Doença displásica da anca

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Doença displásica da anca – conceitos básicos e orientações em Medicina Geral e FamiliarRevista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

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  • Rev Port Clin Geral 2009;25:445-9

    445dossier: ortopedia infantil

    INTRODUO

    Adoena displsica da anca (DDA) uma enti-dade definida por displasia ou malformaodo acetbulo, com um espectro varivel deincapacidade de conteno da cabea do f-

    mur, com semiologia e quadros clnicos variveis em re-lao idade de aparecimento. O diagnstico pode fa-zer-se desde a fase neonatal at idade adulta.

    A evoluo para a artrose da anca ocorre, com fre-quncia, em relao directa com casos de diagnsticotardio. uma patologia responsvel por mais de meta-de das artroplastias de substituio da anca no sexo fe-minino. O conceito antigo de luxao congnita da ancaevoluiu para o de doena displsica da anca, por seruma denominao mais abrangente em termos clni-cos, pois nem todas as displasias evoluem para a luxa-o.1

    ETIOLOGIAExistem vrios factores a considerar na etiologia destaentidade.

    A laxido ligamentar, como factor predisponenteou agravante para esta situao, tem sido largamentereferida; a influncia das hormonas maternas no pero-

    do pr-parto importante, agravando este aspecto dadoena.2 Esta a razo pela qual a doena mais fre-quente no sexo feminino (a relaxina materna tem umaaco mais intensa neste), e explica, tambm, porque que muitas crianas referenciadas consulta por sus-peita de DDA j no apresentam qualquer sinal de ins-tabilidade cerca de 1 ou 2 semanas depois.

    A apresentao plvica, especialmente se associadaa hiperextenso do joelho, considerada factor de ris-co (ocorre em 20% dos casos) e atrai a ateno de Neo-natalogistas, Pediatras e Mdicos de Famlia. Pelo mes-mo mecanismo de conflito de espao so, tambm, re-feridos o oligomnios e a primeira gestao. O aumen-to de incidncia de Torticolis congnito (14% a 20%) eMetatarsus aductus (1,5% a 10%) em casos de DDA, explicado pela mesma razo.3

    O posicionamento post natal em algumas culturas(ndios Navajos e Europa Central e de Leste), com ex-tenso dos membros e uso de ligaduras contrariando aposio normal do recm-nascido em flexo, indica-do como um dos factores predisponentes. De modo in-verso, a colocao do recm-nascido com os membrosinferiores em posio de abduo, como nas culturasafricanas, em que a criana transportada no dor-so/anca da me, considerado como um factor ben-fico.2, 3

    Factores geogrficos/tnicos: A raa negra e a asi-*Assistente Hospitalar Graduado de Cirurgia PeditricaServio de Ortopedia, Hospital Dona Estefnia, CHLC, Lisboa, Portugal

    Francisco SantAnna*

    Doena displsica da anca conceitos bsicos e orientaesem Medicina Geral e Familiar

    RESUMOO conceito de Luxao Congnita da Anca (LCA) tem vindo gradualmente a ser substitudo pelo de Displasia de Desenvolvi-mento da Anca.

    A importncia desta evoluo respeita sobretudo noo de doena acetabular e sua capacidade de conter a cabea femo-ral em termos fsicos. O autor apresentam algumas noes prticas sobre a semiologia desta entidade bem como uma abor-dagem racional sobre meios complementares de diagnstico e referenciao consulta de Ortopedia infantil.

    Palavras-chave: Doena Displsica da Anca, diagnstico, Medicina Geral e Familiar.

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    tando da linha mdia) e elevando a articulao coxo-femoral, levantando o grande trocanter e palpando aentrada da cabea do fmur dentro do acetbulo. Tra-duz a presena de uma luxao da anca, em princpio,redutvel. Qualquer uma destas manobras dever serpesquisada em separado e para cada um dos membrosisoladamente. importante perceber que estes sinaisdesaparecem mais ou menos rapidamente, sobretudoa partir da 2 ou 3 semanas de vida e permanecem, ra-ramente, at ao 6 ms de vida, consoante o tnus mus-cular e a laxido ligamentar (Figura 1).

    Assimetria de pregas (glteas ou inguinais): um si-nal menor, pois aparece em cerca de 20% de casos nor-mais. , muitas vezes, mal percebido ou avaliado. Deum modo prtico, devemos consider-lo como um si-nal importante para nos recordar da existncia destapatologia (Figura 2).

    Movimentos circulares da articulao desenca-deiam, frequentemente, rudos ligamentares do liga-mento redondo ou da fascia lata, vulgarmente designa-dos por clic ligamentar e sem significado patolgico.Por definio, o sinal de Ortolani dever ser sentido ouvisto, mas no ouvido.2

    LactenteA partir do 1 ms de vida, a instabilidade da anca doRN poder evoluir para a cura espontnea ou para a lu-xao, de uma forma progressiva e com rapidez vari-vel. Do mesmo modo, a luxao redutvel poder tor-nar-se irredutvel, alterando muita da semiologia vul-garmente pesquisada. Surge uma limitao da abduodo membro afectado (Figura 3). Raramente se poder

    tica tm uma incidncia muito menor de DDA, emcomparao com a raa branca e com os nativos daAmrica.

    SEMIOLOGIA CLNICAEm geral, existe na populao mdica algum grau de de-sinformao em relao ao diagnstico e tratamentodesta patologia. Os sinais clssicos de DDA mais fre-quentemente assinalados (Ortolani, Barlow, etc) so,muitas vezes, mal interpretados ou procurados quan-do j no existem.3

    Recm-nascidoPara a observao, a criana dever estar em ambien-te tranquilo e aquecido, sem fome, sem fralda e mani-pulando-a delicadamente.

    Sinal de Barlow: O examinador agarra os joelhos dacriana e, forando a aduo (aproximando da linhamdia) e a deslocao posterior da coxa, tenta provo-car a sada da cabea femoral do acetbulo, que sen-tida como um movimento mais ou menos amplo. Ao re-laxar a presso exercida dever sentir-se a ressalto dereentrada da cabea no acetbulo. Este sinal significaque a anca instvel e luxvel. Dever ser pesquisadocom delicadeza e nunca em DDA em tratamento(Figura 1).

    Sinal de Ortolani: Inverso do anterior, pois o que setenta reduzir a anca luxada, abduzindo a coxa (afas-

    Figura 1. Manobras de Barlow e Ortolani Figura 2. Assimetria de pregas

  • observar um sinal de Ortolani ou de Barlow e o maisaparente ser o sinal de Galeazzi ou encurtamento domembro, detectado colocando as ancas flectidas e as-sinalando a altura diferente dos joelhos. Os casos bila-terais, como ser de esperar, levantam problemas espe-ciais de diagnstico, pois a assimetria no to aparen-te (Figuras 4 e 5).

    Criana andanteAo contrrio daquilo que vulgarmente assumido, aDDA no est associada a um atraso do incio da mar-cha. A limitao da abduo torna-se mais bvia e exis-te um encurtamento do membro afectado mais ou me-nos aparente. Infelizmente, os pais so, muitas vezes,os primeiros a detect-la, e a radiografia extra longados membros inferiores tambm, frequente e infeliz-mente, o meio complementar de diagnstico mais uti-lizado; isto significa que o diagnstico surge como umachado radiolgico e, tambm, que a criana foi expos-ta a radiao desnecessria. A marcha torna-se claudi-cante, surgindo o sinal de Trendelenburg (em que a ba-cia cai para o lado oposto do membro afectado e acriana se inclina para o lado afectado para compen-sar o desequilbrio). Nos casos bilaterais, vulgarmen-te conhecida como marcha de pato. Estes so acom-panhados de hiperlordose lombar, mais ou menos mar-cada. A marcha em rotao externa tambm se tornamais aparente.2

    EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNSTICOA ecografia das coxo-femorais tornou-se, rapidamen-te, um meio muito til para o rastreio da DDA. No en-tanto, um exame tcnico-dependente, requerendo

    uma experincia confirmada nesta competncia. A suapreciso diagnstica pode ser assumida, em particular,aps as 3 ou 4 semanas de vida, pois os exames preco-ces diagnosticam, sobretudo, imaturidades articulares.Permite fazer diagnsticos em casos de clnica duvido-sa e avaliar a evoluo do tratamento em casos confir-mados. A sua utilizao universal no est recomenda-da como forma de rastreio (Figuras 6 e 7).1-3

    A radiografia (RX) da bacia em incidncia antero-posterior (AP), com extenso neutra dos membros in-feriores, pode ser vlida, sobretudo, aps o aparecimen-to dos ncleos de ossificao femoral, aos 4-6 meses nosexo feminino e cerca de 2 meses mais tarde, no sexomasculino. Para nos ajudar na interpretao e avalia-o do Rx da bacia em AP existe um conjunto de linhasauxiliares:

    Linha de Perkins: vertical no bordo externo do ace-tbulo

    Linha de Hilgenreiner: horizontal atravs do centroda cartilagem triradiada

    Estas trs linhas intersectam-se definindo quatroquadrantes, e o ncleo ceflico dever estar normal-mente, localizado no quadrante supero interno (ancaluxada).

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    Figura 3. Limitao da abduoFigura 4. Encurtamento relativo

    Figura 5. Sinal de Galeazzi

  • Nos casos em que o ncleo ceflico ainda no vis-vel, torna-se til a Linha de Shenton, que uma linhacurva que segue desde o colo do fmur at ao pbis.Esta linha deve ser harmnica nos casos normais equebrada nos casos patolgicos (Figura 8).1,2

    A conjugao dos dois com o quadro clnico poderser necessria mas a deciso teraputica depender,sempre, do mdico responsvel pelo tratamento.

    Cada caso um caso...

    O PAPEL DO MDICO DE FAMLIAA DDA uma entidade muito mais frequente do que geralmente percebido pelos tcnicos de sade. As con-sequncias de um diagnstico tardio ou mal conduzi-do podero ser extremamente graves e difceis de tra-tar e os processos judiciais, to frequentes em pasesavanados, no tardaro a chegar nossa prtica.

    A DDA dever estar sempre presente como uma sus-peita a levantar, at prova em contrrio e a sua pesqui-sa dever fazer parte do exame objectivo at sua ex-cluso definitiva.

    A noo de uma doena evolutiva com um quadroclnico difcil e varivel, com exames auxiliares de diag-nstico nem sempre definitivos ou fiveis, conduz, mui-tas vezes, a um diagnstico tardio com consequnciaspor vezes dramticas.1,2

    Salienta-se que a maior parte das crianas com DDAno tm factores de risco e que a maior parte das crian-as com factores de risco no tm DDA

    ATITUDE DIAGNSTICA1. Colher a histria clnica e assinalar os potenciais fac-

    tores de risco (apresentao plvica, oligomnios,factores genticos e antecedentes familiares, situa-es associadas, tais como Torticolis congnito, me-tatarsus aductus).1,2,3

    2. Realizar o exame ortopdico, com pesquisa da limi-tao de abduo das ancas, sinais de Barlow, Orto-lani e Galeazzi, assimetria de pregas, em todas ascrianas recm-nascidas. Repetir a observao emtodas as consultas at sua excluso e referenciarcrianas com factores de risco ou anomalias detec-tadas. Existem casos com displasia diagnosticada emidades peditricas tardias, por exemplo aos 8 ou 12anos.

    3. Aps as 3 ou 4 semanas de vida, nos casos suspeitoscom clnica normal, dever pedir se ecografia, paraevitar falsos positivos. Os achados ecogrficos somais precisos at ao aparecimento dos ncleos epi-

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    Figura 6. Ecografia normal

    Figura 7. Ecografia Patolgica

    Figura 8. DDA direita.Linha de Hilgenreiner a vermelho; Linhas de Perkins a Azul; Linhas deShenton a amarelo.

  • fisrios dos fmures, cerca dos 4 a 6 meses de vida.4. Aps os 4 meses de vida, fazer RX da bacia em AP.5. Investigar marchas anmalas, sobretudo se com as-

    simetrias rotacionais.2

    TRATAMENTOO tratamento destas situaes poder ser relativamen-te simples ou extremamente complexo, com implica-es graves para o futuro da criana e dever ser orien-tado por um mdico experiente em ambas as vertentesdo tratamento, quer seja cirrgico ou conservador.

    O uso de fraldas duplas deve ser desaconselhado,pois, alm de ineficaz, desenvolve nos pais um falsosentido de cura que tende a adiar o tratamento cor-recto.1

    O tratamento conservador aplicvel nos casos emque a anca pode ser reduzida directamente ou apstraco, em regime de internamento e implica o uso deaparelhos de abduo das ancas.

    O tratamento cirrgico poder ser relativamentesimples, em casos de reposicionamento da cabea dofmur no acetbulo ou envolver processos complexos

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    de osteotomia do fmur e/ou do ilaco e, em ultima ins-tncia, de substituio articular por prtese, em idadesmais avanadas.

    A referenciao consulta de Ortopedia infantil de-ver ser feita com carcter urgente, indicando a suspei-ta do diagnstico. Nas crianas aps os 4 meses de ida-de dever ser feito, previamente, Rx da bacia.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS1. Staheli LT. Practice of Pediatric Orthopedics. Philadelphia: Lippincott,

    Williams & Wilkins; 2001.

    2. Herring JA. Tachdjians Pediatric Orthopaedics. 3rd ed. Philadelphia:

    W.B. Saunders; 2002.

    3. Morrissey RT,Weinstein SL, editors. Pediatric Orthopedics. Philadelphia:

    Lippincott, Williams & Wilkins Ed; 2001.

    Os autores declararam no possuir conflitos de interesses

    ENDEREO PARA CORRESPONDNCIA:Francisco SantAnna

    Servio de Ortopedia, Hospital Dona Estefnia

    Rua Jacinta Marto, 1169 Lisboa, Portugal

    E-mail: [email protected]

    ABSTRACT

    DEVELOPMENT DISEASE OF THE HIP - BASIC CONCEPTS AND GUIDELINES IN FAMILY MEDICINEThe concept of Congenital Hip Displasia (CHD) has been gradually replaced by the one of Developmental Displasia of the HIP(DDH). The importance of this evolution mainly concerns the notion of the acetabular disease and its capacity of physicallycontaining the femural head.The authors present some practical notions concerning the semiology of this entity and also a ra-tional approach on complementary diagnostic tools and the needs of referral to Paediatric Orthopaedic consultation.

    Keywords: Hip Dislocation; Congenital; Diagnosis; Family Medicine.