FORMAÇÃO HISTÓRICA DE CAMPINAS: BREVE PANORAMA*

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FORMAÇÃO HISTÓRICA DE CAMPINAS: BREVE PANORAMA* Terra de Mato

No século XVIII, o Brasil já possuía centros urbanos de porte, surgidos da ocupação militar,

administrativa e econômica do litoral: Rio de Janeiro, Salvador da Bahia, Recife. E a economia das minas

cercava-se de aglomerados importantes: Vila Rica, Mariana, Congonhas. Mas ausentavam-se do território

paulista as características dos centros acima. Os próprios motivos de mobilização dos paulistas achavam-se fora

de seu atual território. O bandeirismo em busca de metais de outras terras exemplifica.

Descobertas as minas goianas por volta de 1720, bandeirantes paulistas tomaram aquela direção.

Ordenou-se, então, a abertura de um caminho no meio do mato para possibilitar as comunicações de São Paulo

com as minas há pouco achadas: O Caminho dos Goiases. O fisco onipresente da mineração impede a

abertura e o uso de outras vias, procurando não afastar os garimpeiros dos postos arrecadadores. O caminho

aberto marcará prolongada e exclusiva influência. Seu traçado será objetivamente condicionado pelas

necessidades de seus usuários: água, pasto, alimentos. Por aqui existiam córregos, ribeirões e áreas de

possível serventia à pastagem. Mais: o Caminho gera sesmarias, terras sem cultura concedidas pelos agentes

da Monarquia Portuguesa àqueles dispostos a trabalhá-las por conta e risco próprios; e desta estrada

de barro aparecerão várias povoações, relativamente eqüidistantes, pois registrarão o pernoite das

caravanas nos pousos e ranchos recém instalados justamente para receber as bandeiras após suas jornadas

diárias e a pé. Na ida para as minas, os bandeirantes, garimpeiros e tropeiros passavam pelo mato grosso das

terras de Jundiaí. A expressão “mato grosso” então designava as matas fechadas. E por aquele Caminho

os viajantes chegariam ao pouso nas Campinas do Mato Grosso de Jundiaí. E se aprovisionariam com o feijão,

o milho, a mandioca, o toucinho, o tabaco, os ovos e as botelhas de aguardente vindas das roças de

subsistência e do comércio de borda de estrada dos poucos sesmeiros ali estabelecidos após a abertura do

Caminho. Estes, obstados pelo mato, sem grande chance de maior agricultura, tiravam do Caminho seu

sustento e seu contato com o universo da Colônia. Viviam em casas rústicas, de taipa e sapê. Formaram um

bairro rural. Bairro era a designação dada a uma área com propriedades agrícolas isoladas em

pequenos núcleos dispersos. Com o tempo e o declínio dos metais, ex-garimpeiros viram sesmeiros. Muitos

nem se fixam prolongadamente. O crescimento populacional foi baixo. Meio século depois da abertura do

Caminho, o Bairro das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí lá terá trezentos seres, “brancos em sua quase

totalidade”, e cinqüenta casas espalhadas por três núcleos difusos, quando muito interligados por um

picadão, mais isolados ainda em tempos chuvosos, pois os córregos faziam lama e pântanos.

Campinas então aparecerá dos impulsos e refluxos da economia mineira, tendo sido a primeira

das povoações originadas pelo Caminho dos Goiases, por isto também chamada de “boca do sertão”,

basicamente caracterizada por pastagem, passagem e paragem, além de localizar roças, sem mais lavoura,

tendo sempre pouca gente, sem vida urbana. Seu maior empreendimento foi a construção de uma igreja

de sapê e paus roliços. Na história de Campinas, o período do Bairro se traduz por estagnação e casas

de pau a pique. Quanto ao Caminho, teve seu leito aproveitado pela Ferrovia Mogiana em 1875, e logo ao

lado adaptou-se em 1924, uma estrada de rodagem.

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O Poder dos Engenhos

1774. O Bairro vira Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí.

Ocorrem dois fatos: Campinas se insere no mercado mundial, e se abrem três ruas aqui. É que o Governador

da Capitania cumpria expressas determinações do Rei de Portugal para povoar e implantar agricultura sólida no

território paulista, pois a mineração estava em queda, e os preços do açúcar anunciavam alta. A ordem se corporifica

em política de concessão de sesmarias e de fundação de povoações. Nesta hora os moradores do Bairro já

tinham erigido seu grande empreendimento: a capela de sapê e paus roliços. Em vez de percorrerem as dez

longas léguas que separavam seus enterros e suas missas do cemitério e da igreja de Jundiaí, tomaram o conhecido

caminho colonial de argüir necessidades espirituais para assentar um marco que, em prazo maior, poderia

render-lhes mais autonomia em relação à Vila: uma igreja, elemento aglutinador da população, a servir de centro

e referência aos moradores de certo raio. Ainda no contexto das ordens do Rei, requerem a elevação da paragem

ao status de Freguesia. Conseguem, e rezam em sua capela uma missa de consagração do fato. E o Morgado de

Mateus, nome do governador, determina a Barreto Leme, um mais abastado dentre os 300 indivíduos do lugar,

também ex-garimpeiro, ali já há trinta anos, vindo de Taubaté, a fundação de uma povoação naquela paragem.

Também ordenou-lhe quanto à nova Freguesia: “seja formada em quadras de sessenta ou oitenta varas cada

uma e daí para cima, e que as ruas sejam de sessenta palmos de largura, mandando formar as primeiras casas nos

ângulos das quadras de modo que fiquem os quintais para dentro a entestar uns com os outros”. Daí saem as três

ruas: de Baixo, do Meio e de Cima. O Morgado também determina ao Barreto as formas de arregimentar novos

moradores: índios, caboclos e ex-escravos que por ali vagassem sem domicílio certo tampouco ocupação

eram recrutados e obrigados a povoar a nova Freguesia. Casais seriam chamados para, voluntariamente,

habitar o lugar, vantagens lhes sendo oferecidas: terras proporcionais às suas disponibilidades, “a ferramenta

necessária à cultura das referidas terras”, os homens não serviriam como soldados. Chegam famílias de poucos

recursos, e também se fala de migração vinda de Baependi, área de terras cansadas de Minas Gerais, de onde teriam

se originado mais de 150 novos residentes. Indivíduos adquirem terras, requerem sesmarias, ocupam áreas

devolutas. As extensões fundiárias locais começam a transformar-se em áreas de exploração canavieira.

Engenhos e engenhocas vão se instalando. As roças cedem espaço ao latifúndio. Já se pode falar em população

africana. Inaugura-se a agroexportação em Campinas, agora uma terra de plantagem. Está em curso a junção

dos focos iniciais da ocupação do bairro, processo muito auxiliado pela abertura das ruas compridas, retas,

estreitas. Na povoação, constróem-se casas rústicas, térreas, as janelas de tábuas toscas, ausentes de vidro,

pouquíssimo ferro, os pregos de madeira, o chão de terra pilada, o forro da casa, se presente, feito com pano de

algodão, a cobertura ainda de sapê, a cozinha fora da casa, e nada de banheiros. Sediou-se uma força policial

na Freguesia: “pelo grande número povo que nela há”, justificou uma autoridade da época. Os comandantes

locais também queriam uma cadeia propriamente equipada: tendo tronco. A autoridade maior da Capitania

concordou, mas advertiu-lhes para “que o referido tronco não servisse de desabafo aos ódios dos

comandantes, dos quais muitos inocentes poderiam ser vítimas”. A cadeia com tronco será futuramente ins-

talada no larguinho da Capela, por onde passavam as três ruas — de Baixo, do Meio e de Cima —

hoje chamadas de Luzitana, Dr. Quirino e Barão de Jaguara.

Foto: Rua Barão de Jaguara (antiga Rua de Cima) – década de 1890.

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Estamos agora em 1797. Notícias estatísticas indicam cerca de 2100 habitantes na Freguesia,

basicamente ocupados com a cana: 700 africanos, 330 agricultores, 550 mulheres brancas, 400 mulatos livres,

14 tropeiros, 9 comerciantes, 4 padres e uma dúzia de mendigos. Saltou o quinhão populacional dos escravos,

enterrados, aliás, do lado de fora da igreja. Dentro, só os brancos. Documentos da época demonstram que, com a

cana, os maiores senhores locais haviam passado de 13, 11, 9, 8 escravos a ter 55, 27, 24, 21 escravos,

números suficientes ao trabalho de engenhos de bom tamanho. Os engenhos, por sua vez, sendo três quando

da fundação da Freguesia, agora numeram quase quarenta. É divergente o número de casas no lugar: 230 a

400. Mas os estudiosos concordam que obedeciam ao arruamento determinado pelo Morgado. E a Freguesia já

produzia 17 mil arrobas de açúcar. Emancipa-se do Desterro de Jundiaí: vira Vila.

Para ser Vila, um lugar precisava de “homens bons” - gente com renda - para formar um conselho de

preenchimento de cargos públicos: juízes, vereadores, procuradores, etc. A maioria dos 60 “homens bons”

campineiros era gente da cana. Estes homens requerem a instauração da Vila dizendo-se “vexados em servir os

cargos da República” na vila do Desterro de Jundiaí por morarem “desviados da mesma oito, dez, doze e qua-

torze léguas”, e, assim, ao se distanciarem, “experimentavam gravíssimos prejuízos em suas lavouras, pois eram

engenheiros”. Engenheiro significava dono de engenho. “Minoria poderosa que logo se torna governante” foi como

um historiador referiu-se a esta gente. O governador, dizendo-os “capazes de ocupar os empregos públicos da

Câmara” sem a ida a Jundiaí, aceita o requerimento. E aqueles homens marcam o feito com um ato: fincam um

pelourinho diante da igreja. A grossa estaca de madeira portava uma inscrição tosca e rude da afirmação do poder

local: a vila se assentava no mundo de senhores e escravos, engenhos e canaviais, chibata e pelourinho.

Na verdade, a penetração do açúcar em Campinas fôra facilitada pela abertura de um caminho para

Itú, maior lugar da principal área canavieira paulista: o Quadrilátero do Açúcar, cuja geografia abarcava

Campinas. Inicialmente, a Vila recente não acompanhava o volume da produção ituana, que registrara 50 mil

arrobas na época da elevação campineira a Vila. A situação vai se revertendo. Em 1818, as duas vilas empatam,

cada uma produzindo 100 mil arrobas de droga; em 1836, a realidade é nitidamente diferente: 90 mil arrobas

ituanas contra 160 mil arrobas campineiras. Aqui, já existiam 93 engenhos. Também produzindo muita cachaça,

naturalmente. Contemporâneos retratam a então paisagem de Campinas: “seus arrabaldes são agradáveis em

razão dos sítios cultivados e da multiplicidade de casas e engenhos de açúcar”; “já não me encontrava mais nos

desertos (...) encontrava viajantes, passava constantemente diante de terrenos cercados e de imensas

plantações de cana de açúcar, (...) num espaço de três léguas (...) encontrei mais de meia dúzia de engenhos de

açúcar”. Porém um deles afirma: “ainda há léguas e léguas de terreno inteiramente coberto de mato virgem”.

Isto não significa disponibilidade territorial para a expansão fundiária. Nos primeiros anos

oitocentistas, Campinas recebera migração de famílias inteiras do Vale do Paraíba. Mas, na época da

Independência, um francês cá hospedado afirmava já não serem “suscetíveis de grandes divisões” as terras dos

engenhos, fato a dificultar mais imigração; e diferentes estatísticas populacionais montadas entre 1818 e 1838

indicam uma estabilização na faixa de 7 mil habitantes, localizados essencialmente na área rural, representando

metade deste número o contingente cativo. Uma pausa: enquanto se expandia o açúcar campineiro, o

Deputado paulista José Bonifácio enviava à Assembléia Constituinte do Império recém estabelecido uma

Representação sustentando a impossibilidade de convívio entre a escravidão e uma constituição liberal.

Lamentando a “cobiça cega” responsável pelo crescimento da escravatura paulista e pelo “péssimo

método de destruir matas e esterilizar terrenos em rápida progressão”, preconiza o fim da lavoura escravista,

pois este regime também criaria uma raça de inimigos dentro da Nação. Mas a Constituinte é dissolvida, e o

Patriarca preso e exilado. Volta e fica tutor do Imperador menor de idade. Só que o regente era outro: Padre

Feijó, deputado por Campinas; e Bonifácio morre sem concretizar seu sonho de uma nação de pequenos

proprietários e de cidadania multirracial. Voltemos à Vila campineira, cuja Câmara Municipal logo se

preocuparia em pedir a isenção de recrutamento dos filhos dos senhores, pois eles seriam necessários como

feitores nos engenhos; e em solicitar a mesma isenção para os senhores, para estes poderem então melhor controlar

possíveis escravos insurretos; e em pedir, de uma vez por todas, dispensa geral de recrutamento em Campinas,

sugerindo mesmo que o Estado fosse buscar soldados em paragens com menos escravos; e, finalmente, em

baixar posturas municipais proibindo o ajuntamento de escravos na área urbana, onde se construíam

sobrados pertencentes aos senhores da terra, construções finalmente adornadas, cheias de prataria, localizadas

onde se levantava uma nova matriz, pois a provisória e inicial Capela já era vista pelos contemporâneos como

“pequena e mesquinha” e “bastantemente arruinada”. A nova Matriz não deixa de traduzir expectativas de

crescimento urbano: situava-se fora da área já ocupada; ficava em terreno plano, significando uma área de

ocupação exterior aos córregos que margeavam as pequenas concentrações originais dos primeiros

povoadores, como a do largo a primeira capela; e tinha por vizinhança sobrados de poderosos, como o do Co-

mandante da Vila, enobrecendo a nova área. Um viajante francês assim viu o núcleo urbano da Vila: “suas

ruas não são muito largas e suas casas são novas, unidas umas às outras, cobertas de telhas, e construídas, em

sua maioria, com terra socada (...) Quando da minha viagem (...) era intensa a construção de casas”. Também

se construía uma terceira igreja, a formar mais um largo na cidade. Foram aparecendo as primeiras casas com

tijolos, com vidros, e se abrindo novas ruas e travessas.

O açúcar é em Campinas a fase de construção da cidade, havendo ruas com pouquíssimas

casas, mas tendo muito espaços já murados, a indicar futura ocupação. Em 1840, as ruas de Baixo, de

Cima e do Meio tinham respectivamente 62, 73 e 60 casas, sendo menor a quantidade nas ruas mais recentes.

Na rua do Meio foram se situando os estabelecimentos comerciais; e só em 1835 foram solicitados 173

alvarás para o funcionamento de vendas, armarinhos, armazéns de secos e molhados, botequins e farmácias

em vários pontos rurais e urbanos da Vila. Ainda assim, a diminuta urbe se movimentaria mais aos domingos,

dia de comungar: Vi passar (...) um grande número de lavradores homens e mulheres, que vinham a cavalo as-

sistir à missa; a vila encheu-se de povo”. Ou então, em dias de feira, quando se compravam, por exemplo,

os dois bens mais importados por Campinas dos tempos do açúcar: escravos e sal.

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Foto: Rua Dr. Quirino (antiga Rua do Meio) –1898/1899.

Por quase setenta anos, Campinas produziu a principal droga paulista. Em certo momento, alcançou

a maior posição agrícola de província. Inseriu-se no mercado mundial devido às exportações de açúcar.

Houve mesmo estudiosos que mencionaram mais de mil casas na vila. Mas nada disso evitou o comentário de

um cônsul estrangeiro feito na atmosfera cafeeira da década de 1860: Campinas do açúcar seria ‘ainda uma cida-

de sem importância”. É que na verdade a produção açucareira paulista jamais passou de um quadragésimo das

exportações nacionais do produto, a ponto de um historiador simplesmente declará-la “minúscula”. E nem

Campinas foi a única vila do açúcar, pois a cana gerou uma rede urbana bem mais vasta.

Mas o entendimento da história local não deve acuar-se diante de arrobas indubitavelmente ínfimas

no montante nacional. Se os critérios de relevância histórica fossem exclusivamente matemáticos, as vilas paulistas

do açúcar, Campinas à frente, só exalariam insignificância; e Feijó seria uma anomalia. Desde o fim da Colônia

despontando como boca de um sertão potencialmente sediador da ressurgente expansão agrícola do país, fato

reforçado pela geografia, pois o litoral paulista encontrava a serra a barrar a ampliação da lavoura,

Campinas passará o tempo do açúcar, desde a Freguesia, a germinar os alicerces de sua projeção em breve

nada minúscula: a propriedade agroexportadora, o recurso contumaz à escravidão, a formação de uma elite

agrária de peso, e uma urbanização derivada de motivos rurais, conformando-se mesmo o atual centro da cidade. O

largo da primeira Capela, ao longo da cana recebendo os foros dos poderes existentes - o poder

eclesiástico no templo, a Casa da Câmara e a Cadeia com grades de pau representando o Estado, o Pelourinho

simbolizando a justiça senhorial -, forma hoje o Largo do Carmo, onde desembocam as três ruas da Freguesia:

Luzitana, Dr. Quirino e Barão de Jaguara. Esta área inicial ligava-se a outro dos núcleos primitivos do Bairro, o

atual Largo da Santa Cruz, por uma ponte, depois Rua da Ponte, hoje rua Major Sólon.

Durante a expansão da cana, o Caminho deixa de ser o referencial maior da vida campineira e o viajante vindo

de São Paulo entrará na Vila pela Rua de Cima, a Barão de Jaguara, agora a principal da Vila e eixo de

sua expansão urbana, cujo espaço será demarcado não só pelo largo inicial, como também pelos largos

construídos com igrejas e sobrados: o da nova Matriz é hoje o Largo da Catedral, e o da terceira igreja

chama-se Largo do Rosário. Em frente a este largo, situava-se a Rua do Rosário, com “repetidos espaços murados”

e apenas 32 casas em 1840. Localizada em local plano, recém aberto, longe d’água, a antever a expansão,

atualmente se chama Avenida Francisco Glicério. A Rua da Matriz Nova hoje homenageia um padre: o Regente

Feijó. Em 1842, é reconhecida nas Campinas do açúcar uma configuração urbana, outorgando-se à Vila o

status administrativo de Cidade. Está tudo pronto para a entrada do café: organização produtiva, urbana e

administrativa.

Dois últimos detalhes: o Caminho para Itu será aproveitado pela futura Avenida Moraes Salles; e

de 1797 a 1842 Campinas se chamou Vila de São Carlos.

Foto: Rua Treze de Maio – 1898/1899

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A Civilização dos Cafeicultores

Em 1836, quando Campinas se destacava, do alto de suas 160 mil arrobas de açúcar, como a

grande produtora da cana paulista, o café municipal só registrava 8800 arrobas. A década de 1840, quando

também se eleva Campinas a Cidade, anuncia o café como o primeiro produto de exportação do Império do Brasil.

Como tempos antes ocorrera com o açúcar, o café se difundia no mercado internacional, e Campinas, agora já in-

serida na produção endereçada a este mercado, já equipada de grande lavoura, mão de obra, fertilidade, de

experiência de agricultura de peso, de autonomia administrativa, acompanha a tendência do mercado.

Inicialmente será o Vale do Paraíba o palco do cultivo cafeeiro. Na época da Independência do Brasil, o Paraíba

fluminense margeava uma produção de quase 400 mil arrobas de café, enquanto Campinas e Itú davam suas 100

mil, cada, de açúcar. Posteriormente, o lugar do café será o Oeste Paulista. Mas só em 1854 Campinas irá atingir um

número de café como 335 mil arrobas, chegando a 700 mil em 1860. E na década de 1870, Campinas já seria

considerada o mais rico município da província paulista: a cidade comportava mais de 300 fazendeiros

cafeicultores e exportava, no ano de 1870, um milhão e 300 mil arrobas de café. Também nesta década a província de

São Paulo, particularmente o seu Oeste, ficará com o papel principal da expansão cafeeira do país. E desde

antes, Campinas já era chamada de “capital agrícola da província”. A isto junte-se também a primazia

populacional: o número campineiro era, nesta entrada da década de 1870, de 33 mil indivíduos, enquanto a

capital provincial possuia 26 mil. Um advogado campineiro, Campos Salles, então prediz de sua terra uma

“metrópole agrícola”.

Entretanto, antes de se observar com mais atenção a década de 1870, época em que o Oeste

Paulista, Campinas à frente, sedia um capítulo principal da história do capitalismo brasileiro, sendo mesmo um palco

preferencial de transformações e conflitos que alterarão o cotidiano do trabalho em nossa sociedade, e

mostrando-se também o cenário da organização política de uma elite que posteriormente chegará ao poder

nacional, só o largando após quarenta anos, e à força, valem algumas menções ao destino do açúcar,

responsável pela inserção de Campinas no mercado mundial, e também no capitalismo periférico.

O açúcar, embora cedesse ao café a posição de principal lavoura paulista e apesar também de

nunca haver alcançado os números e os lucros do produto mais recente, definitivamente não largou de ser

cultivado em Campinas. Mas em 1854 sua safra será menor em cinco vezes quanto à cafeeira; e em 1860, diante

de 190 fazendas de café, ficavam ainda 22 engenhos no município, com uma produção de 55 a 60 mil

arrobas.

Quem então passava por Campinas era o português Zaluar. Maravilhado pela paisagem da cidade,

por seu progresso geral derivado do café, o homem só falava de quão impensável seria, tempos antes, quando as

caravanas de tropeiros rumo aos metais de Goiás e Cuiabá ali se punham a descansar em ranchos rústicos,

imaginar aquele lugar como um “empório de riqueza e civilização”, pois era isto o que Campinas lhe parecia em

1860. Seus motivos: “há três fábricas de licores, duas de cerveja, uma de velas de cera, uma de chapéus, três

hotéis, duas casas de bilhares, diversas lojas de alfaiates, sapateiros, latoeiros, caldeireiros, torneiros, marceneiros,

seleiros, armadores, quatro padarias, uma fábrica de charutos, três relojoeiros, três ourives, três retratistas em

daguerreotipo e um a óleo, três pintores hábeis e uma tipografia (...) Há na cidade sessenta e quatro lojas de

fazendas e ferragens, vinte armazéns de gêneros de fora e cento e dez tavernas (...) tudo paga direitos à

municipalidade (...) O comércio é, pois, ativo e florescente (...) é aqui o entreposto de Goiás, Uberaba, Franca e

outras povoações do interior com a corte (...) os Campineiros (...) formam suas associações literárias (...)

aplicam as máquinas ao aperfeiçoamento da produção agrícola (...) não poupam esforços e fadigas para

proporcionar à cidade todos os melhoramentos materiais de que carece (...) no calçamento das ruas e

embelezamento das praças (...) na edificação de um mercado (...) O teatro de Campinas, melhor do que o

da capital, faz honra ao bom gosto e riqueza da população (...) A matriz nova (...) que é edificada (...) promete ser

(...) talvez o primeiro templo (...) da província toda (....) “. O Barão Von Tschudi, o ministro suíço que diante

do café não conseguia ver relevância na Vila do açúcar, visitando Campinas nesta mesma época, informou

só na cidade já estarem instalados 5 ou 6 mil habitantes, dos 21 mil do município.

Mas Zaluar e Tschudi temiam limitações ao progresso proporcionado à cidade pelo café. O

primeiro lamentou o fato de os campineiros não gozarem plenamente dos “regalos que a civilização das

grandes cidades costumava proporcionar”. O “risonho porvir” de Campinas dependeria crucialmente de um

certo auxílio. “Sabeis qual é este auxílio? É a estrada de ferro”, ele mesmo esclareceu. Esta, uma vez construída,

abriria, “como por encanto”, os “fecundos mananciais de riqueza pública”. Tschudi considerou a ferrovia uma

“questão vital para Campinas”. Ele evocou a realidade do comércio local em sua defesa dos caminhos de

ferro, pois Campinas se tornara um “centro comercial de algumas comarcas distantes”, situadas dentro e fora

da província. Assim, com a ferrovia, a atividade comercial tomaria “novo incremento”. E a agricultura avançaria

mais, Oeste adentro. Em linhas gerais, é possível concordar com estes senhores quanto à importância e ao

impacto da ferrovia sobre a economia local: estava em jogo a própria expansão da lavoura cafeeira. Eram

altos os custos representados pelo transporte e pelo escoamento da produção até o porto de Santos.

Basicamente crescendo, o café ainda precisava ser transportado nas estradas de barro e terra que há muito

serviam ao escoamento do açúcar. Por aquelas vias deveriam passar tropas formadas por burros, jegues e

mulas cheias de cana e café. Chegou-se à adoção de carroças que pudessem transportar maiores volumes.

Eram movidas a bicho, naturalmente. Entretanto, os contemporâneos sempre mencionam grandes perdas:

burro atolando, mula morrendo, carroça quebrando, carroça estragando estrada de terra, produto apodrecendo,

levando quase duas semanas para chegar ao porto etc. Mais: predominavam as estradas impossíveis de

serem transpostas por carroças. Disse uma historiadora que algumas estradas eram “tão estreitas que tinham

apenas a largura necessária para uma mula carregada”. Os plantadores de café simplesmente não

conseguiam exportar a totalidade das safras. Em 1867, o capital particular essencialmente derivado dos

grandes cafeicultores locais funda a Ferrovia Paulista, que entrará a operar em 1872. Segundo um historiador da

cidade, é o “início de uma nova era”.

É que a Revolução Industrial enfim chegara a Campinas. O fazendeiro presidente da Ferrovia,

discursando no dia de sua inauguração, exclamou que o motivo do prodígio do trilho de ferro naquela cidade

foi o contundente “Desapareça a distância!”. O republicano Dr. Quirino, presente àquela cerimônia, despejou

assombro no registro do ato. Segundo ele, quando a locomotiva apareceu triunfalmente no horizonte, teria

acontecido um “estremecimento estranho” naquela “reunião enorme”: era um “férreo galopar”, “é uma coisa

que não se diz”, “sonha-se ou vê-se”, escreveu.

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Foto: Estação da Cia. Paulista e Av. Andrade Neves – década de 1920.

A linha aberta em 1872 ligava Campinas a Jundiaí, de onde se alcançava também por trem a capital

e o porto. Sua extensão era de 44 km, “o equivalente a 7 léguas nossas”, como também escreveu um contemporâ-

neo dirigindo-se a um público secularmente acostumado às medidas dos caminhos de jegue carregado. Em 1875,

a Ferrovia Mogiana será inaugurada em Campinas, aproveitando-se do leito do Caminho dos Goiases.

Depois virá a Sorocabana. O Oeste Paulista se interligava e a Boca do Sertão era agora o maior entroncamento

ferroviário do Império do Brasil. Mais: a ferrovia interferirá diretamente na expansão urbana da cidade, surgindo

casas comerciais e depósitos de café entre o centro da cidade e a estacão. O incremento comercial pode ser ilus-

trado por uma sugestiva propaganda comercial da época: um negociante, “querendo acompanhar o

progresso a que esta boa terra está fadada”, informa, ao “público de Campinas”, “que quando principiar a traba-

lhar a estrada de ferro”, iria mensalmente ao Rio, para poder oferecer “chapéus dos mais modernos gostos”, e,

segundo ele, mais baratos.

O fato é que se diversifica, na década de 1870, a oferta de artigos no comércio local, que à lavoura

dirigirá grande parte de seus estoques. Existiam os depósitos de máquinas agrícolas: ventiladores para café,

separadores, burnidores, despolpadores. O beneficiamento do café, através de processos então avançados, é um

elemento assíduo na memória da época. Vários aparelhos, substituindo o pilão e o carretão, eram confeccionados

no próprio município: arados, grades, etc. Secadeiras mecânicas e classificadores e vapor espalham-se pelas

fazendas locais. E um economista informa em “cerca de 10% acima dos preços internacionais da época”

a cotação do café tratado com estas máquinas. Agora havia também armazéns de ferro, aço, cobre e estanho,

além de vários depósitos de madeira, que serviam à intensa construção civil. Havia lojas concentrando sua

propaganda em artigos importados, sofisticados. Uma delas alardeava ter “produtos americanos, austríacos,

ingleses e franceses”. Relógios Patek Phillippe, vindos de Genebra, eram encontrados na casa “Pêndula

Campinense”, também negociante dos “afamados relógios ingleses James Poole”, que davam “corda sem

chave”. Sediou-se em Campinas o agente geral, para toda a província, das máquinas Singer. E chegaram a

existir, nesta década de ferrovia, mais de 160 armazéns de mantimentos, comestíveis e víveres; isto só nas ruas da

cidade, sem contar os da Praça do Mercado. Alguns vendiam “chocolate francês legítimo” e “manteiga inglesa

superior”. Um certo armazém se dizia a loja ideal para os “senhores fazendeiros do interior, pelo seu

variadíssimo sortimento de gêneros finos”. Outro bazar oferecia chapéus de lebre, de feltro, de pelo de seda,

além da última moda em chapéus: os chapéus “à republicano”. A “Bota de Ouro” vendia-se como o “maior

depósito de calçado nacional e estrangeiro”. A casa “Ao Gaúcho” importava roupas de Paris. Também se

vendia a banha circassiana, “para remoçar as moças um pouco idosas”. “Leques superfinos” de marfim e

tartaruga se achavam no Largo do Rosário. Na Rua Direita, antiga rua de Cima, existia um depósito de

pianos mensalmente recebidos “em direitura da Europa”. As lojas variavam os artigos. Uma tinha revólveres e

espingardas, rapé, oleado para mesa, “papel pintado para forrar salas”, cimento. E “tetéias para crianças”. O Bazar

“Paraíso Terrestre” buscava chamar os fregueses anunciando artigos de “haute nouveauté”; e oferecendo

gratuitas aplicações de choques elétricos em pessoas com convulsões nervosas.

O movimento comercial terá seu vulto também ligado à industrialização então em curso na cidade.

Do fim da década de 1850 datavam os primeiros estabelecimentos industriais: a fábrica de chapéus

Bierrembach e a Fundação Faber. As fundições terão grande impacto no mercado local devido ao

beneficiamento do café e às ferrovias. A Fundição McHardy, girando com capitais de cafeicultores, construiu

a Mogiana. A Anderson supriu a Ferrovia Paulista. A Imperial Ferraria, Oficina Mecânica e Fundição de Ferro de

Sampaio Peixoto produzia ferragens para veículos de condução, além de engenhos de serrar madeira, rodas

hidráulicas de ferro, turbinas e centrífugas para purificar açúcar e máquinas para o café. Sampaio Peixoto também

tem sua olaria agraciada com o título de Imperial por D. Pedro II, pois de 1867 a 1872 ela fabricara seis milhões de

tijolos. A fundição Bierrembach produzia despolpadores e ventiladores para a limpeza do café, brunidores

para a escolha dos grãos e elevadores para o transporte do café às outras máquinas. A fábrica de chapéus

Bierrembach, além de não ser a única a vapor na cidade, causou impressão em Pedro II, que a visitou. Nas notas

da sua viagem, o Imperador acusou uma produção diária de 300 chapéus nesta fábrica. Uma oficina

carioca de máquinas chegou mesmo a dirigir propaganda a Campinas dispondo-se a “montar es-

tabelecimentos industriais de qualquer natureza”. Campinas tinha ainda fábricas a produzir calçados,

carruagens, fogos artificiais, cigarros, peneiras de arame, “papel para letras”, colchões, patins, móveis, gelo, sa-

bão, louças e vidros.

A cidade segue mostrando um aparato urbano até então inédito. Abriram-se restaurantes com

nomes franceses e italianos. Um historiador local verá a “elegância requintada da cidade”: as “louças chinesas,

os móveis egípcios, tudo Campinas possuiu”. A cidade se embeleza, se ajardina. A Fundição Lidgerwood vai

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fazer um coreto para o Jardim Público. Também virão os chafarizes. Virão casas de banho. Hotéis se instalarão.

A cidade sediava quatro representações consulares de países estrangeiros. Abrem-se hospitais e casas de

saúde. Já na década de 80 vai se instalar o serviço de hidroterapia num dos hospitais. Na mesma década, funda-se

o Instituto Agronômico. Em 1875, o gasômetro da cidade é aberto pela Companhia Campineira de

Iluminação a Gás. A cidade ficará interligada por bondes. E a Matriz Nova vai ser finalmente concluída. Abre-se o

Mercado de hortaliças. Inaugura-se o Matadouro Municipal. Funda-se o Banco Comercial e Agrícola de Campinas.

Mais agências bancárias vão se instalar na Cidade. Campinas vai ter um hipódromo. A cidade se via em meio a

novidades. Em 1886, na estação da Paulista, experimenta-se a luz elétrica fornecida por um dínamo de 700

rotações por minuto. Em 1876 um aeronauta mexicano sobe ao ar num “balão de ar quente e fumo de combustão de

lenha, sem válvula alguma”. Todos ficaram boquiabertos. Levantou-se o Rink Campineiro, local público de patinação.

A indústria e o comércio, aliás, punham ao público patins e “chapéus para rinkar”. No rink também fizeram-se

exibições do fonógrafo, do microfone e do telefone. Um jornal local desafiou: “Vinte contos de réis para quem

provar que esta máquina não reproduz a voz humana”. Em 1884, começaram as linhas telefônicas na cidade. É

criada a Empresa Telefônica Campineira. “Campinas era uma cidade”, disse uma escritora que vivenciou

aquela época.

De fato, as décadas de 1870 e 1880 formaram uma época de inaugurações, sempre tratadas triunfalmente

pela imprensa contemporânea. A julgar pelos registros jornalísticos daquele tempo, a cidade passou aqueles dias

ornada e embandeirada, sob contínuos estrondos de fogos de artifício usualmente acompanhados da presença

musical de bandas locais e de inflamados e floreados discursos de uma elite a permanentemente empregar os

termos progresso e civilização para caracterizar o grau de desenvolvimento atingido por Campinas. Era realmente

inédito o aparato urbano exposto na cidade: a ferrovia vencendo o secular problema da distância, hospitais

experimentando recentíssimas terapêuticas, casas bancárias facilitando o acesso a créditos e financiamentos,

companhias de transportes urbano diminuindo as distâncias dentro da própria cidade, profissionais de nível

superior buscando atrair clientela através de estratégias de propaganda —um dentista anunciava aplicar cocaína em

seus pacientes devido às qualidades anestésicas deste pó—, gente da elite se organizando em prol de um

estabelecimento modelar de ensino, resultando no Colégio Culto à Ciência, e também em prol de iluminação

pública, de gasômetro, além do persistente incentivo à vinda das mais fortes novidades tecnológicas daqueles dias,

como o fonógrafo e o telefone. A regra geral era os cafeicultores, proprietários, comerciantes, advogados, médicos e

outros indivíduos de posse se organizarem financeiramente para atraírem estes marcos de radical novidade. E, além

de tudo isto, a mecanização da agricultura. Eram, sem dúvida, inovações alteradoras do próprio cotidiano

daquela sociedade: a principiar pela opção de não se manter a cidade como um mero ponto de reuniões

domingueiras. A elite local soube também organizar-se politicamente: Partido Republicano e Clube da Lavoura bem

exemplificam.

Mas nestas décadas de revolução industrial e tecnológica em Campinas, também tempos em que os

republicanos locais sempre faziam do “progresso ianque” uma matéria recorrente de pregação, e em que um

campineiro embevecido ia à imprensa escrever estar vivendo a “época do Renascimento do Brasil”, incontáveis

cadáveres negros aparecem boiando nas águas do município ou dependurados em suas árvores, enforcados.

Diante desta contraface da terra da civilização, Júlio Ribeiro, o escritor, apenas disse de

Campinas: “é uma cidade-negreira”. Não sem razão. Campinas construíra seus atestados de opulência pela

intensidade do trabalho escravo — e este é um fato básico. A década de 1850 situa a intensificação da

produção cafeeira local. É justamente quando o Parlamento Imperial vota e aprova o combate efetivo aos

desembarques de navios negreiros. Os senhores de Campinas fazem uso da escravaria localizada no município

desde o tempo do açúcar e importam escravos de outras províncias, assim resolvendo o impasse da interrupção

da maior possibilidade de reposição de força de trabalho escrava naqueles tempos de expansão agrícola.

Em 1871, a Lei do Ventre Livre suprimia a possibilidade da reprodução biológica dos contingentes cativos. Prever

o fim da escravidão já não era mais um exercício de futurologia. Só que agora a ferrovia fazia expandir a

lavoura do café. Referindo-se a Campinas, um jornal do Rio de Janeiro dirá da cidade: “síntese do Império

do Brasil”. A alcunha tinha motivo apologético, mas revela um segundo dado básico: Campinas expande-se

com escravos no exato momento da desescravização do Império. A população cativa de Campinas crescerá

em 30% de 1854 a 1886. O município vai guardar a mais alta proporção entre livres e escravos no universo

paulista, pois, em pleno momento de desescravização do País, 50% da população local era cativa (em 1872,

cerca de 15 mil escravos), sendo também Campinas, em termos numéricos, o maior município escravista da

principal área produtiva do país. Outras regiões do Oeste Paulista chegaram a aumentar em mais de 200%

sua população cativa. Mas não superaram, em números absolutos, a população escrava de Campinas.

Assim, quem recebeu de um jornal abolicionista a alcunha de “capital da escravaria” foi Campinas. Mais:

o município foi o maior mercado comprador e distribuidor de escravos da província paulista, e constituiu-se tam-

bém numa sede da repressão armada aos escravos da região de Campinas.

Há também um fato a não esquecer-se: Campinas, sem prejuízo de sua concreta adjetivação de

município agrícola, torna-se um palco inquestionável da escravidão urbana. Na diversidade do uso urbano da

escravidão, Campinas se equipara aos palcos consagrados deste tipo de cativeiro: Rio e Bahia. Em Campinas, os

escravos serão encontrados nas mais diversas situações funcionais: padarias, hotéis, fundições, fábricas, olarias,

hospitais, lojas, construção civil, obras da ferrovia, residências, escritórios, alfaiatarias e ao ganho. A imprensa

veiculava anúncios de feitores para o trabalho em fábricas, a Imperial Olaria sempre buscava alugar escravos, o

mesmo fazendo alguns hotéis, além, também, do hospital dos bexiguentos empregando escravos como

enfermeiros, da ferrovia arregimentando trabalhadores escravos e da fábrica Bierrenbach aproveitando-se de

escravos chapeleiros.

É comum detectarem-se referências, entre estudiosos, à “mentalidade capitalista e progressista” da

elite senhorial local. O fato é justificado pelo dinamismo com que esta elite conduziu a economia cafeeira. Mas

o recurso às práticas tradicionais da dominação escravista será muito comum no município, tanto no campo como

na cidade. Os anúncios de fuga de escravos publicados na Gazeta de Campinas revelam, diante de toda aque-

la modernidade, a tradição imperante: o escravo campineiro tem “ganchos e ferros no pescoço”, “sinais

de chicotadas nas costas”, “sinais de castigos nas nádegas”, “enduração”, “queimaduras”, “marca de

cáustico ao peito”, “hemorróidas sangradas a ponto de andar com as calças úmidas”, “tornozelos inchados”,

“pés estragados de bichos”, e “sinais de surra”. Poucos negros repetem o feito de um escravo chamado

Tibúrcio, “que não tem no corpo sinal algum”. As mecanizadas fazendas locais não abriam mão de suas

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casas de tronco e do trancafiamento noturno dos escravos dentro dos quadrados, como por aqui eram designadas

as senzalas. Enquanto isso, o republicano Dr. Quirino falará da cidade, do fenômeno urbano, como “o primeiro

ponto de partida para o estabelecimento de um povo”.

Só que a cidade, construída à luz européia, símbolo da civilização local, era restrita a brancos. Posturas

municipais impediam o ajuntamento de escravos em locais públicos de diversão, proibiam a “pretos e escravos” a

prática de suas danças na cidade, exigiam o passe e a autorização do senhor para que escravos

caminhassem pelos logradouros urbanos, restringiam o uso de escravos nos estabelecimentos comerciais, impu-

nham o toque de recolher aos cativos, que depois de certa hora seriam presos se estivessem vagando sem

autorização senhorial pelas ruas. A rua Direita, antiga rua de Cima, atual Barão de Jaguara, era também chamada

de rua dos Senhores, e o escravo que por ali fosse pego poderia ser cruamente castigado.

No ambiente do fim da década de 1880, a produção local se desorganiza, pois ocorrerão em Campinas,

organizados pelos abolicionistas radicais, as fugas em massa das fazendas, assunto que precipitará, politica-

mente, a assinatura da Lei Áurea. A matéria é também levada ao Parlamento pelo Barão de Cotegipe, que

enxergava uma “propaganda da anarquia” coagindo senhores de “comunhão liberal” a libertarem seus escra-

vos ou, do contrário, a viverem em insegurança, pois estavam sujeitos à “propaganda subterrânea” que se

configurava nas fazendas. E, neste momento, Júlio Ribeiro, o escritor, seguia redigindo sua propaganda pública

criticando os republicanos e os cafeicultores da cidade, dizendo: “Campinas é o meio menos apropriado ao

desenvolvimento da idéia republicana (...) verdadeiramente democrática, igualitária (...) cada fazendeiro é um

solarengo, senhor de fato de baraço e cutello (...) a máxima parte da população livre campineira é (...) habituada a

mandar com império, e a ser obedecida sem restrições (...) e não pode ter idéia da igualdade prática dos direitos

humanos (...) Sem que se acabe com a escravidão, sem que se divida a grande propriedade, Campinas não

será republicana”.

1888: Abolição. 1889: República. 1890: Os carros da Prefeitura percorriam a cidade recolhendo

cadáveres abandonados nas ruas; houve hora de chegar-se ao recolhimento diário de 25 a 40 corpos;

queimavam-se barricas de alcatrão ininterruptamente; as vias públicas foram cobertas de piche; os cortiços eram

invadidos pelo poder público, seus moradores sendo desalojados; o largo do Rosário sediava comícios populares

contra as autoridades locais; muitos fugiam; a cidade é abandonada; a população reduziu-se de 20 mil para 5 mil

moradores; a morte rondava a cidade, ceifando-a. Era a febre amarela que se alojara em Campinas logo após

a queda da Monarquia. Gente entre o povo encarou o fato como castigo do Céu, pois a cidade em muito

contribuíra para o destronamento da Regente e do Imperador redentores dos escravos. Libertos e imigrantes, em

1888 e 89, afluíram para a cidade. Entupiram os cortiços. Mas a cidade não tinha esgoto. Era cercada por brejos e

córregos. Faziam-se aterros com os lixos e detritos da própria cidade. Negros, portugueses e italianos

prosseguem reforçando a população de uma cidade sem defesa de salubridade e endividada com os

melhoramentos da modernidade, sem recursos para o saneamento. Bastou chover, e vieram os mosquitos

pestilentos. Causam os insetos uma endemo-epidemia de quase uma década. Decretou-se um estado de sítio

sanitário. Muita gente sai às ruas a protestar. O Estado de Calamidade conferia enormes poderes aos agentes

sanitários: podiam entulhar privadas, prender quem não entregasse os defuntos ao poder público, multar quem

deixasse porcariada nos quintais, dar ordem de caiação de casas, de desinfecção de moradas. Prendiam quem

impedisse a desinfecção de fossas. Interditaram e desinfectaram os mictórios públicos. Incineraram os ratos.

Interditaram os hortigranjeiros vendidos pelas classes populares. Fiscalizavam o asseio das casas, nelas entrando

a qualquer hora. Campinas recorre ao Governo do Estado. Chegam créditos astronômicos. Vem a

Companhia Campineira de Águas e Esgotos e instala destinações de esgotos sanitários. Vem a lei estabelecer

normas de ocupação do limite urbano: critérios de ventilação das casas, de espessura de paredes, de altura

dos pavimentos. Proíbe-se a construção em áreas molhadas. Cria-se sistema de captação de águas pluviais.

Planeja-se a destinação do lixo. Drenam-se os charcos da malha urbana. Vem a canalização subterrânea

dos córregos. Em 1896, o número populacional prosseguia baixo. Em 1897 é oficialmente debelada a

epidemia. Em 1898, um viajante desembarca na elegante estação ferroviária e vê ruas “extremamente

asseadas, muitas calçadas a paralelepípedos (...) e com passeios cimentados”. A cidade se recuperara.

Estava pronta para ocupação. Em 1900 a área urbana já retornará aos quase 20 mil indivíduos. Estava

saneada. Mas irreversivelmente perdera para a capital do estado a primazia do desenvolvimento paulista. E

muitas cidades, como São Carlos, Araraquara e Jaboticabal, haviam crescido às expensas da peste amarela

campineira.

Século XX, primeiras décadas. O século se abre com o trânsito despontando como um problema

urbano. As estreitas ruas da cidade eram partilhadas por bicicletas, carroceiros, cavalos, condutores de

veículos de praça, gente a pé, bondes movidos a burro e alguns outros à base de tração elétrica. A imprensa

reclama dos animais na cidade: além de provocarem atropelamentos, defecavam pelas vias públicas,

reforçando o trauma da recente epidemia. Os cortiços, apesar das desinfecções há pouco registradas,

continuam existindo, alojando negros, mulatos, brancos pobres e imigrantes. Descrições destes prédios

ressaltarão os cômodos de tijolos à vista, com fogões de tijolos no mesmo cômodo da cama e da mesa, e também

banheiros coletivos. Alguns cortiços localizavam-se em áreas centrais como a rua Culto à Ciência, Travessa

Rodovalho ou próximas à Praça Carlos Gomes, onde, aliás, um jornal dos negros iria denunciar, já em plenos anos

20, o impedimento de os negros por ali transitarem. Em 1912, a iluminação pública já será elétrica, após ser fundada

a Companhia Campineira de Iluminação, Luz e Força. Neste ano contam-se cerca de oitenta es-

tabelecimentos industriais na cidade. O café segue reinando, enfrentando não só os problemas de

comercialização oriundos da febre amarela, como também crises nacionais, feito o Encilhamento. Em

comparação com o ritmo das transformações do século XIX, as três primeiras décadas do século XX

demonstram-se um período de modestas repercussões: apesar de alguma industrialização, facilitada

inclusive pela eletrificação, a cidade não chega a caracterizar-se como industrial. Em 1909, a população do

município era de 100 mil pessoas. Em 1920, serão cerca de 115 mil habitantes em todo o município. A população

negra e mulata, que cincoenta anos antes representava, somados escravos e livres de cor, 70% da população

total município, agora não atingirá 20%: uma mortalidade muito alta, a vinda de imigrantes europeus

engrossando a população branca e a própria migração, voluntária ou forçada, para outros municípios

explicam o fenômeno. Para estas décadas, são ainda relevantes a atenção dada ao cultivo do algodão, a

formação de bairros residenciais, muitas vezes operários, instalados em áreas de velhos ou improdutivos

cafezais, o ingresso, como elemento constante na paisagem local, dos automóveis, e, finalmente, a chega-

da das estradas de rodagem.

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Foto: Avenida Andrade Neves – 1919.

O Início do Presente

1930. É deposta a república do café. Com sua pregação jornalística e literária, Júlio Ribeiro, vivendo

num país de bacharéis e analfabetos, não conseguira impedir que políticos campineiros, como Campos Salles e

Francisco Glicério, gerissem os assuntos dos Estados Unidos do Brasil. Nem os tenentes de 1922, e nem Luís Carlos

Prestes, Juarez Távora e Cordeiro de Farias iriam desalojar o poder paulista do Palácio do Catete. Só Getúlio

Vargas o faria, agora implantando no país uma nova idéia de modernidade: indústria de base e direitos

trabalhistas. Estavam depostas as máximas de Washington Luís — “governar é abrir estradas” e “a questão operária

é caso de polícia”. Em breve acabaria o ideal paulista do federalismo, importado dos norte-americanos. O

Estado Brasileiro irá centralizar-se. São Paulo se levanta em armas. Campinas entra na guerra constitucionalista. Em

troca é literalmente bombardeada. Pouco adiantara a aliança da Pátria Paulista. Getúlio queima pés de café. E já

ocorrera a quebra nova-iorquina de 1929, o café sendo aqui substituído pela experiência algodoeira, existente

desde os tempos imperiais como cultura secundária diante do café. O algodão se dota de certo fôlego entre 1910

e 20, sendo matéria básica de indústrias têxteis favorecidas pela eletrificação, e também aproveitando-se da

tecnologia do Instituto Agronômico de Campinas para sua efetiva transformação em “commodity”. Não será

Campinas a área principal dos algodoeiros. Perderá para Prudente e Rio Preto. Mas sediará o maior parque de

beneficiamento do produto em São Paulo, e também localizará companhias importantes no fabrico dos óleos

vegetais. Seguia a industrialização a ocupar quase seis mil operários em 1939, lotados em 100 fábricas, muitas de

importância nacional: chapéus Cury, fogões Dako, lápis Johann Faber, alimentos Swift. Diante da

debacle do café, a base da produtividade campineira se reestrutura alicerçada por razões históricas; a

existência daquela confluência de estradas ferroviárias e rodoviárias abertas pelos governos dos cafeicultores

e seus republicanos, a posição de centralidade regional daí configurada, a intermediação geográfica de

Campinas entre a capital e o interior, a estrutura de serviços montada na segunda metade do século XIX, a

ascendência sobre as áreas atingidas pelas ferrovias Paulista e Mogiana. De 1930 a 40 as atividades

urbanas em Campinas — comércio, indústria e serviços — já serão mais relevantes do que as rurais. E a cidade

desde então se transforma no segundo núcleo manufatureiro do estado: perdia para a área metropolitana da

capital. Em 1930 morarão 60 mil habitantes na área urbana, espalhados pelo centro e seus arrabaldes, estes

constituídos por bairros operários — Vila Industrial, Guanabara, Proença etc — e áreas de pequenos sítios.

Os latifúndios, aliás, continuariam a ser loteados, fenômeno que ganha corpo após 1936, com a Adutora do

Atibaia ampliando a área abastecida de água. Na verdade, a cidade já suplantara suas fronteiras da virada

do século: os leitos ferroviários. E a Prefeitura orientava os arruamentos dos loteamentos recentes, muitos com

traçado definido antes de sua efetiva ocupação. O centro da cidade terá sua função comercial e

administrativa bem reforçada nesta época, particularmente após o assentamento de bairros estritamente

residenciais. E fica também assentada a característica radial da cidade, que quase homogenamente vai

contornando o antigo centro urbano configurado nos tempos do açúcar e do café, com ruas estreitas,

retas, compridas e quadras formando “um tabuleiro de xadrez planimétrico”, como definiu um arquiteto. O

centro, na verdade fôra o resultado da construção de uma cidade cafeeira. Mas a agricultura não era a

atividade que os homens da época queriam dominante. O tempo era de tentativa de ruptura com a

dependência em relação ao setor agrário. O crescimento da cidade agora se pretendia de base industrial,

atividade naturalmente adensadora de população. Além disso, o próprio adensamento de camadas médias e

operárias questionava a conveniência das estreitas ruas centrais para os símbolos dos novos tempos, como,

por exemplo, o automóvel. Campinas se formara como cidade agrária. A tendência agora era a de

industrializar-se. E, para isto, chegara-se mesmo a expulsar do poder os homens do café.

Diante da nova ordem política e da contundente intenção industrial, é contratado, em 1934, o

escritório do urbanista Prestes Maia para promover um novo planejamento urbano de Campinas. A filosofia do

urbanista terá basicamente os seguintes alicerces: uma cidade necessariamente carece de rápidas possibilidades

de comunicação interna, pois o ritmo do tempo é o da indústria; uma cidade deve ter suas funções definidas

espacialmente — lazer, administração, residência, etc; uma cidade deve também estabelecer os espaços de

sua futura expansão, do contrário se atrofia. Vêm então as obras de alargamento das avenidas centrais da

cidade, com várias desapropriações e também as normas de verticalização. Estes aspectos traduzem a

necessidade de multiplicação dos espaços funcionais dentro do espaço originariamente existente. Além disso,

uma cidade caracterizada historicamente como ponto de passagem e de convergência das rotas terrestres

principais de áreas paulistas, mineiras e matogrossenses deveria ensaiar fazer de seu apertado centro

também uma rota de comunicação dinâmica. Assim, ocorre a histórica ironia de em pleno Estado Novo,

ordem portadora de uma nova concepção de modernidade, demolirem-se muitos dos símbolos e também

muito da cidade construída pelos homens depostos por Getúlio.

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Foto: Rua Conceição esquina com Av. Francisco Glicério – década de 1940.

Além disso, foram prolongadas vias que permitissem o livre fluxo de tráfego rodoviário. A cidade

agora não era só de ferrovias cafeeiras. E mesmo áreas de lazer, como o Bosque dos Jequitibás, foram adaptadas

para permitir o caminhar de automóveis, que exigiam as perimetrais previstas por Prestes Maia. O plano Maia não

será, entretanto, implantado de uma única vez. Sua elaboração dá-se em um quatriênio e sua projeção englobava

pelo menos 25 anos. Assim, um momento particularmente necessário à compreensão do fenômeno urbano de

Campinas inicia-se com o fim da Segunda Guerra Mundial e a deposição de Vargas. De 1945 a 1955 a área

territorial urbana de Campinas cresce em mais de 200%; e após 1950 a população urbana vai praticamente

dobrar a cada década. Neste último ano, são 100 mil indivíduos na cidade (mais 30 mil no resto do município). A

cidade irá receber os estímulos da industrialização dos tempos desenvolvimentistas de J.K.. Neste momento, o plano

Maia volta à cena, revisado por uma nova comissão de urbanismo. O trabalho anteriormente realizado não

conseguira impedir congestionamentos. E agora o símbolo da época é a indústria automobilística. Derrubam-

se só nas avenidas Glicério e Campos Salles, 45 prédios. Entre eles a Igreja do Rosário, dos tempos da Vila do

açúcar. Doravante a paisagem é de arranha-céus. E ainda de avenidas congestionadas.

Foto: Região Central, uma das primeiras fotos aéreas de Campinas – 1953.

* Fernando Figueira de Mello

Historiador

Centro de Memória – Unicamp

Campinas - Subsídios para discussão do Plano Diretor – 1991

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O PLANEJAMENTO URBANO EM CAMPINAS

Histórico dos Planos Urbanísticos e Planos Diretores de Campinas

Em Campinas, podemos identificar na década de 30 a primeira iniciativa voltada para o

urbanismo enquanto ciência, disciplina consolidada somente a partir do século XX, portanto quando a

cidade já existia.

No início da década de 30, com a crise da economia cafeeira, cresce a importância dos negócios

imobiliários na cidade e com ela a perspectiva de expansão e intensificação da urbanização.

A necessidade de se estabelecer um horizonte seguro para as inversões de capitais (advindos

da economia agrária) levaram à contratação de Prestes Maia – engenheiro e urbanista - para a

elaboração do Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas – 1934 a 1938, instituído pelo Ato 118 de

1938 do Prefeito João Alves dos Santos, lançando as bases do traçado urbano atual e preparando a

cidade para a “era do automóvel”.

Foto: Largo do Rosário.

Esse Plano tem o caráter do urbanismo vinculado à prática e apoia-se nos ideais do

urbanismo “funcionalista” e “higienista”, tendo um enfoque projetual fortemente marcado por conceitos

de estética urbana e valorização da paisagem, representante do assim denominado “urbanismo de

autoria”. Os edifícios e parques públicos são tomados como símbolos monumentais da cidade, em um

ideal de civilidade voltado aos objetos resultantes da intervenção urbanística.

A política ocupa um lugar periférico no Plano, sendo a noção de “cidadania” a de uma

“colaboração política” para se atingir uma “consciência geral”, pautada no discurso da modernidade

que almeja o “progresso” através dos meios técnicos e da racionalidade científica.

No Plano de Melhoramentos a prefeitura é apresentada como isenta, ou apenas como

realizadora das demandas da sociedade civil representada por membros de segmentos mais

influentes da comunidade, como na Comissão de Melhoramentos, constituída com a função de julgar

e aprovar, ou não, as medidas propostas pelo plano. Em momento anterior, no ano de 1933, a

Comissão Municipal de Planejamento, composta por detentores dos mais importantes capitais

fundiários locais, preocupava-se com os rumos da cidade e com a contratação de um plano.

A cidade é então fisicamente definida através da abertura de grandes avenidas

estruturadoras, numa proposta voltada para a constituição do “centro” - que resultou em uma grande

renovação deste, permitindo também condições de acessibilidade para áreas mais periféricas -

sistema radioconcêntrico.

Os alargamentos das vias são estabelecidos na Lei n. 640 de 1951, surgindo assim as

avenidas: Francisco Glicério, Dr. Campos Salles, Dr. Moraes Salles, Senador Saraiva, assim como o

Viaduto Miguel Vicente Cury.

A implantação desse Plano se estende por quase três décadas, tendo sido mais intensa após

a Segunda Guerra. Ainda na gestão de 1960/64, do Prefeito Miguel Vicente Cury, foram realizadas

importantes obras viárias previstas no Plano de Melhoramentos Urbanos. Em 1968, na segunda

gestão do Prefeito Ruy Hellmaister Novaes, são iniciadas a construção do Palácio dos Jequitibás e do

Centro de Convivência Cultural. Em 1972, no governo do Prefeito Orestes Quércia, teve início a

implantação do complexo de lazer então denominado de Lagoa do Taquaral, hoje Parque Portugal,

também previsto no Plano de Melhoramentos.

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Foto: Demolição da Igreja do Rosário.

O processo de ocupação em Campinas, já em 1945, passa a apresentar uma ocupação por

grandes e extensivas ampliações da mancha urbana, fora da malha consolidada e de forma segregada,

cuja tendência se confirma a partir dos anos 50, configurando o primeiro momento da periferização da

cidade, sendo que a ocupação efetiva de muitos loteamentos dessa época poderá levar décadas para se

concretizar.

A implantação de grandes obras/investimentos públicos, como a pavimentação da Rodovia

Anhanguera, na década de 50, bem como a localização de indústrias, principais responsáveis pela

geração de empregos, funcionarão como os principais fatores indutores da urbanização que ocorrerá a

partir de então.

É dessa época um intenso processo de valorização imobiliária de áreas mais centrais, quando

Campinas desfrutava de altos índices de “qualidade de vida”, e o deslocamento, para áreas mais

periféricas, de população mais pobre. Verifica-se também um processo da aquisição de lotes pela classe

média, local ou não, com expectativa da valorização futura. Notadamente na região do Aeroporto de

Viracopos, que, fundado na década de 30, teve seu grande desenvolvimento nos anos 50. Esse processo

acontece através de loteamentos habitacionais aprovados, registrados e nem sempre implantados. A

institucionalização do Código de Obras e Urbanismo, em 1959, viria no sentido de estabelecer, entre

outros, parâmetros para o parcelamento, uso e ocupação do solo.

A partir de 1965 a periferização passa a ser marcada pela implantação de conjuntos

habitacionais financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH e por loteamentos populares da

iniciativa privada dirigidos à população de baixa-renda, com pouca ou nenhuma infra-estrutura básica.

O crescimento periférico acentua-se ainda mais no decorrer dos anos 70, fazendo parte dessa dinâmica

a retenção de áreas, como forma de reserva de valor. Somente a partir de 1979, com as normas de

âmbito federal estabelecidas para o parcelamento do solo urbano - Lei Lehman, Campinas passaria por

uma retração no seu processo de expansão periférica.

As décadas de 60 e 70 foram as de maior crescimento populacional do município, com índices

de crescimento anual que ultrapassaram os 5%. O intenso e desordenado crescimento urbano vivido

nessa época ocasionou grandes problemas de saneamento básico, moradia e transportes, com

elevados custos sociais e comprometimentos ao meio ambiente.

Foto: Largo do Rosário - 1960.

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Situa-se na década de 70, durante a gestão do Prefeito Orestes Quércia (1969/73), o Plano

Preliminar de Desenvolvimento Integrado de Campinas – PPDI, com estudos iniciados no segundo

semestre de 1969, tendo sido aprovado através da Lei n. 3960 de 9 de março de 1971.

Já em fins da década de 60, tem início em Campinas o momento mais voltado à concepção de

“planejamento urbano”, que vai gradativamente substituindo o termo “urbanismo” na administração

pública, em um contexto de reforma administrativa e de modernização do setor público, no nível nacional.

Nessa época os planos diretores eram obrigatórios e financiados por órgão federal: o SERFHAU -

Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, do Ministério do Interior, para os quais havia um modelo a ser

seguido, sendo que a existência de plano diretor era condicionante para a liberação de verbas de outras

esferas do governo, e de financiamentos, para a execução de obras no município.

Esse Plano reflete o rumo tecnocrático tomado pelo planejamento no regime militar,

compreendendo uma excessiva confiança na capacidade do planejamento, exercido pelos órgãos

públicos (intervencionismo paternalista), na solução do “caos” urbano e do crescimento descontrolado,

com ênfase à edição de normas legais voltadas para cenários ideais, sob uma ótica bastante otimista, que

apontava para a época do chamado “milagre econômico brasileiro”.

O próprio PPDI se define como uma etapa das “definições e decisões” a serem “implantadas

mediante a intervenção planejada do Poder Público”. Também não aparece uma instância de julgamento

e aprovação das propostas, sendo que o plano se mostra como auto-regulador. Esse plano não

contempla mecanismos de participação popular e foi realizado num contexto de restrição às liberdades

políticas.

Para a sua elaboração é contratada uma equipe de técnicos de fora da cidade, portanto sem

compromisso com sua execução, formada por um consórcio de firmas de planejamento, entre elas a

Serete Engenharia e o escritório do Arqto. Jorge Wilheim, que acaba por ficar em segundo plano, já que

sua autoria é remetida ao Poder Público Municipal, que efetuou o acompanhamento técnico através do

Escritório Municipal de Planejamento, criado em fins de 1968, quando da conclusão da reforma

administrativa na Prefeitura de Campinas.

O PPDI é bastante volumoso, apresentando extensivos estudos e diagnósticos para as políticas

setoriais abordadas, procurando incluir pela primeira vez aspectos da questão socioeconômica, porém

suas proposições concentram-se na estruturação do espaço físico e em políticas de desenvolvimento,

sendo estas orientadas principalmente pelo governo federal, em um cenário macroeconômico de forte

crescimento industrial.

O Plano contempla basicamente três linhas mestras: Estratégias de Desenvolvimento, Plano

Preliminar de Estruturas - formulado para os horizontes de 1973, 1980 e 1990 - que seria

institucionalizado através de leis e decretos, após ser revisto e detalhado na etapa de estudos

complementares - e o Plano de Ação, tendo sido criado logo após o Geplan - Grupo Executivo do Plano

Diretor. Porém, a administração Quércia não formalizou de forma institucional um “Plano Diretor”.

O seu diagnóstico aponta a necessidade de se implantar novos eixos viários que estimulem o

crescimento urbano, tendo em vista a saturação do centro tradicional da cidade, e outras ampliações do

sistema viário, formuladas para atender às necessidades do intenso crescimento de Campinas dessa

época, não se ocupando porém das áreas mais periféricas e da cidade constituída fora dos padrões

legais estabelecidos, numa visão parcelar do planejamento.

Os eixos de expansão prevêm a implantação da avenida Norte/Sul (Av. José de Souza

Campos) e das interligações de Campinas-Sede com Valinhos, com o distrito de Sousas e com o

distrito de Barão Geraldo (Paulínia/Jaguariúna). Além dessas, muitas outras grandes obras previstas

no PPDI, como a Via Expressa Aquidabã, Av. Imperatriz Leopoldina e a avenida de contorno da Lagoa

do Taquaral, foram realizadas durante o governo do Prefeito Lauro Péricles Gonçalvez (1973/77).

Foto: Campinas – década de 1970 – foto aérea.

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Posteriormente verifica-se que o crescimento maior da cidade continuou a ocorrer na razão

inversa do valor do solo, privilegiando a região Oeste/Sudoeste. O próprio município realiza investimentos

nessa região, como a implantação do Distrito Industrial de Campinas – DIC, em 1974, que desencadeou o

provimento de infra-estrutura básica para a região, para o atendimento inclusive de loteamentos já

existentes.

Embora já estivesse previsto no Plano, o distrito industrial teve sua localização definida

posteriormente, pela administração municipal, através de estudos realizados por um grupo formado para

esta finalidade, ficando próximo ao traçado definido para a Rodovia dos Bandeirantes. Seguem-se a ele

os conjuntos habitacionais da Cohab - Cidade Industrial (a partir de 1979/80), consolidando a ocupação

de toda uma região, cujo planejamento não considerava, principalmente, premissas ambientais.

O enfoque dado pelo PPDI ao Eixo de Expansão Geográfica Norte, em consonância com

investimentos de infra-estrutura rodoviária do Estado, favorecem a sua destinação a empreendimentos

voltados à população de renda mais alta, atendendo à demanda de crescimento de uma parte da cidade.

Seus desdobramentos contribuem para preparar a fase de expansão e valorização imobiliária do

município ocorrida a partir da década seguinte - 1980, quando têm início empreendimentos habitacionais

do tipo loteamentos fechados e condomínios, que passam a se instalar nos eixos das regiões norte/ leste

do município acompanhando a rota de grandes instituições e estabelecimentos de consumo regional e

indústrias tecnológicas.

Afora a década de 50, é a de 80 que registra o maior número de loteamentos aprovados em

Campinas, quando, por fatores da economia nacional, o capital passa a mobilizar-se fortemente para

investimentos imobiliários, em suas novas frentes.

No outro extremo da questão urbana de Campinas, parte do segmento de renda mais baixa vem,

desde os anos 60, acumulando população que não encontra condições de suprir suas necessidades

habitacionais através do mercado formal, instalando-se na forma de favelas e ocupações. Essa camada

da população ocupa inicialmente áreas públicas de loteamentos inseridos na malha urbana mais

consolidada, para depois ocupar áreas públicas mais periféricas e, posteriormente, passa a ocupar áreas

particulares.

Vemos que o conhecimento específico da lógica de implantação desse processo de

marginalização, essencial para a formulação das políticas fundiárias e habitacionais e das ações voltadas

à inserção social e cultural da população no aparelho urbano, só vai ser construído de forma mais

sistemática, em Campinas, a partir da década de 90.

Em 1990 é aprovada a Lei Orgânica Municipal - LOM e, em 1991, a Lei Complementar nº. 02 de

1991 que dispõe sobre o Plano Diretor do Município de Campinas, situando na década de 90 o momento

da introdução de princípios e instrumentos previstos na Constituinte Federal de 1988, notadamente no

que se refere à função social da cidade/propriedade e à participação social na gestão urbana.

O Plano Diretor da gestão do Prefeito Jacó Bittar (1989/92) começa a ser elaborado no final da

década de 80 e início da década de 90 e, apesar de já ser um plano mais enxuto que o anterior, ainda

busca estabelecer princípios ordenadores para a maioria das políticas setoriais que deixariam de ser

enfocadas no plano seguinte, como: saúde, educação, promoção social, cultura, turismo, esportes e

até segurança pública.

A prática de se tratar em conjunto as políticas públicas, que ainda se fazia presente na maioria

dos planos elaborados no país na década de 90, foi certamente alimentada pela dimensão da crise

econômica nacional do início dos anos 90, tendo em vista que os anos 80 não conseguiram solucionar,

ou direcionar, os problemas urbanos acumulados durante o processo brasileiro de industrialização

tardia e de velocidade sem precedentes.

O Plano Diretor de 1991 não corresponde ao discurso do urbanismo tecnicista, como o

anterior, mas sim à vertente social da questão urbana, tendo uma abordagem científica estrutural e

conjuntural das políticas públicas. Procurou incorporar a tendência de maior autonomia político-

administrativa dos municípios, tarefa bastante dificultada pelo fato da Constituição não ter sido

suficientemente explícita na atribuição de encargos aos municípios, já que ao situar no âmbito das

competências comuns à União, Estados e Municípios matérias relevantes como: a proteção ao meio

ambiente, a melhoria das condições de habitação e de saneamento básico, o combate às causas da

pobreza e aos fatores de marginalização, não determinou qual seria a parcela de responsabilidade do

município.

O Plano foi elaborado através da contratação de consultoria do Arqto. Siegbert Zanettini,

incumbido de coordenar os trabalhos técnicos efetuados com a participação de um grupo denominado

de Equipe Técnica do Plano Diretor, constituído de aproximadamente 40 profissionais de diversos

setores e órgãos da administração municipal, que recebeu a incumbência de, em um prazo apertado

de 4 meses, chegar à elaboração de um projeto de lei para apresentação à sociedade em Audiência

Pública.

O Plano Diretor de 1991 mostra-se como espaço de reflexão sobre a questão urbana, reunindo

em seu Caderno de Subsídios para a Discussão do Plano Diretor um importante conjunto de dados e

pesquisas da realidade. Tem como enfoque uma visão sistêmica de planejamento “integrado e global”

que procura assegurar sua perenidade num “processo dinâmico e contínuo”.

Faltou-lhe, no entanto, o caráter prático das definições/decisões a serem implementadas,

contendo alguns instrumentos de intervenção pouco detalhados. Com base nas concepções de

“participação” e “cidadania”, as propostas vão aparecendo muito mais como um “encaminhamento de

diretrizes”... “para um posterior aprofundamento da realidade pesquisada”, com um enfoque

prospectivo.

No Plano Diretor de 1991, embora a cidadania seja entendida como ponto central das políticas,

não estão dados os instrumentos que propiciem a participação mais ampla dos setores organizados da

sociedade no encaminhamento da administração da cidade, sendo que o enfoque institucional volta-se

exclusivamente à administração da gestão pública e sua estrutura funcional.

Instituído através da Lei Complementar nº. 02 de 26 de Julho de 1991, introduziu, ou esboçou,

de maneira a serem detalhados posteriormente, alguns dos novos instrumentos urbanísticos

constitucionais, estabelecendo exigências e prazos para sua regulamentação - por leis específicas,

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que não seriam cumpridos. Dentre eles encontram-se, principalmente: o Parcelamento ou Edificação

Compulsórios, seguido de Imposto Progressivo no tempo sobre vazios urbanos, as Operações

Interligadas e as Operações Urbanas e o Solo Criado, que apresentava uma das formulações mais

progressistas da época, mas foi retirado nos processo de discussão, por força de segmentos organizados

da sociedade civil.

A Lei do Plano de 1991 confere ao CMDU – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano,

órgão de representação tripartite com participação voluntária da sociedade civil, de “caráter consultivo e

fiscalizador”, com suporte logístico e financeiro do Poder Executivo, a função de emitir parecer para as

modificações do Plano. Também a administração do proposto Fundo de Financiamento e Investimento

para Desenvolvimento Urbano e Habitacional, conforme as Disposições Extraordinárias, ficaria a cargo do

CMDU, conselho este já previsto no artigo 172 da Lei Orgânica, sendo criado por lei específica em abril

de 1991 e empossado às vésperas da remessa do Projeto de Lei à Câmara Municipal.

Note-se que não houve uma reorganização na estrutura administrativa/institucional da Prefeitura

para adaptá-la a uma nova forma de planejar que incluísse a participação social, mas, a despeito disso,

atribui-se a alguns segmentos do CMDU, o mérito de conseguir manter algumas proposições inovadoras

do Plano.

Destaca-se no Plano de 1991 o avanço alcançado na abordagem das questões ambientais,

em sua macrovisão do território, resultando em proposta de divisão do município em Macrozonas

Ambientais, cuja finalidade era de “garantir a qualidade do meio ambiente”, servindo de base para as

Macrozonas de Planejamento que viriam a ser desenvolvidas no plano de 1996. Mas as previsões para

elaboração de Plano Municipal de Meio Ambiente e de Plano Municipal de Desenvolvimento Rural não

se concretizam. Note-se que já constava da Lei Orgânica – art.172 - que o Plano Diretor deveria

considerar a totalidade do território municipal.

A questão da política metropolitana é outro tema de destaque no Plano que, além da organização

do sistema viário metropolitano, incumbe o poder municipal de conduzir as negociações com os

municípios integrantes da futura Região Metropolitana de Campinas – RMC para a execução de planos

diretores adaptados à realidade regional, entre outras (Capítulo VI, Art. 14). Também chega a estabelecer,

como diretriz, a criação de um Sistema Metropolitano como instância integradora da futura RMC, assim

como a gestão conjunta com os municípios vizinhos das áreas de mananciais hídricos.

Outro aspecto a ser ressaltado do Plano de 1991 é o reconhecimento da necessidade de

dispensar tratamento específico às áreas ocupadas por assentamentos irregulares precários e de baixa

renda, assim como às áreas de proteção ambiental.

Em 1994, no segundo ano da administração do Prefeito Magalhães Teixeira (1993/1996), iniciam-

se os trabalhos de elaboração do Plano de 1996, apenas três anos após a aprovação do plano anterior,

fato explicado pelo enfoque dado a este que se auto-intitula de “plano de revisão”, buscando o

aprofundamento de aspectos físico-territoriais e da estruturação urbana, considerando o “nível genérico”

do Plano de 91, e tendo em vista que a Lei de Uso e Ocupação do Solo em vigor não contava com as

novas premissas estabelecidas no Plano de 1991, por ter sido elaborada pouco antes, em 1988.

O Plano de 1996, instituído pela Lei Complementar nº. 04 de 17 de Janeiro de 1996, conserva

os objetivos básicos do plano anterior, inspirado na nova ordem constitucional, mas tem como eixo

principal as políticas urbanas descentralizadas, tema apenas anunciado no de 91, e os planos locais

de desenvolvimento, que representam avanço substancial na participação da sociedade no

planejamento das políticas públicas. Sobre o tema da “participação” o Plano também dedica um

capítulo ao “processo de planejamento”.

O Plano de 1996 negligencia algumas políticas setoriais, como educação, saúde, promoção

social, cultura e turismo, destacando aquelas entendidas como indutoras da urbanização, tais como:

habitação, sistema viário, infra-estrutura de saneamento etc. A articulação dessas políticas públicas ao

processo urbanístico representa, de certa forma, um retorno ao discurso do “urbanismo tecnicista”,

porém agora associada a uma visão econômico-administrativa da cidade. Essa visão vai substituir a

ação política protecionista no papel do poder público, assim como vai determinar a noção de

“participação”.

A sua elaboração contou basicamente com a equipe da Secretaria de Planejamento e Meio

Ambiente – Seplama e de outras unidades da Prefeitura, contando com consultorias externas apenas

para trabalhos específicos.

Com relação aos instrumentos urbanísticos com potencial para realizar a função social, o

Plano de 1996 propõe alguns instrumentos a mais, e também apresenta maior elaboração técnica na

sua formulação. Constata-se, porém, que, como os anteriores, esses instrumentos não vieram a ser

regulamentados. Note-se que, em 1996, a formulação destas matérias ainda encontrava dificuldades

devidas à falta de regulamentações subsidiárias de nível federal, tendo encontrado fortes resistências

por parte dos segmentos empresariais, para sua aprovação.

A participação social durante o processo de elaboração dos Planos de 91 e de 96 ocorreu

basicamente através da realização de Audiências Públicas, que pouca contribuição tiveram, e de

articulações advindas de representações do CMDU, tendo resultados tanto favoráveis como

desfavoráveis ao seu aperfeiçoamento e coerência, conforme já citado, porém, os últimos, de forma

mais contundente. Destaca-se que a versão promulgada da Lei do Plano de 1996 contou com mais de

uma centena de alterações efetuadas por emendas do Poder Legislativo e vetos do Poder Executivo.

É importante destacar, finalmente, que Campinas teve seus Planos Plurianuais de

Investimentos - PPAs efetuados para os quadriênios, a partir de 1994, sendo que estes apresentam

grande semelhança entre si, em termos de sua estruturação, porém vê-se o descolamento existente

entre os macro-objetivos traçados nos PPAs e os Planos Diretores vigentes a cada época.

A situação de Campinas não é diferente do quadro que se tem ainda hoje, com uma série de

planos apresentados de maneira formal, para o cumprimento de uma exigência constitucional, sem

estabelecer, no entanto, uma agenda de ações que busque equacionar, dentro de uma ótica de

planejamento integrado, as profundas cicatrizes provocadas pelo intenso crescimento urbano das

últimas décadas e pela crescente descapitalização do setor público municipal para investimentos

sociais.

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É em busca de caminhos mais eficientes, utilizando-se do conhecimento acumulado e buscando o

aperfeiçoamento de novas formas de leitura da cidade, bem como o compartilhamento de experiências

semelhantes já vividas, que devem se iniciar os trabalhos do plano diretor de 2006 para Campinas,

contando ainda com o instrumental legal propiciado pelo Estatuto da Cidade, conquista de nossa

sociedade nesse início de Século XXI.

Histórico dos Órgãos de Planejamento*

Como já citado anteriormente, uma das primeiras preocupações relativas ao planejamento do

município remonta a 1931, quando o então prefeito José Pires Neto cria a Comissão de Urbanismo, por

meio do Decreto número 11, a qual deveria se incumbir de tudo o que se relacionasse com a estética e a

higiene da cidade e ainda com a questão das águas e esgoto, e com a eletricidade.

Este decreto conta em suas considerações com a recomendação de que a Comissão deveria

elaborar um master plan para o município de Campinas, além de se incumbir da contratação de um

consultor.

Estas ações decorrem de orientações de Anhaia Mello que, após ter visitado a cidade, apresenta

proposta para a elaboração de um plano. No entanto, em função de contingências políticas que

resultaram na deposição do presidente, Anhaia Mello seria nomeado prefeito da capital, afastando, desta

forma, a possibilidade de sua contratação para a elaboração do Plano em Campinas.

Entretanto, as preocupações com tais questões são mantidas, em especial a necessidade de

contar com um consultor urbanista para a elaboração de um Plano, o que levaria à contratação, em futuro

bem próximo, de Prestes Maia.

A referida comissão de urbanismo deveria funcionar por três anos, de 1931 a 1934, e seria

reeditada pelo próprio Pires Neto em 1935, dado que Prestes Maia havia sido contratado como consultor

para a elaboração do Plano.

Dentro de suas atribuições, ela deveria exprimir as condições e as aspirações gerais da

comunidade, providenciar os recursos para obtenção dos elementos necessários aos estudos do

urbanista e organizar e dirigir a propaganda do plano.

Deveria manter contacto com o urbanista, opinando e trocando idéias com o mesmo; deveria,

ainda, aprovar o plano e encaminhá-lo ao executivo, para seu envio posterior ao legislativo e, após

aprovado, deveria velar para que o mesmo fosse respeitado em seu espírito, e traduzido em atos finais.

Citada comissão teria um caráter de acompanhamento e implantação do Plano, julgando

reclamações, dirimindo dúvidas quanto ao zoneamento e modificando o Plano para evitar injustiças.

Nesse momento, a comissão seria ampliada com a participação de representante dos

engenheiros – architectos; representante da indústria; representante da agricultura e representante da

Sociedade Amigos da Cidade, além de representante dos proprietários de imóveis.

A participação da sociedade seria modificada em 1936, ao se criar a Comissão de

Melhoramentos Urbanos, reduzindo o número de membros anteriormente definidos na Comissão de

Urbanismo (18 componentes), para apenas o prefeito, dois vereadores, dois funcionários municipais e

cidadãos de notória competência e idoneidade, até o máximo de seis, sem, no entanto, identificar que

setores da sociedade representariam.

Em 1938 ainda pendia a questão do Plano e, em função de não se poder contar com o auxílio

e colaboração da Câmara Municipal, que se achava dissolvida, nem do Conselho Consultivo, que

ainda não havia sido criado, foi criada uma comissão cívica denominada Comissão de Melhoramentos

Urbanos, com as mesmas finalidades e composição.

Também em 1938, através do ato 118, é aprovado o Plano de Melhoramentos Urbanos da

Cidade de Campinas, como vimos anteriormente. Segundo alguns autores, as comissões tiveram

papel decisivo na implementação do Plano de Prestes Maia, ora modificando-o, ora deixando de

detalhá-lo, o que daria a oportunidade para ações desconectadas de um pensamento mais global para

a cidade,como veremos a seguir no Capítulo que trata da Caracterização Territorial e Rural do

Município, mais especificamente na Caracterização Urbana.

Em Campinas as questões relativas ao planejamento urbano estiveram fortemente presentes a

partir do século XIX, como demonstramos pelas ações identificadas em 1931, em que pese somente

mais tarde, a concepção de planejamento como função de governo ter surgido nas administrações

municipais.

Em 1954, é recriada a Comissão de Planejamento do Município - CPM, com atribuição de

orientar a coleta de dados necessários para o estudo das necessidades do município; indicar a

contratação de técnicos para a realização de serviços especializados; baseado em ante-projetos

apresentados pelos próprios serviços da Prefeitura ou pelos técnicos contratados, propor ao

Legislativo a aprovação da Lei de Zoneamento, do Código de Obras, do Plano de Urbanismo, do Plano

Rodoviário Municipal e Plano de Melhoramentos para a zona rural; realizar anualmente a Semana de

Urbanismo e de orientar medidas para a elaboração de um Plano baseado nas funções da carta de

Atenas, qual seja, habitar, trabalhar, circular e considerar a cultura do corpo e espírito.

A composição da comissão passa a ser melhor detalhada, contando com a presença do

presidente da Comissão de Obras e Serviços Públicos da Câmara Municipal, de dois engenheiros ou

arquitetos indicados pela Associação Campineira de Engenheiros, dois engenheiros ou arquitetos

indicados pela Prefeitura Municipal, um jornalista indicado pela ACI- Associação Campinense de

Imprensa e um membro indicado pela Sociedade Amigos da Cidade.

Em 1968, foi criado o Escritório Municipal do Plano Diretor, em função de exigência legal

para a realização deste estudo e em função da necessidade de captação de recursos externos. Como

primeiro ato do Escritório, foi constituído um grupo denominado Grupo Executivo do Escritório de

Planejamento (GEPLAN).

O Grupo Executivo selecionaria e qualificaria um consórcio de vários escritórios que iria

elaborar o PPDI - Plano Preliminar de Desenvolvimento Integrado, anteriormente descrito, o qual é

aprovado e transformado na Lei 3.960, de 9 de março de 1971. As ações do grupo foram várias, e o

Escritório de Planejamento que existiu de meados de 1968 até o início de 1972 tem sua função extinta

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com a criação da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (EMDEC), sem, no entanto, ter

sido dada continuidade a esta função.

O final da década de 1.970 já assiste à criação de um órgão de planejamento com o status de

Secretaria Municipal, colocado como órgão de primeiro nível hierárquico da administração.

Este órgão passa a ter atribuições de definição e manutenção de dados e indicadores, elaboração

de diretrizes gerais em consonância com as demais Secretarias, a consolidação e integração dos

programas de governo em conjunto com a Secretaria de Finanças, passando a ter bem clara a atribuição

de coordenação e avaliação.

Somente em 1983, através de decreto, são estabelecidas as competências dos departamentos

criados em 1978, onde o órgão de planejamento passa a ter bem claras as suas atribuições dentro da

estrutura administrativa, consolidando a função da Secretaria e de seus Departamentos de Planejamento,

de Controle e Avaliação e do Centro de Informação Técnica.

Da mesma forma, em 1986, a estrutura da Secretaria de Planejamento e Coordenação se vê mais

reforçada com a ampliação de mais um departamento, o detalhamento dos já existentes e a instituição do

Conselho Municipal de Planejamento e do Conselho de Integração de Planejamento na estrutura da

Secretaria. Outro destaque a ser dado diz respeito à criação de uma divisão de planejamento

orçamentário, com a responsabilidade de garantir a elaboração do orçamento plurianual de investimentos

e do orçamento-programa da Prefeitura de Campinas.

A função do órgão de planejamento, nesse momento, é bastante abrangente, indo desde o

armazenamento de dados e informações, do planejamento físico, do desenvolvimento urbano, até o

balizamento para o planejamento social. Tinha ainda a função de coordenar todo sistema de planejamento

da Prefeitura e a atribuição de realizar estudos e coordenar trabalhos de preparação para a elaboração do

orçamento, dando à Secretaria uma atribuição para lidar com aspectos econômicos e financeiros.

Essa visão do administrador objetivava conciliar, no mesmo órgão, o planejamento urbano, que

sempre foi físico-territorial, com uma visão estratégica, dado que a questão financeira sempre teve o

caráter meramente da arrecadação.

Naquele momento, surge a preocupação com a questão da modernização tecnológica, em

especial da informatização e integração dos cadastros.

Em 1988, novamente a estrutura é mais detalhada, surgindo a Coordenadoria de descentralização,

órgão que deveria garantir uma maior participação popular.

Surpreendentemente, em 1989 a Secretaria é extinta, e os seus departamentos são

transferidos para a Secretaria de Obras. Houve desta forma, e com esta ação, uma descaracterização

do órgão de planejamento - órgão que deveria pensar a cidade estrategicamente - submetendo-o ao órgão

incumbido das ações táticas de execução. A Secretaria de Planejamento é recriada na mesma gestão e

respondeu pela elaboração da Lei Complementar n° 2 de 1991 (Plano Diretor).

Outra ação do executivo que deve ser ressaltada diz respeito à criação do CMDU - Conselho

Municipal de Desenvolvimento Urbano, em 1991, com grande representatividade da sociedade, e desde

o início tem como objetivo discutir as ações de planejamento do Município. Este Conselho é mantido até os

dias de hoje e funciona vinculado ao gabinete do secretário de Planejamento, emitindo pareceres sobre

leis de cunho urbanístico.

Em 1993, a Secretaria de Planejamento passa a ser enquadrada como órgão de

assessoramento do prefeito. O Conselho Setorial de Desenvolvimento Urbano é criado como órgão de

aconselhamento, com a função de participar da formulação de políticas específicas, dentre outras

funções, e ela passa a ser denominada Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente.

A Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente terá como responsabilidades básicas:

a definição e implementação da política e dos programas e projetos de desenvolvimento do município,

abrangendo as áreas de meio ambiente, desenvolvimento físico territorial e urbanístico, integração

metropolitana e fomento ao desenvolvimento econômico. Neste período foi elaborado pela Secretaria o

Plano Diretor do Município que resultou na Lei Complementar n° 4 de 1996.

Em 1997, passa a ser denominada Secretaria Municipal de Planejamento e

Desenvolvimento Urbano e é também criada a Secretaria de Meio Ambiente.

Em 1999, volta a abrigar o Departamento de Meio Ambiente, sendo que dentro da Seplama

é criado o Departamento de Controle Urbano, com a atribuição de administrar a execução da política de

desenvolvimento urbano, ou seja, este Departamento deveria aplicar o que o Departamento de

Planejamento propusesse, e seria também um órgão que manteria alimentada a Secretaria em relação

às demandas externas, funcionando como um indicador desses interesses.

Em 2002 ocorre a transferência de duas Coordenadorias do Departamento de Controle

Urbano – DECON para a Secretaria de Obras e Projetos. Também nesse período as funções de

planejamento passam a ser desempenhadas pelo Escritório de Planejamento e por um Grupo

Executivo denominado GP-DUR- Grupo Executivo de Planejamento e do Desenvolvimento Urbano e

Rural de Campinas

Como vimos, ao longo desses últimos 74 anos foram inúmeras as tentativas de consolidação

das ações de planejamento no município de Campinas, quer pela criação de comissões com o mais

amplo quadro representativo, quer pela constituição de um escritório do plano diretor com uma

elevada produção e quadro técnico, quer pela criação de uma secretaria dentro do quadro

administrativo, que ora foi desativada, ora reativada.

O presente levantamento e algumas considerações sobre determinados atos objetiva auxiliar

na construção de uma massa crítica sobre como tem sido a trajetória do órgão incumbido da questão

do planejamento no município de Campinas e a partir dessa leitura, contribuir para a reflexão e

discussão sobre a importância de se manter um orgão municipal de planejamento responsável pela

leitura e condução das políticas de desenvolvimento urbano.

* Este documento é parte integrante da pesquisa em desenvolvimento pela Secretaria Municipal de

Planejamnento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente para edição de documento relativo ao histórico dos

órgãos de planejamento.

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FORMAÇÃO HISTÓRICA DE CAMPINAS: BREVE PANORAMA*