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DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA Lucio Picanço Facci Procurador Federal lotado na Procuradoria Seccional Federal de Petrópolis/RJ Pós-graduando em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB) Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ RESUMO: O presente artigo tem por objeto analisar se as pretensões deduzidas por meio de ação civil pública estariam sujeitas à incidência de prescrição e, em caso afirmativo, qual seria o prazo prescricional a ser observado. O tema possui relevância e, portanto, merece atento exame, considerando que a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) não dispôs expressamente sobre a existência de prazos prescricionais para a propositura de ações civis públicas. Por tal razão, procuramos, a partir de uma interpretação sistemática e, sobretudo, teleológica do ordenamento jurídico pátrio, alcançar uma conclusão condizente com a ordem jurídica vigorante. Para tanto, examinamos o instituto da ação civil pública sob o ponto de vista dos seus objetos de tutela, analisamos os fundamentos e o regime jurídico do instituto da prescrição, elaboramos considerações sobre as regras de aplicação da analogia, bem como fazemos anotações da jurisprudência mais recente sobre o assunto para, ao final, formularmos resposta conclusiva à aparente dúvida que a lacuna verificada na Lei 7.347/85 suscita. PALAVRAS-CHAVE: Ação civil pública. Prescrição. Lacuna legal. Lei nº 7.347/85. Analogia. Integração. Administração Pública. Ação popular. SUMÁRIO: 1 Intróito; 2 Gênese e objeto da tutela da ação civil pública; 3 Prescrição: fundamentos e regime jurídico; . 4 Prescrição, Administração Pública e ação civil pública; 5 Prescrição, ação popular e ação civil pública; 6 Conclusão; 7 Referências. “Até o silêncio se interpreta; até ele traduz alguma coisa, constitui um índice do Direito, um modo de dar a entender o que constitui, ou não, o conteúdo da norma(Carlos Maximiliano 1 ) 1 INTRÓITO Matéria que não tem sido enfrentada com freqüência, 2 a indicação adequada do prazo prescricional para o ajuizamento de ações civis públicas constitui assunto de extrema importância, tendo-se em vista, no plano jurídico-dogmático, os relevantes fundamentos que justificam o instituto da prescrição e, no plano prático, os nocivos efeitos que a sua incompreensão pode ensejar. A controvérsia decorre da ausência de previsão na Lei nº 7.347/85 de prazo prescricional para a propositura da ação civil pública. É em razão dessa lacuna legal que se propõe o presente estudo, cujo objetivo é o de fixar algumas premissas e 1 Hermenêutica e aplicação do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1941, p. 253. 2 Como reconheceu a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial de nº 406545/SP.

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  • DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA O AJUIZAMENTO DE AO CIVIL PBLICA

    Lucio Picano Facci

    Procurador Federal lotado na Procuradoria Seccional Federal de Petrpolis/RJ Ps-graduando em Direito Pblico pela Universidade de Braslia (UnB) Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ

    RESUMO: O presente artigo tem por objeto analisar se as pretenses deduzidas por meio de ao civil pblica estariam sujeitas incidncia de prescrio e, em caso afirmativo, qual seria o prazo prescricional a ser observado. O tema possui relevncia e, portanto, merece atento exame, considerando que a Lei da Ao Civil Pblica (Lei n 7.347/85) no disps expressamente sobre a existncia de prazos prescricionais para a propositura de aes civis pblicas. Por tal razo, procuramos, a partir de uma interpretao sistemtica e, sobretudo, teleolgica do ordenamento jurdico ptrio, alcanar uma concluso condizente com a ordem jurdica vigorante. Para tanto, examinamos o instituto da ao civil pblica sob o ponto de vista dos seus objetos de tutela, analisamos os fundamentos e o regime jurdico do instituto da prescrio, elaboramos consideraes sobre as regras de aplicao da analogia, bem como fazemos anotaes da jurisprudncia mais recente sobre o assunto para, ao final, formularmos resposta conclusiva aparente dvida que a lacuna verificada na Lei 7.347/85 suscita.

    PALAVRAS-CHAVE: Ao civil pblica. Prescrio. Lacuna legal. Lei n 7.347/85. Analogia. Integrao. Administrao Pblica. Ao popular.

    SUMRIO: 1 Intrito; 2 Gnese e objeto da tutela da ao civil pblica; 3 Prescrio: fundamentos e regime jurdico; . 4 Prescrio, Administrao Pblica e ao civil pblica; 5 Prescrio, ao popular e ao civil pblica; 6 Concluso; 7 Referncias.

    At o silncio se interpreta; at ele traduz alguma coisa, constitui um ndice do Direito, um modo de dar a entender o que constitui, ou no, o contedo da norma (Carlos Maximiliano1)

    1 INTRITO

    Matria que no tem sido enfrentada com freqncia,2 a indicao adequada do prazo prescricional para o ajuizamento de aes civis pblicas constitui assunto de extrema importncia, tendo-se em vista, no plano jurdico-dogmtico, os relevantes fundamentos que justificam o instituto da prescrio e, no plano prtico, os nocivos efeitos que a sua incompreenso pode ensejar.

    A controvrsia decorre da ausncia de previso na Lei n 7.347/85 de prazo prescricional para a propositura da ao civil pblica. em razo dessa lacuna legal que se prope o presente estudo, cujo objetivo o de fixar algumas premissas e 1 Hermenutica e aplicao do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1941, p. 253.

    2 Como reconheceu a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justia, por ocasio do julgamento do Recurso Especial de n 406545/SP.

  • 22sugerir soluo conclusiva aparente obscuridade decorrente da referida lacuna legal.

    2 GNESE E OBJETO DA TUTELA DA AO CIVIL PBLICA

    O Direito, enquanto disciplina da convivncia humana, cincia em continuado estado de transformao, posto que seu escopo se vincula ao efetivo atendimento s necessidades do corpo social. Como a prpria sociedade se modifica, atravs das conquistas decorrentes do avano cientfico ou mesmo dos problemas que a sua incessante multiplicao enseja, despertando no plano social, em profuso, outras necessidades, tambm assim a ordem jurdica deve alterar-se, com vistas a adequadamente tutelar os novos interesses reclamados.3 Como, evidncia, as transformaes no plano jurdico no se operam imediatamente e em idntica proporo s mltiplas modificaes sociais, resulta ser o Direito uma cincia em permanente estado de aperfeioamento.

    neste contexto que se compreende a criao da ao civil pblica: esse instrumento surgiu a partir das novas necessidades da sociedade moderna, globalizada, padronizada, consumista e de massa, que alteraram o perfil dos direitos at ento identificados e promoveram uma substancial ampliao do elenco dos interesses desde sempre conhecidos.

    Em decorrncia dessas modificaes, percebeu-se que o processo civil clssico, tendente soluo dos litgios relacionados a direitos meramente individuais, era insuficiente para tutelar esses novos direitos, que estavam a necessitar, portanto, de uma tcnica de tutela jurisdicional mais adequada.4 Por essa razo que se concebeu em nosso ordenamento, com inspirao nas class actions oriundas do direito medieval ingls e desenvolvidas pelo direito norte-americano do sculo XIX,5 as chamadas aes coletivas.6

    O primeiro diploma desenvolvido no Direito ptrio com vistas a viabilizar a nova tcnica processual das aes coletivas foi a Lei n 4.717 de 29 de junho de 1965, recepcionada pela vigente Constituio Federal (art. 5, LXXIII), que instituiu em nosso sistema a ao popular, tendente proteo do patrimnio pblico, da moralidade administrativa e do meio ambiente, e cuja legitimao ativa conferida

    3 Na linha de tais consideraes, j observou, com maestria, Luiz Guilherme Marinoni: Se os procedimentos jurisdicionais nada

    mais so do que tecnologias que devem estar (espera-se!) a servio da sociedade, seria sinal de inadmissvel ingenuidade supor que tais procedimentos no precisam adequar-se aos direitos que vo surgindo na medida em que a vida social evolui. preciso enxergar a verdadeira razo de ser dos procedimentos, dos provimentos e dos seus meios de execuo, para que se deixe de lado o apego despropositado s classificaes feitas a partir de conceitos baseados em realidades processuais que serviam a direitos de pocas passadas. Pensar que as classificaes no devem ser alteradas o mesmo que supor que os direitos de hoje so os mesmos do que os direitos de cem anos atrs e que, por esta razo, a realidade processual, e assim as classificaes que nela se baseiam, podem ser congeladas no tempo. Ora, evidente que instituies que tm ntima relao com o modo de ser da vida no podem ser eternizadas no tempo, a menos que pretenda-se um direito processual distanciado da sociedade. O custo e o tempo do processo civil brasileiro. Disponvel na Internet: . Acesso em 20 de junho de 2005.

    4 Consoante lio de Mauro Cappelletti, "no necessrio ser socilogo de profisso para reconhecer que a sociedade (poderemos usar a ambiciosa palavra: civilizao?) na qual vivemos uma sociedade ou civilizao de produo em massa, de troca e de consumo de massa, bem como de conflitos ou conflitualidades de massa (em matria de trabalho, de relaes entre classes sociais, entre raas, entre religies, etc.). Da deriva que tambm as situaes de vida, que o Direito deve regular, so tornadas sempre mais complexas, enquanto, por sua vez, a tutela jurisdicional a Justia ser invocada no mais somente contra violaes de carter individual, mas sempre mais freqente contra violaes de carter essencialmente coletivo, enquanto envolvem grupos, classes e coletividades. Trata-se, em outras palavras, de violaes de massa". Formaes Sociais e Interesses Coletivos diante da Justia Civil. Revista de Processo, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 2, n 5, janeiro-maro/1977, p. 130.

    5 Excepcionando, portanto, a origem romano-germnica do Direito brasileiro.

    6 No Direito Comparado, h de se registrar que Portugal passou a regulamentar a matria em 1995, atravs da Lei n 83, de 23 de agosto daquele ano. Tambm naquele pas, o sistema sofre influncia das class actions dos Estados Unidos, principalmente no tocante coisa julgada, ocupando-se a lei lusitana da tutela dos interesses ligados sade pblica, ao ambiente, qualidade de vida, proteo do consumo de bens e servios, ao patrimnio cultural e ao domnio pblico (artigos 1 e 2).

  • 33a qualquer cidado (art. 1)7. Sem embargo das crticas que lhe desfere respeitvel doutrina processual contempornea, que imputa o seu mau uso ausncia de condies tcnicas do cidado para, em juzo, promover a efetiva proteo do direito violado em face da Administrao Pblica ou de grandes sociedades empresrias8, a nosso juzo, a ao popular consubstancia instrumental de inegvel importncia para a realizao plena do Estado Democrtico de Direito, ao conferir efetividade democracia participativa enquanto exerccio da soberania popular (artigos 1 e 14 da Constituio da Repblica).

    Decorridos quase vinte anos aps a edio da Lei da ao popular, veio a lume a Lei n 7.347 de 24 de julho de 1985, disciplinadora da ao civil pblica, constituindo tal diploma, hodiernamente, um dos principais mecanismos de proteo aos chamados direitos transindividuais e individuais homogneos, viabilizando o seu art. 1, V, a propositura da ao civil pblica para a tutela de qualquer interesse difuso ou coletivo, em consonncia com o art. 129, III, da Constituio Federal.9

    A introduo em nosso ordenamento da ao civil pblica foi promovida, portanto, em virtude da constatao de que os mecanismos at ento existentes para tutelar o indivduo considerado isoladamente no eram bastantes para ampar-lo enquanto inserido no contexto social e integrado sociedade moderna. A importncia da ao civil pblica, dessa forma, tal como a ao popular, reside justamente na superao do individualismo, ao representar um largo espectro social de atuao, permitindo o acesso justia de certos interesses metaindividuais que, de outra forma, permaneceriam num certo limbo jurdico.10 A Lei n 7.347/85 viabilizou, assim, no plano infraconstitucional, o que o constituinte originrio elegeu como garantia constitucional imodificvel aos jurisdicionados: o amplo acesso justia (art. 5, XXXV c/c art. 60, 4, IV, CR/88)11, expresso cujo significado encerra muito mais que a mera obteno de uma resposta judicial, correspondendo, na verdade, ao direito subjetivo a um provimento jurisdicional efetivo, tempestivo e adequado para a tutela especfica do direito violado.12

    7 A doutrina diverge quanto espcie da legitimidade conferida ao cidado para o ajuizamento da ao popular, entendendo a

    maioria dos autores que se trata de hiptese de substituio processual. Os que neste sentido se posicionam, ora afirmam caber coletividade a titularidade do direito material a que se pretende proteger (por todos, Jos Celso Mello Filho. Constituio federal anotada, 2. ed. So Paulo: Saraiva, 1986, p. 48; Jos Frederico Marques. As aes populares no direito brasileiro. RT 266/11) e ora que o interesse do bem tutelado pertence Administrao Pblica ( o que assinalam, por exemplo, Ada Grinover, Antnio Carlos Cintra e Cndido Dinamarco. Teoria geral do processo. 15. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 258). H os que entendem, de um outro lado, que a legitimao ativa do cidado para a propositura de ao popular se trata de legitimidade ordinria (neste sentido, confira-se Celso Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, Comentrios Constituio do Brasil. So Paulo: Saraiva, 1989, v. 2. p. 369; Jos Afonso da Silva, Ao Popular Constitucional. Revista dos Tribunais: So Paulo, 1968, p. 19; e Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 11. ed. So Paulo: Atlas. 2002. p. 194). Pensamos que a razo est com essa ltima corrente, no havendo que se cogitar de substituio processual quando, inegavelmente, qualquer cidado titular do direito de participar na vida poltica do Estado e na fiscalizao da gerncia do patrimnio pblico. Agindo em nome prprio e em defesa de seu prprio direito, portanto, no merece acolhida a tese da legitimidade extraordinria.

    8 De que exemplo a advertncia feita por Luiz Guilherme Marinoni e Srgio Cruz Arenhart. Manual do processo de conhecimento. 3. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 786.

    9 Este dispositivo erige a ao civil pblica ao patamar constitucional, ao conferir legitimidade ao Ministrio Pblico para promover o inqurito civil e a ao civil pblica, para a proteo do patrimnio pblico e social, do meio ambiente, e de outros interesses difusos e coletivos

    10 Rodolfo de Camargo Mancuso. Ao civil pblica. 9. edio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 23. O autor registra que a expresso de Anna de Vita, encontrada em sua obra La tutela degli interessi diffusi nel diritto comparato, Milo: Giuffr, 1976. p. 383.

    11 Afirma Uadi Lammgo Bulos ser o acesso justia a expresso mxima de reivindicao do cidado pelos seus direitos, resolvendo seus litgios, numa ordem jurdica democrtica de direito, cujo lema a justia social, onde todos tm o privilgio de reconhecer suas prerrogativas, podendo defend-las adequadamente de possveis leses ou ameaas de leses. Constituio federal anotada. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 221.

    12 Essa a interpretao conferida pela cincia processual civil moderna ao princpio da inafastabilidade do Poder Judicirio (art. 5, XXXV, CR/88). o que registra Luiz Fux, ao aduzir que o acesso ao Judicirio consagrado atravs do princpio da inafastabilidade tem sido interpretado como a necessidade de conferir-se ao cidado uma acessibilidade a uma ordem jurdica

  • 44Os legitimados para a propositura da ao civil pblica so os elencados no

    art. 5 da Lei 7.347/85.13 Diversamente do que pensamos a respeito da natureza jurdica da legitimao para a propositura de ao popular que, a nosso, sentir, trata-se de legitimidade ordinria14, entendemos que nenhuma das classificaes classicamente conhecidas (ordinria ou extraordinria) se adequa natureza da legitimao para a propositura das demandas coletivas.15 Trata-se, na expresso de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, de legitimao autnoma para a conduo do processo.16

    Com o escopo de estender efetiva proteo aos direitos transindividuais, a Lei n 7.347/85 indica o meio ambiente; o consumidor; os bens e direitos de valor artstico esttico, histrico, turstico e paisagstico; a ordem econmica e a economia popular; a ordem urbanstica como os objetos da tutela da ao civil pblica (art. 1). Preceitua, ainda, para evidenciar que o rol dos bens protegidos meramente exemplificativo, que a ao civil pblica se destina a tutelar os demais interesses difusos ou coletivos (art. 1, V, acrescentado pelo art. 110 da Lei n 8.078/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor)).

    A definio do meio ambiente delineada pela Lei 6.938/81, que, em seu artigo 3, I, o define como o conjunto de condies, leis, influncias e interaes de ordem fsica, qumica e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. A definio legal deve ser interpretada extensivamente, a viabilizar a ilimitada possibilidade de defesa do meio ambiente em todos os seus campos17:

    efetiva, justa e tempestiva. Curso de Direito Processual Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 15. Registre-se que, em relao tempestividade, a Emenda Constitucional n 45, de 08 de dezembro de 2004, inseriu no rol dos direitos e deveres coletivos constantes do artigo 5 da Constituio Federal, o inciso LXXVIII, que assegura, a todos, a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitao. Sem embargo do legtimo escopo da norma, que procurou afirmar em sede constitucional a tempestividade do processo como garantia fundamental, o novo dispositivo consagra um princpio constitucional que antes encontrava-se implcito no sistema, a partir da leitura reiteradamente empreendida pela processualstica contempornea do inciso XXXV, art. 5, da Constituio Federal,

    13 A saber: o Ministrio Pblico (a jurisprudncia, pacificamente, tem admitido a legitimidade do Ministrio Pblico para a propositura de ao civil pblica em defesa de interesses individuais homogneos, desde que de relevante interesse social compatvel com a finalidade da instituio, consoante os seguintes precedentes, todos do C. Superior Tribunal de Justia: STJ AGREsp n 280505/MG, 3 Turma, rel. a Min. Nancy Andrighi, DJ 18/02/2002; REsp n 182556/RJ, 4 Turma, rel. o Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 20/05/2002; EREsp n 114908/SP, Corte Especial, rel. a Min. Eliana Calmon, DJ 20/05/2002), a Unio, os Estados e Municpios. Podero ajuiz-la, tambm, autarquia, empresa pblica, fundao, sociedade de economia mista e associao. Quanto s associaes, necessrio, todavia, que estejam constitudas h pelo menos um ano e incluam entre suas finalidades institucionais a proteo ao meio ambiente, ao consumidor, ordem econmica, livre concorrncia, ou ao patrimnio artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico. O Superior Tribunal de Justia, por maioria, entendeu que tais requisitos somente se aplicam s associaes, no se exigindo em relao aos demais legitimados (STJ 1 Turma, REsp 236.499-PB, rel. p/ o acrdo o Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 13.04.00, DJU 05.06.00, p. 125).

    14 Vide nota 7.

    15 Obviamente que para tutelar direitos individuais homogneos a legitimidade para o ajuizamento da ao civil pblica ser extraordinria, tendo em conta que os titulares do direito material deduzido em juzo so determinveis, podendo, inclusive, tutel-los diretamente, atravs da via cabvel. Da se afirmar que nessas hipteses a legitimao ativa ser extraordinria concorrente ou disjuntiva, no havendo litispendncia entre a ao civil pblica e as aes individuais (STJ 1 Turma, REsp 192.322-SP, relator Ministro Garcia Vieira, julgado em 04.02.1999, unnime, DJU 29.03.1999, p. 104; STJ 5 Turma, REsp 246.242-PE, relator Ministro Edson Vidigal, julgado em 28.03.2000, unnime, DJU 02.05.2000, p. 176). Acentue-se que o art. 104 da Lei n 8.078/90 dispe que as aes coletivas, previstas nos incisos I e II e do pargrafo nico do art. 81 [que tratam da defesa dos interesses dos consumidores a ttulo coletivo em juzo], no induzem litispendncia para as aes individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior no beneficiaro os autores das aes individuais, se no for requerida sua suspenso no prazo de trinta dias, a contar da cincia nos autos do ajuizamento da ao coletiva.

    16 Cdigo de processo civil comentado e legislao processual civil extravagante em vigor. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1.885. Estamos, portanto, com Hugo Filardi, ao concluir, em estudo sobre a ao civil pblica, que a legitimidade para a sua propositura no pode ser considerada ordinria, pois os legitimados no so titulares da relao jurdica de direito material, e muito menos extraordinria, pelo simples fato de ser impossvel a identificao dos titulares dos interesses tutelados. Ao civil pblica e acesso justia. Revista Dialtica de Direito Processual, n. 18, p. 53, set. 2004.

    17 Como acentua Fbio Nusdeo, a expresso meio ambiente, de maneira mais especfica, est vinculada aos elementos que dizem respeito ao homem, uma vez que estes no apenas o rodeiam, mas exercem profunda influncia no seu desenvolvimento e nas condies mesmas que definem a sua qualidade de vida. Com efeito, entre o homem e os vrios elementos componentes do ambiente que o cerca, estabeleceram-se desde sempre relaes de intercmbio, cujo brusco rompimento ou alterao exercem as mais fundas influncias, tanto em termos meramente fsicos, como mentais. Acrescente-se, por outro lado, que, ao se falar em ambiente, tem-se dado quase sempre destaque ao meio natural. preciso, porm, ter presentes, que a este meio natural ascendem

  • 55natural ou fsico, formado pela flora, fauna, guas, solo, ar atmosfrico; cultural, que compreende o patrimnio histrico, artstico, esttico, paisagstico, arqueolgico e turstico18; artificial, englobando o espao urbano construdo; e o laboral, composto pelo meio ambiente do trabalho, contrrio periculosidade e desarmonia da pessoa humana no desenvolvimento de sua atividade laborativa. A proteo ambiental , hodiernamente, uma preocupao constitucional, havendo a Lei Maior dedicado um captulo inteiro ao tema19. Em virtude de sua previso constitucional (especialmente, o art. 225, CR/88), assim tambm como nas Leis 6.938/81 e 7.347/85, pode-se afirmar ser vastssima a possibilidade de conferir proteo jurisdicional ao meio ambiente.20

    A Lei n 7.347/85 confere proteo tambm ao consumidor, definido no art. 2 da Lei n 8.078/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor) como toda pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final, a ele equiparando a coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas relaes de consumo (art. 2, pargrafo nico).21 O aludido diploma legal, em obedincia norma de contedo programtico contida no art. 5, XXXII da Constituio Federal, que impe ao Estado a tarefa de promover da defesa do consumidor, veio suprir um vcuo existente no sistema legal ptrio, ao instituir novos e adequados meios de tutela parte tecnicamente mais fraca das relaes jurdicas de consumo, cada vez mais preponderantes nos dias atuais. Assim, alm de consagrar, nas hipteses nele descritas, a responsabilidade objetiva do fabricante, produtor, construtor, importador (art. 12) e do fornecedor de servios (art. 14) nas relaes de consumo; de possibilitar a inverso do nus da prova em favor do consumidor, em virtude de sua comprovada hipossuficincia tcnica ou quando as alegaes autorais se afigurarem verossmeis (art. 6, VIII), dentre outras inovaes, o Cdigo de Defesa do Consumidor, por intermdio de seus artigos 9022 e 11723, agregou-se Lei n 7.347/85, promovendo perfeita interao

    outros elementos produzidos pela prpria ao humana, tais como as construes, os parques, os monumentos, os prprios veculos. E todos eles agem sobre as condies psquico-emocionais do ser humano, pois so pelo menos em parte responsveis pela sua identidade ou identificao scio-cultural. Enciclopdia Saraiva do Direito. Verbete "Ambiente". So Paulo: Saraiva, 1977, v. 6, p. 300.

    18 Pode-se concluir, portanto, que houve uma desnecessria referncia a esses bens no inciso III do art. 1 da Lei n 7.347/85, posto que o inciso I, ao aludir proteo do meio ambiente, j assegurou tutela ao seu campo cultural. Neste sentido, confira-se, por todos, Hugo Nigro Mazzilli. A defesa dos interesses difusos em juzo. 9. ed. So Paulo: Saraiva, 1997. p. 43.

    19 Captulo VI do Ttulo VIII, apontado pela doutrina publicista como um dos mais avanados e modernos do constitucionalismo mundial. Por todos, vide Uadi Lammgo Bulos, op. cit., p. 1.351.

    20 Confira-se, por todos, os seguintes arestos: Cabe ao civil pblica para obrigar o Estado a promover obras com a finalidade de eliminar danos causados ao meio ambiente pela prpria administrao pblica (STJ 2 Turma REsp 88.776-GO, Relator: Ministro Ari Pargendler, julgado em 19.05.1997, unnime, DJU 09.06.97, p. 25.501). Ao Civil Pblica - Responsabilidade Civil - Dano Ambiental - Ressarcimento dos Danos - Preservao do Meio Ambiente. Ao Civil Pblica. Lei n 7.347, de 24.07.85. Ao de Responsabilidade Civil por Danos Patrimoniais Causados ao Meio Ambiente. Derrubada de Mata Nativa e de rvores Adultas. Condenao do Causador do Dano a Custear o Reflorestamento da rea Injuridicamente Desmatada. Deve custear o reflorestamento de rea injuridicamente desmatada o proprietrio de fazenda que, com agresso ao meio ambiente, promove, com o concurso de empregados, a derrubada de mata nativa e de rvores adultas utilizando, para perpetrar o atentado contra a ecologia, moto-serras, queimadas e agrotxicos (TJRJ 4 Cmara Cvel, Relator: Desembargador Wilson Marques Apelao Cvel n 1996.001.05499, Rio Claro, julgado em 02.12.97, unnime).

    21 Como assevera Rogrio Lauria Tucci, a definio de consumidor constante da Lei n 8.078/90 ampla, abrangente de toda pessoa (fsica, jurdica, at mesmo ente despersonalizado), que tenha adquirido produto ou utilizado servio em carter final, abarca quaisquer membros da comunidade, sem nenhum vnculo jurdico entre si, de sorte a revelar que a proteo do consumidor em geral diz, por igual, com a de interesses difusos. Ao Civil Pblica: abusiva utilizao pelo Ministrio Pblico e distoro pelo Poder Judicirio. In: WALD, Arnoldo (coord.) Aspectos polmicos da ao civil pblica. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 365.

    22 Art. 90. Aplicam-se s aes previstas neste ttulo as normas do Cdigo de Processo Civil e da Lei n 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inqurito civil, naquilo que no contrariar suas disposies. civil, naquilo que no contrariar suas disposies.

    23 Art. 117. Acrescente-se Lei n 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes: "Art. 21. Aplicam-se defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabvel, os dispositivos do Ttulo III da lei que instituiu o Cdigo de Defesa do Consumidor".

  • 66entre esses dois estatutos legais e formando um sistema integrado de tutela ao consumidor, em efetiva ateno determinao constitucional.

    Pela sua ndole de instrumental destinado preservao de interesses jurdicos metaindividuais, evidncia que a ao civil pblica no ser idnea a tutelar todo e qualquer direito subjetivo individual dos consumidores, mas to apenas os transindividuais ou, ainda, os individuais homogneos24, referidos na regra enunciativa do pargrafo nico do art. 81 da Lei 8.078/90, sem embargo das digresses doutrinrias e jurisprudenciais a respeito do cabimento da ao civil pblica para tutelar esses ltimos.25-26

    O artigo 1 da Lei n 7.347/85 elege, ainda, a ordem econmica como objeto da tutela da ao civil pblica (inciso VI, primeira parte), cujos fundamentos, finalidade e princpios constam encartados no art. 170 do texto constitucional. A Constituio traa, ainda, os contornos para a caracterizao da infrao ordem econmica, dispondo em norma programtica que a lei deve reprimir o abuso do poder econmico que vise dominao dos mercados, eliminao da concorrncia e ao aumento arbitrrio dos lucros (art. 173, 4). A Lei n 8.884/94 (Lei Antitruste), em obedincia ao referido preceito constitucional, elenca as hipteses em que restar configurada a infrao ordem econmica, praticamente reproduzindo, em seu artigo 20, a direo imposta pela Constituio27. Acentue-se,

    24 O Supremo Tribunal Federal j assentou: [...] 3. Interesses difusos so aqueles que abrangem nmero indeterminado de pessoas

    unidas pelas mesmas circunstncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determinveis, ligadas entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica base. 3.1. A indeterminidade a caracterstica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogneos so os que tm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespcie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogneos, stricto sensu, ambos esto cingidos a uma mesma base jurdica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque so relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito s pessoas isoladamente, no se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ao civil pblica, porque sua concepo finalstica destina-se proteo desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ao civil pblica, a requerimento do rgo do Ministrio Pblico, pois ainda que sejam interesses homogneos de origem comum, so subespcies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispe o artigo 129, inciso III, da Constituio Federal. (STF Pleno, RE 163231/SP, relator Ministro Maurcio Corra, julgado em 26/02/1997, Fonte: DJ 29-06-2001 p. 55, grifamos). O Superior Tribunal de Justia tambm assinala: 1. O Ministrio Pblico est legitimado a promover ao civil pblica ou coletiva, no apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas tambm de seus direitos individuais homogneos, nomeadamente de servios pblicos, quando a leso deles, visualizada em sua dimenso coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. Aplicao dos arts. 127 e 129, III, da Constituio Federal, e 81 e 82, I, do Cdigo de Defesa do Consumidor. (STJ 1 Turma, REsp 417804/PR, relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 19/04/2005, Fonte: DJ 16/05/2005, p. 230, grifamos).

    25 Jos dos Santos Carvalho Filho anota: Muitas controvrsias tm sido suscitadas a respeito da possibilidade, ou no, de tutela dos interesses individuais homogneos atravs da ao civil pblica. Na verdade, a confuso reinante na doutrina e jurisprudncia justificvel, j que o quadro normativo regulador no mereceu a preciso que seria necessria para evitar e dirimir tantas dvidas. O eminente administrativista registra se posicionar favoravelmente pelo cabimento da ao civil pblica para amparar direitos individuais homogneos: Consideramos que, apesar da falta de exatido desejvel ao intrprete e observadas as condies que acima foram ressalvadas, a ao civil pblica se direciona tambm tutela de interesses individuais homogneos. Ao civil pblica. Comentrios por artigo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 29-33. Anote-se que a Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico), dispe, em seu artigo 25 que alm das funes previstas nas Constituies Federal e Estadual, na Lei Orgnica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministrio Pblico: [...] IV promover o inqurito civil e a ao civil pblica, na forma da lei: a) para a proteo, preveno e reparao dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponveis e homogneos.

    26 Assinale-se que, como j decidiu o Superior Tribunal de Justia, a circunstncia de existir ao coletiva com a finalidade de amparar direito individual homogneo no impede a propositura de ao individual (vide STJ 5 Turma REsp 240.128-PE-AgRg, rel. Min. Felix Fischer, julgado em 04.04.2000, unnime, DJU 02.05.2000, p. 169). Em hipteses com essa, com vistas a evitar os males que pode ensejar a incongruncia de decises jurisdicionais proferidas sobre casos que reclamam a mesma soluo da ordem jurdica, de evidente convenincia determinar-se a reunio de tais processos (a ao civil pblica e a demanda proposta individualmente), em observncia s regras da conexo e continncia previstas nos artigos 102 usque 107 do Cdigo de Processo Civil.

    27 A nica distino do comando contido no art. 21 da Lei n 8.884/94 para as hipteses previstas pela norma do art. 173, 4 da Constituio Federal para a caracterizao da infrao da ordem econmica diz respeito ao exerccio abusivo de posio dominante (art. 20, IV). No entanto, tal dispositivo, como alis j registrou Fbio Ulhoa Coelho, enseja mera redundncia, porquanto no h como incorrer em conduta capaz de gerar os efeitos referidos no art. 173, 4, da Constituio, e, reproduzidos nos incisos I a III do art. 20 da Lei Antitruste, seno atravs do exerccio abusivo de posio dominante. Curso de Direito comercial. v. 1. 8. ed. So Paulo: Saraiva, 2004. p. 218.

  • 77ainda, que o rol de condutas identificadas no art. 21 do referido diploma meramente exemplificativo, posto que no exaure as hipteses de prticas empresarias lesivas ao livre mercado.

    O mesmo inciso VI da Lei n 7.347/85, em sua segunda parte, alude, ainda, proteo economia popular pela via da ao civil pblica. Este dispositivo busca tutelar diretamente o interesse do cidado, procurando evitar ou reparar prejuzos que possam ser ocasionados a pessoas em razo de alguma situao de ordem econmica.28 Por essa razo, pode-se afirmar que, enquanto o interessado direto na preservao da ordem econmica o Estado, so os indivduos prejudicados os interessados prximos no equilbrio da economia popular.

    Alm dos bens especificamente indicados pela Lei n 7.347/85 como objetos da tutela da ao civil pblica, o inciso V do artigo 1 desse diploma legal, inserido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor (art. 110 da Lei 8.078/90), mediante clusula aberta, consagra, no plano infraconstitucional, na esteira do comando constitucional contido no art. 129, III, da Constituio Federal, a possibilidade de se amparar qualquer outro interesse difuso ou coletivo por intermdio da ao civil pblica. Tal regra possui a significao sistemtica de indicar que o elenco dos bens sujeitos ao alcance da tutela instrumentalizada pela ao civil pblica meramente exemplificativo.

    Dessa forma, desde que o direito violado ou ameaado de leso caracterize-se pela sua transindividualidade (ou quando tratar-se de direito individual homogneo), ser, em tese, admitida a via da ao civil pblica para ampar-lo.29 Essa, alis, a leitura da norma contida no art. 129, III, da Constituio, fonte primria da ao civil pblica, que no apenas trata da legitimidade do Ministrio Pblico para a sua propositura como, ainda, expressamente alude a outros interesses difusos e coletivos como seu objeto de amparo.

    Ante essas breves consideraes, podemos definir, em linhas gerais, ao civil pblica como o instrumental idneo para promover a tutela de direitos metaindividuais e individuais homogneos, cuja legitimidade ativa conferida s pessoas e entes taxativamente indicados no art. 5 da Lei n 7.347/85.

    Para encerrar esse tpico, cumpre registrar que a ao civil pblica mecanismo processual integrante de um sistema de proteo aos interesses transindividuais que completado por diversos outros diplomas esparsos, aplicveis a hipteses especficas, de que so exemplos a Lei n 8.069/90 (Estatuto da

    28 Merece transcrio julgado do E. Superior Tribunal de Justia, que acaba por fornecer exemplos de hipteses de cabimento da

    ao civil pblica para a tutela da economia popular: 1. Este Tribunal, em diversos julgamentos, tem admitido a legitimidade do Ministrio Pblico para a propositura de ao civil pblica em defesa de interesses individuais homogneos, de relevante interesse social, como acontece com os contratos de administrao de consrcios, de administrao e locao de imveis, contratos bancrios de adeso, parcelamento do solo, financiamento bancrio para aquisio de casa prpria, contratos de promessa de compra e venda de imveis etc. [...] 3. No caso dos autos, a ao civil pblica e a medida cautelar foram propostas pelo Ministrio Pblico com o objetivo de reviso de clusulas de contratos celebrados para a aquisio de imveis pelo sistema financeiro da habitao, com as conseqncias que da decorrem, relativamente a habitaes destinadas a pessoas de baixa renda, atingindo um grande nmero de interessados, pois o r. acrdo refere mais de dez conjuntos habitacionais, o que evidencia a presena do interesse pblico na preservao da economia popular contra eventuais abusos ou desvios de finalidade. Em tais circunstncias, nos termos da legislao infraconstitucional, irrecusvel o reconhecimento da legitimidade do Ministrio Pblico para a propositura das aes. (STJ AGREsp n 280505/MG, 3 Turma, rel. a Min. Nancy Andrighi, DJ 18/02/2002; REsp n 182556/RJ, 4 Turma, rel. o Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 20/05/2002; EREsp n 114908/SP, Corte Especial, rel. a Min. Eliana Calmon, DJ 20/05/2002, grifamos).

    29 A respeito da distino de tais espcies de direitos sujeitos tutela da ao civil pblica, j assentou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justia: III - Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisvel. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria atravs de uma nica relao jurdica. IV - Direitos individuais homogneos so aqueles que tm a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idntica essa que recomenda a defesa de todos a um s tempo. (STJ ERESP 141491 / SC, CORTE ESPECIAL, rel. o Min. Waldemar Zveiter; data do julgamento: 17/11/1999; Fontes: DJ 01.08.2000 p. 182, RDR vol. 18 p. 174, RSTJ vol. 135 p. 22)

  • 88Criana e do Adolescente)30, a Lei n 8.884/94 (Lei de Abuso do Poder Econmico)31 etc.

    3 PRESCRIO: FUNDAMENTOS E REGIME JURDICO

    Derivada da locuo latina praescriptio,32 a prescrio instituto de ordem pblica33 que corresponde extino de uma pretenso em virtude da inrcia de seu titular durante determinado lapso de tempo, fixado pela norma. Tem por fundamento a segurana jurdica, erigida a princpio e valor constitucional pela vigente Constituio da Repblica, que consagra a inviolabilidade segurana no caput do seu art. 5 (compreendendo, como espcie, indubitavelmente, a segurana nas relaes jurdicas), e assevera em seu prembulo que a instituio de um Estado Democrtico se destina tambm a assegur-la34.

    Tal como a precluso, a coisa julgada, a decadncia, o respeito ao direito adquirido e ao ato jurdico perfeito etc., a prescrio igualmente visa atender a uma exigncia comum de estabilidade das relaes jurdicas, porquanto a idia de sua perpetuidade contraria o anseio coletivo pela paz social e frustra o prprio escopo do Direito, que o de promov-la.

    Muito embora seja instituto de ordem pblica, a prescrio, aps consumada, pode ser afastada pelas partes, em respeito autonomia da vontade que, todavia, no ilimitada, sendo imodificvel pelos particulares seu regime jurdico.35 Por essa razo, parte no se concede a faculdade de declarar a imprescritibilidade de qualquer pretenso, cabendo to-somente lei ou prpria natureza do direito assim determinar. Da mesma forma, no se afigura possvel renunciar prescrio antes de sua consumao. Aps decorrido o lapso prescricional, porm, a manifestao da vontade (que no dever ser necessariamente expressa, admitindo-se a renncia tcita36) pode afastar a incidncia dos seus efeitos.37 Por fim, saliente-se que vedado s partes prorrogar os prazos prescricionais, vez que

    30 Cujo Captulo VII versa exatamente sobre a Proteo Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos, obviamente que

    vinculados aos direitos assegurados, pelo aludido estatuto, criana e ao adolescente.

    31 O artigo 29 deste diploma preceitua que Os prejudicados, por si ou pelos legitimados do art. 82 da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990 [CDC], podero ingressar em juzo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogneos, obter a cessao de prticas que constituam infrao da ordem econmica, bem como o recebimento de indenizao por perdas e danos sofridos, independentemente do processo administrativo, que no ser suspenso em virtude do ajuizamento de ao.

    32 Que encerra o significado de escrever antes ou no comeo.

    33 o que afirma, tambm, Orlando Gomes: Uma vez que a prescrio se funda no interesse social da segurana do comrcio jurdico, incontestvel sua natureza de instituto de ordem pblica. Introduo ao Direito Civil . 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 498.

    34 No destituda de importncia a incluso da segurana no prembulo da Constituio, posto que este revela os valores que inspiraram o constituinte originrio na elaborao da Lei Maior. Nesta pauta, vale registrar lio de Paulino Jacques, ao lecionar que o prembulo, como vimos, no contm normas, regras objetivas de direito, mas, to-somente, princpios, enunciados tericos, de carter poltico, filosfico ou religioso, que integram a Constituio. Se as normas contidas nos artigos do estatuto supremo constituem, por assim dizer, o corpo da Constituio, bem de ver que os princpios que se enunciam no prembulo, so o seu esprito. No uma pea intil ou de mero ornato na construo dela sustentava Joo Barbalho as simples palavras que o constituem, resumem e proclamam o pensamento primordial e os intuitos dos que a arquitetaram (Comentrio Constituio Federal, p. 2). Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1958. p. 97-98.

    35 Aqui, a autonomia da vontade e a liberdade de contratar encontram bice no princpio maior da segurana jurdica. J.M. Leoni Lopes de Oliveira assinala que as normas sobre prescrio no podem ser afastadas pela autonomia privada, por se tratar de normas de ordem pblica. Teoria geral do Direito civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. p. 1.023.

    36 vide art. 191, NCC. Tcita, como de cedio conhecimento, a renncia inferida a partir de fatos praticados pelo interessado, incompatveis com a prescrio.

    37 Como adverte Cristiano Chaves de Farias, tratando-se de ato de disposio de direito, somente poder renunciar prescrio quem tiver capacidade para alienar seus bens. Direito civil : parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 549.

  • 99tal possibilidade vulneraria a prpria natureza da prescrio, cujas razes so fincadas no interesse pblico pela segurana jurdica.

    O instituto tem previso em leis variadas, sendo seu regime jurdico disciplinado atualmente pela Lei n 10.406/2002 (Cdigo Civil), em seus artigos 189 e segs. O novel diploma, registre-se, teve a oportunidade de desfazer algumas impropriedades constantes do Cdigo revogado, que identificava como de prescrio hipteses que se afiguravam, na verdade, como de decadncia. Alis, atendendo-se circunstncia de que a prescrio instituto de direito material, passou-se a usar o termo pretenso (art. 189), figura jurdica prpria do campo do direito material,38 indicando-se que a prescrio se inicia no momento em que h a violao ao direito, isto , a partir do instante em que nasce a pretenso para o seu titular.39 Outra alterao promovida pelo novo Cdigo foi a reduo do prazo ordinrio da prescrio de 20 para 10 anos (art. 205), desfazendo, ainda, a distino constante do Cdigo revogado quanto aos ausentes e presentes, consoante s facilidades de comunicao hoje existentes.40

    Importante registrar que, em decorrncia de alterao promovida pela Lei 11.280/06, o Cdigo de Processo Civil expressamente consagra a possibilidade do magistrado pronunciar de ofcio a prescrio (art. 219, 5, CPC), estando revogada a antiga regra constante do art. 194 do vigente Cdigo Civil, que exigia a alegao da parte interessada e limitava a possibilidade de apreciao da prescrio de ofcio apenas aos incapazes. Por expressa dico legal (e como decorrncia lgica da autorizao de acolhimento da prescrio de ofcio pelo magistrado), a prescrio pode ser suscitada em qualquer grau de jurisdio41.

    Em virtude da relevncia dos fundamentos que a justificam todos relacionados ao megaprincpio da segurana jurdica42, a prescrio constitui a regra em nosso ordenamento, sendo a imprescritibilidade a exceo. Assim, conforme j anotou Lus Roberto Barroso, se o princpio a prescritibilidade, a 38 A respeito do tema, antes mesmo da vigncia do novo diploma civil, o eminente Ministro Jos Carlos Moreira Alves, civilista

    responsvel pela elaborao da parte geral do ento projeto de novo Cdigo Civil, j afirmava, no Supremo Tribunal Federal, que: a prescrio se situa no mbito do direito material e no no direito processual. O que prescreve no o direito subjetivo pblico de ao, mas a pretenso que decorre da violao do direito subjetivo. (AI 139.004-3 1a Turma, Relator Ministro Moreira Alves, unnime, DJ 02.02.1996, p. 853, grifo nosso).

    39 Na lio sempre segura de Caio Mrio da Silva Pereira; Geralmente, confunde-se o termo inicial da prescrio com uma leso ao direito. Mais corretamente dir-se- que ela tem incio quando se erige uma situao de fato contrria ao direito. Instituies de Direito Civil , v. I. 19. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2001. p. 444. No mesmo sentido, afirma Jos dos Santos Carvalho Filho que a prescrio inicia-se em relao aos atos, no momento em que se tornam eficazes, ou seja, no exato momento em que passam a ter idoneidade de proporcionar situao jurdica contrria quela defendida pelo titular do direito. A prescrio judicial das aes contra o Estado no que concerne a condutas comissivas e omissivas. In: Revista do Ministrio Pblico, n 6, p. 117, jul./dez. 1997.

    40 Gustavo Kloh Muller Neves. Prescrio e decadncia no Cdigo Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.) A parte geral do novo cdigo civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 437

    41 Dispe o artigo 303 do Cdigo de Processo Civil: Depois da contestao, s lcito deduzir novas alegaes quando: [...] III - por expressa autorizao legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juzo. Autoriza em seu art. 193 o vigente Cdigo Civil: A prescrio pode ser alegada em qualquer grau de jurisdio, pela parte a quem aproveita. O revogado Cdigo Civil (Lei 3.071/1916) tambm continha dispositivo no mesmo sentido: art. 162. A prescrio pode ser alegada, em qualquer instncia, pela parte a quem aproveita. A respeito, recentemente assentou o C. Superior Tribunal de Justia, litteris: 1. A prescrio, quer da ao, quer da execuo, pode ser argida a qualquer tempo, em qualquer grau de jurisdio. No h impedimento sua veiculao em sede de agravo de instrumento, mormente em hipteses como a vertente, em que o objeto do inconformismo ausncia de regular intimao, porquanto sobressai como a primeira oportunidade em que coube parte falar nos autos. 2. O Agravo de Instrumento, conquanto recurso incidental, constitui-se em desdobramento da mesma demanda da qual ele se origina, constituindo via adequada ao reconhecimento da prescrio. 3. Recurso Especial provido, determinando-se a remessa dos autos instncia a quo a fim de que delibere acerca da prescrio argida. (STJ 1 Turma, REsp 554132 / MG, rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 18/03/2004, DJU 10.05.2004, p. 185).

    42 A expresso de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, quando aduz: Trata-se, portanto, a segurana jurdica, de um megaprincpio do Direito, o cimento das civilizaes, que, entre outras importantes derivaes relevantes para o Direito Administrativo, informa o princpio da confiana legtima, o princpio da boa-f objetiva, o instituto de presuno de validade dos atos do Poder Pblico e a teoria da evidncia. Curso de Direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 79.

  • 1100imprescritibilidade que depende de norma expressa, e no o inverso43. Neste sentido, a Constituio Federal expressamente especifica quais pretenses so imprescritveis44, preservando, como regra geral, a sua extino em razo do decurso do tempo e em prol da estabilidade das situaes jurdicas. Dessa forma, nas hipteses de ausncia de fixao de prazo prescricional, competir ao aplicador da lei integrar a lacuna existente atravs dos elementos que lhe so conferidos pelo ordenamento jurdico, aplicveis na espcie os princpios gerais de direito e a analogia.45

    Registre-se, valendo-nos, ainda uma vez, de lio de Lus Roberto Barroso, que a analogia s inaplicvel nas hipteses de disposies excepcionais.46 Como a imprescritibilidade configura a exceo, no se admite a criao de novas pretenses imprescritveis pelo caminho da analogia, mas a prescritibilidade, ao contrrio, sendo a regra, admite a integrao47.

    Fixadas essas premissas, analisaremos, a seguir, as hipteses de integrao da Lei n 7.347/85, no que pertine ausncia de previso de prazo prescricional para a propositura da ao civil pblica.

    4 PRESCRIO, ADMINISTRAO PBLICA E AO CIVIL PBLICA

    Em nosso sistema jurdico, preciso atentar para a singularidade de que, no mbito da Administrao Pblica, h normas especficas relativas prescrio, restando, portanto e a princpio, inoponveis ao Estado os prazos prescricionais previstos no Cdigo Civil, face regra da especialidade48. Cumpre registrar, porm, que, no tocante s aes reais contra a Administrao, o prazo prescricional tem sido considerado pelos Tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, como sendo o comum de 10 anos, sob o fundamento de que no se pode estabelecer um prazo menor de usucapio em favor dos entes pblicos, posto que tal medida importaria na criao de um novo meio de adquirir, no admitido por lei.49

    43 A prescrio administrativa no direito brasileiro antes e depois da Lei n 9.873/99. In: Temas de Direito constitucional. Rio de

    Janeiro: Renovar, 2001. p. 501.

    44 O texto constitucional consagra a imprescritibilidade nas hipteses de crime de racismo (art. 5, XLII), de ao de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrtico (art. 5, XLV), e as pretenses de ressarcimento ao Errio em razo de prtica ilcita cometida por agente, servidor ou no (art. 37, 5). Em relao a esta ltima hiptese, preciso registrar que imprescritvel somente a pretenso ressarcitria em razo da conduta ilcita. Por outro lado, permanece a regra geral da prescrio das pretenses anulatrias de atos que gerarem prejuzo ao Errio. Neste sentido a lio de Uadi Lammgo Bulos, que anota: Esse dispositivo [art. 37, 5, CF/88] prev duas situaes distintas: uma relativa sano pelo ato ilcito, outra relacionada reparao do prejuzo. No primeiro aspecto, fica a lei ordinria encarregada de fixar os prazos prescricionais; no segundo, garantiu-se a imprescritibilidade das aes medida considerada imprpria, mas que veio consagrada na Constituio de 1988, op., cit., p. 665. Por essa razo, falso afirmar a imprescritibilidade de toda e qualquer pretenso de ressarcimento ao Errio sob o fundamento da previso do art. 37, 5, da Constituio Federal. Isto porque a pretenso que visa a recomposio do patrimnio pblico ser imprescritvel somente se e quando a ilicitude da conduta que ensejou o alegado prejuzo Fazenda j tenha sido declarada pelo Poder Judicirio, antes de consumada a prescrio.

    45 Art. 4, Decreto-Lei n 4.657/42 (Lei de Introduo ao Cdigo Civil) e art. 126, CPC.

    46 O aludido autor se apia na doutrina de Carlos Maximiliano, Francesco Ferrara e Amlcar Falco, op. cit., p. 501, nota 9.

    47 Ibid., p. 501.

    48 Art. 2, 2, LICC.

    49 o que atestam os seguintes julgados do Pretrio Excelso: RF 91/401, 99/338; RT 116/792; AJ 52/155. Nessa direo tambm se posiciona o Superior Tribunal de Justia, merecendo transcrio recente aresto, verbis: Serra do Mar. rea de Proteo Ambiental. Desapropriao Indireta. Indenizao. Ao de Natureza Real. Prescrio Vintenria. Smula n 119/STJ. 1. Os proprietrios de imveis com restrio ao direito de uso por imposio legal, tm direito indenizao pelo desfalque sofrido em seu patrimnio, ocupado pelo Poder Pblico. A ao de desapropriao indireta de natureza real, no se expondo prescrio qinqenal. (RESP 94152, Rel. Min. Peanha Martins, DJ de 23/11/1998). 2. As restries de uso de propriedade particular impostas pela Administrao Pblica, para fins de proteo ambiental, constituem desapropriao indireta, devendo a indenizao ser pleiteada mediante ao de natureza real, cujo prazo prescricional vintenrio (Precedentes nos REsps: 443.852

  • 1111A prescrio atinente aos interesses da Administrao Pblica disciplinada

    pelo antigo Decreto n 20.910, de 6.1.1932, recepcionado com fora de lei pela Constituio Federal,50 cujo art. 1 dispe que As dvidas passivas da Unio, dos Estados e dos Municpios, bem assim todo e qualquer direito ou ao contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. O aludido diploma foi complementado pelo Decreto-lei n 4.597, de 19.8.1942, que estendeu a sua aplicao s dvidas passivas das autarquias e, ainda, s entidades de direito privado vinculadas ao Estado, componentes da Administrao Indireta. Importante assinalar que, na verdade, o prazo de cinco anos previsto em tais regras no ser necessariamente de prescrio, podendo tambm consubstanciar prazo decadencial.51

    O art. 10 do citado Decreto 20.910/32 contm regra importantssima ao asseverar que a regra da prescrio qinqenal referente s pretenses deduzidas em face da Administrao Pblica no altera as prescries de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas s mesmas regras. Extramos desse comando normativo a interpretao de que a prescrio das pretenses ajuizadas em face da Fazenda Pblica ser, em regra, qinqenal, ressalvados os casos em que a lei estabelea prazos menores.52 Exemplo recente pode-se extrair do contido no art. 206, 3, V, do vigorante Cdigo Civil, que estabelece a prescrio trienal no que se refere s pretenses de reparao civil. Nessas hipteses, as pretenses indenizatrias formuladas em face da Administrao Pblica prescrevero em trs anos, excepcionando-se a regra da prescrio qinqenal, em face do que expressamente dispe o art. 10 do Decreto 20.910/32. Ademais, os prazos especiais relativos prescrio em favor da Administrao Pblica buscam, logicamente, benefici-la e, no, o que seria absurdo, prejudic-la. Todavia, o C. Superior Tribunal de Justia tem entendido que [i]ncide em todo e qualquer direito ou ao contra a Fazenda Pblica, seja ela federal, estadual ou municipal, a prescrio qinqenal prevista no art. 1 do Decreto n 20.910/32. Inaplicvel o art. 206, 3, IV, do Cdigo Civil53

    O referido Decreto n 4.597/42 imps, ainda, ao regime da prescrio das pretenses relativas Administrao Pblica a regra segundo a qual os prazos prescricionais referentes s dvidas, direitos, aes a que se refere o Decreto n 20.910/32 s podem ser interrompidos uma nica vez,54 recomeando a correr

    e 94.152) [...] 2. No se aplica o teor do art. 1, do Decreto n 20.910/32, s aes desapropriatrias indiretas. O prazo, antes da vigncia do Novo Cdigo Civil, para efeitos prescricionais, de 20 anos. (STJ - RESP 591948 / SP Relator: Ministro Luiz Fux rgo Julgador: Primeira Turma data do julgamento: 07/10/2004 - DJ 29.11.2004, p. 237, grifamos).

    50 A respeito das razes justificadoras da recepo do aludido Decreto ditatorial com fora de lei pela vigente Constituio, confira-se aresto prolatado pelo Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro: Responsabilidade Civil do Estado. Reintegrao de Posse. Danos Causados por Ato Judicial. Prescrio Qinqenal. Extino do Processo. Recurso Prejudicado. [...] Tendo o fato que originou a lide acontecido em julho de 1993, quando o mandado reintegratrio do Juzo Cvel foi cumprido pelo Meirinho, e tendo sido a Inicial da demanda vertente protocolada em outubro de 1999, verificou-se deveras a prescrio qinqenal gizada no Decreto 20.910/32 e no Decreto-lei n 4.597/42. Ausentes fatores de suspenso e interrupo. Plena recepo do normado poca pelo Governo Provisrio aps a Revoluo de 1930 pela Constituio Federal vigente, como tambm pelas Cartas pretritas. Decreto que teve fora de lei dado o exerccio cumulativo da funo legislativa pelo Executivo Nacional. Abrangncia, como de cedio reputar, para toda e qualquer ao, de qualquer natureza, a ser intentada em desfavor da Fazenda Pblica corno um todo. Apelao que se conhece. Prescrio qinqenal que se reconhece, por suscitao ministerial. Extino do Processo que se procede, com julgamento do mrito. (TJRJ - Apelao Cvel n 2001.001.15874. Data de Registro: 23/05/2002; rgo Julgador: Terceira Cmara Cvel; Relator: Desembargador Luiz Felipe Haddad. Julgado em 12/03/2002, grifos nossos).

    51 Cf. CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da Cunha. Inovaes sobre a Prescrio e suas Repercusses nos Processos que envolvem a Fazenda Pblica. Revista Dialtica de Direito Processual, n. 31, p.72-75, out. 2005.

    52 Igual concluso alcana Leonardo Cunha, op. cit., p.74.

    53 AgRg no REsp 1006937/AC, Quinta Turma, Relator o Ministro Felix Fischer, DJe 30/06/2008.

    54 Cumpre registrar que a Lei n 10.406/2002 (novo Cdigo Civil) passa a estabelecer em seu art. 202 que a interrupo da fluncia dos prazos prescricionais somente poder ocorrer uma nica vez, ao contrrio do antigo estatuto civil, que no continha

  • 1122pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do ltimo processo que visava interrupo (art. 3). Este dispositivo foi corroborado pela jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, que ressalvou, contudo, no ficar reduzido o prazo prescricional em favor da Fazenda Pblica aqum de cinco anos, ainda que o titular do direito tenha o interrompido durante a primeira metade do prazo (Smula n 383, STF).

    Alm desses importantssimos comandos normativos, que consagram a prescrio referente s pretenses deduzidas contra a Administrao Pblica, outros diplomas legais, igualmente ligados ao interesse pblico, prevem prazos prescricionais de 5 (cinco) anos, seja em favor, seja contra a Administrao Pblica, de que so exemplos a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), em seu art. 23; a Lei 9.636/98, no inciso II do seu artigo 47; o art. 54 da Lei 9.784/99, reguladora do processo administrativo na esfera federal; a Lei 9.873/99, em seu art. 1 etc.55-56

    A prescrio incide tambm sobre os atos administrativos invlidos, porquanto, conforme j anotou Jos dos Santos Carvalho Filho, o interesse pblico que decorre do princpio da estabilidade das relaes jurdicas to relevante quanto a necessidade de restabelecimento da legalidade dos atos administrativos, de forma que deve o ato permanecer seja qual for o vcio de que esteja inquinado.57

    Dessa forma, na hiptese de ausncia legal de prazo prescricional para a propositura de demanda contra ou em favor da Administrao Pblica, deve ser aplicado, como regra, o prazo qinqenal e o regime jurdico de prescrio previstos nos diversos diplomas administrativos (acima indicados), tendo em vista que a regra a prescritibilidade.

    Esse tem sido o entendimento esposado pela nossa melhor doutrina publicista, merecendo registro o esclio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que, em sua afamada obra, assevera:

    dispositivo semelhante e permitia, portanto, a interrupo sucessiva da prescrio.

    55 A respeito da homogeneidade concernente fixao do prazo prescricional qinqenal quando esto em jogo interesses pblicos, j observou Celso Antnio Bandeira Mello: V-se, pois, que este prazo de cinco anos uma constante nas disposies gerais estatudas em regras de Direito Pblico, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administrao fulminar seus prprios atos. Ademais, salvo disposio legal explcita, no haveria razo prestante para distinguir entre Administrao e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem aes. Curso de Direito administrativo. 13. ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 211.

    56 Neste sentido, j assinalou Lus Roberto Barroso que o direito administrativo adotou como regra, desde sempre, o prazo mximo de prescrio de 5 (cinco) anos, tanto em favor da Administrao, como contra ela. a constatao inevitvel que se extrai do exame: (i) da legislao administrativa, (ii) da doutrina, (iii) da jurisprudncia, (iv) do comportamento da prpria Administrao. O eminente autor arrola diversos exemplos legislativos (como, v.g., artigos 168, 173 e 174 do Cdigo Tributrio Nacional; art. 28 da Lei n 8.884/94 (Lei do CADE); art. 1 da Lei n 6.838/80, dentre outros), assim como posies da jurisprudncia e da doutrina administrativista para comprovar seu argumento. Op. cit., pp. 506-510.

    57 Manual de Direito Administrativo , 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 134. A posio jurisprudencial, registre-se, tranqila quanto ao ponto, como atesta acrdo prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 2 Regio, na Apelao Cvel 290351, relatada pelo Juiz Antnio Cruz Netto, litteris: Administrativo. Ao Visando Anulao de Ato Administrativo. Prescrio Qinqenal. Decreto n 20.910/32. Recurso Adesivo Prejudicado. Litigncia de M-F. Inocorrncia. 1-) Segundo a jurisprudncia do STF e STJ o ato administrativo, quer seja nulo, quer seja anulvel, sujeita-se prescrio qinqenal prevista no Decreto n 20.910/32 (STF-RE 107.503-MG, Rel. Min. Otvio Galloti, STJ-MS 7.226/DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini) (Segunda Turma Processo: 200202010251009 / RJ, DJU data: 17.02.2003 p. 131). E ainda: Processual Civil e Administrativo. Ao Civil Pblica Visando Anulao de Nomeao de Servidor. Legitimidade Ativa. Prescrio Qinqenal. Decreto n 20.910/32. Ocorrncia. 1. O Ministrio Pblico tem legitimidade para propor aes civis pblicas com o fito de proteger o patrimnio pblico e a moralidade administrativa, inclusive quando o provimento jurisdicional almejado consista na anulao de atos lesivos ao errio. Precedentes do STF. 2. A jurisprudncia dos Tribunais Superiores unnime do sentido de que o ato administrativo, quer seja nulo, quer seja anulvel, sujeita-se prescrio qinqenal prevista no Decreto n 20.910/32. Ressalvado o entendimento do Relator. 3. As Portarias atacadas foram formalizadas em 22.12.1988 e a ao civil pblica s veio a ser ajuizada em 10.05.1996, quando j decorrido o lustro prescricional. 4. Apelaes providas para promulgar a prescrio qinqenal da pretenso anulatria do Ministrio Pblico Federal. (TRF - Quinta Regio - Apelao Cvel n 303863 Processo: 200205000238131/PB. rgo Julgador: Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal Francisco Wildo. Fonte. Data da deciso: 01/04/2004 Documento: TRF500083459. DJ - Data: 19/05/2004 p. 1083 n 95. unnime. Data da publicao: 19/05/2004).

  • 1133

    Ficamos com a posio dos que, como Hely Lopes Meirelles, entendem que, no silncio da lei, a prescrio administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto n. 20.910/32. Quando se trata de direito oponvel Administrao, no se aplicam os prazos do direito comum, mas esse prazo especfico aplicvel Fazenda Pblica; apenas em se tratando de direitos de natureza real que prevalecem os prazos previstos no Cdigo Civil, conforme entendimento da jurisprudncia.58

    Com efeito, em se tratando de interesses administrativos, so inaplicveis os prazos previstos no Cdigo Civil, sob pena de violao regra da especialidade, posto que h normas prprias, de Direito Administrativo, que regem as relaes travadas com a Administrao Pblica.59 Alis, como acentua Celso Antnio Bandeira de Mello, sendo to profundamente distintas as razes que informam o Direito Civil das que inspiram o Direito Pblico, nem mesmo em tema de prescrio caberia buscar inspirao em tal fonte, mas, ao contrrio, impe-se indagar qual o tratamento atribudo ao tema prescricional ou decadencial em regras genricas de Direito Pblico.60

    Podemos fixar uma primeira concluso, portanto: quando os fatos e fundamentos jurdicos da ao civil pblica forem referentes a uma relao de Direito Administrativo, independentemente do plo em que figurar a Administrao Pblica na relao processual, aplica-se a regra da prescrio qinqenal prevista no art. 1 do Decreto n 20.910/32 e em diversos outros diplomas legais que regem relaes jurdico-administrativas.

    5 PRESCRIO, AO POPULAR E AO CIVIL PBLICA

    A partir dessa primeira concluso, resta examinar qual a soluo aplicvel s hipteses em que os fatos e fundamentos deduzidos na ao civil pblicas no encerrem relaes jurdicas de Direito administrativo. Obviamente que, nestes casos, no ser legtima a aplicao do prazo prescricional apontado no Decreto 20.910/32, oponvel Administrao Pblica, posto que ausente o ponto de semelhana essencial que autorizaria a integrao. H que se perquirir, portanto, se h no ordenamento outros preceitos que, contendo a mesma razo fundamental inspiradora da criao da ao civil pblica, permitam a aplicao analgica, decorrendo da a importncia da anlise ainda que sinttica que realizamos a respeito do objeto da tutela da ao civil pblica.

    Como j examinamos, a Lei n 7.347/85 arrola como objeto da tutela instrumentalizada pela ao civil pblica o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artstico esttico, histrico, turstico e paisagstico, a ordem econmica e a economia popular, a ordem urbanstica. Evidenciando que esse rol

    58 Direito Administrativo . 17. ed. So Paulo: Atlas, 2004, p. 634. Assim tambm, dentre vrios outros autores, se posiciona Celso

    Antnio Bandeira de Mello, que acentua: Isto posto, estamos em que, faltando regra especfica que disponha de modo diverso, o prazo para a Administrao proceder judicialmente contra os administrados , como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate anulveis. op. cit,. p. 211.

    59 Para ns, ressalvados os casos enquadrados na regra constante do art. 10 do citado Decreto 20.910/32, que expressamente indica que os prazos menores ao referido nesse diploma (5 anos) so oponveis Administrao Pblica. J consignamos, contudo, que no esse o posicionamento prevalente na jurisprudncia.

    60 Ibid. p. 210. Lus Roberto Barroso acentua que quando se afirma a autonomia do direito administrativo, isto significa que ele no direito excepcional ou estrito relativamente a qualquer outro ramo do direito, mas apresenta institutos e instrumentos prprios, bem como princpios e regras que lhe so peculiares. Da por que a interpretao de suas disposies ser orientada por seus prprios princpios e a integrao de suas lacunas dever efetivar-se por normas que pertenam ao seu domnio, salvo se inexistentes. op. cit,. p. 505.

  • 1144no taxativo, o aludido diploma, em seu art. 1, V, indica que a ao civil pblica se destina, ainda, a tutelar qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

    Indubitavelmente que a ao popular, prevista em nossa ordem jurdica antes mesmo do surgimento da ao civil pblica, instrumental que se destina a amparar, assim como a ao civil pblica, direitos de ndole transindividual. , alis, a prpria Constituio Federal que afirma a natureza metaindividual dos interesses que a ao popular se destina a tutelar: patrimnio pblico, moralidade administrativa e meio ambiente (art. 5, LXXIII). O intuito do legislador foi conferir maior proteo a esses bens, ao permitir ao cidado postular em juzo pela sua proteo, mesmo diante de eventual inao do Ministrio Pblico, dos Tribunais de Contas e at mesmo dos prprios entes e entidades componentes da Administrao Pblica.

    Revela-se evidente, portanto, a similitude dos objetos da tutela da ao civil pblica e da ao popular, havendo perfeita identidade de razes que ensejaram a criao de tais mecanismos, ambos indispensveis para a efetivao do sistema de tutela coletiva previsto na ordem jurdica. Tal assertiva se infere, inclusive, a partir do exame das principais diferenas existentes entre a ao civil pblica e a ao popular, quase todas de natureza processual e, dessa forma, inidneas a afastar os pontos substanciais comuns entre os bens que ambas se destinam a amparar.61

    A prpria Lei n 7.347/85 trata de acentuar a similitude existente entre os interesses tutelveis por esses dois importantssimos instrumentos de realizao da tutela coletiva,62 preceituando esse diploma que as aes de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao patrimnio pblico e a outros interesses coletivos ou difusos sero por ele regidas, sem prejuzo da ao popular (art. 1, caput).

    Dessa forma, no possvel destacar inteiramente a ao popular do amplo campo de incidncia da tutela instrumentalizada pela ao civil pblica, nem tampouco traar uma escala hierrquica, que confira graus de importncia distintos a esses mecanismos, porquanto suas funes na ordem jurdica e assim tambm as razes que motivaram o legislador a construir tais instrumentais, ambos essenciais para a realizao plena do Estado Democrtico de Direito, identificam-se na pretenso de amparar os interesses difusos e coletivos, em seus diversos aspectos. Ambas possuem, evidncia, um ncleo comum. No por outra razo que em alguns casos ser possvel at mesmo a utilizao da ao popular e da ao civil pblica para postular a tutela da mesma espcie de bens jurdicos.

    61 Podem ser apontadas como principais distines entre a ao civil pblica e a ao popular: (i) a legitimidade ativa somente o

    cidado pode figurar como autor da ao popular (atuando o Ministrio Pblico como custos legis), enquanto que a legitimao ativa na ao civil pblica conferida ao Ministrio Pblico e aos entes e entidades mencionados no art. 5 da Lei n 7.347/85; (ii) a competncia na ao civil pblica, a competncia do foro do local do dano absoluta (art. 2 da Lei n 7.347/85), diversamente do que ocorre na ao popular, que segue a regra geral do Cdigo de Processo Civil (art. 5 da Lei n 4.717/65); (iii) o pedido em caso de procedncia da ao popular, os responsveis e beneficirios sero condenados no pagamento de perdas e danos (art. 11 da Lei n 7.717/85), enquanto que a ao civil pblica poder ter por objeto a condenao em dinheiro ou o cumprimento de obrigao de fazer ou no fazer (art. 3 da Lei n 7.347/85). Sobre o tema, j decidiu o Superior Tribunal de Justia, verbis: Ao civil pblica. Condenao cumulativa. Impossibilidade. A ao civil pblica no pode ter por objeto a condenao cumulativa em dinheiro e cumprimento de obrigao de fazer ou no fazer. (STJ Primeira Turma, REsp 94.298-RS, relator o Ministro Garcia Vieira, julgado em 06.05.1999, unnime, DJU 21.06.1999, p. 76). A respeito de tais distines, vide Guilherme Magalhes Martins e Humberto Dalla Bernardina de Pinho em Algumas consideraes sobre a Lei de Ao Popular. In: Revista do Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, n. 6, p. 79, jul./dez, 1997.

    62 Como j registramos em obra de nossa autoria, institucionalizao do Estado Moderno, no plano poltico, com o conseqente fortalecimento dos direitos individuais, sociais e, mais hodiernamente, dos direitos difusos, corresponde, no plano jurdico-dogmtico, ao surgimento e ulterior fortalecimento do Direito Pblico, em ateno efetiva proteo destes direitos. Mandado de segurana contra atos jurisdicionais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 5.

  • 1155Ante tais consideraes, pode-se concluir pela aplicabilidade, pela via da

    analogia legis63, do prazo prescricional qinqenal para a propositura de ao popular, previsto na norma contida no art. 21 da Lei 4.717/65, ao civil pblica.

    Neste sentido j se manifestou a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justia, que, em recurso especial relatado pelo Ministro Luiz Fux, unanimidade, assentou que, litteris:

    a ao civil pblica no veicula bem jurdico mais relevante para a coletividade do que a ao popular. Alis, a bem da verdade, hodiernamente ambas as aes fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vrios ngulos e facetas. Assim, mngua de previso do prazo prescricional para a propositura da Ao Civil Pblica, inafastvel a incidncia da analogia legis, recomendando o prazo qinqenal para a prescrio das Aes Civis Pblicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ao Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio.64

    E, mais recentemente, em sede de recurso especial da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justia, voltou a registrar, unanimemente, tal entendimento, verbis:

    [...] o prazo prescricional, ante a omisso da Lei 7.347/85, deve ser, por analogia, o previsto no art. 21 da Lei 4.717/65, tendo em vista que a pretenso poderia perfeitamente ser exercida por meio de ao popular, igualmente adequada defesa de interesses de natureza impessoal, pertencentes coletividade, nos termos do art. 5, LXXIII, da Constituio Federal. Precedentes do Superior Tribunal de Justia.65

    6 CONCLUSO

    Muito embora a Lei n 7.347/85 silencie quanto ao prazo prescricional para a propositura de ao civil pblica, as pretenses por sua via deduzidas submetem-se regra da prescrio qinqenal.

    Em primeiro lugar, porque a imprescritibilidade excepcional, devendo, portanto, vir sempre expressa na lei, como assim o fez o constituinte originrio, ao apontar as hipteses de pretenses imprescritveis. Ademais, a imprescritibilidade atenta contra o princpio constitucional da segurana jurdica, medida em que autoriza a nociva perpetuidade das relaes jurdicas constitudas e j consolidadas pelos efeitos do tempo, frustrando, assim, uma das funes precpuas do Direito, que a de atribuir certeza s relaes sociais e impedir, dessa forma, eventual atuao arbitrria por parte do Estado e dos particulares.

    63 Na conhecida lio de Carlos Maximiliano, a analogia legis escora-se em uma regra j existente, aplicvel a hiptese semelhante

    em sua essncia; a analogia juris, por outro lado, apia-se no conjunto de normas disciplinadoras de um instituto que tenha pontos comuns com aquele que os textos jurdicos deixaram de contemplar. Como sintetiza o eminente autor, a primeira encontra reservas de solues nos prprios repositrios de preceitos legais; a segunda, nos princpios gerais de Direito. Op. cit., p. 255.

    64 REsp 406545 / SP, data da deciso: 21.11.2002. DJ 09/12/2002 p. 292. No mesmo aresto, assentou-se que A carta de 1988, ao evidenciar a importncia da cidadania no controle dos atos da administrao, com a eleio dos valores imateriais do art. 37, da CF como tutelveis judicialmente, coadjuvados por uma srie de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes probidade da administrao pblica, nele encartando-se a Ao Popular, a Ao Civil Pblica e o Mandado de Segurana Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por clusulas ptreas (grifos nossos).

    65 REsp 912612 /DF, data da deciso: 12.08.2008. DJe 15/09/2008. Vide, ainda, no mesmo sentido: REsp 764278 / SP, Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 28/05/2008.

  • 1166Como a prescrio a regra na ordem jurdica, admite a analogia sempre que

    a lei for omissa no tocante previso de prazo prescricional.

    Nas hipteses em que a relao jurdica deduzida for de natureza jurdico-administrativa, aplica-se ao civil pblica a regra da prescrio qinqenal prevista no Decreto n 20.910/32, recepcionado com fora de lei pela Constituio Federal. Nos demais casos, incide, pela via analgica, o prazo prescricional, tambm de 05 (cinco) anos, previsto para a propositura de ao popular, ante a identidade dos bens que tais aes constitucionais se destinam a amparar.

    Como se pode constatar, o assunto est a merecer a devida ateno do Judicirio, eis que a prescrio instituto informado por princpios que se vinculam ao interesse pblico e segurana jurdica. Em assim sendo, o seu afastamento ou a sua aplicao inadequada, por essas razes, gera temerria instabilidade social e vulnera princpios constitucionais.

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