquisa. Aí meveio a idéia: quem faz cachaça, faz álcool eparti pra isso (Entrevista com idealizador doprojeto de mini-destilaria – Guaraciaba/MG,15/01/2007).

Em outra direção, constrói-se um ciclo desustentabilidade local que diminui os fluxos detransporte, descentraliza a produção de álcool econtribui para uma melhor composição da matriz

energética, tendo em vista a possibilidade de seconjugar a atuação de mini-destilarias e grandesusinas. A partir da introdução de mini-destilarias sepode pensar numa produção mais integrada querespeite a riqueza dos modos de vida daspopulações rurais e propicie uma fixação do homemno campo. Embora essa idéia tenha encontrado solofértil e atraído atenção de cooperativas e pequenosprodutores rurais, o andamento do projeto temenfrentado dificuldades em virtude da existência deum conglomerado de interesses representados pelaagroindústria canavieira. A partir das observações einformações coletadas na pesquisa de campo,percebe-se a possibilidade de replicação desseprojeto em outras áreas rurais, como atesta o fatodessa tecnologia já ter sido implantada em váriaspropriedades do país. Não obstante, há que seromper com o domínio exercido pelas grandesusinas e se erigir um novo paradigma que promovaa descentralização da produção, a diminuição dosimpactos, a inclusão social e a redistribuição depoder e renda. Assim, poderia se propalar aexistência de uma energia verdadeiramente limpatanto do ponto de vista da emissão de gases de efeitoestufa, quanto do respeito aos ecossistemas e àspopulações afetadas.

gerados durante o processo de produção sãointegrados às demais atividades da propriedaderural. O vinhoto é utilizado tanto para a fertilizaçãodo solo, quanto misturado ao bagaço de cana e/ouração para alimentação do gado. Da mesma forma,o bagaço é empregado como fonte de calor paraalimentar a fornalha da mini-destilaria e comoalimento do rebanho. Assim, nos períodos de secae de pastagens ruins o gado mantém a produtividadede leite e de carne sustentada no aproveitamentodos subprodutos da produção de álcool:

8 A glicerina bruta proveniente da produção de biodiesel somente pode ser utilizada pelas indústrias químicas após a extração de certasimpurezas. Pesquisas estão sendo desenvolvidas com o intuito de viabilizar a aplicação do material na forma como é gerado. A maiorpreocupação é que ainda não existe um prognóstico sobre a oferta e demanda do mercado de glicerina depois da comercializaçãointensiva do biodiesel. Desse modo, não é possível realizar qualquer avaliação sobre a amplitude dos problemas que serão gerados peloexcesso de produção de glicerina.

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10 Para conhecer as regras do leilão estabelecidas pela ANP consultar Resolução CNPE nº 3, de 23 de setembro de 2005.

2.2 - Metas de Produção e a Pressão sobre os Ecossistemas

A demanda total de óleo diesel no Brasil é de 40bilhões de litros anuais, sendo 94% produzido nopróprio país e 6% importado, o que corresponde a2,4 bilhões de litros anuais. Para o uso da misturaB2 será necessário um volume aproximado de 840milhões de litros/ano de B100 (índice arrematadocom o último leilão público da ANP). Para realizar amistura B5, obrigatória a partir de 2013, estima-seque o volume a ser produzido chegará a 2,6 bilhõesde litros de B100 por ano (MAPA et al., 2005). Nestesentido, a expectativa do Programa Nacional deProdução e Uso do Biodiesel - PNPB é de que aprodução do B5 possa significar a autonomia noatendimento à demanda de óleo diesel consumidono Brasil. Contudo, apesar do biodiesel ter surgidocomo um substituto gradativo ao óleo diesel e terum mercado assegurado pelos próximos oito anos,o cultivo de múltiplas oleaginosas e a infra-estruturalogística de distribuição e de suprimentos dematéria-prima ainda são incipientes, conformeretrata a entrevista realizada com o proprietário deuma unidade produtora de biodiesel em Cássia/MG:

a torta e o farelo utilizados na fertilização do solo ena alimentação animal.

A Lei nº 11.097/2005 introduziu o biodiesel namatriz energética brasileira e atribuiu à AgênciaNacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis- ANP, a competência de órgão regulador daprodução, importação, exportação, armazenagem,estocagem, distribuição, revenda, comercializaçãoe fiscalização dos biocombustíveis. Ademais, a leiestabelece a obrigatoriedade de adição do biodieselao óleo diesel nos percentuais mínimos de 2%(mistura denominada B2) e 5% (mistura denominadaB5), a serem cumpridos respectivamente a partirde janeiro de 2008 e 2013.

Dentro desse mesmo arcabouço jurídico, oDecreto nº 5.297/2004 (alterado posteriormente peloDecreto n° 5.457/05) criou o certificado de“Combustível Social” e definiu níveis diferenciadosde incentivos fiscais até a completa desoneração,de forma a estimular a inclusão social e aparticipação da agricultura familiar na cadeiaprodutiva. Para as regiões Norte e Nordeste aredução de algumas alíquotas pode chegar a 100%se a oleaginosa utilizada for a palma ou a mamonaplantadas por agricultores familiares e de 31% casosejam provenientes de agricultura intensiva. Já paraas demais regiões o desconto é de 68% paraqualquer oleaginosa adquirida da agricultura familiar.Esse Decreto estabelece ainda que para o produtorde biodiesel obter o “Selo Combustível Social” seránecessário comprovar a aquisição de percentuaismínimos de matéria-prima da agricultura familiar,instituir regras de compra da produção com preçospré-fixados e assumir algumas prestações deserviços tal como a assistência técnica aosagricultores. É somente de posse do “SeloCombustível Social” ou de um projeto para suaobtenção que os empreendedores podem concorreraos leilões públicos de compra do biodieselorganizados pela ANP.10

Já foram coordenados quatro leilões públicos eo volume arrematado alcançou a marca de 840milhões de litros/ano de biodiesel puro, denominadoB100. Este produto deverá ser entregue pelosfornecedores de biodiesel em tancagem própria oude terceiros e recolhidos pelos compradoresautorizados, quais sejam: Shell Brasil, Texaco BrasilLtda, Ale Distribuidora e BR-Petrobrás (GOVERNOFEDERAL, 2006). A produção de biodiesel somentepoderá ser comercializada diretamente com essasdistribuidoras, que por sua vez farão a mistura aodiesel de petróleo dando origem ao B2. As empresas

que venceram os leilões para ofertar o biodiesel puropossuem usinas em operação comercial ou emprocesso de instalação em vários estadosbrasileiros, cada qual, teoricamente, com suasespecificidades de matéria-prima: PA (Dendê), TO,MA, PI, CE, BA (Mamona), MT, GO, MG, SP, RJ (Soja)e RS (Girassol).

O que acontece é que algumas empresas par-ticipam do leilão sem nenhuma capacidade deprodução. Os procedimentos estão equivoca-dos, deveriam ao menos considerar a logísticade distribuição do produto. A partir disso se-ria possível ofertar o biodiesel por região deacordo com a demanda. Da maneira comoestá se compra a matéria-prima de um lugar,se produz em outro e se entrega em um tercei-ro (Entrevista realizada em 23/11/2006).

As “Diretrizes de Política de Agroenergia 2006-2013” (MAPA et al., 2005) demonstram que omercado de biodiesel conta, nesta fase atual, comuma infra-estrutura produtiva mista, composta porexperiências oriundas de plantas-piloto compequena escala de produção e com unidades demédia-escala com maiores níveis de automaçãoindustrial. Não obstante, as informações coletadasdurante a pesquisa de campo indicaram que muitas

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11 Esta última tecnologia de produção se constitui em um processo que provoca a quebra de moléculas por aquecimento a altas tempera-turas, formando uma mistura de compostos químicos com propriedades muito semelhantes às do diesel de petróleo. A vantagem dobiodiesel produzido através desta tecnologia é que ele pode atender as comunidades rurais isoladas dos grandes centros urbano-industriais, devido à facilidade de manuseio do equipamento e da necessidade mínima de insumos para produção, proporcionando àdemanda localizada uma auto-suficiência em relação ao óleo diesel (MDA, 2005).

empresas que obtiveram autorização da ANP parainiciar a produção do biodiesel estão com suasunidades produtivas em processo de instalação.Dessa maneira, evidencia-se que a infra-estruturade atendimento à quantidade arrematada nos leilõespúblicos da ANP ainda é insuficiente, o que podecomprometer as metas do Programa.

Outro problema referente à falta de infra-estruturapara atendimento do PNPB diz respeito àdistribuição do biodiesel. A Resolução nº42/2004 daANP determina que as unidades de produção nãopodem realizar a comercialização direta com osconsumidores finais, tendo em vista que a misturado biodiesel puro ao diesel de petróleo é facultadasomente aos distribuidores de combustíveis líquidose as refinarias autorizadas pela ANP. Conforme aPortaria nº483/2005, o transporte do B100 para oscentros de mistura fica a cargo de um acordo entreo fornecedor e o comprador do produto. O que severificou em campo é que essa lógica implica emgrandes fluxos de deslocamentos e no consequenteaumento dos dispêndios com energia, uma vez queo escoamento da produção está atrelado àsempresas que estão distantes das usinas debiodiesel.

Há que se fazer uma ressalva quanto àcapacidade do parque de tancagem das empresasprodutoras de biodiesel. O que se constatou napesquisa de campo é que ainda não há uma infra-estrutura para o armazenamento e nem para oescoamento da produção. No caso da Soyminas, aprimeira usina de biodiesel instalada no país, nomunicípio de Cássia/MG, a capacidade deestocagem é de 200 mil litros. Para esta usina queestá autorizada pela ANP a produzir 40 mil litros/dia, haveria necessidade de transportar o produtono intervalo de cada seis dias. Entretanto, adistribuidora responsável pela retirada do produtotem demorado muito além do previsto, atrasandoem até cinco meses a coleta do biodiesel produzido(Entrevista com proprietário da unidade de produçãode biodiesel - Cássia/MG, 23/11/2006). A falta delogística de escoamento do produto implica emparalisações constantes nesta unidade de produçãoe, consequentemente, na impossibilidade defornecimento do biodiesel, uma vez que para atendera quantidade ofertada no leilão da ANP (12 milhõesde litros) a usina necessita operar durante 300 dias/ano e carece de um transporte regular dos estoques.

A não resolução destes problemas podecomprometer as estimativas do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, deque o Brasil produzirá até 2035, apenas para omercado interno, um volume aproximado de 50bilhões de litros de biodiesel. A maior parcela destecombustível será produzida por transesterificação(80%) e o restante (20%) por craqueamento.11 Paraa concretização desta produção e para difundi-lapelo território nacional, o Governo precisará de novosinvestimentos e de uma reavaliação total da cadeiaprodutiva do biodiesel, desde a aquisição ediversificação de sementes, passando pelapreparação da terra, insumos agrícolas, plantação,colheita, produção, estocagem, transporte, misturae distribuição até o consumidor final. Isso sem contarcom os co-produtos gerados no processo deobtenção do biodiesel.

A situação se agrava quando se analisa o cálculogovernamental para atender a demanda nacional einternacional. A previsão é de que até o final de 2035,serão necessárias 900 grandes usinas comcapacidade superior à produção de 100 milhões delitros/ano de biodiesel. Para o cumprimento dessameta, a produção deverá estar atrelada à “premissade aumento da densidade energética” quepressupõe uma melhoria nos sistemas de produção,aumento de produtividade e do teor de óleo dasoleaginosas (passando dos atuais 500 kg/hectarepara 5 ton/hectare). Para suprir as condições destenível de produção será necessária ainda aincorporação de quase 20 milhões de hectares denovas áreas para o plantio das oleaginosas (MDA,2005). Neste contexto, estudos oficiais estipulamque a ocupação de novas áreas se dê,principalmente, sobre o bioma do Cerrado que “tem”cerca de 90 milhões de hectares “livres” para aexpansão dos cultivos usados na produção dosbiocombustíveis (MDA, 2005; NAE, 2004). Ademarcação destes territórios de expansão,escolhidos por suas extensas áreas planas quefacilitam a mecanização das plantações, não levaem consideração a importância ecológica dosecossistemas de chapadas, predominantes noCerrado Contínuo. Composto por solos profundose permeáveis esse ecossistema é responsável pelarecarga hídrica do bioma e pela distribuição daságuas que abastecem, praticamente, toda a baciados rios São Francisco e Araguaia/Tocantins, alémdas bacias do Paraná, Atlântico Norte-Nordeste,

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11 Foi constatado no trabalho de campo que, gradativamente, os produtores da região do Triângulo Mineiro e do Mato Grosso do Sul estãosubstituindo seus cultivos de soja por cana-de-açúcar.

Figura II - Áreas do Cerrado ContínuoFonte: MAZZETO, 2005.

Atlântico Leste e parte dos afluentes da margemdireita do Amazonas (MAZZETTO, 2005).

As figuras seguintes possibilitam demonstraruma sobreposição entre as regiões de Cerrado, oscultivos de agroenergia e as bacias hidrográficas.Nesse sentido, pode-se vislumbrar uma influênciadireta dos cultivos de agroenergia sobre amanutenção hídrica das principais bacias brasileiras.Ademais, como existem áreas dos estados do suldo país, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e MinasGerais, que se caracterizam ao mesmo tempocomo sendo zonas atuais de cultivos de soja e áreaspotenciais para expansão da agricultura de energia,pode se esperar um agravamento dos impactossobre as bacias dos Rios Amazonas, Paraná,Tocantins, São Francisco e Uruguai.12 Em outradireção, é possível visualizar a expansão sobrealgumas regiões de Goiás, Tocantins, Maranhão,Piauí e Bahia, que ainda possuem áreaspreservadas de Cerrado, fundamentais para asbacias hidrográficas do Rio Tocantins, do Rio SãoFrancisco e das bacias do Atlântico. Ao semanterem as atuais projeções de ocupaçãoagropecuária do cerrado poderá ocorrer ocomprometimento da disponibilidade e da qualidadeda água existente nas bacias brasileiras.

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Fonte: MDA, 2005.

Figura III - Expansão da Agricultura de Energia

A ocupação dessas áreas de Cerradoconsideradas como de grande potencial para aagricultura voltada à produção de biocombustíveis,além de prejudicar as funções hidrológicas daschapadas, implica ainda na destruição dabiodiversidade deste bioma. É nesse cenário quese anuncia o conflito entre o agronegócio, apreservação de ecossistemas e a continuidade dareprodução social dos camponeses, das minoriasétnicas e indígenas que por gerações convivem comas condições naturais do Cerrado.

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[...] para os produtores de soja vai ser umacolher de chá extraordinária, porque a sojatem o preço controlado pelo mercado interna-cional, às vezes aumenta, às vezes cai. Na hora

Figura IV – Mapa das Unidades de Biodiesel no Brasil

Fonte: ANP, MDA, SIAM, sites empresariais e Jornais regionais.

Em Construção e/ou projetada

Região Autorizadas pelaANP

NorteNordesteCentro-OesteSudesteSulTOTAL

012216221475

020407070323

Das 23 usinas que se credenciaram nos leilõesda ANP para produzir biodiesel até o final de 2007,12 têm a soja como única matéria-prima e outras 8utilizam este grão mesclado à outras oleaginosas.Assim temos um total de 20 empreendimentosdedicados à fabricação desse biocombustívelatravés da soja, o que representa quase 87% dasunidades autorizadas pela ANP.13 Mesmo as usinasprojetadas para a região Nordeste que tinhamprevisão de utilizar outras oleaginosas, já passarama fazer uso da soja, a exemplo da Brasil Ecodieselque hoje apresenta os seguintes índices de matéria-prima empregada na produção: 97,2% de óleo desoja; 2,1% de mamona e 0,7% de algodão (FOLHADE SÃO PAULO, 2006). A consolidação da sojacomo matéria-prima principal para a elaboração dobiodiesel, implica no emprego de um modelo deprodução que traz em seu bojo o plantio demonocultura, a concentração de terras, a expulsãodo pequeno produtor, a supressão de matas nativas,dentre outros impactos socioambientais. Estes fatoscontrariam os objetivos do Plano Nacional deBiodiesel que visavam garantir ao agricultor familiara possibilidade de geração de renda e depermanência no campo. Ademais, através do cultivode múltiplas oleaginosas seria possível não apenasinserir o agricultor familiar no PNPB, mas, tambémdiminuir a dependência de uma única matéria-primasujeita às leis de mercado e às intempéries naturais.

Mesmo sendo uma oleaginosa cujo óleorepresenta somente 18% do grão, bem abaixo doamendoim (50%), da mamona (47%), da palma(45%), do girassol (45%), do pinhão manso (37%) edo nabo forrageiro (36%), a utilização da soja paraa produção de biodiesel é vista pelos governantes eempresários brasileiros como um mecanismoestratégico para a regulagem de preços no mercadointerno e externo. A idéia é fazer com a soja o que jáé feito com a cana-de-açúcar, ou seja, através deuma mesma matéria-prima cultivada em latifúndiosproduzir uma gama diversificada de mercadoriaspodendo obter maiores lucros dependendo dademanda de mercado. Isso pode ser evidenciadono pronunciamento do presidente Luís Inácio Lulada Silva durante a inauguração de obras no MatoGrosso:

13 Os cálculos foram elaborados pelos autores subsidiados em dados sobre as fontes oleaginosas utilizadas nas unidades produtoras debiodiesel, que estão disponíveis nos sites da ANP, MDA e das próprias empresas.

2.3 - O Monopólio da Soja na Produção do Biodiesel e os Riscos daSubstituição dos Cultivos Alimentares

Embora o objetivo principal do Programa Nacionalde Biodiesel seja incentivar a participação daagricultura familiar através da diversificação doscultivos e aproveitar as especificidades de clima esolo de cada região do país, isso não tem severificado na sua execução. Como se pode notarno mapa disposto a seguir, tem ocorrido umaconcentração dos empreendimentos na regiãoCentro-Sul do país e isso implica em uma logísticade transporte tanto para o abastecimento dematérias-primas, quanto para o escoamento daprodução. Do mesmo modo, essa concentraçãoimpede a existência de uma diversificação decultivos, haja vista as especificidades naturaisencontradas em cada região do país. Percebe-seque os incentivos fiscais diferenciados para asregiões Norte e Nordeste não estão atraindo osinvestidores, uma vez que somente 6 das 23 usinasde biodiesel autorizadas pela ANP foram instaladasnestas regiões. Nesse sentido, a possibilidade deutilização da produção de soja, com preços emqueda no mercado internacional, tem se mostradomais vantajosa e isso contribui para a formação deum mercado de grande escala alicerçado nasojicultura.

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Assim sendo, a supremacia do emprego da sojana produção de biodiesel pode ampliar os impactosjá existentes e inviabilizar o cumprimento dosobjetivos sociais inicialmente previstos pelo PNPB.No ano de 2005 foram plantados mais de 23 milhõesde hectares de soja (IBGE, 2005) e na atualcircunstância este cultivo é o único com escala deprodução capaz de atender a demanda das usinasde biodiesel. Com uma estimativa de produção emtorno de 53 bilhões de toneladas por ano, os grãosde soja correspondem por 90% de todos os óleosvegetais produzidos no país. A perspectiva dogoverno é de que a soja seja responsável por até60% da matéria-prima utilizada na produção debiodiesel (MDA, 2005). Todavia, os grandesempresários da soja esperam manter essaparticipação em cerca de 90% do mercado. A grandepreocupação que extrapola os anseiosmercadológicos de produção, venda e consumo dosbiocombustíveis é o recorrente avanço destamonocultura sobre os biomas Amazônico e deCerrado, bem como seus impactos na reproduçãoda agricultura familiar e nos plantios de gênerosalimentícios.14

Nesta nova corrida por biocombustíveis osmonocultivos são grandes ameaças à produção dealimentos. A expansão tanto da soja, quanto da cana-de-açúcar traz uma série de incertezas no tocanteao abastecimento de alimentos, uma vez que existea possibilidade de substituição de cultivos. No intuitode avaliar a concorrência entre a produção deoleaginosas e de gêneros alimentícios, averiguamosdurante a pesquisa de campo a existência deplantios consorciados como forma de reduzir apressão sobre a produção de alimentos. Osagricultores entrevistados no Noroeste do RioGrande do Sul e Sudoeste de Minas Gerais nosdescreveram experiências com plantio de girassolna entre linha do milho, bem como a utilização dessatécnica para produzir mamona com feijão, soja commilho, amendoim com girassol ou através de

lavouras com pluricultivos. Além disso, coletamosrelatos sobre a possibilidade de se produzir mel nasplantações de girassol, nabo forrageiro e canola. Asinformações são de que conjugando 15 hectaresde girassol com três caixas de abelha é possívelquitar os custos de produção da lavoura somentecom a venda do mel (Entrevista com técnico daCOOPERBIO - Palmeira das Missões/RS, 16/12/2006).

Outra possibilidade identificada para reduzir apressão sobre os cultivos alimentares é utilizar osistema safra/safrinha ou de cultivo de inverno/verão, nos quais se empregam os rodízios deplantações. Apesar de exercer certa concorrênciacom as lavouras de alimentos substituídas para aintrodução das oleaginosas, essa técnica permiteuma compensação das perdas em áreas plantadascom alimentos, uma vez que melhora aprodutividade/hectare da safra seguinte. Em Cássia/MG, foi realizado o plantio do nabo forrageiro noperíodo de safrinha e a experiência se mostrouexcelente para adubação natural da terra, proteçãodo solo e melhoria da produção de milho da safrasubseqüente (Entrevista com pequeno produtor rural- Cássia/MG, 24/11/2006). Embora essasexperiências sinalizem a possibilidade de cultivosdiversificados que conjuguem a produção dealimentos e de energia, uma fabricação de biodieselcalcada no emprego da monocultura de sojainviabiliza tentativas mais sustentáveis,descentralizadas e com inclusão da agriculturafamiliar.

14 Com relação à questão dos impactos da expansão da soja sobre o Cerrado e a Amazônia, consultar: MAZZETTO, 2005; DE QUEIROZ,2004; FEARNSIDE, 2002; GALINKIN, 2002; entre outros.

em que a gente introduzir a soja no óleo die-sel, o que vai acontecer? Na hora em que opreço lá fora estiver pequeno, a gente produzmais biodiesel, na hora em que o preço lá foraestiver bom, a gente vende por um preço me-lhor e a gente vai garantir, numa regulagemde mercado, como a gente regula hoje o álco-ol e o açúcar (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLI-CA, 2006).

2.4 - Agricultura Familiar e Produção de Biodiesel

Durante o trabalho de campo percebemos que oprojeto de inserção do pequeno agricultor noPrograma Nacional de biodiesel ainda é bastanteincipiente. Ademais, foram coletados indícios de queos mecanismos de controle e fiscalização do “SeloCombustível Social” não estão sendo capazes deimpedir que a produção da agricultura familiar sejautilizada apenas como fachada para a obtenção dosincentivos fiscais. Os agricultores entrevistados naregião de Cássia/MG afirmaram que a usina realizaa “compra de papéis” que comprovam a entrega doproduto de origem familiar, mas de fato abastecesua produção com matéria-prima advinda demonocultivos realizados na região Centro-Oeste dopaís. A esse respeito, os relatos dispostos a seguirsão emblemáticos:

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Da maneira como foi instituído o biodieselaqui na região vai favorecer somente o médioe o grande produtor, pois, a cultura tá maisvoltada pro agronegócio. A atividade em si éantieconômica para o pequeno produtor, maspode funcionar em termos de benefícios paraa terra (Entrevista com técnico da EMATER –Cássia/MG, 24/11/2006).

O desinteresse dos agricultores familiares,ocasionado pela ausência de incentivos e deassistência técnica, aliado à baixa produção dasmédias e grandes propriedades dedicadas ao cultivodo nabo forrageiro, acarretaram uma redução daoferta dessa oleaginosa na região. Como se podenotar no trecho transcrito a seguir, essa situaçãotem levado a usina a adquirir diferentes matérias-primas em localidades mais distantes,principalmente, a soja advinda de grandespropriedades do Triângulo Mineiro, Paraná, MatoGrosso e Paraguai:

Eu ia fazer um contrato com a usina pra en-tregar minha produção de nabo, mas quandofui ver o contrato era datado de 2003 e ia até2007, aí eu não topei assinar. Como é que euvou assinar uma coisa de tempo passado? Agente já tava em 2006 e o contrato era lá de2003. Quando perguntei na prefeitura me fa-laram que era um erro de data (Entrevista comA. pequeno produtor rural – Cássia/MG, 24/11/2006).

Eu não vendo pra usina só no papel não, masé isso que tá acontecendo aqui na região (En-trevista com Z. pequeno produtor rural –Cássia/MG, 24/11/2006).

[...] O que tem acontecido aqui na região éque a pequena produção tá sendo utilizada prajustificar o selo social, mas a usina não se in-teressa em saber como está a condição de pro-dução da oleaginosa (Entrevista com técnicoda EMATER - Cássia/MG, 23/11/2006).

Por outro lado, as entrevistas evidenciaram umagrande frustração por parte daqueles pequenosprodutores que investiram na lavoura do naboforrageiro:

Eu até plantei o nabo no primeiro ano, masacho que fica difícil dessa cultura ir pra frenteporque acaba competindo com outros produ-tos que rendem mais (Entrevista com Z. pe-queno produtor rural – Cássia/MG, 23/11/2006).

Os custos de plantio e colheita não foram com-pensados pelo rendimento do nabo forrageiro.Isso afastou o pequeno produtor que aqui naregião está inserido em outras atividades. [...]Em alguns casos o pequeno produtor sequercolheu o nabo porque os custos do processonão compensavam. A produção foi oferecidaà usina que mesmo dispensada de outros cus-tos não realizou a colheita (Entrevista comtécnico da EMATER - Cássia/MG, 23/11/2006).

No início [2005] as pessoas estavamempolgadas com a usina. Eram sessenta pro-dutores no município que plantaram cerca de500 hectares. Hoje [2006], na segunda safra,

Os problemas ocorreram justamente por falta desubsídios aos agricultores familiares, inicialmente,a usina em parceria com a prefeitura ofereceu omaquinário para o preparo da terra e plantio, ficandoa colheita a cargo dos produtores. Todavia, nasegunda safra foram retirados todos os incentivosconcedidos (Entrevista com o presidente doSindicato dos Trabalhadores Rurais de Cássia-MG,23/11/2006). Como a colheita do nabo forrageiro éviável apenas com mecanização, os pequenosagricultores tiveram grandes dificuldades paracoletar sua produção. Os relatos mencionaramproblemas com porteiras e acessos estreitos queimpossibilitavam a entrada da colheitadeira naspropriedades, bem como prejuízos financeirosacarretados tanto pelo pagamento do maquinário,quanto pelo desperdiço de sementes durante acolheita. Esses impedimentos logísticos aliados aobaixo retorno financeiro da oleaginosa fizeram comque 97% dos agricultores cadastrados no projetodesistissem de repetir o plantio na safra seguinte.Em outra direção, constatou-se que o cultivo denabo forrageiro na região de Cássia/MG, ao contráriodo proposto pelo PNPB, tem favorecido grandes emédias propriedades que detêm maior capacidadede investimento e que utilizam esta cultura,primordialmente, para o enriquecimento do solo:

seis plantaram, mas só dois entregaram a pro-dução (Entrevista com Diretor da EMATERem Cássia/MG, 23/11/2006).

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O plantio e a obtenção de matéria-prima nãosão problemas para operação da minha usi-na. Meus custos de produção permitem bus-car até no Paraguai. [...] A compra da maté-ria-prima depende da oferta. Compra-se ondetiver e o produto que estiver sendo oferecido(Entrevista com proprietário de usina debiodiesel – Cássia/MG, 23/11/2006).

Isso reforça a falta de planejamento quanto àlogística de fornecimento das matérias-primasdestinadas à fabricação de biodiesel. Atualmente,constata-se que o plantio de oleaginosas é realizadoem uma localidade, a produção do biodiesel feitaem outra, a mistura em uma terceira e apenasdepois desse itinerário o produto segue para oscentros consumidores.

A partir das impressões e entrevistas coletadasdurante a pesquisa de campo, pode-se vislumbraruma alteração no foco tido como principal noprograma de produção de biodiesel, qual seja,possibilitar a inclusão social e a geração de rendano campo. Por enquanto, o que se percebe é umaplena frustração dos agricultores familiares quantoa sua real participação no PNPB. A esse respeito,merece destaque a afirmação de um pequenoagricultor de Cássia/MG que na esperança deaumentar sua renda cultivou na sua propriedade 4hectares de nabo forrageiro: “Tudo começa nopequeno e termina na mão do grande” (Entrevistarealizada em 24/11/2005). Essa frase sintetiza o quevem ocorrendo no processo de implantação dobiodiesel. A agricultura familiar não está sendoinserida nem mesmo na etapa elementar doPrograma, ou seja, no fornecimento de matéria-prima. Assim sendo, os grandes produtores de sojaestão assumindo um mercado que é propaladocomo sendo o locus da inclusão social dospequenos agricultores.

2.5 - Perspectivas para uma Gestão menos Dependente e maisSustentável

Durante as pesquisas realizadas para subsidiaro trabalho de campo, recorremos à bibliografiaexistente e aos órgãos ambientais para mapearalgumas áreas com indícios de plantio paraprodução de biodiesel. Embora haja usinas emprocesso adiantado de licenciamento, inclusive emfase de licença de operação, a realidade encontrada

no campo foi bastante diferente. Nos municípios deIturama/MG, Araxá/MG, Dourados/MS e Maracaju/MSos projetos ainda estão em fase experimental e nãocontam com a participação da agricultura familiar.Apenas na região de Palmeira das Missões, noNoroeste do Rio Grande do Sul, foi possível conheceruma experiência de produção integrada, ondepequenos e médios produtores fundaram umacooperativa que visa atender a demanda decombustível dos cooperados da região. O objetivoprincipal desta cooperativa é combinar a produçãode alimentos com a produção de energia,participando ativamente de toda a cadeia produtiva.

A Cooperativa Mista de Produção,Industrialização e Comercialização deBiocombustíveis do Brasil Ltda. – COOPERBIO foicriada em 2005 e hoje conta com pequenos emédios agricultores rurais de 63 municípios daregião Noroeste do Rio Grande do Sul. Em linhasgerais, os objetivos específicos da cooperativa são:a produção de biocombustíveis através de váriasfontes de matéria-prima; a descentralização deindústrias de extração dos óleos vegetais, facilitandoao agricultor a utilização do farelo para alimentaçãoanimal; a produção regional de álcool que seráutilizado na reação química para produção dobiodiesel; o consumo da produção dosbiocombustíveis e do óleo vegetal pelos própriosagricultores e prefeituras da região; e ocompromisso de que os envolvidos no projetoparticipem das etapas de produção e dos resultadosfinanceiros da comercialização do biodiesel e dosco-produtos (Entrevista com representante daCOOPERBIO - Palmeira das Missões/RS, 16/12/2006; COOPERBIO, 2005).

A Cooperativa foi criada por integrantes doMovimento dos Pequenos Agricultores – MPA,15 comintuito de propiciar uma integração completa doagricultor familiar na cadeia de produção dobiodiesel. O projeto ainda está em fase deimplantação, mas os cooperados já possuem umestoque de 32 toneladas de sementes de mamonaem armazéns locais e uma área de 300 hectaresplantados com girassol e outros 110 com mamona.“A idéia é trabalhar com multióleos, descentralizandoas unidades de óleo vegetal para que o fareloproduzido fique mais próximo do produtor”(Entrevista com representante da COOPERBIO -Palmeira das Missões/RS, 16/12/2006). Essaestratégia possibilitará um incremento na

15 O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) é um movimento camponês de caráter nacional e popular, que conta com bases em 17estados da federação. O MPA surgiu em 1996 e sua proposta é construir um projeto popular para o campesinato no Brasil. Para maisinformações consultar: www.mpabrasil.org.br

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A idéia de construir um modelo alternativo departicipação ampla em projetos governamentaisadvém de experiências desastrosas com ossistemas de integração do pequeno agricultor nacadeia de produção do tabaco.16 Nessa atividade, ainclusão dos trabalhadores rurais se dá apenas naetapa de fornecimento da matéria-prima e isso navisão dos cooperados se assemelha à proposta atualdo PNPB. Da forma como o Programa Nacional deBiodiesel está desenhado, os agricultores nãopossuem autonomia de produção e de comércio dasoleaginosas. Por enquanto, estão restritos àcomercialização de grãos e sementes sem qualquertipo de valor agregado, além de se sujeitarem apreços pré-fixados e a compradores exclusivos.Destarte, os agricultores se inserem em um sistemade dependência no qual se tornam reféns dascondições de contrato, ficando susceptíveis àsoscilações de mercado e sem qualquer alternativade renda para cobrir possíveis prejuízos.

Para que o Programa Nacional de Produção eUso do Biodiesel - PNPB alcance seus méritos, é

16 Sobre os problemas oriundos da cadeia produtiva do tabaco, consultar: ALMEIDA, 2005.

O intuito é produzir sementes crioulas e im-plantar um modelo agroecológico para se des-vencilhar do sistema petrodependente de gran-des empresas como a Monsanto, Bunge eCargill (Entrevista com representante daCOOPERBIO - Palmeira das Missões/RS, 16/12/2006).

Os cooperados também planejam construir eadministrar, em parceria com a Petrobrás, umaplanta que seja capaz de produzir 400 mil litros/diade biodiesel no município de Palmeira das Missões/RS. Nesse sentido, em maio de 2006 foi assinadoum protocolo de intenções com a estatal,estabelecendo a realização de um trabalho conjuntode análise da viabilidade social, ambiental eeconômica do projeto. Estes estudos foramconcluídos em setembro de 2006 e logo no mêsseguinte foi assinado um memorando deentendimentos, no qual se estabeleceu o início dafase conceitual do projeto. A proposta é de que até ofinal de 2007 esta unidade produtora de biodieselesteja em operação. Ao se concretizar essaparceria na construção da usina existirá aprobabilidade de integração do agricultor familiar emtodas as fases de produção do biodiesel, desde ocultivo de sementes, passando pelo plantio deoleaginosas e esmagamento dos grãos/sementesaté chegar no gerenciamento da produção dobiocombustível.

Dentre as inúmeras parcerias consolidadas pelaCooperativa, destaca-se a estabelecida com aEletrosul Centrais Elétricas S/A que visa investigara viabilidade de se instalar cerca de 10 micro-destilarias de álcool para compor a produção dobiodiesel e gerar eletricidade a partir da biomassa.No mesmo compasso de descentralização, o projetoprevê um plantio de 400 hectares de cana-de-açúcar

e a instalação de moendas móveis para captar agarapa nas próprias lavouras facilitando oescoamento da produção. Assim, seria possível ouso local do bagaço da cana para alimentaçãoanimal, compostagem do solo e geração de energiaelétrica (Entrevista com técnico da COOPERBIO -Palmeira das Missões/RS, 16/12/2006).

A iniciativa desta Cooperativa serve para refletiro papel da agricultura familiar tanto na produção dobiodiesel, quanto para a continuidade doabastecimento de alimentos no mercado interno.Nos diálogos em campo percebemos que ointeresse do pequeno agricultor não é o de setransformar meramente em um fornecedor dematéria-prima, substituindo o modelo de agriculturafamiliar pela lógica mercadológica de produçãoincessante de combustíveis.

Não queremos nos desvencilhar do modelocamponês de produção. A idéia é fazer um novomodelo de cooperativismo em que o agricul-tor participe dos lucros. Ele não pode ganharapenas no fornecimento da matéria-prima.[...] Queremos que as comunidades participemde todo o processo, não só do econômico, mastambém do político (Entrevista com represen-tante da COOPERBIO - Palmeira das Missões/RS, 16/12/2006).

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disponibilidade de ração para as atividades depecuária, suinocultura e avicultura,conseqüentemente, aumentando a produção decarne, leite e ovos. Ademais, contribuirá para aredução nos fluxos de transporte do farelo e da torta.

Além das plantações de girassol e de mamona,os cooperados estão desenvolvendo estudos naprodução de sementes de várias oleaginosas paraa elaboração do biodiesel. Para isso, contam coma assistência técnica de universidades regionais ecom a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária- EMBRAPA.

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ConclusãoO mercado de biocombustíveis vem sendo

estimulado pelas políticas públicas para contençãode mudanças climáticas, ao mesmo tempo que évisto pelos órgãos públicos brasileiros e porempresários do agronegócio como uma grandechance para estimular o crescimento econômiconacional. A análise dos setores canavieiro e deprodução de biodiesel comprova que o discurso dasuposta ameaça maior, representado pelasmudanças climáticas, é utilizado para justificar aexpansão de monoculturas aos custos dedesmatamentos, exploração de mão-de-obraindígena, concentração de terras, expulsão doagricultor familiar do campo, desrespeito às leistrabalhistas, pressão sobre biomas e substituiçãode cultivos alimentares. A pesquisa de campopossibilitou observar in loco os problemas sociais eambientais decorrentes da crescente expansãodesse mercado. Nesse sentido, constatamos queos planos governamentais voltados à produção debiocombustíveis ainda não se desvencilharam dosplantios de monocultura. Assim sendo, a cana-de-açúcar e a soja têm dominado as expectativas deatendimento à produção dos chamadoscombustíveis verdes.

Com os recentes anúncios da União Européia edos Estados Unidos de substituírem o consumo decombustíveis fósseis por biocombustíveis, visandocumprir metas de redução de gases de efeito estufa,conjectura-se um agravamento dos conflitos nasnovas áreas de expansão de cultivos paracombustíveis vegetais. A esse respeito, pode-seesperar grande pressão sobre áreas ocupadas por

grupos indígenas, ribeirinhos, extrativistas,agricultores familiares, minorias étnicas, dentreoutros grupos mais vulneráveis. Além do flagranteconflito social, temos ainda problemas ambientaiscomo desmatamento de florestas, contaminação eredução do volume dos corpos d’água, supressãode ecossistemas, redução de espécies da fauna eflora, bem como uma ampliação desordenada dafronteira agrícola.

Sendo assim, a proposta desta pesquisa foidemonstrar as consequências destes impactossocioambientais e as possibilidades de se implantarsoluções alternativas através de experiências jáexistentes e/ou em implantação no Brasil. Por meiodas visitas técnicas em projetos considerados deboas práticas, buscou-se discutir a viabilidade esustentabilidade dos modelos de produção debiocombustíveis. A partir desses exemplos,constatou-se a possibilidade de se produzirbiocombustíveis alicerçados em uma lógica quepermite a descentralização da produção, a inserçãoe autonomia do agricultor familiar, a implantação depráticas agroecológicas e a redução dedeslocamentos entre as áreas produtoras e centrosconsumidores.

preciso não apenas efetivar a participação doagricultor familiar na etapa inicial, mas, incluí-lo nasdemais fases de beneficiamento das oleaginosas ede produção do biodiesel. Nesse sentido, é possívelconsiderar as experiências iniciadas pelaCOOPERBIO como uma alternativa dedesenvolvimento endógeno e mais sustentável, naqual o agricultor familiar tem a possibilidade deprover recursos para sua manutenção no campo,contribuindo para a descentralização da ocupaçãodo espaço e o encurtamento das distâncias entreos locais de produção, consumo e moradia. De todomodo, é importante ressaltar que a probabilidadede replicação deste modelo em outras regiõesdepende ainda de estudos prévios que contemplemas especificidades socioambientais de cadalocalidade.

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Dourados/MS (02/12/2006): Casa do Cacique da Aldeia Bororó(Guarani-Kaiowá)

Castilhos/SP (29/11/2006): Avanço da cana-de-açucar so-bre área destinada à reforma agrária.

Dourados/MS (02/11/2006): Aldeia Jaguapirú (Guarani-Kaiowá), terra indígina cercada por plantações de soja ecana-de-açucar.

Rodovia MG 255, Triângulo Mineiro (04/12/2006): Excessode peso dos caminhões carregados com cana-de-açucardeteriora a malha rodoviária.

Periferia de Nova Alvorada do Sul/MS (03/12/2006): Além doaumento no número de moradias em periferias dos municípi-os, muitas estão próximas às áreas de canavial e mais vulne-ráveis aos problemas decorrentes das queimadas na épocada colheita.

Itapagipe/MG, próximo a Usina Caeté (27/11/2006): Áreas dereserva legal cercadas pelo plantio de cana-de-açucar.

Anexo Fotográfico

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Guaraciaba/MG (14/02/2007): Micro-destilatia deÁlcool.

Zona Rural de Uberaba (26/11/2006): Área preparada para oplantio de cana.

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Rodovia BR-463, Ponta Porã/MS: Outdoor anuncia a instala-ção de mais uma usina de açucar e álcool. Observe que aofundo existe uma área de pastagem.

Rodovia SP-595, Ouroeste/SP: Outdoor anuncia a instalaçãode mais uma usna de açucar e álcool e a promessa de maisempregos e energia. Observe que ao fundo existe uma áreade pastagem.

Palmeira das Missões/RS (16/12/2006): Plantação de girasolutilizado na fabricação de biodiesel.

Fotos: Wendell Ficher Teixeira Assis e Marcos Cristiano ZucarelliDiagramação: Silviene Lopes

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