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Icterícia Autor: Andréa Remígio de Oliveira Leite Médica Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas - Unidade de Terapia Intensiva - do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Última revisão: 01/02/2010 Comentários de assinantes: 0 INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES Icterícia provém do grego ikteros, termo usado no tempo de Hipócrates para designar a coloração amarelada da pele e das mucosas causada pela deposição de pigmento biliar. A Icterícia é um sintoma de grande importância para o médico e o paciente, pois é a manifestação visível de uma doença, seja ela do fígado ou não, quando os níveis de bilirrubina no sangue ultrapassam 2 mg/dL. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA A detecção de Icterícia tem importante valor semiológico e deve ser sempre valorizada. Ela reflete perturbações na produção e/ou em passos do metabolismo/excreção da bilirrubina e pode ser manifestação clínica de numerosas doenças hepáticas e não hepáticas. A Icterícia pode ser a primeira ou mesmo a única manifestação de uma doença hepática. A principal fonte de bilirrubina é a hemoglobina proveniente da quebra de eritrócitos maduros, a qual contribui com cerca de 80 a 85% da produção total. Em adultos, são quebrados diariamente cerca de 35 g de hemoglobina, resultando na produção de 300 mg de bilirrubina. Em condições fisiológicas, a maioria dos eritrócitos normais é sequestrada da circulação após 120 dias de vida pelas células retículo-endoteliais do baço, do fígado e da medula óssea, onde a hemoglobina é degradada em biliverdina, que é convertida em bilirrubina não conjugada, a qual é lipossolúvel. A bilirrubina não conjugada ou indireta liga-se reversivelmente à albumina, forma pela qual é transportada no plasma. É encontrada em fluidos corpóreos de acordo com seu conteúdo de proteínas, o que explica sua maior concentração em exsudatos que em transudatos. O fígado ocupa papel central no metabolismo da bilirrubina, sendo responsável por sua captação, conjugação e excreção. A bilirrubina não conjugada é convertida em bilirrubina conjugada ou direta, um composto solúvel em água passível de rápido transporte através da membrana canalicular para a bile. Este processo requer energia,

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Icterícia

Autor:

Andréa Remígio de Oliveira Leite

Médica Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas - Unidade de Terapia Intensiva -

do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 01/02/2010

Comentários de assinantes: 0

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES Icterícia provém do grego ikteros, termo usado no tempo de Hipócrates para

designar a coloração amarelada da pele e das mucosas causada pela deposição de

pigmento biliar.

A Icterícia é um sintoma de grande importância para o médico e o paciente, pois é a

manifestação visível de uma doença, seja ela do fígado ou não, quando os níveis de

bilirrubina no sangue ultrapassam 2 mg/dL.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA A detecção de Icterícia tem importante valor semiológico e deve ser sempre

valorizada. Ela reflete perturbações na produção e/ou em passos do

metabolismo/excreção da bilirrubina e pode ser manifestação clínica de numerosas

doenças hepáticas e não hepáticas. A Icterícia pode ser a primeira ou mesmo a única

manifestação de uma doença hepática.

A principal fonte de bilirrubina é a hemoglobina proveniente da quebra de eritrócitos

maduros, a qual contribui com cerca de 80 a 85% da produção total. Em adultos, são

quebrados diariamente cerca de 35 g de hemoglobina, resultando na produção de 300 mg

de bilirrubina.

Em condições fisiológicas, a maioria dos eritrócitos normais é sequestrada da

circulação após 120 dias de vida pelas células retículo-endoteliais do baço, do fígado e da

medula óssea, onde a hemoglobina é degradada em biliverdina, que é convertida em

bilirrubina não conjugada, a qual é lipossolúvel.

A bilirrubina não conjugada ou indireta liga-se reversivelmente à albumina, forma

pela qual é transportada no plasma. É encontrada em fluidos corpóreos de acordo com

seu conteúdo de proteínas, o que explica sua maior concentração em exsudatos que em

transudatos.

O fígado ocupa papel central no metabolismo da bilirrubina, sendo responsável por

sua captação, conjugação e excreção. A bilirrubina não conjugada é convertida em

bilirrubina conjugada ou direta, um composto solúvel em água passível de rápido

transporte através da membrana canalicular para a bile. Este processo requer energia,

Page 2: Icterícia.pdf

sendo um dos passos mais suscetíveis de comprometimento quando a célula hepática é

lesada.

A bilirrubina conjugada não é absorvida pelo intestino delgado. Uma vez no íleo

terminal e no cólon, é hidrolisada por enzimas bacterianas (betaglicuronidases) formando o

urobilinogênio, que é absorvido no cólon em pequena parcela. Em condições normais,

essa parcela é reexcretada pelo fígado na bile (90% do total) e pelos rins (10% do total).

Em situação de disfunção hepática, a reexcreção biliar de urobilinogênio pode diminuir,

aumentando a parcela eliminada na urina.

As fezes normais de indivíduo adulto contêm uma mistura de urobilinogênio e seu

produto de oxidação correspondente, de cor laranja, a urobilina. A diminuição ou a

ausência de excreção de bilirrubina na luz intestinal provoca alterações na cor das fezes,

tornando-as mais claras (hipocolia fecal) ou esbranquiçadas (acolia fecal). A bilirrubina conjugada penetra mais facilmente em fluidos corpóreos e é capaz de

provocar graus mais acentuados de Icterícia que a bilirrubina não conjugada. A pele pode tornar-se esverdeada, nos casos de hiperbilirrubinemia conjugada prolongada, possivelmente pelo aumento da biliverdina.

A concentração plasmática de bilirrubina reflete o balanço entre a taxa de produção

e o clareamento hepático. Assim, se sua produção estiver aumentada, se houver prejuízo

em um ou mais passos do processo de metabolização ou excreção hepática, como

anormalidades na captação e no transporte da bilirrubina do plasma para o hepatócito,

déficit na sua conjugação com o ácido glicurônico ou na sua excreção para o canalículo

biliar ou ainda se houver obstáculo ao fluxo de bile na árvore biliar no seu trajeto até o

duodeno, poderá haver elevação dos níveis séricos de bilirrubina. Dependendo da causa

de hiperbilirrubinemia, podemos observar predomínio de uma das duas frações da

bilirrubina, da não conjugada ou da conjugada.

Tabela 1. Classificação fisiopatológica da Icterícia

Aumento da produção de bilirrubina

Hemólise

Eritropoiese ineficaz

Diminuição da captação hepática/transporte

de bilirrubina

Drogas

Sepse

Distúrbio da conjugação da bilirrubina

(atividade diminuída da enzima glicuronosil-

transferase)

Deficiência hereditária: síndrome de Gilbert;

síndrome de Crigler-Najjar tipo II; síndrome

de Crigler-Najjar tipo I.

Deficiência adquirida: drogas; doença

hepatocelular; sepse.

Defeitos na excreção da bilirrubina (defeitos

intra-hepáticos)

Doenças hereditárias ou familiares:

síndrome de Dubin-Johnson; síndrome de

Rotor.

Distúrbios adquiridos: doença

hepatocelular; drogas; sepse.

Obstrução biliar extra-hepática Obstrução mecânica das vias biliares extra-

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hepáticas por cálculo, estenoses e tumores

(câncer das vias biliares, câncer da cabeça

do pâncreas, câncer de papila ou do

duodeno, linfomas).

Multifatorial (defeito em mais de uma fase

do metabolismo da bilirrubina)

Doença hepatocelular; hiperbilirrubinemia

conjugada; sepse; Icterícia neonatal.

ACHADOS CLÍNICOS A anamnese e o exame físico, associados a testes laboratoriais simples de triagem,

possibilitam o diagnóstico da doença de base em aproximadamente 85% dos pacientes.

História Clínica Idade: a idade de início do quadro pode auxiliar na determinação da etiologia.

Exemplo: hepatite A em crianças e adolescentes e câncer de vias biliares em

pacientes idosos.

Profissão: exposição a infecções virais (hepatites B e C e HIV), como ocorre com

médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos de laboratório e estudantes da área de

saúde, ou a tóxicos.

Procedência/viagens: o paciente pode proceder, ter residido ou viajado para

regiões endêmicas de esquistossomose, hepatites, febre amarela, leptospirose e

outras doenças que cursam com Icterícia.

Raça: negros apresentam maior incidência de anemia falciforme.

Hábitos: uso de bebida alcoólica (quantidade, tipo de bebida, tempo de uso,

história de abuso recente). As hepatites B e C são frequentes em usuários de

drogas injetáveis e em homossexuais masculinos.

Antecedentes: transfusões de sangue ou derivados, contacto com ictéricos,

história familiar de hepatite, Icterícia ou anemia, antecedente de cirurgias,

particularmente em vias biliares, antecedente de tumores, tatuagens, tratamento

dentário, entre outros.

Pródromos de hepatite: queixas de náusea, anorexia e aversão ao cigarro,

precedendo o aparecimento de Icterícia, sugerem hepatite viral.

Uso de medicamentos e exposição a tóxicos: uso ou exposição crônica, recente

ou esporádica. Lembrar de chás ou medicamentos feitos a partir de plantas ou

ervas, pois podem produzir lesão hepatocelular ou hemólise.

Para a detecção da Icterícia, é fundamental que o paciente seja examinado em

ambiente com luz natural adequada, uma vez que, com pouca claridade ou com

iluminação artificial, sua percepção pode ser prejudicada. Os locais onde a Icterícia é mais

frequentemente percebida são a conjuntiva ocular (em casos mais discretos, sobrretudo na

periferia), a mucosa oral e a pele. Essa distribuição é consequência da afinidade da

bilirrubina por tecido elástico, o que pode explicar ainda a discrepância entre a intensidade

Page 4: Icterícia.pdf

da Icterícia e os níveis séricos de bilirrubina em fases de recuperação de doenças que se

acompanham de Icterícia.

Exame Físico Febre: febre baixa, sem calafrios, que pode ocorrer na hepatite aguda viral e na

hepatite alcoólica; já a febre alta com calafrios sugere contaminação bacteriana

da bile (colangite) e pode acompanhar-se de hepatomegalia dolorosa. Em

cirróticos, sugere bacteriemia. A febre pode fazer parte de um quadro infeccioso

de qualquer natureza e a Icterícia pode ter a sepse como causa.

Colúria: presença de pigmento biliar na urina indica hiperbilirrubinemia conjugada.

Acolia/hipocolia fecal: deficiência ou obstrução à excreção de bilirrubina para o

intestino sugere obstrução biliar extra-hepática.

Dor abdominal: - cólica biliar: dor em cólica no hipocôndrio direito ou no quadrante superior

direito do abdome sugere cálculo biliar;

- dor ou desconforto no hipocôndrio direito: ocorre em casos de aumento rápido

do volume do fígado como nas hepatites agudas, nos tumores e na congestão

hepática, ou no abscesso hepático;

- dor pancreática: dor em faixa no andar superior do abdome, acompanhada de

vômitos; ocorre em casos de pancreatites, tumores pancreáticos ou obstrução

das vias biliares por cálculo.

Prurido cutâneo: secundário à retenção de sais biliares, pode ser a primeira

manifestação de cirrose biliar primária.

Perda de peso: é comum em doenças hepáticas, principalmente na fase final da

doença e nas neoplasias.

Vesícula biliar palpável: sugere obstrução biliar extra-hepática, neoplasia justa-

ampolar ou coledocolitíase.

Manifestações de hipertensão portal: circulação colateral portossistêmica,

esplenomegalia e ascite.

Manifestações de doença hepática crônica: aranhas vasculares, eritema palmar,

diminuição dos pelos, atrofia testicular, ginecomastia, distúrbios da coagulação

(sangramentos), hálito hepático, encefalopatia hepática.

Exame do fígado:

- hepatomegalia dolorosa em hepatites agudas, colangites, tumores, congestão

hepática, abscesso hepático;

- fígado nodular em tumores e cirrose;

- fígado diminuído em casos de hepatite grave e de cirrose.

Esplenomegalia: pode ser manifestação da síndrome de hipertensão portal, fazer

parte do quadro de hemólise ou acompanhar infecções.

Ascite: pode ser manifestação de hipertensão portal e de carcinomatose

peritoneal.

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Edema periférico: pode ser manifestação de hipoalbuminemia que acompanha as

hepatopatias graves; nesses casos, o edema é frio, depressível e indolor.

Esteatorreia pode estar presente, muitas vezes associada à perda de peso e à má

absorção de cálcio e vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K); sugere obstrução de

vias biliares.

Três achados físicos indicam ingestão de quantidades excessivas de álcool:

aumento da parótida, ginecomastia e contratura de Dupuytren; a ausência destes

achados não exclui o diagnóstico.

Manifestações de colestase crônica: a bilirrubina também pode impregnar a urina,

o suor, o sêmen e o leite; em casos de Icterícia intensa, o fluido ocular pode

determinar queixas de xantopsia (visão amarelada dos objetos). Xantomas,

xantelasmas, hiperqueratose e baqueteamento dos dedos podem estar

presentes.

Alguns achados sugerem doenças hepáticas especificas: hiperpigmentação

(doença biliar crônica ou hemocromatose); xantomas (encontrado na cirrose biliar

primária) e anéis de Kaiser-Fleischer (doença de Wilson).

Logo, por meio da história e do exame físico, o médico já pode ter uma boa ideia da

etiologia da Icterícia, tentando responder principalmente as seguintes questões:

A Icterícia é secundária a uma obstrução biliar?

Existem evidências de doença hepática crônica?

A Icterícia é possivelmente induzida por drogas, álcool ou agentes infecciosos?

Existe alguma evidência de hemólise?

Tabela 2. Manifestações clínicas na hiperbilirrubinemia indireta e direta

Hiperbilirrubinemia não conjugada

(indireta) Hiperbilirrubinemia conjugada (direta):

Icterícia

Icterícia

Colúria

Hipocolia ou acolia fecal (pode estar

ausente)

Tabela 3. Tipos de Icterícia

Colestática (direta) Não colestática (indireta)

Início

Neonatos: hereditárias (Dubin-Johnson e Rotor); atresia de vias biliares.

Idosos: neoplasia.

Crianças: esferocitose, anemia

falciforme, talassemias.

Adultos: anemia hemolítica

autoimune, hemólises

intravasculares.

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Urina Colúrica Normal

Fezes Acolia Normal

Prurido cutâneo Presente ou não Ausente

Intensidade Leve ou intensa Leve

Mucosas Avermelhadas e ictéricas Pálidas

Pele Icterícia Palidez

Anomalias ósseas

genéticas Ausentes Podem estar presentes

EXAMES COMPLEMENTARES A investigação dos quadros de Icterícia inclui exames laboratoriais e de imagem.

Bilirrubinas Totais e Frações São os primeiros exames a serem solicitados. Facilitam o diagnóstico por dividir as

possíveis causas em dois grandes grupos: hiperbilirrubinemia direta ou indireta.

AST, ALT, TP, TTPA Alteração nestes exames sugere hepatopatia. A relação entre AST e ALT é um

marcador diferencial entre a esteato-hepatite não alcoólica e a doença hepática alcoólica (AST/ALT < 1 = esteato-hepatite não alcoólica; > 2 = doença hepática alcoólica). Na persistência de níveis elevados, solicitar marcadores de autoimunidade (antimúsculo liso, antinúcleo, anti-LKM 1), perfil férrico e, se necessário, pesquisar mutação no gene HFE (suspeita de hemocromatose), anticorpos antimitocondriais (cirrose biliar primária), ceruloplasmina e cobre sérico e urinário (doença de Wilson) e alfa-1-antitripsina (deficiência de alfa-1-antitripsina).

Fosfatase Alcalina e Gama-GT Sugerem doença canalicular. A elevação da gama-GT colabora para o diagnóstico

de abuso de álcool. As drogas que mais comumente causam elevações são anti-inflamatórios não hormonais, anticonvulsivantes e drogas antituberculose.

Sorologias para Hepatites A, B e C Devem ser solicitadas para todos os pacientes ictéricos.

Urina I – Urobilinogênio Em condições em que há diminuição da excreção de bilirrubina no intestino ou

diminuição da flora intestinal (uso de antibióticos, por exemplo), pode haver diminuição da produção de urobilinogênio. Ao contrário, em situações de aumento da produção da bilirrubina, pode haver aumento da síntese de urobilinogênio e de seus níveis na urina.

Ultrassonografia Abdominal É o primeiro exame de imagem a ser solicitado na Icterícia aguda. Ele confirma ou

exclui obstrução (sensibilidade de 55 a 91% e especificidade de 63 a 96%), identifica sinais de hepatopatia crônica e lesões expansivas. É um exame operador-dependente, de difícil interpretação no obeso e na presença de gás no intestino.

Tomografia Computadorizada

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Permite medidas precisas do calibre da árvore biliar (sensibilidade de 63 a 96% e especificidade de 93 a 100%), detecta lesões expansivas menores que 5 mm, mas apresenta o risco do contraste endovenoso. Não é tão acurado quanto a ultrassonografia na detecção de coledocolitíase porque apenas os cálculos calcificados são visualizados.

Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada (CPRE) e Colangiografia Percutânea Trans-hepática (CPT)

Na presença de obstrução biliar, são os procedimentos de escolha. A CPRE permite a visão direta da árvore biliar e do ducto pancreático (sensibilidade de 89 a 98% e especificidade de 89 a 100%), a realização de biópsias e, na presença de obstrução biliar, permite manobras de desobstrução (esfincterectomia, extração do cálculo, dilatação, colocação de stent). Complicações ocorrem em menos de 3% dos casos (depressão respiratória, aspiração, sangramento, perfuração, colangite e pancreatite). A CPT possui sensibilidade de 98 a 100% e especificidade de 89 a 100%) e é recomendada quando procedimentos são necessários (dilatação, stent), sendo preferível nas obstruções próximas ao ducto hepático comum e na presença de anomalias anatômicas que dificultem a CPRE. Necessita da dilatação dos ductos biliares intra-hepáticos para sua realização e apresenta morbidade 3% e mortalidade 0,2%, semelhantes à CPRE.

Colangiorressonância Pode ser utilizada em pacientes com contraindicação ou insucesso na CPRE e CPT,

quando intervenções terapêuticas não parecem ser necessárias e como primeiro exame em pacientes com anastomose biliodigestiva prévia ou Billroth II.

Biópsia Hepática Pode ser necessária para confirmar a causa e a severidade da doença hepática.

Tabela 4. Provas diagnósticas importantes nas enfermidades hepáticas mais

frequentes

Hepatite A IgM anti-VHA

Hepatite B

Aguda

Crônica

IgM antiHBc, HBsAg

HBsAg, HBeAg, DNA-VHB

Hepatite C Anti-VHC, RNA-VHC

Hepatite D HBsAg, anti-VHD

Hepatite E Anti-VHE

Hepatite autoimune

Auto anticorpos (ANA, SMA, antiKLM-1), hiperglobulinemia

(IgG) e histologia compatível

Cirrose biliar primária AMA, aumento de IgM e histologia compatível

Colangite esclerosante

primária p-ANCA e colangiografia

Hepatite tóxica/fármacos Ingestão de álcool, fármacos e histologia

Esteato-hepatite não

alcoólica Esteatose (USG, TC e histologia)

Deficiência de alfa-1- Diminuição alfa-1-antitripsina, fenótipo PiZZ ou PiSZ

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antitripsina

Doença de Wilson

Diminuição da ceruloplasmina, elevação do cobre sérico e

urinário

Hemocromatose

Aumento de IST, aumento de ferritina, histologia e

mutações no gene HFE (H63D, C282Y)

Hepatocarcinoma Elevação da alfafetoproteína (> 500), USG e TC

AMA: anticorpo antimitocôndria; USG: ultrassonografia; TC: tomografia computadorizada;

IST: índice de saturação da transferrina; ANA: anticorpo antinúcleo; SMA: antimúsculo liso;

anti-LKM1: antimicrossomo fígado/rim; pANCA: anticorpos citoplasmáticos antineutrofílicos

perinucleares.

Na presença de hiperbilirrubinemia indireta, devem ser investigados sinais de

hemólise:

Hemograma: presença de anemia; quando houver pancitopenia, pesquisar

hiperesplenismo (esferocitose hereditária, talassemia e anemia hemolítica

autoimune). Após 7 a 12 dias do início da hemólise, ocorre expansão medular

reacional: reticulocitose (de 10 a 80% das hemácias) e eritroblastose periférica

levando a uma macrocitose; policromatofilia; aumento do número de plaquetas e

leucócitos.

Hemólise crônica (longo prazo) – aumento das trabeculações ósseas: osso em

escova na radiografia; fácies de roedor (pronásia, nariz afundado, malar

proeminente); fíbula em sabre. Diminuição da vida média do eritrócitos é sinal de

hemólise mantida (em torno de 30 dias), detectada pelo di-isopropilfluorfosfato ou

cromo radioativo.

Desidrogenase láctica (DHL): é uma enzima abundante dos eritrócitos e está

elevada nos quadros hemolíticos.

Exame de fezes: elevação do estercobilinogênio e do urobilinogênio fecal sugerem

hemólise.

Diminuição da haptoglobina, hemoglobina livre no sangue, hemossiderinúria:

sugere hemólise intravascular.

Eletroforese de hemoglobina: importante exame na suspeita de hemoglobinopatia

(anemia falciforme, talassemia).

Exame de urina: hemoglobinúria, sem sinal de hematúria, é sugestiva de hemólise

intravascular.

Teste de Coombs: é utilizado para detectar anemia hemolítica autoimune.

Pesquisa do esfregaço de sangue – esquizócitos: encontrados na hemólise

intravascular microangiopática (CIVD, púrpura trombocitopênica trombótica

(PTT), síndrome hemolítica-urêmica (SHU), hipertensão maligna, válvula

mecânica, eclâmpsia). Esférócitos: esferocitose e anemia hemolítica autoimune.

Page 9: Icterícia.pdf

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial dos quadros de Icterícia, tendo em vista o grande número

de patologias que cursam com este achado, deve ser feito considerando as causas de

hiperbilirrubinemia conjugada e não conjugada.

Hiperbilirrubinemia Não Conjugada Produção Elevada de Bilirrubinas

1. Produção ineficaz na medula (eritropoiese ineficaz)

Nesta afecção primária rara, ocorre uma produção insuficiente pela medula

resultando na liberação de bilirrubina não conjugada na circulação.

2. Lise aumentada (hemólise)

Principal causa de hiperbilirrubinemia não conjugada, é causada por uma anomalia

intrínseca da hemácia ou devido ao desenvolvimento de um mecanismo anormal de

destruição.

A) Defeitos intrínsecos das hemácias levando a hemólise elevada

I. Esferocitose congênita: defeito da membrana das hemácias, tornando-a

esférica e mais permeável ao sódio. Os sintomas surgem na infância com

crises cada vez piores de anemia e Icterícia causada por hemólise

decorrente de infecção. Esplenomegalia é comum, assim como a formação

de cálculos biliares.

II. Eliptocitose congênita: distúrbio autossômico dominante, em geral

assintomático; ocasionalmente ocorre anemia hemolítica compensada e

Icterícia é rara.

III. Defeitos enzimáticos: distúrbios hereditários que cursam com anemia

hemolítica sem alteração na eletroforese de hemoglobina e na fragilidade

osmótica.

IV. Hemoglobinopatias:

Anemia falciforme: defeito qualitativo hereditário recessivo da

hemoglobina, acomete mais negros e é caracterizada por Icterícia,

anemia e alterações esqueléticas. O paciente apresenta crises

espontâneas de falcização, produzindo fortes dores. O diagnóstico é

feito pela eletroforese de hemoglobina e pela demonstração in vitro do

afoiçamento das células (teste da célula falciforme).

Doença HBSC: ocorre em indivíduos que apresentam traço falciforme e

outra hemoglobina anormal (HbC), resultando em hemólise e Icterícia,

normalmente com quadros mais leves que a anemia falciforme.

Talassemia: herança homozigótica com produção defeituosa das cadeias

alfa, não é compatível com a vida. A forma heterozigótica (talassemia

alfa ou beta menor) produz uma anomalia moderada que raramente

Page 10: Icterícia.pdf

causa Icterícia. A talassemia beta maior (homozigota) é a única capaz

de, ocasionalmente, causar Icterícia.

V. Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN): afecção rara com episódios de

hemólise intravascular acompanhados de Icterícia, hemoglobinúria e

hemossiderinúria. A suspeita diagnóstica é feita pelo histórico de urina

avermelhada após o sono e confirmada com teste de acidificação do

sangue (Ham) e sacarose.

B) Fatores extrínsecos levando a hemólise

I. Anemia hemolítica autoimune: destruição extravascular de hemácias

mediada por anticorpos. Pode ser detectada pelo teste de Coombs direto.

Os quadros agudos são mais frequentes em crianças e cursam com baço

palpável, Icterícia, anemia e sintomas constitucionais de febre, vômitos e

prostração. Na forma crônica, o início é insidioso, normalmente em adultos

com Icterícia (75%) e baço palpável. Em 50% dos pacientes, nenhuma

causa é encontrada; no restante, ela é secundária a várias doenças (lúpus

eritematoso, doença maligna reticuloendotelial, sarcoidose e leucemia).

Pode associar-se a plaquetopenia por anticorpos antiplaquetas,

configurando a síndrome de Evans.

II. Hemoglobinúria devido a anticorpos frios: um anticorpo produzido reage

com as hemácias em baixas temperaturas. Pode ocorrer anemia hemolítica

leve e contínua, pontuada por períodos de paroxismos com dor abdominal,

Icterícia e calafrios. Frequentemente é secundária a infecções virais

(micoplasma) e doenças malignas, particularmente linfoma.

III. Drogas e produtos químicos: algumas drogas podem causar hemólise e

Icterícia (Tabela 5).

Tabela 5. Drogas que causam hemólise

Mecanismo

Formação de

haptenos Imunocomplexos Anticorpos

Local de

hemólise Extravascular Intravascular Extravascular

Medicações

Penicilina,

ampicilina,

meticilina,

carbenicilina,

cefalotina

Quinidina, fenacetim,

hidroclorotiazida,

rifampicina, sulfonamidas,

isoniazida, quinina,

insulina, tetraciclina,

melfalam, paracetamol,

hidralazina, probenecida,

clorpromazina,

estreptomicina,

Alfametildopa, ácido

mefenâmico, L-

dopa, procainamida,

ibuprofeno,

diclofenaco de

sódio, interferon alfa

Page 11: Icterícia.pdf

fluorouracil, sulindaco

IV. Deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase (favismo): distúrbio

caracterizado por hemólise intravascular e Icterícia que ocorre em

pacientes portadores de deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase

após a ingestão de certas espécies de feijão, inalação de pólen ou uso de

determinadas drogas.

V. Variadas: hemólise aguda com Icterícia pode ocorrer em várias infecções,

como málaria, gangrena, queimaduras e em pneumonias virais.

Após exercícios excessivos, pós-transfusional e na anemia hemolítica

microangiopática (púrpura trombocitopênica trombótica, hipertensão

maligna, neoplasia disseminada e síndrome hemolítico-urêmica).

VI. Causas intravasculares de hemólise: microangiopáticas (CIVD, PTT, SHU,

eclâmpsia, válvula mecânica, hipertensão maligna), veneno de cobra, HPN,

malária. São caracterizadas por DHL elevado, hemoglobina livre no

sangue, haptoglobina bem baixa ou ausente, hemoglobinúria e

hemossiderinúria. Nas anemias hemolíticas microangiopáticas, encontram-

se esquizócitos. Por outro lado, nas hemoglobinopatias, nos defeitos de

síntese de hemoglobina, nos problemas de membrana, nas anemias

hemolíticas autoimunes e nas enzimopatias, identifica-se hemólise

extravascular.

Captação Reduzida de Bilirrubina no Fígado: Doença de Gilbert

Afecção hereditária presente em 5 a 7% da população, cursa com diminuição

discreta da meia-vida das hemácias, da capacidade hepática de conjugar a bilirrubina e de

transportar a bilirrubina não conjugada para o hepatócito. O grau de Icterícia varia e

geralmente aumenta após exercício, infecção ou jejum. O diagnóstico é feito pela exclusão

de doença hepática.

Conjugação Reduzida de Bilirrubina no Fígado

1. Síndrome de Crigler-Najjar tipo II

Deficiência familiar parcial da enzima glicuroniltransferase, que conjuga a bilirrubina.

O único sintoma costuma ser a Icterícia. Em neonatos, há risco de kernicterus

(impregnação cerebral).

2. Síndrome de Crigler-Najjar tipo I

Deficiência familiar total da enzima, é uma rara doença em que o acúmulo de

bilirrubina indireta é tão alto que ocasiona kernicterus; costuma ser fatal.

3. Icterícia neonatal

Page 12: Icterícia.pdf

Acredita-se que é causada pelo comprometimento da conjugação e da excreção da

bilirrubina, aumento da circulação êntero-hepática e lise acelerada de eritrócitos. Os níveis

de bilirrubina no sangue variam entre 6 e 8 mg/100 mL, com predomínio da fração não

conjugada.

4. Síndrome de Lucey-Driscoll

Causa rara de Icterícia durante a gravidez por inibição hormonal da conjugação de

bilirrubinas.

Hiperbilirrubinemia Conjugada Em pacientes adultos com hiperbilirrubinemia direta, 7 patologias correspondem a

98% dos diagnósticos:

1. Hepatite viral.

2. Doença alcoólica do fígado.

3. Hepatite crônica.

4. Doença hepática induzida por drogas.

5. Cálculos biliares e suas complicações.

6. Cirrose biliar primária.

7. Colangite esclerosante primária.

Dano Hepático Agudo

1. Hepatite viral

Pode ser causada por diversos vírus (rubéola, Coxsackie B, herpes simples, febre

amarela, citomegalovírus); os mais comuns são os das hepatites A, B e C e mononucleose

(consultar capítulo de Hepatites).

2. Infeções não causadas por vírus

I. Febre recorrente: é uma doença causada por várias cepas da bactéria

Borrelia; cursa com Icterícia e febre de 40oC que dura cerca de 4 ou 5 dias e

depois cessa. A forma epidêmica é transmitida por piolhos ou carrapatos.

II. Leptospirose: síndrome de Weil causada por espiroqueta transmitida pela

urina do rato, ocorre em cerca de 5 a 10% dos pacientes com leptospirose.

Apresenta início súbito de mialgia generalizada (principalmente em panturrilha)

associada a febre e cefaleia. Normalmente, entre o 4º e o 7º dia, estes

pacientes apresentam uma Icterícia rubínica, consequente de vasodilatação

cutaneomucosa associada à deposição de bilirrubina (cor vermelho-

alaranjada). A Icterícia é a principal manifestação desta forma, sendo um

parâmetro de gravidade.

III. Sepse: a Icterícia pode estar presente na sepse, independentemente da

localização ou do agente infeccioso. A produção aumentada de citocinas

Page 13: Icterícia.pdf

inflamatórias pelas células de Kuppfer do fígado, associadas à isquemia dos

hepatócitos e à ação de endotoxinas produzidas no intestino, produz colestase

e hiperbilirrubinemia.

a) Induzida por drogas.

b) Venenos: toxinas industriais como tetracloreto de carbono, dicofano (DDT)

e trinitrotolueno (TNT) podem causar necrose hepática. Amanita (cogumelo

selvagem) costuma ser fatal mesmo em pequenas quantidades.

c) Esteato-hepatite da gravidez: afecção periparto pouco frequente, de

etiologia desconhecida, geralmente fatal.

Tabela 6. Fatores que modificam a suscetibilidade individual a apresentar dano

hepático

Idade

Paracetamol, isoniazida e

halotano Idosos são mais suscetíveis

Ácido acetilsalicílico (AAS) e

ácido valproico Crianças são mais suscetíveis

Sexo

Metildopa, nitrofurantoína,

diclofenaco e isoniazida

Mulheres são mais suscetíveis,

principalmente as portadoras de

hepatopatia crônica

Azitromicina Homens são mais suscetíveis

Dose

Paracetamol e AAS

Risco de hepatotoxicidade

proporcional aos níveis

plasmáticos

Tetraciclina, tacrina e isoniazida

Idiossincrasia metabólica dose-

dependente

Dose total/intervalo Metotrexato e vitamina A

Aumento da dose ou da

frequência aumenta a toxicidade

Via de

administração Tetraviclina EV Via oral é raramente tóxica

História prévia de

reação a fármacos

Eritromicina (amoxicilina/ácido

clavulânico); halotano

(enfurano); diclofenaco

(ibuprofeno); amoxicilina

(amoxicilina/ácido clavulânico)

Casos isolados de reação

cruzada

Interação

farmacológica

Ácido valproico e outros

antiepilépticos Risco de hepatotoxicidade

Anticontraceptivos orais e

toleandromicina Risco de colestase

Paracetamol e isoniazida, difenil-

hidantoína Risco de hepatotoxicidade

Page 14: Icterícia.pdf

Isoniazida e ripampicina Mais hepatotóxicos que isolados

Fenobarbital e antidepressivos Risco de hepatotoxicidade

Consumo de álcool

Paracetamol Não superar dose de 2 g/dia

Metotrexato e isoniazida Risco de hepatotoxicidade

Fatores genéticos

Sulfonamidas, hidralazina

Déficit da atividade N-

acetiltransferase 2

D-penicilamida, clorpromazina Déficit da sulfoxidação

Paracetamol Déficit da glutation-sintetase

Difenil-hidantohína

Déficit da atividade da epóxido-

hidrolase

Modulação imunológica

Halotano, antidepressivos

tricíclicos HLA A11

Diclofenaco HLA DR6

Clorpromazina HLA DR6 e DR2

Nitrofurantoína HLA DR1 e DRB5

Amoxicilina/ácido clavulânico DQB1

Enfermidade adjacente

Aids

Sulfametoxazol-trimetoprim,

dapsona Risco de dano hepático

Diabetes e

obesidade Metotrexato, clotrimazol Risco de fibrose hepática

Piora da função

renal Tetraciclinas, alopurinol Risco de dano hepático

Transplante de

órgãos Azatioprina, bussufam Toxicidade vascular

Doença de Still AAS Risco de dano hepático

Hipertireoidismo Halotano Risco de hepatite

Hepatite viral

crônica

Antituberculosos, AINH,

antirretrovirais e metotrexato Risco de dano hepático

Gravidez

Tetraciclina Induz esteatose microvesicular

Paracetamol Risco de dano hepático

Desnutrição Paracetamol Risco de dano hepático

Dano Hepatico Crônico

1. Cirrose (consultar capítulo de cirrose).

2. Tumores: apenas tumores malignos causam Icterícia.

I. Primários: acompanham a cirrose; o câncer hepatocelular é comum em

portadores de hepatite B; o diagnóstico é feito pela dosagem elevada de

Page 15: Icterícia.pdf

alfafetoproteína e da biópsia hepática. O sarcoma primário do fígado e o

hemangiossarcoma são extremamente raros.

II. Metastáticos: frequentes no fígado, cursam com Icterícia branda.

3. Infiltração.

I. Tumores reticuloendoteliais.

II. Amiloidose: raramente causa Icterícia.

Obstrução Biliar Extra-hepática

1. Causas envolvendo a luz dos ductos

I. Cálculos biliares: são a causa mais comum de obstrução biliar. O paciente que

apresenta coledocolitíase e Icterícia obstrutiva pode ou não ser

colecistectomizado. A Icterícia pode ser flutuante e desaparecer

completamente após a eliminação do cálculo. Alguns pacientes são

assintomáticos e apresentam testes anormais de função hepática.

Geralmente, a vesícula biliar não é palpável. Quando a ultrassonografia não

revela dilatação de vias biliares, a CPRE ou a CPT confirmam o diagnóstico.

II. Parasitas: o Ascaris lumbricoides ocasionalmente bloqueia o ducto biliar,

causando Icterícia.

2. Causa afetando as paredes dos ductos

I. Divisão acidental: geralmente por seccionamento cirúrgico acidental.

II. Pancreatite aguda: consultar capítulo específico.

III. Pancreatite crônica: consultar capítulo específico.

IV. Carcinoma do ducto biliar: tumores epiteliais que podem surgir em qualquer

ponto da árvore biliar. Os pacientes apresentam Icterícia obstrutiva indolor.

V. Obliteração congênita do ducto biliar: Icterícia obstrutiva profunda que surge

no 3º dia após o nascimento. A insuficiência hepática ocorre entre os 3 e 6

meses.

3. Compressão extrínseca do ducto biliar ou invasão pelo lado externo

I. Tumores do pâncreas: produzem Icterícia por invasão do ducto biliar comum

ao passar pela cabeça da glândula. A Icterícia é progressiva, eventualmente

flutuante e associada à perda de peso. Hepatomegalia e vesícula biliar

palpável podem estar presentes.

II. Causas raras: adesões peritoneais, linfonodos portais aumentados, síndrome

de Mirizzi, aneurisma da artéria hepática, cistos hidáticos, cistos

retroperitoneais e divertículo duodenal.

Colestase Intra-hepática

1. Síndrome de Dubin-Johnson e síndrome de Rotor

Afecções familiares benignas raras com Icterícia por hiperbilirrubinemia direta.

Ocorre o transporte insuficiente da bilirrubina até o canalículo biliar, o que confere, no

Page 16: Icterícia.pdf

primeiro caso, uma pigmentação marrom ao fígado e, na síndrome de Rotor, a principal

diferença é a ausência deste pigmento marrom.

2. Gravidez

Algumas mulheres desenvolvem colestase no último trimestre da gravidez.

3. Drogas.

Carotenemia Não é Icterícia. Consiste na deposição do pigmento betacaroteno na pele,

particularmente nas palmas das mãos, na esclera e nas membranas mucosas.

TRATAMENTO O tratamento da Icterícia consiste no tratamento da doença de base e depende da

doença com a qual o sintoma está associado. Nos casos de hepatite viral aguda, o

tratamento geralmente é domiciliar e sintomático. Já se a causa for obstrução da

drenagem biliar por cálculo, o tratamento é endoscópico ou cirúrgico. Em casos de tumor,

geralmente a intervenção é cirúrgica, com avaliação da extensão e do tipo de câncer

diagnosticado. Em alguns casos, há a possibilidade da recidiva da doença, ou seja, todos

os sintomas, incluindo a Icterícia, poderão reaparecer.

Em razão das inúmeras possibilidades, é fundamental identificar os primeiros sinais

de Icterícia e diagnosticar sua causa para adotar o tratamento mais eficaz. Desta forma,

reduz-se o risco do aparecimento de complicações secundárias.

Não se dispõe, até o momento, de terapêutica específica para Icterícia. Medidas

como colestiramina, rifampicina, fenobarbital, ácido ursodeoxicólico, S-adenosilmetionina e

plasmaférese têm sido empregadas para aliviar o prurido. A causa do prurido ainda é

incerta, pois não está diretamente relacionada ao nível sanguíneo de bilirrubina. Mesmo

assim, o uso de um quelante de sais biliares, a colestiramina, em uma dose de até 12

g/dia, é a primeira escolha no tratamento. Quando não há resposta, é possível o uso de

rifampicina, iniciando-se com 150 mg/dia.

O ácido ursodeoxicólico também pode ser utilizado. É um variante de sais biliares

mais hidrofílico (mais solúvel em água) que a maioria dos sais biliares. Quando

administrado em doses terapêuticas (13 a 15 mg/kg/dia), passa a constituir cerca de 40%

do total de ácidos biliares, que se torna menos detergente e tóxico. Além disso, parece ter

efeito na imunidade nos hepatócitos e canais biliares.

Pacientes ictéricos também podem apresentar deficiências vitamínicas por

diminuição da absorção de vitaminas lipossolúveis, com sintomatologia própria: vitamina A

(cegueira noturna), vitamina D (osteoporose, osteomalácia), vitamina E (alterações

neurológicas) e vitamina K (coagulopatia). Como o excesso pode ser tão danoso quanto à

deficiência, apenas recomenda-se a reposição após exames laboratoriais comprovatórios.

Page 17: Icterícia.pdf

Xantomas múltiplos podem levar à dor por infiltração dos nervos e podem ser

tratados com plasmaférese. A xeroftalmia (olho seco) melhora com colírios que simulam a

lágrima, e os fenômenos de Raynaud, com bloqueadores de canais de cálcio.

Deve-se descontinuar o uso de qualquer tipo de droga hepatotóxica e, em casos

mais graves, suporte hemodinâmico em unidades de terapia intensiva pode ser

necessário.

A administração de N-acetilcisteína pode minimizar a necrose hepática induzida por

paracetamol, mas para que esta terapêutica seja eficaz, deve ser introduzida nas primeiras

horas, preferencialmente até 8 horas da exposição, com dose inicial de 150 mg/kg, via

intravenosa por 15 minutos, seguida de infusão de 50 mg/kg em 500 mL de dextrose a 5%

por 4 horas e, a seguir, 100 mg/kg em 1 litro de dextrose a 5% nas próximas 16 horas

(totalizando 300 mg/kg em 20 horas).

Pacientes com Icterícia obstrutiva por cálculo com menos de 60 anos de idade são

comumente submetidos à desobstrução endoscópica, percutânea ou cirúrgica. A CPRE é

o melhor procedimento para os indivíduos idosos com cálculos biliares localizados nas vias

biliares e que já foram submetidos à remoção da vesícula biliar. Para esses indivíduos, o

índice de sucesso é comparável ao da cirurgia abdominal.

É sempre importante descartar quadro infeccioso grave e a necessidade imediata de

antibioticoterapia ou procedimentos de desobstrução.

Os tumores de fígado, vias biliares e pâncreas devem ser descartados em pacientes

com Icterícia colestática, pois o prognóstico depende do diagnóstico e de terapêutica

precoces.

O transplante hepático é a última alternativa de tratamento para portadores de

hepatopatias em estágio avançado. Quando o paciente transplantado continua a consumir

álcool de forma abusiva ou quando a causa subjacente não puder ser alterada, o fígado

transplantado acabará evoluindo para a cirrose. Pacientes com Icterícia por hiperbilirrubinemia indireta precisam ser investigados

quanto à presença de anemia hemolítica, cujo tratamento também varia de acordo com o fator desencadeante. De maneira geral, orienta-se que:

Transfusões sanguíneas devem ser utilizadas apenas quando absolutamente

necessárias (p.ex., angina e cor anêmico).

Deve-se suspender drogas, descontinuando o uso de agentes que causam

hemólise.

Deve-se administrar ácido fólico porque a hemólise ativa consome folato e causa

megaloblastose.

Corticoides estão indicados anemia hemolítica autoimune.

Imunoglobulina (IgG) pode ser usada em pacientes com anemia hemolítica

autoimune, mas apenas alguns pacientes respondem e de forma transitória.

Pode-se repor ferro nos casos de hemólise intravascular severa com

hemoglobinúria persistente ocasionando perda substancial de ferro. Entretanto,

antes de iniciar a reposição, deve-se avaliar o perfil férrico, principalmente porque

Page 18: Icterícia.pdf

o estoque de ferro pode estar elevado em pacientes que requerem terapia

transfusional crônica.

Esplenectomia pode ser necessária em alguns tipos de anemia hemolítica, como

na esferocitose familiar ou na falência terapêutica das anemias hemolíticas

autoimunes. Nestes casos, a imunização contra agentes capsulados

(Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumonia) deve ser realizada antes

do procedimento e em pacientes com anemia falciforme (autoesplenectomia).

Para maiores detalhes, consultar os capítulos específicos.

TÓPICOS IMPORTANTES A Icterícia é um achado frequente na prática médica, que deve sempre ser

valorizado e investigado.

Apresenta diversas etiologias possíveis, muitas delas graves e de conduta

urgente.

O tratamento consiste no tratamento da patologia desencadeante e na retirada de

drogas tóxicas.

ALGORITMOS Algoritmo 1. Avaliação de Icterícia.

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1. Marcadores de autoimunidade: antinúcleo, antimicrossomal, antimúsculo liso,

antimitocôndria e p-ANCA.

2. Forte suspeita de patologia biliar extra-hepática. 3. Leptospirose, mononucleose, rubéola, coxsackie B, herpes, febre amarela,

citomegalovírus e sepse (independentemente da etiologia).

Algoritmo 2. Avaliação de hiperbilirrubinemia indireta.

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1. Anemia hemolítica microangiopática: púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome

hemolítico-urêmica, eclâmpsia e hipertensão maligna.

2. Lúpus, doença maligna retículo-endotelial, sarcoidose e leucemia.

3. Malária, pneumonias, gangrena.

4. Consultar Tabela 5.

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