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UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI
CURSO DE DIREITO
IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA:
A (IN)EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
Katielly Paula Calliero
Lajeado, dezembro de 2017
Katielly Paula Calliero
IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA:
A (IN)EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
Monografia apresentada na disciplina de
Trabalho de Curso II, do Curso de Direito, da
Universidade do Vale do Taquari - Univates,
como parte da exigência para a obtenção do título
de Bacharela em Direito.
Orientador: Prof. Me. Mateus Bassani de Matos
Lajeado, dezembro de 2017
Katielly Paula Calliero
IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA:
A (IN)EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
A Banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de
Curso II – Monografia, do curso de graduação em Direito, da Universidade do Vale do
Taquari – Univates, como parte da exigência para a obtenção do grau de Bacharela em
Direito:
Prof. Me. Mateus Bassani de Matos – orientador Universidade do Vale do Taquari – Univates Prof. Esp. Jorge Ricardo Decker Universidade do Vale do Taquari – Univates Sr. Ivan Luiz Steffens Mestre em Direito Público e Advogado Tributarista
Lajeado, 07 de dezembro de 2017.
RESUMO
O princípio da capacidade contributiva visa a garantir que os encargos tributários sejam repartidos de acordo com as possibilidades de cada cidadão, atuando como base para uma efetiva justiça fiscal. Esta monografia tem como objetivo geral analisar o atual modelo de tributação do imposto de renda pessoa física e suas implicações no que tange à eficácia do princípio da capacidade contributiva. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de instrumental técnico bibliográfico e documental. O estudo inicia pela identificação dos objetivos e do sentido da tributação, sob uma perspectiva principiológica, com enfoque para os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Em seguida, apresenta noções sobre o imposto de renda pessoa física, explanando sobre sua conceituação e características específicas à luz dos preceitos constitucionais aplicáveis ao tributo. Finalmente, discorre sobre as iniquidades legislativas em relação à tributação da renda, que geram a ineficácia do princípio da capacidade contributiva e inviabilizam o acesso a direitos fundamentais e sociais da pessoa humana, investigando alternativas potencialmente úteis para a correção dessas injustiças tributárias. Dessa forma, conclui que, apesar do seu grande potencial redistributivo, o imposto de renda pessoa física vem tendo sua função desvirtuada pela inobservância aos princípios constitucionais basilares do Sistema Tributário Nacional, notadamente ao princípio da capacidade contributiva. Diante disso, a tributação da renda tem ampliado a concentração de riquezas e, consequentemente, a desigualdade social no País.
Palavras-chave: Princípio constitucional da capacidade contributiva. Imposto de renda pessoa física. Justiça tributária.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus, por permitir que eu tenha a oportunidade de
alcançar uma segunda formação acadêmica, a qual me propiciará lutar pelos ideais que se
transformaram em minha motivação de vida e que me encorajam a seguir em frente todos os
dias, com força e paciência.
Agradeço, também, ao meu noivo, pelo companheirismo, pelo carinho, pela
serenidade e compreensão com que sempre me incentiva a perseguir meus objetivos.
A minha mãe, meu eterno agradecimento, por estar sempre pronta a me ajudar, na
simplicidade de suas palavras e no conforto de sua presença.
Por fim, agradeço ao meu orientador, por todo o conhecimento que me foi repassado,
pela constante disponibilidade para me auxiliar e pelas palavras de estímulo e de confiança.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6 2 JUSTIÇA TRIBUTÁRIA ..................................................................................................... 9 2.1 Os objetivos e o sentido da tributação .............................................................................. 9 2.2 Fiscalidade e extrafiscalidade .......................................................................................... 13 2.3 Princípios constitucionais de justiça tributária ............................................................. 17 2.3.1 Princípio constitucional da igualdade .......................................................................... 20 2.3.2 Princípio da capacidade contributiva .......................................................................... 23 3 IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA ....................................................................... 28 3.1 Conceito ............................................................................................................................. 28 3.2 Competência e sujeitos da relação jurídico-tributária .................................................. 32 3.3 Fato gerador ...................................................................................................................... 36 3.4 Base de cálculo e alíquotas ............................................................................................... 40 4 A INEFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA AO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA .......................................................................... 45 4.1 O aumento velado do imposto de renda e a inobservância aos princípios da progressividade e da capacidade contributiva ..................................................................... 45 4.2 O desrespeito ao critério de renda líquida tributável e a violação ao mínimo vital dos contribuintes ........................................................................................................................... 53 4.3 A desigualdade entre a tributação da renda, do trabalho e do capital ........................ 58 4.4 Alternativas potencialmente úteis para a correção das injustiças tributárias relacionadas ao imposto de renda pessoa física ................................................................... 65 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 71 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 75
6
1 INTRODUÇÃO
A tributação pode e deve ser utilizada como ferramenta para a redução das
desigualdades econômicas e sociais, sobretudo em se tratando de um Estado Democrático de
Direito como o Brasil, que traz em sua carta constitucional os objetivos fundamentais de
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, comprometida com a erradicação da
pobreza e da marginalização e com o desenvolvimento nacional. Nesse panorama, o imposto
de renda pessoa física pode ser um importante aliado na tarefa de redistribuição de riquezas
no País, incidindo mais fortemente sobre aqueles que detêm maior capacidade econômica e
deixando de onerar aquela parcela da população que não dispõe de acréscimos patrimoniais
efetivamente tributáveis.
No entanto, para que o aludido imposto desempenhe essa função é preciso que o
modelo de tributação estatal esteja em perfeita consonância com princípios constitucionais
relacionados à justiça fiscal, notadamente com o da capacidade contributiva. Assim, a análise
da atual sistemática de tributação da renda das pessoas físicas, associada à eficácia do
princípio da capacidade contributiva, consiste em um importante objeto de pesquisa, a ser
estudado e debatido na comunidade acadêmica, eis que impacta diretamente na
disponibilidade econômica das famílias brasileiras.
Outrossim, em sendo o imposto de renda considerado um tributo com alta carga de
pessoalidade, faz-se relevante a exposição de aspectos que distingam renda líquida tributável,
de rendimentos imprescindíveis a uma existência com dignidade e igualdade de
oportunidades. Nesse sentido, em termos de objetivo geral, o trabalho pretende analisar o
atual modelo de tributação do imposto de renda pessoa física e suas implicações no que tange
à eficácia do princípio da capacidade contributiva.
7
Partindo da premissa que o princípio da capacidade contributiva visa a garantir que os
encargos tributários sejam repartidos de acordo com as possibilidades de cada cidadão,
atuando como base para uma efetiva justiça fiscal, o problema central do estudo consiste em
verificar: como o atual modelo de tributação do IRPF pode gerar a (in)eficácia do princípio da
capacidade contributiva aos brasileiros? Como hipótese para tal questionamento, estima-se
que a atual sistemática de tributação da renda das pessoas físicas fragiliza o princípio da
capacidade contributiva e vai de encontro ao objetivo fundamental constitucional de redução
das desigualdades sociais no País. Nesse cenário, torna-se legítimo adotar um posicionamento
crítico frente a determinadas características do imposto de renda pessoa física, que acabam
por tributar valores significativamente maiores que a disponibilidade financeira de parte dos
cidadãos, enquanto para uma parcela da população, com grande aptidão para contribuir com a
sociedade, o pagamento deste tributo incide em valores inexpressivos em relação a sua
capacidade econômica.
Quanto à abordagem, a pesquisa adotará o modelo qualitativo, que, consoante
Mezzaroba e Monteiro (2014), envolve a compreensão das informações de uma forma global
e inter-relacionada com vários fatores, privilegiando contextos e ponderando os dados
obtidos. O método de pesquisa será o dedutivo, sendo que os instrumentais técnicos referem-
se à utilização de material bibliográfico e documental, consubstanciado em doutrina, artigos
de periódicos, legislação e material bibliográfico de estudiosos da área encontrados em meios
eletrônicos e sites especializados, voltados, inicialmente, a identificar aspectos de justiça
tributária, passando pela descrição do imposto de renda pessoa física, até se chegar ao ponto
central da pesquisa quanto à ineficácia do princípio da capacidade contributiva em relação ao
imposto de renda pessoa física.
De tal modo, no primeiro capítulo de desenvolvimento deste trabalho, serão
identificados os objetivos e o sentido da tributação, trazendo-se conceitos de fiscalidade e
extrafiscalidade e examinando-se os princípios constitucionais de justiça tributária,
notadamente o princípio da igualdade e o da capacidade contributiva. Para um melhor
entendimento quanto ao tema, serão abordadas noções sobre o conceito de Estado Fiscal, seus
fundamentos e limites, dando maior enfoque à função protecionista que o princípio da
capacidade contributiva desempenha.
No segundo capítulo, serão apresentadas noções sobre o imposto de renda pessoa
física, explicando sua conceituação, competência para instituição e sujeitos da relação
8
jurídico-tributária. Além disso, serão explanadas suas características específicas atinentes ao
fato gerador, base de cálculo e alíquotas vigentes. Em especial, serão verificados quais
rendimentos compõem a chamada renda líquida tributável, esclarecendo os conceitos legais à
luz dos preceitos constitucionais aplicáveis à matéria.
Finalmente, no terceiro capítulo, discorrer-se-á sobre o aumento velado do imposto de
renda e a inobservância aos princípios da progressividade e da capacidade contributiva, diante
da ausência de reajuste da tabela progressiva do IRPF, do reduzido escalonamento de suas
alíquotas, bem como dos baixos valores estipulados para as bases de cálculo. Também será
explanado sobre o desrespeito ao critério de renda líquida tributável e a violação ao mínimo
vital dos contribuintes, ou seja, àquela parcela de recursos indispensável à satisfação das
necessidades básicas do indivíduo. Ainda, será aferida a desigualdade entre a tributação da
renda do trabalho e do capital, investigando-se, ao final, alternativas potencialmente úteis para
a correção das injustiças tributárias relacionadas ao imposto de renda pessoa física.
9
2 JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Garantir a eficácia de princípios basilares como o da capacidade contributiva pode, em
certo grau, atender às expectativas de construção de uma efetiva justiça fiscal, baseada na
igualdade substancial entre os contribuintes. Diante disso, é que o presente capítulo procura
identificar os objetivos e o sentido da tributação, abordando conceitos de fiscalidade e
extrafiscalidade e examinando os princípios constitucionais de justiça tributária, notadamente
o princípio da igualdade e o da capacidade contributiva.
2.1 Os objetivos e o sentido da tributação
Para fazer frente às necessidades coletivas, cumprindo com as múltiplas e
diversificadas funções que lhe foram atribuídas pelo ordenamento jurídico atual, o Estado
carece de amplos recursos materiais e humanos. Ocorre que, diferentemente do Estado
absolutista – que era essencialmente patrimonialista e detinha os bens suscetíveis de produção
de rendimentos na sua titularidade –, o Estado moderno tem por suporte financeiro básico e
determinante a figura dos impostos (NABAIS, 2009).
A tributação consiste no principal meio de financiamento do Estado contemporâneo,
razão pela qual convencionou-se chamá-lo de Estado fiscal. Com efeito, “sem a arrecadação
de recursos, não há como realizar políticas públicas que sirvam à concretização das promessas
constitucionais, nem como manter a própria estrutura estatal em funcionamento” (BUFFON;
MATOS, 2015b, p. 142).
Nesse contexto, a atividade financeira da administração pública constitui um dos
setores mais relevantes a serem desenvolvidos por seus agentes, dentro do qual deve ser
10
observado um conjunto de normas jurídicas, denominado por Nabais (2009, p. 4) de “Direito
Financeiro Público”. Para o doutrinador esse ramo do direito pode ser definido como “o
complexo de normas jurídicas que disciplinam a obtenção e distribuição do dinheiro
necessário ao funcionamento dos entes públicos e, bem assim, à gestão dos bens de
propriedade desses mesmos entes”.
Segundo Baleeiro (2003), o conjunto normativo que compõe o Direito Financeiro,
abrange questões atinentes a receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal, cuidando
tanto das relações jurídicas decorrentes da tributação e despesa, quanto das questões
orçamentárias e peculiaridades contratuais que envolvem o Estado na qualidade de devedor.
Contudo, quando se trata de analisar especificamente as relações jurídicas estabelecidas entre
o Fisco, como sujeito ativo, e os contribuintes ou terceiros, na qualidade de sujeitos passivos,
o jurista assevera que se está diante do chamado Direito Fiscal ou Tributário, que é um sub-
ramo do Direito Financeiro e que cuida do restrito campo das receitas compulsoriamente
recebidas pelo Estado.
Faveiro (2002) explica que, essa área específica atinente às receitas fiscais,
inicialmente, possuía reduzida importância em termos de juridicidade das situações tributárias
e da posição jurídica do cidadão-contribuinte – que era visto como sujeito de prestações
pecuniárias unilaterais, impostas à força e com base na autoridade do poder soberano. Nesse
cenário, a imposição de pagar tributos era exercida com larga discricionariedade e as
hipóteses de incidência eram definidas pela facilidade e segurança na cobrança, resultando em
uma pluralidade desordenada de impostos, que não evidenciava qualquer preocupação com a
justa distribuição do dever de contribuição.
No Estado de Direito, entretanto, exige-se que a tributação esteja baseada em
incontestáveis critérios materiais de justiça. Assim, o Estado Fiscal atual é perspectivado a
partir dos cidadãos e consubstanciado no princípio da liberdade, da livre disponibilidade
econômica das pessoas, físicas e jurídicas, que só poderão sofrer limitações em sua liberdade
de decisão quando houver dano à coletividade ou à preservação da própria liberdade
individual (NABAIS, 2009).
Nessa mesma linha de raciocínio, Chanel (2009) entende que a cidadania é o
fundamento das obrigações fiscais. Logo, é possível dizer que a atual carga tributária
suportada pelos contribuintes constitui um preço:
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[...] o preço que pagamos por termos a sociedade que temos, por dispormos de uma sociedade assente na ideia de liberdade ou, o que é o mesmo, assente no prévio reconhecimento dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos indivíduos e suas organizações. Por isso, os impostos hão de constituir um preço aceitável, ou seja, um preço limitado. Um preço que, estou certo, muitas das sociedades, que nos antecederam, gostariam de ter pago e algumas das actuais não enjeitariam suportar (NABAIS, 2009, p. 128).
Dentro desse panorama, Chanel (2009, p. 61) aduz que os impostos têm sua cobrança
legitimada à medida que o financiamento da ação do Estado é um pressuposto de existência
da sociedade. Para o autor, “na questão do fundamento do imposto, existe uma resposta para a
cidadania do contribuinte: o imposto é devido em razão do pertencimento a uma comunidade
politicamente organizada”.
O dever de contribuir, portanto, passa a ser um preceito constitucional, inerente à
própria natureza das pessoas que se unem em uma sociedade política. Daí a necessidade da
contribuição de todos para a constituição, organização e manutenção de todas as estruturas
coletivas indispensáveis à realização integral dos seres que compõem a sociedade,
assegurando-se a ordem, a segurança, a saúde, a educação e a cultura (FAVEIRO, 2002).
Ao reconhecer que o dever de pagar tributos consiste em uma das principais
manifestações de cidadania, evidencia-se a própria razão de existência do Estado, que é a
obtenção e manutenção do bem comum. E esse fim, no atual formato estatal, imprescinde da
arrecadação de tributos (BUFFON; MATOS, 2015b). Outrossim, a partir do dever de
contribuir para a manutenção e desenvolvimento da sociedade em que se vive, denota-se a
inequívoca ideia de solidariedade presente na tributação (BUFFON, 2009).
A importância desse dever para a configuração do Estado também é ressaltada por
Chulvi (2001) ao afirmar que eles representam um elemento crucial da ordem constitucional.
A autora explica que, à semelhança dos direitos fundamentais, pode-se atribuir a estes deveres
constitucionais uma dupla dimensão ou natureza:
[...] desde un punto de vista subjetivo, los deberes constitucionales están orientados a definir el status jurídico de los ciudadanos puesto que son los instrumentos que permiten al poder público lograr la igualdad material entre aquéllos. Los deberes constitucionales inciden em la esfera de libertad y em la esfera patrimonial de todos los sujetos sometidos al ordenamento jurídico y se erigen en elementos garantizadores de un reparto coletivo de las tareas que tutelan un interés colectivo. En su dimensión objetiva, los deberes constitucionales se confirman como elementos configuradores del propio orden jurídico-político (CHULVI, 2001, p. 295).
12
A imposição desses deveres fundamentais aos cidadãos, no entanto, requer uma
legitimação superior, consistente no próprio fim para o qual foram instituídos: o interesse do
bem comum. De tal modo, a carga tributária somente é distribuída entre os cidadãos, fazendo
com que todos contribuam solidariamente, em razão da consecução do fim público a que se
destina (CHULVI, 2001).
Destarte, nesse complexo de instituições e realidades que revestem a vida coletiva, a
fiscalidade ocupa papel de relevo contemporaneamente e busca realizar uma justa e eficaz
repartição dos tributos, institucionalizando-os e disciplinando-os com vistas a que a
humanidade se caracterize e identifique (FAVEIRO, 2002). Para tanto, o sistema fiscal deve
ser coerente e capaz de oferecer soluções praticáveis em termos de custos minimamente
suportáveis para os cidadãos (NABAIS, 2009).
É preciso ter em mente que os impostos fundamentam o início de uma justiça
distributiva, ao passo que o débito de cada cidadão é ilimitado e, em um nível coletivo, deixa
aberta a questão da justa repartição (CHANEL, 2009). Essa questão, porém, não é facilmente
respondida, pois:
[...] a repartição igual pode ser considerada como o princípio de uma repartição equitativa, mas poderá também assim lhe ser preferida uma repartição do imposto voluntariamente desigual, mas julgada mais equivalente, ou diferentemente adaptada a um objetivo de interesse geral pretendido pelo legislador (CHANEL, 2009, p. 63).
Quanto ao ponto, Faveiro (2002) acrescenta que a justa repartição do dever de
contribuir deve ser balizada na capacidade econômica de cada cidadão, a fim de se corrigir os
desequilíbrios sociais porventura existentes. Os critérios para aferição dessa capacidade, por
sua vez, poderão variar de acordo com a estrutura política da coletividade, mas sempre
deverão ter por base a dignidade da pessoa humana.
Com base em tais considerações, é possível se chegar a uma noção avançada de
imposto, que supera o viés objetivo da arrecadação de receitas para integrar em suas
finalidades a persecução de objetivos econômico-sociais, através da intervenção do sistema
fiscal. Assim, a depender da finalidade visada pelo Estado, esse intervencionismo poderá
direcionar seus esforços para a redistribuição do rendimento e da riqueza, para a estabilização
e regulação da economia ou, ainda, para o desenvolvimento econômico do país (PEREIRA,
2007).
13
Por conseguinte, a tributação pode ser caracterizada como um forte instrumento de
materialização dos direitos dos cidadãos, ocupando posição central no Estado Democrático de
Direito, inclusive, como pressuposto de sua atuação funcional. Baseada ideologicamente em
um conceito de solidariedade, no qual cada cidadão deve colaborar com os demais de acordo
com suas possibilidades, a tributação assume incontestável função redistributiva (BUFFON;
MATOS, 2015b).
2.2 Fiscalidade e extrafiscalidade
As necessidades coletivas de uma sociedade politicamente organizada estão
intimamente ligadas às necessidades financeiras que o Estado possui para tentar satisfazê-las
integralmente. No centro dessa relação, encontram-se os tributos, juridicamente estabelecidos
e cobrados dos cidadãos. Segundo Faveiro (2002, p. 297), essa é a concepção tradicional da
tributação-fiscal, na qual:
[...] o contributo individual é imposto aos cidadãos em harmonia com o objecto e o volume das necessidades financeiras do Estado ou das entidades públicas incumbidas da realização integral da colectividade, baseando tal imputação ou tributação na prévia avaliação da capacidade contributiva, na justa repartição do correspondente dever inato de contribuir, e nos planos de acção administrativa para a realização integral da colectividade e das pessoas que a constituem, em termos de bem-estar e de bem-ser.
Dentro desse panorama, evidencia-se a função precípua dos tributos na atividade
financeira do Estado, uma vez que a arrecadação de recursos destaca-se historicamente como
o principal objetivo da tributação. Todavia, no Estado moderno, os tributos desenvolveram
também uma função intervencionista, chamada de função extrafiscal (MACHADO, 2014).
Essa intervenção refere-se à possibilidade de o Estado atuar na sociedade, sobretudo
nos campos econômico e social, pela via fiscal. Logo, a finalidade da tributação deixa de ser
meramente arrecadatória, ainda que, por meio da atividade extrafiscal, recursos sejam
recolhidos aos cofres públicos (BUFFON; MATOS, 2015b).
Com efeito, Harada (2017) afirma que, do ponto de vista doutrinário, os tributos
podem ser divididos em fiscais, que seriam aqueles decretados no interesse da arrecadação, e
em extrafiscais, que seriam aqueles utilizados como instrumento regulatório de atividades.
Machado (2014, p. 69), por sua vez, sustenta que, de acordo com seus objetivos, os tributos
devem ser classificados em:
14
(a) fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado; (b) extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros; (c) parafiscal, quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas.
Yamashita (2014) também defende que as normas tributárias sejam diferenciadas em
razão da sua finalidade. Porém, ele traz a seguinte classificação: (i) normas de finalidade
fiscal, denominadas também de “Fiskalzwecknormen”; (ii) normas de finalidade social,
também chamadas de “Sozialzwecknormen”; e (iii) normas de finalidade simplificadora,
“Vereinfachungsnormen”.
Em relação às normas de finalidade fiscal, Yamashita (2014) explica que são aquelas
que têm como propósito primário a arrecadação de recursos, eis que se destinam a suprir as
necessidades financeiras do Estado. Quanto ao ponto, Nabais (2009) acrescenta que os
impostos de natureza fiscal seriam os “verdadeiros impostos”, porquanto têm por objetivo
principal a obtenção de receitas.
Vale ressaltar que, em se tratando de um Estado Democrático de Direito, a finalidade
fiscal deve se orientar segundo princípios de justiça tributária, notadamente, pelos princípios
da igualdade e da capacidade contributiva, a fim de que a repartição da carga tributária não
seja arbitrária (YAMASHITA, 2014). Nesse sentido, a fiscalidade deve ser operada em
conformidade com a capacidade contributiva daqueles que têm o dever inato de cooperar para
a realização da coletividade (FAVEIRO, 2002).
Coadunam com essas reflexões Buffon e Matos (2015b) ao explanarem que a
arrecadação, em termos fiscais, deve ser graduada seguindo-se o princípio da capacidade
contributiva, sob pena de não alcançar os fins para que se destina, em especial, o de redução
das desigualdades sociais. Porém, a observância de tais critérios não retira o caráter
eminentemente arrecadatório da norma, pois as leis tributárias estão predominantemente
impregnadas de finalidade fiscal (YAMASHITA, 2014).
No que tange à normas de finalidade social, Yamashita (2014) aduz que seriam
aquelas de caráter dirigista ou extrafiscal, o que pressupõe uma forma de indução, regulação
ou intervenção na política econômica, agrária, social (redistributiva), ambiental, etc., visando
ao interesse do bem comum, ou seja, o benefício da sociedade, sem a finalidade fiscal. Como
exemplos destas normas o autor cita o regime especial aduaneiro, que estimula a exportação
15
mediante desoneração tributária, e as altas alíquotas do IPI para cigarros, como forma de
desestimular a venda por meio da oneração tributária.
Faveiro (2002) explica que, essas normas são projetadas para surtir efeitos de
“desagravamento” ou de “agravamento” de tributos, em face de situações tidas por favoráveis
ou desfavoráveis ao cumprimento de certa incumbência político-social em causa. Nessa
mesma linha, Buffon e Matos (2015b, p. 192) afirmam que a extrafiscalidade constitui um
meio de “[...] utilização do sistema tributário para estimular ou desestimular determinadas
condutas” e acrescentam que esse instrumento de intervenção econômica e social deve ser
empregado para a realização dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos.
De acordo com Carrazza (2005, p. 128):
Extrafiscalidade é justamente o emprego dos meios tributários para fins não-fiscais, mas ordinatórios – isto é, para disciplinar comportamentos de virtuais contribuintes, induzindo-os a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. A fazer, bem entendido, o que atende ao interesse público; a não-fazer o que, mesmo sem ser ilícito, não é tão útil ao progresso do país.
Contudo, ainda que essas normas de finalidade social possam ser utilizadas para
desestimular comportamentos tidos por indesejáveis, Yamashita (2014) adverte que para o
Supremo Tribunal Federal as normas extrafiscais não podem ultrapassar o mero desincentivo,
para não adquirirem feição de sancionadoras de ilícitos. Quanto ao ponto, Nabais (2009, p.
19) salienta que “da finalidade dos impostos está excluída necessariamente a finalidade
sancionatória”.
Constata-se, pois, que a extrafiscalidade se prende ao elemento teleológico ou
finalístico dos impostos, perseguindo interesses de natureza econômica e fiscal (NABAIS,
2009). Essa atuação, por seu turno, efetiva-se por meio da chamada política fiscal, que
consiste “no uso adequado dos vários impostos e das características que os recortam
(incidência, isenções, taxas, etc.) no sentido de serem prosseguidos os objectivos económico-
sociais definidos” (PEREIRA, 2007, p. 355).
Por fim, com relação à terceira espécie de finalidade das normas tributárias trazida por
Yamashita (2014), a finalidade simplificadora, ou “Vereinfachungsnormen”, consiste na
aplicação do princípio da praticabilidade do Direito e preconiza que as normas devem
abandonar seu rigor abstrato a fim de alcançar maiores resultados práticos. Nesse contexto, o
16
objetivo de tais normas seria tornar a aplicação das leis tributárias mais efetiva, mediante a
redução da complexidade que permeia o sistema.
A partir dos conceitos explanados, percebe-se que, conforme o objetivo almejado pela
lei que disciplina a incidência tributária, os tributos podem ter finalidade fiscal (ou
arrecadatória) ou finalidade extrafiscal (ou regulatória/intervencionista). De tal modo:
[...] se a instituição de um tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos (ou seja, a finalidade da lei e arrecadar), ele se identifica como tributo de finalidade arrecadatória. Se, com a imposição, não se deseja arrecadar, mas estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas, sociais, de saúde etc., diz-se que o tributo tem finalidades extrafiscais ou regulatórias (AMARO, 2016, p. 110-111).
Assim, verifica-se que os tributos, sobretudo os impostos, podem ser utilizados para
influenciar a economia do Estado, ampliando o escopo de sua finalidade usual de arrecadação
de receitas para interferir no âmbito econômico e social do país (PEREIRA, 2007). De tal
maneira, os impostos de uma forma geral, podem ter finalidades que ultrapassam a questão
financeira ou fiscal, visando a outras finalidades, excluída apenas a função sancionatória
(NABAIS, 2009).
Ainda, observa-se que “a extrafiscalidade, em maior ou menor grau, pode estar
presente nas várias figuras impositivas” (AMARO, 2016, p. 111). É possível afirmar,
inclusive, que todos os tributos possuem um viés arrecadatório e regulatório
concomitantemente, ainda que em diferentes intensidades. Embora o constituinte tenha
encontrado em alguns tributos específicos o veículo propício para a inserção de normas
reguladoras, as normas do tipo indutoras podem ser difundidas em qualquer espécie tributária
(SCHOUERI, 2017).
Outrossim, até na ideia de solidariedade, advinda do Estado fiscal social e que faz da
tributação um dever fundamental dos cidadãos, podem ser vislumbrados os dois enfoques da
fiscalidade e extrafiscalidade. Nesse sentido, Buffon (2009, p. 98), conclui que:
a) a ideia da solidariedade pela fiscalidade implica a exigência de tributos de acordo com a capacidade contributiva do cidadão e, portanto há um direito/dever de contribuir conforme a referida capacidade; b) a solidariedade pela extrafiscalidade se constitui um importante instrumento de concretização de objetivos e direitos fundamentais.
Enfim, da análise das funções fiscal e extrafiscal dos tributos, torna-se forçoso
reconhecer que os impostos podem ser grandes instrumentos de justiça tributária e de
17
distribuição de renda. Contudo, para servirem a fins extrafiscais de justiça social é preciso que
em sua incidência sejam observados os princípios constitucionais que permeiam o sistema
tributário, com destaque para o princípio da capacidade contributiva, que decorre do princípio
da igualdade (DIFINI, 2008).
2.3 Princípios constitucionais de justiça tributária
A Constituição, por ocupar o nível supremo da ordem jurídica brasileira, enumera os
princípios fundamentais de organização e finalidade da atuação estatal. De tal modo, a Carta
Magna é a norma limitadora do poder público e o fundamento de todo o sistema jurídico,
sendo que as suas diretrizes, explícitas ou implícitas, devem ser observadas pelos cidadãos e
pelo próprio Estado (CARRAZZA, 2011).
No que tange ao Direito Tributário, pode-se dizer que o ramo recebeu considerável
importância constitucional por possuir a “[...] circunstância especial de, por um lado,
representar fonte de receita para o Poder Público e, de outro, acarretar ingerência no
patrimônio dos particulares” (MELO, 2012, p. 10). O exercício da competência tributária,
portanto, não pode se furtar de obedecer à imperatividade dos comandos constitucionais,
devendo ocorrer dentro de balizamentos materiais e formais predeterminados (AMARO,
2016).
Em função disso, Melo (2012) afirma que, ao exame da matéria tributária, impõe-se a
compreensão dos postulados constitucionais que conferem poderes e competências e
estabelecem direitos e garantias individuais. Nessa mesma linha, Carrazza (2011, p. 57)
assevera que:
[...] as normas infraconstitucionais, maiormente as tributárias, para terem validade, devem passar pelo crivo dos princípios constitucionais. Assim, o contribuinte somente estará sujeito à lei tributária quando esta for coerente com o conteúdo material dos grandes princípios que encontram morada na Constituição.
Nesse contexto, os princípios surgem com muita força no Direito e, em especial, no
Direito Tributário. Tal ocorre, por serem objeto da atividade do legislador, inclusive do
constituinte, dos quais se pode extrair normas que indicarão valores ao ordenamento e
servirão de vetores para o conhecimento da matéria tributária, cuja observância se espera
tanto do próprio legislador, quanto do aplicador da norma (SCHOUERI, 2017).
18
Segundo Tipke e Yamashita (2002), os princípios criam medidas uniformes, que
proporcionam tratamento igualitário e imparcial a todos que se enquadrarem na incidência da
norma. Ademais, eles servem para desobrigar o legislador de prever todas as situações fáticas
possíveis, ajudando a evitar a ocorrência de lacunas no ordenamento.
Na visão de Amaro (2016, p. 132), em geral, denominam-se “princípios” os
enunciados gerais de concretização de valores que ainda dependem de um desdobramento em
normas para a sua efetiva aplicação. Para o autor:
[...] o valor da justiça começa a concretizar-se por meio de um feixe de princípios (entre os quais o da igualdade), que, no estágio subsequente, vai desdobrar-se em normas que ampliam o grau de concretização do valor em causa, até que, na aplicação da norma aos fatos, se tenha a plena concretização do valor.
Pode-se, então, dizer que os princípios representam conceitos dogmáticos, tidos por
verdades normativas, que a própria Constituição previu de forma explícita ou implícita
(MELO, 2012). Porém, ao passo que algumas proposições correspondem a conceitos
abstratos, que não permitem a identificação exata de sua dimensão, Amaro (2016, p. 132)
observa que alguns princípios da seara tributária “[...] atingem um grau praticamente
exaustivo de normatividade”.
De fato, independentemente de seu grau de generalidade, todos os princípios existem
para agir como um mecanismo de proteção do cidadão em face de possíveis arbitrariedades
fiscais (MACHADO, 2014). Entretanto, a existência deles, por si só, não assegura a justiça
senão em um sentido formal, uma vez que a justiça material ou real requer uma atuação
efetivamente orientada por princípios (TIPKE; YAMASHITA, 2002).
Nesse sentido, Ávila (2004) expende que os princípios consistem em normas
imediatamente finalísticas, que, ao estabelecerem um estado ideal de coisas a ser perseguido,
também exigem a adoção de comportamentos adequados àqueles fins visados. Destarte,
devem ser realmente observados, “[...] já que orientam, condicionam e iluminam a
interpretação das normas jurídicas em geral, aí incluídas as individuais, com efeitos concretos,
como é o caso das decisões judiciais” (CARRAZZA, 2011, p. 53).
No que tange aos princípios constitucionalmente estabelecidos, Mota Filho (2006, p.
15) refere que os mesmos atuam como “[...] normas qualificadas, por meio das quais é
possível indicar o alcance, a aplicação, a combinação e a preferência das demais normas
jurídicas constitucionais entre si e perante o sistema”. No entanto, para que efetivamente o
19
sentido e o alcance da norma constitucional sejam construídos com o auxílio dos princípios, o
jurista assevera ser necessário que, também sobre eles [os princípios], incida uma atividade
interpretativa.
Quanto ao ponto, Chulvi (2001) afirma que, para além das características singulares de
cada um, os princípios se condicionam para o alcance de um sistema justo, com base em um
critério hermenêutico que os harmoniza, podendo e devendo serem complementados com
outros princípios também enunciados no texto constitucional. Isso posto, Queiroz (2004)
explica que, quando visualizados de forma harmônica e sistemática com o significado dos
vocábulos legais, os princípios são capazes de revestir a incidência tributária de certeza e
segurança jurídica.
Dentre essas várias funções que os princípios podem exercer, Mota Filho (2006)
destaca que uma das mais relevantes, no âmbito constitucional tributário, refere-se à função
limitativa, dirigida a regular o exercício do poder estatal de tributar. Essa é uma característica
própria do sistema tributário, que, consoante Baleeiro (1997, p. 2), “[...] movimenta-se sob
complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os excessos acaso
detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais”.
Chulvi (2001) ainda qualifica os princípios constitucionais como autênticas normas
jurídicas sobre o dever tributário, que implicam a instauração de um sistema de limites capaz
de afetar o poder normativo financeiro do Estado e de formular critérios materiais de justiça,
invalidando qualquer disposição ou ato que os violem. Logo, constata-se que o sistema
tributário nacional está subordinado aos princípios constitucionalmente previstos, que
representam, a um só tempo, garantias ao contribuinte e vedações às entidades tributárias
(MOTA FILHO, 2006).
Depreende-se, portanto, que os princípios, mormente de caráter constitucional,
exercem uma importante função dentro do ordenamento jurídico-positivo para o alcance de
uma tributação socialmente justa (CARRAZZA, 2011). Nesse contexto, o respeito aos
princípios tributários estabelecidos constitucionalmente constitui uma verdadeira condição
para a justiça, que é o fundamento básico e valor superior de qualquer ordenamento jurídico
(CHULVI, 2001).
20
É possível afirmar que a observância dos princípios básicos norteadores da incidência
tributária é requisito indispensável para se chegar a um patamar mais próximo de justiça
fiscal, sendo que:
[...] para que seja efetivada a justiça fiscal, a ação de tributar: legislar, fiscalizar, arrecadar e julgar as leis tributárias e sua respectiva aplicação, deverá obedecer e submeter-se aos princípios consagrados constitucionalmente, os quais são o substrato dos valores que a sociedade quis juridicizar (QUEIROZ, 2004, p. XXIV).
Nesse cenário, Amaro (2016) elenca o respeito à capacidade contributiva, e
consequentemente à isonomia tributária, e a anterioridade da lei fiscal em relação ao exercício
de efetiva aplicação do tributo, entre outros, como postulados tipicamente tributários.
Machado (2014), por seu turno, enumera como comuns a todos os sistemas jurídicos, pelo seu
caráter de universalidade, os princípios constitucionais da legalidade, da anterioridade, da
igualdade, da competência, da capacidade contributiva, da vedação do confisco e da liberdade
de tráfego.
Schoueri (2017) traz como princípios que se referem à limitação constitucional do
poder de tributar do Estado – ainda que cada um deles possa ter conteúdo de princípio, de
regra ou de ambos – os princípios da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade, da
isonomia, dentro do qual a capacidade contributiva atuaria como parâmetro, e da proibição do
confisco, além de outros princípios atinentes à unidade econômica e política.
Contudo, como não constitui desiderato deste trabalho um estudo completo dos
princípios e limitações ao poder de tributar do Estado, aprofunda-se, nos subitens abaixo, a
abordagem acerca dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, que, segundo
Yamashita (2014), encontram-se dentro da classe normativa de princípios afetos à justiça
tributária.
2.3.1 Princípio constitucional da igualdade
O Direito Tributário pode ser entendido como um forte instrumento de redução das
desigualdades sociais, posto que é capaz de atenuar as grandes diferenças econômicas
existentes na nação, através de uma atuação compromissada com a igualdade e a justiça
social. Dentro desse panorama, o princípio da igualdade assume um caráter positivo,
qualificado pelo dever de distinção, e age para “conceder tratamento menos gravoso àqueles
que detêm menor capacidade econômica ou para distribuir rendas mais generosas às regiões
21
mais pobres ou menos desenvolvidas, no federalismo cooperativo” (DERZI in BALEEIRO,
1997, p. 8).
A Constituição brasileira instituiu o princípio da igualdade, primeiramente, no capítulo
atinente aos direitos e deveres individuais e coletivos, dispondo que “todos são iguais perante
a lei” (artigo 5º). Em matéria tributária, a Carta Política estabeleceu, no artigo 150, inciso II,
ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de
tratamento desigual entre contribuintes que se achem em situação equivalente.
Casás (2005) explica que a igualdade perante a lei é uma conquista da sociedade,
decorrente das demandas impulsionadas pela Revolução Francesa, em uma reação às
distinções e privilégios que vigoravam até aquele momento, sendo, ainda, derivada do
“princípio de universalidade da lei”. Derzi in Baleeiro (1997, p. 528) também explana que, na
evolução da democracia e do Estado de Direito, o princípio da igualdade surgiu como uma
“reação a um sistema de privilégios e discriminações”, tendo sido positivado, em 1789, na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Similarmente, Nabais (2009) elucida que o princípio da igualdade fiscal foi
consolidado em oposição aos privilégios do próprio Estado pré-liberal, sempre tendo inserta a
ideia da generalidade ou universalidade. Esse conceito representava a obrigação solidária de
pagar tributos, ao mesmo tempo em que exigia critérios uniformes de aferição.
Para Pereira (2007), a uniformidade na tributação configura o dever de repartição dos
impostos com base em critérios homogêneos e legitima a concepção de igualdade. Com
efeito, a igualdade implica a uniformidade de tratamento, sendo apenas excepcionalmente
afastada, quando contribuintes que se encontrem em situação socialmente inferior ensejarem
um tratamento diferenciado (FERRAZ, 2005).
Pereira (2007) ainda adverte que, diante da vedação da concessão de privilégios no
sistema fiscal, pelo princípio da igualdade, faz-se necessária a distinção entre privilégios e
benefícios fiscais (instituídos para tutela de interesses extrafiscais), para que o princípio em
comento não seja desvirtuado em sua aplicação. Dessa forma:
A lei deve reger com iguais disposições os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas – e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios as situações que sejam entre si distintas, de sorte a aquinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades (MELO, 2012, p. 29).
22
Nesse contexto, Ávila (2004, p. 355) expõe que “o princípio da igualdade abrange o
dever de tratar os iguais da mesma forma e a proibição de desigualar arbitrariamente os
contribuintes”. De tal modo, eventuais desigualdades estabelecidas no âmbito fiscal devem,
necessariamente, conter justificação constitucional, sob pena de incorrerem na violação dos
preceitos basilares do Estado Democrático de Direito.
Contudo, para que haja uma repartição efetivamente igualitária da carga tributária é
preciso que o direito material e o procedimental atuem como uma unidade (TIPKE;
YAMASHITA, 2002). Para tanto, não só o Poder Legislativo, mas também os Poderes
Executivo e Judiciário devem observar o princípio da igualdade dentro de suas esferas de
competência, a fim de que os postulados constitucionais se concretizem, tanto na seara
normativa, quanto no âmbito de atuação das autoridades fiscais (YAMASHITA, 2014).
A expressão “igualdade”, na visão de Queiroz (2004, p. 15), significa:
[...] i) pairar no mesmo nível; ii) algo que numa comparação específica não apresenta diferença quantitativa e qualitativa; iii) guardar relação com identidade, coincidência e semelhança; iv) paridade, coextensão, simetria, equivalência, equilíbrio; v) poder ser visualizada como uma pessoa que em relação à outra não apresenta diferença de qualidade ou valor.
Tais acepções trazem a ideia de relatividade para o vocábulo igualdade, o qual
somente é aferido por meio de confronto ou comparação, no intuito de se chegar a um certo
grau de equilíbrio (DERZI in BALEEIRO, 1997). Nesse sentido, a igualdade não pode ser
visualizada de uma forma absoluta ou objetiva, sendo que o modo mais apropriado para
caracterizá-la reside na sua análise sob um viés relativo (QUEIROZ, 2004).
Destarte, a garantia de um tratamento isonômico aos cidadãos pressupõe a utilização
de adequados critérios de comparação (TIPKE; YAMASHITA, 2002). Esses critérios,
segundo Derzi in Baleeiro (1997, p. 530), estabelecem os contornos da igualdade material,
permitindo que os seres sejam classificados em iguais ou desiguais, e podem ser traduzidos de
cinco formas:
1. na proibição de distinguir (universalmente) na aplicação da lei, em que o valor básico protegido é a segurança jurídica; 2. na proibição de distinguir no teor da lei, vedação que salvaguarda valores democráticos como abolição de privilégios e de arbítrio [...]; 3. no dever de distinguir no conteúdo da lei entre desiguais, e na medida dessa desigualdade [...]; 4. no dever de considerar as grandes desigualdades econômico-materiais advindas dos fatos, com o fim de atenuá-las e restabelecer o equilíbrio social [...]; 5. na possibilidade de derrogações parciais ou totais ao princípio da capacidade contributiva pelo acolhimento de outros valores constitucionais como critérios de
23
comparação, os quais podem inspirar progressividade, regressividade, isenções, benefícios, na busca de um melhor padrão de vida para todos, dentro dos planos de desenvolvimento nacional integrado e harmonioso.
Não obstante os elementos supracitados, Yamashita (2014, p. 113) aduz que a
capacidade contributiva consiste no “[...] critério de comparação por excelência das realidades
tributáveis”. Esse seria o padrão comparativo eleito pela Constituição para aferir a igualdade
entre os contribuintes e, portanto, assegurar uma tributação isonômica.
Denota-se, pois, que o princípio constitucional da igualdade se entrelaça com o
princípio da capacidade contributiva, na medida em que o tratamento fiscal deve ser
diferenciado ou ajustado em razão da menor expressão econômica do contribuinte. Essa
distinção poderá ocorrer tanto por meio de isenções, quanto através da incidência tributária
menos gravosa (AMARO, 2016).
Por conseguinte, a igualdade exige que haja uma classificação dos contribuintes e da
própria legislação tributária com base em critérios que considerem a capacidade contributiva
daqueles que foram chamados aos deveres fiscais (CASÁS, 2005). Coaduna com essas
reflexões, Queiroz (2004, p. 18), ao afirmar que a igualdade, em matéria tributária, “[...]
realiza-se mediante a aferição da real capacidade contributiva, na tentativa do Estado de
equilibrar as desigualdades pessoais e as condições econômicas, a fim de adequar a realidade
social e atender as necessidades dos cidadãos”.
Assim, observa-se que a igualdade liga-se muito à noção de justiça, objetivando evitar
que ocorram discriminações jurídicas arbitrárias e tratamentos que desconsiderem as
peculiaridades pessoais e patrimoniais do contribuinte (QUEIROZ, 2004). Porém, o princípio
da igualdade, no âmbito fiscal, somente concretiza-se quando o princípio da capacidade
contributiva encontra-se efetivamente implementado (BUFFON; MATOS, 2015b).
2.3.2 Princípio da capacidade contributiva
Uma vez estabelecido o dever de contribuir de cada cidadão, faz-se necessário
determinar qual será a extensão dessa contribuição para que, efetivamente, haja uma justa
repartição da carga tributária. Nesse contexto, a capacidade econômica ou contributiva surge
como um princípio-guia ou critério material de justiça na distribuição dos encargos públicos
(CHULVI, 2001).
24
Atrelada à ideia de justiça fiscal, a origem do postulado da capacidade contributiva
remonta aos primórdios da tributação, havendo registros, já no antigo Egito, de que os tributos
deveriam estar associados à riqueza daqueles que os pagariam. No Brasil, somente na
Constituição democrática de 1946 o princípio ganhou o merecido destaque, consoante dicção
do artigo 2021 daquela carta política (COSTA, 2003).
De acordo com Machado (2014), a norma que consagrava expressamente o princípio
da capacidade contributiva na Constituição de 1946, foi reestabelecida pela Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 145, § 1º:
Art. 145. [...] § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Cumpre destacar que o dispositivo constitucional relativo ao princípio em estudo tem
suscitado divergência de interpretação entre doutrinadores e operadores do direito. A
controvérsia se dá, principalmente, no que diz respeito ao texto da Lei maior se referir
exclusivamente aos “impostos” e quanto ao alcance da expressão “sempre que possível”,
utilizada pelo legislador constituinte (MACHADO, 2014).
Quanto ao ponto, Mota Filho (2006, p. 75) refere que para interpretar o princípio da
capacidade contributiva, sem desprezar a perspectiva valorativa da justiça fiscal, é preciso
adotar um método teleológico ou finalístico. Logo, o texto interpretado do dispositivo
constitucional “[...] deve revelar não apenas a literalidade da norma, mas precisa desvendar as
finalidades do sistema jurídico, segundo uma lógica jurídica material”.
Buffon e Matos (2015a, p. 226), entretanto, asseveram que o princípio da capacidade
contributiva não está fundamentado no § 1° do artigo 145 da Constituição, mas “[...] decorre
do caráter do modelo de Estado constituído pela Carta Brasileira de 1988 (Estado
Democrático de Direito), o qual se encontra alicerçado nos princípios da dignidade da pessoa
humana, da igualdade substancial da cidadania e da solidariedade”.
Com efeito, a aplicação do postulado da capacidade contributiva exige uma
compreensão adequada de todos os dispositivos constitucionais que estejam aptos a
1 “Art. 202. Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte” (COSTA, 2003, p. 19).
25
concretização de seu fim (BUFFON, 2009). De tal modo, não se pode fazer uma leitura
superficial do artigo 145, § 1º, da Constituição, pois a graduação “segundo a capacidade
econômica do contribuinte” é um enunciado que deve ser aliado a outros artigos da Magna
Carta, propiciando um conceito de igualdade concreta e exigindo do legislador uma atuação
voltada a medidas mais socializantes (DERZI in BALEEIRO, 1997).
No que tange à expressão “sempre que possível”, Tipke e Yamashita (2002) aduzem
que ela objetiva esclarecer que o dispositivo constitucional do artigo 145, § 1º, da CF/88 não
se trata de uma regra e, sim, de um princípio. Por essa razão, exprime um comando de
maximização de eficácia e significa que os impostos devem observar, obrigatoriamente, a
pessoalidade e a capacidade econômica dos contribuintes, somente admitindo exceções
momentâneas e flexíveis, desde que justificadas por possibilidades jurídicas lastreadas em
outros princípios, como o da unidade do ordenamento jurídico, da praticabilidade, do Estado
Social ou de Ordem Econômica, que fundamentam as normas de cunho extrafiscal.
Comunga essas reflexões Machado (2014), ao afirmar que essa expressão não autoriza
o legislador a decidir quando considera possível a observância do princípio, sob pena de
anular a sua supremacia e rebaixá-lo à condição de lei ordinária, o que, à evidência, é
inadmissível. Dessa forma, a inobservância do princípio da capacidade contributiva, pelo
legislador, assim como o desrespeito a qualquer outro princípio constitucional, pode ser
objeto de controle, tanto por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade perante o STF,
como através de ações ordinariamente ajuizadas para a discussão de questões afetas à matéria
tributária.
Machado (2014) ainda sustenta que o postulado da capacidade contributiva não se
restringe apenas aos impostos, referindo-se a todos os tributos e sendo, inclusive, o
responsável pela isenção de determinadas taxas e contribuições de melhoria. O princípio da
capacidade contributiva, portanto, por ser enunciado universal de justiça fiscal, deve informar
todo o sistema tributário (AMARO, 2016).
Constata-se, pois, que o princípio da capacidade contributiva constitui um dos
fundamentos basilares da tributação, atuando como corolário do princípio da igualdade na
construção da justiça fiscal (MELO, 2012). Nesse contexto, é vedado ao legislador estabelecer
distinções entre contribuintes que estejam em iguais condições, uma vez que a Constituição
considera iguais aqueles que detém a mesma capacidade econômica, “[...] sendo irrelevantes a
26
raça, a cor, a origem, o sexo e quaisquer outras diferenças preconceituosas, assim como a
ocupação profissional ou a função exercida” (DERZI in BALEEIRO, 1997, p. 536).
Cumpre ressaltar que, em se tratando de um princípio de justiça individual, o princípio
da capacidade contributiva não se vincula a um coletivo de pessoas, ou seja, não possui um
viés utilitarista. Na prática, ele se ajusta às capacidades individuais dos contribuintes, não se
preocupando em verificar o potencial contributivo de determinados grupos sociais (TIPKE;
YAMASHITA, 2002).
Para Buffon e Matos (2015b), o princípio da capacidade contributiva é a base para
uma justa exigência dos tributos, estando alicerçado pelo princípio da igualdade – do qual
decorre – e por concepções de cidadania, solidariedade e garantia ao mínimo existencial do
ser humano.2 Semelhante é o entendimento de Priebe (2016) ao afirmar que este princípio se
presta a impedir que a tributação possa incidir sobre o mínimo existencial dos cidadãos,
dentro de um contexto de igualdade de sacrifício entre os contribuintes.
Por conseguinte, a capacidade contributiva age como pressuposto da tributação, pois
prescreve que todos os tributos tenham por objeto apenas os “bens fiscais”, conceito este que
exclui da imposição estatal o mínimo existencial e o máximo confiscatório. Dessa forma, o
postulado da capacidade contributiva proíbe o arbítrio do legislador, determinando que a
manifestação da capacidade econômica seja o pressuposto para a incidência tributária
(NABAIS, 2009).
Amaro (2016) considera que o princípio em estudo expressa a ideia de adequação do
tributo à capacidade econômica do contribuinte, sendo evidente que onde não houver riqueza
ou patrimônio tributável, a instituição do imposto é inútil. Nesse sentido, verifica-se que “[...]
a capacidade econômico-contributiva do contribuinte é aquela que se encontra após a dedução
dos gastos necessários à aquisição, produção e manutenção da renda e do patrimônio”
(DERZI in BALEEIRO, 1997, p. 534).
Daí a necessidade de se atentar à preservação do contribuinte, eis que uma tributação
excessiva pode vir a comprometer os seus meios de subsistência e o exercício de outros
2 No que tange ao mínimo existencial do ser humano, Sarlet (2007, texto digital) explana que pode ser conceituado como um conjunto de fatores assecuratórios para uma vida com dignidade, aduzindo que esse instituto “[...] tem sido identificado - por muitos - como constituindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, núcleo este blindado contra toda e qualquer intervenção por parte do Estado e da sociedade”.
27
direitos fundamentais, como o livre exercício de sua profissão ou de exploração de sua
empresa (AMARO, 2016). Nessa mesma linha, Buffon (2009) sustenta que a adequação da
carga fiscal à efetiva capacidade econômica do cidadão densifica o princípio da dignidade da
pessoa humana, na área tributária.
Ademais, dentro de uma concepção contemporânea de cidadania, que esteja alinhada
aos objetivos de um Estado Democrático de Direito, o pagamento de tributos deve ocorrer sob
dois enfoques:
a) o dever fundamental de contribuir de acordo com a capacidade contributiva, justamente para que o Estado tenha os recursos necessários para realizar os direitos fundamentais e, com isso, propiciar a máxima eficácia ao princípio da dignidade da pessoa humana; b) o direito de não ser obrigado a contribuir acima das possibilidades – desproporcionalmente à capacidade contributiva – pois isso se constituiria afronta direta ao princípio da dignidade da pessoa, uma vez que o mínimo vital a uma existência digna restaria afetado (BUFFON, 2009, p. 150).
Diante do exposto, não se pode olvidar que o princípio da capacidade contributiva
conjuga-se com o preâmbulo e com o artigo 3º da Constituição Federal, na busca pela
igualdade, solidariedade social e justiça fiscal (QUEIROZ, 2004). Desse modo, verifica-se
que o Estado deve encaminhar-se para a realização desses primados por meio da efetiva
aferição da capacidade econômica de seus cidadãos, eis que um dos pressupostos básicos para
que um modelo fiscal possa ser considerado justo consiste na efetiva observância dos
princípios constitucionais tributários, notadamente do princípio da capacidade contributiva.
28
3 IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA
Previsto constitucionalmente no artigo 153, inciso III, da Carta Magna de 1988, o
imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza carrega fortes traços de pessoalidade,
inerentes a sua própria operacionalização. Tal característica pode ser ainda mais acentuada
quando a tributação recai sobre a renda e acréscimos patrimoniais das pessoas físicas,
influenciando diretamente a capacidade econômica dos contribuintes.
Desse modo, este capítulo terá como objetivo descrever noções sobre imposto de
renda pessoa física, explicando sua conceituação, competência para instituição e sujeitos da
relação jurídico-tributária. Também serão abordadas suas características específicas atinentes
ao fato gerador, base de cálculo e alíquotas vigentes.
3.1 Conceito
O imposto de renda foi implantado no Brasil, na década de 20, com a Lei nº 4.625, de
31 de dezembro de 1922, na qual apenas dois artigos versavam sobre a sua instituição. Nesses
dispositivos, foi estabelecido que o imposto seria anualmente devido, por pessoas físicas e
jurídicas, sobre o conjunto líquido dos rendimentos de qualquer origem, bem como que a
arrecadação se daria por meio de lançamento. Entretanto, somente com a Lei nº 4.984, de 31
de dezembro de 1925, a tributação da renda foi efetivamente posta em prática no País,
deixando para trás as demais legislações que, apesar de válidas, haviam sido totalmente
ineficazes (COSTA, 2005).
Atualmente, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza possui previsão
constitucional e é informado pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade
(artigo 153, inciso III, e § 2º, inciso I, da CF/88). De tal modo, Yamashita (2014, p. 105),
29
aduz que “[...] o imposto de renda deve tributar todos os cidadãos (generalidade) e todo
rendimento (universalidade), de acordo com sua renda global”.
Na visão de Derzi in Baleeiro (2003, p. 293), esses critérios são imperativos de justiça
fiscal, na qual a generalidade pode ser considerada como pressuposto para a concretização do
princípio da igualdade e a progressividade serve para assegurar que os desiguais recebam
tratamento proporcional a sua desigualdade fática. Para a doutrinadora:
[...] enquanto a universalidade refere-se a toda espécie de rendimento, não importando a origem, a natureza ou o modo técnico de apropriação, a generalidade diz respeito à abrangência dos sujeitos, de modo que todas as pessoas que aufiram renda submetam-se à imposição tributária, sem privilégios e discriminações.
Na mesma linha, Harada (2017) se refere a esses critérios como princípios e explana
que a generalidade impõe o dever de tributação a todas as pessoas físicas e jurídicas que
auferirem rendas ou proventos de qualquer natureza, ressaltando que eventuais isenções
concedidas de forma específica e casuística são inconstitucionais. Já no que tange ao princípio
da universalidade, o jurista defende ser o preceito que impõe a tributação sobre todas as
rendas e proventos, ampliando ao máximo possível o seu alcance.
A progressividade, por seu turno, permite que a carga tributária seja substancialmente
aliviada em relação às pessoas mais pobres, considerando que viabiliza o aumento das
alíquotas incidentes sobre as faixas mais elevadas de renda. Bem assim, por meio da
progressividade, o imposto atinge um maior nível de personalização, possibilitando que sejam
analisadas as necessidades pessoais dos sujeitos passivos da obrigação (DERZI in
BALEEIRO, 2003).
A partir dessas considerações, verifica-se que o imposto sobre a renda possui alta
carga de pessoalidade, o que o diferencia dos impostos classificados como reais (BUFFON;
MATOS, 2015a). Essa distinção consiste em um critério valorativo, utilizado pelo legislador,
para avaliação das realidades tributáveis, sendo que, nos impostos de natureza pessoal, busca-
se revelar a disponibilidade idônea do contribuinte, a fim de que a distribuição do dever
jurídico-tributário seja efetivamente justa (FAVEIRO, 2002).
Cumpre ressaltar que os impostos ditos pessoais são aqueles que observam, em maior
ou menor grau, a situação pessoal do contribuinte e, sobretudo, as suas condições financeiras.
Dessa forma, os impostos pessoais atendem ao postulado da capacidade contributiva,
enquanto aqueles caracterizados como reais baseiam-se em critérios objetivos, que abstraem
30
de sua aferição o condicionalismo econômico e a situação pessoal do sujeito passivo
(PEREIRA, 2007).
Difini (2008, p. 28) adverte que essa classificação entre impostos reais e pessoais é
criticada pela doutrina, tendo em vista que “o tributo e objeto da relação jurídica tributária e
esta, como qualquer relação obrigacional, e sempre pessoal”. Porém, o autor acredita que tais
objeções podem ser superadas se for analisado que nos impostos reais a hipótese de incidência
observará apenas os fatos objetivos, desprezando as qualidades do sujeito passivo da
obrigação, ao passo que nos impostos pessoais as qualidades jurídicas do contribuinte têm a
capacidade de influenciar no seu tratamento, associando-se aspectos pessoais e materiais para
determinação da hipótese de incidência.
No entanto, Buffon e Matos (2015a) asseveram que, independentemente da
classificação dada ao tributo, não se pode desprezar os aspectos pessoais do contribuinte, pois
é extremamente difícil encontrar um imposto que possa ser considerado de natureza
puramente real, destituído de qualquer fator relativo às qualidades jurídicas do sujeito passivo.
Nesse sentido, os autores afirmam que todos os impostos, sejam eles considerados pessoais ou
reais, podem ser adequados ao princípio da capacidade contributiva, conforme as
peculiaridades do contribuinte e em harmonia com critérios extrafiscais, sendo que, sustentar
algo em contrário, seria transformar essa classificação em um método indutor de injustiças
fiscais.
Segundo Carrazza (2005, p. 44), o imposto de renda deve alcançar os acréscimos
patrimoniais obtidos pelos contribuintes em um dado período de tempo, sejam eles pessoas
físicas ou jurídicas. A tributação deve incidir “em decorrência de uma relação jurídica que
tenha por origem o capital do contribuinte, seu trabalho ou a combinação de ambos”.
Portanto, para a configuração do imposto em tela, faz-se necessária a identificação de
uma ação, ou seja, de uma situação dinâmica de obtenção de rendimentos. Por essa razão, o
imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza não alcança o patrimônio dos
contribuintes, eis que eles são uma manifestação estática de grandeza econômica
(CARRAZZA, 2005).
Nesse contexto, importa trazer a elucidação de Nabais (2009, p. 64) em relação à
diferenciação entre impostos sobre rendimentos e sobre patrimônio:
31
Pois bem, nos impostos sobre o rendimento tributa-se ou o rendimento-produto (ou rendimento em sentido estrito), isto é, o acréscimo em bens obtidos durante o correspondente período a título de contribuição para a actividade produtiva (a título de salários, juros, rendas ou lucros), ou o rendimento-acréscimo (ou rendimento em sentido lato) que integra também os acréscimos em bens obtidos a outro título (que não o da contribuição para a actividade produtiva) e sem dano do patrimônio (ou seja, integra também os incrementos patrimoniais, designadamente as mais-valias). Por sua vez, nos impostos sobre o patrimônio tributa-se a titularidade ou a transmissão de valores pecuniários líquidos (valores activos menos passivos), constituam os mesmos capital produtivo, capital lucrativo ou bens de consumo duradouro.
Outra relevante particularidade do imposto analisado refere-se a sua característica de
imposto direto, sob a ótica da repercussão econômica. Isso porque, em sendo direto, o
imposto sobre a renda “é suportado em definitivo pelo contribuinte, sem possibilidade de
transferir a terceiro o respectivo ônus econômico” (DIFINI, 2008, p. 29).
De acordo com Machado (2014), o imposto de renda ainda pode ser definido como
espécie de tributo não vinculado, visto que a hipótese de incidência deste tributo não está
atrelada a qualquer atividade do Estado. Essa característica é típica dos impostos em geral,
que têm sua definição legal contida no artigo 16 do Código Tributário Nacional (CTN)3.
Destarte, conforme discorre Schoueri (2017), dentro de uma classificação tripartite adotada
pelo legislador complementar – a qual inclui impostos, taxas e contribuições de melhoria –
ficou estabelecido que, apenas para essa espécie de tributo [os impostos], a lei não iria prever
uma atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, apta a ensejar a sua cobrança.
Em função disso, diz-se que a cobrança do imposto em estudo observará,
exclusivamente, o valor de renda auferido pelo contribuinte em determinado período
(MACHADO, 2014). Contudo, apenas será possível a instituição desse imposto com relação a
uma situação que seja economicamente relevante, presumindo-se a possibilidade do sujeito
passivo eleito contribuir para o custeio da máquina pública (BUFFON, 2009).
Outrossim, quanto a sua finalidade, pode-se dizer que o imposto de renda é um tributo
com função fiscal, uma vez que seu objetivo precípuo é a arrecadação de receita, ou seja, a
captação de recursos financeiros aos cofres públicos para que se possa fazer frente às despesas
da coletividade. A extrafiscalidade do aludido imposto albergaria a sua finalidade de
intervenção econômica ou a obtenção de alguma política social, embora o viés arrecadatório
se mantenha visado (CARNEIRO, 2016).
3 Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte (BRASIL, 1966).
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Machado (2014) também afirma que o imposto de renda possui nítida função fiscal, de
grande importância junto ao orçamento federal brasileiro, além de atuar como forte
instrumento de intervenção do Poder Público no domínio econômico. O autor atribui o caráter
extrafiscal ao imposto de renda, ao passo que ele também é utilizado como um instrumento de
redistribuição de riquezas, atinentes a pessoas e lugares, nesse último caso, em políticas
públicas de incremento do desenvolvimento econômico regional e setorial.
Semelhante é o entendimento de Buffon (2009, p. 191), ao considerar que o imposto
em questão “[...] tem a obrigação de servir ao propósito redistributivo de renda, uma vez que
se mostra aparentemente simples identificar a capacidade contributiva de cada qual, com
vistas a exigir, mais acentuadamente, o imposto daqueles que obtêm maior renda”. Desse
modo, a tributação da renda ganha um sentido que ultrapassa o caráter arrecadatório para
contribuir com a realização dos objetivos fundamentais do Estado e efetivar valores de
igualdade e justiça social (QUEIROZ, 2004).
Assim, verifica-se que o imposto de renda, como tributo pessoal e direto, deve ser
capaz de aferir a capacidade contributiva global do sujeito passivo da relação jurídico-
tributária, expurgando determinados fatores que impeçam o enquadramento correto do
cidadão na ordem fiscal (FAVEIRO, 2002). Para tanto, devem ser examinados traços
específicos relativos ao seu fato gerador, base de cálculo, competência e alíquotas vigentes,
características essas que serão abordadas pormenorizadamente a seguir.
3.2 Competência e sujeitos da relação jurídico-tributária
A competência tributária, na visão de Melo (2012, p. 148), pode ser entendida como a
“aptidão para criar os tributos, legalmente e de forma abstrata, indicando todos os elementos
da hipótese de incidência, compreendendo o aspecto pessoal (sujeitos ativos e passivos), a
materialidade, base de cálculo e alíquota”. Nesse sentido, ele explica que a titularidade para
dispor sobre a matéria tributária foi outorgada, pela Constituição, às pessoas políticas de
Direito Público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), as quais devem
observar as diretrizes estipuladas pela própria Carta Magna.
Tem-se, assim, que a competência tributária consiste na faculdade outorgada pela
Constituição à União, aos Estados-membros, aos Municípios e ao Distrito Federal para editar
leis que disponham sobre a criação, in abstracto, de tributos (CARRAZZA, 2011). Para o
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exercício dessa atribuição, os entes federados poderão legislar de forma plena, conforme
dispõe o artigo 6º do Código Tributário Nacional:
Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei. Parágrafo único. Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público pertencerá à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídos.
A legislação plena a que o artigo supra faz referência, segundo Baleeiro (2003, p. 75-
76), compreende a regulação do “[...] quantum do tributo, a época e forma do pagamento, a
competência administrativa dos órgãos e repartições que o devem lançar, cobrar, fiscalizar”.
Contudo, o doutrinador ressalta que essas normas não podem violar, expressa ou
implicitamente, a Constituição Federal e as normas gerais do Direito Financeiro da União.
Baleeiro (2003) ainda explana que o legislador constituinte se preocupou em instituir
um sistema rígido de repartição da competência tributária, impedindo a acumulação ou
concorrência entre os três níveis de governo do Estado Federal. Dessa forma, a instituição de
qualquer espécie tributária somente pode ser realizada por aquele ente a quem a Constituição
atribuiu a respectiva competência, o qual poderá fixar os estados, fatos, situações e atividades
que irão lhe assegurar a receita financeira advinda daquele tributo (MELO, 2012).
De acordo com o parágrafo único do, já citado, artigo 6º do CTN, a distribuição da
receita tributária não afeta a competência que tenha sido atribuída a um ente público. De tal
modo, o fato de haver previsão de partilha de receitas em relação a alguns tributos, não faz
com que haja qualquer alteração no tocante a sua competência legislativa (MACHADO,
2014).
Trata-se de matéria de ordem pública, que implica exclusividade e proíbe o exercício
desse direito por quem não tenha sido consagrado. Por essa razão, a instituição de tributos por
parte de entes que não sejam dotados da competência constitucional, necessariamente,
ensejará a nulidade da imposição estatal por ferir o aspecto da privatividade (MELO, 2012).
Quanto à privatividade, Yamashita (2014) aduz ser a característica que ordinariamente
prevê que somente um ente político recebe a atribuição de legislar sobre determinado tributo,
com exclusão da competência das demais entidades políticas. Essa característica somente
seria afastada por meio de uma competência tributária extraordinária, quando a União teria o
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poder de legislar fora do seu âmbito (invasão lícita de competência) sobre impostos
extraordinários, em caso de guerra externa ou na sua iminência (artigo 154, inciso II, CF/88).
Outro relevante aspecto referente à competência tributária é a indelegabilidade. Esse
requisito impede que a pessoa jurídica de Direito Público, a quem a Constituição tenha
atribuído a competência para instituição do tributo, transfira sua incumbência. Tal vedação é
necessária, pois “admitir a delegação de competência para instituir tributo é admitir seja a
Constituição alterada por norma infraconstitucional” (MACHADO, 2014, p. 277).
Admite-se, todavia, que as funções de fiscalização e de arrecadação de tributos sejam
delegadas a outra pessoa jurídica de direito público. Essas funções, ao serem delegadas pelo
ente político titular da competência tributária, dão ensejo à constituição da chamada
capacidade tributária ativa, que possui previsão legal no artigo 7º do Código Tributário
Nacional4 (YAMASHITA, 2014).
Machado (2014, p. 278) sintetiza as disposições contidas no artigo supracitado da
seguinte maneira:
[...] tem-se que (a) a competência tributária é indelegável; (b) as funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, podem ser atribuídas a pessoas jurídicas de direito público; (c) a simples função de arrecadar, função de simples caixa, pode ser atribuída a pessoas de direito privado.
Vale ressaltar que, nesse cenário, em que cada nível de governo foi dotado de
competências tributárias exclusivas e indelegáveis, o não exercício da competência pelo seu
titular não tem o condão de permitir que pessoa jurídica de Direito Público diversa se
aproveite dessa inércia, uma vez que “a competência fiscal não é res nullius” (BALEEIRO,
2003, p. 87). O impedimento em tela encontra-se expresso no artigo 8º do Código Tributário
Nacional, o qual prevê que “o não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa
jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído”.
4 Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição. § 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir. § 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido. § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.
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Em consonância com essas disposições, Amaro (2016, p. 123) sustenta ser evidente
que “[...] no caso de o ente titular da competência deixar de exercê-la (por simples omissão ou
por razões de política fiscal), essa inércia não transforma o campo reservado à sua
competência em zona aberta à intromissão de outro poder tributante”. Entretanto, Melo (2012)
salienta que, ainda que seja facultado às pessoas jurídicas de Direito Público demonstrar
desinteresse no exercício de sua competência (inércia legislativa), não podem elas renunciar
ou dispor das receitas tributárias que lhes foram cometidas, negando expressamente sua
competência, em razão do aspecto da irrenunciabilidade.
Uma vez estabelecida a norma geral e abstrata da incidência tributária, por meio da
competência para instituição do tributo, o objeto da ordem fiscal irá se realizar no âmbito de
uma relação jurídica, constituída por uma obrigação individual e concreta de dar certa
prestação pecuniária. Essa relação, por seu turno, será composta por dois sujeitos, chamados
de sujeito ativo e passivo (FAVEIRO, 2002).
O sujeito passivo nas obrigações decorrentes de impostos, na visão de Baleeiro (2003),
é aquele que deverá pagar o tributo, por sua pessoa ou seus bens, pouco importando que seja
cidadão ou estrangeiro. Também, para fins de enquadramento na condição de contribuinte,
não se considerará onde este sujeito estabelece residência, sua idade, incapacidade ou
capacidade civil.
Nabais (2009, p. 260), por sua vez, diferencia o sujeito passivo, devedor do imposto,
em definições stricto sensu e lato sensu:
[...] em sentido estrito, o devedor do imposto limitar-se-ia ao chamado devedor principal ou originário, aquele em relação ao qual o Fisco exige, em princípio ou em primeira linha, a satisfação do crédito de imposto. Todavia, num sentido mais amplo, o devedor do imposto abrange também os chamados devedores indirectos, derivados ou acessórios, aos quais o Fisco exige excepcionalmente ou em segunda linha o crédito de imposto. Finalmente, o sujeito passivo (lato sensu) da relação fiscal é toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem a lei imponha o dever de efectuar uma prestação tributária, seja prestação de imposto, sejam prestações correspondentes às múltiplas e diversificadas obrigações acessórias.
Nesse contexto, Faveiro (2002, p. 554) aduz que a sujeição passiva, em regra, deverá
corresponder “[...] à qualidade da pessoa a quem o legislador imputa o dever jurídico do
contributo que lhe advém da ordem social jusnaturalista segundo a capacidade contributiva
decorrente da mesma ordem, e estabelece a sua consagração vinculativa pela ordem jurídica”.
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Para o autor, esse campo [da sujeição passiva], é o mais suscetível de sofrer com distorções
aos princípios da justa e legal distribuição do dever de contribuição.
Especificamente em relação ao imposto de renda pessoa física, tem-se a União como
sujeito ativo da relação jurídico-tributária, uma vez que o tributo é de sua competência (artigo
153, inciso III, CF/88). No tocante à sujeição passiva, será a pessoa física domiciliada ou
residente no Brasil, que for titular da “disponibilidade jurídica, ou econômica, da renda e dos
proventos referidos, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor a qualquer
título, dos bens produtores de renda ou proventos tributáveis (artigo 45 do CTN)” (MELO,
2012, p. 474). Por fim, é importante frisar que o Código Tributário Nacional ainda traz a
possibilidade atribuir à fonte pagadora do sujeito passivo a condição de responsável pelo
recolhimento do tributo em tela, conforme redação do parágrafo único do artigo 455.
3.3 Fato gerador
O Código Tributário Nacional atribuiu ao fato gerador a eficácia constitutiva da
obrigação tributária. De tal modo, pode-se afirmar que a relação jurídico-tributária nasce com
a ocorrência do fato gerador, que se torna juridicamente relevante ao corporificar a incidência
da norma tributária no mundo real (YAMASHITA, 2014).
Toda obrigação tributária, em um sentido amplo, surge à vista da ocorrência de um
fato, previamente descrito em lei, com a aptidão de gerar aquela obrigação. Esse fenômeno,
que desencadeia a subsunção dos fatos à hipótese legal, não se restringe à seara tributária,
apresentando-se igualmente em outros setores do direito, como no direito penal, por exemplo
(AMARO, 2016). Logo, “[...] a fenomenologia da juridicização (ou da incidência de normas
jurídicas sobre fatos, transformando-os em fatos jurídicos) ocorre no direito tributário
exatamente como nos demais ramos do direito” (DIFINI, 2008, p. 190-191).
No entanto, dentro de uma lógica interna, que Amaro (2016) chama de formalista e
conceitualista, o Código Tributário Nacional disciplinou diferentes fatos geradores para a
formalização dos deveres em matéria tributária, de acordo com as espécies de obrigação –
principal e acessória – previstas nos artigos 1146 e 1157. Esse intento classificatório, porém,
5 Art. 45 (...) Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam. 6 Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
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não isentou a denominação fato gerador de críticas pelos doutrinadores, principalmente,
devido à dúbia interpretação que a expressão representa, ao designar duas realidades distintas.
Com efeito, Ataliba (2005) qualifica essas diferentes realidades como hipótese de
incidência e fato imponível, de modo a determinar os dois momentos da dinâmica tributária.
A hipótese de incidência teria relação com a previsão legal do fato que constitui a obrigação
tributária, ao passo que o fato imponível seria o acontecimento no mundo dos fatos, ou seja, a
ocorrência concreta daquela hipótese prevista, anteriormente, de forma abstrata na lei.
Em que pesem todas as críticas formuladas à expressão fato gerador e suas
implicações na dinâmica do surgimento da obrigação tributária, Amaro (2016) assenta sua
definição na materialidade (ou elemento material) do conceito. Assim, para o autor, o fato
gerador do tributo refere-se a uma situação material, que é previamente descrita pelo
legislador e faz alusão a uma ação ou situação identificada como núcleo do fato.
Cumpre ressaltar que a escolha do legislador pela expressão fato gerador, e não ato ou
negócio jurídico gerador, segundo Schoueri (2017), também possui grande relevância, pois
demonstra que o elemento volitivo não é considerado na seara tributária. Portanto, pouco
importa se o contribuinte procurou, ou não, praticar o fato jurídico tributário, tendo em vista
que a sua ocorrência é suficiente para que a tributação incida.
Em relação ao imposto de renda, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 43,
dispõe que esse tributo terá como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou
jurídica: (1) de renda, entendida como o produto do capital, do trabalho ou de ambos e (2) de
proventos de qualquer natureza, compreendidos nestes, todos os acréscimos patrimoniais não
incluídos na definição de renda supracitada. Nos parágrafos do artigo em tela, ainda são
tecidas considerações acerca da incidência do imposto independentemente da denominação
que se der à receita ou rendimento recebido, da localização ou nacionalidade da fonte, sendo
que, em caso de valores oriundos do exterior, lei ordinária deve estabelecer as condições e o
momento em que se dá a disponibilidade, para fins de incidência do tributo.
De acordo com Carrazza (2005, p. 38), “renda e proventos são conceitos que, para fins
de tributação específica, referem-se a um resultado, isto é, à diferença positiva entre as
receitas e as despesas do contribuinte, dentro de um determinado período”. Esse período, em
7 Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.
38
geral, será representado pelo exercício financeiro, com termo inicial e final bem definidos,
não sendo possível que os rendimentos do contribuinte sejam considerados isoladamente.
Para Buffon e Matos (2015b, p. 183) “a obtenção de renda é uma das mais tradicionais
manifestações de capacidade contributiva, assim entendida como um acréscimo patrimonial
alcançado em um determinado período de tempo por uma pessoa jurídica ou natural”. Por essa
razão, a renda disponível para pagamento do tributo em tela deve ser cuidadosamente
demonstrada, a fim de que o quantum exigido do sujeito passivo da obrigação tributária não
extrapole a sua real capacidade de contribuir.
Nesse sentido, para que a renda tributável seja corretamente aferida, os ganhos
econômicos obtidos pelo contribuinte em decorrência de seu capital, trabalho ou de ambos,
devem ser apurados após o confronto entre as entradas e saídas patrimoniais, dentro de um
dado período de tempo. O imposto, portanto, deverá incidir somente sobre os acréscimos
patrimoniais do contribuinte, ou seja, sobre o saldo positivo resultante do exame das receitas
(entradas) e despesas (saídas), tendo sempre presente que a tributação deverá alcançar apenas
o real enriquecimento econômico (CARRAZZA, 2005).
Trata-se de uma ideia de renda tributável baseada num contexto constitucional, que
considera os valores consagrados na Carta Magna brasileira, como a vida, a saúde, a
alimentação, a moradia e demais despesas com educação própria e da família do contribuinte
(CARRAZZA, 2005). Coaduna com essas reflexões Melo (2012), ao descrever que o conceito
constitucional de renda compreende o saldo positivo, resultante de entradas e saídas durante
um determinado período de tempo, entendido como acréscimo patrimonial, o qual pode ser
representado por direitos ou bens de qualquer natureza.
Dessa forma, Carrazza (2005, p. 37) estabelece que a renda tributável será sempre a
renda líquida, resultante de uma série de deduções e abatimentos realizados sobre os
rendimentos brutos. Destarte, “pouco importa – pelo menos para fins tributários – que a renda
líquida ou o lucro sejam obtidos por meio de atividades lícitas ou ilícitas, morais ou imorais”.
Dentro dessa perspectiva, Melo (2012, p. 471) discorre sobre a distinção entre
disponibilidade jurídica e econômica, aduzindo:
A disponibilidade jurídica consiste no direito de usar a renda, ou proventos, definitivamente constituídos na forma da lei, alcançando os atos e operações colhidos pelo Direito, como é o caso de salários, honorários, vencimentos, etc.
39
(resultantes do trabalho); e dos juros, aluguéis e lucro nas operações imobiliárias, etc. (decorrentes de aplicação de capital). A disponibilidade econômica concerne a uma situação de fato irrelevante ao direito (ganho de jogos), ou até mesmo de atividade ilícita (contrabando, juros usurários).
Machado (2014, p. 322), de seu turno, traz à baila a referida distinção, explicando que
a disponibilidade econômica refere-se àqueles valores que já foram recebidos pelo
contribuinte e que vieram efetivamente a acrescentar em seu patrimônio. Já a disponibilidade
jurídica estaria relacionada com o simples crédito desses valores, que passam para esfera de
disponibilidade do contribuinte, ainda que ele não os detenha em mãos. Contudo, para uma
correta compreensão desse conceito de disponibilidade jurídica, deve ficar claro que:
[...] o crédito capaz de configurar essa disponibilidade é somente aquele que esteja efetivamente à disposição do contribuinte, vale dizer, o crédito do qual este possa lançar mão sem qualquer obstáculo, de fato ou de direito. Para que se considere consumado o fato gerador do imposto de renda é necessário que exista a efetiva disponibilidade da renda ou dos proventos.
Frise-se que não há renda, tampouco proventos, sem que haja efetivo acréscimo
patrimonial. Bem assim, sem qualquer pretensão de que a renda consumida escape à
tributação, não se pode admitir que algo seja tributado sem que, em nenhum momento, tenha
ingressado no patrimônio do contribuinte de modo a implicar incremento do valor líquido
deste (MACHADO, 2014).
Na mesma linha, Queiroz (2004) expõe que o imposto sobre a renda e proventos de
qualquer natureza jamais poderá incidir sobre simples ingressos. A autora sustenta que devem
ser observados os acréscimos patrimoniais e a capacidade contributiva dos sujeitos passivos
da obrigação.
Nesse contexto, Derzi in Baleeiro (2003, p. 289) destaca que, renda é diferente de
rendimentos. Os rendimentos abarcam determinados ganhos, sem vinculação com o tempo,
enquanto a renda, além de estar afetada pela ideia de período de tempo, deve ser,
obrigatoriamente, “a livre disposição da parcela acrescida de riqueza, do excedente de que
pode dispor alguém, pressupondo o abatimento dos gastos necessários para produzi-la e
mantê-la”.
Constata-se, pois, que o fato gerador do imposto de renda, por ter incidência anual, é
da espécie fatos continuados e, ainda, pode ser caracterizado como complexo, eis que a renda
é composta por uma reunião de fatos ocorridos durante determinado período de tempo
(MACHADO, 2014). Essa periodização, na visão de Derzi in Baleeiro (2003), diz com o
40
aspecto temporal do fato gerador, responsável por dividir a sucessão dos atos que constroem o
conceito universal de renda pessoal periodicamente, para fins tributários.
A partir dessas reflexões, finalmente, pode-se verificar que “o significado, a amplitude
e o alcance dos conceitos de ‘renda’ e ‘proventos de qualquer natureza’, constantes no artigo
43, incisos I e II, do CTN, não poderão ser visualizados de forma isolada”. Essa interpretação
deverá ser feita levando-se em conta o sentido que os vocábulos têm à luz da Constituição
Federal de 1988 (QUEIROZ, 2004, p. 83).
3.4 Base de cálculo e alíquotas
A hipótese de incidência tributária é definida a partir de uma escolha qualitativa das
bases econômicas de imposição (patrimônio, renda ou circulação de riquezas), sobre a qual
incidirá um fator quantitativo. Nesse contexto, a base de cálculo e a alíquota constituem o
elemento material quantitativo da hipótese de incidência e servem para mensurar e quantificar
o elemento material qualitativo (tipo)8 (DIFINI, 2008).
Para Ataliba (2005, p. 108), a base de cálculo, também chamada de base tributável ou
base imponível, “[...] é a dimensão do aspecto material da hipótese de incidência”. Dentro
dessa perspectiva dimensível, a base de cálculo seria uma grandeza ínsita, presente na
hipótese de incidência prevista em lei, para determinação do quantum debeatur da obrigação
tributária, com critérios fixos de mensuração.
Semelhante é o entendimento de Queiroz (2004, p. 141), ao afirmar que “é a base de
cálculo que revela, dimensiona e serve para quantificar a materialidade da ocorrência do fato
gerador, para que haja a incidência do imposto”. Mais do que isso, por meio dela, em
conjunto com a hipótese de incidência, as espécies tributárias são identificadas. Nessa linha,
Derzi in Baleeiro (2003, p. 199), afirma que a base de cálculo consiste em uma:
[...] ordem de grandeza que, posta na consequência da norma criadora do tributo, presta-se a mensurar o fato descrito na hipótese, possibilitando a quantificação do dever tributário, sua graduação proporcional à capacidade contributiva do sujeito passivo e a definição da espécie tributária.
8 O elemento material qualitativo corresponde à descrição normativa, determinada e precisa, dos fatos que serão objeto de incidência tributária, ressaltando que esses fatos devem ser expostos de forma fixa e objetiva (DIFINI, 2008).
41
Constata-se, pois, a grande importância da base de cálculo ao representar o próprio
aspecto material da hipótese de incidência. Além de servir como parâmetro de mensuração da
riqueza tributável, a base de cálculo possibilita a revelação do verdadeiro objeto do tributo e
sua consonância com os ditames constitucionais e legais dessa imposição (YAMASHITA,
2014).
Contudo, a indicação da base de cálculo, ou base imponível, não é suficiente para se
chegar ao valor (quantum) do tributo. A fixação, em concreto, do débito tributário deve ser
determinada através da combinação de dois critérios quantitativos, quais sejam, a base
imponível e a alíquota (ATALIBA, 2005).
A alíquota conjuga-se à base de cálculo para constituir o aspecto quantitativo da
hipótese de incidência e é sempre “[...] uma parcela percentual (alíquota ad valorem) da base
de cálculo em moeda corrente (R$) ou um valor fixo (em R$) da base de cálculo em unidade
de medida distinta da moeda corrente” (YAMASHITA, 2014, p. 406-407). Assim, pode-se
dizer que “[...] a alíquota determina quanto da base de cálculo e entregue ao fisco e completa
a quantificação do elemento material do fato gerador” (DIFINI, 2008, p. 206).
A base de cálculo pode ser expressa por um valor, um volume, um peso ou uma
superfície, enquanto a alíquota incidirá sobre a base de cálculo e, geralmente, será
representada por um percentual, quando a base de cálculo do bem objeto da tributação for
expressa em valores, como no caso do imposto de renda. No entanto:
[...] quando outra for a dimensão da base de cálculo (volume, peso, superfície etc.), a alíquota não será percentual ou ad valorem, mas resultado da multiplicação de um valor determinado pela unidade de medida adotada (por exemplo, “X” por litro, quilograma, metro ou hectare) (DIFINI, 2008, p. 206).
A aferição da base de cálculo observará os princípios da anterioridade e da
irretroatividade. Dessa forma, “deve ser apurada tomando por referência o momento ou o
lapso de tempo (período de apuração) determinado de acordo com a lei que esteja em vigor na
data de ocorrência do respectivo fato gerador” (QUEIROZ, 2004, p. 141-142).
No caso do imposto de renda, o Código Tributário Nacional dispõe, no artigo 44, que a
base de cálculo será “o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos
tributáveis”. Especificamente em relação às pessoas físicas, Melo (2012) explica que, para
apuração desse montante, são considerados os rendimentos obtidos através de trabalho
assalariado ou não, proventos e ganhos financeiros ou imobiliários, sendo que os gastos que o
42
contribuinte tiver com contribuição previdenciária e com empregados devem ser abatidos,
assim como as despesas com dependentes, pensões alimentícias, educação e despesas
médicas.
A legislação ordinária, que rege a tributação da renda, elenca como integrantes da base
de cálculo do respectivo imposto todas as rendas, proventos, ganhos ou lucros, de modo a
alcançar quaisquer valores percebidos pelo contribuinte. Este alcance ocorrerá
independentemente da denominação que for dada às importâncias, da sua natureza ou origem,
ou ainda, da existência de título ou contrato escrito (QUEIROZ, 2004).
De acordo com a Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995, que alterou a legislação do
imposto de renda das pessoas físicas e deu outras providências, a base de cálculo do imposto
devido no ano-calendário corresponderá à diferença entre as somas: (I) de todos os
rendimentos percebidos durante o período (excluindo-se aqueles isentos, não tributáveis, os
tributáveis exclusivamente na fonte e aqueles sujeitos à tributação definitiva); e (II) das
deduções legalmente previstas (artigo 8º). Nestes descontos, previstos no dispositivo legal,
incluem-se as despesas médicas, odontológicas, com exames laboratoriais e com hospitais, os
gastos com educação e a dedução por dependente, esses últimos dois com limites anuais
definidos na lei. Ainda podem ser deduzidas as contribuições para a Previdência Social ou
privada, previdência complementar fechada, pensão alimentícia e despesas escrituradas em
Livro Caixa, no caso de trabalho não-assalariado, inclusive dos leiloeiros e dos titulares de
serviços notariais e de registro.
Queiroz (2004, p. 143) adverte que, para as pessoas físicas, “[...] a base de cálculo do
imposto sobre a qual incidirá a tributação será, sempre, o montante real da renda ou provento
adquirido, que, efetivamente, configure um ‘acréscimo’”. Nesse sentido, o montante que
comporá a base de cálculo deve guardar relação com os parâmetros constitucionais de renda
tributável, o que significa que deve restar configurado o efetivo acréscimo patrimonial ou
riqueza nova.
Compartilha essas reflexões Carrazza (2005, p. 73), ao sustentar que a base de cálculo
do imposto de renda pessoa física somente pode englobar o montante líquido dos acréscimos
de riqueza, advindos da renda e proventos de qualquer natureza auferidos pelo contribuinte.
Para o jurista:
43
[...] nos termos da Constituição, a base de cálculo do IRPF deve ser uma medida da efetiva disponibilidade da riqueza nova do contribuinte – vale dizer, o montante da renda líquida por ele efetivamente obtida, durante certo lapso de tempo (em geral, o exercício financeiro). Se forem levados em conta elementos que extrapolem a renda líquida (v.g. a renda bruta ou parte dela), ou que não constituam renda (v.g., adiantamentos para reembolsos comprováveis), ocorrerá, por sem dúvida, desnaturação do perfil constitucional do tributo.
Com efeito, para que haja uma correta tributação da renda e proventos percebidos
pelas pessoas físicas, a base de cálculo real deve corresponder à renda líquida dos
contribuintes. Essa, por sua vez, deve ser obtida abatendo-se todos os custos necessários à
percepção dos rendimentos, à subsistência da fonte produtora e de sua família, respeitando-se,
sempre, o mínimo vital do ser humano (QUEIROZ, 2004).
Quanto ao ponto, Machado (2014) assevera que podem ser verificadas diversas
afrontas à Constituição na definição trazida pela legislação ordinária para a base de cálculo do
imposto de renda. O doutrinador entende que os enunciados, a rigor, conduzem à incidência
tributária sobre valores que não constituem propriamente “renda”.
Por fim, no que tange às alíquotas previstas para a tributação da renda das pessoas
físicas, vale destacar que a legislação distingue a forma de tributação incidente sobre as
rendas e proventos auferidos por meio de fontes regulares e permanentes (salários, pensões,
aluguéis, etc.), daqueles ganhos percebidos através de transações eventuais, como ganhos de
capitais e renda variável. Tal característica resta demonstrada, ao passo que, em relação aos
primeiros, as alíquotas serão progressivas (conforme tabela), enquanto, para os ganhos
eventuais, a tributação terá alíquotas fixas, previamente definidas em lei, independentemente
da importância auferida (QUEIROZ, 2004). Trata-se de alíquotas ad valorem, uma vez que se
aplicam sobre uma cifra ou valor em moeda, a fim de se apurar uma soma total a pagar em
dinheiro (AMARO, 2016).
Atualmente, a tabela progressiva mensal para a incidência do imposto de renda possui
quatro faixas de percentuais (7,5%, 15%, 22,5% e 27%), excluindo-se a alíquota zero, que
corresponde aos valores isentos de tributação. Esta tabela está prevista na Lei 11.482, de 31
de maio de 2007, sendo que a sua última atualização foi incluída pela Lei 13.149, de 21 de
julho de 2015. Os percentuais supracitados serão aplicados em conformidade com os valores
constantes para a base de cálculo, também previstos na tabela.
Importante ressaltar que as alíquotas variáveis, que aumentam à medida em que a
renda líquida dos contribuintes se eleva, são um pressuposto de atendimento ao critério da
44
progressividade, previsto no artigo 153, § 2º, inciso I, da Constituição. Assim, verifica-se que
elas constituem uma tentativa de imprimir ao imposto de renda das pessoas físicas o caráter de
pessoalidade, intrinsecamente ligado à ideia de observância ao princípio da capacidade
contributiva (CARRAZZA, 2005).
No entanto, o atual modelo de tributação da renda ainda não aparenta estar em
consonância com as prescrições constitucionais aplicáveis à espécie. A insuficiente
quantidade de alíquotas, em número inferior, inclusive, àquele que o próprio País adotava há
alguns anos atrás, e os baixos valores estipulados para as bases de cálculo, desvirtuam a
realidade tributável, em detrimento não só da arrecadação – que poderia aumentar –, quanto
da qualidade de vida de muitos cidadãos de classes sociais menos favorecidas, conforme se
verá no próximo capítulo.
45
4 A INEFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
AO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA
Não obstante o Sistema Tributário Brasileiro esteja alicerçado em postulados que
visam a assegurar uma carga tributária adequada à capacidade contributiva dos cidadãos, na
prática, não se tem verificado a plena observância desses parâmetros. O reflexo de uma
tributação que, aparentemente, é analisada de forma isolada em relação aos objetivos
fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro é o distanciamento de patamares
considerados mais próximos de uma justiça tributária e social.
Nesse contexto, no presente capítulo, explana-se sobre o aumento velado do Imposto
de Renda e a inobservância aos Princípios da Progressividade e da Capacidade Contributiva,
bem como sobre o desrespeito ao critério de renda líquida tributável e a violação ao mínimo
vital dos contribuintes. Ainda, discorre-se sobre a desigualdade entre a tributação da renda, do
trabalho e do capital, verificando-se, ao final, alternativas potencialmente úteis para a
correção das injustiças tributárias relacionadas ao imposto em estudo.
4.1 O aumento velado do imposto de renda e a inobservância aos princípios da
progressividade e da capacidade contributiva
De acordo com os dados fornecidos pelo IBGE (2017), a variação do IPCA no ano de
2016 atingiu o índice de 6,29%, enquanto no ano de 2015 chegou a alcançar 10,67%. Logo,
somente nesses dois últimos anos, a inflação acumulada no Brasil foi de 16,96%, sendo que,
até agosto de 2017, já se tem mais 1,62% de variação calculada.
46
De outra banda, conforme se verificou no estudo das alíquotas, realizado no capítulo
anterior, a tabela progressiva mensal para a incidência do imposto de renda, prevista na Lei
11.482/2007, não foi reajustada no ano de 2016, sendo que sua última atualização foi incluída
pela Lei 13.149, de 21 de julho de 2015. Nessa atualização, segundo o Sindicato Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (SINDIFISCO NACIONAL, 2017), a média da
correção da Tabela Progressiva do IRPF foi de 5,60% para o ano de 2015.
De tal modo, verifica-se que, nos anos de 2015 e 2016, houve uma defasagem da
atualização da tabela do imposto de renda em valores superiores a 11%. Ainda, o Sindifisco
Nacional (2017) registra que a ausência de reajuste para o ano-calendário de 2016 foi a
responsável pela maior defasagem anual dos últimos treze (13) anos, uma vez que
correspondeu à integralidade da inflação daquele ano (6,29%). Impende destacar que a falta
de reajuste da base de cálculo, na tabela progressiva do IRPF, está aliada ao congelamento do
valor das deduções previstas na legislação do imposto, o que aumenta ainda mais o impacto
da tributação da renda.
Nesse sentido, a ausência de correção da tabela do imposto de renda pelo índice da
inflação resulta em um acréscimo sistemático da tributação em relação às pessoas físicas.
Destarte, “ao não corrigir integralmente a Tabela do IR, o governo se apropria da diferença
entre o índice de correção e o de inflação, reduzindo a renda disponível de todos os
contribuintes” (SINDIFISCO NACIONAL, 2017, p. 8).
A desatualização monetária da tabela progressiva, portanto, consiste em um grave
problema relacionado à tributação das pessoas físicas. Isso porque:
[...] com a desvalorização de cada unidade monetária ao longo do tempo (inflação), também se desatualizam as faixas de tributação progressiva da renda ou patrimônio, sempre que expressas em uma unidade monetária como o real (R$). Isso provoca um aumento disfarçado da progressividade que os alemães costumam chamar de “progressividade fria” (kalte Progression) (YAMASHITA, 2014, p. 157).
Queiroz (2004) defende que a falta de atualização monetária da tabela progressiva e
das suas respectivas deduções de acordo com índices inflacionários, não encontra abrigo na
ordem jurídica. Trata-se de um aumento da carga tributária realizado por vias transversas, que
resulta em uma imposição com efeitos confiscatórios e que atinge com maior força as classes
assalariadas.
47
Para Bufon e Matos (2015b), o reajuste da tabela progressiva mensal do imposto de
renda consiste em uma obrigação do Estado, decorrente do princípio da capacidade
contributiva. À vista disso, a atualização em índices que não espelham o real aumento dos
salários e das despesas dos cidadãos ou, ainda mais grave, a ausência de atualização,
evidenciam total desrespeito do poder público para com os ditames constitucionalmente
estabelecidos.
Vale lembrar que, todos os princípios previstos na Constituição, em relação ao
imposto sobre a renda, visam a satisfazer postulados de justiça social, por meio da realização
da igualdade substancial na imposição do tributo. A disciplina e a rigidez com que a matéria
tributária é tratada no texto da Carta Magna, portanto, tendem justamente a impor limites ao
Estado, protegendo os indivíduos de uma arrecadação fiscal que possa exceder sua capacidade
contributiva e, consequentemente, violar seus direitos fundamentais (QUEIROZ, 2004).
Contudo, verifica-se que os princípios constitucionais não têm passado de meros
enunciados teóricos, utilizados para se fazer bonitos discursos a respeito. No momento da
ação, porém, “[...] o legislador não leva em consideração, não respeita os princípios. A
administração finge que não existem. E o Judiciário, que deve corrigir o legislador e o
administrador para impor a eficácia dos princípios, também muitas vezes falha” (ATALIBA
apud QUEIROZ, 2004, p. 7).
Diante dessa realidade, os resultados não poderiam ser diferentes: o Departamento de
Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional aponta para uma defasagem média acumulada de
83% na Tabela Progressiva Mensal do Imposto de Renda das pessoas físicas no período de
1996 a 2016. Em tabela comparativa, elaborada pelo departamento, a evolução dos reajustes e
dos resíduos9 é demonstrada anualmente, sendo que, em apenas cinco (05) anos, dentro dos
vinte (20) analisados, os reajustes superaram os índices do IPCA para o respectivo ano
(SINDIFISCO NACIONAL, 2017).
Para melhor ilustrar os dados obtidos através do estudo realizado pelo Sindifisco,
Lima (2017) elaborou o gráfico abaixo a fim de demonstrar mais claramente a perda de
progressividade que vem incidindo sobre o IRPF desde o ano de 1996. Cumpre ressaltar que o
ano de 1996 é utilizado como marco, pois foi o ano em que se passou a expressar os valores
em moeda corrente, convertendo-se de unidades fiscais para o real.
9 Resíduos na correção da tabela do imposto de renda pelo IPCA.
48
Gráfico 1 – Evolução da defasagem da tabela do IRPF de 1996 a 2016
Fonte: Lima (2017, texto digital).
Em relação ao tema, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil –
CFOAB ajuizou, em 10 de março de 2014, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº
5.096, a qual ainda encontra-se pendente de julgamento junto ao Supremo Tribunal Federal. O
Conselho questiona a correção da tabela progressiva mensal do IRPF, afirmando que os
reajustes, em percentual discrepante com a inflação real, ofendem a diversos comandos
constitucionais, como o conceito de renda (artigo 153, inciso III), a capacidade contributiva
(artigo 145, § 1º), o não-confisco tributário (artigo 150, inciso IV) e a dignidade da pessoa
humana (artigo 1º, inciso III).
O pedido principal da ação foi de aplicação da técnica de interpretação conforme ao
artigo 1º da Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007 (com redação dada pela Lei nº
12.469/2011), de modo que a correção da tabela, para o ano-calendário de 2013, refletisse a
defasagem calculada de 1996 até aquele ano (o que na época correspondia a 61,24%). Bem
assim, para os anos-calendário de 2014 em diante, o pedido foi de reconhecimento da
atualização da tabela pelo IPCA. Subsidiariamente, o Conselho requereu a modulação dos
efeitos da decisão, para que fosse corrigida a tabela de 2013 frente ao ano anterior (2012) com
base no IPCA de 5,91%, além da recomposição dos prejuízos dos anos anteriores, mediante a
aplicação, nos próximos 10 (dez) anos, de percentual de reajuste da tabela em 10% ao ano.
49
Importante destacar que, se a defasagem acumulada desde 1996 fosse corrigida, ou
seja, se os reajustes tivessem sido realizados conforme o índice oficial de inflação nos últimos
vinte (20) anos, a faixa de isenção do Imposto de Renda, para o ano-calendário 2016,
abarcaria todos os contribuintes com renda mensal tributável inferior a R$ 3.454,65. Trata-se
de uma diferença de R$ 1.550,67 em relação à atual faixa de renda isenta (R$ 1.903,98), que,
conforme o Sindicato, acaba penalizando, principalmente, aqueles contribuintes de mais baixa
renda, que poderiam/deveriam estar isentos da tributação (SINDIFISCO NACIONAL, 2017).
Abaixo, tem-se um comparativo entre a tabela progressiva mensal vigente (ano-
calendário 2016) e a tabela progressiva mensal com correção da defasagem ocorrida nas
últimas duas décadas, conforme disponibilizado pelo Departamento de Estudos Técnicos do
Sindifisco Nacional (SINDIFISCO NACIONAL, 2017, p. 7):
Tabela 1 – Tabela Progressiva Mensal do IRPF – Ano-Calendário 2016 (vigente)
Fonte: Sindifisco Nacional (2017, p. 7).
50
Tabela 2 – Tabela Progressiva Mensal do IRPF – Ano-Calendário 2016 (corrigida)
Fonte: Sindifisco Nacional (2017, p. 7).
Com base nessa comparação, pode-se inferir que a pesada carga tributária, sentida por
parcela significativa da população, não está atrelada a altas alíquotas, e sim, aos baixos
valores das bases de cálculo, somados à falta de reajuste de acordo com a inflação. Tal fato
resta demonstrado, ao passo que a alíquota máxima brasileira (27,5%) corresponde à
aproximadamente metade do percentual vigente às alíquotas de países mais desenvolvidos,
como Bélgica (65%), França (54%), Alemanha (53%), Itália (51%) e Japão (50%) (BUFFON;
MATOS, 2015b).
Na visão de Carrazza (2011, p. 128), a existência de cinco (05) faixas de alíquotas no
sistema brasileiro (0%, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%), não passa de uma tíbia tentativa de
imprimir ao imposto de renda um caráter mais pessoal e alinhado ao postulado da capacidade
contributiva. O autor descreve como tíbia “porque cinco alíquotas e, ainda por cima, sobre
valores pequenos e extremamente próximos entre si é, segundo estamos convencidos, muito
pouco para abarcar todo o universo de rendimentos mensais possíveis das pessoas físicas”.
Carrazza (2011) critica, principalmente, a “equiparação” existente entre as rendas
tributadas atualmente na alíquota máxima do IRPF de 27,5%, eis que consiste na faixa de
tributação que apresenta a maior diversidade de situações econômicas entre os contribuintes.
Ele explica que, a partir de um certo patamar de renda (níveis mais elevados), a
progressividade praticamente deixa de existir.
51
Curiosamente, antes de haver previsão constitucional expressa, a progressividade, no
Brasil, era mais efetiva em relação ao imposto de renda das pessoas físicas. A quantidade de
faixas chegou a 13, entre 1983 e 1985, com alíquotas máximas que alcançavam 60%,
conforme se verifica na tabela abaixo (BUFFON; MATOS, 2015b, p. 220):
Tabela 3 – Histórico das alíquotas do IRPF no Brasil
Fonte: Buffon e Matos (2015b, p. 220).
Os gráficos a seguir, extraídos do site da Receita Federal do Brasil (MINISTÉRIO DA
FAZENDA, 2016), demonstram o achatamento das faixas de tributação do IRPF, no Brasil, a
partir de 1988. Demonstram, também, a considerável redução dos percentuais das alíquotas
neste período, em contrariedade ao princípio da progressividade, que deveria informar o
tributo em estudo.
Gráfico 2 – Quantidade de alíquotas da tabela do IRPF de 1924 a 2016
Fonte: Ministério da Fazenda (2016, texto digital).
52
Gráfico 3 – Maiores alíquotas da tabela do IRPF de 1924 a 2016
Fonte: Ministério da Fazenda (2016, texto digital).
Da análise dos gráficos supra, é possível constatar que, atualmente, a progressividade
tributária no Brasil não passa de mero texto constitucional, desprovido de eficácia. O atual
sistema progressivo não atende a objetivos fundamentais insculpidos na Carta Magna
brasileira, consistentes na construção de uma sociedade solidária, que busca o
desenvolvimento e a redução das desigualdades sociais (BUFFON; MATOS, 2015b).
O princípio da capacidade contributiva, por seu turno, também resta prejudicado, uma
vez que somente com a adoção de alíquotas verdadeiramente progressivas é que se pode
atender a postulados que visam a igualdade em concreto. Nesse contexto, o ideal seria que, a
exemplo do que ocorria em um passado não tão distante no Brasil, as alíquotas oscilassem
entre 0% e 55%, dependendo dos rendimentos de cada contribuinte (CARRAZZA, 2005).
Tal mudança seria extremamente positiva, considerando-se que, consoante Piketty
(2014), o imposto progressivo consiste em um elemento essencial para o chamado Estado
Social. Para ele, a tributação progressiva desempenha uma função central de desenvolvimento
do Estado Social, tendo a aptidão de transformar a estrutura de desigualdade construída ao
longo do século XX, além de representar uma instituição fulcral para a garantia da viabilidade
desse modelo de Estado no século XXI.
Assim, pode-se afirmar que o princípio da progressividade, na seara tributária, é capaz
de promover uma verdadeira redistribuição de renda, através de um deslocamento da carga
tributária de contribuintes com menor potencial econômico para aqueles que detenham maior
53
capacidade de contribuição, bem como por meio do aumento das receitas tributárias para fins
de investimentos em áreas sociais, que afetarão diretamente a população mais carente do País
(YAMASHITA, 2014). De outro norte, a atual regressividade na tributação, vem obstando o
atingimento da justiça fiscal, ao passo que se transforma em um fator indutor do aumento da
desigualdade (SINDIFISCO NACIONAL, 2017).
4.2 O desrespeito ao critério de renda líquida tributável e a violação ao mínimo vital dos
contribuintes
O Brasil é o país com o quarto pior índice de Gini (2010-2015)10 da América Latina e
Caribe, atrás somente do Haiti, Colômbia e Paraguai (RELATÓRIO, 2017). Isso significa
uma situação de desigualdade extrema, onde se tem mais de 16 (dezesseis) milhões de pessoas
vivendo abaixo da linha da pobreza, enquanto 06 (seis) bilionários brasileiros possuem,
juntos, a riqueza equivalente àquela que metade mais pobre da população detém (OXFAM
BRASIL, 2017).
Em relação à renda, os números são impactantes. De acordo com o relatório A
distância que nos une, publicado em setembro de 2017 pela Oxfam Brasil, em média, mais de
25% de toda a renda nacional é recebida pelo 1% mais rico da população, sendo que os 5%
mais ricos auferem o mesmo que os demais 95%. O estudo ainda demonstra que, no ano de
2015, 7 a cada 10 pessoas possuíam uma renda familiar per capita média de menos de R$
962,00. Esses dados levaram o Brasil a ser considerado o 10º país mais desigual do mundo,
em um ranking que elencou mais de 140 países no Relatório de Desenvolvimento Humano de
2016 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) (OXFAM BRASIL,
2017).
O modelo tributário vigente, na visão de Buffon e Matos (2015b, p. 203), tem
reforçado o quadro de desigualdades, representando um verdadeiro instrumento de
concentração de riquezas. Os referidos autores denominam esse fenômeno de redistribuição
de renda às avessas, “à medida que cidadãos com menor capacidade contributiva arcam com
10 O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza (WOLFFENBÜTTEL, 2004, texto digital).
54
maior parcela da carga tributária, sem que haja o incremento dos direitos sociais que lhe são
de direito, em detrimento daqueles que estão no topo da pirâmide social”.
Nesse sentido, não basta ter uma Constituição que elenca a erradicação da pobreza, da
marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como parte de seus objetivos
fundamentais, se as pessoas não tiverem condições mínimas para uma existência digna. É
preciso que o Estado implemente ações positivas para a garantia de padrões aceitáveis de
subsistência e, sobretudo, na seara tributária, se abstenha de tributar o mínimo vital dos
cidadãos, permitindo que adquiram ou mantenham condições econômicas capazes de lhes
proporcionar, ao menos, o acesso aos progressos básicos da Humanidade (CARRAZZA,
2005).
A intributabilidade do mínimo existencial (ou vital) é abordada por Buffon (2009, p.
183) como um pressuposto para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Para o tributarista:
[...] em qualquer modelo estatal – e no Estado Social principalmente – é inadmissível que o cidadão desprovido de capacidade para prover o seu próprio sustento seja compelido a contribuir para o Estado, especialmente quando este lhe sonega aquilo de mais básico que prometeu prover (saúde, educação, segurança, habitação, salário digno, etc.).
Na prática, um bom parâmetro para a definição do que compõe o mínimo vital do
contribuinte está expresso no dispositivo constitucional que regula o salário mínimo nacional
(YAMASHITA, 2014). Com base no artigo 7º, inciso IV, da CF/88, o salário mínimo, fixado
em lei e nacionalmente unificado, deveria ser capaz de atender às necessidades vitais básicas
do trabalhador e de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,
higiene, transporte e previdência social.
À evidência, o valor atualmente fixado para o salário mínimo nacional (R$ 937,00) no
Decreto nº 8.948/2016 é insuficiente para a garantia de todos os elementos supracitados ao
trabalhador e a sua família. Segundo o DIEESE (2017), para o adequado cumprimento do
preceito constitucional em tela, o valor do salário mínimo necessário, em setembro de 2017,
deveria corresponder a R$ 3.668,55.11
11 Para calcular o Salário Mínimo Necessário, o DIEESE considera o preceito constitucional de que o salário mínimo deve atender as necessidades básicas do trabalhador e de sua família e cujo valor é único para todo o país. Usa como base o Decreto-Lei nº 399/38, que estabelece que o gasto com alimentação de um trabalhador adulto não pode ser inferior ao custo da Cesta Básica de Alimentos e a família considerada para o cálculo é composta por 2 adultos e 2 crianças, que por hipótese, consomem como 1 adulto (DIEESE, 2017, texto digital).
55
Não obstante esta incoerência entre o texto constitucional e o valor estabelecido pela
legislação ordinária para a remuneração mínima do trabalhador, Carrazza (2005) afirma que
não deve haver tributação sobre os valores necessários à garantia do mínimo vital. Trata-se de
uma proteção advinda do princípio da capacidade contributiva, que não permite que o mínimo
existencial seja violado, total ou parcialmente, pela tributação (TIPKE; YAMASHITA, 2002).
Isso posto, Machado (2014, p. 305) afirma que a existência de uma faixa de isenção
para a tributação da renda é extremamente justa e resulta do critério da progressividade, que é
capaz de efetivar o princípio da isonomia. O autor sustenta que, “[...] ninguém, em sã
consciência, pode considerar justo cobrar imposto de renda de quem ganha apenas o
necessário para o atendimento de suas necessidades mais primárias”.
Dessa forma, ao menos em sede de tributação da renda, o mínimo existencial deveria
ser adequadamente respeitado, impedindo que o dever de contribuir para a manutenção do
Estado vilipendiasse aquela parcela de recursos que é indispensável à satisfação das
necessidades básicas do indivíduo (BUFFON, 2009). O que se verifica, no entanto, é que
“[...] além de não ser garantido o pagamento do que seria o salário mínimo necessário, o
Estado ainda usurpa uma parcela do particular que tem menor capacidade contributiva”
(QUEIROZ, 2004, p. 379).
Logo, o valor atualmente previsto em lei para delimitação da faixa de isenção do
imposto de renda das pessoas físicas (R$ 1.903,98), infringe o princípio da capacidade
contributiva, demandando correção legislativa ou judicial. Isso porque, enquanto a renda não
ultrapassa os valores necessários para a garantia do mínimo existencial, não há que se falar
em capacidade econômica para contribuir com o pagamento do tributo em questão (TIPKE;
YAMASHITA, 2002).
Nesse contexto, o desrespeito ao critério de renda líquida tributável também tem
tornado o dever de solidariedade, notadamente no pagamento do imposto de renda, em um
fator de aumento da desigualdade social. De acordo com Derzi in Baleeiro (2003), a renda
líquida, que expressa a verdadeira capacidade de contribuir para as despesas públicas, só pode
ser adequadamente aferida após deduzidos todos os custos necessários à aquisição, produção e
à manutenção da renda, sendo confiscatória a tributação que atinja os valores indispensáveis a
uma existência digna, pessoal e familiar do contribuinte, e que obste o consumo dos gêneros
de primeira e média necessidades.
56
Na mesma linha, Queiroz (2005, p. 380) sustenta que os valores anuais estabelecidos
para o limite das deduções de gastos com dependentes e com educação, por exemplo,
configuram verdadeiro confisco, uma vez que desconsideram as particularidades das pessoas,
incidindo sobre importâncias que foram utilizadas para cobrir despesas essenciais a sua
subsistência. A autora salienta que:
[...] a tributação das pessoas físicas, como está estruturada pelo legislador ordinário, e a vedação ou limitação da dedutibilidade de algumas despesas, muitas vezes, consagram uma grande injustiça fiscal, inclusive quando elas se referem a desembolsos e gastos que o particular age em substituição às atividades que originariamente seriam de competência do Estado e que deveriam estar cobertas e ser financiadas com os impostos já pagos pelos próprios particulares.
Do mesmo modo, Carrazza (2011) tece críticas em relação à sistemática de deduções
autorizadas pela legislação, por estabelecer bases em valores absolutamente irrealistas e que
vão de encontro aos direitos sociais positivados no artigo 6º da Carta Magna brasileira. Para
ele, esses direitos são menosprezados, à medida em que se impede que os custos para o seu
alcance sejam abatidos para fins de apuração da renda líquida tributável.
A exemplo disso, o autor cita a impossibilidade de deduções de gastos com
medicamentos, quando, no mais das vezes, é através desse tratamento que se alcança a
recuperação da saúde. Também, pode-se elencar a impossibilidade de dedução dos valores
pagos a título de aluguel de imóvel para moradia e das despesas com alimentação básica.
Outro importante ponto destacado por Carrazza (2011), diz respeito aos valores
dedutíveis com educação regular, uma vez que o limite total fixado para abatimento com essas
despesas é extremamente baixo e muito distante dos gastos usuais com escola ou ensino
superior particular. Segundo o autor, a ordem jurídica garante o abatimento total dessas
despesas, por ocasião do ajuste anual, independentemente do que vier a dispor a legislação
ordinária do IR, que não pode se sobrepor à Constituição.
Esse tema também é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 4.927,
ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB em 25 de
março de 2013. Na ação, questionam-se dispositivos da Lei 9.250/1995 (com a redação dada
pela Lei 12.469/2011), que estabeleceram limites para dedução de despesas com instrução do
contribuinte e seus dependentes no imposto sobre a renda das pessoas físicas.
A OAB aduz que a imposição de limites que não condizem com a realidade ofende
preceitos constitucionais, como o conceito de renda (artigo 153, inciso III), a capacidade
57
contributiva (artigo 145, § 1º), o não-confisco tributário (artigo 150, inciso IV), o direito à
educação (artigos 6º, caput, 23, inciso V, 205, 208, 209 e 227), a dignidade humana (artigo 1º,
inciso III), a proteção da família (artigo 226) e a razoabilidade (artigo 5º, inciso LIV). A ação
ainda encontra-se pendente de julgamento, sendo que, em junho de 2017, foi admitido o
ingresso da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul e do Sindicato Nacional dos
Auditores Ficais da Receita Federal do Brasil, na condição de amicus curiae.
Cumpre ressaltar que, de acordo com o artigo 8º, inciso II, b, 10, da Lei 9.250/1995, o
limite vigente para dedução de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes,
seja na educação infantil, ensino fundamental, médio, superior ou na educação profissional
está fixado em R$ 3.561,50 para o ano-calendário de 2015. Contudo, este também foi o valor
utilizado para o ano-calendário de 2016, em decorrência da falta de reajuste da base de
cálculo, na tabela progressiva do IRPF, para o referido ano.
O congelamento do valor das deduções previstas na legislação do imposto de renda
atingiu, igualmente, a parcela dedutível por dependente. Conforme o artigo 8º, inciso II, c, 9,
da Lei 9.250/1995, o limite de dedução neste caso está fixado em R$ 2.275,08 para o ano-
calendário de 2015, quantia utilizada também para o ano-calendário 2016.
Constata-se, pois, que o princípio da capacidade contributiva, em relação ao imposto
de renda pessoa física, tem sido negligenciado pelo Estado, sobretudo, em seu viés subjetivo.
Nas lições de Derzi in Baleeiro (1997), esta subjetividade estaria intimamente ligada à
exigência constitucional de pessoalidade do referido tributo e à verificação da real capacidade
econômica do contribuinte, após a dedução de suas despesas básicas familiares.
A autora ainda qualifica como paradoxal a objetividade com que se passou a tratar a
tributação da renda, após a promulgação da Constituição de 1988, ferindo seus próprios
mandamentos. Ao analisar a questão historicamente, Derzi in Baleeiro (1997, p. 539) elucida
que:
[...] nos últimos 20 anos, embora os Textos Constitucionais brasileiros em vigor não contivessem regras como a pessoalidade e a capacidade contributiva; a generalidade e a progressividade do imposto de renda; a vedação de se utilizar tributo com efeito de confisco; o planejamento familiar como estrita decisão do casal e o dever de sustentar e educar os filhos menores... todas expressas no atual momento jurídico nacional, as leis reguladoras do imposto sobre a renda, em geral, permitiam a dedução de gastos com dependentes, educação, saúde e moradia, limitadamente. Bastou que a Constituição Federal contivesse tais regras para que, de forma paradoxal, a lei reduzisse substancialmente a progressividade, medida que se tornou
58
possível graças à desconsideração dos encargos pessoais e familiares, de modo geral.
De acordo com Machado (2014), a legislação atinente à tributação da renda é uma das
mais complexas e dinâmicas do Sistema Tributário Brasileiro. Em tese, essa complexidade
deveria tornar sua aplicação mais justa, imprimindo-lhe um caráter mais pessoal e,
consequentemente, reforçando a utilização do imposto de renda como um instrumento de
política tributária, voltado à redistribuição de riquezas, não apenas em razão de pessoas, como
também de lugares.
Porém, o atual modo de tributar a renda concorre para que a concentração de riquezas
e a pobreza se perpetuem no País. Desrespeita-se a supremacia da Constituição, ao tributar de
forma mais gravosa aqueles com menor capacidade contributiva (BUFFON; MATOS,
2015b).
Ignora-se, também, o fato de que a lei somente poderia tributar aqueles valores que
sobejassem à porção de riqueza necessária a uma existência digna do contribuinte e sua
família, ou seja, aqueles valores que vão além do mínimo vital (CARRAZZA, 2005). Em
função disso, os direitos sociais são relegados e a igualdade acaba por permanecer apenas em
um plano formal.
Para a transformação dessa realidade, é preciso que o conceito de renda tributável
respeite o mínimo existencial, que, consoante Yamashita (2014), é constitucionalmente
intocável e inalienável. É preciso, sobretudo, considerar que uma tributação em desacordo
com os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva impede o próprio
desenvolvimento do Estado, pois impossibilita a mobilidade social de seus cidadãos.
4.3 A desigualdade entre a tributação da renda, do trabalho e do capital
Na busca pela justiça social, o modelo de política tributária adotado pelo Estado pode
ser um grande instrumento de atenuação ou de agravamento das desigualdades econômicas e
sociais. De tal modo, uma adequada repartição da carga tributária entre os contribuintes, que
são os geradores de riqueza, está intimamente ligada à ideia de justiça tributária (MOTA,
2010).
Dentro dessa perspectiva, o princípio da isonomia ou da igualdade tributária prescreve
que cidadãos com igual capacidade contributiva devem ter a tributação nivelada com outros
59
que figurem no mesmo padrão econômico. Por outro lado, riquezas diferentes devem ser
tratadas de forma proporcionalmente distinta no momento da distribuição dos encargos fiscais
(AMARO, 2016).
Nesse contexto, Derzi in Baleeiro (1997, p. 538) afirma que a progressividade nos
tributos constitui uma exigência inafastável do princípio da igualdade, tendo em vista que
“conduz à elevação de alíquotas à medida que cresce o montante de riqueza demonstrada ou a
capacidade econômica do contribuinte”. Para a autora, a progressividade promove a
personalização dos impostos, permitindo que as grandes disparidades econômicas sejam
atenuadas e que o Estado Democrático de Direito possa efetivamente construir uma sociedade
livre, justa e solidária, sem que o montante da arrecadação decresça.
No entanto, essa não tem sido a realidade brasileira em termos de tributação do
imposto de renda das pessoas físicas. Em uma lógica neoliberalista econômica, que
desconsidera quase que totalmente as questões sociais, o ônus concernente à manutenção dos
– já escassos – serviços públicos tem sido transferido para a classe assalariada, reduzindo-se
ou diminuindo-se a tributação incidente sobre o capital (BUFFON, 2009).
Para melhor contextualizar esse quadro, primeiramente, traz-se à baila a atual
classificação de rendimentos tributáveis, considerando-se o momento em que há a apuração
do imposto, conforme explanado por Borba e Coelho (2016, p. 212). Os dados são agrupados
da seguinte forma:
(i) rendimentos tributados no momento de seu recebimento sujeitos à retenção na fonte, como salários, pensões, aposentadorias, por exemplo. O recolhimento do imposto deve ser efetuado pela fonte pagadora. O rendimento bruto, assim como o IRRF, é levado ao ajuste anual na DAA;
(ii) rendimentos tributados no momento de seu recebimento, como honorários, aluguéis e valores recebidos de fontes pagadoras situadas no exterior. O recolhimento do imposto deve ser efetuado próprio contribuinte, a título de carnê-leão. O rendimento bruto, assim como o carnê-leão pago, é levado ao ajuste anual na DAA;
(iii) rendimentos tributados exclusivamente na fonte, no momento do seu recebimento, como rendimentos de aplicações financeiras, prêmios recebidos em concursos de prognósticos, e décimo-terceiro salário. O recolhimento do imposto deve ser efetuado pela fonte pagadora. O rendimento e o imposto pago não são levados ao ajuste anual na DAA;
(iv) rendimentos sujeitos à tributação definitiva, no momento do seu recebimento, sendo o caso dos ganhos de capital. O recolhimento é efetuado pelo próprio contribuinte, sem que o rendimento e o imposto sejam posteriormente levados ao ajuste anual na DAA;
(v) rendimentos sujeitos à tributação apenas no ajuste anual na DAA, sendo o caso da renda líquida da atividade rural.
60
Com base na síntese supra, já se pode observar algumas das iniquidades atualmente
previstas na legislação atinente à tributação da renda, que difere o tratamento dado a alguns
rendimentos, desobrigando o contribuinte de levá-los ao ajuste anual e, portanto, de se
submeter à tabela progressiva mensal do IRPF. Outra disparidade, refere-se à existência de
alíquotas diferenciadas para a tributação dos rendimentos auferidos em qualquer aplicação ou
operação financeira de renda fixa ou de renda variável, que, de acordo com as Leis nº
11.033/2004 e nº 9.779/1999, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte, com
alíquotas que variam entre 15% e 22,5%, oscilando conforme o prazo e o tipo de aplicação.
Destarte, enquanto os rendimentos dos trabalhadores assalariados são levados
obrigatoriamente à tabela progressiva do IRPF, sujeitando-se a quatro alíquotas vigentes, que
chegam a 27,5%, e ao ajuste anual de declaração de renda, os rendimentos de aplicações
financeiras têm tributação exclusiva na fonte e sua alíquota máxima não ultrapassa 22,5%.
Evidencia-se, pois, o privilégio dado aos rentistas e a maior tributação sobre as rendas
derivadas do trabalho (SINDIFISCO NACIONAL, 2010).
Ainda, o artigo 3º da Lei nº 11.033/2004, dispõe sobre uma série de isenções
concedidas, na fonte e na declaração de ajuste anual, para remunerações obtidas em diversos
tipos de investimentos financeiros. A exemplo disso, pode-se citar a isenção sobre os ganhos
líquidos, auferidos por pessoas físicas em operações no mercado à vista de ações nas bolsas
de valores e em operações com ouro ativo financeiro, cujo valor das alienações seja igual ou
inferior a R$ 20.000,00 mensais. Não obstante, a faixa de isenção para os ganhos do
trabalhador não ultrapassa a cifra de R$ 1.903,98 por mês (valor isento para os anos-
calendário de 2015 e 2016).
Não bastassem as isenções elencadas acima, os artigos 22 e 23 da Lei nº 9.250/1995,
preveem também a isenção do imposto de renda para ganhos de capital. Essa isenção alcança
o valor auferido na alienação de bens e direitos de pequeno valor, cujo preço unitário de
alienação seja igual ou inferior a R$ 20.000,00, no caso de alienação de ações negociadas no
mercado de balcão, ou R$ 35.000,00 para os demais casos. Outrossim, o contribuinte está
isento de recolher IRPF na alienação do único imóvel que possuir, cujo valor de venda seja de
até R$ 440.000,00, desde que não tenha sido realizada qualquer outra alienação nos últimos
cinco anos.
61
Note-se que os rendimentos referentes aos ganhos de capital também estão sujeitos a
um regime de tributação diferenciado, que Melo (2012) denomina de “tributação definitiva”.
O autor explica que os ganhos de capital na alienação de bens ou direitos pela pessoa física,
por exemplo, são tributados em separado, no mês em que forem auferidos, não integrando a
base de cálculo do imposto na declaração de rendimentos.
Mais uma grande demonstração de desigualdade entre a tributação da renda do
trabalho e do capital refere-se à isenção do imposto de renda à distribuição de lucros a pessoas
físicas. Nos termos do artigo 10 da Lei nº 9.249/1995, foi eliminado o imposto de renda retido
na fonte, à alíquota de 15%, sobre lucros e dividendos distribuídos para os resultados
apurados a partir de janeiro de 1996. Tais rendimentos simplesmente passaram a ser
declarados, por ocasião do ajuste anual, como isentos e não tributáveis (TOLENTINO
FILHO, 2011).
A Oxfam Brasil (2017) elucida que os lucros e dividendos consistem na principal
fonte de rendimento das classes mais ricas do Brasil, as quais se beneficiam com esta política
de isenção que existe apenas em dois países da lista de membros e parceiros da OCDE, quais
sejam, Brasil e Estônia. Com base nos dados coletados para a elaboração do relatório A
distância que nos une, a organização constata que as pessoas com rendimentos mensais
superiores a 80 salários mínimos obtêm uma isenção média de 66% de impostos, alcançando
70% para aqueles que percebem rendimentos superiores a 320 salários mínimos mensais.
Enquanto isso, a isenção para a classe média, que recebe entre 3 e 20 salários mínimos, é de
17%, caindo para 9% para aqueles que recebem de 1 a 3 salários mínimos mensais.
Em função disso, para a Oxfam, o pagamento de impostos no Brasil se concentra,
principalmente, nas menores faixas de renda, fazendo com que a classe média pague,
proporcionalmente, muito mais que os chamados “super-ricos”. Lima (2017) ilustra esta
situação no gráfico abaixo, no qual se verifica que um quarto dos rendimentos isentos,
advindos em sua maioria de lucros e dividendos recebidos pelo titular ou por dependentes,
concentra-se na faixa de contribuintes que possuem as rendas mais altas do País.
62
Gráfico 4 – Fuga da Tabela do IR 2016 (ano-calendário 2015)
Fonte: Lima (2017, texto digital).
O favorecimento aos rendimentos do capital, segundo Borba e Coelho (2016), ainda
ocorre através da tributação exclusiva incidente em relação aos chamados juros sobre o capital
próprio, nos termos do artigo 9º da Lei 9.249/1995. Os autores explicam que o pagamento
desses juros pela sociedade empresarial consiste em uma forma de remunerar as pessoas
físicas (sócios/acionistas), adicionalmente à distribuição de lucros, sendo que esses
pagamentos são registrados como despesas na pessoa jurídica e tributados para as pessoas
físicas, exclusivamente na fonte, à alíquota de 15%.
Borba e Coelho (2016) explanam que essa disposição legal, a qual constitui mais um
incentivo estatal para a formação do capital social das empresas, concorre para a desigualdade
entre a tributação das rendas do trabalho e do capital. Isso porque a pessoa que receber os
aludidos juros recolherá unicamente 15% sobre o valor auferido, sem levar os rendimentos ao
ajuste anual, quando poderia haver a tributação em alíquotas superiores, de 22,5% ou 27,5%.
As isenções e os regimes especiais de tributação concedidos às rendas do capital
também foram objeto de análise em um estudo publicado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (Arrecadar não basta: a tributação como instrumento do desenvolvimento).
O trabalho aponta para o desperdício do potencial de arrecadação e de redistribuição do
63
imposto sobre a renda nos países latino-americanos, o que acaba por transformar o tributo em
tela em uma “caixa vazia” (BID, 2013).
De acordo com Santos (2015, texto digital), o tratamento não isonômico dado às
rendas no Brasil acaba por produzir alíquotas efetivas que são regressivas nas faixas
superiores a 40 salários mínimos. Com base em cálculos que procuraram determinar o efeito
real que a tributação produz sobre as rendas dos contribuintes, ele afirma que “[...] a
progressividade é acentuada para as rendas mais baixas, mas é branda em relação às rendas
mais altas”.
O principal motivo para essa distorção, consoante Santos (2015, texto digital), sem
dúvida, é:
[...] o fato de que as rendas mais altas são predominantemente compostas por rendimentos isentos e não tributáveis, ou tributados exclusivamente na fonte, mas a alíquotas efetivas menores. Enquanto as rendas isentas e não tributáveis da faixa de renda de 10 a 20 SM correspondem a 21% das rendas totais, na faixa de 80 a 160 SM, correspondem a 60% e, na faixa superior da 160 SM, correspondem a 66%.
Assim sendo, “[...] pode-se afirmar que o Brasil é, simultaneamente, um paraíso fiscal
para os mais ricos e um inferno fiscal para os mais pobres” (MAYER, 2017, texto digital).
Conforme se observa no gráfico a seguir, elaborado pela Oxfam Brasil (2017), a
progressividade das alíquotas efetivas cresce somente até a faixa dos 40 salários mínimos de
rendimentos e, a partir daí, passa a cair vertiginosamente, exatamente na faixa de salários
ocupada pelos grupos mais ricos do País:
Gráfico 5 – Alíquota efetiva média do IRPF em faixas salariais distintas (2017)
Fonte: Redação (2017, texto digital).
64
A despeito do manifesto desequilíbrio já existente no Brasil, Borba e Coelho (2016, p.
220) lembram que, recentemente, a tributação de recursos não declarados e mantidos no
exterior foi favorecida por meio da Lei nº 13.254/2016. Em flagrante tratamento desigual, o
referido diploma legal dispôs sobre a tributação do patrimônio ocultado no exterior,
estabelecendo uma alíquota de 15% para o cálculo do imposto devido, ao passo que os
“contribuintes que declaram corretamente à administração tributária suas rendas e seus
patrimônios – estejam eles situados no Brasil ou no exterior – são submetidos à incidência da
tributação conforme a tabela progressiva do IRPF, composta por alíquotas (de 7,5% a
27,5%)”.
A opção político-tributária adotada pelo Brasil é criticada por Mota (2010, texto
digital), ao referir que, atualmente, a função redistributiva dos impostos está sendo distorcida,
transformando-os em um meio de obtenção de recursos para financiar o grande capital. O
autor assevera que:
[...] frente à necessidade de maiores recursos financeiros, o Estado brasileiro tem adotado políticas tributárias que desrespeitam valores constitucionais consagrados, como os dos princípios da capacidade contributiva e o da igualdade, ao manter o atual sistema tributário vigente, que privilegia a especulação financeira em detrimento do trabalhador assalariado, com tributação proporcionalmente mais onerosa sobre a classe trabalhadora do país.
Nessa mesma linha, o Sindifisco Nacional (2010, p. 13) sustenta que o imposto de
renda “[...] tem sido utilizado como instrumento de renúncias fiscais e favorecido a elisão e o
planejamento tributário, além de dar tratamento mais gravoso aos rendimentos do trabalho e
isentar os rendimentos do capital, como a distribuição do lucro”. Daí a importância, segundo o
sindicato, de se proceder a uma profunda revisão na sistemática da tributação da renda, a fim
de restabelecer a equidade entre os contribuintes.
Por fim, com base nos apontamentos acima expostos, pode-se afirmar que o imposto
de renda pessoa física, da forma como vem sendo operacionalizado, não se coaduna com os
objetivos fundamentais estabelecidos pela Carta Magna brasileira. Pelo contrário, a tributação
da renda tem colaborado para o aumento das desigualdades sociais, onerando cada vez mais a
classe trabalhadora e aumentando os níveis de concentração de riquezas no País, mediante o
favorecimento das rendas advindas do capital.
65
4.4 Alternativas potencialmente úteis para a correção das injustiças tributárias
relacionadas ao imposto de renda pessoa física
A personalização dos impostos, segundo a capacidade contributiva dos cidadãos,
fundamenta-se na ética de um modelo justo de tributação, no qual se busca um maior
nivelamento das condições econômicas dos indivíduos através de uma política fiscal voltada à
redistribuição de riquezas. A premissa básica é:
[...] se os membros de um grupo politicamente organizado são desiguais do ponto de vista econômico, paguem na medida das suas faculdades e disponibilidades. Tire-se o menos possível de quem apenas pode satisfazer as necessidades essenciais de um padrão de vida compatível com a dignidade humana. Recorra-se a quem colheu o maior proveito da vida social (BALEEIRO, 1997, p. 829).
Nesse sentido, Baleeiro (1997) afirma que os problemas fiscais estão permeados de
aspectos éticos. A análise dessas questões sob um viés político, porém, teria a capacidade de
satisfazer o clamor histórico da sociedade por uma tributação que elimine ou reduza a
desigualdade de fortunas e rendas, efetivando uma autêntica reforma social das estruturas
econômicas.
Por outro lado, a falta de coragem política para a adoção de medidas fiscais que
racionalizem a tributação e reduzam drasticamente os benefícios fiscais concedidos a
determinados grupos sociais e econômicos, na visão de Nabais (2009), pode transformar o
sistema tributário em um cenário de iniquidades inconcebíveis para um Estado de Direito.
Para o autor, essa situação é capaz de produzir um verdadeiro apartheid fiscal, no qual os
tributos são suportados de forma desigual pelos contribuintes, desonerando-se algumas
classes “favorecidas”, ao passo que se sobrecarregam os indivíduos que integram as demais
camadas sociais, geralmente compostas por trabalhadores assalariados.
Em sede de tributação da renda das pessoas físicas, a inobservância do princípio
constitucional da capacidade contributiva, seja pelo desrespeito ao critério da progressividade,
pela tributação do mínimo existencial do cidadão ou, ainda, pelo tratamento diferenciado dado
às rendas do capital e do trabalho, contribui para o aumento das desigualdades sociais no País,
bem como para a concentração de riquezas. Por essa razão, há que se buscar alternativas
potencialmente viáveis para a correção dessas injustiças fiscais.
Entre as proposições que poderiam vir a romper com a tradicional função
antirredistributiva da tributação brasileira, Buffon (2014) elenca a possibilidade de revisão,
66
para cima, da quantidade de alíquotas e da alíquota máxima atualmente prevista para o
imposto de renda pessoa física. Nessa mesma linha, Carrazza (2011) entende que o sistema de
tributação da renda poderia ser aperfeiçoado, elevando-se as alíquotas máximas para os
patamares que alguns países adotam (de aproximadamente 50%), aumentando-se o número de
alíquotas vigentes e, sobretudo, ampliando-se a diferença entre as bases de cálculo de uma
para a outra faixa, eis que se encontram muito próximas entre si, deixando de abarcar todo o
universo de rendimentos mensais possíveis.
Carrazza (2011, p. 129) dá seguimento a sua explanação afirmando que essas
mudanças não seriam drasticamente sentidas pelos brasileiros, tendo em vista que as altas
alíquotas alcançariam apenas alguns contribuintes, com ganhos, de fato, significativos.
Enquanto isso, aqueles que não percebam valores tão elevados poderiam ter uma redução da
tributação em seus rendimentos líquidos, encaixando-se em faixas com alíquotas mais baixas
ou, até mesmo, na faixa de isenção do imposto. Dessa forma, as atuais distorções poderiam
ser corrigidas:
[...] aumentando-se a faixa isentiva (para que os contribuintes de menor renda fiquem a salvo do tributo) e, ao mesmo tempo, criando-se um maior número de alíquotas aplicáveis às rendas mais elevadas. Com tal providência os contribuintes com ganhos realmente expressivos viriam, em termos proporcionais, a pagar mais imposto sobre a renda que aqueles que, embora não aufiram de modo tão elevado, atualmente também são postos na faixa dos 27,5%.
Santos (2015) defende que a criação de alíquotas mais elevadas, com o fim de alcançar
aquela parcela de rendas que hoje escapa à progressividade da tributação, é plenamente
justificável, tendo em vista que 90% de toda a arrecadação do IRPF já ocorre na última faixa
de renda, sujeita à alíquota de 27,5%. Para ele, isso demonstra a enorme abrangência dos
rendimentos presentes nesta faixa, na qual 10 salários mínimos submetem-se à mesma
alíquota que rendas superiores a 160 salários mínimos.
Como parâmetro, Queiroz (2004) sugere que poderiam ser retomadas as alíquotas
progressivas que existiam no Brasil antes de 1988, em nove faixas que oscilavam entre 0% e
45%. A autora ressalta que para a realização de uma tributação efetivamente progressiva,
além da criação de novas alíquotas, seria necessário, também, que as despesas atinentes à
produção dos rendimentos e à manutenção da fonte fossem consideradas no momento da
apuração do imposto devido.
67
O Instituto Justiça Fiscal – IJF, por sua vez, propõe que as quatro alíquotas atualmente
vigentes na tabela progressiva do IRPF sejam substituídas por oito novas alíquotas, variando
de 5% a 40%, com intervalos de 5 em 5%. Essas novas alíquotas deveriam ser aplicadas sobre
todos os rendimentos percebidos pelas pessoas físicas, inclusive aqueles decorrentes de
distribuição de lucros e dividendos, atualmente isentos (SANTOS, 2015).
A reestruturação da tabela progressiva mensal do IRPF, contudo, deveria vir
acompanhada de uma política anual de atualização monetária dos valores nela contidos, em
conformidade com os índices oficiais de inflação. Quanto ao ponto, o Sindifisco Nacional
(2017) aduz que a correção da referida tabela pelo índice integral da inflação oficial (IPCA),
assim como o reajuste dos valores relativos às demais parcelas a deduzir, consiste em um
imperativo de justiça fiscal.
Nesse contexto, Carrazza (2005, p. 312) sustenta que os rendimentos tributáveis e os
valores máximos estabelecidos para fins de descontos e abatimentos do imposto sobre a renda
“[...] demandam reajuste anual automático, de acordo com os índices inflacionários”. O autor
assegura que essa providência sequer exigiria disposição legal, sendo lícito ao próprio Poder
Executivo fazê-la, para que a legislação tributária pudesse ser aplicada em harmonia com os
preceitos constitucionais.
Ainda, no que concerne à preservação do mínimo vital do contribuinte, importante
mencionar a solução trazida pelo IJF. O instituto propõe que as alíquotas previstas para a
apuração do imposto de renda incidam apenas sobre as rendas que ultrapassarem o valor
correspondente ao salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE (SANTOS, 2015). De
tal modo, o valor atualmente fixado para a faixa de isenção do imposto de renda das pessoas
físicas passaria de R$ 1.903,98, no ano-calendário 2016, para o montante de R$ 3.668,55 em
2017.
A plausibilidade dessa medida consiste na proteção dos valores indispensáveis ao
atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. Segundo Russo (2005), tais valores não
podem ser atingidos pela tributação, sob pena de comprometimento da própria sobrevivência
do contribuinte e, consequentemente, de afronta aos direitos fundamentais da pessoa humana.
Buffon (2009, p. 194), igualmente, considera imprescindível que o limite de isenção
do imposto de renda das pessoas físicas seja elevado, uma vez que o atual valor se mostra
insuficiente para o atendimento das necessidades básicas do cidadão e de sua família. O autor
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argumenta que, “[...] com esse reduzido limite, o contribuinte de baixa renda fica privado de
viver dignamente, para que possa recolher seu imposto, no mais das vezes descontado
diretamente na fonte, como ocorre com a renda oriunda do trabalho”.
Dentro dessa perspectiva, Tolentino Filho (2011, p. 12) elabora preceitos que seriam
representativos da aplicação prática do princípio da capacidade contributiva, quais sejam:
1) Os tributos devem ser graduados em função da renda de cada contribuinte – quem ganha mais deve pagar mais;
2) Quanto maior for a base de cálculo de um tributo, maior deve ser a sua alíquota; e
3) A renda mínima consagrada à sobrevivência deve ser minimamente tributada ou, em última instância, deve ser livre de tributação.
O autor supracitado também lembra que a capacidade contributiva somente se inicia
após a dedução dos gastos indispensáveis ao mínimo existencial, necessário a uma vida digna
para o contribuinte e sua família. Nesse sentido, o Sindifisco Nacional (2010) se opõe à
tributação incidente sobre as despesas com alimentação, moradia e educação, aduzindo que os
valores desembolsados com esses gastos não podem ser tributados, pois não expressam
capacidade econômica.
Buffon e Matos (2015a, p. 290), por seu turno, observam que a dedutibilidade de
despesas e gastos com moradia, remédios, aluguel e, inclusive, com impostos obrigatórios
como IPVA ou IPTU, são pressupostos para a correta apuração do fato gerador do IRPF.
Assim, os autores defendem a necessidade de se “[...] admitir, como dedutíveis, as despesas
com medicamentos ou quaisquer produtos que sejam necessários, especialmente, porque a não
dedutibilidade implica, concomitantemente, afronta ao princípio da capacidade contributiva”.
Por fim, outro importante ponto a ser revisto, em termos de adequação do imposto de
renda pessoa física ao princípio da capacidade contributiva, refere-se à necessidade de
extinção das diferenças atualmente existentes na tributação das rendas do capital e do
trabalho. O Sindifisco Nacional (2010, p. 58) entende que deve haver uma submissão
universal de todos os rendimentos auferidos por pessoas físicas à tabela progressiva do
imposto de renda, de forma a assegurar a isonomia tributária prevista na Constituição. Ainda,
o sindicato expõe que:
[...] o fim das renúncias fiscais concedidas aos rentistas propiciaria a possibilidade de uma readequação da tabela de imposto de renda das pessoas físicas, de modo a trazer ao sistema as pessoas que hoje se encontram isentas de tributação ou contribuindo abaixo de suas possibilidades, ao mesmo tempo em que reduziria a
69
tributação das pessoas que hoje são excessivamente gravadas, notadamente a classe média assalariada.
Por conseguinte, a isenção do imposto de renda para lucros e dividendos pagos ou
creditados aos sócios ou acionistas pelas pessoas jurídicas12, bem como a isenção atualmente
prevista para determinados valores auferidos a título de ganhos de capital nas aplicações
financeiras, devem ser revogadas. Outrossim, o favorecimento dado às rendas advindas do
capital, sujeitas à tributação definitiva ou exclusiva sempre com alíquotas máximas em
percentuais inferiores ao previsto na tabela progressiva do IRPF, deve ser eliminado.
Cumpre ressaltar que, a redução dos incentivos tributários concedidos à renda do
capital é uma tendência mundial, conforme afirma o economista Rodrigo Orair em entrevista
concedida ao Instituto Humanitas Unisinos. Segundo ele, atualmente há um movimento
internacional que visa a “[...] ampliar a tributação da renda sobre a pessoa física e, em
particular, sobre a renda do acionista, isto é, tornar mais equânime a tributação entre renda do
trabalho e renda do capital” (FACHIN, 2017, texto digital).
Dessa forma, Rodrigo Orair explica que essa reforma tributária deve ser ampla, a fim
de combinar eficiência e equidade. Especificamente em relação ao imposto de renda, o
economista explana que as alterações na sistemática de tributação pressupõem uma análise
conjunta de, pelo menos, três vetores:
[...] de um lado, a tributação sobre a renda do trabalho, de outro a tributação sobre a renda do capital, em particular os lucros e dividendos, mas sem esquecer de fazer um realinhamento com as outras fontes de renda, e em particular as rendas de aplicações financeiras (FACHIN, 2017, texto digital).
De acordo com o estudo publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID, 2013), uma reforma do imposto sobre a renda pessoal deveria procurar melhorar a sua
arrecadação, o seu poder redistributivo, o seu potencial estabilizador, além de diminuir o seu
atual viés antitrabalhista. As alterações deveriam compreender, entre outros pontos, a
ampliação da base imponível para inclusão das rendas atualmente isentas (como juros,
dividendos ou pensões) e ganhos de capital.
12 De acordo com o Sindifisco Nacional (2010), caso a distribuição de lucros e dividendos fosse tributada na tabela do imposto de renda a uma alíquota média efetiva de 15%, em 2009, o Estado arrecadaria R$ 16,7 bilhões – valores estimados com base no Relatório Consolidado das principais fichas da Declaração de Informações Econômico-Fiscais das Pessoas Jurídicas (DIPJ), entregues em 2004, referentes ao ano-calendário de 2003, atualizados até 2009 pelo IGP-DI.
70
Para operacionalização dessas mudanças, Buffon (2014) ressalta que sequer seria
preciso alterar a Constituição, bastando a edição de leis complementares ou ordinárias.
Entretanto, o autor enfatiza que a aceitabilidade dessas proposições necessita de uma vontade
política desinteressada e republicana, para a qual, atualmente, não parece haver consenso, em
face de barreiras formadas por posições antiéticas e despreocupadas com a situação de
desigualdade existente.
Diante do exposto, verifica-se que a eficácia do princípio da capacidade contributiva
resta prejudicada em relação ao imposto de renda das pessoas físicas, uma vez que para a sua
adequada aplicação será necessária uma reformulação legislativa, baseada em propósitos de
justiça social e equidade. Para esta nova estruturação, portanto, deverão ser considerados os
valores e objetivos expressamente previstos na Constituição, a fim de que a tributação sobre a
renda das pessoas físicas possa efetivamente se transformar em um instrumento de
redistribuição de riquezas e de redução das desigualdades sociais e econômicas no País.
71
5 CONCLUSÃO
Diante de uma realidade de profundas desigualdades econômicas e sociais, em que
grande parcela da população brasileira não tem sequer acesso a direitos básicos para uma vida
digna, é imprescindível que o Estado oriente suas ações em consonância com os ditames
constitucionais que primam pela promoção do bem comum. Nesse contexto, a seara fiscal
demonstra ser um excelente espaço para a implementação de ações, tanto de cunho positivo e
prestacional, no que se refere à adequada alocação dos recursos arrecadados, quanto de cunho
negativo, abstendo-se de fomentar uma tributação que ultrapasse a capacidade de contribuir
dos cidadãos e inviabilize a consecução dos direitos fundamentais do ser humano.
Contudo, a realidade que se vislumbra atualmente revela não só a má gestão dos
tributos recolhidos aos cofres públicos, como também a inadequada repartição dos encargos
fiscais, fazendo com que a população mais carente seja excessivamente onerada e reste
impossibilitada de se mobilizar socialmente. Especificamente em relação ao imposto de renda
pessoa física, é possível afirmar que, apesar do seu grande potencial redistributivo, a sua
função vem sendo desvirtuada, ampliando-se a concentração de riquezas e,
consequentemente, a desigualdade.
Nesse sentido, este trabalho procurou, em seu primeiro capítulo, estabelecer
parâmetros de justiça tributária, explanando sobre os objetivos e o sentido da tributação, bem
como sobre conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade. Verificou-se que o dever de pagar
impostos constitui uma manifestação de cidadania, ao passo que é essencial à organização e à
manutenção das estruturas coletivas, além de se prestar a funções intervencionistas, em
termos econômicos e sociais. Trata-se de uma ideia de solidariedade que foi transformada no
próprio fundamento constitucional da tributação.
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Ainda no primeiro capítulo, foram examinados os princípios constitucionais atinentes
à justiça tributária, com relevo para os princípios da igualdade, em matéria fiscal, e da
capacidade contributiva. A partir desse estudo, logrou-se entender a igualdade sob um novo
prisma, de relatividade, acompanhando a subjetividade própria das relações sociais. Essa
possibilidade de distinção, em termos de capacidade contributiva, demonstrou a viabilidade e
a justiça de se conceder tratamento menos gravoso àqueles a quem a tributação possa ameaçar
a subsistência e a plena realização dos direitos fundamentais.
Em prosseguimento, o segundo capítulo do presente estudo descreveu noções sobre o
imposto de renda pessoa física, explicando sua conceituação, a competência para sua
instituição e definindo quem são os sujeitos dessa relação jurídico-tributária. Notou-se que,
como tributo de caráter eminentemente pessoal, o imposto de renda deve vincular-se
intimamente ao princípio da capacidade contributiva, o que influencia de modo direto no
tratamento dado aos indivíduos para fins de caracterização da hipótese de incidência.
Além disso, foram abordadas as características específicas concernentes ao fato
gerador do tributo em exame, sua base de cálculo e alíquotas vigentes. Nessa análise,
constatou-se que as definições legais relacionadas à disponibilidade econômica e jurídica,
assim como à renda líquida, não podem ser visualizadas de forma isolada, devendo haver uma
interpretação sistemática à luz dos preceitos contidos na Carta Magna. Outrossim, explicitou-
se como ocorre a fixação, em concreto, da obrigação tributária sobre a renda, detalhando-se os
seus aspectos quantitativos e sua visível colisão com as prescrições constitucionais.
Na sequência, tendo em vista que o objetivo geral deste trabalho centrava-se na análise
do atual modelo de tributação do imposto de renda pessoa física e suas implicações no que
tange à eficácia do princípio da capacidade contributiva, o capítulo final versou, inicialmente,
sobre o aumento velado do imposto de renda e a inobservância aos princípios da
progressividade e da capacidade contributiva. Nesse momento, evidenciou-se que a falta de
reajuste das bases de cálculo e dos limites de deduções previstos na tabela progressiva do
IRPF, de acordo com o índice oficial de inflação, gera um efeito confiscatório do tributo em
estudo, que é sentido, especialmente, pelas camadas mais pobres da população. Não obstante,
aferiu-se que a progressividade também não tem sido uma realidade em termos de tributação
da renda, eis que um sistema com poucas alíquotas e baixas bases de cálculo não tem a
capacidade de abranger os rendimentos mais expressivos de forma equânime.
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O segundo ponto abordado no último capítulo foi o desrespeito ao critério de renda
líquida tributável e a violação ao mínimo vital dos contribuintes. Observou-se que os valores
indispensáveis à satisfação das necessidades básicas do trabalhador e de sua família não
deveriam ser tributados, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva e, em
último grau, do princípio da dignidade da pessoa humana.
Entretanto, constatou-se que a atual faixa de isenção para a tributação da renda das
pessoas físicas está muito abaixo do valor considerado necessário para a preservação do
mínimo vital. Ainda, foi possível perceber que a impossibilidade de dedução de algumas
despesas primordiais à efetivação de direitos sociais – como despesas com medicamentos
(saúde), moradia e alimentação – e a limitação da dedutibilidade dos gastos com educação e
dependentes em valores incompatíveis com a realidade, ferem o princípio da capacidade
contributiva e a correta aferição de renda líquida tributável.
Por fim, discorreu-se sobre a desigualdade entre a tributação da renda do trabalho e do
capital, verificando-se quais alternativas seriam potencialmente úteis para a correção das
injustiças tributárias relacionadas ao imposto de renda. Com base nessa análise, a disparidade
com que o legislador brasileiro tributa as rendas decorrentes do capital, em detrimento do
trabalhador assalariado, restou evidenciada. Verificou-se que é concedido tratamento
diferenciado a rendimentos decorrentes de aplicações financeiras, ganhos de capital, lucros e
dividendos, mediante alíquotas menores ou isenções, que beneficiam a classe mais abastada
da população, composta, em sua maioria, por rentistas e acionistas.
Diante disso, pode-se dizer que o peso da tributação da renda no Brasil está
concentrado na classe média e baixa da população, que, proporcionalmente, acaba pagando
muito mais impostos que a classe alta. Essa situação acarreta a perda do potencial de
arrecadação do imposto de renda pessoa física e contribui para o aumento da desigualdade
social no País, não só pela falta de recursos para investimento em áreas importantes ao
desenvolvimento humano, como pela supressão da possibilidade de melhoria de vida do
trabalhador assalariado.
Entre as soluções possíveis para a implementação de uma política fiscal mais justa, a
revisão da tabela progressiva mensal do IRPF, com o reajuste das bases de cálculo – de forma
a recuperar a sua defasagem – e o acréscimo de novas alíquotas para o alcance das rendas
mais elevadas, apresenta-se como uma providência indispensável. Outrossim, a possibilidade
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de dedução integral das despesas necessárias ao acesso à saúde, moradia, alimentação e
educação e o fim dos benefícios fiscais concedidos à renda do capital, demonstram-se
fundamentais para o estabelecimento de um tratamento efetivamente isonômico entre os
contribuintes.
Dessa forma, em relação ao problema proposto para este estudo – como o atual
modelo de tributação do IRPF pode gerar a (in)eficácia do princípio da capacidade
contributiva aos brasileiros? –, pode-se concluir que a hipótese inicial levantada para tal
questionamento é verdadeira, uma vez que a atual sistemática de tributação da renda das
pessoas físicas não atende a um ideal de justiça tributária, gerando a ineficácia do princípio da
capacidade contributiva. Isso porque, da maneira com que vem sendo operacionalizado, com
traços muito objetivos e pouco progressivos, o imposto de renda pessoa física não tem
concorrido para a redistribuição de renda no País. Ao contrário, a tributação da renda tem
feito com que o dever de solidariedade no pagamento de tributos comprometa o exercício dos
direitos fundamentais e sociais do cidadão.
Cumpre ressaltar que os princípios constitucionais norteadores do Sistema Tributário
Nacional estão alinhados aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e
ultrapassam o status de meros enunciados de recomendação, sendo preceitos de observância
obrigatória. Isso posto, pode-se afirmar que a própria legitimidade das normas tributárias
depende da sua adequação aos postulados da igualdade, progressividade e, sobretudo, da
capacidade contributiva.
Logo, conclui-se que, para que a tributação da renda possa efetivamente contribuir
para o alcance dos objetivos fundamentais de construção de um país desenvolvido, com
menos desigualdade, pobreza e marginalização, faz-se necessário que a legislação
infraconstitucional e a atuação do administrador público estejam em consonância com os
princípios balizadores do Sistema Tributário Nacional. Nesse panorama, a eficácia do
princípio da capacidade contributiva consiste em um pressuposto básico para o atingimento de
um modelo de tributação da renda mais justo, solidário e equânime.
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