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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA
CURSO DE GRADUAO EM ANTROPOLOGIA
ESPAO COMUM LUIZ ESTRELA:
ensaio de arqueologia contra-histrica
DISCIPLINA: ARQUEOLOGIA DA VIOLNCIA E DO CONFLITO
PROFESSOR: ANDRS ZARANKIN
ALUNX: GUSTAVO JARDEL COELHO
BELO HORIZONTE
2013
PR-ESTRIA
Enquanto estudante de Antropologia e Arqueologia, interessadx em Cultura Material
e Patrimnio Cultural, fui imediatamente fisgadx pela estria empolgante da recente
ocupao cultural de um prdio obsoletamente tombado como patrimnio histrico
de Belo Horizonte.
Na onda das aulas de Arqueologia da Violncia e do Conflito, e crticx das prticas
histricas, arqueolgicas e patrimoniais, fiquei ainda mais interessadx no caso por
saber da longa histria institucional do prdio e das possveis e provveis estrias
contra-histricas a serem contadas dali.
A ocupao que transformou o antigo prdio abandonado num centro cultural
chamado de Espao Comum Luiz Estrela tornou possvel o acesso a um
palimpsesto pretrito de prticas controversas e abafadas pelo poder oficial, mas
materializadas tanto no passado quanto no presente.
Por isso, minha (in)teno aqui compartilhar a curta, embora j forte, experincia
etnogrfica e arqueolgica que tive durante uma visita ligeira ao lugar. Eu estava
acompanhado de minha amiga e colega Lara Passos, que trocou ideias comigo
durante esse processo e me ajudou a tirar as fotografias que uso aqui.
Essa nossa experimentao se resumiu a uma abordagem direta ao espao do lugar
e a algumas conversas fortuitas que tivemos com algumas pessoas que ocupavam o
prdio naquele momento, alm de outras conversas que ouvimos.
Minha vontade aqui ensaiar um esboo escrito dessa experincia, propondo uma
crtica histria oficial e institucional a partir de uma perspectiva contra-histrica
possvel pela abordagem arqueolgica e etnogrfica do lugar, das pessoas e da
prpria histria documental.
Penso a arqueologia aqui como Foucault prope tambm, ou seja, como uma
genealogia profunda das relaes de poder, institucionais ou no, de violncia e, ou,
resistncia. Assim como penso a etnografia aqui como uma fenomenologia
corprea, sensorial das coisas e das pessoas tambm, como proposto por Merleau-
Ponty e Csordas.
HISTRIA
Para fazer um relato da histria oficial do lugar, usando as informaes que obtive
nas conversas informais que tive l e nos textos da pgina virtual do centro cultural,
penso a histria como Clastres prope tambm, por exemplo, enquanto uma forma
moderna de registro do tempo associada escrita e a outras instituies ocidentais
como o mercado e o Estado. Nesse sentido, penso a histria aqui como um discurso
moderno sobre a pretensa verdade dos fatos passados que so inventados e
legitimados pelos detentores do poder simblico.
O casaro do Espao Comum Luiz Estrela, que se encontra no nmero 348 da rua
Manaus no bairro Santa Efignia de Belo Horizonte, foi construdo em 1913 e
inaugurado em 1914. Sua funo, ento, era abrigar o Hospital Militar da Fora
Pblica Mineira, que hoje conhecida como Polcia Militar.
Da, me lembrei de como Foucault aponta o nascimento do hospital mdico como
uma inveno moderna diretamente relacionada ao disciplinamento do corpo e da
vida, ao invs do cuidado da morte que os hospitais exerciam. Alm disso, a entrada
de uma medicina sistemtica nas instituies hospitalares se deu a partir de uma
militarizao do comportamento, em consonncia com uma regulao biopoltica do
corpo.
Quando o Hospital Militar se mudou para seu atual endereo na Avenida do
Contorno, em 1947, o casaro passou a abrigar um Hospital de Neuropsiquiatria
Infantil, sendo transformado, em 1979, em uma escola para crianas com
necessidades especiais.
Citando Foucault de novo, me lembrei de como a loucura, do medievo
moderninha, da religio cincia, passou a assumir o papel da monstruosidade, do
desvio de carter, da doena mental e, enfim, da psicopatologia contempornea.
Para alm da regncia biopoltica da psiquiatria, me foi interessante lembrar tambm
de como Foucault aponta uma homologia entre as instituies de disciplina, como a
priso, o manicmio e a escola.
Em 1994, o prdio foi arbitrariamente tombado como patrimnio histrico pela
prefeitura de Belo Horizonte e a escola, fechada. A partir da, o casaro ficou
abandonado. At que, em 2007, a Fundao Hospitalar do Estado de Minas Gerais
(FHEMIG) anunciou um projeto de criao de um Ncleo de Ao Cultural,
Educacional e de Incluso Social no lugar, que ofereceria oficinas artsticas e
profissionais para xs pacientes do Centro Psquico da Adolescncia e Infncia
(CEPAI/FHEMIG), que foi construdo ao lado do casaro, mas a proposta no se
concretizou e o lugar continuou abandonado at 2013.
CONTRA-HISTRIA
Para tentar fazer uma releitura da histria do lugar, para alm (ou aqum?) da
histria oficial, tentei fazer uma etnografia e uma arqueologia de seus espaos, suas
coisas e pessoas. Meu esboo de ensaio escrito daqui contra-histrico porque
quero tentar trazer luz outras dimenses estricas dos processos pelos quais o
prdio passou a partir da materialidade e da corporeidade e apesar da histria linear,
quadrada e limpa de suas instituies.
Eu e Lara chegamos ao lugar no incio da tarde de 2 de dezembro de 2013, uma
segunda-feira, quando uma chuva comeava. Ajudamos a guardar algumas coisas
no prdio e, uma vez dentro, aproveitamos para conhecer seus cmodos. O trreo j
estava quase que completamente ocupado. J o segundo piso ainda estava sendo
avaliado para uma ocupao efetiva e, inclusive, pelxs arquelogxs, antroplogxs,
historiadorxs e arquitetxs envolvidxs num projeto patrimonial estimulado pela
ocupao. Por isso, me atenho ao segundo piso, por enquanto.
Chegando ao corredor central do segundo piso, que levava maioria das salas
desse andar, j me senti um pouco mal. A impresso que tive do espao tinha a ver
com aprisionamento, frio, vazio cercado. O corredor era longo e, apesar da luz que
entrava pelas janelas das salas abertas, estava bastante escuro, j que ele tinha
nenhuma janela. A nica fonte direta de luz era a porta de sada do outro lado do
corredor, que levava para um tipo de rea murada.
Ao longo do corredor, havia vrias salas que tinham, em geral, quadros-negros e
lavatrios, alm de dois banheiros e uma sala cuja porta estava trancada e por cuja
fresta conseguimos ver uma mala fechada, uma mesa de metal e um bule. Nas
paredes do corredor, havia vrios desenhos pintados, fazendo referncia aos
O stio do pica-pau amarelo de Monteiro Lobato, entre outros, como
flores e paisagens. Uma sala nos interessou em particular.