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FACULDADE DE DIREITO
A PROVA NOS CRIMES DE CORRUPÇÃO E DE ACEITAÇÃO DE
OFERECIMENTO OU PROMESSA: ASPECTOS SUBSTANTIVOS E
PROCESSUAIS
Gracinda da Graça Muiambo Maputo, Dezembro de 2017
FACULDADE DE DIREITO
A Prova nos Crimes de Corrupção e de Aceitação de Oferecimento ou
Promessa: Aspectos Substantivos e Processuais
Dissertação de Mestrado realizada sob
supervisão do Professor Doutor Paulo
de Sousa Mendes e da co-Supervisora
Professora Doutora Catarina Salgado
Gracinda da Graça Muiambo
Maputo, Dezembro de 2017
DECLARAÇÃO
Declaro que esta dissertação nunca foi apresentada para a obtenção de qualquer grau
ou num outro âmbito e que ele constitui o resultado do meu labor individual. Esta dissertação
é apresentada em cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre, da
Universidade Eduardo Mondlane.
Maputo, 15 de Dezembro de 2017
_________________________
(Gracinda da Graça Muiambo)
AGRADECIMENTOS
Em memória, aos meus pais, pela razão da minha existência.
Ao meu esposo e filhos, por todo o apoio prestado na elaboração da presente
Dissertação.
À minha colega e amiga Dra. Amina Abudo, por me ter incentivado a concorrer
para a admissão ao curso de Mestrado em Ciências Jurídicas.
Ao meu Supervisor, o Professor Dr. Paulo de Sousa Mendes, por me ter orientado
na elaboração do presente trabalho e pela sua pronta disponibilidade para atender as minhas
preocupações.
À minha co-Supervisora, a Professora Dra. Catarina Salgado, por todo o apoio
prestado na organização e revisão deste trabalho.
Ao meu amigo, o Professor Dr. Duarte Casimiro, pela expressiva colaboração na
pesquisa de jurisprudência sobre o tema tratado neste trabalho.
E, na minha formação como jurista, à Faculdade de Direito da Universidade
Eduardo Mondlane que continua a assumir um papel preponderante na minha formação como
pessoa.
ÍNDICE
RESUMO ....................................................................................................................................... I
ABSTRACT ................................................................................................................................. II
ABREVIATURAS ...................................................................................................................... III
CAPÍTULO I ................................................................................................................................ 1
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1
1.1.Tema ....................................................................................................................................... 1
1.2. Delimitação do tema .............................................................................................................. 3
1.2.Formulação do problema de investigação ............................................................................... 4
1.4. Objectivo geral ....................................................................................................................... 4
1.5. Objectivos específicos ........................................................................................................... 4
1.6. Hipóteses e variáveis.............................................................................................................. 4
1.7. Motivação: ............................................................................................................................. 5
1.8. Justificativa: ........................................................................................................................... 5
2. Metodologia .............................................................................................................................. 5
2.1. Tipo de pesquisa: ................................................................................................................... 5
2.2. Método de abordagem............................................................................................................ 6
2.3. Método de procedimento: ...................................................................................................... 6
2.4. Técnicas e instumentos de investigação: ............................................................................... 6
3. Referencial teórico: ................................................................................................................... 6
3.1. Definição de termos: .............................................................................................................. 6
CAPÍTULO II ............................................................................................................................... 8
1. Aspectos Substantivos .............................................................................................................. 8
1.1. Considerações gerais sobre os crimes de corrupção (activa e passiva) e sobre o crime de
aceitação de oferecimento ou promessa. ....................................................................................... 8
1.3.Tipos de Crimes de Corrupção: ............................................................................................ 10
1.2.1. Crime de corrupção activa (art. 501º do CP) .................................................................... 11
1.2.2. Crime de corrupção passiva (arts. 502º e 503º do CP) ..................................................... 13
1.2.3. Crime de aceitação de oferecimento ou promessa (art. 509º). .......................................... 14
2. Aspectos comuns/similares entre os crimes de corrupção (activa e passiva) e o crime de
aceitação de oferecimento ou promessa:..................................................................................... 15
3. Competências dos poderes de facto ........................................................................................ 17
4. Regime Punitivo da corrupção ................................................................................................ 19
4.1. Direito Premial ..................................................................................................................... 20
4.1.1. Origem e Natureza Jurídica .............................................................................................. 20
4.1.2. O Direito Premial no ordenamento jurídico moçambicano .............................................. 24
CAPÍTULO III ............................................................................................................................ 27
1. Análise Processual .................................................................................................................. 27
1.1. Auto de notícia do crime ...................................................................................................... 27
1.2. Natureza jurídica dos crimes de corrupção .......................................................................... 27
1.3. Detenção em flagrante delito ou mediante denúncia ........................................................... 28
1.4. Características dos crimes de corrupção .............................................................................. 28
2. Objecto da prova ..................................................................................................................... 31
2.1. Noção: .................................................................................................................................. 31
2.2. Finalidade da Prova.............................................................................................................. 32
2.3. Meios de Prova .................................................................................................................... 33
2.4. Elementos que devem ser provados nos crimes de corrupção lato sensu: ........................... 40
2.4.1. A qualidade de funcionário e o cargo que exerce; ............................................................ 40
2.4.2. Demonstração da origem e destino da vantagem .............................................................. 40
2.4.3. Existência ou não de algum interesse do particular relacionado com a actividade
exercida pelo funcionário;........................................................................................................... 41
2.4.4. Existência ou não de solicitação vs aceitação ou dádiva vs promessa. ............................ 41
2.4.5. Existência ou não de dolo por parte do servidor público. ................................................. 41
3. Meios de Obtenção de Prova .................................................................................................. 42
3.1. Definição: ............................................................................................................................. 42
3.2. Métodos proibidos de obtenção de prova ............................................................................ 42
4. Meios Admissíveis de Obtenção de Prova.............................................................................. 47
4.1. Em Moçambique .................................................................................................................. 47
4.1.1. Exames - (arts. 175º a 201º); ............................................................................................. 47
4.1.2. Buscas e apreensões (arts. 202º a 213º) ............................................................................ 47
4.1.3. Escutas telefónicas. ........................................................................................................... 49
4.2. Em Portugal: ........................................................................................................................ 50
4.2.1. Exames .............................................................................................................................. 51
4.2.2. Revistas ............................................................................................................................. 51
4.2.3. Buscas ............................................................................................................................... 52
4.2.4. Apreensões ........................................................................................................................ 52
4.2.5. Escutas telefónicas ............................................................................................................ 53
4.2.6. Acções Encobertas ............................................................................................................ 54
4.2.6.1. Recolha de prova: .......................................................................................................... 55
4.2.6.2. Quebra de segredo profissional:..................................................................................... 56
4.2.6.3. Perda de bens a favor do Estado: ................................................................................... 56
4.3. No Brasil: ............................................................................................................................. 56
5. A valoração da prova nos crimes de corrupção ...................................................................... 57
5.1. Ilustração de alguns exemplos: ............................................................................................ 58
CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 62
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 65
LEGISLAÇÃO ........................................................................................................................... 69
INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS ................................................................................... 71
DOCUMENTOS ELECTRÓNICO CONSULATADOS ........................................................... 72
JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................... 74
I
RESUMO
Com este tema pretendemos reflectir sobre a problemática da prova nos crimes de
Corrupção e de Aceitação de Oferecimento ou Promessa, sendo certo que a abordagem do
mesmo cingir-se-á aos aspectos substantivos e processuais, previlgiando-se a corrupção de
servidores públicos – razão pela qual trataremos de realidades distintas da de outros tipos de
corrupção.
Outrossim, sabe-se que neste TLC há um grande défice de denúncia e de investigação,
o que torna difícil a responsabilização dos indivíduos que se envolvem neste tipo de práticas
criminosas, pondo em causa os órgãos da administração da justiça, sobretudo quando se trata
de casos mediatizados pela imprensa.
Por isso, dada a expansão do fenómeno da corrupção nos sectores da administração
pública, desenvolveremos o tema tendo em atenção aos métodos de obtenção de prova
utilizados em diferentes ordenamentos jurídicos, privilegiando-se o de Portugal e Brasil por
terem algumas similaridades com o nosso.
Analisaremos também os métodos de valoração da prova neste TLC chamando a
atenção aos operadores judiciários para que façam um melhor aproveitamento dos meios
processuais ao seu dispôr de modo a que se possa obter a punição de todas as formas de
corrupção na Administração Pública.
Adoptaremos a metodologia da pesquisa qualitativa e do uso da monografia de
compilação; o método de abordagem será o indutivo e o de procedimento o monográfico.
Usaremos as técnicas de pesquisa documental, bibliográfica e de análise de conteúdo.
O trabalho será estruturado em capítulos.
Palavras-chave: corrupção, servidor público, ilicitude, peita/suborno, prova.
II
ABSTRACT
With this topic we intend to reflect on the problematic of evidence in Corruption
and Offering or Acceptance of Promise crimes, being confident that the approach of this will
be limited to the substantive and procedural aspects, emphasizing the corruption of public
servants – therefore, we will deal with distinct realities from that of other types of corruption.
Keywords: Corruption, public servant, unlawfulness, bribery/bribe, evidence.
III
ABREVIATURAS
Ac. – Acórdão
Art.(s) – Artigo(s)
ASJP – Associação Sindical dos Juízes Portugueses
CCCP – Comentário Conimbricense do Código Penal
CEJ – Centro de Estudos Judiciários
CFJJ – Centro de Formação Jurídica e Judiciária
Cfr. – Confira/confronte
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
CR – Constituição da República
Dec. – Decreto
Dec.-Lei – Decreto-Lei
EGFAE – Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado.
GRECCO – Grupo de Estados Contra a Corrupção
i.e. – isto é
Juris. – Jurisprudência
Lato sensu – em sentido lato
MP – Ministério Público
nt. - nota
n.°(s) – número(s)
Ob. cit. – Obra citada
Pág.(s) – Página(s)
Por ex. – Por exemplo
RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência
RMP – Revista do Ministério Público
SMMP – Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Stricto sensu – em sentido restrito
TLC – tipo legal de crime
V.g. – verbis gratia.
Vol. – Vol.
1
CAPÍTULO I
1. INTRODUÇÃO
1.1. Tema
O título da nossa dissertação é: “A Prova nos Crimes de Corrupção e de Aceitação
de Oferecimento ou Promessa: Aspectos Substantivos e Processuais”, por termos
constatado que a corrupção1 tem tendência para aumentar nos vários domínios do sector
público, privado e até mesmo político, como uma certeza irrefutável ameaçando a
consolidação de um Estado de Direito. Este fenómeno desperta a atenção da opinião pública,
na expectativa de que os crimes sejam investigados e, consequentemente, identificados os
verdadeiros autores dos mesmos para que sejam conduzidos à barra da justiça.
Ora como se sabe, os meios de comunicação social desempenham um papel essencial
nas sociedades democráticas, com maior enfâse no que se refere ao funcionamento do sistema
judiciário. E, recorrendo ao que diz Renzo Orlandi2 “(…) a liberdade de imprensa é um
ingrediente essencial de uma sociedade democrática e certamente não pode ser limitada
quando a notícia diz respeito a pessoas com responsabilidades públicas, sobre cuja conduta
anormal ou ilegal o cidadão comum, compreensivelmente quer ser informado”.
Por isso, quando são despoletados publicamente determinados casos de corrupção, o
que é alicerçado pela afirmação de Marta Fernandez Cabrera3, ao referir que “cada día
aparecen en portada de prensa nuevos escandálos associados a la comissión de delitos
contra la Admnistración. (…) han propiciado que la corrupción y el fraude aparezcan por
primera vez en los primeios puestos de los assuntos que más preocupan a la ciudadanía
1 Não existe uma definição consensual sobre a corrupção mas, Ary Ferreira da Cunha, Combate À Corrupção –
Da Teoria À Prática, Lisboa, Quid Juris - Sociedade Editora, 2015, pág. 72, adoptou um conceito operativo de
corrupção e definiu-a “Como uso abusivo, por parte de um agente público ou privado, de recurso, poder ou
posição inerente às suas funções, mediante a prática de qualquer ato ou omissão que implique a violação dos
deveres com que foi investido, com o objectivo de conferir, ampliar ou antecipar uma qualquer vantagem; ou
evitar, reduzir ou diferir uma desvantagem para si, para outro, e/ou para grupos de indivíduos ligados por laços
de interesse comum”. E, acrescenta o mesmo Autor que “Este conceito operativo não pretende ser uma
definição cirúrgica, mas parece-nos acrescentar um pouco de concretização ao usado pelo Departamento Central
de Investigação e Ação Penal português <desvio de um poder para fins diferentes daquele para que foi
concedido. Ou seja, o uso (abuso) para fins particulares de um poder recebido por delegação>”. 2 Renzo Orlandi, “<Operazione Mani Pulite> E Seu Contexto Político, Jurídico e Constitucional”, Constituição,
Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, 2016, vol. 8,
n. 15, Jul.-Dez, pág. 398. 3 Marta Fernandez Cabrera, Aspectos Problemáticos Del Delito De Negociaciones Prohibidas A los
Funcionários Públicos En El ordenamento Jurídico Espanõl, in Os Crimes de Fraude E A Corrupção No
Espaço Europeu, 1ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pág. 254.
2
espanõla segúnd la encuesta del CIS”, e também por Nelson Hungria4 ao afirmar que “(…)
de quando em vez, rebenta um escândalo, em que se ceva o sensacionalismo jornalístico. A
opinião pública vozeia indignada e Têmis ensaia o seu gládio; mas os processos penais,
iniciados com estrépito, resultam, as mais das vezes, num completo fracasso, quando não na
iniquidade da condenação de uma meia dúzia de intermediários deixados à sua própria sorte
(…)”, os órgãos de comunicação social por vezes, precipitam-se em fazer julgamentos
antecipados, nos quais o cidadão comum acredita e, à final, não compreende o desfecho que
muitas das vezes culmina com a absolvição, ou na pior das hipóteses em condenações
forçadas, o que leva a que em alguns casos a justiça criminal seja qualificada, aos olhos da
sociedade, como uma justiça “inoperante”.
Mas, não é por acaso que isto acontece, é que em processo penal, para que a prova
justifique a condenação do réu deve ser cristalina e indiscutível pois que, se esta se mostrar
muito frágil, subsistindo dúvidas acerca da autoria do crime não se pode forçar a condenação
do acusado tornando-se imperiosa a sua absolvição em respeito ao princípio in dúbio pro reo.
Mais ainda, é que não devem ser usadas para a condenação dos réus provas obtidas
através de certos métodos ilícitos, sob pena de se violarem os direitos, as liberdades e
garantias dos cidadãos.
Em termos de estrutura: o trabalho será organizado em capítulos, onde começaremos
por abordar o tema numa perspectiva substantiva, começando por apresentar as considerações
gerais acerca dos crimes de corrupção (activa e passiva) e do crime de aceitação de
oferecimento ou promessa; de seguida, apresentaremos os aspectos similares entre os crimes
objecto do presente estudo e falaremos das “Competências dos Poderes de Facto”. Um outro
aspecto que iremos tratar tem a ver com o regime punitivo dos crimes de corrupção e do
crime de aceitação de oferecimento ou promessa, onde falaremos do “Direito Premial”,
também designado pela doutrina como “Movimento do Direito Premial”.
De seguida, abordaremos o tema numa perspectiva processual onde faremos menção
ao auto de notícia relativo aos crimes de corrupção; falaremos da natureza jurídica dos crimes
de corrupção, da detenção em flagrante delito ou mediante denúncia e das características dos
crimes de corrupção em sentido amplo. No passo seguinte, faremos menção ao objecto da
prova, começando por apresentar a sua noção e finalidade. Iremos debruçar-nos ainda sobre
os meios de prova, começando pela sua caracterização e função, para de seguida fazermos
4 Nelson Hungria, apud, Jorge dos Reis Bravo, Manual Sobre Corrupção, Criminalidade Organizada e
Económico-Finaceira, Edição: Centro de Formação Jurídica e Judiciária – Ministério da Justiça, Maputo, 2010,
pág. 74.
3
uma análise dos elementos que devem ser provados nos crimes de corrupção. Abordaremos
também os meios de obtenção de prova e faremos uma comparação entre os meios de prova
admissíveis em diferentes ordenamentos jurídicos. E, de seguida, analisaremos como tem
sido feita a produção e a valoração da prova nos crimes de corrupção, tentando apresentar
alguns casos ilustrativos.
Finalmente, apresentaremos as conclusões do nosso estudo sendo que as mesmas não
devem ser consideradas definitivas por estarmos cientes de que dada a complexidade do
tema, não teremos esgotado todas as questões suscitadas face às perspectivas de abordagem
do mesmo.
Temos, porém, a referir que nos deparamos com algumas limitações em termos de
colheita de dados estatísticos por não existirem publicações oficiais nesse sentido, razão pela
qual optamos por não apresentar nenhuns dados sob pena de falsearmos a verdade.
Para a indicação das referências bibliográficas, usaremos a norma portuguesa5.
1.2. Delimitação do tema
Como se sabe, ao Direito Penal cumpre a função específica de protecção da ordem
social (protecção da vida comunitária do homem) sendo que é ao Estado que cabe a tarefa de
investigar, esclarecer, perseguir e sentenciar os crimes cometidos dentro da sua “jurisdição”6.
Por isso, a abordagem do tema será feita numa perspectiva substantiva e adjectiva,
pois embora o direito substantivo e o direito processual sejam partes de uma mesma unidade,
cada um deles é autónomo em relação ao outro, cabendo ao direito substantivo ou material
“estabelecer por forma geral e abstracta, quais os factos que devem ser considerados crimes
e quais as penas que lhes correspondem” e ao direito adjectivo ou formal, “(…) a
regulamentação jurídica da realização do direito penal substantivo, através da investigação
e valoração do comportamento do acusado da prática de um facto criminoso”7. Daremos
previlégio à corrupção de servidores públicos, razão pela qual trataremos de realidades
distintas da de outros tipos de corrupção.
5 Pois, segundo refere Maria da Piedade Alves, Metodologia Científica, Lisboa, Escolar Editora, 2012, pág. 69,
“A norma portuguesa 405 constitui uma das mais usadas”, entenda-se, em Portugal. Importa também referir que
sempre que a obra for citada pela primeira vez, procederemos à indicação do nome do Autor, o Título da obra, a
Edição, o Local da publicação, a Editora, o Ano da publicação, o Número da página e por fim o Volume. No
caso de citação de uma mesma obra e do mesmo Autor, a posterior referência remeterá para a nota de roda-pé
em que foi primeiramente citada, com a menção “ob. cit.”, seguida do número da página.” 6 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 24, vol. I.
7 Cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, Coimbra, Edições Almedina, 2008, pág.13.
4
1.3. Formulação do problema de investigação
Nos dias que hoje correm a corrupção lato sensu grassa quase todos os sectores da
administração pública, permitindo a obtenção ilícita de valores monetários ou de quaisquer
outros bens de valor e ainda de vantagem patrimonial ou não patrimonial sendo, porém,
poucos os casos em que os autores deste TLC são julgados e condenados pois, mesmo
chegando a julgamento o mais que pode acontecer é que os indiciados sejam absolvidos por
falta de prova. Daí que surgem as seguintes questões:
Como se pode resolver a problemática da dificuldade de obtenção de prova nos
crimes de corrupção latu sensu? Será que os métodos de obtenção de prova usados nos
diferentes ordenamentos jurídicos garantem a punibilidade dos que se envolvem nessas
práticas tendo em conta as características ocultas destes TLC?
1.4. Objectivo geral
Com o presente tema pretendemos contribuir para a discussão de como se pode
ultrapassar o problema da dificuldade de obtenção de prova nos crimes de corrupção (activa e
passiva) e no crime de aceitação ou oferecimento de promessa.
1.5. Objectivos específicos
- Fazer o enquadramento legal dos crimes de corrupção;
- Abordar os tipos de crimes de corrupção;
- Analisar os aspectos similares entre os crimes de corrupção;
- Abordar as competências dos poderes de facto;
- Fazer uma abordagem sobre o regime punitivo da corrupção;
- Analisar a natureza jurídica dos crimes de corrupção;
- Analisar o objecto da prova;
- Fazer uma análise dos meios de obtenção de prova;
- Analisar comparativamente os meios de obtenção de prova nos diferentes
ordenamentos jurídicos;
- Analisar como tem sido feita a produção e a valoração da prova nos crimes de
corrupção.
1.6. Hipóteses e variáveis
Existe dificuldade de obtenção de prova nos crimes de corrupção.
Variável independente: Dificuldade de obtenção de prova.
Variável dependente: Crimes de corrupção;
5
Variáveis intervenientes: Corrupção, suborno, servidor público, ilicitude, prova.
Variável de controlo: Ordenamentos jurídicos de Moçambique, Portugal e Brasil.
1.7. Motivação:
Como se sabe, os crimes de corrupção são, pela sua natureza, de difícil prova, dadas
as suas características de opacidade e de grande complexidade. É por isso que nos sentimos
motivados a abordar o tema “A Prova nos Crimes de Corrupção e de Aceitação de
Oferecimento ou Promessa: Aspectos Substantivos e Processuais”, para analisarmos como é
que se pode ultrapassar o problema da dificuldade de obtenção de prova nestes TLC, de modo
a que todos aqueles que se envolverem neste tipo de práticas criminosas possam ser levados à
barra dos tribunais para serem julgados e condenados, reduzindo deste modo o número de
“cifras negras”.
1.8. Justificativa:
Elegemos este tema pelo interesse prático e actual de que, no nosso entender, a
matéria se reveste. Na verdade temos verificado que são poucos os crimes de corrupção que
têm sido julgados tanto nos tribunais inferiores assim como nos tribunais superiores o que, no
nosso entender deve-se ao facto de ser difícil a recolha da prova, tanto na fase de investigação
assim como nas fases subsequentes, levando a que um grande número de processos nem
sequer chegue a ser acusado pelo Ministério Público. Por isso, com o presente trabalho
pretendemos despertar a atenção dos operadores judiciários e suscitar um debate académico
mais aprofundado sobre a matéria, na esperança de que o mesmo constitua um instrumento
válido para todos aqueles que o venham a consultar.
2. Metodologia
2.1. Tipo de pesquisa:
Na elaboração do presente trabalho, iremos adoptar o tipo de pesquisa qualitativa8,
baseada na análise documental, na consulta bibliográfica e no uso da monografia de
compilação9, na medida em que ao abordar o tema iremos expôr o pensamento de diferentes
8 Pois, segundo refere Felipa Lopes dos Reis, Como Elaborar Uma Dissertação de Mestrado, 2ª Edição, Lisboa,
Pactor-Edições de Ciências Sociais e Política Contemporânea, 2010, pág. 63, a pequisa qualitativa “Oferece
melhor visão e compreensão do problema”. 9 A monografia de compilação “Consiste na exposição do pensamento dos vários autores que escreveram sobre
o tema escolhido”, cfr. Renata Domingues de Oliveira, Metodologia da Pesquisa Aplicada ao Direito com
Ênfase na Elaboração de Artigo Científico, SP: Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva, 2011, pág.
14. Disponível na Internet: <URL: http//www.fait.edu.br/recursos/4/files/gradecurricularpdf/Apostila1.pdf>.
[Consult. 04/04/2015], pelas 14 horas.
6
autores e a nossa opinião; organizaremos de forma lógica e sistemática os aspectos abordados
e no fim apresentaremos as nossas prórpias conclusões.
2.2. Método de abordagem
O método de abordagem será o indutivo10
, que nos permite partir de uma situação
concreta, que é a questão da dificuldade de obtenção da prova nos crimes de corrupção activa
e passiva e no crime de aceitação de oferecimento ou promessa não só no nosso, como
também em outros ordenamentos jurídicos.
2.3. Método de procedimento:
O método de procedimento será o monográfico11
, na medida em que a elaboração da
dissertação terá por base a consulta bibliográfica e de legislação, que irão fundamentar a
nossa pesquisa.
2.4. Técnicas e instumentos de investigação:
A técnica que iremos usar será a da pequisa documental12
e bibliográfica13
, porque
para a elaboração da dissertação iremos nos basear na consulta de legislação, na análise de
documentos e na consulta bibliográfica, tendo em conta a matéria abordada. Usaremos,
também a técnica de análise de conteúdo, na medida em que iremos descrever e interpretar o
conteúdo de legislação sobre a matéria, de modo a atingirmos uma melhor compreensão.
3. Referencial teórico:
3.1. Definição de termos:
Como dissemos anteriormente, com o presente tema pretendemos fazer uma análise
sobre como é que se pode ultrapassar o problema da dificuldade de obtenção de prova nos
crimes de corrupção. E, porque na abordagem que iremos fazer encontraremos algumas
variáveis intervenientes, começaremos por definir alguns conceitos principais,
nomeadamente:
10
De acordo com J. Eduardo Carvalho, Metodologia do Trabalho Científico: “Saber fazer” da Investigação Para
Dissertações e Teses, Escolar Editora, 2009, pág. 86, o método indutivo “Caminha na aproximação dos
fenómenos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais particulares às leis e teorias (conexão
ascendente)”. 11
Este método “Consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou
comunidades, com a finalidade de obter generalizações”. Cfr. Silvio Luiz de Oliveira, Metodologia Científica
Aplicada ao Direito, São Paulo, Pioneira Thomson learning, 2002, pág. 42.
12
Segundo ensina J. Eduardo Carvalho, ob. cit., pág. 33, a pesquisa documental “Procura a investigação de
documentos a fim de se poder descrever e comparar usos e costumes, tendências, diferenças”. 13
Segundo ensinamento de Felipa Lopes dos Reis, ob. cit. pág. 53, a pesquisa bibliográfica “É baseada na
análise da literatura já publicada em livros, revistas, imprensa, escrita electrónica disponibilizada na Internet”.
7
Crime – é o facto voluntário declarado punível pela lei penal14
.
Indícios – são indicadores de facto que sugerem que o arguido terá responsabilidade
criminal no facto criminoso em investigação e que poderão ser infirmados ou, pelo contrário,
comprovados no decurso do processo, servindo de base, neste último caso, ao substracto
fáctico para se submeter o arguido a julgamento15
.
Peita ou suborno – são fórmulas que designam dádivas ou promessas como
contrapartidas da práti ca de actos contrários aos deveres dos funcionários16
.
Servidor público – Considera-se servidor público a pessoa que exerce mandato, cargo,
emprego ou função em entidade pública, em virtude de eleição, de nomeação, de contratação
ou de qualquer outra forma de investidura ou vínculo, ainda que de modo transitório ou sem
remuneração17
.
Prova – é a motivação da convicção da entidade decisora acerca da ocorrência dos
factos relevantes, contanto que essa motivação se conforme com os elementos adquiridos
representativamente no processo e respeite as regras da experiência, as leis científicas e os
princípios da lógica18
.
14
Cfr. art. 1º, do Código Penal de Moçambique, revisto pela Lei n.°35/2014, de 31 de Dezembro. 15
Cfr. Ana Prata; Catarina Veiga e José Manuel Vilalonga, Dicionário Jurídico, 2ª Edição, Coimbra, Edições
Almedina, 2012, Vol. II, pág. 262. 16
Cfr. Jorge dos Reis Bravo, ob. cit., pág. 85. 17
Cfr. art. 522º, n.°1 do CP de Moçambique. 18
Paulo de Sousa Mendes, Lições de Direito Processual Penal, Coimbra, Edições Almedina, 2014, pág. 173.
8
CAPÍTULO II
1. Aspectos Substantivos
1.1. Considerações gerais sobre os crimes de corrupção (activa e passiva) e sobre o
crime de aceitação de oferecimento ou promessa.
Neste capítulo importa fazer um breve enquadramento legal dos crimes de corrupção,
ainda que de forma elucidativa, para melhor compreendermos a análise subsequente do tema
que nos propusemos desenvolver.
No ordenamento jurídico moçambicano, como mecanismo complementar de combate
à corrupção foi criada a Lei n.°6/2004, de 17 de Junho19
, que estabelecia o regime jurídico de
prevenção e combate à corrupção, regulamentada pelo Decreto n.°22/2005, de 26 de Junho,
que condicionava à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o
património das entidades empossadas para o exercício de funções públicas com competências
decisórias no aparelho de Estado, na administração autárquica, nas empresas e instituições
públicas, assim como a posse dos representantes do Estado nas empresas privadas e
participadas pelo Estado, a fim de serem depositadas em arquivo próprio de serviço – cfr. art.
1º do referido diploma legal
Na sequência da aprovação da Lei acima mencionada, foi criado em 2004, o Gabinete
Central de Combate à Corrupção20
, um órgão especializado do MP, de âmbito nacional e com
Gabinetes Provinciais, que têm por função a prevenção e combate aos crimes de corrupção,
peculato e concussão. Este órgão subordina-se ao Procurador-Geral da República e é dirigido
por um Magistrado do MP, com a categoria de Procurador-Geral Adjunto.
Importa referir que, com a entrada em vigor da Lei n.°35/2014, de 01 de Julho (Lei da
Revisão do Código Penal) foram revogados, dentre outros, os artigos 7º, 8º, 9º e 10º da Lei
n.°6/2004, de 17 de Junho, que tinham como epígrafes, designadamente: corrupção passiva
para acto ilícito; corrupção passiva para acto lícito; corrupção activa e participação
económica em negócio.
19
Esta Lei aplicava-se aos agentes dos crimes de corrupção e de participação económica ilícita, que fossem
dirigentes, funcionários ou empregados do Estado ou das autarquias locais, das empresas públicas, das empresas
privadas que fossem participadas pelo Estado ou das empresas concessionárias de serviços públicos, cfr. arts 1º
e 2º, n.°2. Importa ainda referir que nos termos e para os efeitos desta mesma lei, considera-se “Funcionário ou
empregado público, todo aquele que exercer ou participar em funções públicas ou a estas equiparadas, e para as
quais foi nomeado ou investido por efeito directo da lei, por eleição ou por determinação da entidade
competente”. 20
Anteriormente designado por Unidade Anti-corrupção, criada em 2002. Este gabinete já levou a cabo várias
investigações e instruiu várias acções penais, que envolvem servidores públicos das diversas áreas da
administração pública, judicial e política.
9
Outrossim, a Lei n.°35/14, de 01 de Julho, introduziu no Capítulo II, Secção I, nos
arts. 501º a 511º os crimes de corrupção activa; corrupção passiva para acto ou omissão
ilícita; corrupção passiva para acto ilícito; corrupção de magistrados e agentes de
investigação criminal; participação económica em negócio; abuso de cargo ou função; tráfico
de influências; aceitação de oferecimento ou promessa; fraude e enriquecimento ilícito. E, na
Secção II, deste mesmo capítulo os crimes de peculato e de concussão. Como se pode ver,
parece que o legislador pretendeu incluir no mesmo capítulo todos os tipos de corrupção, o
que nos permite falar em corrupção lato sensu21
.
Importa ainda realçar a importância da Lei n.°16/2012, de 14 de Agosto (Lei da
Probidade Pública), que estabelece as bases e o regime jurídico relativo à moralidade pública
e ao respeito pelo património público, por parte do servidor público22
. Esta Lei veio
introduzir algumas alterações ao Decreto n.°22/2005, de 26 de Junho, relativamente às regras
sobre a declaração de bens e sobre conflito de interesses de certa categoria de servidores
públicos em ordem a dar uma resposta mais efectiva aos desafios que se colocam neste
domínio.
Relativamente a nova incriminação prevista no art. 509º do CP (Crime de aceitação de
oferecimento ou promessa), parece ter-se inspirado no artigo 322º do anterior Código Penal
de 1886, sendo o art. 509º mais abrangente por não se limitar à aceitação ou recebimento de
vantagem dependente apenas do “exercício de funções” mas também da aceitação ou
recebimento de vantagem pelo servidor público, “por força das suas funções”. E mais,
diferentemente do que se estabelecia no artigo 322º em que a vantagem tinha de provir de
alguém que “tivesse qualquer pretensão” dependente do exercício de funções públicas
perante o funcionário, a nova incriminação já não se limita somente à tal exigência, mas
também a que “o objectivo da entrega ou promessa da vantagem seja o de influenciar o
exercício do serviço no futuro ou gratificar o seu exercício no passado. É suficiente que a
21
O mesmo acontece no Direito Português, em que o crime de recebimento indevido de vantagem se encontra
inserido no mesmo capítulo e secção dos crimes de corrupção passiva e activa – cfr. Ricardo Rodrigues da Costa
Correia Lamas, O Recebimento Indevido de Vantagem. Análise Substantiva e Perspectiva Processual, in RMP,
Ano 32, N.°126, Edição e Propriedade: SMMP, Lisboa, Abril-Junho, 2011, pág. 68. 22
Neste particular temos a referir que a declaração de património não é apenas exigida no nosso ordenamento
jurídico. Há uma tendência geral no sentido de se exigir aos funcionários públicos que declarem o seu
património por se entender que esta prática contribui para consolidar a responsabilização dos funcionários
públicos, assegura maior transparência e facilita a deteção de potenciais casos de enriquecimento ilícito,
conflitos de interesses, incompatibilidades, bem como a deteção e investigação de potenciais práticas de
corrupção. Cfr. Primeiro Relatório Anticorrupção da União Europeia, elaborado pelo GRECO, disponível na
Internet: <URL: http://www.cpc.tcontas.pt/documentos/relatorio_anticorrupcao_eu.pdf>. [Consult. 22/10/2017],
pelas 19h e 15 minutos.
10
vontade do particular que oferece ou promete a vantagem se dirija à criação de uma boa-
vontade relativamente a decisões futuras, a qual pode ser activada oportunamente”23
.
É importante salientar que com a nova incriminação, o legislador pretendeu encontrar
uma forma de combater a corrupção em sentido amplo e como tal deixou de exigir que a
vantagem prestada ou prometida ao funcionário público se refira a uma acção em concreto,
bastando que haja uma conexão com o exercício do cargo. No entanto, e como refere Paulo
de Sousa Mendes24
, embora referindo-se ao Direito português, no qual Moçambique se
inspira “O preenchimento dos tipos de crime de recebimento/oferta/promessa indevidos de
vantagem é exigente e muito mais difícil de comprovar na prática, o que não deixará de se
verificar também no ordenamento jurídico português, na medida em que os novos crimes
foram concebidos segundo o modelo da Lei de Combate à Corrupção alemã, de 1977”.
Mas, seja como for, e apesar da dificuldade de prova nos crimes de corrupção lato
sensu, não se pode ficar de braços cruzados perante este mal destruidor de um Estado
democrático, cujos efeitos provocam intensa danosidade social, como sejam, a disseminação
da corrupção e o risco de criação de um sentimento de impunidade, levando a que os
cidadãos percam a confiança nas instituições do Estado e nos processos democráticos25
.
1.2. Tipos de Crimes de Corrupção:
Antes de nos debruçarmos sobre as especificidades dos TLC de corrupção importa
referir que antes das alterações introduzidas pela Lei n.°35/14, de 31 de Dezembro, o crime
de corrupção passiva, seja para a prática de acto ilícito, seja para a prática de acto lícito,
previstos nos artigos 7º e 8º, respectivamente, da Lei n.° 6/2004, de 17 de Junho, era
23
Neste sentido, cfr. Paulo de Sousa Mendes, Os Novos Crimes de Recebimento e de Oferta/Promessa
Indevidos de Vantagem no Código Penal, in As recentes alterações ao Código Penal, Centro de Estudos
Judiciários, Coimbra Editora, 2011, págs. 8 e 9. 24
Idem, pág. 9. 25
A este propósito podemos fazer menção ao que consta do Primeiro Relatório do GRECO, citado na (nt. 22),
segundo o qual “Nenhum país está livre da corrupção, embora a sua natureza e extensão variem de país para
país. Este fenómeno colide com a boa governação, a correcta gestão dos dinheiros públicos e a competetividade
dos mercados”.
Importa também referir que segundo a Transparência Internacional, que publica o relatório anual Índice de
Percepção da Corrupção e que ordena os países do mundo de acordo com o grau em que a corrupção é
percebida a existir entre os funcionários públicos e políticos, numa pesquisa relativa ao ano 2016 e que
abrangeu 176 países, os resultados mostram que a Dinamarca e a Nova Zelândia têm o melhor resultado, com 90
pontos seguidos de outros tantos que ocupam o topo e compartilham características de governo aberto,
liberdade de imprensa, liberdades civis e sistemas judiciais independentes. Moçambique ocupa a 142º posição e
a Somália possui o pior desempenho no índice, com apenas 10 pontos, antecedida pelo Sudão do Sul (11
pontos), Correia do Norte (12 pontos) e a Síria (13 pontos), sendo estes países caracterizados pela ampla
impunidade da corrupção, governança fraca e instituições frágeis. Esta informação está disponível na Internet: :
<URL:
https://www.transparency.org/news/pressrelease/indice_de_percepcaeo_da_corrupcaeo_2016_circulo_vicioso_d
e_corrupcaeo>. [Consut. 13/10/2017], pelas 9 horas e 15 minutos.
11
considerado um crime específico, porquanto para o preenchimento do tipo exigia-se que o
agente tivesse uma das qualidades previstas no art. 2º da referida Lei26
.
Ao contrário do que era antes, este TLC é, actualmente, considerado um crime
comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, quando esta aceite benefícios ilícitos
para a prática de actos decorrentes das suas funções, sendo certo que se o agente do crime for
um servidor público, esta circunstância passa a ser considerada uma agravante especial
qualificativa, em conformidade com o estabelecido nos arts. 502º, n.°3 e 503º, n.°3, ambos do
CP.
Em relação ao crime de corrupção activa, este foi sempre considerado um crime
comum, porque para o preenchimento do tipo não se exige que o agente seja “servidor
público”, sendo que ao abrigo do estabelecido no artigo 9º da Lei n.°6/2004, de 17 de Junho,
o agente visado pelo suborno tinha de ser uma das entidades previstas no art. 2º, da mesma
Lei e não qualquer outra pessoa como acontece à luz do estabelecido no art. 501º da Lei
n.°35/14, de 31 de Dezembro.
1.2.1. Crime de corrupção activa (art. 501º do CP)
A corrupção activa é considerada um crime comum, por ser susceptível de ser
cometido por qualquer pessoa, isto é, a sua consumação não depende do preenchimento, por
parte do agente, de quaisquer qualidades especiais enunciadas na lei.
Para a verificação deste TLC, é necessário que alguém, por si ou por interposta pessoa
(com a sua autorização ou ratificação), dê ou prometa dar a outrem, dinheiro, vantagem
patrimonial ou não patrimonial para determiná-lo a praticar actos lícitos ou ilícitos, omitir ou
retardar actos que tenha o dever de praticar.
Na verdade, existem vários posicionamentos acerca do bem jurídico protegido, no
entanto, segundo Almeida Costa, aquele “reconduz-se à autonomia intencional do Estado”27
.
Para uma certa corrente de Autores o crime de corrupção activa consuma-se,
independentemente da aceitação do suborno por parte do agente visado28
. Outros ainda,
26
Este artigo tem como epígrafe Âmbito de aplicação e estabelece o seguinte: “1. A presente Lei aplica-se aos
agentes dos crimes referidos no artigo 1 que sejam dirigentes, funcionários ou empregados do Estado ou das
autarquias locais, das empresas públicas, das empresas privadas em que sejam participadas pelo Estado ou das
empresas concessionárias de serviços público; 2. Considera-se funcionário ou empregado público, para efeitos
da presente lei, todo aquele que exercer ou participar em funções públicas ou a estas equiparadas, e para as quais
foi nomeado ou investido por efeito directo da lei, por eleição ou por determinação da entidade competente; 3.
(…)”. 27
Almeida Costa, apud, Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte
Especial, Coimbra Editora, 1999, Tomo III, pág. 681. 28
Neste sentido cfr. Paulo de Sousa Mendes, Sónia Reis, António Miranda, A dissimulação dos pagamentos na
corrupção será punível também como branqueamento de capitais? Separata da Revista da Ordem dos
12
entendem que não obstante o crime de corrupção activa ser um crime formal não poderá,
todavia, concluir-se que toda a promessa ou oferta de vantagens a um funcionário público
preenche o respectivo tipo legal. Assim acontecerá apenas, desde que a peita cumpra os
requisitos da teoria da adequação ou causalidade29
.
A doutrina brasileira não encontra uniformidade quanto a admissibilidade da
tentativa, tanto no que tange à corrupção activa quanto passiva30
.
Quanto a nós, abraçamos a posição segundo a qual nos crimes de corrupção não há
crime tentado pois dificilmente se poderia provar que o funcionário visado recusou a peita ou
o suborno, desde logo por causa da maneira oculta como tem acontecido este tipo de crimes.
Daí que nunca ou quase que seria impossível a punição do corruptor. Até porque segundo
refere Almeida Costa31
“Subordinar a consumação da corrupção activa à aceitação do
suborno (ou da respectiva promessa) pelo funcionário significaria fazer depender a punição
do corruptor da verificação de um facto culposo de outrem, i.e., da decisão do empregado
público no sentido de receber a peita, observando-se um desvio à regra da “individualidade”
e da “intransmissibilidade” da responsabilidade penal”.
O crime de corrupção activa tem autonomia dogmática no sentido de que pode haver
condenação por corrupção activa, sem condenação por corrupção passiva, apesar de os
respectivos processos de execução estarem relacionados.
É considerado um crime de resultado32
no sentido de que a sua consumação ocorre
independentemente de haver aceitação da oferta ou da promessa da vantagem pelo
destinatário.
Advogados, Ano 68, II/III – Lisboa, Setembro/Dezembro 2008, pág. 809, que entendem que “Neste crime, o
particular é punido como autor de um crime consumado quer prometa, quer dê vantagem, patrimonial ou não, ao
funcionário, independentemente de o funcionário aceitar a promessa ou a vantagem ou mesmo, no caso de a
aceitar, não praticar o acto mercadejado”. E acrescentam que “trata-se, pois, de um crime em que a tentativa (i.e,
a simples promessa) é equiparada à consumação (…)”. 29
Segundo esta teoria, “para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção
não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta: é necessário que, em abstracto, a
acção seja idónea para causar o resultado” - cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, com a colaboração de
Figueiredo Dias, Coimbra, Livraria Almedina, 1996, pág. 257. 30
Cláudia Cruz Santos, Cláudio Bidino, Débora Thaís de Melo, A Corrupção - Reflexões (A Partir da Lei, da
Doutrina e da Jurisprudência), sobre o seu Regime Jurídico-Criminal em Expansão no Brasil e em Portugal,
Coimbra Editora, 2009, págs. 178 e 179, referem que “de um lado, asseveram vários doutrinadores a
impossibilidade de tentativa à luz do carácter formal do delito da corrupção e, de outro turno, autores há que
propugnam a viabilidade de fracionamento do iter criminis a ensejar a configuração da modalidade tentada.
Considerando-se, contudo, o bem tutelado, parece-nos que, tanto na hipótese de corrupção passiva quanto
activa, a consumação só queda configurada mediante a chegada à esfera do conhecimento da outra parte do
proceder corruptivo, leia-se, do pedido e oferta de suborno ou anuência com o mesmo. Só assim restará
exteriorizado o intento de “mercadejar com o cargo” a significar afectação ao bem autonomia intencional do
Estado.” 31
Almeida Costa, apud, Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. (nt. 27), pág. 682. 32
Idem, págs. 683 – 684.
13
O tipo subjectivo é doloso, porquanto o agente corruptor actua procurando conseguir
obter através da corrupção o resultado de qualquer uma das pretensões mencionadas no artigo
supramencionado, ou seja, exige-se o conhecimento e vontade de realização do crime por
parte do agente.
1.2.2. Crime de corrupção passiva (arts. 502º e 503º do CP)
A corrupção passiva à semelhança da corrupção activa, é um crime comum, por ser
susceptível de ser cometido por qualquer pessoa.
Para a verificação deste TLC de crime, é necessário que alguém, por si ou por
interposta pessoa (com a sua autorização ou ratificação), solicite, receba dinheiro ou
promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja
devida para praticar acto ilícito ou omitir a prática de acto que tenha o dever de praticar ou
praticar actos lícitos cabendo nas suas funções.
De acordo com o que diz Almeida Costa33
, a doutrina italiana regista uma assinável
uniformidade de posições relativamente ao bem jurídico protegido pela corrupção passiva. E
acrescenta que “(…) o objecto de protecção reconduz-se ao prestígio ou operacionalidade na
prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos”.
A corrupção passiva é considerada um crime sinalagmático, na medida em que supõe
a existência de uma prestação (peita ou suborno), por parte do corruptor e a (prática ou
omissão de um acto), pelo funcionário público34
.
Neste TLC, o acto ou omissão do funcionário visado pelo suborno pode ser ilícito ou
lícito, distinguindo-se, deste modo, o crime de corrupção passiva entre própria e imprópria.
Na corrupção própria (art. 502º, n.°1) a pessoa pratica uma conduta (acto ou omissão) ilícita,
que expressa a violação dos deveres do cargo, enquanto na corrupção imprópria (art. 503º,
n.°1) a pessoa pratica um acto lícito, isto é, em conformidade com os deveres do seu cargo,
visando a obtenção de vantagem indevida.
Por outro lado, consoante a oferta ou promessa de vantagens ocorram antes ou depois
do acto do funcionário que se pretende “remunerar”, assim se depara com uma corrupção
antecedente ou subsequente35
.
A corrupção passiva é considerada um crime de dano na medida em que não se limita
a pôr em risco, mas consubstancia uma efectiva violação da esfera de actividade do Estado,
33
Almeida Costa, apud, Jorge de figueiredo Dias, ob. cit. (nt. 27), págs. 656 a 657. 34
Neste sentido cfr. Rita Maria Meira Niza, Contributo para a análise do novo crime de recebimento indevido
de vantagem, Dissertação realizada no âmbito do 2º ciclo de Estudos, Mestrado Forense, Lisboa, 2012, pág. 25. 35
Idem, pág. 25 e Almeida Costa, apud Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. (nt. 27), pág. 655.
14
traduzida numa ofensa à sua “autonomia intencional”36
. Neste TLC o resultado típico traduz-
se na comunicação efectiva por parte do funcionário ao particular de que pretende ou aceita
receber uma vantagem ou promessa de vantagem, o que abre espaço para que os particulares
percam confiança pelas instituições do Estado.
O elemento subjectivo do tipo é necessariamente doloso no sentido de que se traduz
no conhecimento e na vontade livre, por parte do agente corruptor de obtenção de uma
vantagem indevida como contrapartida de um comportamento que viole os deveres do cargo.
1.2.3. Crime de aceitação de oferecimento ou promessa (art. 509º).
O crime de aceitação de oferecimento ou promessa é um crime específico na medida
em que a sua consumação depende do preenchimento, por parte do agente, de certas
qualidades especiais enunciadas na lei.
Para que se preencha este TLC torna-se necessário que o servidor público, por si ou
por interposta pessoa (com o seu consentimento ou ratificação) aceite ou receba dádiva ou
presente ou qualquer vantagem no exercício ou por causa do exercício das suas funções.
Este preceito visa evitar o recebimento, por parte de um servidor público, de qualquer
oferta ou gratificação resultante da função ou cargo público que exerce. No ordenamento
jurídico moçambicano, esta proibição vem, igualmente expressa no art. 41º da Lei
n.°16/2012, de 14 de Agosto (Lei da Probidade), onde se estabelece no seu preâmbulo que
“O exercício de funções na administração pública exige a probidade e respeito da ética”,
tendo em conta a luta que se tem estado a travar contra à corrupção a nível do sector
público37
.
E, segundo refere Pinto de Albuquerque38
, neste TLC “o bem jurídico protegido é a
integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário”.
O elemento subjectivo do tipo é doloso, admitindo as três formas de dolo. O crime
concretiza-se quando o agente aceita ou recebe qualquer vantagem, com o conhecimento de
que a mesma não lhe é devida, como contrapartida de qualquer pretensão dependente do
exercício de suas funções ou por força das mesmas.
36
Vide Almeida Costa, apud, Jorge de Figeiredo Dias, ob. cit. (nt.27), pág. 661. 37
Aqui podemos referir que segundo uma constatação feita pelo GRECO do Conselho da Europa, nunca desde a
antiguidade a corrupção tinha sido um dos mais espalhados e insidiosos males sociais e, quando esta envolve
funcionários públicos e representantes eleitos torna-se inimigo da Administração Pública. Desde o fim do século
XIX esta também tem sido vista como a maior ameaça na esfera privada, mina a confiança e a certeza que são
necessários para a manutenção e desenvolvimento sustentável e as relações sociais. Estima-se que centenas de
biliões de euros sejam pagos em suborno todos os anos. Disponível na Internet: <URL:
https://www.coe.int/en/web/greco/about-greco/priority-for-the-coe> [consult. 28/11/2017], pelas 12 horas e 45
minutos. 38
Pinto de Albuquerque, apud, Rita Maria Meira Niza, ob. cit., pág. 32.
15
2. Aspectos comuns/similares entre os crimes de corrupção (activa e passiva) e o crime
de aceitação de oferecimento ou promessa:
Importa, antes de mais, referir que os crimes de corrupção de que nos debruçamos
neste trabalho têm de comum o facto de poderem ser praticados por “servidores públicos” no
exercício de funções na administração pública39
, entendendo-se por funções de administração
pública, as actividades específicas dos órgãos e instituições do Estado40
.
É importante salientar que para efeitos de Lei Penal, o legislador alargou o conceito
de “funcionário público”, que em regra é um conceito específico do direito administrativo,
para o de “servidor público”, nos termos do disposto no art. 522 do C.P.
41, de modo a
abranger toda a tipificação dos crimes de corrupção, nos casos em que o agente activo seja
servidor público.
Segundo refere Jorge dos Reis Bravo42
, “O legislador procura alargar o conceito de
forma a não permitir lacunas de punibilidade que, por razões de identidade e igualdade das
situações, não se justificassem”. E, acrescenta o mesmo Autor que “Isto significa que tal
alargamento conceptual só é válido para as situações em que se equacione a posição do
empregado ou funcionário público enquanto sujeito activo de um crime”43
.
Por isso é que J. M. Damião da Cunha44
ensina que “O conceito de funcionário para
efeito da lei penal, só tem validade quando o exercício das suas funções seja eficaz. Não
podem verificar-se, pois, situações de usurpação de funções”.
Assim, e porque à semelhança do que se disse em relação ao nosso Código Penal,
muitas das legislações penais adoptaram um conceito autónomo e alargado de “funcionário
público”, mas com formulação e âmbito de aplicação distintos45
, julgamos ser importante
39
Segundo Diogo Freitas do Amaral, Curso De Direito Administrativo, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2001,
Vol. I pág. 29, “Quando se fala em Administração Pública, tem-se presente todo um conjunto de necessidades
colectivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela colectividade, através de serviços por esta
organizados e mantidos”. 40
Cfr. art.2°, n.°3 do EGFAE. 41
Tal como definimos na conceitualização. De referir que o n.°2, do art. 522º do CP, considera como
“Sinónimos de servidor público os termos funcionário, agente do Estado, empregado público, agente municipal
ou qualquer outro similar, que se utilize para referir-se à pessoa que cumpra funções em entidade pública”.
Vide, igualmente, a Lei n.°16/2012, de 14 de Agosto, que para além de definir o conceito de servidor público
enumera quais as entidades que cabem no referido conceito. 42
Cfr. Jorge dos Reis Bravo, ob. cit., pág. 98. 43
Idem. 44
J. M. Damião da Cunha, apud, Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. (nt. 27), pág. 823. 45
Vide, por ex., o art. 386º do CP Português, onde se estabelece que “1. Para efeitos da lei penal a expressão
funcionário público abrange: a) o funcionário civil; b) o agente administrativo; c) Quem, mesmo provisória ou
temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado
a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública
administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de
utilidade públicas ou nelas participar. 2. Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares de órgãos de
16
mencionar os conceitos similares ao de “servidor público” usados nas Convenções
Internacionais, ratificadas por Moçambique, começando pela Convenção da União Africana
sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção46
, onde o conceito de “funcionário público”,
previsto no art.1.º, reveste o seguinte conteúdo “Todo o funcionário ou empregado do Estado
ou de suas agências, incluindo aquele que foi selecionado, designado ou eleito para exercer
actividades ou funções em nome do Estado ou ao serviço do Estado, a qualquer nível da sua
hierarquia”;
No Protocolo da SADC Contra a Corrupção, denominado por Protocolo da
Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral47
, o conceito de “funcionário
público’’, previsto no art. 1.º considera “qualquer pessoa com emprego no Estado, nas suas
agências, autoridades locais ou para-estatais, e inclui pessoa que exerça funções públicas ou
obrigações em qualquer das suas agências ou empresa”;
E, por fim, de acordo com a Convenção da ONU Contra a Corrupção, adoptada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de Outubro de 2003 (denominada Convenção de
Mérida)48
considera-se “agente público” “a) : i) todo aquele que detenha um mandato
legislativo, executivo, administrativo ou judiciário num Estado Parte, para o qual foi
nomeado ou eleito, a título permanente ou temporário, remunerado ou não, e
independentemente da antiguidade na função; ii) também aquele que desempenhe uma
função pública, incluindo para um organismo público ou para uma empresa pública, ou
presta um serviço público, de acordo com o disposto no direito interno do Estado Parte e
conforme o estabelecido na área do direito relevante desse Estado; iii) E ainda aquele que
no direito interno de um Estado Parte é definido como “agente público”. Este conceito é
muito mais abrangente, porquanto a convenção define na al. b) o conceito de “agente público
estrangeiro” e na al. c) o de “funcionário de uma organização internacional pública”, que
para o caso julgamos que não tem interesse.
Como se pode ver, são vários os conceitos de “servidor público” adoptados nos
diferentes instrumentos legais, mas tudo isso, e como foi acima referenciado, na expectativa
fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação
maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços público”. Vide, igualmente, o art.
327º do, CP do Brasil, onde “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce o cargo, emprego ou função público. 1º - Equipara-se a
funcionário público quem exerce o cargo, emprego ou função em entidade paraestatal. 2º (…)”. 46
Assinada em Adis-Abeba, Etiópia, e adoptada em 11 de Julho de 2003, em Maputo, pela 2ª Sessão Ordinária
da Conferência da União Africana, e ratificada pela Resolução n.°30/2006, de 2-8, da Assembleia da República. 47
Assinado em Blantyre, a 14 de Agosto de 2001, e ratificado por Moçambique através da Resolução
n.°33/2004, do Conselho de Ministros, de 20 de Junho de 2004. 48
Ratificada por Moçambique, através da Resolução, n.°31/2006, de 26 de Dezembro.
17
de evitar a impunidade de todo e qualquer cidadão que exerça funções públicas, ou funções a
elas relacionadas, sempre que se envolverem em actividades criminosas, no exercício dessas
funções, e enquanto servidores públicos.
3. Competências dos poderes de facto
Segundo ensinamento de Claus Roxin49
“Tipos penais há em que o legislador, ao
invés de descrever de forma mais precisa as acções humanas que lesionam o bem jurídico,
serve-se de outra técnica e se apoia em deveres, concretizados em outros sectores de ordem
jurídica, e cuja violação passa a ser um requisito do tipo penal”. E acrescenta o mesmo
Autor que “Autor é quem viola um dever especial, pouco importando o domínio que tenha
sobre o facto; quem concorre para o facto sem esse dever será mero partícipe”50
. São os
chamados delitos de dever ou delitos de violação de dever, em que se encontram,
principalmente, os delitos próprios (delitos praticados por servidor público), como é o caso
dos crimes de corrupção passiva e também do crime de aceitação de oferecimento ou
promessa.
De referir que nos crimes de corrupção lato sensu, o legislador enquadrou um grupo
de pessoas que, em função da natureza dos cargos públicos que ocupam, são susceptíveis de
ser agentes dos crimes de corrupção passiva.
Importa salientar que nos crimes de corrupção passiva, nalguns casos a solicitação
pode partir de quem ocupa o cargo de direcção (um servidor público) e noutros ser um agente
corruptor privado a aliciar o servidor público com dádivas de todo o tipo, com o intuito de
obter uma decisão, serviço ou benefício a que não tem direito (corrupção para acto ilícito) ou
a acelerar um processo a que não lhe diz respeito (corrupção para acto lícito)51
, i.e, o servidor
público pode ser o destinatário da vantagem e noutros ser o próprio servidor público quem
solicita ou recebe uma vantagem ou uma promessa de vantagem.
Importa, porém, referir que nos crimes de corrupção nem todos os actos praticados
por um servidor público se mostram susceptíveis de preencher o correspondente ilícito
criminal. Por isso, se por ex., o servidor público recebe uma peita ou suborno respeitante a
uma actividade ou prestação que não se realize no desempenho das suas competências
públicas, não se preencherá o crime de corrupção passiva, podendo integrar um outro TLC,
49
Claus Roxin e Alaor Leite, O que é e o que não é a teoria do domínio do facto sobre a distinção entre autor e
partícipe no Direito Penal, Disponível na Internet: <URL: http://eugeniopacelli.com.br/artigos/o-que-e-e-o-que-
nao-e-a-teoria-do-dominio-do-fato-sobre-a-distincao-entre-autor-e-participe-no-direito-penal/>. 50
Idem. 51
Gabrielle Poeschl, Factores de Variação na Percepção da Corrupção, in Os Crimes de Fraude E De
Corrupção No Espaço Europeu, ob. cit., pág. 249.
18
ainda que a conduta a que se dirige a peita ou suborno seja idêntica a que o agente executa na
sua qualidade de servidor público.
Na verdade, deve ter-se sempre em atenção que nos crimes de corrupção stricto sensu,
o acto a realizar pelo funcionário público deve integrar-se na esfera das suas atribuições
funcionais, surgindo aqui algumas dúvidas no sentido de saber se o acto a realizar pelo
servidor público deve corresponder às específicas competências legais ou se poderá importar
a simples actuação de “meros poderes de facto” decorrentes da posição “funcional” daquele.
Há os que entendem que o acto a realizar pelo servidor público deve integrar-se na
esfera das suas atribuições funcionais, sob pena de não se estar perante um crime de
corrupção, mas sim de poder estar-se perante uma situação de usurpação de funções, caso o
agente extravase as suas competências, v.g. um funcionário que recebe uma peita ou suborno
arrogando-se a competência para praticar um acto que não cabe nas suas específicas
atribuições52
.
E ainda, os que entendem que não importa se o acto praticado integra ou não a esfera
das específicas atribuições funcionais ou competências, bastando que a actividade em causa
se encontre numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo53
.
Já, nos crimes de aceitação de oferecimento ou promessa, o acto a praticar pelo agente
do crime deve ser feito no exercício de suas funções ou por força das mesmas, não
integrando este TLC a conduta do servidor público que recebe uma peita ou suborno por
motivo completamente alheio às funções públicas por ele exercidas.
No entanto, e segundo refere Ricardo Lamas54
“Se no exercício de funções parece
reportar-se à vantagens solicitadas no âmbito das próprias funções, no decurso e no contexto
da actuação funcional do funcionário – sendo irrelevante se foi solicitada no local e horário
de trabalho (…), já por causa delas aparenta cingir-se à vantagem auferida ou solicitada
apenas porque o funcionário tem essa qualidade”, o que se torna difícil provar.
52
Neste sentido, cfr. Almeida Costa, apud, Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. (nt. 27), pág. 664. 53
Para tal tazemos um exemplo dado por Almeida Costa, apud, Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. (nt. 27), pág.
665, segundo o qual Se “Um contínuo de um certo departamento administrativo que recebe o pagamento de
suborno, como contrapartida de ele haver subtraído determinado processo que estava para ser decidido pelo seu
director. Aqui, a circunstância de a análise ou a custódia daquele processo não estarem abangidas nas suas
atribuições não afecta a “relação funcional imediata” do agente com o acto, circunstância que o coloca na órbita
do tipo legal de corrupção passiva”. 54
Ricardo Lamas, ob. cit. pág. 90
19
Como se pode depreender neste TLC não conta apenas a actuação jurídica ou
resultante das funções adstritas ao funcionário, mas também nos poderes de facto do cargo do
servidor público55
, situação que a verificar-se preencherá o respectivo ilícito.
Pelo que, a conclusão a que se pode chegar é a de que os actos dos servidores
públicos, para serem relevantes para o preenchimento do tipo têm de caber dentro das suas
específicas competências legais ou dentro dos poderes de facto decorrentes dos cargos que
ocupam, sob pena de não se preencher o respectivo ilícito.
4. Regime Punitivo da corrupção
Antes da incriminação do crime de aceitação de oferecimento ou promessa só se fazia
a distinção entre os crimes de corrupção activa e os crimes de corrupção passiva - para a
prática de acto ilícito (própria) e para a prática de acto lícito (imprópria).
Com esta nova incriminação, o legislador pretendeu evitar a isenção de
responsabilização criminal, porque através dos primeiros, não se conseguindo provar qual era
o acto concretamente pretendido pelo agente do crime, não havia como criminalizá-lo.
E, para a prova deste novo TLC, o legislador não exige a verificação do nexo de
causalidade entre a vantagem e o acto do servidor público, mas sim a prova de que a
vantagem foi recebida por este no exercício das suas funções ou por causa delas.
Pelo que, neste ponto analisaremos a punição dos servidores públicos abrangidos
pelas normas dos artigos 501º (corrupção activa), 502º (corrupção passiva para acto ilícito),
503º (corrupção passiva para acto lícito) e 509º (aceitação de oferecimento ou promessa),
todos do C.P. em vigor na República de Moçambique.
Como nos referimos acima o conceito de funcionário público foi alargado para o de
servidor público, de forma a não permitir lacunas de punibilidade.
Relativamente aos crimes de corrupção, em sentido restrito, o legislador estabeleceu a
“agravação” da pena, no art. 501º, n.°2 (para a corrupção activa); para a (corrupção passiva
para acto ou omissão ilícita) verifica-se uma agravação da pena nas situações previstas no art.
502º, n.°s 2 e 3 e, para a (corrupção passiva para acto lícito), a agravação verifica-se nas
situações previstas no 503º, n.°s 2 e 3. E, relativamente ao crime de aceitação de
oferecimento ou promessa a agravação da pena está prevista no artigo 509º, n.°3.
55
Para tal, trazemos um exemplo dado por Ricardo Lamas, ob. cit., pág. 90, Segundo o qual “Se uma empresa
que presta serviços para uma Câmara Municipal, em situação concorrencial com outras empresas, oferece uma
vantagem a um dos seus Vereadores, existe, desde logo, uma possibilidade de que este venha a oferecer
publicamente – por meio de simples elogio, por exemplo -, a empresa ofertante, mesmo que não seja da sua
competência adjudicar-lhe serviços ou ter qualquer influência no processo de adjudicação”.
20
Importa referir que quando os crimes são praticados por servidor público a agravação
das penas resulta do facto destes violarem um determinado dever relacionado com o seu
cargo. E, como ensina Roxin, “O que justifica a pena elevada do delito funcional é a
violação de um dever que se dirige apenas ao detentor da função”.56
Relativamente à “dispensa ou isenção” da pena, ela está prevista no art. 501º, n.°s 3 e
4, relativamente à (corrupção activa); art. 502º, n.°4, na (corrupção passiva para acto ou
omissão ilícita) e 503º, n.°4, na (corrupção passiva para acto lícito), todos do CP, ao que na
doutrina se considera de “Direito Premial” ou “Movimento Premial”, de que nos ocuparemos
de seguida.
De referir que, quanto à tipologia dos crimes acima mencionados, não existe nenhuma
disposição especial que prevê a possibilidade de “atenuação” da pena, devendo esta ser feita
nos termos gerais, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos legais para a aplicação
de tal faculdade.
4.1. Direito Premial
4.1.1. Origem e Natureza Jurídica
A palavra “premiar” tem a sua origem (no latim praemiãre),e significa dar prémios a;
recompensar57
. E, poder-se-ia então perguntar o que é que o direito penal premeia? A
resposta seria a “delação” (do latim delatiõne), e significa revelação do crime com o fim de
tirar proveito; denúncia58
e a colaboração, que significa trabalho em comum; cooperação,
acto ou efeito de colaborar59
.
E qual será então a diferença entre a delação premiada e a colaboração premiada? A
resposta a esta pergunta é um tanto ou quanto controversa pois, em termos doutrinários há
posições que entendem que “ambas as denominações referem-se ao mesmo instituto, no qual
um investigado ou acusado presta relevantes informações à polícia ou ao Ministério Público,
56
Neste sentido, Cfr. Claus Roxin, apud, Luís Greco e Alaor leite, O que é e o que não é a teoria do domínio do
fato sobre a distinção entre autor e partícipe no Direito Penal. Disponível na Internet: <URL:
http://eugeniopacelli.com.br/artigos/o-que-e-e-o-que-nao-e-a-teoria-do-dominio-do-fato-sobre-a-distincao-entre-
autor-e-paticipe-no-direito-penal/>.
57
Cfr. J. Almeida Costa e A. Sampaio Melo, Dicionário da Língua Portuguesa, 8ª Edição, Portugal, Porto
Editora, 1999, pág. 1318. 58
Idem, pág. 477. 59
Ibidem, pág. 380.
21
dando conta da participação de outras pessoas e revelando detalhes de esquema
criminoso”60
.
No entanto, há outras posições que, baseando-se na Lei 12.850/1361
, entendem que há
diferença entre os dois institutos, devendo a colaboração premiada ser compreendida como o
gênero62
e a delação premiada, uma das suas espécies também denominada “chamamento do
co-réu” e que se destina à identificação dos demais co-autores e/ou partícipes da organização
criminosa bem como das infracções penais por ela praticadas (art. 4º, inciso I, da Lei
12.850/13)63
.
Destarte, há quem entenda que parece ser mais comum a utilização do termo
“Delação”. Mas, segundo tal entendimento, o terrmo delação “traz em si, a ideia de traição, e
o Estado quer deixar de lado esta ideia, e por isso, prefere o termo <colaboração
premiada>. Portanto, apesar de na mídia ser muito comum a expressão <delação>, é mais
técnico usar <colaboração>”64
.
Quanto à nós, parece ser indiferente o uso de uma ou de outra designação pois, para
aqueles países em que não têm ainda uma Lei que detalha o funcionamento da colaboração
premiada, como acontece no Brasil, o que se pretende tanto numa como noutra situação, é o
rompimento do silêncio dos envolvidos permitindo aos Estados incentivar os criminosos a
colaborar com a justiça no combate à criminalidade altamente organizada, concedendo
benefícios aos suspeitos que, de qualquer uma das formas, cooperarem na investigação.
Ora como se sabe, a infracção criminal pode ser praticada por uma ou por duas ou
mais pessoas. Daí que um servidor público pode, por si só, praticar qualquer crime de
corrupção passiva, tal como se prevê nos artigos 502º e 503º ou um crime de aceitação de
oferecimento ou promessa, tal como se prevê no artigo 509º, todos do CP, como também,
estes crimes podem ser praticados por vários servidores públicos, partindo de uma decisão
conjunta, para a concretização de um mesmo fim, numa actuação coordenada e com as tarefas
60
Neste sentido, cfr. Felipe Faoro Bertoni, Entenda a diferença entre delação premiada e colaboração
premiada, disponível na Internet: <URL: https://canal ciênciascriminais.com.br/diferenca-delacao-colaboracao-
premiada/>. [consult. 15/09/2017], pelas 14 horas e 30 minutos. 61
Lei brasileira que detalha como funciona a colaboração premiada, e também designada por Lei de Combate às
Organizações Criminosas. 62
Porquanto se pode, por ex., colaborar com o Estado, identificando os demais co-autores e as infracções penais
por eles praticadas. Mas também, se pode colaborar com o Estado, sem denunciar terceiros, fornecendo a
localização de eventuais vítimas; a localização do produto das infracções penais praticadas pela organização
criminosa; revelando a organização da estrutura hierárquica da organização, etc. 63
Cfr. Luiz Flávio Gomes, Há diferença entre colaboração e delação premiada? Disponível na Internet: <URL:
https://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/ha-diferenca-entre-colaboracao--e-delacao-premiada/14756>
[Consult. 15/09/2017], pelas 14 horas e 15 minutos. 64
Neste sentido, Cfr. Juridicocerto, Aspectos Fundamentais da Colaboração Premiada, disponível na Internet:
<URL: https://juridicocerto.com/p/cayonperes/artigos/aspectos-fundamentais-da-colaboracao-premiada-948>
[Consult. 15/09/201], pelas 15 horas.
22
bem definidas, sendo por isso co-autores65
e devendo responder todos eles pela totalidade do
crime cometido66
.
O direito premial, também designado pela doutrina como movimento premial ou
regime do arrependido, vigora no direito positivo de vários países (como por ex., em
Portugal, no Brasil, em Espanha, na Itália, e nos EUA), por o considerarem um meio eficaz
de combate à criminalidade organizada; É uma técnica de investigação criminal que pode, de
certo modo, através da colaboração dos arguidos, quebrar o silêncio destes, ajudando a
desmantelar as grandes redes criminosas inseridas no seio de uma determinada sociedade e
que se dedicam à criminalidade organizada, evitando a prática de novos crimes por essas
mesmas redes pois, como se sabe a corrupção raramente existe só e é usada como um
instrumento de facilitação do crime organizado, podendo potenciar outros ilícitos, v.g., o
tráfico de drogas, o tráfico de seres humanos, e o braqueamento de capitais.
Importa também referir que a colaboração deve ser voluntária, não importando se a
ideia partiu ou não do colaborador e muito menos os motivos que o levaram a colaborar com
os investigadores. Mas, a pergunta que se pode colocar é a seguinte: Os acordos de
colaboração não entram em choque com o princípio do nemo teneturse ipsum accusarese
detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo?
Segundo ensinamento de José António Rodrigues da Cunha67
“A consagração do
direito ao silêncio e à não autoincriminação no âmbito do processo penal, que decorre
directamente do respeito pela dignidade da pessoa humana e é indissociável das regras
próprias de um Estado de Direito, constitui uma importante garantia da liberdade
confessória. Em primeira linha, impede qualquer interpretação do silêncio do arguido como
aceitação de factos. Sendo, porém, inquestionável que em caso algum o uso do direito ao
silêncio poderá prejudicar o arguido, certo é também, que não o deverá beneficiar”.
Dito isto, e em reposta a questão acima colocada, o que se nos oferece dizer é que o
direito ao silêncio não é um direito absoluto, no sentido de que o arguido deve sempre manter
o silêncio. Até porque, corroborando com esta afirmação e recorrendo ao nosso Código de
65
Como exemplo de co-autoria num crime de corrupção, podemos citar a Denúncia feita pelo Procurador-Geral
da República contra Michel Miguel Elias Temer Lulia (Presidente da República Federativa do Brasil) e Rodrigo
Santos Da Rocha Loures (ex-Deputado Federal), denunciados da prática, em concurso, pelo crime de corrupção
passiva (CP, art.317, caput, c/c art. 29), e outras pessoas a eles ligadas, mas não detentoras de foro por
prerrogativa de função. Disponível na Internet: <URL: http://m.dw.com/downloads/39432330/denuncia-
temer.pdf>. [Consult. 28/11/2017], pelas 13 horas e 25 minutos. 66
Sobre a co-autoria, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, 2ª Edição, Coimbra, Coimbra
Editora, 2012, Tomo I, págs. 791 a 797. 67
Cfr. José António Rodrigues Da Cunha, A Colaboração do Arguido com a Justiça – A Confissão e o
Arrependimento no Sistema Penal Português, in JULGAR, Revista N.°32, Edição: ASJP, Lisboa, Maio-
Agosto/2017, págs. 53 e 54.
23
Processo Penal, encontramos algumas normas68
que deixam transparecer que ao prestar as
suas declarações, o arguido deve ser advertido de que não é obrigado a responder às
perguntas que lhe vão ser feitas sobre os factos imputados e sobre o conteúdo das
declarações que acerca deles prestar.
No entanto, caso o arguido opte voluntariamente pelo não exercício do direito ao
silêncio, preferindo colaborar com as autoridades para a descoberta da verdade material,
então é nosso entendimento que não se poderá falar de violação do princípio ora mencionado
e da autoincriminação, desde que o mesmo tenha sido previamente advertido das
consequências que poderão, eventualmente advir da celebração de um acordo de colaboração
premiada.
Mas, segundo refere Ricardo Lamas69
, o regime “premial” “assenta num paradoxo:
a pessoa que delatou que se arrepende é, ao mesmo tempo, agente do crime e meio de prova.
Assim sendo, o seu contributo para a produção da prova e para a perseguição penal da
outra parte no <pseudo-sinalagma> é <recompensado> com uma dispensa ou atenuação da
pena, mas não exclui a sua responsabilidade penal”.
Ora, como se pode ver, o delator passa a ter duas qualidades, a de arguido70
, e a de
declarante, na medida em que sendo arguido, está impedido de prestar juramento, o que faz a
diferença com a testemunha (por esta prestar juramento). Mas também, ao abrigo do
estabelecido no art. 216º, n.°4 do CPP, “não podem ser testemunhas os que participarem o
facto à autoridade pública (…)”. Daí que a doutrina entende que o julgador não deve apenas
decidir com base nas declarações prestadas pelo delator, devendo estas serem corroboradas
por outros elementos de prova71
.
No entanto, importa referir que uma vez preenchidos os pressupostos previstos para
que haja dispensa da pena, o delator deixa de ser parte interveniente no processo, cessando as
disposições que o incriminam da prática do crime.
68
Vide art. 254º, n.°3 e § 1º do art. 425º, ambos do CPP. 69
Ricardo Lamas, ob. cit., pág. 131. 70
Por recair sobre ele forte suspeita de ter perpetrado uma infracção, cuja existência esteja suficientemente
comprovada – cfr. art. 251º do CPP. 71
É o que acontece em Moçambique, onde se dispõe no corpo do art. 174º que, “A confissão do arguido
desacompanhada de quaisquer outros elementos de prova não vale como corpo de delito”; no Brasil onde o
art.197º do CPP estabelece que “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros
elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre elas existe compatibilidade ou concordância”; e no Peru, em que o art. 160º, n.°2, estabelece
que “La confesion solo tendrá valor probatório cuando, al. a) Este debitamente corroborado por outro u otros
elementos de convicción”, o que já não acontece em Portugal, em que não se exige que a confissão do arguido
seja corroborada por outros meios de prova, desde que seja verdadeira, cfr. o art. 344º do CPP.
24
4.1.2. O Direito Premial no ordenamento jurídico moçambicano
Os mecanismos jurídicos entendidos como sendo de direito premial não são
uniformes nos diversos ordenamentos normativos dos diversos países. De referir que no
Direito Brasileiro o legislador introduziu leis que regulam o instituto da colaboração
premiada.
No direito moçambicano, o legislador estabeleceu várias situações que devem ser
tidas em consideração para a aplicação das penas entre os limites máximo e mínimo no art.
110º, e as situações em que as penas podem ser atenuadas extraordinariamente - art. 119º,
ambos do CPl.
Ora, segundo ensinamento de Figueiredo Dias72
, a determinação da pena, passa por
três fases distintas, a 1ª das quais em que o juiz investiga e determina qual a moldura penal
abstracta a ser aplicada; a 2ª em que o juiz investiga e determina qual é a pena concreta que
vai aplicar dentro da moldura penal abstracta, e a 3ª e última em que o juiz escolhe dentre as
penas possíveis de aplicar (alternativas ou de substituição), a espécie de pena que deve ser
cumprida pelo agente do crime.
No entanto, para a determinação da medida concreta da pena, o tribunal deverá
atender ainda a outras circunstâncias comuns, que embora não digam directamente respeito
ao TLC contendem a favor ou contra o agente do crime, e podem contribuir para a atenuação
da pena entre o limite mínimo e máximo previsto73
. O Juiz poderá ainda substituir a moldura
penal abstracta aplicável a um determinado crime, por outra, considerando o especial valor
das circunstâncias atenuantes - cfr. art 119º do CP.
Mas, não se pode considerar que nas situações acima mencionadas se está em face de
um direito premial, pois esta figura só é chamada à colação naqueles casos em que o agente
do crime colabora com a justiça denunciando um determinado crime e outros co-autores ou
contribuindo de forma decisiva na obtenção de prova, como por ex., através da indicação do
local onde se encontra escondido o produto do crime. E, como exemplos de uma verdadeira
premiação vejam-se os artigos abaixo citados74
.
72
Jorge De Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pág
256. 73
Idem, pág. 257. Vide, igualmente, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral III,
Teoria das penas e medidas de segurança, 2ª edição, Editorial Verbo, 2008, pág. 155. 74
Art. 532º, n.°1do CP onde se dispõe que: “Será isento da pena o comprador que, antes de consumado qualquer
um dos crimes enunciados nos artigos antecedentes, e antes de ser instaurado o processo, der à autoridade
pública conhecimento do mesmo crime e das suas circunstâncias, e dos outros agentes” e o art. 47º, da Lei n.°
3/97, de 13 de Março (que estabelece o regime jurídio aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e
substâncias psicotrópicas e preparados ou outras substâncias de efeitos similares), onde se dispõe que “Nos
casos previstos nos artigos 33º, 35º, 41º e 42º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar
25
Ora, segundo referimos acima, o direito premial vigora no direito positivo de vários
paises, por o considerarem um meio eficaz de combate à corrupção.
Mas, para Germano Marques da Silva75
o direito premial “promove a denúncia de
outros agentes como requisito para uma atenuação ou isenção da responsabilidade penal,
quebrando valores essenciais numa sociedade democrática como a solidariedade entre
membros, amizade ou confiança, promovendo assim o egoísmo, a traição e levando a
comportamentos opostos aos consignados na Constituição da República Portuguesa quando
fomenta a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno”.
Por outro lado, Luigi Ferrajoli76
entende que “A prática da delação premiada
resulta <inevitavelmente> [n]a corrupção da jurisdição, [n]a contaminação policialesca dos
procedimentos e dos estilos de investigação e de juízo, e [n]a consequente perda de
legitimação política ou externa do poder judiciário”.
Concordamos, com o posicionamento dos Autores acima referenciados por
entendermos que o direito premial abre ou pode abrir espaço a que muitas pessoas envolvidas
em crimes cuja legislação vigente premeia a delação ou a colaboração, sentindo-se
pressionadas com a investigação, e usando a capa de “bons samaritanos” se refugiem nela,
para poderem beneficiar de um tratamento menos severo ou então de isenção da pena. Dá
ainda a sensação de que a justiça pode ser negociável, o que não é justo por não ser aplicável
a todos os TLC, para além de que a própria justiça perde uma certa credibilidade pois, a
prova obtida desta forma não é isenta de dúvidas e pode pôr em causa as próprias decisões
judiciais, através da manipulação pelo próprio delator.
Mas também, entendemos que a colaboração premiada constitui uma forma de
incentivar os arguidos a colaborarem com a justiça na investigação de um certo tipo de
criminalidade altamente organizada, v.g., nos crimes de corrupção (que são geralmente
praticados em ambientes ocultos), e nos crimes de branqueamento de capitais, (através dos
ou fizer diminuir, por forma considerável o perigo por ele causado, impedir que seja alcançado o resultado que a
lei quer evitar que se verifique, auxiliar de modo concreto, as autoridades na recolha de provas decisivas para a
identificação ou a captura de outros agentes responsáveis, particularmente, quando se tratar de grupos,
organizações ou associações, poderá a pena ser-lhe especialmente atenuada ou decretada a sua isenção”. 75
Germano Marques da Silva, apud, Mafalda Matos,O Direito Premial no Combate ao Crime de Corrupção,
disponível na Internet: <URL:
http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16884/1/Trabalho%20Final%20de%Mestrado.pdf.> [Consult.
22.02.2017] pelas 13 horas e 45 minutos. 76
Luigi Ferrajoli, apud, A Delação Premiada no Direiro Brasileiro, disponível na Internet: <URL:
http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2006_1/ricardo.pdf.>
[Consult.08.02.2017], as 9 horas e 30 minutos.
26
quais se oculta a prática de outros crimes), os quais sem a colaboração dos implicados,
grande parte deles nunca seriam esclarecidos77
.
Outrossim, é que não se deve olvidar o facto de muita das vezes os “Líderes” das
organizações criminosas serem “homens da trás” e usarem os seus “seguidores” para
executarem o seu trabalho e, portanto, para se chegar até eles e descobrir como funciona a
organização torna-se necessário usar os “homens da frente”, que nem por isso deixam de ser
considerados criminosos. Até porque indo ao encontro do que dissemos acima, o julgador não
deve apenas decidir com base nas declarações prestadas pelo delator, devendo as declarações
destes serem corroboradas por outros elementos de prova existentes no processo.
77
Segundo consta, “Se não fossem os acordos de colaboração pactuados entre Procuradores da República e os
investigados, o caso Lava Jato não teria alcançado evidências de corrupção para além daquela envolvendo Paulo
Roberto Costa. Existia prova de propinas inferiores a R$ 100 milhões. Hoje são investigados dezenas de agentes
públicos, além de grandes empresas, havendo evidências de crimes de corrupção envolvendo valores muito
superiores a R$ 1 bilhão. Apenas em decorrência de acordos de colaboração, já se alcançou a recuperação de
cerca de meio milhão de reais” – cfr. Colaboração Premiada – Caso Lava Jato, Acordos de colaboração com
investigados e réus, disponível na Internet: <URL: http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-
jato/autuacao-na-1a-instancia/investigacao/colaboracao-premiada>. [Consult. 28/11/2017], pelas 13 horas e 30
minutos.
27
CAPÍTULO III
1. Análise Processual
1.1. Auto de notícia do crime
Antes de mais importa referir que os crimes de corrupção, a par do crime de aceitação
de oferecimento ou promessa, assumem a natureza de crimes públicos, tendo em conta que o
respectivo procedimento criminal não depende de queixa78
.
A iniciativa do procedimento criminal nos crimes de corrupção lato sensu pode ser
levada a cabo por qualquer pessoa de modo a que seja instaurada a competente investigação
criminal79
. Entretanto, havendo queixa, ou denúncia, esta deverá ser escrita ou reduzida a
termo e assinada, ou sob a forma de anonimato, devendo conter as informações sobre os
factos, a sua autoria e as provas de que se tenha conhecimento, sob pena de ser indeferida,
sem prejuízo de o MP poder accionar os mecanismos que julgar convenientes para a
investigação e prosseguimento dos factos, ora denunciados.
1.2. Natureza jurídica dos crimes de corrupção
Os crimes de corrupção assumem a natureza de crime público, atendendo e
considerando que o MP pode promover o processo por sua iniciativa, isto é, tem sempre
legitimidade para promover o processo penal, desde que tenha conhecimento da existência de
factos relativos ao crime de corrupção – cfr. art. 12º da Lei 6/2004.
À semelhança do que acontece em outros TLC, e muito embora não haja uma
disposição legal expressa nesse sentido, parece-nos que nos crimes de corrupção, o titular do
interesse especialmente protegido com a incriminação (que pode ser qualquer pessoa), tendo
em conta o bem jurídico protegido que é a “Autonomia intencional do Estado”, pode
constituir-se em assistente, o qual deverá sempre estar representado por um Advogado – cfr.
art. 5º do Dec. 35007, e colaborar com o MP na investigação dos factos jurídicos com
relevância criminal com vista à condenação dos autores – cfr. art. 4º do Decreto-Lei 35007.
Na sua actividade de investigação, o assistente pode requerer diligências que se
afigurarem pertinentes, oferecer provas e deduzir acusação independente da do MP (embora
78
Entendida como sendo “A transmissão ao MP ou a outras entidades, que a deverão transmitir àquele, por
qualquer pessoa, singular ou colectiva, da manifestação de vontade de instauração de procedimento criminal
(…)”, cfr. Enriques Eiras, Processo Penal Elementar, 6ª Edição (Actualizada), Lisboa, Quid Juris? – Sociedade
Editora, Lda, 2005, pág. 21. 79
Considerada como sendo “O conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, visam averiguar
a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher provas, no
âmbito do processo”. Idem, pág. 49.
28
se subordine a esta) e ainda que o MP se tenha abstido de acusar, e caso não se conforme com
a decisão poderá legitimamente interpor recurso.
1.3. Detenção em flagrante delito ou mediante denúncia
Nos termos do disposto no art. 288º do CPP considera-se “Flagrante delito todo o
facto punível que se está cometendo ou se acabou de cometer. Reputa-se também flagrante
delito o caso em que o infractor é, logo após a infracção, perseguido por qualquer pessoa,
ou for encontrado a seguir à prática da infracção com objectos ou sinais que mostrem
claramente que a cometeu ou nela participou”.
Como se pode depreender, daqui resulta que temos três situações em que se considera
que o infractor foi detido em flagrante delito: a primeira verifica-se durante a execução do
crime, a segunda quando o infractor é surpreendido no local da infracção, depois de o
cometer e com sinais evidentes da prática da infracção (quase flagrante delito) e por último
quando o infractor não é encontrado no lugar da prática da infracção, mas é perseguido logo
após a prática da mesma e é encontrado com sinais ou objectos que evidenciam a sua
comparticipação.
Ora, nos crimes de corrupção, o procedimento criminal, para além de ser da iniciativa
do MP, pode ainda iniciar com a detenção do infractor em flagrante delito,
independentemente de ordem escrita, devendo esta ser levada a cabo por todas as autoridades
ou agentes de autoridade ou por qualquer pessoa do povo, isto por um lado - vide arts. 287º a
289º do CPP.
Por outro lado, não sendo o crime cometido em flagrante delito, para se levar a cabo o
procedimento criminal, deve ser feita denúncia dos factos. Neste tipo de situações a detenção
só pode ser efectuada mediante autorização do Juiz – cfr. Ac. n.° 04/CC/2013, de 17 de
Setembro.
1.4. Características dos crimes de corrupção
É doutrina dominante que pelas suas características, nos crimes de corrupção
raramente se procede à denúncia dos factos e, como refere Cláudia Santos80
, “A dificuldade
de descobrir e, ainda mais, de recolher provas do cometimento do crime de corrupção
começa, antes de mais, nas suas próprias características, que o tornam num crime muito
particular”.
80
Cláudia Santos, apud, Luís Miguel Gonçalves Fernandes Campos, A corrupção e a sua Dificuldade
Probatória – O Crime de Recebimento Indevido de Vantagem, in RMP, N.°137, Ano 36, Propriedade e Edição:
SMMP, Lisboa, Janeiro/Março, 2014, págs. 118 e 119.
29
Por seu turno, Jorge dos Reis Bravo81
refere que “os processos corruptivos
associam-se, em geral, a características que podem enunciar-se nos seguintes vectores:
opacidade, complexidade e ausência de consciência de vitimização. Tais características
potenciam de forma acentuada, por um lado, a ocorrência de assinaláveis “cifras negras”, e,
por outro, o insucesso no combate ao fenómeno, por parte das instâncias formais de
controlo, incluindo os tribunais”. E, acrescenta ainda este mesmo Autor que “(…) O certo é
que a falta de consciência de vitimização (por parte do interveniente activo) é, muitas vezes,
desresponsabilizante e traduz-se numa patente falta de interesse e vontade de colaboração
com as autoridade. Isso potencia o aumento das cifras negras e o défice de denúncia,
investigação e de responsabilização dos agentes”82
.
E mais, Ricardo Lamas83
refere que “A corrupção assenta precisamente na
existência de um acordo entre corruptor e corrompido, numa acção que se não faz a
descoberto e que é envolta nas maiores cautelas de sigilo”. O mesmo Autor acrescenta que
“ora, atenta tal consensualidade subjacente e a inexistência de uma “vítima imediata”, a
corrupção lato sensu é crime de rara denúncia: por um lado, os envolvidos não têm interesse
em quebrar tal consenso e em expor-se; por outro, inexistem terceiros com conhecimento dos
factos e, mesmo existindo, nada têm a “ganhar” com a denúncia, podendo até sofrer
consequências pessoais ou profissionais pela delação”84
.
E ainda, citando Tony Kwok Man-Wai85
“The offenders can be equally as
professional as the investigators and know how to cover their trails. The offenders can be
also very powerful and ruthless in enforcing a code of silence amongst related persons
through intimidation and violence to abort any investigation”.
Como se pode depreender, os Autores acima referenciados são unânimes no
pensamento de que nos crimes de corrupção para além da difículdade probatória, raramente é
feita a denúncia dos mesmos, o que se deve ao carácter secreto em que tanto o corrupto assim
como o corrompido se recusam a deixar marcas da ocorrência do crime, isto por um lado. Por
outro lado, é que tendo em conta o facto de este tipo de criminalidade ocorrer, na maioria das
vezes em ambientes privados quase que nunca existem testemunhas dos factos e, havendo-as,
estas não prestam a sua colaboração às autoridades por receio de represálias ou então por
81
Jorge dos Reis Bravo, ob. cit., pág. 72. 82
Idem, pág. 73. 83
Ricardo Lamas, ob. cit., pág. 114. 84
Idem.
85
Tony Kwok Man-Wai, Investigation of Corruption Cases, disponível na Internet: <URL:
http://www.unafei.or.jp/english/pdf/Rs-N079/N079-19VE-Man-Wai2.pdf>. [Consult. 06.02.2017], pelas 12h e
25 mns.
30
terem alguma relação de proximidade com os autores do crime ou ainda por entenderem que
neste tipo de criminalidade dificilmente se chega à condenação dos envolvidos por
“inoperância” do sistema judiciário, ou então porque o seu silêncio pode resultar no
recebimento de contrapartidas monetárias.
Com efeito, em Moçambique, embora a Lei n.°6/2004, de 17 de Junho preveja a
possibilidade de que sejam feitas denúncias anónimas, respeitando-se e assegurando-se a
efectividade do direito à liberdade de expressão e denúncia de factos relativos à possibilidade
de existência de corrupção ou outras irregularidades, meio passo andado para a investigação
dos crimes de corrupção, entendemos que não raras vezes poderão ocorrer casos de denúncias
caluniosas86
, manchando o “bom nome” dos supostos agentes correndo sérios riscos de serem
investigados por crimes que não cometeram e a sua imagem e dignidade manchadas para
sempre pondo em causa a sua nomeação para cargos públicos, se considerarmos aqueles
países em que a verdadeira democracia se caracteriza pelo controlo que a comunidade exerce
sobre os seus representantes.
Não é por acaso que Renzo Orlandi87
se refere ao facto de se dever “usar uma
cautela particular no controle das notícias de crime em face de <homens de poder>, mais
expostos do que os cidadãos comuns a partidárias campanhas de imprensa ou a ataques
políticos”.
Mas, mais do que isso, julgamos que o mais importante é a criação de mecanismos
adequados de recolha de queixas a nível da administração pública e de protecção dos
potenciais denunciantes de modo a que estes se sintam seguros e certos de que ao
apresentarem uma denúncia não serão alvo de retaliações e que a investigação será levada a
cabo até ao desfecho final do caso, com a consequente condenação dos que se provar terem
praticado este tipo de actividades criminosas88
.
86
Até porque segundo afirmação de Elena Burgoa, Outros Desafios no Combate À Corrupção: Reflexões A
Propósito do Acórdão “Bargão e Domingos Correia C. Portugal” (TEDH 2012), in Os Crimes de Fraude E A
Corrpução no Espaço Europeu, ob. cit., pág. 199, “É uma constatação histórica que os processos por corrupção
se fazem acompanhar frequentemente do surgimento de acções por difamação”. E, acrescenta a mesma Autora
que “Esta tendência é documentada no elevado número de queixas entradas e julgadas nos tribunais portugueses
e no que diz respeito a litigação transnacional constata-se que quando os tribunais nacionais falham, o uso do
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos face às situações de violação do direito à liberdade de expressão
constitui, cada vez mais, um recurso credível”. 87
Cfr. Renzo Orlandi, ob. cit., pág. 390. 88
Até porque o artigo 33º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção estabelece que “Cada Estado
Parte deverá considerar a incorporação no seu sistema jurídico interno de medidas adequadas para assegurar a
protecção contra qualquer tratamento injustificado de quem preste, às autoridades competentes, de boa-fé e com
base em suspeitas razoáveis, informações sobre quaisquer factos relativos às estabelecidas em conformidade
com a presente convenção”.
31
Em Moçambique temos a Lei n.°15/2012 de 14 de Agosto que “Estabelece
mecanismos de protecção dos direitos e interesses das vítimas, denunciantes, testemunhas,
declarantes ou peritos em processo penal e cria o Gabinete Central de Protecção à Vítima”.
No entanto, ao que nos parece esta Lei não se mostra totalmente eficaz à protecção dos
sujeitos beneficiários da mesma pois um dos pressupostos da sua aplicação é que o crime seja
punível com pena de prisão superior a dois anos89
.
Como se pode ver a lei acima citada está condicionada a molduras penais, e não
abrange a todas as manifestações da corrupção. É que, olhando para as disposições que
punem os crimes de corrupção (activa e passiva) e o crime de aceitação de oferecimento ou
promessa, encontramos situações em que a pena aplicável é de prisão e multa, portanto,
inferior a dois anos de prisão (cfr. artigos 501º, n.°1; 502º, n.°1, 503º, n.°1 e 2 e 509º, n°s1 e
2), o que a priori deixa transparecer que nem todas as manifestações de corrupção, os seus
denunciantes merecem protecção da lei, o que é um equívoco legislativo porque a corrupção
é simultaneamente um acto anti-jurídico e anti-ético-moral.
Geralmente, os agentes da corrupção são titulares de cargos públicos a quem basta
uma condenação judicial, independentemente da moldura penal aplicável para lhes arruinar a
personalidade, a habilidade, a capacidade e a legibilidade para a assunpção de cargos
públicos. Em suma, perdem a sua credibilidade perante a sociedade. Daí que entendemos que
não se pode condicionar a protecção dos beneficiários desta lei a molduras penais.
Já em Portugal, temos a Lei n.°93/99, de 14 de Julho (Lei de Protecção de
Testemunhas), que foi posteriormente alterada pelas Leis n.°29/2008, de 4 de Julho e
42/2010, de 3 de Setembro, que visa proteger as testemunhas do poder de pressão e de
intimidação que muitas das vezes é exercido por organizações criminosas que se envolvem
em práticas de corrupção.
No Brasil temos a Lei n.°9.807, de 13 de Julho de 1999 (Lei de Protecção a Vítimas e
Testemunhas), considerada uma lei de extrema importância pois permite levar a cabo as
investigações da polícia para a instrução do processo garantindo a redução da impunidade dos
infractores.
2. Objecto da prova
2.1. Noção:
O objecto da prova “São todos os factos jurídicos relevantes para a existência ou
inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da
89
Cfr. art. 3º da Lei n.°15/2012, de 14 de Agosto.
32
pena ou da medida de segurança, bem como os factos de que se possa inferir a existência de
outros”90
.
2.2. Finalidade da Prova
Segundo ensina Guilherme de Sousa Nucci91
“(…) a finalidade da prova é a
produção do convencimento do juiz no tocante à verdade processual, vale dizer, a verdade
possível de ser alcançada no processo, seja conforme a realidade, ou não”.
Por isso é que em todo e qualquer TLC para que se chegue à condenação dos
implicados/indiciados torna-se necessário que os factos constantes da acusação e pronúncia
sejam levados a julgamento de modo a que o tribunal possa obter as condições necessárias
para firmar a sua convicção sobre a existência ou inexistência dos factos e das situações que
se mostrarem relevantes e com interesse para a decisão da causa92
.
Segundo ensina Figueiredo Dias93
“Muitas legislações do passado, receosas de que
o juiz facilmente incorresse em erro na valoração dos meios de prova a utilizar, reputavam
indispensável prescrever regras de apreciação da prova, assentes em regras da vida e da
experiência que tradicionalmente eram tidas por seguras, e através das quais se fixava ou se
hierarquizava o valor dos diversos meios de prova, segundo a força que a cada um se
atribuía”.
No Direito Processual Penal vigente no ordenamento jurídico moçambicano, à
semelhança do que acontece na generalidade de outros ordenamentos jurídicos vigora o
princípio da livre apreciação da prova94
, na medida em que não há critérios legais acerca do
valor a atribuir a prova. O julgador deve valorar a prova segundo as regras de experiência95
e
da sua livre convicção96
, para a busca da verdade material, devendo a decisão ser sempre
90
Cfr. Enrique Eiras, ob. cit., pág. 71. 91
Guilherme de Souza Nucci, Provas no Processo Penal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009, pág.
16. 92
Neste sentido, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal – Clássicos Jurídicos, 1ª Edição,
Coimbra Editora, 2004, págs. 198 a 199. 93
Idem, pág. 199. 94
O princípio da livre apreciação da prova, segundo refere Luís Miguel Gonçalves Fernandes Campos, ob. cit.,
pág. 20, “Insere-se num processo de estrutura acusatória, em que há separação de poderes entre o poder de
investigar e o poder de julgar, para que o juiz possa, verdadeiramente, actuar como um terceiro imparcial.
Assim, caberá à acusação reunir todas as provas que considere relevantes para fundamentar a tese da
culpabilidade do acusado, que terá o direito fundamental à defesa”. 95
As quais, “Servem para produzir prova de primeira aparência (prima facie evidence), na medida em que
desencadeiam presunções judiciais (praesumptio judicis), simples, naturais, de homem, de facto ou de
experiência (…), que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência da
vida”. Cfr. Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as regras da experiência, in Direito da Investigação
Criminal e da Prova, Coimbra, Edições Almedina, 2014, pág. 129. 96
No entanto, importa esclarecer que a livre convicção do juiz deve sempre ter por base a prova careada nos
autos. E, tal como ensina Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. (nt. 6), pág. 202, “(…) a liberdade de apreciação da
33
fundamentada, para se evitarem arbitrariedades. A excepção ao princípio da livre apreciação
da prova só se verifica quando a lei estabelecer de modo contrário, por ex., o que sucede com
o valor probatório da confissão e (dos documentos autênticos)97
.
Ora, ao falar-se de decisão, deve ter-se em conta que se trata de uma decisão judicial,
a qual é caracterizada por Hermann Isay, “(…) como um (querer) que, (sendo uma
aspiração, se baseia num sentir de valores”98
. Na opinião deste mesmo Autor “o valor da
justiça é (manifestamente inapreensível para a razão) e, por outro lado, porque a decisão,
como acto jurídico, se dirige à justiça, essa decisão tem de aparecer necessariamente como
(irracional), ou seja, como (produzida pelo sentimento jurídico)”99
.
Não podemos, porém, olvidar o facto de que ao se falar de decisão judicial deve
sempre ter-se em conta o magistrado judicial, a quem cabe administrar a justiça, através da
condução e julgamento dos processos judiciais que se encontrem sob a sua alçada,
assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Daí que sendo a decisão judicial tomada pelo homem, ela não depende inteiramente
da ciência ou da técnica, subordinando-se a outros elementos que têm a ver com a sua
natureza racional, livre e social e, como tal, deve ser motivada para que ninguém duvide da
razão porque o juiz decidiu de uma determinada forma e não de outra.100
2.3. Meios de Prova
Os meios de prova caracterizam-se pelas suas aptidões para, através da percepção,
formar e fundamentar um juízo101
, como sejam, as declarações dos ofendidos, das
testemunhas, dos documentos, e outros.
Em processo penal, para a demonstração da veracidade dos factos alegados é admitida
a prova directa102
e a prova indirecta103
que pode culminar com a condenação ou a absolvição
dos indiciados da prática de qualquer TLC, incluindo os crimes objecto do presente estudo.
prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -
, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos, portanto, em geral
susceptível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos”. 97
Pois, segundo ensina Paulo de Sousa Mendes, ob. cit. (nt. 95), pág. 126, em relação a este tipo de documentos
”O legislador deu forma legal à regra de experiência comum segundo a qual, em princípio, merecem crédito os
factos que forem testemunhados por uma entidade credenciada, que lavrou o documento (…)”. 98
Cfr. Hermann Isay, apud, Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª Edição (Tradução de José
Lamego), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, págs. 80 a 81. 99
Idem. 100
Sobre a necessidade de motivação da decisão judicial – cfr. art. 158º, n.°1, do CPC. 101
Neste sentido, cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, 4ª Edição, Lisboa/São Paulo,
Editorial Verbo, 2008, pág. 113. 102
Definida por Jorge dos Reis Bravo, ob. cit., pág. 165 como sendo “aquela que resulta de documentos,
testemunhos, confissão, perícia ou inspecção do facto criminoso”.
34
Ora, como foi referido na parte introdutória, nos crimes de corrupção lato sensu
raramente se chega à condenação dos indiciados por ser difícil a comprovação dos factos
alegados e, havendo condenação esta é muita das vezes forçada.
Mais ainda, é que mesmo que o réu confesse o crime e não havendo nos autos outros
elementos de prova que corroborem a sua confissão dificilmente se chegará à condenação
tendo em conta o estabelecido no artigo 174 do CPP104
. Daí que não raras vezes os
implicados são absolvidos com fundamento no princípio in dúbio pro reo. Trata-se de um
princípio relativo à prossecução processual, segundo o qual existindo alguma dúvida sobre os
factos imputados ao arguido, esta deve ser sempre valorada a favor do mesmo, atendendo e
considerando que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, ou seja, se a
prova produzida em julgamento não for suficiente para firmar a convicção do juiz no sentido
da culpa ou inocência do arguido, então este deve ser absolvido.
Até porque, segundo ensina Cláudia Santos105
há certas formas de delinquência que
“pela complexidade das condutas que a integram, plurilocalização das infracções, limites no
acesso a contas bancárias, dispersão da responsabilidade dos indivíduos que actuam no
interesse da organização, complexidade dos registos contabilísticos e pelas próprias dúvidas
doutrinais sobre muito do crime de colarinho branco, colocam grandes dificuldades que
constituem fortes entraves à efectividade da punição”. E nestas situações muitas vezes os
suspeitos são absolvidos sendo, por isso, escassa a jurisprudência em termos de condenações
por crimes de corrupção. Mas, apesar dessa escassez, e no âmbito da pesquisa que nos
propusemos levar a cabo, trazemos aqui alguns exemplos de jurisprudência sobre casos de
corrupção que foram provados em tribunal106
.
103
“A prova indirecta é aquela que permite a passagem de um facto conhecido ao facto desconhecido”, cfr.
Paulo de Sousa Mendes, ob. cit. (nt. 95), pág. 121. 104
Onde se estabelece que “A confissão do arguido desacompanhada de quaisquer outros elementos de prova
não vale como corpo de delito. § único. Ainda que o arguido tenha confessado a infracção, o juiz deverá
proceder a todas as diligências para o apuramento da verdade, devendo investigar, com todos os elementos de
que dispuser, se a confissão é ou não verdadeira”. 105
Cláudia Santos, apud, Jorge Marques, Métodos de Investigação da Criminalidade Económico-Financeira”,
in RMP, N.°110, Ano 28, Propriedade e Edição: SMMP, Lisboa, Abr-Jun., 2007, pág. 90. 106
De Moçambique: trazemos o Proc.n.°126/16, em que o Tribunal Judicial da Cidade de Lichinga, numa
decisão proferida pelo Juiz Khaled Varinda, condenou o autarca de Lichinga, Saíde Amido, a 18 meses de
prisão, convertidos em multa e a indemnizar o Estado em 200.000,00 Mt (duzentos mil meticais), por dois
crimes de corrupção passiva para a prática de acto lícito e um crime de abuso de poder por este, na qualidade de
Presidente do Município, ter recebido 150.000,00Mt (cento e cinquenta mil meticais) para autorizar a emissão
de uma licença para a construção de três “take away”, infringindo as normas de atribuição de licenças para o
efeito e ainda por ter recebido, nessa mesma qualidade, uma outra quantia de 200.000,00Mt (duzentos mil
meticais), dos quais 125.000,00Mt (cento e vinte e cinco mil meticais) foram-lhe entregues pelo co-réu Jonas
Pedro (sendo este arguido que procedeu a divisão dos 500.000,00Mts que recebeu dos denunciantes) e os
restantes 75.000,00 Mts (setenta e cinco mil meticais) depositados na sua conta bancária pelo co-réu Adérito
35
É incontestável a importância destas decisões por, segundo cremos, fazerem parte das
poucas em que os indiciados foram condenados pela prática de crimes de corrupção e, na
generalidade dos casos, em concurso com outros TLC.
Reportando-nos aos casos “Mensalão” e “Lava Jato”, são crimes que adquiriram uma
enorme dimensão na investigação e tiveram um grande impacto/eco não só no Brasil, mas
também em todo o mundo, por envolverem figuras muito importantes da arena política,
André, neste caso para autorizar a continuação de um projecto de construção de barracas em frente ao Mercado
de Lichinga, o qual havia sido embargado pelo anterior Edil.
Temos também o Proc. n.°376/11, em que o Tribunal Superior de Recurso de Maputo, numa decisão proferida
em primeira instância, pela desembargadora Gracinda Muiambo, condenou um Magistrado do Ministério
Público, pelo crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito em concurso com um crime de abuso de
cargo ou função, por este ter recebido, indevidamente, das mãos do denunciante, uma quantia de 5.000,00Mt
(cinco mil meticais) para destruir um processo que lhe havia sido distribuído. O arguido confirmou a recepção
do valor em causa mas negou que o mesmo se destinasse à prática de um qualquer acto alegando que o
denunciante lhe havia prometido oferecer a referida quantia, a título de ajuda, depois de, dias antes, ter
manifestado aflição quando por mera casualidade se encontraram na zona do Café Continental, na baixa da
cidade, pelo facto de ter recebido uma ordem de corte de fornecimento de água por dívida para com a Empresa
Águas de Maputo, no valor de 8.000,00Mt (oito mil meticais), mas que naquele momento não dispunha de
fundos para arcar com aquela despesa porque estava a atravessar dificuldades financeiras.
De Portugal: tazemos o exemplo, do Proc. Comum Colectivo n.°712/00.9JFLSB, em que o Tribunal Colectivo
do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras condenou, para além de outros arguidos,
Isaltino Morais na pena única de 7 anos de prisão pela prática, em concurso de um crime de corrupção passiva,
um crime de abuso de poder e um crime de branqueamento de capitais. Este arguido foi ainda condenado na
pena acessória de perda de Mandato referente as funções de Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, no
pagamento de 463.368,12 Euros, dentre outras imposições legais. Relativamente ao crime de corrupção passiva
o tribunal considerou provado que na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, o arguido
autorizou o licenciamento para a construção de 2 edifícios com áreas de construção superiores às aprovadas pela
CMO no alvará de loteamento, em troca de benefício patrimonial (recebeu um cheque no valor de
4.000.000$00, o equivalente a 19.952,91 Euros). Cfr. o conteúdo da sentença disponível na Internet: <URL:
http://www.inverbis.pt/2012/ficheiros/doc/casoisaltinomorais-trl-04-24t.pdf> [Consult. 28/11/2017], pelas 14
horas.
Do Brasil: Temos o caso “Mensalão” – Acção Penal (AP) 470/STF, relacionado com a existência de um
esquema de pagamento de propina a parlamentares aliados ao (Partido Trabalhista) que recebiam R$ 30 mil
mensais para votar de acordo com os interesses do então governo de Lula da Silva. Neste caso, julgado pelo
plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal (Relator Min. Joaquim Barbosa), foram julgados 37 e
condenados 25 arguidos pelo seu envolvimento no esquema, sendo que os restantes 12 foram absolvidos. Cfr. o
conteúdo da decisão disponível na Internet: <URL: http://www.stf.jus.br/portal/ap470/InteiroTeor_AP470.pdf>.
[Consult. 27/10/2017], pelas 22 horas e 30 minutos. No entanto, tendo em conta que se trata de um acórdão
bastante longo e complexo (8.405 páginas) e com características epecíficas próprias não nos é possível fazer
uma análise detalhada do mesmo, pelo que fizemos a nossa apreciação baseando-nos na “ementa” do Acórdão
disponível na Internet: <URL: https://www.conjur.com.br/dl/ementa-acordao-mensalao.pdf>. [Consult.
27/10/2017], pelas 12h e 30 minutos.
Trazemos também o caso “Lava Jato” relacionado com um conjunto de investigações levadas a cabo pela
Polícia Federal do Brasil, visando apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou biliões de reais
em propina. A operação começou em 2014, está em curso e já passou por várias fases operacionais, autorizadas
pelo Juíz Sérgio Moro. Neste processo que iniciou com o número 5043130-64.2014.404.7000 e que foi
desmembrado em vários processos, informação disponível na Internet: <URL: http://www.mpf.mp.br/para-o-
cidadao/caso-lava-jato/autuacao-na-1a-instancia/denuncias-do-mpf>. {Consult. 28/11/17}, pelas 14 horas e 35
minutos, já foram condenadas 116 pessoas por diferentes crimes, como é o caso, por ex., de Luiz Inácio Lula da
Silva, ex-presidente da República, condenado a 9 anos e 6 meses por crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro, pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, no Proc. n.°5046512-94.2016.04.04.7000/PR. (decisão
consultada em formato físico).
36
membros do poder executivo e legislativo Federal do Brasil, bem como de outras áreas
administrativas.
Em termos processuais, importa fazer um comentário em relação aos meios de prova
que conduziram à condenação dos indiciados nos processos que citamos como exemplos.
Relativamente ao caso “Mensalão”, denunciado pelo então deputado Federal Roberto
Jefferson, para a condenação dos implicados, dentre os quais o considerado mentor do crime,
o ex-Ministro Chefe da Casa Civil José Dirceu, condenado pelo crime de corrupção activa, e
outros membros da cúpula do Partido dos Trabalhadores, foram consideradas “dentre as
provas e indícios as várias reuniões mantidas entre os corréus no período dos factos
criminosos, associadas as datas de tomadas de empréstimos fraudulentos junto a instituições
financeiras cujos dirigentes, a seu turno, reuniram-se com o organizador do esquema (…)”.
Considerou-se ainda que, “A organização e o controle das actividades criminosas foram
exercidos pelo então Ministro-chefe da Casa Civil, responsável pela articulação política e
pelas relações do Governo com os parlamentares (…)”. Neste caso, para fundamentar a sua
decisão, o Supremo Tribunal Federal socorreu-se da teoria do domínio do facto, entendida
como sendo o “dever de saber” e do domínio da organização, entendida como sendo a
situação de “estar ou ocupar uma posição de destaque ou de liderança” no seio de uma
determinada organização onde se cometem os factos puníveis. No entanto, julgamos nós que
o tribunal não fundamentou em que se baseou a participação de cada um dos condenados em
termos de acção ou omissão e nem sequer fez a distinção entre os autores e cúmplices, tendo
sido condenadas todas as pessoas em posição de destaque e que concorreram para a
ocorrência do crime. De referir que o método aqui usado não é consensual pois, o simples
facto de se estar ou ocupar uma determinada posição de destaque no seio de uma
organização, nem sempre nos permite ter o conhecimento ou o domínio dos factos, sendo
certo que esta teoria pode, até certo ponto, conduzir a uma situação de incerteza ou
insegurança jurídica para quem se encontre numa posição de destaque. Até porque, sendo a
responsabilidade criminal individual, cada um deve responder pelos seus próprios actos e não
se pode descurar o facto de que numa sociedade democrática deve respeitar-se o direito a
uma boa adminstração da justiça o qual não pode ser sacrificado por razões de oportunidade.
Relativamente ao “caso “Lava Jato”, o tribunal baseou-se na prova documental
encontrada na residência do réu, no depoimento das testemunhas ligadas ao Grupo OAS e ao
condomínio, que ao que segundo consta, comprovaram que o imóvel em causa pertencia ao
ex-presidente e sua esposa. O tribunal considerou ainda que, apesar do imóvel não estar
37
registado em nome do ex-presidente, o mesmo foi alvo de reformas “personalizadas” que
demonstram que o mesmo passou a pertencer ao presidente, para além do facto de ter
prestado declarações que contradizem os documentos e não ter apresentado esclarecimentos
concretos. Como se pode ver, parece-nos que o tribunal fundamentou a sua decisão não só
com base na prova testemunhal e documental, mas também na prova indiciária, apoiando-se
nas regras de experiência comum. Não havendo da nossa parte nenhuma “oposição”.
Relativamente ao Processo n.° 712/00.9 JFLSB, em que foi condenado Isaltino
Morais e outros arguidos, constatamos que o tribunal considerou como meios de prova, as
declarações prestadas pelo próprio réu e os depoimentos prestados pelas testemunhas da
acusação e da defesa, que na sua maioria encontravam-se ligadas ao réu por um vínculo
profissional e estavam numa relação de dependência em relação ao arguido, por serem
funcionários da Câmara onde o mesmo era presidente.Tais meios foram aliçercados no
princípio da livre apreciação da prova, prespectivado como um dever, o de alcançar a verdade
material, e também na prova documental analisada nos autos, em conjugação com a prova
testemunhal. Pelo que julgamos ser consensual a utilização dos meios de prova aqui usados
pelo tribunal.
Quanto aos Processos 126/16 e 376/11, os tribunais que os decidiram consideraram
como meios de prova os respectivos autos de denúncia (que até prova em contrário fazem fé
em juízo), as declarações prestadas pelos arguidos, os depoimentos das testemunhas, o
conjunto de toda a prova examinada em julgamento e de todos os documentos analisados
conjugados com os depoimentos dos ofendidos, para além de terem também se baseado nas
regras de experiência comum. Mais ainda é que a apreensão do valor no caso do Magistrado e
a devolução do valor recebido no caso do autarca de Lichinga e ainda o facto deste, ter
confirmado a recepção de 15 mil meticais na sua conta bancária, constituíram a prova que
decisivamente confirmou as denúncias feitas em ambos os casos. De referir que sendo a
convicção do juiz livre e não contrariando a lógica, a razoabilidade ou o bom sensu, nada
temos a desabonar relativamente aos meios de prova considerados pelos tribunais para a
condenação destes réus, pelos crimes de corrupção, tal como foram considerados pelas
respectivas instâncias.
Ora, não é nenhuma novidade que a tarefa de julgar não é nada fácil, acima de tudo,
quando se está perante casos de grande multiplicidade de factos e quando os mesmos são
praticados em ambientes ocultos e sem ninguém que os possa testemunhar, impossibilitando
38
ou dificultando a descoberta da “verdade absoluta”107
e a consequente punição dos suspeitos.
Pelo que, por estas e outras razões, e como única possibilidade de se ultrapassar o vazio
muitas vezes criado pela falta de prova directa deve recorrer-se à prova indirecta, que tem
muita importância no processo penal visto que, sem o recurso a ela, muitos crimes ficariam
impunes.
Até porque, recorrendo ao que diz Renzo Orlandi108
, “A corrupção, se sabe, é crime
difícil de provar, porque todos aqueles que participam têm interesse em ocultar ou
dissimular a conduta ilícita. Daí a necessidade de apuração por via indirecta”.
Outrossim, embora a regra seja a da primasia da prova directa sobre a prova indirecta,
Guilherme Nucci109
ensina que “Uma prova indirecta pode ter mais força que a directa,
desde que impulsione o convencimento do magistrado. Este, no entanto, no sistema da
persuasão racional, deverá fundamentar o porquê da aceitação da prova indirecta em
detrimento da directa, afinal esta última, em tese, é mais autêntica (…)”.
A este propósito, interessa trazer aqui um julgado com o seguinte conteúdo: “A prova
se faz não só de maneira directa, mas também por indícios e presunções, que devem ser
analisados como todo e qualquer outro elemento de convicção, à luz do princípio do livre
convencimento do juiz. Os indícios, quando não contrariados por contra-indícios, ou por
prova directa, autorizam o juízo de culpa do acusado e sua condenação”110
.
Por isso é que, Euclides Dâmaso Simões111
refere que “(…) a prova indirecta,
indiciária, circunstancial ou por presunções (…) tem que ganhar adequada relevância
jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a justiça não se compatibilizar
com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de
impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético”.
É de salientar que a doutrina e a jurisprudência espanhola do Tribunal Constitucional
e do Tribunal Supremo, aplaudidas pela doutrina, entendem que a eficácia probatória da
107
Que não é a que se pretende, por não ser possível alcançá-la, mas sim uma verdade provável, isto é, uma
verdade que conduza o julgador a firmar uma forte convicção sobre a certeza da verdade dos factos. Neste
sentido, veja-se o Ac. do TRL; Proc. n.°679/06.0GDTVD.L1-3; Relatado por João Carlos Lee Ferreira; onde se
decidiu que: “A verdade a que se chega no processo não é a verdade verdadíssima, mas uma verdade judicial e
prática, uma<<verdade histórico-prática e, sobretudo, não [é] uma verdade obtida a todo o preço, mas
processualmente válida>>. Trata-se de uma verdade aproximativa ou probabilística, como ocorre com toda a
verdade empírica, submetida a limitações inerentes ao conhecimento humano e adicionalmente condicionada
por limites temporais, legais e constitucionais. (…)”. Disponível na Internet: <URL:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8e6a4b734855238b80257a3a00628c9f?Open
Document>. [Consult.14.11.2017] pelas 10 horas e 15 minutos. 108
Renzo Orlandi, ob. cit., pág. 380. 109
Guilherme de Souza Nucci, ob. cit., pág. 21. 110
Cfr. (JTACrim,7:105), in Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, Da Prova no Processo Penal, 5ª Edição,
São Paulo, Editora Saraiva,1999, pág. 206. 111
Euclides Dâmaso Simões, apud, Jorge dos Reis Bravo, ob. cit., pág. 165.
39
prova indiciária112
está dependente da verificação de quatro requisitos: 1º Prova dos indícios;
2º Concorrência de uma pluralidade de indícios (…), 3º Raciocínio dedutivo e 4º Motivação
da sentença113
:
Ora, embora sejamos de opinião que a justiça penal não deve ser realizada a todo o
custo, concordamos com a posição doutrinária e jurisprudencial que defende que deve ser
dada relevância à prova indiciária, indirecta ou por presunções, de modo a que se possam
esclarecer certas realidades criminais, tendo em atenção ao facto de em alguns casos ser
difícil a obtenção da prova directa, pelas razões acima mencionadas. A este propósito,
trazemos aqui dois exemplos de acórdãos em que na decisão se deu relevância à prova
indiciária114
.
Como se pode depreender, nos exemplos aqui citados os tribunais deram relevância à
prova indiciária permitindo a realização da justiça em situações em que caso não se
recorresse a este tipo de prova o fim seria a absolvição dos indiciados, em respeito ao
princípio in dúbio pro reo. De referir que a prova indiciária, indirecta ou por presunções, a
designação é indiferente, à semelhança da prova directa não é isenta de erros, mas não restam
112
Paulo de Sousa Mendes, ob. cit. (nt. 95), pág. 121, ensina que “é no campo da prova indiciária que as regras
de experiência se tornam necessárias, na medida em que ajudam à realização da passagem do facto conhecido ao
facto desconhecido”. 113
Detalhando: 1º Prova dos indícios: os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova indirecta
e não serem meras conjecturas ou suspeitas, por não ser possível construir certezas sobre probabilidades; 2º
Concorrência de uma pluralidade de indícios (…): salvo em casos excepcionais, um único facto (indício)
impede a formulação de uma convicção judicial com base na prova indiciária. Para além dessa pluralidade
exige-se ainda que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam
interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contra-indícios que
neutralizem a sua eficácia probatória; 3º Raciocínio dedutivo: entre os indícios provados e os factos que deles se
inferem deve existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico, racional (…); 4º Motivação da sentença: o
tribunal deve explicitar na sentença o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega à
conclusão da culpabilidade do arguido. Por isso “a sentença baseada em indícios deve ter uma extensa e
abundante motivação”. Cfr. Banner, Manual de Boas Práticas no Combate à corrupção, disponível na Internet:
<URL: http://dciap.pgr.pt/Estudos/07_00/Area_trabalho.html>. [Consult. 24/10/2015], pelas 16 horas. Vide,
igualmente, Jorge dos Reis Bravo, ob. cit., pág. 168.
114
1º. Ac. da Relação de Évora, Proc.n.°621/01-I; relatado por Ribeiro Cardoso; em 29/11/2005; onde se decidiu
que “O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa como em prova indiciária da qual se
infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe
mereça e as circunstâncias do caso valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir
à sua convicção, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência
directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios que
tenham merecido a confiança do tribunal”. Disponível na Internet: <URL:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7065232571dae4e780257de100574844?Open
Document>. [Consult. 14/11/17], pelas 10 horas e 45 minutos.
2º - Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.°10693; relatado por Carlos Almeida; onde se decidiu que
“(…). VII – Embora se trate de uma prova de natureza indutiva que, como todo o conhecimento baseado em
raciocínios desta natureza, só proporciona um conhecimento provável, não é, por isso, e à partida, menos fiável
do que a prova directa, que também pressupõe operações de natureza indutiva” Disponível na Internet: <URL:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bee6a8a04b2fd883e8025754000391013?Open
Document>. [Consult.14.11.17], pelas 10 horas e 15 minutos.
40
dúvidas de que constitui uma mais-valia para a redução das “cifras negras” e do défice de
responsabilização dos agentes deste tipo de criminalidade.
No entanto temos de salientar que na nossa jurisprudência, a tomada de decisões com
base na prova indiciária é quase que inexistente, quiçá por se entender que esta não constitui
um meio de prova ou então por ser considerada de “menor” valor em relação à prova directa.
E, mesmo nos casos em que se decide com base nela, a fundamentação não é suficientemente
esclarecedora quanto aos requisitos que a fundamentam.
2.4. Elementos que devem ser provados nos crimes de corrupção lato sensu:
2.4.1. A qualidade de funcionário e o cargo que exerce;
Nos crimes de corrupção, o processo deve conter elementos suficientes que
comprovem que o agente visado está vinculado a uma determinada instituição, na qualidade
de servidor público e que ao solicitar ou receber a peita ou suborno, fá-lo como resultado de
uma contra-partida pela prática, que pode ser futura ou passada, de um acto concreto
(positivo ou negativo) que se insere nos poderes do seu cargo devendo para tal provar-se as
funções ou o cargo que o mesmo exerce na administração pública.
Já em relação ao crime de aceitação ou oferecimento de promessa, deve provar-se que
o agente visado está vinculado a uma determinada instituição, na qualidade de servidor
público e o cargo ou funções que exerce, de modo a aferir-se se a peita ou o suborno foi
recebido no exercício ou por força do exercício das funções do agente visado pela actividade
criminosa, ou seja, baseia-se no simples facto de a vantagem lhe ser atribuída em razão de
estar investido no exercício de funções públicas115
.
2.4.2. Demonstração da origem e destino da vantagem
Nos crimes de corrupção, torna-se necessário provar que a vantagem solicitada ou
recebida pelo servidor público destina-se a prática de um acto em concreto que implique
violação dos deveres do cargo ou a omissão ou demora de um acto que o mesmo tenha o
dever de praticar.
No crime de aceitação de oferecimento ou promessa, torna-se importante demonstrar
que o acto pretendido pelo particular está relacionado com a função exercida pelo servidor
público, e que cabe no âmbito das suas competências e, não se provando a correspondência
entre o acto e a função, estar-se-á perante uma conduta atípica.
115
Neste sentido, cfr. Rita Maria Meira Niza, ob. cit, pág. 17.
41
2.4.3. Existência ou não de algum interesse do particular relacionado com a actividade
exercida pelo funcionário;
Nos crimes de corrupção é necessário que se faça a prova de que a vantagem recebida
pelo servidor público destinava-se à realização de um acto compreendido nas suas
competências ou, pelo menos, nos “poderes de facto” dela decorrente.
Nos crimes de oferecimento ou promessa, não basta que o particular ofereça uma
benesse ao servidor público, é necessário que se prove que aquele tinha algum interesse
relacionado com a actividade exercida pelo servidor público, ainda que não seja determinada
de imediato, podendo até destinar-se a criar um ambiente de permeabilidade.
2.4.4. Existência ou não de solicitação vs aceitação ou dádiva vs promessa.
Relativamente a este aspecto, tanto num como noutro TLC, o que se pretende é saber
o que realmente aconteceu e como é que os factos se deram, v.g., se houve ou não alguma
solicitação feita pelo servidor público e como foi feita; se houve aceitação do suborno e saber
em que é que se traduziu (por ex., se houve entrega de algum valor ou se houve transferências
bancárias feitas) devendo, embora não seja essencial para a qualificação da conduta do agente
infractor saber o valor exacto do suborno.
2.4.5. Existência ou não de dolo por parte do servidor público.
Nos crimes de corrupção é necessário que se prove que o servidor público tinha
conhecimento e vontade de obter uma vantagem que não lhe era devida como contrapartida
de uma actuação que viole os deveres do seu cargo, solicitando ou aceitando uma peita ou
suborno e, em relação a quem oferecia a peita ou suborno se conhecia a qualidade do servidor
público e sabia que a vantagem não lhe era devida.
No crime de aceitação de oferecimento ou promessa, é necessário saber se o servidor
público visado agiu ou não com dolo, que se traduz no conhecimento de que a vantagem não
lhe era devida e que lhe era oferecida em razão das suas funções e na vertente do particular, o
dolo traduz-se no conhecimento de que o agente conhecia a qualidade do servidor público e
que as benesses que lhe eram oferecidas não lhe eram devidas, mas que consubstanciavam
uma certa contrapartida de vantagens presentes ou futuras, embora não sendo determinadas
de imediato.
42
3. Meios de Obtenção de Prova
3.1. Definição:
Segundo ensinamento de Germano Marques da Silva116
“Os meios de obtenção de
prova são instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e
recolher meios de prova; não são instrumentos de demonstração do thema probandi, são
instrumentos para recolher no processo esses instrumentos”. E, segundo ensina o mesmo
Autor “Os meios de prova caracterizam-se pela sua aptidão para serem por si mesmos fonte
de convencimento, ao contrário do que sucede com os meios de obtenção da prova que
apenas possibilitam a obtenção daqueles meios”117
.
3.2. Métodos proibidos de obtenção de prova
Em termos de legislação penal os ordenamentos jurídicos adoptaram dois sistemas o
das provas taxativas (como a portuguesa e a moçambicana) e o das provas enunciativas,
como acontece no Brasil, em que a lei processual indica as provas legais, não vedando a
produção de outras provas possíveis, sendo que a Constituição Federal estabelece no art. 5º,
LVI que “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. E, por força
deste preceito constitucional o art. 157º do CPP brasileiro estabelece que “São inadmissíveis
devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais”. Esta proibição aplica-se não só no processo
penal, mas em qualquer tipo de processo, quer seja judicial, quer seja administrativo.
A CR de Moçambique estabelece no artigo 65º, n.°3, que “São nulas todas as provas
obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva
intromissão na sua vida privada e familiar, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações” fixando, deste modo, o quadro de provas proibidas.
Por outro lado, o art. 173º do CPP estabelece que “O corpo de delito pode fazer-se
por qualquer meio de prova admissível em direito”, o que significa que tudo aquilo que não
for vedado por lei é permitido.
Em Portugal, o art. 32º, n.°8, da CR, estabelece que “São nulas às provas obtidas
mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva
intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Por seu turno, o art. 126º, n.°1 e n.°3, do CPP estabelece que “São nulas, não podendo ser
utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade 116
Germano Marques da Silva, ob. cit. (nt.101), pág. 233. Vide, igualmente, Paulo de Sousa Mendes, ob. cit.
(nt.18), pág. 179. 117
Idem (Germano Marques da Silva), pág. 233.
43
física ou moral das pessoas e que ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas
as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência
ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
Como se pode depreender, nos diferentes ordenamentos jurídicos, a tortura, a coacção
ou a ofensa da integridade física ou moral da pessoa humana são métodos considerados
absolutamente interditos/proibidos, o que deriva, directamente, do princípio da dignidade
humana, que deve ser sempre preservada.
E, tal como ensina Figueiredo Dias118
“têm de considerar-se proibidos e
inadmissíveis em processo penal todos os meios de interrogatório e de obter declarações que
importem ofensa à dignidade da pessoa humana, à integridade pessoal (física ou moral) do
arguido, em especial os que importem qualquer perturbação da sua liberdade de vontade e
decisão”.
No entanto, torna-se importante salientar que apesar da proibição de obtenção da
prova através de certos métodos ilícitos, há que ter em conta que o exercício dos direitos e
liberdades podem ser limitados em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses
protegidos pela Constituição – cfr. art. 56º, n.°2, da CRM, como por ex., nos casos de
realização de buscas autorizadas.
Mas, mesmo assim, e como refere Jorge Reis Novais119
, “Desde sempre, haverá
sempre níveis mínimos de respeito, protecção e promoção da autonomia, liberdade e bem-
estar individuais que, enquanto exigências directamente determinadas pela dignidade da
pessoa humana, terão de ser observados sob pena de inconstitucionalidade”, v.g, mesmo no
caso de realização de buscas autorizadas estas devem obedecer ao regime legalmente
estabelecido, sob pena de nulidade.
Não é por acaso que Guilherme de Souza Nucci120
refere que “Afinal, o que é
injusto, ilegal, contrário ao ordenamento jurídico, não deve ter a força suficiente para gerar,
no espírito do julgador, a convicção de culpa ou de inocência. A busca pela geração da
certeza dos factos alegados limita-se pela limpidez dos argumentos, calcados em provas
igualmente lícitas”.
De referir que a proibição dos métodos de obtenção de prova, não só vincula o
tribunal como também o MP bem como as autoridades policiais, independentemente da fase
em que se encontrar o processo.
118
Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., (nt. 92), págs. 454 a 455. 119
Jorge Reis Novais, A Dignidade da Pessoa Humana, Dignidade e Direitos Fundamentais, Coimbra, Edições
Almedina, 2016, Vol. I, pág. 179. 120
Guilherme de Sousa Nucci, ob. cit., pág. 15.
44
Aqui chegados, o que se pode dizer é que no processo penal só podem ser valoradas
as provas que forem obtidas por meios lícitos devendo considerar-se nulas e de nenhum efeito
todas as provas obtidas ilicitamente.
Destarte, importa deixar claro que o posicionamento acima reflectido não goza de
aceitação generalizada, e um dos Autores que com ele discorda é Costa Andrade121
, por
entender que “A lei portuguesa dita as proibições de prova e determina as suas
consequências em termos que não apelam para uma ponderação com os valores
subjectivados sub nomine e no interesse da realização da justiça penal”.
E, como que a concordar com a afirmação deste Autor, podemos recorrer ao que diz
Figueiredo Dias122
que na doutrina portuguesa “Na análise de um caso da vida tudo se
reconduz cada vez mais a saber se nele intervém ou não uma proibição de prova segundo os
termos imediatos da legislação ou da doutrina aplicáveis. E, caso a resposta seja afirmativa,
não se tem posto em dúvida o carácter absoluto daquela proibição e a consequente
invalidação sem resto da prova alcançada e produzida (…)”.
Mas, no entender daquele Autor, as proibições de prova não podem ser consideradas
em termos absolutos devendo, em cada caso, ponderar-se os interesses em conflito no
interesse da realização da justiça penal.
No entanto, indo pela posição da proibição, em absoluto, da prova obtida ilicitamente
e da sua consequente invalidação, surge uma outra questão que é a de saber se deve ser
considerada inválida apenas a prova obtida ilicitamente ou também aquela que se obtém por
força da prova proibida123
.,
Em função do que foi acima expendido, a resposta parece ser muito simples e, seria
no sentido de se considerar nula, toda a prova obtida a partir da prova proibida. E, durante
muitos anos foi esta a posição adoptada em vários países.
Na doutrina norte-americana existe a chamada “the fruit of the poisonous tree” que
significa “fruto da árvore envenenada”, que faz comunicar o vício da ilicitude da prova obtida
ilicitamente (com violação das regras do direito material) a todas as demais provas
produzidas a partir daquelas. Portanto, parte-se do pressuposto segundo o qual se a árvore
está envenenada então os seus frutos estarão também envenenados. Aqui a prova é
121
Costa Andrade, apud, Jorge de Figueiredo Dias, Revisitação de algumas ideias-mestras da teoria das
proibições de prova em processo penal, in Revista de Legislação e de Jurisprudência – Secção de Doutrina,
Ano 146, N.° 4000, Setembro – Outubro, 2016, pág. 11. 122
Idem. 123
A este propósito, podemos citar como exemplo, um caso em que a Polícia de Investigação Criminal ou o MP
conseguem obter a confissão do arguido num crime de homicídio e do local onde aquele escondeu o cadáver e
as armas usadas, ao qual se chegou através de uma escuta telefónica não autorizada.
45
considerada ilícita por derivação. A mesma doutrina é conhecida na Alemanha como
“Fernwirkung des Beweisverbots” que significa “efeito à distância”, que torna ilegítimas as
provas obtidas em consequência da prova proibida.
No entanto, e como refere Francisco Marcolino de Jesus124
“o fenómeno da
globalização, o impacto negativo que a regra da proibição de usos de todos os meios de
prova que sejam obtidos com origem e meio de prova proibido exerce sobre “a confiança do
Povo no Poder Judicial”, o fenómeno terrorista que se faz sentir em determinados países,
que culminou com os ataques de 11 de Setembro, “forçaram” a doutrina e a jurisprudência
de alguns países, máxime dos EUA, a introduzir limites, sob a forma de excepções ou
restrições, à regra da proibição, aplicada sem qualquer limitação”.
De referir que estas restrições à regra da aplicação da doutrina dos frutos proibidos
não só começaram a ser aplicadas nos EUA, mas também em outros países.
Segundo refere José Maria Alcaide González, o Tribunal Constitucional Espanhol,
influenciado pela jurisprudência dos EUA também acabou por se afastar da via securitária e
reconhecer que “a aplicação indiscriminada da teoria reflexa da árvore envenenada
acabaria por frustrar o ius puniendi do Estado, a cuja aplicação se encontra vinculado o
próprio Tribunal Constitucional”.125
E mais, Francisco Marcolino de Jesus126
refere que “Também em Portugal, se
considera que as provas com origem em provas proibidas que, em princípio são nulas,
podem ser válidas se, de forma telegráfica: Tiverem o seu fundamento em fontes de prova
independentes e, por isso puderem ser destacadas da prova inválida anterior; A descoberta
desses novos e posteriores factos se mostre inevitável mediante o decurso de outras
diligências de prova, que já decorriam anteriormente ou em simultâneo; Não obstante a
prova recolhida derivar de prova ilegal podia ter sido alcançada através de meios de prova
autónomos e distintos desta última, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação
da ilegalidade precedente”.
Outrossim, a mais recente jurisprudência alemã salienta que “Para além dos casos em
que a proibição de utilização estiver expressamente prevista na lei, a invalidade da prova só
deverá ter lugar quando essa solução conduzir a uma ponderação que, <atendendo às
124
Francisco Marcolino de Jesus, Os Meios de Obtenção de Prova em Processo Penal, 2ª Edição (Revista,
Actualizada e Ampliada), Coimbra, Edições Almedina, 2016, pág. 109. 125
Neste sentido, José Maria Alcaide González, apud, Francisco Marcolino de Jesus, ob. cit., pág. 109. 126
Francisco Marcolino de Jesus, ob. cit., págs. 119/120.
46
circunstâncias do caso concreto, tenha em conta todos os factores relevantes e a globalidade
dos interesses em conflito> ”127
, não sendo esta uma fácil tarefa.
Como se pode depreender, a jurisprudência dos diferentes países abraça a teoria da
proibição de valoração da prova obtida por força da prova proibida, mas ao mesmo tempo
entende que essa doutrina não pode ser considerada em termos absolutos, devendo ser
ponderados, em cada caso concreto, os interesses conflituantes entre (a violação do direito
individual e o interesse do Estado).
Até porque no exemplo que demos acima, não seria razoável que a confissão do
arguido no crime de homicídio fosse invalidada pois, a mesma é corroborada por outros
elementos de prova, como sejam, o corpo da vítima, as armas usadas para a prática do crime,
impressões digitais do arguido obtidas no corpo da vítima, apesar destes elementos de prova
terem sido obtidos por via de uma escuta não aurorizada. Mas também é preciso realçar que a
investigação criminal perante um caso concreto poderá facilmente identificar quem foi o
autor de um determinado crime e desencadear as diligências que se reputarem oportunas ou
necessárias para a localização do arguido ou arguidos.
Não é por acaso que Figueiredo Dias128
entende que “Uma tal invalidade
generalizada conduziria à negação em bloco do interesse colectivo que precisamente
justifica a existência do MP e/ou de outros órgãos de perseguição penal. Por conseguinte,
também aqui será decisiva, relativamente à prova consequencial em questão, a configuração
concreta do caso e o peso e o relevo que nela deva ser conferido à violação do direito
individual por conexão com o valor comunitário que ao Estado cumpre proteger”.
Chegados a este estágio o que se pode concluir é que são proibidas as provas obtidas
ilicitamente. No entanto, podem, excepcionalmente, ser aceites as provas alcançadas por
força da prova obtida ilicitamente, quando não haja uma lei expressa que estabeleça o
contrário, não se podendo em caso algum sacrificar a dignidade da pessoa humana, devendo
sempre analisar-se as circunstâncias do caso em concreto para se poder valorar a ponderação
dos interesses conflituantes de modo a que se possa fazer a justiça com respeito aos direitos
fundamentais dos cidadãos implicados.
Até porque, se não se impusessem limites à teoria da proibição de valoração das
provas obtidas por força da prova proibida continuar-se-ia a assistir ao não esclarecimento de
grandes crimes e a impunidade dos criminosos. E mais, não se deve olvidar o facto de o
127
Cfr. BGHSr, 54, 59, n.°47, e BGHSr, 58, 84, n.°32, apud, Jorge de Figueiredo Dias, in RLJ, ob. cit. (nt.121),
pág. 12. 128
Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. (nt.121), pág. 15.
47
crime organizado tender a ser “perfeito”, quanto à sua execução, exigindo um tipo de
investigação mais apurada, o que pode passar necessariamente pela utilização deste tipo de
provas.
4. Meios Admissíveis de Obtenção de Prova
4.1. Em Moçambique
O Código de Processo Penal estabelece um leque de métodos de obtenção de prova e
os seus respectivos regimes, para todo o tipo legal de crimes, incluindo os crimes de
corrupção, designadamente: Os exames - (artigo 175º a 201º); As buscas e apreensões (202º a
213º), e as escutas telefónicas.
4.1.1. Exames - (arts. 175º a 201º);
Os exames são meios de obtenção de prova através dos quais se podem obter
elementos de prova para o processo. Eles consistem na observação de plantas devidamente
conferidas, decalques, fotografias ou quaisquer outros processos ou vestígios que possa ter
deixado a infracção, o estado do lugar em que foi cometida e todos os indícios relativos ao
modo como foi praticada e às pessoas que a cometeram.
De referir que caso a autoridade judiciária (autor do exame) não tenha
conhecimentos técnico-científicos sobre a coisa observada esta deve ser submetida à perícia.
O CPP não faz a distinção entre exames e perícias, sendo certo que tanto os
primeiros assim como os segundos são realizados por peritos. Mas, enquanto a perícia é um
meio de prova que conforme ensinamento de Adalberto José J. T. de Camargo Aranha
“somente se justifica quando há necessidade da emissão de uma opinião especializada sobre
um fato, do socorro de alguém que tenha um conhecimento técnico específico”129
, o exame
constitui um meio de obtenção de prova através do qual se podem obter elementos de prova.
4.1.2. Buscas e apreensões (arts. 202º a 213º)
As buscas são um meio de obtenção de prova e traduzem-se na realização de
diligências materiais em locais reservados ou cujo acesso não seja livre ao público quando
existam indícios de que nele se encontrem papéis ou outros objectos cuja apreensão seja
necessária para a instrução do processo; ou quando o arguido ou outra pessoa que deve ser
presa se encontre nele escondido.
129
Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, ob. cit., pág. 170.
48
Esta diligência é susceptível de colidir com certos direitos fundamentais130
dos
cidadãos, como sejam o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada131
e o da
inviolabilidade do domicílio132
.
De referir que não existe um conceito fixo do que seja a vida privada. No entanto,
segundo ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela, “Há, todavia, duas bases
objectivas a que este deve atender. Uma assenta na natureza do caso, dado que a divulgação
dos factos da vida íntima da pessoa pode ofender em maior ou menor grau o seu decoro,
respeitabilidade ou bom nome. Outra reporta-se à condição das pessoas, pois varia bastante,
de acordo com ela, a reserva que as pessoas guardam ou exigem quanto à sua vida
particular”133
.
Em relação ao princípio da inviolabilidade do domicílio, sabe-se que o domicílio é
onde qualquer um tem e faz a sua vida privada, razão pela qual só em casos excepcionais é
que a lei permite a entrada de terceiros neste espaço contra a vontade dos seus ocupantes. Até
porque não se pode permitir que o mesmo seja usado como esconderijo de objectos que
podem servir como prova do crime ou para o refúgio de criminosos. Porém, se a entrada não
for autorizada ou resultar de necessidade imperiosa da lei estar-se-á perante um ilícito
criminal designado (Introdução em casa alheia) – cfr. art. 261º do CP.
Desta forma, e para evitar a lesão dos direitos acima mencionados o legislador
estabeleceu um regime especial de buscas que possam permitir a realização da justiça,
descobrindo-se a verdade material mas sem ferir os direitos fundamentais dos cidadãos.
Daí que para a realização de buscas e apreensões em casa habitada impõe-se a
obrigatoriedade de que a sua realização tenha de ser autorizada por uma autoridade
competente, que é diferida ao juiz da instrução criminal o que deverá ser feito, em despacho
130
Segundo definição de Miguel José de Faria, Direitos Fundamentais e Direitos do Homem, 3ª Edição, Lisboa,
Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, 2001, pág. 1, “São direitos fundamentais em
sentido formal os que a Constituição específica como tais; em sentido material são os que constituem a base
jurídica da vida humana no seu nível actual de dignidade, as bases principais da situação jurídica de cada
pessoa, quer estejam consagrados na Constituição, nas leis, ou nas regras aplicáveis de direito internacional,
como ensinou o Prof. Castro Mendes”. 131
O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada está consagrado no art. 41º da CRM, no art. 80º do CC
e nos arts. 4º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, 12º da Declaração Universal dos Direitos
do Homem e 17º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. No entanto, há que referir que o art.
80º da CRM não protege apenas a reserva da vida privada, mas também o direito à honra, ao bom nome, à
reputação e a defesa da imagem pública. 132
O princípio da inviolabilidade do domicílio está consagrado no art. 68º da CRM e nos arts. 4º da Carta
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 17º do
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Porém, importa salientar que o art. 68º da CRM não se
cinge apenas à inviolabilidade do domicílio, mas também à inviolabilidade da correspondência ou outro meio de
comunicação privada. 133
Cfr. Fernando Andrade Pires De Lima, João De Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado,Coimbra
Editora, 1967, vol. I pág. 60 (anotações ao art. 80º).
49
fundamentado, devendo conter as razões que a justificam, nomeadamente, a existência de
indícios de que alguém tem em seu poder, em lugar não livremente acessível a qualquer
pessoa, papéis ou outros objectos cuja apreensão se mostrar necessária para a instrução do
processo134
.
De referir que o requerimento para a realização de buscas deve ser feito a pedido do
MP, da parte acusadora ou do arguido admitido a intervir no processo- cfr. art. 203º CPP.
Por outro lado se a busca e apreensão tiver de ser levada a cabo em casa habitada, não
poderá ser feita antes do nascer do sol nem depois do pôr-do-sol, salvo se a pessoa em poder
de quem se encontra o edifício o consentir, tendo em atenção ao princípio segundo o qual
“não se prejudica a quem consente” – cfr. art. 204º CPP.
De referir que diferentemente do que acontece no CPP Português, a lei processual
moçambicana não estabelece o prazo de validade do despacho que ordena ou autoriza a
busca, o que quanto à nós constitui uma lacuna de lei visto que o mesmo poderá ser usado ao
“belo prazer” da autoridade que o tiver a seu dispor, podendo até tornar morosa a celeridade
processual, pondo em casua a certeza e a segurança jurídica que se pretendem.
4.1.3. Escutas telefónicas.
As escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova, cujo elemento probatório
coincide com o seu conteúdo, i.e, com o teor da conversa escutada135
.
As escutas telefónicas são também consideradas meios ocultos de obtenção de prova,
na medida em que elas são desconhecidas pelos visados, e como tal, podem causar lesão aos
direitos fundamentais dos cidadãos.
No ordenamento jurídico moçambicano, a permissão das escutas telefónicas, pode
inferir-se do disposto no artigo 210.º do CPP onde se refere que “(…) poderá o juiz, por sua
ordem, ter acesso às repartições telefónicas para interceptar ou impedir comunicações,
quando seja indispensável à instrução da causa, observando-se as disposições deste código
em tudo o que não for regulado na respectiva legislação”, sendo certo que até à entrada em
vigor da Lei n.°4/2016, de 03 de Junho não existia nenhuma lei especial que regulava o
regime das comunicações telefónicas.
134
A este propósito, trazemos aqui uma decisão do (JTACrim, 53:247), apud, Adalberto José Q. T. Camargo
Aranha, ob. cit., pág. 252, onde se decidiu que “Indamissível e ilegal é a realização de busca domiciliar sem
mandado. Ao Estado não se pode permitir a violação da lei, a pretexto de colheita de elementos probatórios,
máxime porque o direito de prova, meramente adjetivo, não se sobrepõe às garantias individuais de natureza
constitucional-substantiva”. 135
Neste sentido, cfr. Vera Lúcia Raposo, Segredo de Justiça: Caixinha de Segredos ou Segredos à Solta, in
RMP, Ano 31, N.°121, Propriedade e Edição: SMMP, Lisboa, Janeiro/Março de 2010, pág. 102.
50
O n.°1, do art. 68º da Lei n.°3/97, de 13 de Março (Lei sobre o Tráfico e Consumo de
Estupefacientes), é que estabelece expressamente que “A autoridade judiciária competente
nos termos do Código de Processo Penal pode ordenar a intercepção e gravação de
conversações e comunicações telefónicas e intercepções telemáticas (…)” e o art. 40º, n.°1,
al. b), da Lei n.°7/2002, de 5 de Fevereiro (Lei sobre o Branqueamento de Capitais),
estabelece que “As autoridades judiciais devem autorizar, mediante processo-crime em
investigação (…) a colocação de escuta telefónica ou da correspondência telecopiada”, não
havendo nenhuma referência nesse sentido quando se trate de investigação de crimes de
corrupção lato sensu.
Agora temos a Lei n.°4/2016, de 03 de Junho (Lei das Telecomunicações), que
estabelece no seu art. 66º, com a epígrafe “Sistema de intercepção legal de
telecomunicações”, que: “1. Todo o operador de telecomunicações nos termos da presente
Lei deve ter um sistema devidamente operacional e eficiente de intercepção legal de
comunicações, para efeitos de investigação criminal. (o sublinhado é nosso). 2. A
intercepção mencionada no número anterior só pode ser autorizada por despacho de um juiz
da instrução criminal”.
Como se pode depreender, o legislador moçambicano não estabeleceu o leque de
crimes que podem ser objecto de escutas telefónicas, pressupondo-se que este meio de
obtenção de prova pode ser usado para a investigação de qualquer TLC, no estrito e
necessário limite à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos, como na situação em que o Estado pretende, através dos seus agentes levar à cabo
a investigação de factos criminalmente relevantes e a consequente responsabilização dos seus
agentes, no exercício do seu poder punitivo, realizando deste modo, a almejada justiça,
recorrendo-se ao estabelecido no art. 56º da CRM.
4.2. Em Portugal:
A lei processual portuguesa estabelece um catálogo de meios da obtenção de prova
típicos (Título III do Livro III), e os seus respectivos regimes, designadamente: os exames
(art. 112º e segs); as revistas e buscas (art. 174º e segs), as apreensões (art. 178º e segs) e as
escutas telefónicas (art. 187º e segs).
51
4.2.1. Exames
Os exames visam a inspecção de vestígios que possam ter sido deixados no momento
da prática do crime e de todos os indícios relativos ao modo e ao lugar onde o mesmo foi
praticado, as pessoas que o cometeram e a maneira como o mesmo foi cometido.
Os exames, contrariamente à perícia não exigem do seu autor “conhecimentos
especiais de índole científica, técnica ou artística, caso em que há lugar a perícia e não a
exame.” O resultado do exame sujeita-se à livre apreciação do julgador e o juízo constante do
relatório da perícia presume-se subtraído à livre apreciação do julgador e sempre que houver
uma divergência entre a convicção deste e o juízo contido no parecer dos peritos, deve
fundamentar a divergência – art. 163 do CPP.
Segundo ensina Germano Maques da Silva136
“os exames podem ter lugar antes de
iniciado o procedimento, como providência cautelar quanto aos meios de prova”, para evitar
que haja alteração ou desaparecimento dos vestígios do crime antes de serem examinados.
Os exames são meios de obtenção de prova que podem ter por objecto pessoas,
lugares ou coisas, sempre que tal se mostre necessário para a investigação de um caso
concreto, cabendo à autoridade competente para o efectuar a responsabilidade de averiguar se
o exame é necessário, adequado e proporcional aos fins da investigação criminal, sempre que
o mesmo recaía sobre pessoas de modo a evitar a violação de certos direitos individuais,
como por ex., o direito à reserva da vida privada.
4.2.2. Revistas
Nos termos do disposto no art. 174º, n.°1, do CPP pode ser feita revista (às pessoas)
“quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos
relacionados com o crime ou que possam servir de prova”, como por ex., uma arma que
tenha sido usada para praticar um crime (qualquer que seja). Esta arma pode vir a servir como
um meio de prova.
Importa porém referir que a revista não visa somente os supostos autores do crime,
podendo recaír sobre qualquer outra pessoa que oculte objectos relacionados com o crime ou
que possam servir de meio de prova, devendo em qualquer dos casos respeitarem-se os
direitos individuais constitucionalmente consagrados.
136
Germano Marques da Silva, ob. cit. (nt. 101), pág. 235.
52
4.2.3. Buscas
O n.°2, do artigo 174 do CPP, autoriza que se realize busca “quando houver indícios
de que os referidos objectos ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida se encontram
em lugar reservado ou não livremente acessível ao público”. De referir que as buscas podem
ser domiciliárias e não domiciliárias, sendo as últimas as que são realizadas fora do
domicílio.
As buscas são pois, meios de obtenção de prova que visam a detenção do arguido ou
de outra pessoa que deva ser detida ou a descoberta de objectos relacionados com a prática de
um determinado crime ou que possam servir de prova no processo, podendo ser realizadas no
domicílio do visado e, como tal, são susceptíveis de colidir com direitos individuais,
consagrados na Constituição e nas demais leis ordinárias, v.g. o direito à intimidade da vida
privada, devendo por isso, antes de ser autorizada verificar-se se estão preenchidos todos os
pressupostos legais para tal.
A lei processual portuguesa admite a realização de buscas, excepcionalmente
autorizadas por órgão de polícia criminal, para os casos de terrorismo, criminalidade violenta
ou altamente organizada quando hajam fundados indícios, da prática iminente de crime que
ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa – cfr. art. 174, n.° 4, al. a).
Entretanto, a realização desta diligência nos casos acima referidos deve ser comunicada ao
órgão competente (juiz de instrução), para apreciá-la e validá-la, sob pena de nulidade, cfr.
art. 174º, n.°5, do mesmo Código.
Nos casos de terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente
organizada, as buscas domiciliárias podem ser realizadas, entre as 7 e as 21 horas, sob pena
de nulidade, cfr. n.°1, e al. a), do n.°2, do art. 177º do CPP.
Aqui, a lei impõe que o despacho que ordena ou autoriza a busca tenha um prazo de
validade de 30 dias, sob pena de nulidade – cfr. n.°4, do art. 174.
Ora, atendendo e considerando que os crimes de corrupção se inserem no âmbito do
que se considera criminalidade altamente organizada, entendemos que estas regras aplicam-se
para a obtenção de prova nestes TLC.
4.2.4. Apreensões
Nos termos do disposto no art. 178º, n.°1, devem ser apreendidos “Os objectos que
tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem
o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido
deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova”.
53
Os bens apreendidos são colocados à disposição do processo, para servirem como meios de
prova.
A apreensão é um meio de obtenção de prova e como tal, deve ser autorizada,
ordenada ou validada por autoridade judiciária – cfr. n.°3, do mesmo artigo.
As apreensões podem, excepcionalmente, ser efectuadas pela autoridade judiciária, no
âmbito das diligências de revistas ou de buscas ou quando haja urgência ou perigo na demora,
sendo essas apreensões sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo de 72 horas –
cfr. art. 178º, n.°5.
De referir que as apreensões podem colidir com direitos individuais e
constitucionalmente consagrados, só podendo esta diligência ser levada a cabo se estiverem
preenchidos os pressupostos legais. E, os bens apreendidos são restituídos a quem de direito,
logo que se torne desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, - cfr. art. 186, n.°1
do CPP.
4.2.5. Escutas telefónicas
No direito processual penal português, as escutas telefónicas são utilizadas como um
meio excepcional de obtenção de prova137
. Considera-se que a sua utilização deve estar
rodeada das maiores cautelas, dado a intromissão na privacidade dos visados138
, e não só, mas
também na privacidade de terceiros que entrando em contacto com os visados, também são
escutados sem saberem.
No entanto, e segundo refere Cristina Ribeiro139
“Apesar da reconhecida natureza
lesiva dos direitos fundamentais dos cidadãos, é hoje pacífica a necessidade de utilização
deste meio de obtenção de prova como forma de eficazmente fazer face a uma criminalidade
cada vez mais complexa, mais organizada, com maior expansão geográfica, grande
capacidade de mobilidade e com acesso a avultados recursos financeiros e tecnológicos”.
137
A este propósito, podemos aqui citar o Ac. do Tribunal da Relação do Porto; 494/09.0 GAVLG.PI; JTRP000;
Relatado por Francisco Marcolino; onde se decidiu que “A escuta telefónica deve ter carácter excepcional,
senão mesmo residual, de última ratio: só se deve a ela recorrer se e quando os fins da prova não poderem ser
alcançados com o uso de meios menos danosos para os direitos fundamentais ou seja, quando constitua uma
<medida necessária, adequada e proporcional numa sociedade democrática para salvaguardar a segurança
nacional, a defesa, a segurança pública e a prevenção, a investigação, a detecção e a repressão de infracções
penais>” – [art. 15º da Directiva 95/46/CE]. Disponível na Internet: <URL:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/42af22f8c0dbc13e80257b2f005e8c70?OpenD
ocument>. [Consult. 14.11.2017] pelas 10 horas e 30 minutos. 138
Neste sentido confira, Vera Lúcia Raposo, ob. cit., pág. 102. Veja também, Inês Ferreira Leite, O novo regime
das escutas telefónicas. Uma visão panorâmica sobre a reforma de 2007, in Direito da Investigação Criminal e
da Prova, ob. cit., pág. 257, onde refere que “(…). Por se tratar de um meio de obtenção de prova demasiado
invasivo, é necessário que assuma um carácter excepcional”. 139
Cristina Ribeiro, Escutas Telefónicas: Pontos de discussão e perspectivas de reforma, in RPM, Propriedade e
Edição: SMMP, Ano 24, N.°96, Outubro/Dezembro, 2003, pág. 88.
54
Por isso é que a lei processual estabelece restrições ao impor que a intercepção e a
gravação, só podem ser autorizadas quando se trate de crimes elencados no art. 181º, n.°1, e
só podem incidir contra às pessoas indicadas no art. 187º, n.°4, que são: suspeito ou arguido,
pessoa que sirva de intermediário e vítima do crime, mas neste caso, mediante o respectivo
consentimento, efectivo ou presumido.
De referir que a intercepção e a gravação podem ser autorizadas independentemente
da titularidade do meio de comunicação utilizado (que pode ser do próprio, de terceiro ou
público), sob pena de nulidade cfr. - art. 190º do CPP.
Mais ainda, é que embora se deva respeitar o princípio da não auto-incriminação, a lei
processual penal admite na al. a) do art. 187º, que o arguido possa ser escutado desde que se
verifiquem todos os pressupostos e requisitos legais para tal.
Tratando-se de crimes de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada,
a autorização das escutas telefónicas pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde
eventualmente se puder efectivar a conversação ou da sede da entidade competente para a
investigação criminal, e não ao juiz que estiver a trabalhar com o processo. Entretanto, a
autorização deve ser levada ao conhecimento do juiz do processo, no prazo máximo de 72
horas, para a prática dos actos jurisdicionais subsequentes, cfr. n.° 2 e 3, do art. 187º do CPP.
E, à semelhança do que dissemos em relação às buscas, entendemos que as escutas
telefónicas, como meio de obtenção de prova, podem ser levadas a cabo nos crimes de
corrupção, por se enquadrarem no conceito de criminalidade organizada.
4.2.6. Acções Encobertas
Em Portugal, o actual regime jurídico das acções encobertas para fins de prevenção e
investigação criminal regulado pela Lei n.°104/2001, de 25 de Agosto, abriu a possibilidade
de realização de acções encobertas, para fins de prevenção criminal, em relação a um
catálogo de crimes, dentre os quais, constam os crimes de corrupção activa e passiva, cfr. art.
1º, n.°1, al. e) da Lei acima mencionada, por se entender que tais crimes são muitas vezes
praticados com recurso a estruturas altamente organizadas, e numa relação de sigilo
“profissional” provocando efeitos nefastos à sociedade onde tais grupos se encontram
inseridos.
Embora a lei acima citada não faça menção ao crime de recebimento indevido de
vantagem, entendemos que o regime jurídico das acções encobertas para fins de prevenção e
investigação criminal regulado por aquela, também se aplica ao crime de recebimento
indevido de vantagem tendo em conta que ao falarmos dos crimes de corrupção “lato sensu”
55
também se abrange aquele TLC. Até porque não seria razoável a não aplicação das regras de
investigação criminal ao crime de recebimento indevido de vantagem, por também fazer parte
dos crimes de corrupção “lato sensu”. Destarte, como se disse acima, tanto nos crimes de
corrupção assim como no de recebimento indevido de vantagem existem as mesmas
dificuldades relativamente à obtenção de prova. E, as regras vertidas nesta lei pretendem
reforçar o combate à corrupção em sentido amplo e a outros crimes específicos que exigem
dos investigadores maiores cautelas dada a forma quase que perfeita da sua execução.
De referir que a Lei n.°104/2001, de 25 de Agosto, estabelece um regime especial de
recolha de prova, a quebra de segredo profissional e a perda de bens a favor do Estado, ao
que passamos de seguida a analisar:
4.2.6.1. Recolha de prova:
Relativamente à recolha de prova a doutrina portuguesa bem como as modernas
legislações que visam o combate à corrupção admitem, excepcionalmente, a utilização do
agente infiltrado140
, como meio de obtenção de prova, para fins de prevenção e de
investigação criminal. A figura do agente infiltrado só é admissível quando se trata de
investigação criminal relativa aos crimes elencados no art. 1º, n.°1, da lei acima citada, muito
embora existam algumas posições desfavoráveis por entenderem que se trata de um meio de
obtenção de prova enganoso - logo ilícito.
No entanto, a posição dominante vai no sentido de que a actuação do agente infiltrado
deve ser considerada admissível sempre que se mostrar necessária, proporcional e adequada
para a prevenção e combate a certo tipo de criminalidade, mas sem pôr em causa os direitos e
liberdades dos cidadãos.
Diferentemente da figura do agente infiltrado, já não é aceitável a figura do agente
provocador141
, pois a sua actuação, em maior ou menor medida, precipita a ocorrência do
crime, na medida em que, sem a sua intervenção o mesmo não se verificaria. No entanto, há
quem discorde com esta posição, por entender que quem aceita ser aliciado é porque já existia
em si essa vontade formada, o que quanto a nós, não pode ser aceite linearmente, tendo em
conta que qualquer pessoa é susceptível de praticar boas ou más obras, dependendo das
circunstâncias que o podem conduzir a agir de uma ou de outra forma. E, não é por acaso que
140
Segundo ensinamento de Germano Marques da Silva, apud, Sandra Pereira, A recolha de Prova por Agente
Infiltrado, in Prova Criminal e Direito da Defesa, Coimbra, Edições Almedina, 2011, pág. 141, “O agente
infiltrado se caracteriza por não participar na prática do crime, <<a sua actividade não é constitutiva, mas apenas
informativa>>”. 141
“Aquele que utiliza a provocação como instrumento de actuação, ou seja, ele << não revela um crime e um
criminoso, mas cria o próprio crime e o próprio criminoso” - Idem.
56
é costume dizer que “a ocasião faz o ladrão”. Logo, concordamos que a sua utilização não
pode ser legitimada como um meio de combate ao crime organizado.
4.2.6.2. Quebra de segredo profissional:
Quanto à quebra de segredo profissional, a Lei n.°104/2001, de 25 de Agosto abre
espaço para que nas fases de inquérito, instrução e julgamento de processos relativos aos
crimes previstos no n.°1, do art. 1º, o segredo profissional das entidades mencionadas no art.
2º, n.°1, da mesma Lei, possa ceder, se houver razões para se acreditar que as respectivas
informações têm interesse para a descoberta da verdade material.
4.2.6.3. Perda de bens a favor do Estado:
Relativamente à perda de bens a favor do Estado, a Lei n.°104/2001, de 25 de Agosto,
permite que caso alguém seja condenado pela prática de qualquer um dos crimes
mencionados no n.°1, do art.1º, da referida Lei, os bens que se presumirem constituir
vantagem de actividade criminosa (diferença entre o património do arguido e o que se
presume congruente com o seu rendimento lícito), possam ser declarados perdidos a favor do
Estado.
De referir que o n.°1, do art. 109º do CP, estabelece que “podem ser declarados
perdidos à favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir
para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando,
pela sua natureza e pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das
pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o
cometimento de novos factos ilícitos”.
E, face às especificidades dos crimes elencados nesta Lei, os serviços de registo
públicos, como por ex., Conservatórias de Registo Predial, Automóvel e Comercial,
desempenham um papel bastante relevante na medida em que através delas é possível obter o
conhecimento público dos factos jurídicos que tiverem sido lá registados e que podem vir a
servir de meio de prova.
Aqui há uma razão para dizer que em Portugal “O crime não compensa”, porquanto
todas as vantagens económicas obtidas pelo agente do crime através da sua actuação ilícita
não o beneficiarão, mas sim serão revertidas a favor do Estado.
4.3. No Brasil:
A constituição Federal de 1998, estabelece no art.5º que “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
57
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes (EC n. 45/2004)”.
LVI “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Ora, tendo em conta o estabelecido na constituição, parece resultar da mesma que
poderão ser usados quaisquer meios de obtenção de prova, desde que não sejam ilícitos ou
incompatíveis com o sistema geral do Direito Positivo.
E, como refere Guilherme Nucci142
“O universo ilícito constitui-se das variadas
formas de lesão aos preceitos diversificados no ordenamento jurídico. O ilícito abrange toda
e qualquer ofensa à Constituição Federal, por óbvio, e à legislação em geral”.
Como se pode depreender, no ordenamento jurídico brasileiro há uma abertura legal
através da qual se podem usar quaisquer meios de obtenção de prova, o que pode ser feito em
todas as fases processuais, desde que se respeitem as garantias e direitos individuais, tal como
se prevê no art. 5º da Constituição Federal.
5. A valoração da prova nos crimes de corrupção
Em todo e qualquer tipo legal de crime, para que se chegue à condenação dos
indiciados torna-se necessário que os factos denunciados e investigados sejam levados a
julgamento em respeito ao princípio do contraditório que é essencial para a valoração da
prova em termos tais que a prova que não lhe for submetida não pode ser usada para firmar a
convicção do tribunal143
.
Importa ter presente que “O facto só pode ser julgado provado ou não provado após
a submissão dos meios de prova ao contraditório em audiência. Antes disso, os meios
probatórios podem ter um valor indiciador, servirem para formar uma suspeita, mas não
para a prova dos factos. É que ao iter probatorium faltará então o contraditório e, por isso,
o meio de prova não será admitido para formar validamente a convicção do julgador, isto é,
a prova, enquanto resultado”144
.
Mas, como se disse acima, nos crimes de corrupção, raramente se chega a condenação
dos indiciados, por se mostrar difícil a comprovação dos factos. Por isso é que em alguns
casos, havendo condenação está é muita das vezes forçada, sendo certo que a prova não deve
ser procurada a qualquer preço mas sim através de meios lícitos145
. Até porque, enquanto não
142
Guilherme de Souza Nucci, ob. cit., pág. 30. 143
Neste sentido, cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit. (nt.101), pág. 116. 144
Idem. 145
E, para alicerçar esta afirmação, podemos-nos socorrer do Ac. STJ, 11JUL2001, CJ-Acs STJ, Ano IX, 2001,
T. III, p. 167, in Germano Marques da Silva, ob. cit. (nt. 101), págs. 130 e 131, “Se o resultado final a que o
colectivo chegou se pode, por esta via, dizer de algum modo em contrapé com o interesse público na
58
for possível provar a culpabilidade do arguido deve respeitar-se o princípio da presunção de
inocência, o qual é identificado por muitos autores com o princípio in dúbio pro reo146
, sendo
certo que na doutrina não há unanimidade acerca do entendimento sobre a natureza da relação
entre os dois princípios. Porém há que referir que para além deste posicionamento, há os que
entendem que o princípio da presunção de inocência é bem mais amplo que o do in dubio pro
reo, sendo este princípio corolário do primeiro e os que entendem que não existe nenhuma
relação entre ambos, discussão para a qual não entraremos sob pena de nos desviarmos do
nosso estudo.
5.1. Ilustração de alguns exemplos:
a) Supondo que um particular faça uma denúncia contra um servidor público (como
por ex., o caso de um servidor público que trabalha na Conservatória do Registo Civil com a
função de verificação dos documentos necessários para a emissão de Bilhete de Identidade),
acusando-o de lhe ter solicitado o pagamento de suborno para facilitar a emissão do seu
Bilhete de Identidade, pois não tinha toda a documentação necessária e não apresenta
elementos de prova que fundamentem a sua denúncia. Posteriormente, o particular entra em
contacto com o servidor público convidando-o a um café no “Jardim da Paz”, não tendo o
servidor público anuído ao convite.
Depois de várias chamadas insistentes, o servido público acaba por aceitar o convite e
vai ao encontro do particular, no local combinado. Este, por sua vez alerta a polícia para se
fazer presente, na data, local e hora combinados para o café.
Enquanto tomam o café, o particular retira do seu bolso um envelope contendo 5 mil
meticais e entrega-o ao servidor público, sendo que a Polícia que já havia sido alertada pelo
particular para se fazer presente ao local, efectua a detenção daquele.
Será válida a prova obtida nestas circunstâncias? Neste caso, parece que há aqui uma
situação de flagrante delito, porquanto o indiciado é detido na posse do “suposto” valor da
peita ou suborno. No entanto, não se pode considerar que houve verdadeiramente uma
situação de flagrante delito pois tal facto só terá acontecido por ter havido “incitamento” à
prática do crime pelo próprio denunciante.
perseguição dos criminosos, da segurança dos cidadãos e das garantias que devem provir de um Estado de
Direito, não é menos verdade que o fim do processo, na interpretação independente dos tribunais não é apenas a
descoberta da verdade a todo o transe, mas a descoberta, usando regras processualmente admissíveis e
legítimas”. 146
Neste sentido, vide Germano Marques da Silva, ob. cit., (nt.101), pág. 123.
59
Na verdade, se este não tivesse insistido com o Servidor Público para que juntos
fossem tomar o café, este nem sequer teria ido ao local, o que só aconteceu devido as várias
chamadas do particular insistindo que deviam tomar juntos um café.
Mais ainda, é que para além deste elemento, não se conseguiu provar que o Servidor
Público tenha exigido o que quer que seja ao denunciante para a prática de um qualquer acto
relacionado com as suas funções.
Mesmo supondo que em sede de julgamento se prove a existência de outros elementos
constitutivos do TLC de corrupção, a prova obtida desta forma, não poderia ser validada,
porquanto houve aqui uma espécie de instigação, que se assemelha à figura do agente
provocador, o tal que determina outrem à prática de um crime que de outro modo não
cometeria, com o objectivo de o incriminar por um acto por ele provocado. Pelo que, deve ser
julgada nula a prova assim obtida, não podendo ser utilizada.
b) Supondo que um particular faça uma denúncia contra um agente da polícia,
alegando que este pediu-lhe uma determinada quantia monetária para não passar-lhe uma
multa por condução ilegal, e porque não tinha nenhum valor disponível, prometeu pagar
numa outra altura e combinou encontrar-se com o agente da polícia num certo restaurante
para um almoço, onde seria pago o valor prometido.
Acto contínuo, o denunciante dá a conhecer à polícia sobre os factos, sendo que esta,
por sua vez fotocopia as notas equivalentes ao valor supostamente solicitado pelo agente da
Polícia, a título de suborno e entrega-as ao denunciante para fazê-las chegar às mãos daquele.
O particular, já na posse das notas fotocopiadas liga avisando ao agente da polícia que
já tinha o valor disponível. O agente da polícia faz-se ao local do encontro e, depois de o
denunciante entregar as notas àquele a polícia persegue-o e procede à sua detenção.
Será válida a prova obtida nestes moldes? Pela forma como o funcionário é detido,
parece haver uma situação de quase flagrante delito, pois o agente do crime é perseguido e
detido logo após a recepção das notas e na posse das mesmas, as quais lhe foram entregues
pelo denunciante, supostamente como pagamento de subormo. No entanto, em sede de
julgamento o agente da polícia nega que o valor que recebeu tivesse em vista o pagamento de
suborno e o tribunal, não consegue provar o contrário, ficando-se na palavra de um contra a
do outro.
Ora, não existindo nos autos outra prova indiciária que associada as notas
fotocopiadas encontradas na posse do funcionário sustentem a acusação, nada mais restará ao
tribunal senão absolver o indiciado, em respeito ao princípio in dúbio pro reo. Daí que a
60
prova obtida não poderá ser validada, sendo por isso nula e de nenhum efeito, por se tratar de
um flagrante delito induzido ou forjado.
Esta situação assemelha-se à da entrega controlada, que é a possibilidade, dada por
lei, de se retardar a intervenção policial, diferindo-se a efectivação da prisão em flagrante,
para que exercendo-se um monitoramento e uma vigilância sobre a actividade criminal, se
consiga obter maiores elementos de prova, melhorando a eficácia policial. No entanto, deve
haver prova indiciária suficiente para que a prisão e a prova obtida nestas condições sejam
validadas.
c) Supondo um caso em que o denunciante junta uma série de correspondência em
que, por ex., o servidor público solicita o pagamento de suborno para a emissão de DIRE
(Documento de Identificação de Residente Estrangeiro). A par desta solicitação o
denunciante responde e aceita pagar a quantia no final do mês, alegando que só nessa altura
poderia satisfazer o pedido; o servidor público aceita e fixa a data, o local e a hora em que lhe
deverá ser entregue o valor do suborno. Toda esta negociação é feita através da troca de
correspondência, chamadas telefónicas e de alguns encontros entre ambos, e tudo
acompanhado por um agente da polícia de investigação criminal, uma vez que o denunciante
deu a conhecer à polícia a pretensão do agente do crime.
Na data marcada para o encontro, o servidor público é detido logo após a recepção do
valor do suborno e na posse do mesmo.
Será que a prova obtida nestas condições deve ser valorada? Neste caso, o indiciado é
detido em flagrante delito, na posse do valor do suborno, cfr. art. 288º do CPP, sendo por isso
justificável a sua privação de liberdade de modo a evitar a perturbação da instrução do
processo.
No entanto, em sede de audiência de discussão e julgamento o indiciado confessa que
recebeu o valor em causa mas nega que o tenha recebido a título de suborno. Porém, existem
nos autos elementos suficientes que sustentam a acusação, como sejam, a troca de
correspondência entre o denunciante e o servidor público; o valor do suborno, para além da
prova de que o particular tinha um certo interesse relacionado com a actividade desenvolvida
pelo funcionário, isto é, o cidadão estrangeiro estava a residir ilegalmente em Moçambique e
pretendia obter, ilegalmente um DIRE.
Neste caso, até se pode considerar que a actuação da polícia (que se assemelha a de
um agente infiltrado) consubstanciou uma acção encoberta, na medida em que em nada
contribuiu para o surgimento do desígnio criminoso por parte do agente do crime, tendo
61
apenas acompanhado os factos e presenciado a entrega do valor do suborno e, como tal, o seu
testemunho poderá ser usado validamente como meio de prova.
Portanto há aqui prova suficiente que pode levar o julgador a tomar uma decisão
condenatória, devendo por isso, ser considerada válida a detenção do servidor público nestas
condições assim como a prova obtida considerada válida, por ser legal.
62
CONCLUSÃO
A corrupção ocorre quando uma actividade profissional é prestada, essencialmente,
em função da obtenção de um “bem externo” (peita ou suborno), em prejuízo de um “bem
interno” (exercício do cargo ou função) na administração pública, o que leva a que os
cidadãos percam a confiança nas instituições do Estado;
Como forma de combater este mal que põe em risco as sociedades constituídas
democraticamente, e considerando os seus efeitos que, sem margem para dúvidas, provocam
uma intensa danosidade social, vários ordenamentos jurídicos modernos adoptaram algumas
leis que visam a prevenção e o combate às várias formas de corrupção;
Nesse âmbito, o legislador inventou uma nova incriminação, denominada “Aceitação
de oferecimento ou promessa”, convista a abranger as várias manifestações da corrupção,
evitando a isenção de responsabilição criminal pois, diferentemente do que se exige nos
crimes de corrupção stricto sensu em que se deve fazer a prova do acto concretamente
pretendido pelo agente em troca do recebimento da vantagem, com a nova incriminação o
legislador não exige a verificação do nexo de causalidade entre a vantagem e o acto do
agente, mas sim a prova de que a vantagem foi recebida por este no exercício das suas
funções ou por causa delas;
Em termos de similaridade, os crimes de corrupção têm de comum o facto de
poderem ser cometidos por servidores públicos, no exercício de funções na administração
pública. Daí que, o legislador alargou o conceito de “funcionário público” de modo a abanger
todas as condutas que possam consubstanciar a prática de corrupção evitando lacunas de
punibilidade que, por razões de identidade e igualdade das situações, não se justificassem;
Mais ainda é que o conceito de funcionário só tem validade quando o exercício de
funções seja eficaz, isto é, o agente do crime, em função da natureza do cargo público que
ocupa a sua conduta possa ser susceptível de preencher o correspondente ilícito criminal,
sendo que no crime de aceitação de oferecimento ou promessa, o acto a praticar pelo agente
deve ser feito no exercício de funções ou por força das mesmas e não estar completamente
alheio às funções públicas por ele exercidas, o que não é fácil de provar;
A possibilidade de se ultrapassar a dificuldade de obtenção de prova nos crimes de
corrupção depende, em sede de investigação, da utilização criteriosa dos meios previstos na
lei pois, as normas processuais penais constituem os limites das actividades dos
investigadores. No entanto, e tendo em atenção à natureza secreta e a complexidade destes
TLC, vários ordenamentos jurídicos têm recorrido a técnicas especias de investigação, dentre
elas a delação e a colaboração premiada, por as considerarem eficazes no combate à
63
criminalidade organizada, pois através delas se pode quebrar o silêncio dos arguidos
ajudando, deste modo, a desmantelar as grandes redes criminosas inseridas no seio da
sociedade e que se dedicam a este tipo de crimes evitando a prática de outros crimes por essas
mesmas organizações;
É importante, definir-se como se deve proceder relativamente aos eventuais TLC
associados ao crime de corrupção, dectectados desde o iníco da investigação e durante o
decorrer da mesma de modo a facilitar a sua gestão, atendendo e considerando a dificuldade
de se investigar vários TLC num único processo, tornando-o num “mega-processo” (que é de
difícil gestão), que se vai prolongar no tempo, o que muitas vezes termina com resultados
decepcionantes. Até porque não se deve descurar o facto de que quanto mais rápida for
tomada uma decisão, mais legitimidade ganha o sistema;
Os crimes de corrupção são de natureza pública, podendo a sua denúncia ser feita por
qualquer pessoa e a detenção do infractor pode ocorrer em flagrante delito ou fora deste. Por
isso, julgamos que se deve promover o encorajamento da denúncia da corrupção por parte das
pessoas que a testemunham por ser uma das formas de a poder combater;
E, dada a dificuldade de obtenção de prova neste TLC, para o seu esclarecimento a
doutrina e a jurisprudência de alguns países, como por ex., Espanha e Portugal entendem que
se deve dar primasia à prova indirecta, indiciária ou por presunções, sob pena de se continuar
a cair na impunidade dos que se envolvem na prática deste tipo de criminalidade (a despeito
da falta ou insuficiência de prova e ainda com fundamento no princípio in dúbio pro reo),
aumentando, deste modo, o número de “cifras negras”;
É um facto assente que a corrupção pode estar associada a outros TLC, sendo por isso
complexas e diversas as condutas a serem investigadas. Daí que para o sucesso da
investigação se deve fixar qual é o seu objecto para que se possam saber quais os elementos
de prova que devem ser recolhidos e quais são os meios/métodos de obtenção dos mesmos,
em tempo útil, isto é, dentro dos prazos legalmente prescritos, sem ferir os direitos
fundamentais, de modo a que a prova assim obtida possa ser valorada pelo tribunal;
O regime das proibições de prova constitui uma garantia do respeito pelos direitos
fundamentais dos cidadãos e a violação das normas que o corporizam e estabelecem os
modos de a obter conduz a nulidade da prova assim obtida. Destarte, e para o sucesso da
investigação neste tipo de criminalidade deve haver uma estreita colaboração e articulação
entre os players da investigação, nomeadamente, os magistrados do Ministério Público, os
magistrados judiciais e os agentes investigadores da polícia, desde o início da investigação de
64
modo a que possam definir conjuntamente a estratégia a desenvolver no decurso da
investigação;
E, mais, na actividade de investigação a coordenação entre os três órgãos deve ser
feita com o respeito que é devido pelas competências de cada um, respeito pela legalidade, e
não se deve olvidar o aspecto da afirmação, no sentido de que tem de haver sempre alguém
para tomar a decisão e esse alguém é o juiz que nos termos da Lei garante o controle dos
direitos fundametais através de mecanismos formais e normativos por via da intervenção
jurisdicional;
A inadmissibilidade da prova obtida através da prova ilícita não deve ser aceite em
termos absolutos, isto é, devem excepcionalmente ser aceites as provas alcançadas por força
da prova obtida ilicitamente, quando não haja uma lei expressa que estabeleça o contrário,
não se podendo, em caso algum, sacrificar a dignidade da pessoa humana e analisarem-se as
circunstâncias de cada caso de modo a que se possam valorar os interesses conflituantes e se
possa fazer justiça respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos implicados.
Em face dos desafios colocados aos sistemas jurídicos pela criminalidade organizada,
em que se enquadram os crimes de corrupção (objecto do nosso estudo), parece-nos ser curial
a especializaçãos dos magistrados e dos agentes investigadores para lidarem com este tipo de
realidades criminais, sendo também importante o recurso aos meios especias de investigação
criminal, como por ex., utilização de agente infiltrado, quebra do segredo profissional, etc, os
quais podem eficazmente ajudar a superar a dificuldade na obtenção de prova nos crimes de
corrupção.
E, para terminar, importa deixar bem claro que em qualquer TLC a investigação
criminal constitui uma das condições que determinam uma eficaz e atempada realização da
justiça; E, nesse âmbito devem ser tidas em conta várias técnicas de obtenção de prova, sendo
certo que devem ser respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos investigados para que
a prova assim obtida possa ser validada pelo tribunal, partindo do princípio de que em
processo penal o arguido presume-se inocente até que seja julgado e condenado por uma
decisão transitada em julgado.
E, como forma de reduzir os índices de corrupção, não se deve apenas olhar para o
pacote legislativo mas sim devem ser introduzidas reformas sistemáticas de modo a reduzir o
desequilíbrio existente entre a camada social e os detentores de cargos públicos, em termos
de acesso aos bens essenciais para a sobrevivência de um ser humano, garantindo a
responsabilização criminal dos titulares de cargos públicos, em caso de prevaricação e
garantir que se reconquiste a confiança dos cidadãos nas instituições do Estado.
65
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Código de Processo Penal do Brasil, aprovado pelo Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de
Outubro.
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corrupção)
Decreto n.° 22/2005, de 26 de Junho (Regulamento da Lei n.° 6/2004, de 17 de Junho)
Lei n.°16/2012, de 14 de Agosto (Lei de Probidade Pública)
Lei n.° 14/2009 (Estauto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado)
Lei n.°3/97, de 13 de Março (Define e estabelece o regime aplicável ao tráfico e
consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, precursores e preparados ou
outras substâncias de efeitos similares).
Decreto-Lei 35.007, de 13 de Outubro de 1945 (remodela alguns princípios básicos do
processo penal).
Lei n.°15/2012, de 14 de Agosto (Estabelece mecainismos de protecção dos direios e
interesses da vítimas, denunciantes, testemunhas, declarantes ou peritos em processo
penal e cria o Gabinete Central de Protecção à Vítima).
Lei n.°93/99, de 14 de Julho (Lei de Protecção de Testemunhas), com as alterações
introduzidas pela Lei n. 29/2008, de 04 de Julho e Lei n. 42/10, de 03 de Setembro –
Portugal.
Lei n.°9.807, de 13 de Julho de 1999 (Lei de Protecção a Vítimas e Testemunhas) –
Brasil.
70
Lei n.°7/2002, de 05 de Fevereiro (Lei do branqueamento de capitais).
Lei n.°4/2016, de 03 de Junho (define as basese gerais do sector das
telecomunicações.)
Lei n.°101/2001, de 25 de Agosto (Estabelece o regime jurídico das acções encobertas
para fins de prevenção criminal) – Portugal.
Código Civil Anotado de, Fernando Andrade Pires De Lima e João De Matos Antunes
Varela, Coimbra Editora, 1967, Vol. I
Código de Processo Civil de Moçambique, com as alterações introduzidas: DL
1/2005; DL 1/2009.
Lei n.°12.850/13, de 02 de Agosto (Lei de Combate às Organizações Criminosas) -
Brasil.
71
INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS
Convenção da União Africana sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção, Assinada
em Adis-Abeba, Etiópia, e adoptada em 11 de Julho de 2003, em Maputo, pela 2ª
Sessão Ordinária da Conferência da União Africana, e ratificada pela Resolução
n.°30/2006, de 2-8, da Assembleia da República.
Protocolo da SADC Contra a Corrupção (denominado por Protocolo da Comunidade
para o Desenvolvimento da África Austral), Assinado em Blantyre, a 14 de Agosto de
2001, e ratificado por Moçambique através da Resolução n.°33/2004, do Conselho de
Ministros, de 20 de Junho de 2004.
Convenção da ONU Contra a Corrupção (denominada Convenção de Mérida),
adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de Outubro de 2003,
Ratificada por Moçambique, através da Resolução, n.°31/2006, de 26 de Dezembro.
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
72
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com ênfase na Elaboração de Artigo Científico, SP, Faculdade de Ciências Sociais e
Agrárias de Itapeva, 2011. Disponível na Internet: -
http//www.fait.edu.br/recursos/4/files/gradecurricularpdf/Apostila1.pdf. [Consult.
04/04/2015], pelas 14 horas e 45 minutos.
1° Relatório Anticorrupção da União Europeia, elaborado pelo GRECO. Disponínel
na Internet: http://www.cpc.tcontas.pt/documentos/relatorio_anticorrupcao_eu.pdf.
[Consult. 2017/10/22], pelas 19h e 15 minutos.
Relatório Anual Índice de Percepção da Corrupção. Disponínel na Internet:
https://www.transparency.org/news/pressrelease/indice_de_percepcaeo_da_corrupcae
o_2016_circulo_vicioso_de_corrupcaeo>. [Consult. 13/10/2017], pelas 9 horas e 15
minutos.
Relatório do GRECO do Conselho da Europa. Disponível na Internet:
https://www.coe.int/en/web/greco/about-greco/priority-for-the-coe> [Consult.
28/11/2017], pelas 12 horas e 45 minutos.
Felipe Faoro Bertoni, Entenda a diferença entre delação premiada e colaboração
premiada. Disponível na Internete: https://canal ciênciascriminais.com.br/diferenca-
delacao-colaboracao-premiada/>.[consult. 15/09/2017], pelas 14 horas e 30 minutos.
Luiz Flávio Gomes, Há diferença entre entre colaboração e delação premiada?
Disponível na Internet: https://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/ha-
diferenca-entre-colaboracao--e-delacao-premiada/14756> [Consult. 15/09/2017],
pelas 14 horas e 15 minutos.
Jurídicocerto, Aspectos fundamentais da Colaboração Premiada. Disponível na
Internet: https://juridicocerto.com/p/cayonperes/artigos/aspectos-fundamentais-da-
colaboração-premiada-948. [Consult.2017/09/15], pelas 15 horas.
Denúncia feita pelo Procurador-Geral da República contra Michel Miguel Elias
Temer Lulia (presidente da República Federativa do Brasil) e Rodrigo Santos Da
Rocha Loures (ex-deputado Federal). Disponível na Internet:
http://m.dw.com/downloads/39J432330/denuncia-temer.pdf>. [Consult. 28/11/2017],
pelas 13 horas e 25 minutos.
Mafalda Matos, O Direito Premial no Combate ao Crime de Corrupção. Disponível
na Internet:
73
http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16884/1/Trabalho%20Final%20de%Mes
trado.pdf . [Consult. 22/02/17], pelas 13 horas e 45 minutos.
A Delação premiada no Direito Brasileiro. Disponível na Internet:
http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2006_1/r
icardo.pdf.> [Consult.08.02.2017], as 9 horas e 30 minutos.
Colaboração Premiada – Caso Lava Jato, Acordos de colaboração com investigados
e réus. Disponível na Internet: http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-
jato/autuacao-na-1a-instancia/investigacao/colaboracao-premiada>. [Consult.
28/11/2017], pelas 13 horas e 30mns.
Tony Kwok Man-Wai, Investigation of Corruption Cases. Disponível na Internet:
http://www.unafei.or.jp/english/pdf/Rs-N079/N079-19VE-Man-Wai2.pdf>. [Consult.
06.02.2017], pelas 12h e 25 mns.
Banner, Manual de Boas Práticas no Combate à Corrupção. Disponível na Intenet:
http://dciap.pgr.pt/Estudos/07 00/Area trabalho.html. [Consult. 24/10/2015], pelas 16
horas.
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JURISPRUDÊNCIA:
Sentença proferida no Proc. n.°126/16, pelo Tribunal Judicial da Cidade de Lichinga.
Sentença proferida no Proc.n.° 376/11, pelo Tribunal Superior de Recurso de Maputo.
Acórdão proferido no Proc. Comum Colectivo n.°712/00.9JFLSB, pelo tribunal
Colectivo do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras.
Disponível na Internet: http://www.inverbis.pt/2012/ficheiros/doc/casoisaltinomorais-
trl-04-24t.pdf>.[Consult. 28/11/2017], pelas 14 horas.
Acção Penal (AP) 470/STF, julgada pelo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal
Federal ( relator Min. Joaquim Barbosa). “ementa” do acórdão. Disponível na
Internet: https://www.conjur.com.br/dl/ementa-acordao-mensalao.pdf>. [Consult.
27/10/2017], pelas 12h e 30 minutos.
Proc. n.°5046512-94.2016.04.04.7000/PR, proferido pela 13ª Vara Fereral Criminal
de Curitiba.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa; Proc. n.°679/06.06.OGDTVD.L1-3;
relatado por João Carlos Lee Ferreira. Disponível na Internet:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bee6a8a04b2fd883e
8025754000391013?OpenDocument>. [Consult.14.11.17], pelas 10 horas e 15
minutos.
Acórdão da Relação de Évora, Proc. n.°621/01-I; relatado por Ribeiro Cardoso.
Disponível na Internet:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7065232571dae4e7
80257de100574844?OpenDocument>. [Consult. 14/11/17], pelas 10 horas e 45
minutos.
Acórdão da Relação de Lisboa, Proc. n.°10693; relatado por Carlos Almeida.
Disponível na Intenet:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bee6a8a04b2fd883e
8025754000391013?OpenDocument>. [Consult.14.11.17], pelas 10 horas e 15
minutos.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto; Proc. n.°494/09. PI;JTRP000; relatado por
Francisco Marcolino. Disponível na Internet:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/42af22f8c0dbc13e8
0257b2f005e8c70?OpenDocument>. [Consult. 14.11.2017], pelas 10 horas e 30
minutos.
75