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Entrevista com governador Tarso Genro no jornal Valor Econômico

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Governador Tarso Genro concede entrevista ao jornal Valor Econômico. O tema é as manifestações sobre as passagens de ônibus no país. Valor: Como os governos estaduais e o governo federal devem agir para resolver o problema? Genro: Os governos devem apontar soluções, barateando as tarifas e dando qualidade ao sistema [de transporte coletivo]. E isso não poderá ser feito sem apoio direto do governo federal, com vultosos recursos para as prefeituras e também para que os Estados participem das soluções. A qualidade de vida nas metrópoles já está na agenda do governo federal. Creio que ele deve, agora, tratar desta questão imediata das tarifas e da qualidade do sistema de ônibus.

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Page 1: Entrevista com governador Tarso Genro no jornal Valor Econômico

Segunda-feira, 17 de junho de 2013 | Valor | A7

Enxerto

Po l í t i c a

Exe c u t i vo Prefeito diz que manifestações não podem ser desautorizadas

Para Genro, governosdevem baratear as tarifas

MARCELO CURIA/VALOR

Genro: “São movimentos de inclusão das pessoas na sociedade de classes”

Sérgio Ruck Bueno

De Porto Alegre

Um dos principais dirigentesnacionais do PT, o governadordo Rio Grande do Sul, Tarso Gen-ro, entende que a presidente Dil-ma Rousseff, também do PT, e osgovernos estaduais são respon-sáveis por “apontar soluções”para os protestos contra as tari-fas de ônibus que vêm sacudin-do as principais capitais do paísnos últimos dias. A saída, afir-ma, é baratear e aumentar aqualidade dos serviços de trans-porte coletivo, o que “não pode-rá ser feito sem apoio direto dogoverno federal, com vultosos

Falta de diálogo do PT é questionadoMônica Scaramuzzo

De São Paulo

Era para ser mais uma plenáriapara discutir a revisão do Plano Di-retor Estratégico para a cidade deSão Paulo, mas as manifestaçõesdo Movimento Passagem Livre fo-ram o protagonista de um acalora-do debate sobre os recentes acon-tecimentos em São Paulo. A reu-nião convocada pelo vereador Na-bil Bonduki (PT-SP), marcada paraa tarde de domingo em uma pe-quena sala do Sindicato dos Enge-nheiros do Estado de São Paulo, nocentro da cidade, concentrou cer-ca de 100 pessoas, entre militantesdo partido e cidadãos comuns,mostrou que os protestos realiza-dos dividem opiniões, mas abriu

espaço para questionar as conces-sões e, sobretudo, os custos dotransporte público na cidade.

Enquanto o problema de mobi-lidade era debatido à exaustão du-rante a plenária do plano diretor, afalta de um diálogo transparentedos dirigentes do PT, representadopelo prefeito da cidade FernandoHaddad, do mesmo partido, eracobrado por todos os presentes —militantes ou não. A imensa maio-ria considerou violenta a ação dapolícia durante as manifestações.

Bonduki, ao abrir para o debateos recentes protestos, até tentouexplicar didaticamente em umquadro negro como a prefeiturachegou ao reajuste de R$ 0,20 nastarifas de ônibus de São Paulo —atualmente em R$ 3,20. As pessoas

questionavam o motivo do reajus-te, mas queriam saber mesmo paraonde vai o dinheiro. “Temos queabrir a caixa de pandora”, disse umdos presentes, referindo-se à pres-tação de contas sobre os custos emrelação ao retorno (prestação deserviço), considerado pela a maio-ria naquela sala ineficiente.

Muitos dos militantes do movi-mento jovem do PT questionarama falta de transparência do gover-no em relação aos protestos. E dis-seram que embora fossem do par-tido tinham receio de admitir issonas manifestações. “Rasgaramduas de nossas bandeiras do PT nop r o t e s t o”, disse uma das presentes.

Bonduki disse ao Valor que o PTrepresentou a esperança em 2003,quando o ex-presidente Luiz Iná-

cio Lula da Silva assumiu o cargo.“E realmente importantes mudan-ças ocorreram. Acho que agora,passados dez anos, é preciso umarenovação, um novo ciclo de pro-postas para que se avance mais.”

O vereador afirmou que Had-dad chamou lideranças do Movi-mento Passe Livre para conversar,negando a falta de diálogo. Ele re-conheceu, contudo, que há falta deinformação para que os integran-tes do movimento conheçam me-lhor as propostas colocadas peloprefeito, como o bilhete únicomensal e ampliação para o trans-porte noturno e de fim de semana.“Também temos a oportunidadede discutir os novos contratos deconcessões [transporte], que estãopara ser renovados.”

recursos para as prefeituras etambém para os Estados”.

Em entrevista ao Va l o r , Genroafirma que as manifestações têmgrande apoio popular e não po-dem ser desautorizadas nem des-credenciadas pelas “violências”cometidas por uma minoria. EmPorto Alegre, onde 23 pessoas fo-ram detidas por vandalismo noprotesto de quinta-feira, a orien-tação dada à Brigada Militar foide não reprimir os manifestantespacíficos, mas buscar a responsa-bilização dos depredadores. Paraele, a repressão é a pior maneirade enfrentar as manifestações.

Na opinião do governador, ospartidos políticos não dirigem os

movimentos contra as tarifasporque estão em “franca supera-ç ã o” no que diz respeito às ques-tões relacionadas à juventude.Ele diz que as manifestações queocorrem no Brasil e em países co-mo a Turquia são essencialmentereformistas e buscam a inclusãodas pessoas na sociedade consu-mista, que “ao mesmo tempo es-timula e nega” o acesso para amaior parte da população. A se-guir a integra da entrevista.

Valor: Em sua opinião, quais asorigens das recentes manifestaçõescontra as tarifas de ônibus nas prin-cipais capitais do país?

Tarso Genro: As origens me pare-cem evidentes. São os novos prota-gonistas políticos da juventude,vinculados a redes, aos serviços, aosubemprego, estudantes libertá-rios, trabalhadores do comércio,jovens autônomos e também “se -mimarginais”. Eles buscam melhorqualidade de vida material, de la-zer e de fruição cultural, que a novasociedade consumista ao mesmotempo estimula e nega, permane-cendo o contraste entre a opulên-cia dos ricos e da classe média alta,de um lado, e o resto do povo, deoutra. Creio que o preço e a situa-ção do transporte coletivo nas re-giões metropolitanas unifica tudoisso numa luta imediata, convin-cente e de grande apoio popular.

Valor: Como os governos esta-duais e o governo federal devemagir para resolver o problema?

Genro: Os governos devemapontar soluções, barateando astarifas e dando qualidade ao sis-tema [de transporte coletivo]. Eisso não poderá ser feito semapoio direto do governo federal,com vultosos recursos para asprefeituras e também para queos Estados participem das solu-ções. A qualidade de vida nas me-trópoles já está na agenda do go-verno federal. Creio que ele deve,agora, tratar desta questão ime-diata das tarifas e da qualidadedo sistema de ônibus.

Valor: Quem são os responsáveispela violência registrada nas últi-mas manifestações? Os próprios ma-nifestantes ou as polícias militares?

Genro: Nestes movimentos, emqualquer época, sempre entrampessoas que acham que estão fa-zendo uma revolução ou que sãosimplesmente violentas e dirigemsua revolta mais como vingançado que como estratégia política devitória no contexto do que estárealmente em jogo. Estes, na ver-dade, não se importam em melho-rar a vida concreta do povo, poisacham que o capitalismo não temcondições de fazer isso. Mas estessão uma minoria e o movimentonão pode ser desautorizado nemdescredenciado por isso.

Valor: Mas os ditos “excessos”das polícias têm sido apontados co-mo causas da violência. A repressãotambém estimula os protestos?

Genro: Pode tanto estimular co-mo acabar com eles, se a popula-ção achar que a repressão foi justa.Esta é a pior maneira de terminarcom as manifestações. Aqui no RioGrande do Sul a ordem que eu deipara a Brigada Militar foi a seguin-te: só ataquem para se defender,não reprimam nenhuma mobili-zação social, mesmo que sejamprovocados por estes indivíduos,que na verdade querem fazer umavítima, de preferência que não sejado seu grupo. Entre terminar comuma depredação de algum bem ebater em algum inocente, que sim-plesmente está protestando pelosseus direitos, não batam em nin-guém e fixem as responsabilida-des pela depredação através de fil-magens, para que depois eles res-pondam a inquérito. Aqui, o pró-prio movimento social ficou indig-nado com as depredações e violên-cias cometidas por uma minoria.

Valor: E como o senhor avalia aatuação da polícia de São Paulo naquinta-feira?

Genro: Não quero avaliar o quefoi feito e o que fará o governador[Geraldo] Alckmin [PSDB], até por-que ele não é do meu partido equalquer contribuição minha cer-tamente seria vista por ele e suaequipe como uma intromissão.

Apenas digo o que penso para omeu Estado: o fato de provocado-res e violentos interferirem não tor-na o movimento ilegítimo. Se ospróprios jovens não tomarem pro-vidências paras excluí-los, pagarãopoliticamente por isso e, ao longodo processo, o movimento será es-vaziado e derrotado. E assim a nos-sa democracia perderá mais umaoportunidade para evoluir, porqueas ruas não foram ouvidas e tam-bém não souberam se fazer ouvir.

Valor: Qual o papel dos partidosde esquerda, incluindo o PT, na or-ganização desses protestos?

Genro: Não há nenhum partidodirigindo estes movimentos, quesão organizados e estruturadosnas redes sociais. Se partidos de es-querda estiverem participando etentando dar uma direção ao mo-vimento é positivo, pois aí serámais fácil negociar para achar so-luções. Mas creio que nenhum par-tido dirige este processo. Até por-que os partidos, com suas formasde organização fundadas em pro-gramas exclusivamente de classes,não compreendem, na sua maiorparte, que a própria luta de classes,hoje, se realiza de maneiras com-pletamente diversas da época mo-derna. Os partidos, em geral, estãoem franca superação, tanto nosmoldes organizativos tradicionais,como nas questões programáticasque dizem respeito à juventude,não somente da nova classe média,quanto das demais camadas jo-vens das novas classes trabalhado-ras, dos setores mais modernos equalificados tecnologicamente.

Valor: Mas os partidos podemagir para reverter essa superação?

Genro: Os partidos podem e de-vem agir, não somente a partir doEstado e dos governos, mas tam-bém a partir da reorganização dassuas formas de luta e da sua reno-vação programática. E, sobretudo,através da reestruturação — paraquem é de esquerda — da sua uto-pia, que na minha opinião devecombinar os princípios socialistasque foram forjados por dentro daspromessas do iluminismo com ademocratização do Estado na pro-dução de políticas públicas. Tam-bém devem combinar a democra-cia representativa com a participa-ção direta da sociedade.

Valor: O que há de semelhanteentre os protestos contra as tarifasde ônibus no Brasil e movimentoscomo o “Occupy Wall Street” e asmanifestações na Turquia?

Genro: Estes movimentos são mo-vimentos de inclusão das pessoas nasociedade de classes. Embora algunsusem uma linguagem revolucioná-ria contra o capitalismo, as suas pro-postas são essencialmente reformis-tas: taxa Tobin [uma taxa sobre asmovimentações financeiras globaisproposta pelo economista america-no James Tobin], fim da especulação,transporte de qualidade, sustentabi-lidade ambiental, organização ur-bana, defesa da paz, manutençãodos direitos sociais-democratas, cul-turais e raciais. O que efetivamentepreocupa é que a integração econô-mica do mundo, monitorada e in-duzida pelo capital financeiro espe-culativo, pode não ter flexibilidadepara responder a estas reformas. Aíteremos um longo processo de lutase anomias na Europa e na AméricaLatina. Uma espécie de 1968 pós-moderno, capaz de proporcionarum conjunto de lutas anticapitalis-tas anárquicas que desembocarãonuma saída autoritária ou ditatorial,de esquerda ou de direita, pois omundo terá que ser rearrumado pe-la força, embora a maioria — e eu meincluo nela — não aceite nem queiraisso. É preciso que as forças demo-cráticas e de esquerda, em geral,pensem que, com estes movimen-tos, estamos perante uma oportuni-dade de revigoramento do projetodemocrático moderno. É um pro-blema e uma oportunidade, que sóserá benéfica para a democracia se avida nas grandes concentrações me-tropolitanas — geradas pelo desen-volvimento capitalista anárquico epredatório — melhorar muito paratodos e não somente para 10% dapopulação. Uma retórica revolucio-nária não induz à revolução, mas po-de ajudar a reformar radicalmente ademocracia.