123
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO JANAÍNA ALMEIDA STÉDILE ARQUITETURA DA COEXISTÊNCIA SÃO PAULO 2014

Janaina Almeida Stedile.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Janaina Almeida Stedile.pdf

1

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

JANAÍNA ALMEIDA STÉDILE

ARQUITETURA DA COEXISTÊNCIA

SÃO PAULO

2014

Page 2: Janaina Almeida Stedile.pdf

2

S447a Stédile, Janaína Almeida.Arquitetura da Coexistęncia / Janaína Almeida Stédile. – 2015.123 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Uni- versidade Presbiteriana Ma-ckenzie, São Paulo, 2015.

Referências bibliográficas: f. 115-123.

1. Arquitetura de Interesse Público. 2. Arquitetura Contem- porânea. 3. Architecture for Humanity.

4. Rural Studio. 5. Usina- Centro de trabalhos para o ambiente habitado I. Título.

CDD 720

Page 3: Janaina Almeida Stedile.pdf

3

JANAÍNA ALMEIDA STÉDILE

ARQUITETURA DA COEXISTÊNCIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Valter Luís Caldana Junior

SÃO PAULO

2014

Page 4: Janaina Almeida Stedile.pdf

4

Page 5: Janaina Almeida Stedile.pdf

5

JANAÍNA ALMEIDA STÉDILE

ARQUITETURA DA COEXISTÊNCIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Valter Luís Caldana Junior

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Nadia Somekh

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr.João Sette Whitaker Ferreira

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo

Page 6: Janaina Almeida Stedile.pdf

6

Aos meus pais, João Pedro Stédile e Maria Almeida

Page 7: Janaina Almeida Stedile.pdf

7

AGRADECIMENTOS

Ao professor orientador Valter Caldana pelos ricos debates e a confi ança depositada.

A todos os professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie pela formação

crítica, suporte constante e gentileza de compartilhar os conhecimentos, em especial a Eunice

Abascal, Maria Augusta Pisani, Abílio da Silva Guerra Neto, Candido Malta Campos Neto e

José Geraldo Simões.

Aos colegas de classe Bebe Castanheira e Valmir Ramos por dividir as angústias.

As amigas de toda a vida, Cintia Marino, Fernanda Militelli e Kika Yang pelos incentivos

e debates ad continuum.

Aos meus irmãos: Miguel, Mauricio e Rafael, por compartilhar a existência.

As queridas Nilde e Larissa Almeida pela diagramação e disposição de ajudar.

Ao Boudewijn Rooseboom pela ajuda com o Holandês e o Inglês, e por compartilhar o

prazer pelas discussões fi losófi cas.

À professora Nadia Somekh e ao professor João Sette Whitaker Ferreira, pelas valiosas

contribuições a este trabalho.

Page 8: Janaina Almeida Stedile.pdf

8

Eu pensava ter dado um grande salto para a frente e percebo que na verdade apenas ensaiei os tímidos primeiros passos de uma longa marcha. (Trecho do filme La Chinoise, de Jean-Luc Godard, de 1967)

Page 9: Janaina Almeida Stedile.pdf

9

Resumo

Arquitetura de Interesse Público é uma corrente contra-hegemônica na Arquitetura contemporânea

que entende a disciplina como um direito social e uma importante ferramenta para melhorar

as condições de vida de milhares de pessoas. Assim, esta pesquisa verifica a possibilidade

da manutenção do compromisso da Arquitetura com o desenvolvimento e emancipação da

humanidade diante do surgimento de metodologias alternativas às práticas usuais. A primeira parte

do trabalho investiga as novas relações de produção da cidade e os novos processo tecnológicos

que fortalecem as relações em redes; trata da questão do Público e como este se desenvolveu no

campo da Arquitetura e Urbanismo no século XX, e por fim, apresenta um panorama sintético

da produção, envolvendo o universo teórico, exposições, publicações e atores. A segunda parte

do trabalho examina mais detalhadamente a produção dos três grupos escolhidos como os mais

representativos desta corrente, quais sejam: Architecture for Humanity, Rural Studio e Usina-

CTAH. O trabalho apresenta o conceito da Coexistência para descrever as relações de ordem

coletivas e colaborativas dos novos entendimentos no campo da Arquitetura.

Palavras-chaves: Arquitetura de Interesse Público, Arquitetura Contemporânea. Architecture

for Humanity. Rural Studio. Usina-Centro de trabalhos para o ambiente habitado.

Page 10: Janaina Almeida Stedile.pdf

10

Abstract

Public Interest Architecture is a counter-hegemonic stream in contemporary Architecture that

identifies the discipline as a social right and an important tool to improve the living conditions

of thousands of people. The study assesses the possibility of maintaining the Architecture’s

commitment to the development and emancipation of humanity, by applying alternative

methodologies to the usual practices. The first part of the paper investigates new approaches for

building and structuring cities and new technological processes that can strengthen relationships

within networks. It deals with the position of the public and the relation it developed with

Architecture and Urbanism in the twentieth century. Furthermore, it presents an overview of the

production process and its actors, involving the theoretical universe, exhibitions and publications.

The second part examines in more detail the work of the following three groups chosen as the

most representative, namely: Architecture for Humanity, Rural Studio and Usina-CTAH. Overall,

the paper presents the concept of coexistence, describing the relationship of collective and

collaborative networks together with new understandings in the field of contemporary architecture.

Keywords: Public Interest Architecture. Contemporary Architecture. Architecture for Humanity.

Rural Studio. Usina-CTAH.

Page 11: Janaina Almeida Stedile.pdf

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 13

1. CONJUNTURA ..................................................................................................................... 20

1.1 MUNDO URBANO ............................................................................................................. 22

1.1.1 CRESCIMENTO DAS CIDADES ................................................................................................... 22

1.1.2 RIQUEZA E POBREZA URBANA ................................................................................................ 25

1.1.3 SITUAÇÕES URBANAS CONTEMPORÂNEAS ................................................................................. 34

1.2 REDE E COMPARTILHAMENTO ................................................................................. 38

1.2.1 ESTRUTURA DA INTERNET ...................................................................................................... 40

1.2.2 TRANSFORMAÇÕES DA SOCIABILIDADE ..................................................................................... 42

1.2.3 GEOGRAFIA DA INTERNET ...................................................................................................... 44

2. ARQUITETURA DE INTERESSE PÚBLICO.................................................................. 46

2.1 A ESFERA PÚBLICA EO ESPAÇO PÚBLICO ............................................................. 49

2.1.1 O ESPAÇO PÚBLICO................................................................................................................ 51

2.2 A HERANÇA HISTÓRICA ............................................................................................... 55

2.3 CENÁRIO DA PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA DE ARQUITETURA DE INTERESSE PÚBLICO ................................................................................................ 61

2.3.1 UNIVERSO TEÓRICO ............................................................................................................... 62

2.3.2 EXPOSIÇÕES .......................................................................................................................... 64

2.3.3 PUBLICAÇÕES ........................................................................................................................ 66

2.3.4 ATORES ................................................................................................................................ 70

3 - CASOS REFERENCIAIS ................................................................................................... 77

Architecture for Humanity.................................................................................................................................... 77

Rural Studio................................................................................................................................................................. 79

Usina ............................................................................................................................................................................... 80

3.1 BILOXI HOUSES .......................................................................................................................... 81

3.2 PROJETO CASAS 20K ................................................................................................................ 89

Casa 20k V03 ou Casa do Joe & Sherman ....................................................................................................... 90

Page 12: Janaina Almeida Stedile.pdf

12

Casa 20K V06 ou a Casa de Tora de madeira ............................................................................................... 93

Casa 20K V07 ou a Casa Ponte ............................................................................................................................ 98

3.3 Comuna urBana ..................................................................................................................... 99

Considerações finais ..............................................................................................................109

Coexistência ...............................................................................................................................................................113

BiBliografia ................................................................................................................................115

Page 13: Janaina Almeida Stedile.pdf

13

Introdução

Em Arte Moderna. Do iluminismo aos movimentos contemporâneos, o historiador

italiano Giulio Carlo Argan (1992) aborda a dicotomia entre o Clássico e o Romântico, a partir

da formação da Estética (Filosofia da Arte), em que a Arte deixa de ser um meio de conhecimento

do real, transcendência religiosa ou exortação moral e passa a ser uma experiência primária

cujo fim é o próprio fazer. A partir da autonomia do propósito da Arte coloca-se o problema de

sua articulação com as outras atividade culturais e sociais e sua relação com o fazer histórico.

Considerando-se que, a partir do Iluminismo, a Natureza não é mais uma ordem revelada

e imutável da criação (ARGAN, 1992), mas o ambiente da existência humana; e também não é

a fonte de todo o saber, mas objeto de pesquisa, então, a realidade objetiva, antes regida por leis

pretensamente imutáveis, torna-se passível de intervenção e de planificação. Assim, a natureza

é substituída pela Ideologia, que passa a projetar a realidade.

Argan (1992) afirma que apesar da aparente divergência entre os movimentos artísticos

ligados ao Clássico e ao ideário Romântico, que permeou a História da Arte, desde o Renascimento

até o final do século XIX, ambos partem da substituição da Natureza pelo fato ideológico, e

a diferença está restrita à postura – racional ou passional – do artista em relação à história e à

realidade social.

O chamado Modernismo na Arquitetura – corrente surgida na última década do século XIX

e começo do século XX – se propõe a interpretar e apoiar os esforços progressistas, econômicos

e tecnológicos da sociedade industrial, em franca contraposição aos estilos históricos anteriores.

As vanguardas modernistas propunham revolucionar a posição e a finalidade da Arte, não mais

como produto de um momento histórico, mas motor de sua transformação.

Entendiam que a produção artística devia ser livre das vinculações com o poder vigente

e com o conjunto de regras próprias dos Estilos e responder ao dinamismo do desenvolvimento

do espírito Moderno.

Depois da Primeira Guerra, o discurso modernista em princípio, encontrou condição

material de desenvolvimento pleno. A guerra não só destruiu as cidades tradicionais, vistas pelos

Page 14: Janaina Almeida Stedile.pdf

14

modernistas como símbolo do atraso, mas fez com que a indústria se desenvolvesse rapidamente,

em tecnologia e volume de bens produzidos.

A cidade tradicional não estava preparada para atender às demandas colocadas pela

produção industrial, que a requer como um organismo produtivo, que deve atender a um desenho

funcional. O desenho da cidade deveria levar em consideração dois aspectos: o social, vez que, a

questão da habitação da classe trabalhadora não poderia mais ser desconsiderada; e o tecnológico,

na medida em que era necessário industrializar a construção civil para atender às demandas da

reconstrução do pós-guerra.

Argan (1992) identifica no movimento Modernista do Pós-Guerra, cunhado como

Racionalismo, seis linhas: Racionalismo formal francês, protagonizado por Le Corbusier;

Racionalismo metodológico-didático alemão, simbolizado pela Bauhaus e encabeçado por

Gropius; Racionalismo ideológico ou Construtivismo soviético; Racionalismo formalista ou

Neoplástico Holandês; Racionalismo empírico dos países escandinavos, que tem Aalto como

seu expoente e o Racionalismo orgânico americano, representado por Wright.

Existem entendimentos distintos sobre a classificação ou o agrupamento das linhas internas

do Modernismo. A opção pela de Argan, se justifica pela intenção de demonstrar que apesar de o

Racionalismo francês1, encabeçado por Le Corbusier, tenha dado a tônica do movimento como

um todo, todas as linhas são denominadas Racionalismo, cujas características comuns são

leitura lógica da demanda, entendimento das condições de entorno e a busca instrumentalizada

de soluções.

A Arquitetura de base racionalista que se disseminou internacionalmente com

características positivistas, tecnocêntricas e de padronização de conhecimentos e de produção

ficou conhecida como Internacional Style.

O chamado Pós-Modernismo surgiu na Europa e nos Estados Unidos, em forma de crítica,

muitas vezes irônica, ao Modernismo por sua crença no progresso linear e planejamento da

ordem social a partir de um desenho de proposições universalistas. Esse movimento, iniciado na

década de 1960, presumia que apenas uma heterogenia de abordagens, possibilidades e produtos

poderia dar conta da complexidade das relações humanas.

1 Le Corbusier é o autor da Carta de Atenas ratificado como conclusão do terceiro CIAM de 1931.

Page 15: Janaina Almeida Stedile.pdf

15

Na sua origem, o movimento Pós-Modernista incorpora ao seu discurso novas teorias do

campo da Sociologia, Filosofia, Linguística, Antropologia de pensadores como Foucault, Deleuze e

Derrida. Como comenta Harvey (2001), em a Condição Pós-Moderna, as ideias de Foucault foram

fontes fecundas de argumentação Pós-Moderna, principalmente aquelas que examinam a relação de

poder e conhecimento, e que a resistência à opressão deveria acontecer de maneira multifacetada e

pluralista. Derrida (apud Harvey, 2001) também considera a colagem/montagem como a modalidade

primária do discurso pós-modernista, entendendo que a minimização da autoridade do produtor

cultural cria oportunidade de participação popular e de determinações democráticas de valores

culturais, mas a preço de uma certa vulnerabilidade à manipulação de mercado. (HARVEY, 2001)

Essas ideias se incorporam ao campo da Arquitetura e a produção pós-modernista se

funda no entendimento fenomenológico do ambiente e da interação entre lugar e identidade. Aldo

Rossi resgata o termo latino genius loci dando caráter ao local, que passa a ser um conjunto de

características socioculturais de linguagens e de hábitos.

Posto isto, as heranças culturais e históricas e as referências da cultura popular passam a

ser a fonte de criação. Porém, da mesma forma em que são inúmeras as fontes de referências, o

processo de criação é fragmentado e de colagem. Um projeto emblemático da Arquitetura nesse

período é a Piazza d’Italia, de Charles Moore, mostrada a seguir.

fiGura 1 - Piazza d’Italia - Projeto de Charles Moore e Perez Architects - New Orleans, Louisiana - 1975. Fonte: (LUHUR GALERIAN, 2014)

Page 16: Janaina Almeida Stedile.pdf

16

A crítica Pós-Modernista referia-se também à perfeita adequação da Arquitetura

Racionalista ao establishment pós-1945, que incorporou princípios fordistas às cidades, se

colocando como ferramenta para o desenvolvimento econômico, padronizando e descaracterizando

traços sociais ou locais específicos.

A Arquitetura modernista, ao considerar a questão do espaço urbano como preliminar,

na medida em que a tarefa do arquiteto é projetar o ambiente (ARGAN, 1992), em vez de

simbolizar o poder estatal e econômico, como nas cidades históricas que eles criticavam, passa

ser instrumento promotor e regulador dessa dominação.

Charles Jencks utiliza um evento simbólico para datar o fim do Modernismo: a demolição

do conjunto de habitação social Pruitt–Igoe, em St. Louis, em 15 de julho de 1972. Os argumentos

em favor da demolição e de posterior renovação urbana2 consistiam em dizer que o conjunto tinha

se tornando um gueto com relações comunitárias dilaceradas, crime e pobreza. Vale lembrar, que

esse mesmo conteúdo crítico foi feito pelos modernistas às moradias precárias dos trabalhadores

no inicio do século. Como comenta Argan (1992), sobre o surgimento do Urbanismo no final do

século XIX:

Originalmente, a pesquisa urbanista possuía um caráter humanitário: tratava-se de subtrair a classe operária nascente a condição de extremo aviltamento moral e material de abominável exploração, em que os empregadores e especuladores obrigavam-na a viver no século passado e início do século XX. Igualmente importante, porém, era a necessidade de atender bem ou mal as necessidades habitacionais do grande número de pessoas que, abandonando os campos, procurava trabalho na indústria urbana, dando lugar à formação de um enorme proletariado urbano que não encontra espaço nas estruturas das velhas cidades burguesas. (ARGAN, 1992)

Quarenta e dois anos passados da demolição do Pruitt-Igoe, o movimento Pós-Moderno,

com sua flexibilidade, fragmentação, efemeridade e imaterialidade sofre a crítica da falta dos

compromisso iniciais com a sociedade, parece servir adequadamente às novas configurações do

capitalismo avançado onde há flexibilização das relações de trabalho e das relações de mercado

internacional; incentivo ao consumo de bens efêmeros, lugares e sensações; despolitização da

agenda e hegemonia da função econômica do objeto ou da intervenção arquitetônica sobre sua

função social.

2 Urban Renewal, prática de maior incidência no século XX, mas que pode ser marcado seu início no século XIX com o projeto de Haussmann para Paris. Consiste em uma intervenção radical no território com deslocamento integral da população, demolição de infraestrutura e edificações. É baseada no direito do Estado de preempção de propriedades privadas para fins públicos (Eminent domain, nos EUA). No geral se caracteriza por construções de grandes infra-estruturas e abertura de territórios para o desenvolvimento econômico, sendo esse último sua principal finalidade. A principal crítica é o processo da chamada gentrificação, ou expulsão da comunidade existente, sem sua inclusão e participação nas benesses da renovação.

Page 17: Janaina Almeida Stedile.pdf

17

O professor holandês Roemer Van Toorn (2013) inicia seu texto Acabaram-se os sonhos?

A paixão pela realidade na nova Arquitetura holandesa e suas limitações, contextualizando o

problema:

Já houve época em que não se considerava tolice ter grandes sonhos. Imaginar um novo mundo melhor era um estímulo aos pensadores e aguçava sua resistência ao status quo. Hoje, os sonhos utópicos são raros. Em vez de perseguir ideais fugazes, preferimos surfar nas ondas turbulentas do capitalismo global do mercado livre. (...) o capitalismo tardio é o único jogo em curso: apesar da necessidade de direitos sociais e de alguma igualdade política, só nos resta a acomodação ao globalismo corporativo.

(...)

Até os anos 80, as instituições culturais respeitáveis condenavam as práticas transgressoras de vanguarda, ao passo que hoje financiam e apreciam as obras transgressoras, porque obtêm publicidade com o escândalo. Muitas vezes, o capitalismo global deu sinais de ser capaz de transformar suas limitações iniciais em desafios que culminam em novos investimentos. Uma consequência importante disso é que as formas anteriores de crítica e engajamento social se tornaram ultrapassadas. (VAN TOORN, 2013)

Segundo Sykes (2010), organizadora do livro O Campo Ampliado da Arquitetura - Antologia

Teórica 1993-2009, na última década vem surgindo um discurso, também multifacetado, que declara

falência da teoria crítica (desconstrutivismo, pós-estruturalismo etc.), em lidar com problemas reais

da Arquitetura, e uma defesa ao pragmatismo na disciplina. Há muitas variações de abordagem

dentro do campo do pragmatismo (realismo, cotidiano, ecológico, tecnológico, dentre outros).

O filósofo John Rajchman (2009), no seu texto Um novo pragmatismo?, incluído na

Antologia Teórica, afirma que o pragmatismo em curso no campo da Arquitetura, por vezes

se coloca como uma prática que não se relaciona com visões, posições, teorias e programas

ideológicos e que se contenta em resolver de maneira eficiente problemas específicos.

Boa parte da produção de Arquitetura contemporânea pode ser enquadrada, não no

distanciamento kantiano necessário para a realização do melhor juízo, mas na sua autodesobrigação

a respeito dos aspectos ideológicos, e seu interesse em resolver problemas construtivos ou

programáticos de maneira descontextualizada.

O problema não é tanto a existência de ambientes ou espaços excessivamente organizados, controlados ou ‘racionalizados’no sentido weberiano, e sim de ambientes e espaços cada vez mais aleatórios, difusos, avulsos, tênues, até surreais que, portanto, operam por meio de outras formas de acumulação e interconexão de homens e mulheres (...). (RAJCHMAN, 2009)

Page 18: Janaina Almeida Stedile.pdf

18

Diante do exposto, a preocupação inicial desta pesquisa, ou a pergunta mais apropriada

para justificar a construção dessa dissertação seria: existem processos de produção alternativos

na Arquitetura contemporânea que honrem o compromisso de contribuir com o desenvolvimento

humano, em contraposição a uma hegemonia da função econômica?

Constata-se que no bojo das importantes transformações econômicas, sociais e culturais,

o surgimento, consolidação e crescimento de grupos formados majoritariamente por arquitetos,

associados a outros profissionais das mais diversas áreas, que entendem a Arquitetura e Urbanismo

e suas áreas correlatas como um direito social e uma ferramenta com grande capacidade de

melhorar as condições de vida de milhões de pessoas.

A esta produção, como se esclarecerá mais tarde, se determinou o termo Arquitetura

de Interesse Público. A primeira questão dada pelo objeto é que ele implica reestruturação

organizacional e produtiva, que agrega ao debate as questões: para quem e como?

A partir destas questões iniciais, faz-se necessário entender as motivações: Quais são os

desafios no contexto contemporâneo, que produzem essa nova postura dentro da Arquitetura?

A investigação das possibilidades colocadas por esta pesquisa foi estruturada pensando

em contextualizar o tempo presente sob os aspectos mais relevantes para o tema, depois buscar

as definições já dadas à produção, o significado das definições e sua formação no decorrer da

história e o panorama da produção.

Primeiramente abordará as questões mais amplas do objeto investigado. Sendo assim,

inicialmente no primeiro capítulo vamos tratar do contexto em que surge a produção. Sabendo

da impossibilidade da breve pesquisa percorrer todo os aspectos e eventos que conformam o

tempo contemporâneo e da própria complexidade inerente à tarefa, elegeram-se dois assuntos

entendidos como mais pertinentes: a questão do mundo urbano e a questão do incremento da

rede e compartilhamento de informações.

A condição urbana se configura como a principal questão espacial no século XXI. Rede e

Compartilhamento procura entender o fortalecimento das redes através dos avanços tecnológicos,

que propiciaram a comunicação direta de qualquer computador com qualquer outro computador

(internet) e o incremento do compartilhamento (de ideias, soluções etc.) como função essencial da

rede e motivo do seu desenvolvimento. Esta nova condição comunicativa impacta na organização

Page 19: Janaina Almeida Stedile.pdf

19

de toda uma cadeia produtiva, não só no campo econômico, mas também nas ações de ordem

social e cultural.

O segundo capítulo se propõe a discutir o problema da produção dos grupos em si.

Na primeira parte, serão tratadas as definições e os assuntos abordados por uma boa parte dos

grupos. Justificar-se-á a escolha do termo Arquitetura de Interesse Público, como designação

deste tipo de produção. E a partir dele, estudaremos o conceito de Público e de Espaço Público

e, sequencialmente, no item Herança Histórica, como estas preocupações se desenvolveram no

campo da Arquitetura e Urbanismo no século XX.

Para concluir o capítulo, a pesquisa formou um pequeno inventário a fim de construir

um panorama da produção que foi dividido em: Universo Teórico, Exposições, Publicações e

Atores.

A parte dois do trabalho pretende olhar mais detalhadamente três produções de três grupos

considerados mais representativos para uma análise, na medida em que possuem maior tempo em

atividade e um conjunto de obras mais sólido. Vamos falar dos grupos norte-americanos Architecture

for Humanity e Rural Studio; e do grupo Usina, que representará os debates no Brasil.

Com um conjunto de referências teóricas provindas fundamentalmente de Arendt (2007),

Huberman (2011), Habermas (1981; 2003), Argan (1992; 2001), Bauman (1998; 2001; 2003),

Harvey (2001; 2012; 2013), Zizek (2012), Hertzeberger (1999) e Koolhaas (2003; 2008a; 2008b;

2010) teceremos as considerações finais.

Page 20: Janaina Almeida Stedile.pdf

20

1. Conjuntura

Para dar conta da proposta deste trabalho, cuja intenção é identificar e mapear um novo

modo de produção da Arquitetura e Urbanismo que protagoniza uma mudança de foco e método

em detrimento a corrente principal, faz-se necessário contextualizá-la no bojo das relações

econômicas, políticas, sociais e culturais da atualidade e conhecer a conjuntura onde se dá.

Para tanto, a compreensão das novas relações de produção da cidade, suas contradições e

novos meios de interação entre os agentes envolvidos, tais como os novos processo tecnológicos

no âmbito da produção e de comunicação, no âmbito das redes se tornam elemento central desta

análise

Fartamente estudados nos últimos anos, tanto a evolução dos processos produtivos como

a dos processos de comunicação, não são resultados do avanço tecnológico, na medida que são

inerentes a própria organização de vida. Sistema de produção em rede sempre existiram como

veremos mais para frente.

Entretanto, a sociedade contemporânea escapa da dicotomia que, de certa forma,

caracterizou as formações sociais anteriores e se conforma numa multiplicidade de padrões, que

embora algumas vezes contraditórios entre si, outras vezes também se complementam.

Quando fotografa-se o presente, identificam-se algumas características que são importantes

destacar. O modo de produção capitalista, hegemônico na sociedade contemporânea, constrói

essa fotografia, juntando também suas próprias contradições.

A atual fase do capitalismo financeiro, dominado por grandes corporações internacionais,

que hegemonizar todo mundo, está caracterizada pela globalização das atividades econômicas,

concentração cada vez maior da produção e da propriedade, flexibilização organizacional e

informalidade do trabalho3.

3 Castells usa o termo individualização do trabalho, processo pelo qual a contribuição da mão de obra ao processo produtivo é definida de forma especifica para cada trabalhador, seja na forma de rabalho autônomo ou assalariados contratados individualmente com base em formas desregulamentadas de trabalho. (CASTELLS, 1999)

Page 21: Janaina Almeida Stedile.pdf

21

Há maior produção de riquezas que, no entanto, estão cada vez mais concentradas em poucas mãos; e

essa apropriação desigual da riqueza incide também no desenho das cidades. Não sem razão, pode-se

verificar que os locais com maiores índices de crescimento urbano também sejam os lugares formados

por assentamentos mais precários. Além disso, o modo de produção capitalista na sua etapa atual

torna insustentável a relação entre recursos naturais e padrão de vida estabelecido por ele como ideal.

Ao mesmo tempo, a sofisticação dos recursos tecnológicos otimizando a difusão de

informação e fortalecimento de redes incide direta e positivamente no fortalecimento do capital

financeiro, mas também do capital social.

Os assentamentos urbanos se colocam como territórios protagonistas das transformações

econômicas, culturais e sociais em curso. O presente não é apenas majoritariamente urbano, mas

essencialmente metropolitano. Agregua-se a isso, a falência ou disfunção das instituições sociais

e políticas tradicionais.

Todos esses aspectos são interdependentes e se reforçam. São, ao mesmo tempo, causa e

efeito. Difícil encontrar a ponta da corda e, talvez, tarefa impossível, já que o contemporâneo é

uma malha rizomática que se sobrepõe, e não uma corda com sequência linear de nós. Volatilidade,

insegurança, desigualdade e exclusão social acontecem concomitantemente com criatividade,

inovação, produtividade e criação de riquezas, como nos ensina Castells (1999).

Progressiva e exaustivamente poderíamos relacionar as questões submetendo-as umas às

outras, e apresentar os paradoxos e contradições de suas auto alimentação. Porém para fins desta

dissertação, dois aspectos devem ser tratados para configurar um cenário propício à formação

da Arquitetura de Interesse Público: Cidades e Rede e Compartilhamento

O item Cidades visa a contemplar os desafios físicos e materiais que o mundo

contemporâneo enfrenta. Tratará do crescimento urbano, riqueza urbana, acesso aos seus recursos

e morfologia urbana.

Rede e Compartilhamento é uma reflexão sobre as novas bases culturais que se formam

a partir do incremento das redes e, portanto, do compartilhamento no século XXI. O conceito

de rede, ou a aplicação do sistema de rede é tão antigo quanto as próprias relações humanas. A

diferença é aumento espantoso dessa habilidade através da informática, permitindo a atuação

na rede em tempo real que, por sua vez, é a motivação inicial do aumento da sua habilidade.

Page 22: Janaina Almeida Stedile.pdf

22

Ambas as questões são intrinsecamente ligadas à formação da Arquitetura de Interesse

Público, na medida em que o mundo urbano é o reflexo do mundo polarizado em termos de

riquezas e, portanto, motivação inicial do desenvolvimento da produção arquitetônica que atende

os menos favorecidos, e o trabalho colaborativo e em rede é o formato, como veremos adiante,

adotado pelos grupos que trabalham este tipo de produção.

1.1 Mundo Urbano

Ainda que a maioria dos projetos aqui estudados como Arquitetura de Interesse Público

seja executada em áreas periféricas, e por vezes isoladas, o estudo da formação e crescimento

das áreas urbanas é imprescindível para subsidiar algumas questões fundamentais nesse tipo de

produção arquitetônica.

Nesse sentido, dois elementos são relevantes para auxiliar esse entendimento. O primeiro

deles é o conceito de esfera pública, cuja origem está intrinsecamente ligada à formação das

cidades. O segundo elemento, que se constitui numa importante característica para o século XXI,

é a tendência generalizada à urbanização e que está moldando a maneira de a humanidade se

organizar física e socialmente.

A questão do crescimento urbano, por desdobramento, gera duas outras questões que

lhe são pertinentes: a riqueza material e imaterial das áreas urbanas, como mote histórico de

atração; e, a condição física que a cidade proporciona e gera como resultado desse incremento

populacional e material.

1.1.1 Crescimento das cidades

O ano de 2007 foi o marco de um fenômeno de organização humana: naquele ano, a

população residente em áreas urbanas chegou a 50% da totalidade da população mundial e,

segundo o relatório Perspectivas Globais de Urbanização, das Nações Unidas, publicado em

julho de 2014: em 2050, 66% da população mundial viverão em áreas urbanas. O processo de

urbanização global, embora varie numérica e espacialmente de país para país, é uma característica

comum a todas as regiões do mundo, como mostra o mapa a seguir.

Page 23: Janaina Almeida Stedile.pdf

23

Tal crescimento, segundo o relatório citado, será mais intenso na Ásia e na África, que

também deverão concentrar 90% do crescimento populacional esperado para 2050.

Além desse relatório outros estudos efetuados por outras agências das Nações Unidas,

como por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que emite

anualmente a classificação dos países dentro do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O

índice é composto por expectativa de vida ao nascer, educação e PIB (PPC) per capita. Apesar

de compreender a importância de cruzar dados proveniente de outros relatórios, a pesquisa

se concentrou apenas no relatório Perspectivas Globais de Urbanização, do Departamento de

Assuntos Econômicos e Sociais da Nações Unidas, por tratar especificamente dessa questão.

Atualmente, a maior parte da população urbana vive em cidades de até 500 mil habitantes,

porém a tendência é que o crescimento se concentre nas chamadas megacidades. Há 24 cidades

com mais de 10 milhões de habitantes, número que triplicou desde 1990, e a previsão é que, em

2030, existam 41 conglomerados urbanos com mais de 10 milhões de habitantes cada (UNITED

NATIONS, DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2014).

O relatório Perspectivas Globais de Urbanização também aponta as regiões mais urbanizadas

do planeta: América do Norte, particularmente Estados Unidos e Canadá, com 82% da população em

fiGura 2-Mapa da Urbanização Mundial no ano de 2014. Fonte: (UNITED NATIONS, DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2014)

Page 24: Janaina Almeida Stedile.pdf

24

área urbana, seguidos pela América Latina e o Caribe com 80% e, logo atrás, a Europa com 73%.

Os locais onde ocorrerá maior crescimento urbano serão aqueles que no ano de 2014 ainda tem altos

índices de populações rurais: Ásia e África ainda possuem 60% de população em áreas rurais.

A Ásia, apesar dos índices de urbanização menores que os demais continentes, concentra

53% da população urbana mundial. Índia, China e Nigéria juntos serão responsáveis por 37%

do crescimento da população urbana entre 2014 e 2050.

A região metropolitana de Tóquio é a maior aglomeração com 38 milhões de habitantes,

seguido por Déli com 25 milhões, Xangai com 23 milhões e Mumbai, Cidade do México e São

Paulo com 21 milhões.

As projeções para o ano de 2030 indicam que Tóquio continuará sendo a cidade com

o maior número de habitantes, porém com estabilização do seu contingente populacional,

cuja projeção é de 37 milhões de habitantes na capital japonesa. Entretanto, em 16 anos, Déli

acrescentará a seu atual contingente populacional mais 11 milhões de pessoas, aproximadamente

700 mil pessoas por ano.

A humanidade já experimentou processos de intensa urbanização, a diferença é que agora

isso se dá com uma surpreendente velocidade. Mike Davis (2006) aponta que Londres cresceu

sete vezes em um período de noventa anos, enquanto os maiores conglomerados urbanos do

Terceiro Mundo cresceram quarenta vezes em cinquenta anos.

Além disso, a escala da velocidade da urbanização do Terceiro Mundo amesquinha completamente a Europa Vitoriana. Londres, em 1910, era sete vezes maior que em 1800, mas Deca (Bangladesh), Kinshasa(Congo), e Lagos (Nigéria), hoje são aproximadamente quarenta vezes maiores do que eram em 1950. (DAVIS, 2006)

O gráfico a seguir, retirado do mesmo relatório da ONU, aponta que o crescimento urbano

dos países com baixa renda4 se mostrou estável até a década dos anos 90, em comparação à

urbanização de países com alta renda5. A partir daquele momento, a tendência de urbanização

se inverte e países de baixa renda passam a ser os protagonistas do crescimento urbano.

4 O critério utilizado pelo relatório para a classificação de países segundo a renda é baseado no índice GNI (Gross Nacional Income- Rendimento Interno Bruto per capita) do Banco Mundial, de 2012.

5 Idem, nota 2

Page 25: Janaina Almeida Stedile.pdf

25

Portanto, o crescimento urbano não é um fenômeno recente, mas o diferencial é a

velocidade alarmante com que ele tem se desenvolvido na atualidade, particularmente, em países

subdesenvolvidos. Apesar de o mundo apresentar progressivas taxas de crescimento populacional,

(em 1950 a população mundial era de 746 milhões e, em 2014, é de 3,9 bilhões), o crescimento

urbano não é derivado do aumento nas taxas de natalidade urbanas, mas dos fluxos migratórios

das áreas rurais para as cidades, já que as populações rurais e pequenos vilarejos apresentam

decréscimo populacional.

O que nos leva ao próximo tema relacionado à Urbanidade, qual seja, a relação entre

riqueza e pobreza urbana.

1.1.2 Riqueza e pobreza urbana

Em artigo publicado na centenária revista National Geographic, de dezembro de 2011,

intitulado The city solution-Why cities are the best cure for our planet’s growing pains6, Robert

Kunzig (2011) afirma que a metrópole é a melhor solução para os problemas econômicos e

ecológicos gerados pela superpopulação mundial.

6 A solução urbana- Por que as cidades são o melhor remédio para as dores do crescimento do nosso planeta.

fiGura 3 - GráfiCo de tendênCia de urbanização Por renda 1950-2050 - fonte: (united nations, dePartment of eConomiC and soCial affairs, 2014)

Page 26: Janaina Almeida Stedile.pdf

26

Os seus argumentos estão fundamentados no pensamento do economista Edward Glaeser,

autor do livro Triumph of the city7 (apud KUNZIG, 2011), cuja tese é que existem grandes

fluxos migratórios em direção às grandes cidade, simplesmente por que é lá que o dinheiro está.

Mais que isso, a cidade é o motor da prosperidade (KUNZIG, 2011). Para Glaeser, mesmo os

assentamentos precários são exemplos de vitalidade urbana, oportunidade de trabalho e negócios

que surgem a partir desse encontro. Sob o aspecto ecológico da cidade, a ausência de espaço

entre as pessoas reduz custos de transporte de bens, pessoas e ideias.

Segundo Glaeser, ideias, informação e conhecimento são os bens mais preciosos do

desenvolvimento econômico atual, e cita a Wall Street como melhor exemplo, especialmente o

pregão, onde milionários trabalham em um espaço aberto cheio de informações. E destaca, é o

valor da informação sobrepondo-se ao valor espacial.

No seu entendimento, as cidades bem sucedidas são aquelas que aumentam o investimento

em conhecimento, permitindo que as pessoas aprendam umas com as outras, argumentando que

em cidades com maior escolaridade média, até mesmo os menos escolarizados ganham salários

mais altos.

Tal discurso poderia ser pertinente se não lhe faltasse um elemento importante, qual

seja, considerar que no atual modelo capitalista o acesso aos recursos da cidade continua

restrito a poucos beneficiários, e que a outra face do crescimento urbano e das oportunidades de

desenvolvimento econômico é a exclusão de boa parte da população dos recursos que lhes são

necessários (moradia adequada, sistema sanitário, mobilidade, educação, saúde etc.).

Voltemos a Wall Street, com dados de David Harvey:

A cada mês de janeiro, o Estado de Nova York publica uma estimativa do total de bônus concedidos aos altos executivos pelos bancos e financeiras de Wall Street nos doze meses anteriores. Em 2007, um ano desastroso para os mercados financeiros, os bônus totalizaram 33,2 bilhões de dólares, apenas 2% menos que no ano anterior. Em meados de 2007, os bancos centrais americano e europeu injetaram bilhões de dólares em créditos de curto prazo no sistema financeiro para garantir a sua estabilidade; em seguida o Banco Central americano reduziu drasticamente as taxas de juros e injetou vastas quantidades de dinheiro no mercado, cada vez que o índice da Bolsa de Valores ameaçava despencar.

7 O triunfo da cidade

Page 27: Janaina Almeida Stedile.pdf

27

Enquanto isso, cerca de 2 milhões de pessoas foram despejadas por não poder mais pagar as prestações de suas casas. Muitos bairros em diversas cidades americanas foram cobertos de tapumes e vandalizados, destruídos pelas práticas predatórias de empréstimos das instituições financeiras. Essa população não recebeu nenhum bônus. Essa assimetria não pode ser interpretada como nada menos que uma forma maciça de confronto de classes. (HARVEY, 2013)

A cidade como espaço de geração de riqueza, e produzindo crescimento urbano, não é

novidade. A formação, consolidação e crescimento de núcleos urbanos sempre representaram

sinais de desenvolvimento cultural, tecnológico e econômico. As cidades surgiram como

entrepostos comerciais ou como ponto de acesso e escoamento do excedente produtivo (cidades

próximas a rios e mares).

A cidade também é responsável pelo desenvolvimento da cultura e do conhecimento. As

cidades gregas, como conta Hannah Arendt, em A Condição Humana, estão ligadas à superação

das necessidades básicas de sobrevivência, permitindo o nascimento do Homem livre e, portanto,

apto a atividades ligadas ao desenvolvimento do pensamento, per se.

A esfera da polis , ao contrário, era a esfera da liberdade, e se havia uma relação entre essas duas esferas era que a vitória sobre a necessidade da vida em família constituía a condição natural para a liberdade na polis. (ARENDT, 2007)

No desenvolvimento da História moderna, a cidade continuou a ser produto e processo

do desenvolvimento capitalista, Leo Huberman, em A História da Riqueza do Homem, esclarece

bem esta relação entre crescimento comercial e crescimento urbano.

À medida que o riacho irregular do comércio se transformava em corrente caudalosa, todo pequeno broto da vida comercial, agrícola e industrial recebia sustento, e florescia. Um dos efeitos mais importantes do aumento no comércio foi o crescimento das cidades.

(...)

Se é de fato que as cidades crescem em regiões onde o comércio tem uma expansão rápida, na Idade Média temos de procurar cidades em crescimento na Itália e Holanda. E é exatamente onde elas surgiram primeiro. À medida que o comércio continuava a se expandir, surgiam cidades nos locais em que duas estradas se encontravam, ou na embocadura de um rio, ou ainda onde a terra apresentava um declive adequado. (HUBERMAN, 2011).

Para corroborar sua tese da relação entre desenvolvimento comercial e desenvolvimento

urbano, Huberman menciona o fato de que no início do século XII, as palavras mercator

(mercador) e burgensis (aquele que vive na cidade), eram usadas indistintamente.

Page 28: Janaina Almeida Stedile.pdf

28

Huberman, descrevendo o desenvolvimento das cidades no período renascentista, afirma

que as grandes cidades comerciais também eram centro de troca de informação, dado que o

desenvolvimento de um mercado dependia de uma rede de relações entre centros comerciais,

portanto, dependia também de informações para qualificar as trocas.

No decorrer do desenvolvimento capitalista as cidades sempre foram território de

possibilidades para expansão do capital e, frequentemente, foram fisicamente adaptadas para

adequação da produção, ou modificadas apenas como forma de reinvestimento do próprio capital.

Harvey (20013) ilustra esta condição:

Haussmann entendeu claramente que sua missão era ajudar a resolver o problema do capital e do desemprego por meio da urbanização. Reconstruir Paris absorveu enormes volumes de dinheiro e mão de obra pelos padrões da época, e, juntamente com a supressão das aspirações dos trabalhadores parisienses, foi um veículo primordial para a estabilização social. Haussmann adotou ideias dos planos que os seguidores dos socialistas utópicos Charles Fourier e Saint-Simon haviam debatido na década de 1840 para remodelar Paris, mas com uma grande diferença: ele transformou a escala em que o processo urbano foi imaginado. (HARVEY, 2013)

Na atual etapa do capitalismo financeiro, em que o crescimento urbano é acelerado e

generalizado, a vida urbana também se tornou uma mercadoria, baseada no consumismo de turismo,

cultura e conhecimento. A cidade é, tanto motor da prosperidade, como uma mercadoria em si.

Nesse contexto, a Arquitetura tem se revelado como um relevante instrumento para o

fortalecimento dessa condição, na medida em que opta por produzir uma Arquitetura de marca,

exuberante na sua condição técnica, construtiva e formal, com pouca limitação orçamentária,

privilegiando as edificações não pelo seu aspecto funcional, mas pela sua condição de edificação

a ser consumida.

A diferença é que, agora, essa força espetacular da Arquitetura não é mais requisito único de regimes absolutistas, autocráticos ou fascistas, mas de grandes estratégias de negócio associadas ao turismo, a eventos culturais e esportivos, ao marketing urbano e à promoção de identidades empresariais. O fato é que nenhum arquiteto moderno, diante de suas (agora) prosaicas caixas de vidro, aço e concreto, poderia ter antecipado o grau de sofisticação técnica e exuberância formal que a “Arquitetura de marca” está alcançando. (ARANTES, 2008)

São inúmeros os exemplos da Arquitetura cunhada com star system, desde a torre de Adgbar,

de Jean Nouvel, em Barcelona; ou as torres gêmeas de Kuala Lumpur, passando pelo luxuoso

Hotel Burj Al Arab construído sobre uma ilha artificial de vidro até chegar ao ícone originário

da Arquitetura de marca: o museu Guggenheim de Bilbao, inaugurado em 1997, que causou

grande frisson na sua abertura e colocou a cidade no mapa turístico, estabelecendo a cultura da

Page 29: Janaina Almeida Stedile.pdf

29

implantação de obras espetaculares para recuperação áreas urbanas decadentes, que sofriam um

processo de desindustrialização e buscavam um novo sentido na indústria da criatividade.

Não cabe neste trabalho um minucioso estudo crítico de tais projetos, contudo, acreditamos

pertinente levantar duas considerações. Sem dúvida, há uma grande força intencional do ponto

de vista formal, independente da solução especifica de cada um deles. Há um cuidado para que

haja exuberância e encantamento, uma Arquitetura que se faz a partir de sensações.

No entanto, do ponto de vista de sua implantação no território, aquelas edificações

revelam-se desvinculadas das relações com o território constituído, não levam em conta o

conjunto de interesses coletivos da maioria da população, produzindo cenários estéreis, eventuais,

desconectados e alheios às problemáticas reais do espaço urbano e da vida cotidiana.

Toda essa força, ou riqueza imaterial de potencialidade da cidade para criar riquezas, impõe

por outro lado, processos de destruição criativa e exclusão territorial ditada pela capacidade de

consumo do cidadão, e traz no seu cerne a dicotomia do planeta espetáculo e o planeta da favela

descrito por Davis (2006).

Segundo Huberman, na passagem do feudalismo ao capitalismo, a cidade original não

se expande, mas dá origem a um novo núcleo populacional, e termina absorvida por esse novo

assentamento fora dos muros:

O burgo mais antigo não se expandiu exteriormente, mas se viu absorvido pela povoação mais nova, onde os fatos se sucediam. O povo começou a deixar suas velhas cidades feudais para iniciar vida nova nessas ativas cidades em progresso. A expansão do comércio significava trabalho para maior número de pessoas e estas afluíam à cidade, a fim de obtê-lo. (HUBERMAN, 2011)

Na sociedade contemporânea, no entanto, do outro lado dos muros das cidades crescem os

assentamentos precários com os dilemas da mobilidade, ausência de espaços Públicos, moradia

adequada, entre outros. De fato, as áreas urbanas são fisicamente divididas entre os que podem

e os que não têm condição de consumir. Como exemplifica Harvey:

Em meio a uma enxurrada de imigrantes pobres, a construção civil disparou em Johanesburgo, Tapei e Moscou, assim como em cidades dos países capitalistas centrais, como Londres e Los Angeles. Projetos de megaurbanização espantosos, quando não criminalmente absurdos, surgiram no Oriente Médio, em lugares como Dubai e Abu Dhabi, absorvendo o excesso da riqueza petrolífera com o máximo possível de ostentação, injustiça social e desperdício ambiental. (HARVEY, 2013)

Page 30: Janaina Almeida Stedile.pdf

30

Em Fim do Milênio, Castells (1999) afirma que o período entre o final do século XX e

começo do século XXI é caracterizado pelo crescimento da desigualdade social e polarização na

distribuição de riqueza. Os bens dos 358 maiores bilionários do mundo superam a soma anual

de países com nada menos que 45% da população mundial. (CASTELLS, 1999)

Mike Davis (2006), em seu livro Planeta Favela, cita o relatório do Banco Mundial da

década de 70, que adverte que pobreza urbana seria o maior desafio para as próximas décadas.

O termo pobreza urbana refere-se à propagação de favelas ou assentamentos irregulares

caracterizados por excesso de população, habitações de baixa qualidade construtiva, acesso

inadequado a água potável e condições sanitárias e insegurança jurídica da posse da moradia.

Essa tese está fortemente ilustrada pela foto de Tuca Viera, da favela Paraisópolis, no

bairro de Morumbi na cidade de São Paulo, em que mostra com precisão os muros da cidade

contemporânea.

fiGura 4 - Favela Paraisópolis, fronteira com o bairro do Morumbi. Imagem Tuca Vieira. Fonte: (Viera, 2012)

Page 31: Janaina Almeida Stedile.pdf

31

8 Lagos: Por dentro do apogeu da megacidade.

De fato, não foi o crescimento do processo de urbanização que gerou pobreza, mas sim

a dinâmica do capitalismo. A desigualdade na distribuição de renda empurra, conforme Glaeser

(apud KUNZIG, 2011), o fluxo migratório para onde o dinheiro está e a pobreza se deslocou

territorialmente para a cidade. Esses contingentes de migrantes, têm apenas a oferecer a sua

força de trabalho, e o sistema reduz drasticamente as possibilidades de participar das riquezas

produzidas no meio urbano, acumuladas cada vez mais pelo capital.

Outro exemplo bastante ilustrativo é a cidade de Lagos, na Nigéria, apontada como uma

das cidades de maior crescimento nas últimas décadas e que deverá manter essa tendência para

as décadas subsequentes. É também em Lagos que a maior parte da população vive em condição

de extrema miséria, ao lado de uma minoria milionária.

O jornalista George Packer (2007), em uma extensa reportagem publicada pela revista

Piauí sobre a cidade Lagos, explicita a condição de migração e miséria urbana.

Uma mulher chamada Safrat Yinusa deixou para trás seu marido e dois de seus filhos em Ilorin, ao norte da cidade, e encontrou trabalho como carregadora em uma das enormes feiras de Lagos, onde transporta grandes quantidades de produtos sobre a cabeça. Ela estava amamentando um garotinho, que carregava consigo durante o trabalho. Pagava 50 centavos de real por noite, por um espaço para dormir no chão de um quarto dividido com outras quarenta carregadoras. Em dois meses, ela tinha economizado menos de 10 reais. Quando se sabe que o preço do arroz em Lagos é de 1,50 real o quilo, é difícil entender de que maneira pessoas como Yinusa conseguem sobreviver. Este paradoxo já foi chamado de “o enigma do salário”. (PACKER, 2007)

O site de noticias inglês The Independent faz a chamada para a reportagem fotográfica

sobre a cidade de Lagos: “Lagos: Inside the ultimate mega-city”8. O título poderá levar o leitor

incauto a imaginar que se trata de uma apresentação de grandes soluções para vida urbana.

Contudo, ao se percorrer as fotos, depara-se com a visão mais cruel da desigualdade e do descaso.

A dimensão de tal tragédia humana está mostrada nas imagens seguintes, retiradas da reportagem

citada.

Page 32: Janaina Almeida Stedile.pdf

32

fiGura 6 - Vista da Favela de Makoko em Lagos, Nigéria. Fonte: (INDEPENDENT)

fiGura 5 - Habitações na cidade de Lagos, Nigéria. Fonte: (INDEPENDENT)

Page 33: Janaina Almeida Stedile.pdf

33

fiGura 7 - Catadores de lixo em Lagos, Nigéria. Fonte: (INDEPENDENT)

Como finaliza o jornalista americano George Packer seu artigo sobre a cidade de Lagos

na Nigéria:

O fato mais perturbador sobre os catadores e camelôs de Lagos é que a vida deles não tem praticamente nada a ver com a nossa. Eles vivem de restos. Eles são, na linguagem áspera da globalização, supérfluos. (PACKER, 2007)

Infelizmente esta não é uma realidade apenas das cidades de Lagos, ou de São Paulo, ela

é uma realidade na maioria dos aglomerados urbanos do mundo.

É inerente ao conceito de núcleo urbano as possibilidades da riqueza e da oportunidade

da sua produção. No entanto, não lhe é inerente que o acesso a essas oportunidades se faça de

forma equitativa.

Finalmente, não se pode pensar em se produzir cidades melhores, sem necessariamente

refletir sobre vínculos sociais com a produção de riqueza e a sua distribuição, relacionamentos

com o meio, estilos de vida, tecnologias, pré-existências e valores culturais sintonizados com o

bem comum.

Page 34: Janaina Almeida Stedile.pdf

34

1.1.3 situações urbanas contemporâneas

Após apresentar algumas condições de contorno do mundo urbano, faz-se necessário

olhar paras as feições, ou condições materiais da cidade. Qual é a morfologia da metrópole

contemporânea?

As metrópoles contemporâneas tem em comum apenas as condições populacionais,

econômicas e sociais, ou compartilham de situações urbanas recorrentes? Quais são os traços

morfológicos que caracterizam a metrópole?

Entende-se que a morfologia é a materialização das relações políticas , econômicas e

sociais. É o resultado do conjunto dessas influências.

Para ilustrar de maneira abrangente algumas questões de pertinência e recorrência utilizar-

se-á o registro fotográfico Life in Cities, de Michael Wolf.

Michael Wolf é um fotógrafo alemão, criado nos Estados Unidos e Canadá, voltou à

Alemanha para estudar fotografia com Otto Steinert e passou grande parte de sua carreira na Ásia,

em especial Hong Kong. Um dos seus principais trabalhos é uma série de temas fotográficos

reunidos em um projeto maior chamado Life in Cities (Vida nas Cidades).

O trabalho de Wolf, que assemelha-se ao fotojornalismo, registra condições metropolitanas

cotidianas. Cada tema desse projeto é composto por numerosas fotografias que não são registros de

eventos, mas de situações repetitivas, que se consolidam como situações urbanas, demonstrando

claramente a regularidade e constância das mesmas.

A maior parte das suas fotografias mostra o ser humano se relacionando com o espaço.

Porém, é um espaço e um tempo como elementos conjugados e impostos a elas e à revelia delas.

“(...) ordenamento do espaço segundo as exigências do modo de produção (capitalista), ou seja,

da reprodução das relações de produção.” (LEFEBVRE, 2008)

De fato, o modo de produção determina o espaço e o tempo urbano, impondo condições e

situações às pessoas que, por sua vez, os transformam em espaços de flexibilidade e adequação.

Pode-se identificar que a metrópole contemporânea utiliza-se de tipologias repetitivas e

símbolos materiais, como o aço e o vidro.

Page 35: Janaina Almeida Stedile.pdf

35

No tema Architecture of density9, são apresentadas habitações populares chinesas. Enormes

e altos edifícios, repetitivos e pobres na solução construtiva e urbana. São chinesas, mas poderiam

estar no Brasil, na Venezuela ou outros. O autor dirige o olhar e expõe a sensação do local ao

recortar a imagem de maneira em que não se vê o térreo nem o topo do edifício, demonstram a

não importância da articulação do objeto arquitetônico com o lugar.

100 X 100 registra as minúsculas unidades habitacionais em Hong Kong e a forma de

apropriação desses espaços por seus moradores. Os apartamentos, além de muito pequenos,

não têm nenhuma variação de desenho ou elemento arquitetônico que agregue valor. Há uma

despersonificação do ser humano. Já Tokyo Compression10 é uma série realizada no metrô de

Tóquio. Este conjunto de imagens, poderia ter sido feito no metrô de São Paulo ou de quaisquer

outras grandes metrópoles. O que está posto aqui é uma condição perversa que envolve novamente

a relação entre tempo e espaço.

O tempo adquire história uma vez que a velocidade do movimento através do espaço (diferente do espaço eminentemente inflexível, que não pode ser esticado e que não encolhe) se torna uma questão de engenho, da imaginação e da capacidade humana. (BAUMAN, 2001)

Tema crucial da cidade contemporânea é a questão dos transportes, ou seja, do

deslocamento. A cidade está organizada com base no pensamento produtivo fordista, da linha de

produção, fazendo com que a cidade esteja setorizada por zoneamentos em função da atividade.

Isso implica, portanto, no deslocamento no território para se desenvolver atividades diferentes.

Nas imagens de Wolf pode-se verificar não só as pessoas espremidas num espaço exíguo, mas

dormindo, cansadas e completamente exauridas. Não é só uma questão de transporte público de

qualidade, é também resultado da imposição dos deslocamentos alienado. Alienação com relação

à vida cotidiana, ao espaço e ao próprio tempo.

9 Arquitetura da densidade.

10 Compressão toquiana.

Page 36: Janaina Almeida Stedile.pdf

36

fiGura 10 - Fotografia da série Toquio compression. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

fiGura 9 - Fotografia da série 100x100. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

fiGura 8 - Fotografia da série Architecture of density. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

Page 37: Janaina Almeida Stedile.pdf

37

Uma outra série de fotografias realizadas em Tóquio registra a população de rua que

procura abrigo na estação de trem. São registros simples de uma situação urbana comum: as

pessoas sem moradia dormindo no espaço Público.

Wolf se desloca e aterrissa em Chicago para registrar outra situação da cidade

contemporânea: a vida na caixa de vidro de ambiente controlado. O material que a princípio

conferira ao edifico distinção, torna-se repetitivo. Aqui os edifícios, são como monumentos do

sucesso moto-contínuo do capitalismo. Não são angustiantes como as habitações chinesas: são

belos, passíveis de apreciação, permite o reflexo de outros monumentos e a interação com a luz.

É a cidade narcísica que se admira dos seus feitos.

fiGura 11 - Fotografia da série The box men of shinjuku station. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

fiGura 12- Fotografia da série Transparent city. Foto: Michael Wolf. Fonte: (WOLF, s/d)

Page 38: Janaina Almeida Stedile.pdf

38

1.2 Rede e Compartilhamento

A máxima “Todos os caminhos levam a Roma” ilustra não só o poder econômico e

político de uma cidade que se tornou um Império, mas diz respeito a um fator determinante para

a consolidação do Império: todos os caminhos, de fato, levavam a Roma.

As vias romanas eram uma extensa rede de comunicação que ligava Roma a seu império

em expansão. As vias, que se estendiam por todo o império, serviam fundamentalmente para

escoar os recursos das colônias para a cidade de Roma; facilitar a entrada do exército romano

nos territórios conquistados e a conquistar; e demonstrar sua superioridade tecnológica como

povo desenvolvido (em oposição aos povos bárbaros a serem conquistados).

Na análise da sociedade contemporânea, o conceito de rede tem sido empregado para

definir as novas formas de socialização e fluxo informacional e produtivo. Apesar do conceito

de rede propiciar ainda amplo debate nas Ciências Sociais é, de alguma forma, consensual que

a humanidade sempre se desenvolveu através de redes: redes de suporte às necessidades básicas

(família), redes de apoio político, redes de abastecimentos, redes de informação e conhecimento.

Ana Lúcia Enne, professora da UFRJ, coloca a questão:

(...) percebemos uma tendência a considerar que o conceito de rede seria adequado somente às sociedades contemporâneas globalizadas. Como vimos no breve levantamento aqui apresentado, o conceito é adequado para qualquer sociedade. O que poderíamos destacar, no caso contemporâneo, em face do processo de globalização, é a expansão da rede, sua potencialização ampliada e sua explicitação. Nesse sentido, o conceito nos parece muito pertinente, pois trata-se, sem dúvida, de uma conjuntura histórica em que os sentidos propostos para o conceito de rede (interação entre indivíduos, troca de mercadorias e fluxo de informações) estão evidenciados e acabam ocupando um lugar central na configuração cultural, política, econômica e social. Mas é preciso cuidado para não cairmos em um reducionismo histórico, negando o quanto as questões que hoje nos inquietam fazem parte de um processo de longa duração. (ENNE, 2004)

A formação de redes é uma prática humana antiga e está presente nos principais momentos

do desenvolvimento humano. Genericamente, poderíamos definir rede como um conjunto de

entidades (pessoas ou objetos) interligadas umas às outras, permitindo a circulação de elementos

materiais ou imateriais entre elas, de acordo com regras definidas.

O que faz da rede um assunto contemporâneo recorrente e indispensável é que, primeiro,

dispomos de uma ferramenta – a internet – que potencializa sobremaneira as relações em rede;

e, segundo, porque ela se estabelece de maneira horizontal e flexível e, por fim, porque ela tem

Page 39: Janaina Almeida Stedile.pdf

39

sido o maior agente de transformação cultural dos últimos anos. Cultura, aqui entendida como

o conjunto de valores e crenças que formam o comportamento social. Como comenta Castells,

na abertura do livro A galáxia da Internet:

Durante a maior parte da história humana, diferentemente da evolução biológica, as redes foram suplantadas como ferramentas de organização capazes de congregar recursos em tornos de metas centralmente definidas, alcançadas através da implementação de tarefas em cadeia de comando e controles verticais e racionalizadas. (...) Agora, no entanto, a introdução da informação e das tecnologias de comunicação baseadas no computador, e particularmente na internet, permite às redes exercer sua flexibilidade e adaptabilidade, e afirmar assim sua natureza revolucionária. Ao mesmo tempo, essas tecnologias permitem a coordenação de tarefas e administração da complexidade. Isso resulta numa combinação sem precedentes de flexibilidade e desempenho de tarefas, de tomadas de decisão coordenada e execução descentralizada, de expressão individualizada e comunicação global, horizontal, que fornece uma forma organizacional superior a ação humana. (CASTELLS, 2003)

A história da Internet, a rede mundial de computadores, e os seus criadores nos conta

um pouco de como se estabelece as relações em rede no contemporâneo. Tendo as chamadas

Big Sciences, (grandes pesquisas científicas) como protagonistas do maior avanço tecnológico

do nosso tempo. Todos os desenvolvimentos tecnológicos decisivos que levaram à internet

tiveram lugar em torno de instituições governamentais e importantes universidades e centros

de pesquisa.

A Internet não teve origem no mundo dos negócios. Era uma tecnologia ousada demais, um projeto caro demais, e uma iniciativa arriscada demais para ser assumida por organizações voltadas para o lucro. (CASTELLS, 2003)

A construção do pensamento científico dentro dos centros de pesquisa, funciona através

de uma rede de estudos e cientistas que publicam suas descobertas. Estas, por sua vez, são

averiguadas, questionadas e/ou incorporadas em outros estudos dando sequência a um acúmulo

não-linear, mas um enredado de produção de conhecimento de características colaborativas e

abertas. Não por acaso a internet se caracteriza e tem o seu rápido desenvolvimento atrelado a

essas duas qualidades: colaboração e abertura.

A internet surgiu da demanda de otimizar os recursos computacionais entre os centros de

pesquisa, portanto, o compartilhamento é o motivo e a natureza da rede mundial de computadores.

A internet não só propicia a comunicação direta entre os usuários, aumentando a capacidade de

acesso e universalização à informação, como também compartilha recursos (outros softwares,

por exemplo) e processos (entre computadores industriais, por exemplo).

Page 40: Janaina Almeida Stedile.pdf

40

Outro aspecto fundamental, é que a Internet tem sua Arquitetura aberta. A rápida difusão

dos protocolos de comunicação entre computadores não teria acontecido sem a distribuição aberta

e gratuita de software. O uso cooperativo de recursos se tornou código de conduta (CASTELLS,

2003). Abertura de códigos permite a qualquer pessoa modificá-los e criar novos programas,

em um moto-contínuo ascendente de inovação tecnológica, baseado na livre circulação de

conhecimento.

Essa abertura na estrutura da internet permite que ela possa ser aprimorada com a

colaboração e influência dos usuários e não apenas dos seus criadores. O aprimoramento de

tecnologias através dos usuários não é uma novidade, porém a rede mundial de computadores

permite seu desenvolvimento em tempo real. O intervalo entre o processo de aprendizagem pelo

uso, e de produção pelo uso é substancialmente abreviado.

1.2.1 Estrutura da Internet

Segundo Castells (2003), a internet se desenvolve com uma estrutura de quatro camadas culturais

hierarquizadas: academia científica, os hackers, a comunidade de usuários e as empresas de internet.

A comunidade acadêmica parte do conceito que desenvolvimento científico e tecnológico

significam progresso da humanidade. Portanto, o objetivo da comunidade acadêmica é produzir

ciência, e para isso dispõe de recursos (humanos, materiais e de meios) necessários para

desenvolver tecnologia.

Assim, a cultura da Internet enraíza-se na tradição acadêmica do exercício da ciência, da reputação por excelência acadêmica, do exame dos pares e da abertura com relação a todos os achados de pesquisa, com devido crédito aos autores de cada descoberta. (CASTELLS, 2003)

Na segunda linha da estrutura da internet se encontram os hackers. Os hackers são advindos

dos campi universitários, e foram formados em um ambiente de promoção da cultura de valores de

liberdade individual. Diferentemente da comunidade acadêmica, a cultura hacker não se estabelece

em bases a protocolos científicos para comprovação ou validação, mas em uma comunidade de

pares e de abertura de códigos. Os hackers são criadores e difusores de tecnologia e, como não estão

ligados a nenhuma instituição específica, sua criação é mais livre. E é justamente pelo caráter de

liberdade da cultura hacker, que questiona o direito de propriedade que eles são muitas vezes

tratados pela mídia como bandidos virtuais. Os programadores que aplicam golpes financeiros

Page 41: Janaina Almeida Stedile.pdf

41

na internet são os crackers. Os hackers são os principais promotores da rede, eles se consolidam

como a conexão entre a comunidade acadêmica e os usuários da rede.

Comunidades virtuais constituem-se como a terceira camada da estrutura da internet.

Praticamente a maior parte de seus usuários fazem parte de comunidades virtuais, ou redes

sociais. Se os hackers difundem a tecnologia, são as pessoas, constituindo comunidades virtuais,

que moldam os processo e usos.

A quarta camada é constituída pelas empresas. Seguramente a rede mundial de

computadores transformou a economia e criou a economia da internet.

Ainda segundo Castells, os empresários da Internet são mais criadores do que

negociadores, estão mais próximos da cultura do artista que da cultura corporativa tradicional.

Vale lembrar que as principais empresas da internet surgiram de grandes centros de pesquisa:

Facebook, foi concebido em Harvard; Google, em Stanford; Philips, na Universidade

Tecnológica de Eindhoven e a Lenovo, na Academia Chinesa de Ciências. (ONU, 2014)

Os escritórios da Google expressam fisicamente essa cultura da criação ao promover

espaços de interação social, lazer e descanso. O processo criativo não é linear e pouco tem a

ver com funcionários isolados em baias, trabalhando todo o período em um mesmo lugar, com

regras claras sobre horário, protocolos de produção, hierarquia, entre outros. A seguir, fotos do

escritório da Google em Dublin.

Page 42: Janaina Almeida Stedile.pdf

42

O impacto da nova tecnologia incide também sobre as empresas convencionais, como

está demonstrado no estudo de Castells. Em 2010, 80% das transações feitas na web foram B2B

(business to business), o que demonstra reorganização na maneira em que operam os negócios.

O que está surgindo não é uma economia ponto.com, mas uma economia interconectada com

um sistema nervoso eletrônico. (CASTELLS, 2003)

Portanto, a estrutura de produção da internet é formada a partir de um ideal tecnocrático

de desenvolvimento humano ligado, em ultima instância, aos ideais iluministas de progresso da

humanidade, difundidos pela cultura hacker e moldada pelas comunidades sociais em redes e

materializada por empresas.

fiGura 13 - Ambiente de trabalho flexíveis. escritório do Google em Dublin. Fonte: (HOME DESIGNING, 2013)

1.2.2 Transformações da sociabilidade

Muito se fala sobre a transformação das relações sociais a partir da popularização da

internet. Sobre esse tema, Castells (2003) aponta quatro pontos substanciais: aumento dos laços

sociais; desterritorialização das rede sociais; criação de um novo padrão de sociabilidade baseado

no individualismo e, por fim, incremento da força de atuação dos movimentos sociais.

Nota-se aqui que esta análise é tipicamente de um período de transição, por que encontra-

se uma indefinição quando o autor indica o aumento do padrão baseado ao individualismo

paralalemente ao incremento de relações coletivas vide Movimentos Sociais.

Page 43: Janaina Almeida Stedile.pdf

43

As comunidades virtuais não estão definidas pelo espaço físico natural comum entre

seus usuários, mas são formadas a partir de um ponto comum entre interesses individuais. Por

outro lado, a comunidade idealizada, em que se cultivam relações de vizinhança, há muito não

existem. Foram desagregadas pelas vicissitudes do desenvolvimento do capitalismo industrial.

Segundo Bauman (2003), os laços comunitários tiveram que ser rompidos para o

desenvolvimento do capital industrial. Primeiro, porque o sentido de comunidade tradicional

baseado em laços de vizinhança e parentesco é uma relação que privilegia o mais fraco, na medida

em que a comunidade equaliza e divide os ganhos e os ônus. Ou seja, a relação comunitária não

pode ser baseada na competição entre seus membros, mas na colaboração entre eles.

Além disso, a economia da comunidade é baseada no trabalho do artesão, em que

cada indivíduo produz especificamente aquilo que é necessário à comunidade. O capitalismo

industrial rompeu com esses laços, para atender à sua necessidade de transformar artesãos em

operários, capazes de trabalhar em uma linha de produção e com competitividade e, com isso,

destruindo laços comunitários originais. Portanto, as comunidades em seu formato tradicional,

remanescentes no mundo contemporâneo são na verdade comunidades excluídas do processo de

desenvolvimento capitalista. Haja vista que, em geral, costumamos nomear como comunidades

tradicionais as indígenas, tribos africanas, quilombolas e favelados.

Duas tendências acompanharam o capitalismo moderno ao logo de toda a sua história, embora sua força e importância tenham variado no tempo. Uma delas já foi assinalada: um esforço consistente de substituir o ‘entendimento natural’ da comunidade de outrora, o ritmo regulado pela natureza, da lavoura, e a rotina regulada pela tradição, da vida do artesão, por uma outra rotina artificialmente projetada e coercitivamente imposta e monitorada. A segunda tendência foi uma tentativa muito menos consistente (e adotada tardiamente) de ressuscitar ou criar ab nihilo um “sentido de comunidade”, desta vez dentro do quadro da nova estrutura de poder. (BAUMAN, 2003)

As comunidades residenciais – por exemplo, as comunidades distritais norte-americanas –

em geral, são construídas a partir de escolhas. O território e os laços são constituídos e escolhidos

a partir de interesses individuais, e pouco tem a ver com as comunidades tradicionais. Assim, as

pessoas não formam seus laços significativos em sociedades locais, não por não terem raízes

espaciais, mas por selecionarem suas relações com bases em afinidades. (CASTELLS, 2003)

Ou seja, a desterritorialização da comunidade pouco tem a ver com o advento da

comunicação entre computadores. A internet apenas potencializou laços a partir de afinidades

Page 44: Janaina Almeida Stedile.pdf

44

individuais, formando comunidades de várias naturezas, desvinculadas de seu suporte espacial,

possibilitando novas relações de produção e consumo, inclusive da cidade de seus equipamentos

e serviços.

1.2.3 Geografia da Internet

A rede mundial de computadores está mudando a maneira como nos relacionamos, com

grandes impactos sociais, econômicos e políticos. Entretanto, é importante lembrar que o acesso

a internet ainda é desigual entre a população mundial. Segundo relatório da ONU, Final WSIS11

Targets Review: Achievements, Challenges and the Way Forward, publicado em 2014, mais da

metade da população mundial (4 bilhões de pessoas) ainda não tem acesso à internet.

O acesso a Internet em qualquer forma (banda estreita ou banda larga, fixa ou sem fio)

é extremamente baixo entre as famílias rurais, nos países em desenvolvimento. Por outro lado,

nos países desenvolvidos as famílias rurais têm acesso comparável às áreas urbanas, embora

com algumas variações no tipo de acesso.

No entanto, os dados disponíveis sobre o acesso à tecnologia da informação demonstram

crescimento de penetração. Em 2003, aproximadamente 20% da população rural da África dispunham

de sinal de telefonia móvel. Em dez anos esse índice saltou para 79%. Todos os continentes

apresentaram crescimento de sinal de telefonia celular em áreas rurais. Há de se ressalvar que a

população rural de inúmeros países africanos não têm acesso a rede de telefonia 3G, que permite

acesso a internet, e a cobertura se limita a serviços como telefonemas e mensagens de texto.

Dados apontam que quase 100% das escolas do continente Europeu, dos Estados

Unidos, Canadá, Caribe, Chile e Uruguai têm acesso a internet. O Brasil e a Argentina possuem

aproximadamente 48% das escolas conectadas à rede. A Ásia apresenta números bem distintos

de país para país. Mongólia, por exemplo, tem 91% das escolas primárias conectadas a internet,

enquanto no Nepal apenas 5% de escolas tem acesso à rede.

Na África, a conexão de centros educacionais com a internet ainda é escassa, e o continente

enfrenta um antigo desafio: não há energia elétrica na maior parte das regiões africanas.

11 WSIS - The World Summit on the Information Society. Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação.

Page 45: Janaina Almeida Stedile.pdf

45

A pesquisa de Castells, coincide com o relatório Perspectivas Globais de Urbanização,

das Nações Unidas, que identifica que a produção na internet (geração de conteúdo, comércios,

negócios etc.) se concentra em centros urbanos, e os Estados Unidos, de longe, é o país mais ativo

na rede. Os EUA apresentam uma proporção de 25,2 domínios de internet por mil habitantes,

enquanto o Brasil apresenta 0,5 domínio por mil habitantes.

O que se vê é que a estrutura de produção e o acesso à rede de computadores se assemelha

à distribuição dos demais recursos ligados à qualidade de vida, e geralmente está ligada a centros

urbanos.

O paradoxo da Internet

No começo da internet, o termo “virtual” trouxe uma série de equívocos ao entendimento

de nova maneira de sociabilidade. O termo frequentemente associado a uma identidade não-real,

construída no ambiente de rede, que iria simular cidades e comunidades inteiras de avatares,

sem nenhuma conexão com a realidade. Isso se demonstrou uma falácia. A realidade virtual é

a possibilidade de participar de eventos em tempo real sem estar conectado necessariamente ao

espaço do acontecimento.

O grande paradoxo da rede mundial de computadores, apresentado por Castells (2003) em

seu trabalho, é que a rede, apesar de gerar novas economias altamente lucrativas e estar difundida

largamente em países desenvolvidos, tem na sua acepção dois conceitos contraditórios ao sistema

capitalista: a Internet se desenvolve a partir de colaboração e abertura, em contraposição ao

sistema capitalista que trabalha com competição e direito de propriedade.

Page 46: Janaina Almeida Stedile.pdf

46

2. Arquitetura de Interesse Público

O primeiro capítulo tratou de contextualizar o tempo presente nas suas relações físicas

e culturais (Mundo Urbano e Rede e Compartilhamento), objetivando descrever o contexto em

que se desenvolve a Arquitetura de Interesse Público.

Arquitetura de Interesse Público é a denominação utilizada para produções arquitetônicas

contemporâneas que se caracterizam por coletivos interdisciplinares, de organização horizontal

e colaborativa, com foco em problemas crônicos espaciais e construtivos da humanidade.

Não se pode afirmar que seja uma terminologia consensual, ditada por um manifesto que

congregue todos os grupos que atuam de maneira similar. O termo foi adotado por Brian Bell, ao

desenvolver suas pesquisas sobre a produção de Arquitetura de Interesse Público, e que culminou

com a obra -Sabedoria que vem do Campo. Arquitetura de Interesse Público na prática.

Brian esclarece a questão da nomenclatura:

Embora o Design de Interesse Público seja conhecido por diversas terminologias e significados, aparentemente há um consenso entre os profissionais entrevistados: “Design Comunitário” e “Design de Interesse Público” são os termos mais frequentemente usados. “Servir os desservidos” (que é servir àquelas pessoas e comunidades que não podem pagar pelos serviços de Arquitetura e outros serviços relacionados a ela) e “Design para conjunto da sociedade” são os valores mais consistentes expressos na pesquisa. Os profissionais do Design de Interesse Público são guiados pela convicção que o acesso ao design não é apenas um privilégio mas um direito. (BELL, 2013)12

Sobre esse tema, vale mencionar também a importante contribuição de Cary e Meron,

cuja pesquisa realizada através da organização Interest Public Design, em lugar de escolher algum

termo que fosse mais representativo da produção, optaram por construir um glossário incluindo os

diversos grupos e as definições aplicáveis, baseado na denominação dos próprios grupos.

12 No original:

Although public interest design is known by various terminology and meanings, there appears to be some consensus among the interviewed practitioners. “Community design” and “ public interest design” were the most frequently used terms. “Serving the under served,” that is, those people and communities that cannot afford to pay for architectural and related services, and “ design for the broader public good” are consistent public interest design values that were expressed. Public interest practitioners are guided by the conviction that access to design is not just a privilege – it is a public right.

Page 47: Janaina Almeida Stedile.pdf

47

Objetivando ampliar a perspectiva do cenário desse tipo de produção, selecionamos

alguns exemplos retirados do citado glossário.

Design para Todos é usado com frequência para descrever os esforços para democratizar

o design nas mais amplas escalas.

Design Humanitário é descrito pela pesquisa como o design focado em resolver problemas

de necessidades humanas básicas, decorrentes de desastres naturais, a condições de extrema

pobreza e em locais em guerra ou pós-guerra. Seus integrantes designam o grupo Architecture

for Humanity, como uma organização representativa desse pensamento.

Design Homo-centrado é um processo que enfatiza a observação, empatia, pensamento

abstrato, prototipagem e interação, enquanto trabalha diretamente com os usuários finais. Seu

objetivo é criar soluções que são desejáveis, porém realistas e viáveis. As entidades que, segundo

o glossário, se encaixam nessa categoria são: Catapult Design, D-Rev- Design Revolution, Design

to American, IDEO.org, HCD Connect, Stanford Design School. (CARY e MERON)

Para efeito deste trabalho, o estudo desse tema será limitado apenas ao campo da Arquitetura

e Urbanismo. Contudo, entendemos importante mencionar que um movimento similar ocorre na

área do desenho industrial, além desse ser um campo correlato da Arquitetura, o termo Design em

inglês é utilizado no sentido da forma (desenho) projetada, as pesquisas de Bell (2013) e de Cary

(2010) muitas vezes utilizam o termo Design13 considerando genericamente os dois campos.

A fim de delimitar e atingir o objetivo de trazer à luz esse tipo de produção, adotaremos

o termo Arquitetura de Interesse Público.

Faz-se necessário, de início, estabelecer o conceito de Público e, a partir daí, então, definir

o significado de interesse Público na atual produção contemporânea. Com esse propósito, na

primeira parte, trataremos de entender o conceito de esfera pública, como ela se estabelece no

espaço e o que significa ter o seu foco de interesse nesta esfera.

O grupo Interest Public Design, conjuntamente com a revista ArchDaily e a Faculdade

de Design da Universidade do Minnesota, construíram uma linha do tempo com os principais

eventos que se encaixam no termo Design de Interesse Público, e estabelece o seu começo no

13 Aqui também o termo Design refere-se indistintamente às disciplinas de Arquitetura e Desenho Industrial.

Page 48: Janaina Almeida Stedile.pdf

48

ano de 1964, com a fundação do Architects’ Renewal Committee no Harlem. Bell também adota

este marco como referência.

Na declaração de fundação, o comitê assim expressa seu propósito:

Nós estamos preocupados com a mudança do papel do arquiteto. Nós encaramos uma mudança no papel do arquiteto, que representa o rico patrono para o arquiteto que representa os pobres, e representá-los como indivíduos e como um grupo de interesse. Sentimos que isto implica em estudar as cidades de um ponto de vista diferente. O caso não é se nós, como arquitetos, gostamos ou não de carros, mas se as pessoas realmente usam e querem carros. Descobrir o que as pessoas têm e pensam sobre tecnologia moderna, ou a respeito do que é uma boa cozinha, sobre uma boa rua, como é uma maneira agradável de viver, sobre o uso de uma janela – se é apenas para ventilação e luz, como dizia Le Corbusier, ou se é, de fato, um lugar onde as pessoas fazerem contato com a rua. Uma ponte para a comunidade. Então o que estamos tentando capturar não é Brasília, mas a favela ao lado de Brasília; não Tema, a nova cidade de Gana, mas Ashiaman, a favela ao lado dela. Elas não são favelas só porque não têm os serviços Públicos que Brasília ou Tema têm, mas elas possuem o espírito e a vida de um lugar urbano que faltam em Brasília ou em Tema. Eles são, de fato, a criação das pessoas, cheias de vitalidade e cor que vai com a vida. (Architects’ Renewal Committee in Harlem, 1968, apud TUCKER, 1969)14

Nesse manifesto inicial há dois temas que merecem ser levados em consideração. Primeiro,

o locus dessas pesquisas são os Estados Unidos, portanto, seu foco é a produção específica daquele

país; segundo, fica constatado nesse estudo que embora haja distinções com o formato produtivo

contemporâneo, é possível estabelecer-se as origens do conceito de interesse público na área

da Arquitetura, com as vanguardas do início do século XX, e seu desenvolvimento posterior

expresso através da crítica da década de 60. No item Herança Histórica pretende-se percorrer o

caminho da construção histórica da Arquitetura de Interesse Público no decorrer do século XX,

estabelecendo como seu marco o movimento Modernista de Arquitetura.

Por fim, trataremos de apresentar breve cenário da produção atual no campo da Arquitetura

de Interesse Público, objetivando demonstrar a incidência da produção e sua grande relevância

nos debates sobre os caminhos da Arquitetura contemporânea.

14 No original:

We are concerned with changing the architect’s role. We envision a change from the architect representing the rich patron to the architect representing the poor, representing them as individuals and as an interest group. This implies, we feel, studying cities from a different point of view. Not whether or not the architect dislikes cars, but whether or not people actually use cars and want cars; finding out what ideas people have about modern technology, about a good kitchen, about a good street, about a desirable way to live, about the use of a window - whether it’s just for ventilation and light, as Le Corbusier said, or whether it’s in fact a place where people make contact with the street. A bridge to the community. So what we are trying to capture is not Brasilia but that shantytown next to Brasilia; not Tema (Ghana’s new city), but Ashiaman, the shantytown next to it. They are shantytowns only because they do not have the public services and facilities that Brasilia or Tema have, but they do possess the spirit and life of an urban place that Brasilia or Tema lack. They are in fact the people’s creation, full of the vibrancy and color that go with life. Architects’ Renewal Committee in Harlem, 1968.

Page 49: Janaina Almeida Stedile.pdf

49

2.1 A esfera pública e o espaço Público

Público e esfera pública são conceitos que têm sofrido modificações ao longo da História.

Tanto no âmbito das Ciências Sociais como no da Arquitetura há variados olhares e compreensões

sobre esses termos. E, embora, sejam fundamentais para o desenvolvimento desse trabalho, não

cabe aqui elencarmos todas as acepções que lhes são inerentes tanto ao longo da história como

nas diversas disciplinas do conhecimento humano.

Portanto, essa dissertação irá delimitar a definição a partir do estabelecimento de

características originais do termo Público estabelecido por Arendt (2007) em A Condição Humana,

entender seu significado no mundo moderno burguês através de algumas obras de Habermas e,

por fim, entender o seu significado no espaço em Herman Hertzberger em Lições de Arquitetura.

Segundo Arendt (2007), o termo Público denota dois fenômenos correlatos mas não

idênticos. O primeiro é a condição de algo Público, como algo que pode ser visto e ouvido com a

maior divulgação possível, e este entendimento comum é o que constitui a realidade. O segundo

é que o Público significa o próprio mundo que nos cerca na medida em que é lugar comum a

todos nós, que se interpõe a todos nós, e diferente do lugar que nos cabe (eu).

(...) a realidade da esfera pública conta com a presença simultânea de inúmeros aspectos e perspectivas nos quais o mundo comum se apresenta e para os quais nenhuma medida ou denominador comum pode ser jamais inventado. Pois embora o mundo comum seja terreno comum a todos, os que estão presentes ocupam nele diferentes lugares, e o lugar de um não pode coincidir com o do outro, da mesma forma como dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. (...)

Nas condições de um mundo comum, a realidade não é garantida pela natureza comum de todos os homens que o constituem, mas sobretudo pelo fato de que, a despeito das diferenças de posição e da resultante variedade de perspectivas, todos estão sempre interessados no mesmo objeto. (ARENDT, 2007)

Ainda em Arendt (2007), a grande tarefa da filosofia cristã, após o declínio do Império

Romano, foi encontrar um vínculo suficientemente forte para substituir o interesse no mundo comum

(esfera pública). O argumento do discurso cristão da Idade Média, de negação da importância dessa

esfera, está baseado no fato de que este mundo não durará, a imortalidade está na alma.

A negação do mundo como fenômeno político só é possível à base da premissa de que o mundo não durará; mas, à base de tal premissa, é quase inevitável que essa negação venha, de uma forma ou de outra, a dominar a esfera política. (...) Só a existência de uma esfera pública e a subsequente transformação do mundo em uma comunidade de coisas que reúne os homens e estabelece uma relação entre eles depende inteiramente da permanência. (ARENDT, 2007)

Page 50: Janaina Almeida Stedile.pdf

50

E acrescenta, o reforço do que é Público, da construção do bem comum depende

essencialmente de um entendimento de que a humanidade transcende a nossa geração, bem como

a própria perspectiva de projeto de humanidade só pode ser reforçada pela esfera pública.

(...) Mas esse mundo comum só pode sobreviver ao advento e à partida das gerações na medida em que tem uma presença pública. É o caráter Público da esfera pública que é capaz de absorver e dar brilho através dos séculos a tudo que os homens venham a preservar da ruína natural do tempo. (ARENDT, 2007)

Pode-se concluir, então, que para Arendt (2007), Público significa algo compartilhado

por todos (visto e ouvido com a maior divulgação possível) e esta ação constitui a realidade; e a

esfera pública é o mundo que nos cerca, o que está entre nós e os outros e o que nos interrelaciona.

A esfera pública, além disso, requer para a sua existência: o sentido de projeto de Humanidade

e o foco em questões relevantes para seu desenvolvimento.

Habermas (2003), em Mudança estrutural da esfera pública, afirma que na Idade Média a

contraposição entre Público e privado (publicus e privatus) não tinham vínculo de obrigatoriedade,

além da esfera pública não se constituir como esfera de comunicação política:

Na sociedade feudal da alta Idade Média, a esfera pública como um setor próprio, separado de uma esfera privada, não pode ser comprovada sociologicamente, ou seja, usando de critérios institucionais. Não obstante, os atributos da soberania, como o selo do príncipe, não por acaso são chamados de “Públicos”; não por acaso o rei inglês goza de publicness- ou seja, aí existe uma representação pública de soberania. Esta representatividade pública não se constitui num setor social, numa esfera daquilo que é Público; ela é, pelo contrário, caso se possa ampliar o sentido do termo algo como uma marca de status. (HABERMAS, 2003)

É a partir das relações comerciais entre as cidades que se desenvolve uma rede de relações

econômicas que rompe com o modelo de economia doméstica fechada do senhor feudal, ligada

a uma condição de riqueza privada baseada no poder fundiário, e não na troca.

À medida em que as relações mercantis se estabeleciam como uma esfera em crescimento,

demandavam mais garantias políticas e financiamentos maiores para seus empreendimentos, que

então se conformavam em grandes aventuras marítimas em busca de novas fontes de recursos

e novos mercados.

Logo, a formação do Estado nação, ou a nacionalização da economia citadina (HESCKSCHER

apud HABERMAS, 2003) se configura a partir da necessidade de se estabelecer critérios de

financiamento, em que a taxação de impostos daria conta de atender a demanda por capital.

Page 51: Janaina Almeida Stedile.pdf

51

A redução da representatividade pública que ocorre com a mediatização das autoridades estamentais através dos senhores feudais cede espaço a uma outra esfera, que é ligada à expressão de esfera pública no sentido moderno: a esfera do poder Público. Esta se objetiva numa administração permanente e no exército permanente; a permanência dos contatos de intercâmbio de mercadorias e de notícias (bolsa, imprensa) corresponde agora a uma atividade estatal continuada. (HABERMAS, 2003)

A tese de Habermas (2003) é que a constituição do conceito de esfera pública em contraposição

à esfera privada é própria do desenvolvimento do Estado Moderno Burguês. Porque apesar da ideia

de Público, herdada dos gregos, permanecer através da história, a esfera privada teve que se constituir

no desenvolvimento do capitalismo, transformando o que era a economia da casa (privado) em uma

economia de mercado, e consolidando o poder Público (regulador) e a esfera privada.

2.1.1 O espaço Público

A definição de espaço Público é igualmente uma construção histórica de relações políticas.

Para efeito deste trabalho, vamos recorrer ao pensamento do arquiteto holandês Herman

Hertzberg, e tal escolha justifica-se por três aspectos relevantes.

Hertzberg (1999) faz parte de uma segunda geração da escola de Arquitetura Holandesa,

cujo enfoque antropológico-estruturalista busca entender como as relações sociais acontecem no

tecido urbano , e considera que a função do arquiteto não é dar soluções completas e finais, mas

prover uma estrutura espacial que permita a interferência do usuário na criação dos ambientes.

Este entendimento oriundo das Ciências Sociais é uma das características comuns a todos

os coletivos de Arquitetura de Interesse Público. Um olhar que se dirige às relações humanas,

entendendo-as como produtoras de qualidade espacial.

O segundo aspecto relevante da concepção de Hertzeberger (1999) é a prevalência do

entendimento do domínio Público (e sua antítese, o domínio privado) como fator fundamental

para a Arquitetura. Esta relevância é característica principal da Arquitetura de Interesse Público.

Hertzberger começou sua carreira como arquiteto em 1958, e em 1965 começa a lecionar

na Academia de Arquitetura de Amsterdam. Seus trabalhos como arquiteto sempre caminharam

par e passo com sua vida acadêmica. No prefácio do livro Lições de Arquitetura, afirma que

é inevitável que ele não se sirva das próprias obras como ponto de partida para o ensino da

Page 52: Janaina Almeida Stedile.pdf

52

Arquitetura. Na sua opinião o melhor caminho é que o ensino deve vir de experiências práticas.

Essa tese constitui-se numa outra característica fundadora de Arquitetura de Interesse

Público: a prática, o campo, as soluções advindas do que se encontra disponível no ambiente.

Os projetos que evoluem a partir de um primeiro modelo experimental, como é o caso das Casas

20K, do grupo Rural Studio.

A questão fundamental do livro é desfazer essa dicotomia estática entre Público e

privado. Ele fundamenta os conceitos em termos espaciais: Público seria relativo a questões

de responsabilidade coletiva, enquanto o privado a questões de responsabilidade individual ou

de grupo fechado; mas essas medidas não são necessariamente fixas. Por si só, nada é espaço

Público ou espaço privado, mas essa designação só pode ser feita em relação a algo.

Uma área aberta, um quarto ou um espaço podem ser concebidos com um lugar, mais ou menos, privado ou como uma área pública, dependendo o grau de acesso, da forma de supervisão, de quem o utiliza, de quem toma conta dele e de suas respectivas responsabilidades.

O seu quarto, por exemplo, é um espaço privado em comparação com a sala de estar e a cozinha da casa em que você mora. Você tem a chave do seu quarto, do qual você mesmo cuida. O cuidado e a manutenção da sala de estar e da cozinha são basicamente uma responsabilidade compartilhada por todos os que moram na casa, (...)

Numa escola, cada sala de aula é privada em comparação ao hall comunitário. Este hall, por sua vez é, como a escola na sua totalidade, privado em relação a rua. (HERTZBERGER, 1999)

Essa temporalidade na determinação da virtude do espaço é dada, segundo Hertzberger,

por convenções de acesso, por exemplo, horários de funcionamento ou pessoas permitidas em

edifícios Públicos (pertencentes ao Poder Público); ou por usos temporários de interesse privado,

como deixar a bicicleta na frente da casa ou estender roupa na rua. Isso pode ser ilustrado pela

fotografia mostrada a seguir, de um canal em Veneza, de autoria de Michael Saft, de 2012.

Page 53: Janaina Almeida Stedile.pdf

53

fiGura 14 - Varais na rua de Veneza, de Michael Saft. Fonte: (SAFT, 2012)

Outro tema importante em Hertzberger é o conceito de intervalo, que se traduz como o

espaço deixado entre uma coisa e outra.

A soleira fornece a chave para a transição e a conexão entre as áreas com demarcação territoriais divergentes e, na qualidade de um lugar por direito próprio, constitui, essencialmente, a condição espacial para o encontro e o diálogo entre áreas de ordem diferentes.

O valor desse conceito é mais explícito na soleira per excellence , a entrada de uma casa. Estamos lidando aqui com o encontro e a reconciliação entre a rua, de um lado, e o domínio privado de outro. (HERTZBERGER, 1999)

Essa perspectiva de que o caráter do espaço é dado pelo uso e responsabilidades temporais

e que eles são conectados por intervalos de caráter híbrido gera flexibilização de programa e

incompletude dos projetos.

A ideia de que os projetos devam ser incompletos, aparece na obra de Hertzberger quando

ele destaca a importância da participação do usuário na conformação dos espaços. Para ele, o

projeto deve permitir a temporalidade de demandas e usos, criando espaços gradativos e espaços

de intervalo, promovendo apropriação do usuário.

Page 54: Janaina Almeida Stedile.pdf

54

A premissa sobre a questão do entendimento das relações humanas, também aparece nos

textos de Koolhaas (2008), como pode ser visto em Por uma cidade contemporânea:

Em vez de nos apegarmos a esse tipo de fascismo, ou de apostarmos na autoridade absoluta da Arquitetura, parece-me que devemos nos perguntar para que direção apontam as forças que contribuem para a definição do espaço. São elas direcionadas para o lado do urbano ou para seu justo oposto? Elas pedem a ordem ou desordem? Elas convergem para a continuidade ou para a descontinuidade? Sejam quais forem as respostas, há um movimento e uma dinâmica que precisamos conhecer, porque são a matéria do projeto. (KOOLHAAS, 2008)

Flexibilidade programática e física são considerações feitas também por Koolhaas (2008)

em Para Além do Delírio:

Alivia muito a tarefa dos arquitetos pensar nesse pequeno grupo de edifícios como, antes de mais nada, uma acomodação permanente de atividades provisórias. Não precisamos mais andar em busca de uma rígida coincidência entre forma e programa, e assim nos dedicaremos simplesmente a projetar novos volumes que sejam capazes de absorver o que quer que nossa cultura gere. (KOOLHAAS, 2008)

As proposições congruentes de Hertzberger e Koolhaas geram uma outra questão que

é a figura do arquiteto autor, herdada do Renascimento. Essa questão é expressa na Bienal de

Veneza de 2014, de curadoria de Koolhaas.

O primeiro bloco, Absorvendo a Modernidade, mostra o Projeto Moderno através do

mundo. O segundo bloco, Elementos da Arquitetura é uma fragmentação da construção através

dos elementos arquitetônicos: fachada, pavimento, escada, janelas etc. O terceiro, Monditalia,

cruza a produção italiana nas área de cinema, teatro, dança e música com a Arquitetura.

As ideias expostas anteriormente se conectam diretamente com a Arquitetura de Interesse

Público, na medida em que:

1- Analisam o espaço através das relações sociais. Podemos exemplificar nos casos referenciais,

através da construção das casas do Comuna Urbana, do grupo Usina.

2- Entendem que o caráter do espaço é flexível e híbrido reforçando os laços e permitindo as mudanças.

Essa premissa pode ser verificada na distribuição espacial dos cômodos, na série de Casas 20K,

do Rural Studio, como também na gradação das praças no projeto do Comuna Urbana, do Usina.

3- Questionam o arquiteto autor como figura central da criação versus a criação coletiva entre

Page 55: Janaina Almeida Stedile.pdf

55

grupos proponentes e usuários, como pode ser constatado nos três grupos estudados, na

medida em que eles se constituem como coletivos horizontais de processo de participação da

comunidade.

4- O conceito de Público, no caso da Arquitetura de Interesse Público, não está atrelado à esfera

pública institucionalizada e, portanto, a espaços de gestão do poder Público, porém refere-se ao

âmbito em que se constituem relações sociais e políticas entre pessoas, grupos, comunidades.

2.2 A Herança histórica

Ao contrário do que se pode inferir de imediato, o foco da Arquitetura de Interesse

Público não está na condição de reforço de valorização dos espaços usualmente entendidos como

Públicos – a praça, o parque, o edifício público –, mas no fortalecimento das relações públicas,

no sentido de incentivo ao que deveria ser de ordem coletiva, preocupação e interesse de todos,

e que não necessariamente está conectada ao espaço de poder público.

A partir desse entendimento, o trabalho procurou estabelecer uma linhagem histórica

para as questões levantadas pela Arquitetura de Interesse Público.

Ao longo da História, podem ser encontrados projetos pensados a partir de uma perspectiva

do bem comum, tais como o Falanstério, idealizados por Charles Fourier no século XIX ou as

edificações sociais holandesas, da primeira década do século XX. No entanto, sua expressão como

um movimento de difusão internacional, com bases teóricas e práticas de propostas arrojadas

de transformações culturais, e com o entendimento da Arquitetura pensada para o conjunto da

humanidade (bem-comum) só aparece com o Movimento Modernista de Arquitetura.

Ciente de que há diversas correntes artísticas atuantes no período, essa dissertação não se

propõe a distinguir as correntes. Trataremos aqui apenas do que se considera a principal corrente

atuante no século XX, e que teve maior difusão e adesão internacional, qual seja, o Racionalismo

baseado nos postulados de Le Corbusier, Mies Van der Rohe e Gropius e institucionalizado

através dos CIAMs15 e da Escola Bauhaus.

O primeiro CIAM aconteceu em 1928, na Suíça. porém seu documento mais importante, a

15 Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, do francês Congrès Internationaux d’Architecture Moderne.

Page 56: Janaina Almeida Stedile.pdf

56

Carta de Atenas, foi produzido na quarta conferência realizada na Grécia, em 1933. Esses encontros

deram origem à tendência conhecida como Estilo Internacional. Os arquitetos reunidos nos CIAMs

consideravam a Arquitetura e Urbanismo como um potencial instrumento político e econômico, que

deveria ser usado para promover o progresso social. A Carta de Atenas expressa esse entendimento,

estabelecendo diretrizes que devem ser aplicadas internacionalmente, considerando o conjunto da

humanidade como beneficiária do desenvolvimento da disciplina da Arquitetura.

Este desenvolvimento era calcado na leitura das necessidades humanas, contudo tínhamos

um ser humano padronizado, sem considerar as peculiaridades de cada um ou da cultura local.

Estabelecida as necessidades e o entendimento comum do que seria essas, a cidade deveria ser

planejada de modo funcional, na qual as necessidades devem estar colocadas e solucionadas,

através de métodos científicos, utilizando-se de gráficos, mapas, índices e diagramas (fluxogramas,

organogramas etc.). Como Montaner comenta no seu texto La historiografia Operativa del

Movimiento Moderno:

O pensamento dos protagonistas da Arquitetura moderna e os argumentos dos críticos que elaboraram a historiografia para construir o mito do movimento moderno se baseavam em uma série de premissas metodológicas.

(...)

A continuidade dessa tradição racionalista se expressou tanto na confiança no progresso técnico como a utilização do método mais estritamente cartesiano de decomposição da complexidade da realidade em seus elementos básicos. (MONTANER, 2013)16

As premissas da Arquitetura17 devem servir ao conjunto da sociedade e as respostas

apropriadas devem ser buscadas através de análises como meio de interpretação. São um ponto

de conexão entre o Estilo Internacional de Arquitetura e a Arquitetura de Interesse Público. No

entanto, as similaridades engendram também as diferenças, como veremos adiante.

O Estilo Internacional fundamenta-se na teoria de intervenção no coletivo de maneira

homogênea. A Arquitetura de Interesse Público baseia seu discurso no privilégio do bem comum

16 No original: El pensamiento de los protagonistas de la arquictetura moderna y los argumentos de los críticos que elaboraron la historiografia para construer el mito del movimiento moderno se basaban en una serie de premisas metodológicas.(…) La continuidad de esta tradición racionalista se expresó tanto en la confianza en el progresso técnico como en la utilización del método más estrictamente cartesiano de decomposición de la complejidad de la realidad en sus elementos básicos.17 Campo estendido no sentido de englobar as atividades correlatas e/ ou oriundas da Arquitetura tais como citado anteriormente: o Urbanismo, o desenho industrial etc.

Page 57: Janaina Almeida Stedile.pdf

57

(ou coletivo) através de ações heterogêneas e desprovidas da pretensão utópica. A Arquitetura

contemporânea, que privilegia a função econômica, destitui-se da tradição crítica e da utopia, não

tem como finalidade atuar para o bem comum e delegam às forças capitalistas a responsabilidade

de equalizar as questões sociais.

O ideal modernista da eficiência do método18, gerando uma Arquitetura pragmática, é

incorporado tanto pela chamada Arquitetura de Interesse econômico, quanto pela Arquitetura de

Interesse Público. Esta é fundamentalmente pragmática, na medida em que seu material básico

de trabalho é a realidade, e a construção do conhecimento surge da prática em campo.

Algumas das mais recentes críticas à Arquitetura contemporânea, como as que faz Montaner

(2001) em Arquitetura Y Crítica e Kwinter, Rajchman e Van Toorn (2013) em artigos publicados

na coletânea O Campo Ampliado da Arquitetura-Antologia Teórica, 1993-2009, apresentam

contundentes argumentos sobre a característica pragmática na Arquitetura contemporânea.

Esse novo paradigma arquitetônico, parafraseando o escritor holandês Harm Tilman, pressupõe um foco constante no método (no “como”), que deixa indefinidos “o quê” e “por quê”. Os arquitetos projetivos afirmam que, ao pesquisar sistematicamente a realidade com ajuda de diagramas e outros meios analíticos, os mais variados tipos de beleza, força e possibilidades latentes podem vir a tona. (VAN TOORN, 2013)

Se, por um lado, a Arquitetura contemporânea interesse econômico não pretende atender o

conjunto da humanidade, porém tal como o Estilo Internacional, reforça a figura do arquiteto-autor. A

Arquitetura de Interesse Público, em oposição, dissolve a figura do arquiteto como elemento central

dos processos, na medida em que se estabelece essencialmente através de coletivos horizontais e

redes de atuação, reforçando o produto e o resultado da ação e não o agente.

A Arquitetura de Interesse Público ao mesmo tempo em que se utiliza da infraestrutura do

sistema (as redes conformadas a partir de avanços tecnológicos), também trabalha no contra fluxo, na

medida em que pretende interferir ativamente na transformação do espaço com a intenção de melhorar

qualitativamente a vida das pessoas, sem esperar que o desenvolvimento econômico o faça.

Ao passo que Arquitetura de Interesse Público incorpora a característica originária das

vanguardas da Arquitetura do começo do século, ela também incorpora a crítica ao Movimento

18 Dispor de dados e organizá-los de determinada maneira, produzindo resultados práticos.

Page 58: Janaina Almeida Stedile.pdf

58

Modernista. Como colocado anteriormente, os pesquisadores americanos que vêm produzindo

estudos sobre a produção concordam em pontuar o início deste tipo de produção no ano de 1964,

com a fundação do Architects’ Renewal Committee no Harlem.

Não por acaso, a Arquitetura de Interesse Público possui vários pontos convergentes com

os movimentos críticos e contraculturais surgidos na décadas de 1950 e 60.

Contracultura é um conceito surgido nas décadas de 1950 e 60, nos Estados Unidos, e

designava as manifestações e práticas que rejeitam e questionam valores da cultura dominante, do

establishment, especialmente, apontando os problemas gerados pelo consumismo e pela sociedade

capitalista. Esse movimento também reverberou e influenciou no campo da Arquitetura. Harvey

ilustra o momento:

O Modernismo perdeu seu atrativo de antítodo revolucionário para alguma ideologia reacionária e ‘tradicionalista’. (...) Pior ainda, parecia que essa arte e essa cultura não podiam senão monumentalizar o poder corporativo ou estatal (...).

Foi esse o contexto em que vários movimentos contraculturais e antimodernistas dos anos 60 apareceram. Antagônicas às qualidades opressivas da racionalidade técnico-burocrática de base cientifica manifesta nas formas corporativas e estatais monolíticas e em outras formas de poder institucionalizado por meio de uma política ‘neo-esquerdista’ da incorporação de gestos antiautoritários e de hábitos iconoclastas (na música, no vestuário, na linguagem e no estilo de vida) e da crítica da vida cotidiana. Centrado nas Universidades, institutos de arte e nas margens culturais da vida na cidade grande, o movimento espraiou pelas ruas e culminou por um vasta onda de rebelião que chegou ao auge em Chicago, Paris, Praga, Cidade do México, Madri, Tóquio e Berlim na turbulência global de 1968. (HARVEY, 2001)

Naquele momento, as críticas ao racionalismo na Arquitetura começam a formar o que

viria a se constituir o que se chamou Pós-Modernismo. Um movimento formado por jovens

arquitetos, participantes dos CIAMs e que criticavam a geração anterior. O grupo, liderado pelo

casal inglês Allison e Peter Smithson e o holandês Aldo Van Eyck, teceu fortes críticas à Carta de

Atenas, e em lugar de apresentar abstrações teóricas, o grupo pesquisou as principais estruturas

do desenvolvimento urbano e responderam ao que consideravam um modelo simplista, com um

padrão mais complexo que pretendia relacionar o espaço com características sócio-psicológicas.

(FRAMPTON, 1997). A seguir partes extraídas da declarações feitas pelo grupo no IX CIAM:

O homem pode identificar-se de imediato com seu próprio lar, mas não se identifica facilmente com a cidade em que está situado.

“Pertencer” é uma necessidade emocional básica - suas associações são de ordem

Page 59: Janaina Almeida Stedile.pdf

59

mais simples. Do “pertencer”- identidade - provém o sentido enriquecedor da urbanidade. A ruazinha estreita da favela funciona muito bem exatamente onde fracassa com frequência o redesenvolvimento espaçoso. (Declaração Team X, no IX CIAM apud FRAMPTON, 1997)

O casal inglês apresenta no IX CIAM o emblemático projeto Urban Reidentification, no

qual questiona a leitura da cidade como uma máquina e sua separação por função (morar, trabalhar,

lazer e transporte) e reivindica o fortalecimento das associações humanas através de hierarquias

de identificação urbana. A esse respeito, Paola Jacques (2003) faz uma interessante observação:

O interessante a notar nesse projeto é que pela primeira vez no CIAM apareceram, de forma explícita, fotografias de pessoas reais, no caso habitantes de slums (cortiços e favelas) de Londres, fotografados por Nigel Henderson, colega do casal Smithson do The Independent Group Londrino, ligado ao ICA e aos situacionistas. Os Smithsons costumam dizer que na Carta de Atenas “o que faltava era o homem”. (JACQUES, 2003)

A partir da crítica tecida no IX Congresso, o grupo ficou responsável em organizar o

CIAM X, daí provém o nome do Team X. Devido as profundas críticas à tirania do consenso

cartesiano (Aldo Van Eyck apud JACQUES, 2003) a organização do X CIAM gerou sua própria

dissolução em 1956. Há divergência entre os autores se esse teria sido o último CIAM ou o

primeiro Congresso do Team X.

Os participantes do X CIAM tentaram redigir a Carta Habitat para substituir a Carta

de Atenas. No entanto, a emergência de questões como diversidade e singularidade tornaram

impossível a criação de uma doutrina genérica e internacionalmente operacional como a Carta

de Atenas e os próprios CIAMs. (JACQUES, 2003)

As críticas, cada vez mais dirigidas ao próprio formato organizacional dos arquitetos,

provocou a necessidade de se estabelecer um diálogo à margem das instituições. Destaca-se

nesse período a influência dos movimentos de contracultura, especialmente The Independent

Group e a Internacional Situacionista (IS) que transitavam entre os espaços das instituições e as

organizações independentes.

Para Jacques (2003), o holandês Aldo van Eyck era o caso mais explícito desse intercâmbio.

Eyck, juntamente com Constant e Asger Jorn, fundou o grupo Cobra que deu origem à Internacional

Situacionista. Eles também redigiram juntos o manifesto Voor een spaticaal colorisme (Em favor de

uma espacialidade colorida). Van Eyck e Jaap Bakema, membro do Team X, foram responsáveis,

em 1959, pela linha editorial da revista Fórum, que publicou diversos textos situacionistas.

Page 60: Janaina Almeida Stedile.pdf

60

Vale observar que Jaap Bakema foi tema da seção holandesa na Bienal de Veneza de

2014, com a exposição A Bakema Celebration.

A chamada Internacional Situacionista foi uma organização de artistas e intelectuais

fundada em 1957, porém, Jacques, inicia sua coletânea de textos situacionistas dois anos antes,

com a Introdução à Critica da Geografia Urbana, de Guy-Ernest Debord (2003), publicado na

revista Les Lèvres nues n° 6. Nesse texto, estão expostos os princípios de atuação que depois a

Internacional Situacionista irá desenvolver.

Para Debord (2003), a análise do meio urbano para a construção de um novo modo de vida

deve vir da psicogeografia que, segundo ele, trata-se de um conjunto de fenômenos observados

em processo de acaso e imprevisibilidade. Ele critica não só o método de apreensão da realidade,

mas a própria cidade moderna moldada pelo interesse do capital

Ao contrário do Team X, dos Situacionistas e demais movimentos críticos ao Estilo

Internacional, não se verifica pretensões de manifestos unificadores entre os atores da Arquitetura

de Interesse Público, ao contrário, os discursos encontrados são diversos, possuem uma agenda

própria, e se estabelecem em bases organizacionais que melhor lhes convêm.

A diversidade no formato organizativo do grupo demonstra um incentivo para a

incorporação dessas mesmas características no processo projetual. Nos casos referenciais o grupo

Architecture for Humanity, é uma entidade sem fins lucrativos organizada em bases de rede de

conexão entre arquitetos e a comunidade; Rural Studio é um programa de extensão universitária,

e o Grupo Usina é um coletivo autogestionário.

Além dessas, há outros pontos comuns entre a Arquitetura de Interesse Público e os

movimentos críticos da década de 50-60. Dentre outros, podemos citar a pesquisa da realidade

concreta do lugar utilizando-se parâmetros das Ciências Sociais e a melhoria das proposições

através de experiências práticas, respectivamente ilustrados nas casas 20K do Rural Studio e no

conjunto da obra do grupo Usina.

Também é próprio da Arquitetura de Interesse Público dar visibilidade aos problemas

reais, através da denúncia da realidade, que fundamenta a justificativa de pertinência dos seus

projetos. O projeto Biloxi Houses, do grupo Architecture For Humanity, que atendeu às famílias

vítimas do furacão Katrina no Mississipi, dá rostos aos vitimados, bem como Rural Studio

Page 61: Janaina Almeida Stedile.pdf

61

pretende trabalhar com uma comunidade rural pobre e esquecida no noroeste do Alabama, e o

grupo Usina que expõe a questão da moradia precária na periferia da cidade de São Paulo.

Os coletivos de Arquitetura de Interesse Público em vários momentos declaram a intenção

de fortalecer as associações humanas através de hierarquias de identificação urbana, como

preconizava os Smithsons. Este aspecto pode ser encontrado na gradação de praças propostas

pelo projeto do Comuna Urbana do grupo Usina.

Por fim, os coletivos de Arquitetura de Interesse Público são conscientes das condições

de vida que lhes são impostas em todos os setores, e dos meios práticos de mudar essa situação.

2.3 Cenário da produção contemporânea de Arquitetura de Interesse Público

Neste item iremos apresentar de maneira abreviada a pesquisa mais ampla sobre a

discussão de Arquitetura de Interesse Público, formando um cenário divido em: Teoria crítica,

Exposições, Publicações e Atores.

O objetivo é construir um cenário, em que mostre a proeminência e interesse no debate,

entre os vários aspectos, sem a necessidade de descrever todos os eventos e atores.

Com exceção de Teoria Crítica, onde citamos trabalhos recentes que levantam a questão do

compromisso ético na Arquitetura de uma maneira abrangente, os demais trataram objetivamente

da Arquitetura de Interesse Público.

Na temática Exposições serão consideradas apenas as mais relevantes, acolhidas em

instituições de prestígio.

Na temática Publicações serão arrolados livros, filmes, artigos de revista e sites que

promovem diretamente a divulgação da prática.

No quesito Atores, falaremos daqueles que tiveram seus trabalhos reconhecidos pela

característica da Arquitetura de Interesse Público, apresentados em exposições e publicações.

Page 62: Janaina Almeida Stedile.pdf

62

2.3.1 Universo teórico

O historiador de Arquitetura e Urbanismo francês Jean-Louis Cohen, no livro O futuro

da Arquitetura desde 1889- Uma História Mundial, dedica apenas o último parágrafo do livro

ao que ele chama de expectativas sociais persistentes. Neste pequeno texto ele se limita a dizer

que os movimentos de engajamento social seguem atuando de forma marginalizada, apontando

algumas exceções como Shigeru Ban, Rural Studio e Patrick Bouchain. E afirma que Arquitetura

do final do século XX abandonou seu compromisso com a sociedade, característica da prática

profissional da primeira metade do século XX.

Montaner (2013), por outro lado, no capítulo Últimas interpretações na era pós-

estruturalista, aponta no subcapítulo “Uma nova ética para a Arquitetura”, que o retorno às

responsabilidades éticas da Arquitetura, e um olhar focado nas relações humanas e não apenas

objeto construído, não é um assunto tão abandonado assim.

Montaner cita o professor de filosofia na escola de Arquitetura de Yale, Karsten Harries,

que em seu livro The Ethical Function of Architecture, de 1998, defende a revisão de elementos

que agregam valores à Arquitetura, tais como o atendimento a valores de diversidade social,

cultural e ética.

Em seguida, fala das considerações do arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa que tem

buscado, através de pesquisa da obra de Alvar Aalto e Norberg-Shulz, uma Arquitetura mais

humana. E, frequentemente, tem associado a Arquitetura a outras artes como a pintura e o cinema.

Tanto Harries como Pallasmaa entendem que a Arquitetura só pode ser considerada a partir de

uma recuperação de valores éticos e humanistas.

Sob o aspecto étnico, Montaner cita ainda o engenheiro-arquiteto e filósofo Dalibor Vesely

que tem proposto uma crítica histórica e conceitual, partindo da fenomenologia de Edmund

Husserls e da hermenêutica de Hans-Georg Gadamer.

Sobre a crítica estadunidense ele cita Dolores Hayden, professora de Yale que se destaca

pelas investigações no campo da identidade, gênero, utopias da vida comunitária e pela crítica

ao subúrbio e ao espraiamento (sprawl). Também comenta as pesquisas do sociólogo marxista

Mike Davis no campo do Urbanismo. Sua lista continua com nomes como Diane Agrest, Mario

Gandelsonas, Beatriz Colomina, Mark Wigley e K. Michael Hays.

Page 63: Janaina Almeida Stedile.pdf

63

A pesquisa adiciona outros teóricos à lista de Montaner, como Deborah Berke em

Pensamentos sobre o cotidiano; Samuel Mockbee em O Rural Studio; Sanford Kwinter no seu

texto Mach 1 (e outras visitações míticas) e John Rajchman em Um novo pragmatismo.

Faz-se importante citar o designer canadense Bruce Mau, (coautor com Koolhaas do livro

S, M, L, XL), fundador do Institute Without Boundaries que recebe anualmente estudantes de

pós-graduação para trabalhar no seu laboratório de pesquisas e colaborar no que ele chama de:

projeto intelectual Público (MAU, 2004). Massive Change é o livro tese de Mau, em que ele

defende o poder transformador do design.

O americano Brian Bell (2013) é um dos principais pesquisadores e incentivadores da

área de Arquitetura de Interesse Público, com diversos livros e uma rede de dados estruturada

na internet e em oficinas de formação em centros universitários. Sua pesquisa: Wisdom from the

field: Public Interest Architecture in Practice, foi importante fonte secundária desta dissertação.

Não poderíamos dizer que a pesquisa de Bell se encontra em um campo crítico, mas é bastante

elucidativa a respeito da dimensão e impactos da produção.

No Brasil, a chamada Escola Paulista de Arquitetura, da segunda geração do Modernismo

brasileiro, é formada a partir dos entendimentos da função social da arquitetura do arquiteto

Vilanova Artigas.

Artigas, um dos mais importantes arquitetos brasileiros, que recebeu da Union

Internationale des Architectes – UIA os prêmios Jean Tschumi (1972), por sua contribuição ao

ensino de Arquitetura, e Auguste Perret (1985), por sua obra construída, possui dois textos que

influencia gerações de arquitetos. Em O desenho (1967), o professor procura delinear o papel

da Arquitetura através da história crítica; em A Função Social do Arquiteto reforça o conceito,

que permeia toda a sua obra acadêmica e profissional, da responsabilidade da Arquitetura com

o desenvolvimento humano.

Em primeiro lugar, eu queria chamar atenção para o fato de a Arquitetura como tal ser ela mesma uma arte com finalidade. E a própria ideia de especificidade da Arquitetura, e essa finalidade exatamente a necessidade social da Arquitetura representar alguma coisa no campo da sociedade. (ARTIGAS, 2004)

Herdeiros de Artigas, mas afastados do ideário formal do Modernismo, podemos citar as

pesquisas posteriores de Sérgio Ferro com relação ao Canteiro; as pesquisas ainda correntes sobre a

Page 64: Janaina Almeida Stedile.pdf

64

História da habitação social, de Nabil Bonduki e Raquel Rolnik; além dos arquitetos ligados à questão

do Direito à Cidade, tais como Ermínia Maricato, Nadia Somekh e João Whitaker, dentre outros.

Deve-se citar outros autores que apontaram caminhos fundamentais no desenvolvimento

dessa dissertação, mas se encontram em um campo mais amplo de debate: Arendt, Benjamin,

Habermas, Bauman, Castells, Zizek e Harvey.

2.3.2 Exposições

Em 1977 institui-se o prêmio anual de Arquitetura Aka Khan, com o propósito de premiar

projetos que tenham um impacto significativo na sociedade islâmica, e que seja considerado um

projeto completo, no sentido de função e uso; por essa razão os projetos só podem se candidatar

após três anos de construção. O prêmio demonstra uma preocupação estética, provinda da ênfase

social e cultural do projeto.

O grupo Public Interest Design aponta Structures for Inclusion19 no ano 2000 como

a primeira conferência sobre o tema. Sediada na Universidade americana de Princeton, tinha

como tema Designing for the 98% Without Architects20. A conferência que vem se realizando

anualmente terá como tema em 2015: Resilience of Mind, Body and Spirit21.

Apenas em 2007 se organiza a próxima exposição no Cooper-Hewitt National Design

Museum, em Nova York, com o tema Design for the other 90%22, com curadoria de Cynthia

Smith. Esta mesma exposição foi re-editada em 2011 na sede da ONU. Em 2010 no MOMA23

é realizada a exposição Small Scale, Big Change24 com a curadoria de Andres Lepik.

Antes disso, vale a penar citar a exibição cancelada de 2003: The Politics of Israeli

Architecture, uma proposta comissionada pela Israeli Association of United Architects (IAUA),

com intuito de ser a contribuição de Israel para o Congresso Internacional dos Arquitetos de

Berlim, em 2002.

19 Estruturas para a inclusão.20 Projetando para os 98% sem-arquitetos.21 Resiliência da mente, corpo e espírito.22 Projeto para os outros 90%.

Page 65: Janaina Almeida Stedile.pdf

65

A proposta dos autores Segal e Weizman consistia em explorar o papel da Arquitetura

nos territórios ocupados da Palestina, entendendo quais eram as estratégias arquitetônicas que

vinham sendo usadas para o controle do território e demonstração de poder.

O IAUA se opôs à proposta e negou suporte financeiro para sua realização, alegando

problemas orçamentários; além disso eles incineraram cinco mil cópias impressas dos catálogos

da exposição. No ano de 2003, o catálogo foi finalmente reimpresso com o nome A Civilian

Occupation25, cuja a capa do catálogo mostraremos a seguir:

23 Museum of Modern Art.24 Pequena escala, grande mudança. 25 Uma ocupação civil,.

fiGura 15 - Capa do catálogo da exposição A civilian occupation THE POLITICS Of ISRAEL ARCHITECTUR. Fonte: (SPATIAL AGENCY, 2003)

Page 66: Janaina Almeida Stedile.pdf

66

Outros importantes encontros foram a 4ª Bienal Internacional de Rotterdam de 2009 e

2010, com o tema Open City-Design to Coexistence26, 13ª Bienal Internacional de Arquitetura

de Veneza, com o tema: Common Ground27, com curadoria de David Chipperfield, e no Brasil

podemos destacar a Nona Bienal de Arquitetura de São Paulo de 2012, cujo o tema era Arquitetura

para todos: construindo cidadania.

A Bienal de Veneza de 2014, com curadoria de Rem Koolhaas, se coloca como um caso

a parte, na medida em que não foca a exposição de projetos engajados, mas que deve ser citada,

pois discute conceitos pertinentes da atuação dos coletivos. Fundamental critica a Arquitetura

baseada em ícones e a figura do arquiteto autor, através da exposição Elements of Architecture28,

analisando de maneira fragmentada os elementos que conformam a arquitetura, como a parede,

teto, fachada, varanda etc. Koolhaas comenta, no texto de abertura do catálogo, que a exposição

é sobre arquitetura e não sobre arquitetos.

2.3.3 Publicações

A rede de t e lev i são Al Jazeera , s i tuada no Ca ta r, maior ve ícu lo

de comunicação do mundo árabe e canal de informação para o ocidente, lançou em

julho de 2014 uma série de seis documentários intitulados Rebel Architecture29.

A série mostra arquitetos usando o projeto como forma de ativismo e resistência para

enfrentar as crises urbanas, ambientais e sociais do mundo. Os episódios mostram arquitetos,

atuantes na Espanha, no Vietnã, Nigéria, Palestina, Paquistão e Brasil, que acreditam que podem

fazer mais que icônicas torres ou luxuosos prédios de apartamento, mudando a perspectiva de

Arquitetura de elite para o projeto da maioria. (AL JAZEERA, 2014)

A Arquitetura sempre definiu o mundo humano, desde as simples estruturas até os maiores monumentos. Mas uma rebelião está a caminho, liderada por uma nova geração de arquitetos que colocam o ser humano antes dos ícones, e que usam suas ferramentas e treinamento para reestruturar seu entorno e redefinir a profissão. (REBEL ARCHITECTURE, 2014)

26 Cidade aberta. Projeto para a coexistência.

27 Terreno Comum.

28 Elementos da arquitetura.

29 Arquitetura Rebelde.

Page 67: Janaina Almeida Stedile.pdf

67

A série de documentários além de apresentar um panorama da produção em praticamente

todos os continentes, demonstrando que há debates em meios de comunicação que não são

específicos da área de Arquitetura.

O livro Building Community: A New Future for Architecture Education and Practice30, de

1996, foi o primeiro mapeado que trata especificamente do assunto. De autoria de Ernest Boyer

e Lee D. Mitgang, foi publicado pela Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching.

Boyer e Lee discutem a importância da Arquitetura para a sociedade, e fazem uma chamada a uma renovação no foco da disciplina a partir dos benefícios Públicos que a Arquitetura pode gerar. O livro sugere que a disciplina de Arquitetura deveria ser incorporada à Educação fundamental, com a intenção de formar cidadãos mais conscientes sobre as necessidades espaciais da sociedade. (AIA COMMUNICATIONS AND KNOWLEDGE RESOURCES STAFF).

Outras duas publicações importantes na divulgação da produção são do grupo Architecture

for Humanity: Design Like You Give A Damn: Architectural Responses To Humanitarian Crises31,

de 2006, e Design Like you give a damn-Building Change from the Ground Up32, de 2012.

Os livros documentam mais de 100 projetos de Arquitetura de Interesse Público nos cinco

continentes. Através de entrevistas e estudos de caso o grupo argumenta o poder da Arquitetura

de re-imaginar comunidades e melhorar a qualidade de vida. Os projetos abarcam uma amplitude

de temas desde abrigos para refugiados, um parque de skate no Afeganistão, até as políticas

públicas brasileiras para as favelas.

Podemos citar também: Expanding Architecture: Design as Activism33, de Brian Bell et

al, publicado em 2008; Small Scale Big Change. New architectures of Social Engagement 34, de

2010, escrito por Andres Lepik; Beyond Shelter: Architecture and Human Dignity35, de Alfredo

26 Cidade aberta. Projeto para a coexistência.

27 Terreno Comum.

28 Elementos da arquitetura.

29 Arquitetura Rebelde.

30 Construíndo comunidades: Um novo futuro para a educação e prática de Arquitetura.

31 Projeto, como se você se interessasse- Respostas da Arquitetura para a crise humanitária.

32Projeto, como se você se interessasse- Construindo mudanças de baixo para cima.

33 Expandindo Arquitetura. Desenho como ativismo.

34 Pequena escala, grande mundaça. Novas Arquiteturas de engajamento social.

Page 68: Janaina Almeida Stedile.pdf

68

Brillembourg et al, publicado em 2011; Design For The Other 90%36, de 2007 e Design with

the Other 90%: Cities37, de 2011, ambos de autoria de Cynthia E. Smith; Architecture for Rapid

Change and Scarce Resources38, , de 2012, de Sumita Sinha; Design Revolution-100 Products

That Empower People39, de 2009, de autoria de Emily Pilloton; Elemental, manual de vivienda

incremental y diseño participativo40 dos arquitetos Alejandro Aravenan e Andrés Iacobelli, de

2013; Humanitarian Architecture: 15 stories of architects working after disaster41, publicado

recentemente em agosto de 2014, de autoria de Esther Charlesworth; a autora tem um livro

anterior de 2006 que também trata do assunto: Architects Without Frontiers.42

Em 2014 são publicados três livros sobre o assunto: Shigeru Ban: Humanitarian

Architecture43, publicação que condensa os projetos de abrigos para refugiados de Shigeru Ban;

The Architecture of Change: Building a Better World44, escrito por Jerilou Hammett e Maggie

Wrigley; NEEDS - Architecture in Developing Countries45, editado por Salvatore Spataro e

GGAF46

An Architektur é uma publicação impressa iniciada em 2002, do coletivo alemão Freies

Fach, que pretende discutir aspectos político-sociais e, em particular, os efeitos da economia

neoliberal na Arquitetura. Podem ser destacados temas como migração, e a relação entre guerra

e produção espacial.

35 Além do Abrigo: Arquitetura e dignidade humana.

36 Projeto para os outros 90%.

37 Projetando com os outros 90%: cidades.

38 Arquitetura para Mudança Rápida e Recursos Escassos.

39 Revolução do desenho. 100 produtos que empoderam pessoas.

40 Elemental: manual de incremento residencial e desenho participativo.

41Arquitetura Humanitária: 15 histórias sobre arquitetos trabalhando depois do desastre.

42 Arquitetura sem fronteiras.

43 Shigeru Ban: Arquitetura Humanitária.

44 A Arquitetura da Mudança: Construindo um Mundo Melhor.

45 NECESSIDADES - Arquitetura nos Países em Desenvolvimento.46 Gruppo Giovani Architetti Firenze- Grupo de Jovens arquitetos de Firenze.

Page 69: Janaina Almeida Stedile.pdf

69

fiGura 16 - Capa da revista An Architektur. Fonte: (SPATIAL AGENCY)

Devem ser citadas as revistas de Arquitetura on-line que têm exercido papel importante de

divulgação da temática, tais como: Archdaily, Design indaba-a better world through creativity,

PUBLIC Journal, dentre outras.

Archdaily é um dos maiores sites de notícias sobre Arquitetura. A pesquisa do termo

Interest Public Design na ferramenta interna de busca do site relacionou 30.900 artigos sobre

o assunto. Com destaque para o texto “After the Meltdown: Where does Architecture go from

here?”47, apresenta-se a seguir o gráfico elaborado por Megan Jett para demonstrar o crescimento

da produção de Arquitetura de Interesse Público.

47 “Depois do derretimento: Para onde vai a Arquitetura a partir daqui?”

Page 70: Janaina Almeida Stedile.pdf

70

2.3.4 Atores

Neste ponto pode-se afirmar que existe diversidade organizacional e agendas heterogêneas

entre os atores da Arquitetura de Interesse Público. O que nos parece similar é o entendimento

do compromisso com desenvolvimento humano, do conjunto da sociedade.

No geral, os profissionais de Arquitetura de Interesse Público se organizam em rede em

coletivos horizontais, mas também há quem produza a Arquitetura de Interesse Público dentro

da estrutura tradicional do escritório, ou em programas de extensão universitária e programas

incentivados pelo poder público.

Os programas de extensão universitária dentro das escolas de Arquitetura exercem

importante papel na formação dos estudantes, além de produzirem conhecimento cientifico

ligado a estratégias de atuação e construção. Nos Estados Unidos e Europa este formato é um

dos mais relevantes, como comenta Bell:

fiGura 17- Crescimento da Arquitetura de Interesse Público. Megan Jett. Fonte: (JETT, 2012)

Page 71: Janaina Almeida Stedile.pdf

71

O significante interesse é também evidente no currículo das Escolas de Arquitetura nacional e internacionalmente. Somente nos Estados Unidos, de acordo com ACSA48, atualmente mais de 70% das Escolas de Arquitetura têm disciplina de projeto de construção de casa com uma agenda social para servir a comunidades carentes. Mais significativamente, em termos de nossa pesquisa, há quinze programas em design de interesse Público, a maioria deles instaurados nos últimos dois anos. A opção por Design de Interesse Público, como a nossa evidência sugere é, ao mesmo tempo, antigo e reflete uma onda de interesse recente dos profissionais e escolas de Arquitetura e nas comunidades que servem. (BELL, 2013)49

No Brasil, as experiências dos programas de extensão universitária na década de 60, são

interrompidas abruptamente pelo golpe militar de 1964. São retomadas com grande intensidade

na década de 80, com destaque para o Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura

da Universidade Belas Artes em São Paulo. A partir da década de 90, há profusão de abertura

de Programas de Extensão Universitária pelo país, entretanto esses programas, na sua maioria,

possuem uma postura mais analítica do que propositiva.

Um dos formadores do Laboratório de Habitação da Belas Artes, o arquiteto Joan Villá,

é contratado posteriormente pela Universidade de Campinas para desenvolver uma série de

construções. Villá desenvolve um painel autoportante, feito de blocos cerâmicos comuns, numa

tentativa de fornecer certa industrialização e padronização em um cenário brasileiro de canteiro

arcaico. A premissa da racionalização do canteiro não só como possibilidade construtiva, mas

como possibilidade estética permeou todos os seus projetos, mesmo os projetos de residências

unifamiliares. A moradia de estudantes da Universidade de Campinas talvez seja o melhor

exemplo dessa premissa, como mostra a figura a seguir:

48 Association of Collegiate Schools of Architecture.49 No original : This significant interest is also evident in the curriculum of architecture schools nationally and internationally. In the U.S. alone, according to the ACSA, currently more than 70% of schools of architecture have in-house design build programs, most with a social agenda to provide services to communities in need. More significantly, in terms of our research, there are fifteen programs in public interest design, most founded in the last two years. The interest in public interest design, as our evidence suggests, is both long-standing and reflects a groundswell of recent interest in practitioners, schools of architecture and the communities they serve.

Page 72: Janaina Almeida Stedile.pdf

72

fiGura 18 - Vista aérea da moradia estudantil UNICAMP. Foto: Stepan Norair Chahinian. Fonte: (CHAHINIAN, 2013)

Na Europa, podemos ver grandes centros de pesquisa e institutos envolvidos na produção,

como Urban Think Tank, da Universidade de Zurich, com projetos inclusive para a favela de

Paraisópolis, em São Paulo. E o próprio Instituto Holandês de Arquitetura (NAI)50 tem um

programa de ateliês propositivos com a temática Arquitetura não solicitada.

Na questão da prática profissional, a pesquisa de Bell (2013) aplicou um questionário a

380 membros do AIA51 que revelou que 81% dos arquitetos entrevistados declaram que estão

envolvidos em algum Projeto de caráter social; 77% já realizaram projetos pro bono ou com custo

reduzido; 81% dos entrevistados declararam que seu interesse em questões sociais aumentou

desde que entraram na Escola de Arquitetura.

No Brasil, poderíamos destacar o Movimento por Reforma Urbana, que reúne profissionais

liberais de diversas áreas como advogados, geógrafos e urbanistas, acadêmicos, ONGs e

Movimentos por Moradia. O Movimento por Reforma Urbana contribuiu para a conquista de

importantes marcos nas leis urbanas brasileiras, como o Estatuto da Cidade e a Lei do Fundo

Nacional de Moradia Social, criação do Ministério das Cidades e da Conferência Nacional das

51 The American Institute of Architects. Tradução da autora: Instituto Americano de Arquitetos.

50 NAI - Netherlands Architecture Institute.

Page 73: Janaina Almeida Stedile.pdf

73

Cidades. O Movimento por Reforma Urbana, por ter objetivos, mais amplos não caberia aqui

como referência de Arquitetura de Interesse Público, já que o seu foco não é Arquitetura, mas

leis que regulamentem o acesso à cidade para todos.

No tocante ao continente europeu, o próprio estudo de Bell (2013) justifica a presença

do Estado como promotor de projetos que visam equilibrar algum desajuste social. Entretanto,

poderíamos citar o espanhol Santiago Cirugeda, arquiteto e ativista, que trabalha na recuperação

de espaços Públicos em Sevilha. Seus trabalhos são ilegais do ponto de vista da legislação urbana

e são feitos de forma autônoma, a partir de uma avaliação da demanda local.

No documentário produzido pela rede de TV Al Jazeera, Cirugeda expõe sua opinião

sobre Arquitetura:

Arquitetura contemporânea gira em torno de “oh que projeto bonito...” Mas Arquitetura é mais que isso; deveria ser funcional, barata. A Arquitetura deveria ser uma razão de estarmos juntos, e é isto que temos feito. (AL JAZEERA, 2014)

Cabe citar outros grupos na Europa, quais sejam: Espanha, Recetas Urbanas e Todos por

la práxis. Na França, o arquiteto Patrick Bouchain, o grupo Mass, Architectes Sans Frontières.

Em Berlim, o grupo Atelier Lebalto. Na Itália, o grupo Orizzontale e com dupla sede - Paris e

Berlim - o Constructlab.

Habitat International Coalition52, organização de origem holandesa, mas presente em

diversos lugares do mundo, foi fundada em 1976 como um compromisso da sociedade civil

com o Habitat Fórum, que acontecia em paralelo à Conferencia de Assentamentos Humanos das

Nações Unidas-Habitat 1, em Vancouver, Canadá. (HABITAT INTERNATIONAL COALITION)

Entre as de origem norte-americana cabe mencionar o Architecture for Humanity, Rural

Studio, Architects, Designers and Planners for Social Responsibility, Design Corp, Converge:

Exchange, Hester Street Collaborative’s, dentro outros.

O grupo Asa – Active Social Architecture fundado por dois europeus: Tomà Berlanda

e Nerea Amoró, funciona em Kigali, Rwanda. Um dos projetos do grupo é Centro de

Desenvolvimento Infantil Bugesera53, que contempla uma edificação escolar e centro comunitário,

a ser implementado pelo governo de Rwanda. Comissionados pelo Plano de Rwanda, o projeto é 52 Coalisão Internacional para o Habitat.53 Early Childhood Development.

Page 74: Janaina Almeida Stedile.pdf

74

A África do Sul é o país sede do grupo Architecture For a Change, e como prática

individual, destaca-se o escritório nigeriano de Arquitetura Nlé.

Na Ásia, o arquiteto japonês Shigeru Ban, a paquistanesa Yasmeen Lari. Na Palestina, Eyal

Weizman e o escritório de Arquitetura chinês Amateur Architecture Studio, encabeçado por Wang

Shu e Lu Wenyu. Esta pesquisa mapeou apenas um coletivo organizado no formato horizontal,

o Atelier Bow-Wow sediado em Tóquio, no entanto, as características como preocupação com

o bem-comum, participação ativa dos usuários na construção das propostas, técnicas e soluções

construtivas oriundas da prática são mantidas na produção desses arquitetos.

resultado de dois anos de pesquisa focada em entender o impacto do espaço no desenvolvimento

da criança e o papel da Arquitetura em dialogar com a comunidade. A ideia do projeto é que ele

possa servir a outras atividades da comunidade, nos horários em que não está sendo usado como

escola. A seguir, imagem do projeto implantado.

fiGura 19 - Escola infantil em Ruanda do Grupo ASA. Fonte: (ASA, 2012)

Page 75: Janaina Almeida Stedile.pdf

75

A arquiteta Yasmeen Lari declara no episódio da rede de Tv Al Jazeera, sobre sua obra:

Antigamente, nós estudávamos os livros que os britânicos nos davam. Agora nós temos escrito nosso próprios livros. Nós precisamos escrever muito mais livros nossos. Porque nossa interpretação será diferente. Nós temos muito o que fazer se nós queremos que a Arquitetura diga a respeito sobre nossa realidade. (AL JAZEERA, 2014)

Na América Latina, pode-se mencionar o escritório de Arquitetura chileno Elemental,

no México Teddy Cruz, na Argentina, o grupo M7red.

O escritório chileno subverte a linha de pensamento que comumente se estabelece como

regra para habitação de interesse social: apesar de considerar-se 80 m² o tamanho mínimo de uma

casa para uma família de tamanho médio, em geral, os programas habitacionais governamentais

oferecem residências de interesse social com aproximadamente 40 m². Em lugar de diminuir

proporcionalmente uma casa, para atender em metade da área todos os ambientes compositivos,

o arquiteto propõe que se entregue metade de uma casa de 80 m², a parte que é mais custosa,

como as chamadas áreas molhadas (cozinha e banheiro) e estrutura. A seguir, imagens do projeto.

fiGura 20 - Imagem do Conjunto Quinta Monroy na entrega da obra. Fonte: (ELEMENTAL ARQUITECTURA, 2004)

Page 76: Janaina Almeida Stedile.pdf

76

fiGura 21- Imagem do Conjunto Quinta Monroy na entrega da obra. Fonte: (ELEMENTAL ARQUITECTURA, 2004)

Page 77: Janaina Almeida Stedile.pdf

77

3. Casos Referenciais

Os três casos referenciais desta dissertação foram escolhidos pelo seu reconhecimento

como organizações de relevância entre seus pares arquitetos, por suas produções consistentes com

a definição de Arquitetura de Interesse Público, por terem participado de diversas publicações,

exposições e estudos, e por se configurarem como coletivos de organização horizontal.

Dois grupos são norte-americanos, e o terceiro, brasileiro. Do grupo Architecture for

Humanity foi escolhido o programa Modelo Biloxi; do Rural Studio, quatro casas, três delas do

programa 20K House, e o projeto Comuna Urbana, do grupo Usina. A seguir se faz uma breve

consideração sobre os grupos, na intenção de validar suas eleições.

Architecture for humanity

O grupo Architecture for Humanity se estabelece, não como um coletivo de projeto,

mas como uma rede de conexão entre mais de 50.000 profissionais com grupos comunitários,

organizações sociais e agências governamentais. O grupo tem por objetivo prestar serviços de

projeto de Arquitetura e construção. Eles dividem as áreas de atuação em: reconstrução pós-

desastre, ativação de espaços, resiliência comunitária e espaço de educação. Sua missão é gerenciar

todos os aspectos do processo de projeto e construção, incluindo captação de recursos para sua

execução, além de programas de sensibilização, formação e divulgação, onde esses serviços se

fazem mais urgentes e necessários. (ARCHITECTURE FOR HUMANITY)

A imagem seguinte, ilustra a estrutura de trabalho desse grupo:

Page 78: Janaina Almeida Stedile.pdf

78

fiGura 22 - Quadro explicativo de processo de atuaçao AFH. Fonte: (ARCHITECTURE FOR HUMANITY)

Page 79: Janaina Almeida Stedile.pdf

79

A organização foi fundada em 1999, por Cameron Sinclair e Kate Stohr, a partir

do desafio que ambos lançaram na internet de criar abrigos para os refugiados em

Kosovo. A chamada resultou em centenas projetos apresentados por arquitetos do mundo

inteiro, sem nenhuma retribuição financeira. A partir daí, a dupla passou a investigar

onde havia necessidade de atuação de arquitetos e colocar on-line outros desafios.

Depois de inúmeras chamadas, em 2005, eles adotaram o modelo open source54, onde

todas as informações de projetos estão disponíveis on-line, no site openarchitecturenetwork.org.

E começam a organizar o trabalhos em chapters, cada um é relativo a uma localidade específica,

e funciona como uma sede local da organização. Atualmente, 60 chapters estão em atividade, a

maior parte deles são relativos a cidades norte-americanas.

Cameron Sinclair, fundador do grupo, no prefácio do Relatório Anual de 2012, expressa os objetivos da entidade:

Nosso crescimento tem permitido expandir nossas áreas de responsabilidades: mitigação de desastres e reconstrução; redução da pobreza; inovação em design para as populações em situação de risco e combate às alterações climáticas através de design sustentável. Aprendemos que, em muitos casos com sucesso, enfrentar estes desafios sistêmicos exige soluções sistêmicas, e uma aplicação mais ampla do projeto e administração de obras. (ARCHITECTURE FOR HUMANITY, 2012)

Rural studio

O Rural Studio é um programa de extensão Universitária da Escola de Arquitetura da

Universidade de Aurburn, com 20 anos de existência e mais de 150 obras executadas no Condado

de Hale County, no estado do Alabama.

A escolha do Rural Studio está ligada ao pioneirismo de sua proposta e à notoriedade da

sua produção. A Casa David, dentro do programa 20K Houses, foi um dos projetos apresentados

na exposição do Small Scale Big Chances, no Moma. A Casa Ponte, a ser analisada neste trabalho,

foi apresentada na 13ª Bienal de Veneza, na exposição Spontaneous Interventions: Design Actions

for the Common Good55, a representação oficial dos Estados Unidos nessa Bienal.

54 Fonte de pesquisa livre.55 Intervenções espontâneas: ações para o bem comum.

Page 80: Janaina Almeida Stedile.pdf

80

Desde 1995 o programa já recebeu 25 prêmios de reconhecimento, entre eles: The

Education Honors Program, de The American Institute of Architects (AIA), em 1995; MacArthur

Genius Award, de John D. and Catherine T. MacArthur Foundation, em 2000; Archiprix

International Design Competition Honorable Mention, de Archiprix International, sediado na

cidade de Delft, Holanda, em 2001; Use Your Life Award, de Oprah’s Angel Network no mesmo

ano; em 2002 recebeu o Creative Excellence Award da International Interior Design Association,

de NEOCON World Trades Fair; Creative Integration Of Practice And Education In The Academy

do National Council of Architecture Registration Board (NCARB) e o Annual Design Review

Environmental Award, da ID Magazine.

usina

O grupo Usina – centro para o ambiente habitado, formou-se em um contexto político

particular na cidade de São Paulo, na gestão da prefeita Luiza Erundina. Esta gestão foi marcada

pela articulação entre movimentos de luta por moradia, setores universitários ligados aos

laboratórios de habitação da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo e Faculdade

de Belas Artes, passando a ser promotora de um novo formato de geração de habitação.

Desde 1990, se constituiu como um coletivo autogestionário que contabiliza 4.300

unidades habitacionais, e equipamentos públicos como creches e centros comunitários. O Usina

atua principalmente junto aos movimentos sociais, e parte da ideia de que os trabalhadores

devem participar de todas as etapas – planejamento, projeto e construção – como uma forma de

empoderamento dos processo políticos e sociais ligados à conquista da moradia.

O Coletivo também já produziu planos urbanísticos, projetos de urbanização de favelas

e auxiliou na formação e organização de cooperativas de trabalho.

Em 2013 participou da exposição: O abrigo e o terreno, no MAR - Museu de Arte do

Rio, com curadoria de Clarissa Diniz e Paulo Herkenhoff, e 33º Panorama de Arte Brasileira,

no MAM – Museu de Arte Moderna, com curadoria de Lisette Lagnado. (USINA)

Page 81: Janaina Almeida Stedile.pdf

81

3.1 Biloxi Houses

Biloxi é uma cidade localizada no litoral do Golfo do México, no Estado do Mississipi.

É a quinta cidade mais populosa do estado e sua porção leste foi uma das partes do país mais

atingidas pelo furacão Katrina, que afetou 90% de suas construções, parcial ou completamente.

fiGura 23 - Mapa das construções afetadas em Biloxi. (U.S. DEPARTMENT OF HOUSING AND URBAN DEVELOPMENT, 2013)

O Projeto Biloxi faz parte de uma rede de organizações e programas postos em prática

na cidade. Tem por finalidade projetar e financiar casas econômicas, sustentáveis e de rápida

execução, mas procura estabelecer critérios construtivos para áreas sujeitas a desastres naturais

que possam ser reproduzidos sem afetar a qualidade do projeto, ou cair em repetições tipológicas.

Assim, em 2005 Architecture for Humanity e seus parceiros estabeleceram o Programa

Piloto Biloxi - residências modelo. O início do programa se deu com a construção de um

sistema de parcerias. AFH convidou 20 empresas locais e escritórios de Arquitetura de atuação

Page 82: Janaina Almeida Stedile.pdf

82

nacional para criar propostas que estivessem de acordo com as premissas de sustentabilidade

da construção – materiais, sistemas e participação popular – resistentes a furacões e enchentes,

e economicamente viáveis.

O conceito de Programa Modelo se aplica ao processo, e não em reproduzir soluções de

desenho. Como podemos ver na figura seguinte, capa do relatório publicado pela organização,

as casas apesar de construtivamente ter a mesma técnica (wood frame) são formalmente muito

diferentes.

Além disso, as casas, como todos os projetos do AFH, possuem Creative Commons

license56, que estabelece que os projetos podem ser reproduzidos para fins não lucrativos, desde

que citada a origem. Segundo o site do grupo, AFH foi a primeira organização a estabelecer este

tipo de licença para projetos de Arquitetura.

57 Segundo o site Creative Commons: “As licenças e instrumentos de direito de autor e de direitos conexos da Creative Commons forjam um equilíbrio no seio do ambiente tradicional “todos os direitos reservados” criado pelas legislações de direito de autor e de direitos conexos. Os nossos instrumentos fornecem a todos, desde criadores individuais até grandes empresas, uma forma padronizada de atribuir autorizações de direito de autor e de direitos conexos aos seus trabalhos criativos. Em conjunto, estes instrumentos e os seus utilizadores formam um corpo vasto e em crescimento de bens comuns digitais, um repositório de conteúdos que podem ser copiados, distribuídos, editados, remixados e utilizados para criar outros trabalhos, sempre dentro dos limites da legislação de direito de autor e de direitos conexos.” (CREATIVE COMMONS)

fiGura 24 - Capa do relatório Biloxi Model Home Program. Fonte: (ARCHITECTURE FOR HUMANITY)

Page 83: Janaina Almeida Stedile.pdf

83

O Programa desenvolve sete modelos de residência que podem ser reproduzidos em

outros locais. O custo aproximado das residências é de 135 mil dólares, o equivalente a 300 mil

reais.

O processo de seleção das famílias foi feito através da coordenação da agência East Biloxi

Coordination Relief and Redevelopment Center, em parceria com Enterprise Corporation of the

Delta e o próprio Architecture for Humanity. As famílias deveriam cumprir alguns critérios e se

responsabilizar por outros.

As famílias atendidas foram aquelas que pediram ajuda formalmente à agência East Biloxi

Coordination Relief and Redevelopment Center e deveriam atender a determinadas condições:

possuir título da terra, que a residência tivesse sido completamente destruída sem possibilidade

de reparos, que o terreno tivesse viabilidade de intervenção e, além disso, que a família não

tivesse empréstimos imobiliários anteriores e nem débitos anteriores a essa propriedade.

(ARCHITECTURE FOR HUMANITY)

As três organizações (Architecture for Humanity, East Biloxi Coordination Relief

& Redevelopment Center e Enterprise Corporation of the Delta) estruturaram um meio de

financiamento para construção através de empréstimo do tipo forgivable loan.58 As famílias que

optaram pelo programa e que cumprissem as condições não ficariam responsáveis em efetuar um

pagamento mensal, ou hipoteca. Elas não precisam restituir o empréstimo a não ser que haja uma

mudança de título de propriedade no período de dez anos. Se houver venda da propriedade no

período de cinco anos, o empréstimo deve ser pago na sua integridade e assim progressivamente.

A seguir a tabela referente ao acordo entre tempo de permanência e valor do empréstimo a ser

retornado a agências financiadoras:

58 Forgivable loan, diretamente traduzido como empréstimo perdoável, também chamado de soft second, é uma forma de em-préstimo em que sua totalidade, ou uma parte dele, pode ser perdoado ou diferido por um período de tempo dependendo de certas condições. É mais como uma concessão com condições, em vez de um empréstimo. No entanto, se as condições não forem cumpridas, o empréstimo tem de ser reembolsado em geral com juros. Ele pode ser visto como um incentivo para que o devedor realize ou alcance um objetivo definido pelo credor.

Page 84: Janaina Almeida Stedile.pdf

84

anos de PermanênCia no imóvel PorCentaGem do emPréstimo a ser PaGo

0-5 100%6 80%7 60%8 40%9 20%10 0%

tabela 1 - Anos de permanência × porcentagem do empréstimo a ser pago. fonte: (arCHiteCture for

HumanitY)

O grupo realizou uma chamada pública aos arquitetos americanos que gostariam de

participar especificamente do Programa Piloto de Biloxi. O processo de projeto deveria ser

realizado conjuntamente com as famílias, porém o atendimento deveria ser personalizado para

cada uma delas.

No mês de agosto de 2006, o grupo organizou uma feira aberta para que os arquitetos

pudessem apresentar protótipos de soluções para as famílias. Após o evento, os arquitetos se

responsabilizam em trabalhar conjuntamente com as famílias para aprimorar os resultados,

conforme mostrado na imagem a seguir.

fiGura 25 - Arquitetos e clientes na feira de projetos. Fonte: (ARCHITECTURE FOR HUMANITY)

Page 85: Janaina Almeida Stedile.pdf

85

A produção será exemplificada pelo projeto da casa da família de Karen Parker e seus

seis filhos, projetada pelo arquiteto Brett Zamore. Essa casa foi a primeira do Programa a ser

entregue. Custou 112 mil dólares, e possui 135 metros quadrados de construção. Zamore comenta

que a casa foi inspirada em duas tipologias construtivas típicas da região sul do Estados Unidos:

dogtrot e o shotgun.

Dogtrot é uma solução para resfriamento da construção, encontrada frequentemente

nos Estados do Sul dos Estados Unidos como Texas, Louisiana, Mississipi, Alabama, Georgia,

Tennessee e Florida. Consiste em um corredor aberto no meio da casa, para onde convergem

as aberturas dos demais cômodos. É uma construção típica de áreas rurais, particularmente, no

século XIX.

A fotografia a seguir ilustra a tipologia.

fiGura 26 - Casa típica da área rural do sul dos Estados Unidos. Foto: Kevin Matthews. Fonte: (GREAT BUILDINGS)

Page 86: Janaina Almeida Stedile.pdf

86

A shotgun house é um tipo de construção vernacular típica das áreas urbanas e rurais

do Sul do Estados Unidos, que costuma sem geral, estreita e comprida. Também chamada de

shotgun shack, shotgun hut e shotgun cottage59, foi a maneira mais popular de se construir desde

o final da Guerra Civil americana até o começo do século XX. (WIKIPEDIA, 2014)

Consiste em uma sequência de cômodos que devem ser atravessados para o acesso ao

subsequente. Muitas das casas originais não tinham sanitários, sendo frequentemente anexados

posteriormente no final da casa. Também é comum a construção de duas casas neste estilo que

compartilham a parede central, como comumente chamamos no Brasil de casas geminadas.

A seguir fotografia de uma casa shotgun na cidade de Savannah e um exemplo da tipologia

em área rural.

59A tradução literal para shotgun é espingarda. Em uma breve pesquisa, se verificou que não há um consenso em relação a origem do nome. As variações podem ser traduzidas, como cabana shotgun, barraco shotcun ou casa rural shotgun.

fiGura 27 - Típica casa shotgun em Savannah, EUA. Foto: Kevin Enns-Rempel. fonte (enns-remPel, 2007)

Page 87: Janaina Almeida Stedile.pdf

87

fiGura 28 - shotgun house em área rural. Foto: Kevin Matthews. Fonte: (GREAT BUILDINGS)

Ambas as tipologias possuem varanda na parte frontal da casa (porch).

A residência Parker é formada por duas construções retangulares que se ligam por um

corredor ventilado como nas tipologias dogtrot, com sua parte mais estreita voltada para a frente

do terreno e seu formato retangular, como as casas tipo shotgun.

Ela possui três varandas, em que a primeira tem o valor simbólico de espaço vernacular,

marca a entrada social da casa e fica voltada para a rua. A varanda do meio é o elemento que

conecta as duas construções e faz o papel do dogtrot, cortada ao meio por um corredor fechado

de ligação. A terceira proporciona a solução de um espaço ventilado externo, mas ainda assim

de uso mais privado. A configuração em H da casa permite a criação de áreas de lazer protegidas

e/ou mais expostas.

A estrutura da casa é formada a partir de peças de madeira padrão com o mínimo de

corte. O sistema criado por Zamore permite que casa seja ampliada a partir de um kit de peças

padrão que permite adicionar outros módulos. A seguir imagem da casa projetada por Zamore:

Page 88: Janaina Almeida Stedile.pdf

88

Todas as casas do programa atenderam à nova norma de construir acima do nível do

solo, para ter resiliência a inundações. A casa da família Parker está a 1,83 metros do solo. A

casa possui quatro dormitórios, dois banheiros de uso comum, sala e cozinha integradas.

A seguir imagens do fundo e da lateral da residência.

fiGura 30 - Lateral da residência da família Parker. Foto: Alan Richardson. Fonte: (ARCHITECTURE FOR HUMANITY)

fiGura 29 - Residência da Família Parker. Foto: Alan Richardson. Fonte: (ARCHITECTURE FOR HUMANITY)

Page 89: Janaina Almeida Stedile.pdf

89

As demais casas do Programa piloto têm formas menos vernaculares. Mas ainda assim

todas incluem o elemento da varanda frontal, elementos de controle solar, distância do solo, e

wood frame como técnica construtiva.

3.2 Projeto Casas 20K

O Projeto de Pesquisa 20K Houses60 faz parte do Programa de Extensão Universitária,

que começa em 2005 com a proposta de ser uma pesquisa contínua dentro do Rural Studio. A

proposta do programa é a de projetar casas decentes; de tamanhos razoáveis; com custos acessíveis

e prover uma alternativa aos trailers que servem de moradia à população norte-americana mais

pobre.

A cada ano, o projeto de pesquisa tem executado, em média, duas casas. O estúdio utiliza

o tempo de forma adequada para analisar cada detalhe, refletir sobre interações anteriores e

aperfeiçoar o trabalho.

Este projeto é financiado por um empréstimo do governo conhecido como Ajuda Mutual

Seção 502 para Habitação e está destinado a pessoas com baixa renda para a construção de suas

casas. O valor total do empréstimo chega a 124 mil dólares. Porém, aproximadamente um terço

dos moradores da região do Hale County vive abaixo da linha de pobreza e não teria condições

materiais de cumprir com o valor da parcela de empréstimo e, portanto, acaba não sendo elegível

para o programa. A solução para essas pessoas, via de regra, são os trailers, que possuem rápida

depreciação física.

A seguir, a imagem da moradia anterior do casal de idosos Ora Lee e Anderson Harry,

moradores do condado de Hale County e uma das primeiras famílias a serem atendidas pelo

Rural Studio. A moradia não possuía água encanada ou aquecimento.

61 Casas de 20 mil dólares.

Page 90: Janaina Almeida Stedile.pdf

90

fiGura 31 - Casa do Sr. Harry. Foto: Timothy Hursley. Fonte: (DEAN, 2002)

Logo, o desafio colocado ao grupo foi projetar uma casa que custasse 20 mil dólares,

onde o comprometimento mensal do morador com o empréstimo não ultrapasse 100 dólares. Em

geral, as casas do 20K estabelecem uma relação de custo de cerca de 10 mil dólares em materiais

e 10 mil dólares em mão de obra.

A ideia também é criar um modelo reproduzível em escala industrial, que se liga a

outra diretriz do programa: que o projeto da casa possa ser construído em três semanas. Essa

diretriz está ligada a um objetivo maior que é o de proporcionar mudanças efetivas nas questões

habitacionais da região. O prazo de uma casa, a cada três semanas, propiciaria a construção de

60 casas ao ano.

Outro objetivo relevante é criar uma microeconomia a partir do uso de materiais e mão

de obra local. E mais adiante propiciar incremento de renda para a população.

Casa 20K V03 ou Casa do Joe & sherman

A Casa de Joe e Sherman foi concebida e produzida nos anos 2006-2007, na cidade de

Greensboro. Ela também é chamada de Casa V03, sua numeração dentro do projeto 20K Houses.

Page 91: Janaina Almeida Stedile.pdf

91

Enquanto as duas primeiras versões da Casa 20K utilizavam estrutura de madeira

tradicional da região, a Casa V03 utiliza duas grandes treliças de madeira, locadas na extremidade

da casa no sentido longitudinal visando reduzir o número de fundações e pilares. O conceito

estrutural da casa pode ser observado na imagem a seguir.

fiGura 32 - Foto da construção da casa que demonstra as duas treliças laterais e as tesouras do telhado apoiadas nela. Fonte: Acervo Rural Studio (RURAL STUDIO)

O vão que a treliça consegue vencer determinou o tamanho da casa. Embora a casa tenha

19,51 metros de comprimento, as duas treliças têm apenas três pontos de apoio ao longo desse

vão, exigindo apenas seis pontos de fundação para a casa inteira.

A casa é dividida em duas partes, com uma varanda compartilhada, configurando duas

unidades habitacionais. Este alpendre compartilhado se referencia diretamente no vernáculo do

dogtrot.

As áreas internas das unidades são organizadas através de um núcleo central de serviços,

otimizando sistemas e características espaciais: social próximo da entrada (sala de estar);

íntima (dormitório após o núcleo central de serviços). Este tipo de solução também aperfeiçoa

a circulação, criando um espaço híbrido de passagem e permanência.

Page 92: Janaina Almeida Stedile.pdf

92

Aqui cabe uma comparação entre a perspectiva axiométrica da casa, que nos mostra como

ela está dividida e a planta de uma casa tradicional da região, figuras 34 e 35 respectivamente.

fiGura 33 - Perspectiva Axiométrica. Fonte: (RURAL STUDIO)

fiGura 34 - Fachada principal da casa. Fonte: (RURAL STUDIO)

Vale notar que os espaços integrados e flexíveis permitem múltiplos usos organizados

pelo tempo e não por sua determinação física. Além disso, a planta aberta permite adequações que

possam ocorrer durante o tempo de moradia. A próxima imagem ilustra a unidade maior da casa,

com a sala de estar em primeiro plano, e logo o núcleo de serviços e, no fundo, o dormitório.

Page 93: Janaina Almeida Stedile.pdf

93

fiGura 35 - Sala de Estar e Núcleo Central de Serviço, dormitório ao fundo. Fonte: (RURAL STUDIO)

Casa 20K V06 ou a Casa de Tora de madeira

A Casa de Toras de Madeira é uma casa do ano de 2008, na cidade de Greensboro. Ela foi

projetada juntamente com mais quatro, que são suas vizinhas, como mostra a imagem a seguir:

fiGura 36 - Vista das quatro casas a partir da rua. Fonte: (RURAL STUDIO)

Page 94: Janaina Almeida Stedile.pdf

94

A Casa V06 parte do estudo da viabilidade de utilização de desbastes florestais de origem

local como material de construção. Em parceria com o Serviço Florestal local, a equipe foi capaz

de colher madeiras de pequeno diâmetro que são removidas durante a prática de reflorestamento

sustentável. O material, que tem pouco valor fora da sua utilização na celulose, é muito abundante

no Alabama.

A estrutura de madeira da Casa utiliza os desbastes em sua forma mais crua: redonda e verde.

As árvores foram descascadas e tratadas com uma solução à base de boro para repelir

insetos. Uma vez que a madeira não tinha sido seca, as peças irão sofrer encolhimento e torção

ao longo do tempo.

Para permitir este movimento, cada madeira está ligada apenas no centro de cada uma

das suas extremidades, permitindo o giro do pivô ao longo do seu eixo central.

fiGura 37 - Esquema da estrutura de tora de madeira. Fonte: (RURAL STUDIO)

Page 95: Janaina Almeida Stedile.pdf

95

As toras são depois ligadas numa configuração de tesoura, o que tira proveito da força

da madeira em tensão e compressão. Conceitualmente, as toras de madeiras são a estrutura da

casa, enquanto as cortinas (fechamento) cobrem e protegem as tesouras.

Observamos aqui a assimilação do conceito estrutural da casa V03: treliças no sentido

longitudinal da casa (maior vão), afastamento do solo permitindo sua permeabilidade e espaços

internos organizados a partir do núcleo central de serviços.

Os espaços interiores da casa de um quarto são divididos por um núcleo central, que

também contém a maioria do encanamento da casa e da eletricidade. Cada um dos quatro lados

do núcleo tem uma função diferente: cozinha, banheiro, quarto e área de serviço. A centralização

do núcleo também permite uma visão completa das treliças de madeira.

Apesar de esta casa incorporar as soluções da V03, elas não se assemelham em termos

volumétricos e de linguagem, criando identidade do morador com a sua casa. Podemos observar

na figura 39 diferença na volumetria, implantação de menor tamanho para entrada do terreno e

materiais de vedação.

fiGura 38 - Fachada frontal da V06. Fonte: (RURAL STUDIO)

Page 96: Janaina Almeida Stedile.pdf

96

Pode-se observar a articulação do espaço através do núcleo central. Além de otimizar

e organizar o espaço, comportar todas as atividades hidráulicas da casa em um só espaço, essa

nucleação permite espaços desenhados para armazenamentos (armários).

fiGura 39 - Planta da Casa V06 e maquete demonstrando as faces do núcleo central. Fonte: (RURAL STUDIO)

Page 97: Janaina Almeida Stedile.pdf

97

fiGura 40 - Corte Longitudinal. Fonte: (RURAL STUDIO)

As treliças longitudinais de tora de madeira com toras transversais simples apoiadas

nelas. Essas toras transversais recebem o telhado com nove camadas de materiais. As placas de

vedação vertical possuem nove camadas equivalentes.

fiGura 41 - Esquema construtivo. Fonte: (RURAL STUDIO)

Page 98: Janaina Almeida Stedile.pdf

98

Casa 20K V07 ou a Casa Ponte

A casa V07 assimila boa parte das soluções identificadas nas casas anteriores: Alpendre,

treliça longitudinal, casa afastada do solo e núcleo de serviço central.

O diferencial deste projeto é a investigação do sistema de treliça metálica.

A solução continua sendo a de posicionar as treliças no sentido do maior vão das casas,

porém usando treliças metálicas pré-fabricadas, com o objetivo de tornar a estrutura mais leve,

mais fácil e mais rápida de erigir. O sistema de fato atingiu esses objetivos, com o ganho ainda

de exigir menos material, mas dificulta as opções de abertura nas laterais.

Sua volumetria é enriquecida pelo uso misto de materiais de vedação (madeira e telhas

metálicas) e por aberturas assimétricas. O telhado de apenas uma água, ao contrário da anterior,

recolhe a água da chuva no sentido longitudinal.

A treliça, que nas casas anteriores pouco reflete na volumetria final, neste caso sai do corpo

sólido do objeto e aparece marcando a entrada e formando uma varanda ao fundo. A figura 43

mostra sua fachada principal, e a figura 44 mostra a maquete apresentada na 13ª Bienal de Veneza.

A V03 já indica, mais timidamente, o deslocamento do solo. Na V06 observamos que o

terreno permite e oferece um pouco mais de arrojo no desprendimento. A Casa Ponte, é assim

denominada porque leva este conceito ao extremo, e das três, é a que esta mais destacada do solo.

fiGura 42 - Fachada principal da Casa Ponte. Fonte: (DEAN, 2002)

Page 99: Janaina Almeida Stedile.pdf

99

fiGura 43 - Maquete da Casa Ponte. Fonte: (DEAN, 2002)

3.3 Comuna Urbana

Em Jandira, cidade periférica da região metropolitana de São Paulo, localiza-se uma

pequena vila de 128 casas, denominada Comuna Urbana. O que há de peculiar nesta vila é a

forma como foi organizada, estabelecendo um diálogo entre um trabalho de organização popular

e os saberes técnicos, possibilitado pelo Usina, coletivo de Arquitetura que atua principalmente

junto aos movimentos sociais.

As famílias que hoje integram a Comuna Urbana foram despejadas em 2005 pela

Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM, de uma favela de barracos de madeira,

localizada à margem da linha do trem e dominada pelo tráfico de drogas. O despejo se processou

sem que o Estado providenciasse qualquer tipo de inclusão dessas famílias em Programas de

Habitação Social.

Após o despejo, foram assistidos pela articulação dos trabalhos sociais da Pastoral de

Moradia da Igreja Católica, dos movimentos sociais de Moradia e Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra. Essa articulação deu início a um processo de organização daqueles moradores

e pressão ao Poder Público.

Page 100: Janaina Almeida Stedile.pdf

100

Organizadas as famílias, o passo subsequente é a ocupação de um imóvel, não só no

sentido de prover imediatamente um local de moradia, mas ligado a um processo de ação política.

A ocupação de terrenos, edifícios desocupados e órgãos Públicos é uma tática utilizada

pelos movimentos sociais brasileiros para pressionar o poder público na resolução de seus

problemas, como explica Arantes.

A tática da ocupação é baseada na ideia de publicização da luta popular. Rompe-se a cerca da repressão e da propriedade privada como manifestação de que as desigualdades seculares da sociedade brasileira não foram resolvidas e sequer enfrentadas. (...). Nesse processo de luta e ocupações, os movimentos de moradia trouxeram a Público o problema da reforma urbana e da falta de habitação adequada a todos. (ARANTES, 2002)

O local escolhido foi o seminário inacabado de Padres Salesianos. Por sua própria natureza

o edifício instiga a vida comunitária pela prevalência do espaço socializado. Assim, as famílias,

que viviam em um espaço exíguo, precário, individualizado e sem espaços comuns, quando

ocupam o seminário com seus espaços coletivos em relevância, passam a vivenciar, na prática,

o sentido de comunidade.

As negociações prosseguiram envolvendo diversos atores públicos e propostas de

financiamento e, por fim, as famílias conseguiram do município liberação de um terreno e

aprovação de crédito para a construção das moradias, incluindo um projeto padrão de habitação,

da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). A figura a seguir mostra a

implantação do projeto ofertado pela companhia.

Page 101: Janaina Almeida Stedile.pdf

101

fiGura 44 - Projeto CDHU. Fonte: (ACERVO USINA)

Contudo, naquele momento a ideia de comuna já estava formada e o projeto padrão

da companhia não combinava com a organização comunitária recém-adquirida. Rejeitaram o

projeto e articularam a contratação do Grupo Usina para o desenvolvimento de uma proposta

que incluísse a participação popular nas decisões e gestão da construção.

É nesse momento em que os saberes acadêmicos e populares se combinam para alcançar um objetivo comum: a produção integral de um trecho da cidade cuja lógica se pretende distinta de seu entorno, seja na qualidade das edificações, nos usos complementares à moradia, ou ainda nas condições de trabalho, na escolha de materiais e na definição dos sistemas construtivos. (...) a discussão com as famílias foi muito além da moradia, permitiu que se pensassem espaços de trabalho e educação, iniciativas culturais e de lazer, a sustentabilidade ambiental e a qualificação da vida urbana. (ARANTES, HIRAO e LAZARINI, 2010)

Page 102: Janaina Almeida Stedile.pdf

102

O ponto de partida é a análise da conjuntura: organização da comunidade, modalidades de crédito

para a construção, organização produtiva no canteiro, quais as tecnologias disponíveis adequadas.

Essa análise prévia dará as diretrizes para a tríade “paritária”: organização do canteiro,

mutirão autogerido e metodologia participativa.

Em primeiro lugar, há que lembrar que a autoconstrução coletiva (que já por ser coletiva distancia da autoconstrução individual dominante) pode remodelar as relações de produção, como no caso da Usina. Os projetos são debatidos por todos os interessados, há constante interação entre equipes, diluição de hierarquias, participação de profissionais que assim se qualificam, atenuação da divisão entre trabalho intelectual e manual, entre condutores e conduzidos; há submissão do partido técnico, da ideia construtiva de material, às capacidades dos produtores, eliminação de propostas perigosas ao trabalho, de produtos nefastos à saúde, etc. São mudanças aparentemente menores – mas essenciais. O objetivo determinante não é mais a produtividade cega – mas a realização de um projeto coletivo atento às condições e relações dignas de produção, e isto tem um peso. (FERRO, 2004)

A racionalização da construção e o emprego de elementos industrializados são as premissas

do canteiro, melhorando as condições de trabalho na obra, viabilizando economia de tempo,

material e minimizando as horas de trabalho da comunidade. O canteiro também é laboratório

de experiências construtivas, produzindo inovação tecnológica.

No processo de metodologia participativa, de início, foram apresentadas referências

arquitetônicas, estabeleceram-se questionamentos e reflexões sobre o habitar e sobre a cidade,

criando, assim, um arcabouço coletivo de projeto arquitetônico.

Os recursos para aquisição do terreno e infraestrutura da obra (incluindo a escola) vieram

do município de Jandira, que contribuiu com R$ 900 mil, e do Governo Federal com R$ 1,5

milhões, totalizando um aporte de R$ 2,4 milhões.

Os recursos para pagamento de mão de obra e aquisição de material de construção foram

financiados pela Caixa Econômica Federal e pela Secretaria Estadual de Habitação, totalizando 5

milhões de reais para construção das casas. O valor final, por unidade, é de R$ 39 mil, resultando

em R$ 559,13/m².

As famílias se organizaram em pequenas unidades de trabalho e foram remuneradas com

os recursos destinados ao pagamento da mão de obra e, em contrapartida, destinavam 15% do

tempo total estimado de obra para mutirão.

Page 103: Janaina Almeida Stedile.pdf

103

O desafio da Comuna Urbana é o da produção de assentamentos populares urbanos de novo tipo, que congreguem espaços de moradia, lazer, educação e trabalho num mesmo local, restituindo a dimensão de totalidade do ser social (...). Na Comuna Urbana, a materialidade física do espaço construído deverá ser capaz de suportar e estimular a organização social pretendida. Por isso mesmo, esse novo espaço não poderá ser a mera reprodução do existente, dos loteamentos de periferia e tampouco dos conjuntos habitacionais convencionais, que obedecem a uma lógica de produção da cidade que reitera a desigualdade e a segregação, bem como a fragmentação e o individualismo. (ARANTES, HIRAO e LAZARINI, 2010)

A prevalência do espaço compartilhado sobre o espaço privado foi a grande diretriz desse

projeto, e essa opção está expressa no desenho do conjunto habitacional sem muros, nas praças

de escala urbana, na multiplicidade de espaços de uso comum, na ausência da figura de lote e

na implantação baseada nos núcleos de trabalho.

Esse desenho não só expressa o desejo de urbanidade, ao absorver no seu conteúdo

programático equipamentos de escala da cidade (a creche, a padaria e as duas grandes praças),

mas busca se relacionar com o entorno através de diversas possibilidades de entradas, situadas

ao longo da rua de acesso ao conjunto, formando uma fronteira aberta semipública, constituída

por terrenos destinados a imóveis comerciais. Tais imóveis têm o propósito de gerar renda,

estabelecer diálogo com a vizinhança e de funcionar como as portas “vigiadas” da comunidade,

de maneira que a vizinhança seja convidada a entrar, mas que este também esteja olhado.

Estas entradas se configuram através de escadarias, entremeadas por pequenas praças

de uso semipúblico. As duas grandes praças localizadas nas extremidades da rua interna foram

criadas com a intenção de agregar qualidade ao entorno, a partir de fortalecimentos dos espaços

públicos de usos mais abrangentes.

Os espaços de uso comum correspondem a aproximadamente 60% da área total do projeto.

Essa razão pode ser notada por contraste visual, como demonstrado na figura 46. Percebe-se que

estes espaços não foram tratados como burocráticos, ou residuais.

Page 104: Janaina Almeida Stedile.pdf

104

fiGura 45 - Análise qualitativa da Implantação. Fonte: (STÉDILE, 2013).

Page 105: Janaina Almeida Stedile.pdf

105

Os 10 núcleos familiares, que serviram como instrumentos organizativos das famílias,

agora manifestam-se territorialmente em pequenas praças de convivência, que desembocam

em outras um pouco maiores que conectam a um conjunto de núcleo, e depois a rua interna do

conjunto, que por sua vez comporta as duas praças de escala do bairro.

A primeira praça, próxima ao acesso principal, é apenas um alargamento da rua,

flexibilizando seu uso e dando respiro ao conjunto. A segunda é uma grande ágora formando

um “palco” no nível do chão com arquibancada que acompanha o aclive. A praça foi projetada

para possibilitar reuniões de interesse da comunidade.

O uso cotidiano desse espaço não se restringe a esta função. Absorve a brincadeira das

crianças, as conversas dos vizinhos, as festas dos jovens.

A creche, com visibilidade privilegiada e acesso direto à via pública, tem um desenho

que a destaca por suas abóbodas, mas ainda a relaciona através da linguagem do bloco cerâmico

com o restante das edificações.

fiGura 46 - 1 - Vista aérea do conjunto, 2 - Creche, 3 - Praça central, 4 - Praça entrada. Fonte: (ACERVO USINA)

Page 106: Janaina Almeida Stedile.pdf

106

Ao contrário do espaço segregado da cidade, onde os muros delimitam a propriedade

privada caracterizada pela figura do lote, o espaço privado na Comuna se configura na projeção

da habitação.

As unidades habitacionais são casas unifamiliares de dois pisos, são cinco variações de

uma tipologia matriz. Todas as opções têm sala, cozinha, quintal, área de serviço, três quartos

(dois deles com layout flexível). Têm, em média, 84,25 m² de área total, dos quais 69,75 m² de

área construída, e aproximadamente 14,50 m² de quintal, conforme ilustrado na figura 48.

fiGura 48 - Tipologias e arranjos tipológicos Fonte: (STÉDILE, 2013)

Page 107: Janaina Almeida Stedile.pdf

107

Os espaços sociais e de serviço são integrados, facilitando as atividades cotidianas e

evitando que a área dos trabalhos domésticos fiquem segregadas do espaço social.

Escapando da formalidade das implantações ortogonais, a proposta com volumes

recortados possibilita variação nas aberturas e cria uma volumetria interessante no conjunto.

A circulação e o banheiro não sofrem variações em função da tipologia. A circulação é

otimizada com apenas dois espaços para esse fim: a caixa da escada e hall no pavimento superior

com 5,37m² que corresponde em média a 7,7% da área construída.

O layout do banheiro, com lavatório separado, possibilita o uso por mais de uma pessoa

e sua área útil de 3,71m², correspondendo a 5,31%. As áreas dos quintais representam de 12%

a 22% da área construída total da edificação.

A Comuna Urbana é resultado de um debate que remota o grupo de arquitetos do Team

X; absorve as preocupações do Mestre Vilanova Artigas, do grupo Arquitetura Nova; e nas

experiências dos laboratórios de Habitação das faculdades de Arquitetura e Urbanismo.

Através do mutirão autogerido as famílias puderam administrar o processo produtivo.

Formando pequenas empreiteiras dentro do próprio grupo, houve profissionalização da mão de

obra. Possibilitando gestão adequada de recursos e geração de renda para a família.

O resultado é um conjunto habitacional com qualidade urbana e custo 45,32% abaixo

do valor médio da construção civil. O custo do metro quadrado no empreendimento, como

já foi citado, é de R$559,13, e o preço médio da construção de padrão popular na data era de

R$1.022,60, segundo Boletim Econômico do Sindicato da Construção Civil de Dezembro de

2011.

As unidades possuem um tamanho em média 28% maior do que as viabilizadas pelas

companhias habitacionais e pelas construtoras que atendem o mercado popular. Com valorização

dos espaços de permanência (corresponde a 87%) em detrimento dos espaços funcionais

(circulação e banheiro a 13%).

A tipologia oferece espaços mais adequados à vida contemporânea através da integração

e flexibilização dos ambientes.

Page 108: Janaina Almeida Stedile.pdf

108

Um trabalho recente coordenado pelo professor João Sette propõe uma reflexão sobre o

momento atual do país:

No bojo de um ciclo de crescimento econômico nacional bastante sólido, que implica uma intensa atividade da construção civil na área habitacional, estão sendo construídos nas nossas cidades prédios e mais prédios, sem qualquer critério. Novos bairros crescem Brasil afora em meio a uma espécie de euforia construtiva, mas não parece haver o cuidado necessário com a qualidade urbana resultante, a injustiça social que nossas cidades produzem, tampouco os impactos desse crescimento sobre o meio ambiente. Em outras palavras, o que nos preocupava era o seguinte: que tipo de cidades estamos construindo para as gerações futuras? (FERREIRA, 2012)

O projeto do Comuna Urbana leva em consideração os três fatores qualitativos enumerados

pelo professor: cuidado com a qualidade urbana, preocupações latentes com a injustiça social e

cuidados com os impactos sobre o meio ambiente.

A Comuna urbana Dom Helder Câmara é produto de uma escola de Arquitetura não

constituída por manifestos acadêmicos, mas feita na prática, nos canteiros dos mutirões, nas

discussões e entendimentos sobre o país.

Page 109: Janaina Almeida Stedile.pdf

109

Considerações finais

A proposta da pesquisa foi verificar o surgimento de uma nova forma de pensar e fazer

Arquitetura e Urbanismo, comprometida com o desenvolvimento e emancipação da humanidade,

em oposição à produção usual que se caracteriza pela hegemonia da função econômica.

Na medida em que as forças produtivas hegemônicas absorvem com instantaneidade

as forças criativas questionadoras ligadas ao fortalecimento do bem comum, a Arquitetura do

período chamado Pós-Moderno, que inicialmente, se colocava como uma ação libertadora, passa

com rapidez a ser o objeto representativo do controle, acumulação de bens e opressão.

A nova produção, aqui definida como Arquitetura de Interesse Público, se coloca em

oposição à corrente principal, na medida em que trabalha para reforço do que é público, colocando

como protagonistas a condição humana e sua relação com o ambiente.

A relevância dessa nova prática não se encontra na confecção de números de atendimentos

e tampouco trata-se de intervenções de grande escala. Porém, na medida em que é consciente

da sua responsabilidade para o conjunto da sociedade, contribui para a reflexão dos desafios da

Arquitetura contemporânea, que se configuram cada vez mais urbanos.

O estudo aqui apresentado é uma contribuição para ao debate sobre o papel ético da

Arquitetura, a partir da identificação de produções diversas do que se considera produção principal,

e é parte integrante do complexo debate sobre a crise da modernidade.

O Projeto Moderno inicia sua jornada procurando desmistificar a construção histórica

das organização sociais baseadas em mitos de passados heróicos.

Com esse processo o ser humano é colocado como agente da história, responsável pelo

seu devir. Em condições não-lineares e etapas diversas, a História Moderna se desenvolve em

constantes dissoluções de mitos. Talvez o desafio atual não seja o de declarar a morte ou crise

de um projeto que assume a própria crise como parte integrante da sua condição de existência,

mas nos caiba, como agentes da história, dissolver mais alguns mitos.

De uma forma dialética, os atores da Arquitetura de Interesse Público refazem o caminho

Page 110: Janaina Almeida Stedile.pdf

110

do casal Smithson, abordado no capítulo 2 deste trabalho, no momento em que eles expõem aos

mestres as fotografias dos moradores das favelas. O ato simbólico significa olhar para a realidade,

não como ela se promete, mas como ela efetivamente é.

A realidade do discurso do capitalismo neoliberal é a realidade prometida, em que o

mercado62 promete equalizar as questões de ordem social e política, cujas consequências alertadas

àqueles que não seguirem seus comandos, seriam desemprego, fome, miséria, guerra, destruição

e caos.

O que os arquitetos que abraçam a Arquitetura de Interesse Público trazem à luz são as

fotografias da realidade, onde a miséria, pobreza, exclusão se desenvolvem como consequência

do sistema neoliberal, que diz estar evitando justamente estas condições.

Apesar da exuberância formal e diversidade construtiva, a Arquitetura star system peca

em repetição de conceitos, promovendo os mesmos processos urbanos totalizantes e dogmáticos,

configurando situações urbanas de isolamento, exclusão, interrupção de permeabilidades e

castrador de criatividades. As soluções formais são diversas, mas a proposição é a mesma: a

Arquitetura se tornou uma embalagem para um produto a ser consumido.

A corrente principal da Arquitetura contemporânea, ao incorporar o discurso neoliberal

pelo qual o mercado irá produzir equilíbrio social, se eximiu da responsabilidade da leitura crítica

da realidade e da criação de ambientes que potencializassem o desenvolvimento das relações

humanas. Ao confiar na promessa do mercado capitalista, deixa de lidar com a complexidade da

realidade que não é equilibrada nem justa, e passa a produzir, ainda que de forma pragmática,

cenários.

Simultaneamente, se é verdade que os movimentos aqui estudados, que se colocam

numa posição de produção crítica, não podem ser considerados como motor de uma vanguarda

transformadora, pois não encontram terreno propício numa modernidade que se caracteriza por

liquidez, como descreve Bauman, estes, no entanto apontam para novos métodos que geram

novas configurações e entendimentos, a partir das próprias condições do sistema.

62 Entende-se por ‘mercado’, as forças predominantes do capital, cujo objetivo principal é o lucro e acumulação de riquezas materiais e imateriais.

Page 111: Janaina Almeida Stedile.pdf

111

A critica se dá então, de maneira difusa, o que impede, no momento, medir a força ou o

impacto que possam gerar. Pode-se apenas constatar a importância de sua produção como fato

concreto, gerador de um profundo questionamento metodológico.

A importância dos projetos não reside no local ou agenda política específica, a importância

está na abertura de espaço para o florescimento do debate, do diálogo, da participação ativa e

coletiva na construção de projeto de humanidade. Assim, podemos voltar tranquilamente a Arendt,

com a formação do biospolitikos a partir da possibilidade do lexus (fala) Público, ou seja, algo

que pode ser visto e ouvido por todos.

Se a chamada crise do Modernismo se inicia na década de 1960, com um viés de crítica à

cultura e às relações sociais e de poder instituídas, a crítica presente nos grupos de Arquitetura de

Interesse Público, é de outra natureza. Não se trata de uma crítica de ordem cultural, na medida em

que reforça as relações culturais existentes, tampouco uma crítica ao desenvolvimento científico,

aporte que lhe é necessário, já que se liga diretamente aos centros de pesquisa. Não é também

uma crítica utópica, na medida que seus manifestos são de suas próprias construções, nascidas

de seus projetos em rede.

Antes de mais nada, é uma crítica que traz à luz uma nova forma de produção fundamentada

na colaboração e compartilhamento, em contraposição ao sistema produtivo capitalista que se

forma a partir de competição e do direito de propriedade privada.

No entanto, é impossível afirmar que essas novas formas de produção da Arquitetura e

Urbanismo vão conseguir subverter a capacidade do capital de absorção instantânea das forças

criativas, da mesma forma como não se pode afirmar que as forças criativas deixaram de partir

de princípios de ordem comum e passaram a se reproduzir individualmente.

O que se pode constatar, com alguma margem de segurança, é que há propostas que se

colocam em oposição e como alternativa ao modus operandi da corrente principal, que coloca

o interesse econômico acima do bem estar social.

Não obstante, a primeira dificuldade é que este fenômeno não se coloca como uma Escola

ou um Estilo nos moldes canônicos, mas como um novo entendimento da práxis arquitetônica e

de seu campo de atuação. Porém, o trabalho dos grupos comprometidos com esta nova postura

e metodologia, aqui estudados, permite a síntese de suas principais características.

Page 112: Janaina Almeida Stedile.pdf

112

1. Interdisciplinaridade e permeabilidade de fronteiras e bordas disciplinares;

2. Processo coletivo como elemento principal da produção e responsável por gerar linguagem;

3. Organizações horizontalizadas e participativas;

4. Trabalho em rede. Utilizam-se os conceitos de compartilhamento e rede;

5. Trabalho para grupos sociais da classe trabalhadora;

6. Crítica ao método tradicional, o resultado perseguido é a melhoria da condição anterior

(acúmulo de conhecimento);

7. Proposta de uma nova relação entre custo e qualidade. Não relacionam aporte financeiro com

qualidade de resultado;

8. Entendimento do sítio como expressão cultural mais alta de um determinado grupo.

E, a partir desses oito pontos, reconhecemos algumas características projetuais:

1. Inovação tecnológica de baixo custo e baixo impacto.

2. Materiais locais de baixo impacto e de técnica apropriável pela população;

3. Uso de componentes industrializados ou pré-fabricados;

4. Variação tipológica;

5. Utilização de elementos espaciais simbólicos para população;

6. Flexibilização dos espaços internos;

7. Otimização da circulação;

8. Compatibilidade com o mobiliário;

9. Espaços de permanência sem delimitações físicas, aumentando o espaço sinestésico;

10. Objeto arquitetônico integrado na paisagem.

Page 113: Janaina Almeida Stedile.pdf

113

Essa nova práxis não se limita a escrever manifestos, mas abraça um amplo espectro

programático em sua atuação. Na contramão dos projetos de princípios econômicos ou das

tradicionais discussões acadêmicas constata-se que esta prática não está baseada nas demandas

do capital, nem nas diretrizes de programas governamentais, mas se propõe atuar de maneira

autônoma, como organizações horizontais em rede, propondo soluções criativas, exequíveis para

enfrentar os problemas sociais, que atingem 90% da população mundial.

Coexistência

Examinadas as questões por quê?, para quem? e como?, entende-se necessário construir

uma possibilidade de conceito norteador e essencial para designar um movimento heterogêneo

na sua composição e gestão, mas consensual quando se trata da crítica ao método tradicional da

pratica profissional no campo da Arquitetura e Urbanismo.

Os coletivos de Arquitetura de Interesse Público reivindicam o espaço de diálogo, a

esfera pública como se vê em Arendt, onde as relações, e portanto a responsabilidade com o

outro se coloca. É o reforço da coisa pública, que concerne e afeta a todos, e cuja produção é

responsabilidade de todos.

Tradicionalmente, entende-se público e privado, em oposição e como duas zonas bem

demarcadas. Porém, quando se olha os assentamentos vernaculares, quais sejam, uma oca

Ianomami, uma vila de pescadores na Sicília, uma favela ou um assentamento informal, percebe-

se que tais conceitos, ali, não são rigidamente demarcados. As qualidades espaciais formam-se

a partir de interrelações entre ambos, entre o individual e o coletivo.

Estes espaços se constituem pela relação entre as pessoas e seu ambiente, entre os objetos

e eventos, valorizando as relações e os processos. Portanto, o reforço do público é o reforço do

espaço do diálogo, de responsabilidades compartilhadas e como princípio fundador a existência

do outro, portanto este é o espaço da coexistência.

Quando os arquitetos se declaram interessados no público, estão partindo do princípio

da existência do outro, e portanto os conhecimentos desenvolvidos e as ferramentas adquiridas

assumem a responsabilidade de ser utilizadas para melhoria da qualidade de vida de todos.

Page 114: Janaina Almeida Stedile.pdf

114

Logo, o conceito de coexistência prevê relações coletivas, colaborativas, de

código aberto e de conhecimento comum. Como vimos, este formato está em oposição

ao sistema capitalista competitivo e fundamentado no direito de propriedade privada.

Está também em oposição aos sistemas políticos representativos convencionais, na

medida em que reforçam o direito, ou seja, a participação política de todos os envolvidos em

uma estrutura de poder horizontalizada.

Definiu-se aqui como Arquitetura de Interesse Público a práxis arquitetônica que reforça

os laços de diálogo. Para haver diálogo deve existir o reconhecimento do outro, formando o

conceito no interior da coexistência. A Arquitetura da Coexistência não é uma arquitetura para

todos, mas um projeto de todos.

Page 115: Janaina Almeida Stedile.pdf

115

BiBliografia

Aga Khan Development. Aga Khan Award for Architecture. Aga Khan Development Network.

Disponível em: <http://www.akdn.org/architecture/>. Acesso em: 2014.

AIA CommuniCations AND KNOWLEDGE RESOURCES STAFF. The boyer Report:

building Community Through Education. AIA. Disponível em: <http://www.aia.org/

aiaucmp/groups/secure/documents/pdf/aiap016501.pdf>. Acesso em: 2014.

AL JAZEERA. Rebel Architecture. Al Jazeera.com, 2014. Disponível em: <http://www.

aljazeera.com/programmes/rebelarchitecture/>. Acesso em: 2014.

AQUILLINO, M. beyond shelter. Architecture and human Dignity. New York: D.A.P

Distributed art publishers inc., 2011.

ARANTES, P. F. Arquitetura Nova. sérgio ferro, flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de

Artigas aos Mutirões. São Paulo: Editora 34, 2002.

ARANTES, P. F. O Grau Zero Da Arquitetura Na Era financeira. Revista Novos estudos

CEBRAP, p. 175-195, março 2008. ISSN 80.

ARANTES, P. F.; HIRAO, F. H.; LAZARINI, K. Metodologia de projeto arquitetônico

participativo em empreendimentos habitacionais autogeridos em são Paulo. A experiência

recente da assessoria técnica usina junto aos movimentos populares de sem-terra. usina-

Centro de trabalhos para o ambiente habitado, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://

www.usinactah.org.br/files/CEVE_Usina.pdf>. Acesso em: 2013 ago. 2013.

ARCHITECTURE FOR HUMANITY. biloxi houses. Architecture for humanity. Disponível

em: <http://openarchitecturenetwork.org/projects/352>. Acesso em: 21 Junho 2014.

ARCHITECTURE FOR HUMANITY. What We Do. Architecture for humanity. Disponível

em: <http://architectureforhumanity.org/about/what-we-do>. Acesso em: 21 Junho 2014.

ARCHITECTURE FOR HUMANITY. Annual Report 2011-2012. Architecture For Humanity.

[S.l.]. 2012.

Page 116: Janaina Almeida Stedile.pdf

116

ARENDT, H. A Condição humana. 10ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária,

2007.

ARENDT, H. A Condição humana. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2007.

ARGAN, G. C. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

ARGAN, G. C. Projeto e Destino. São Paulo: Ática, 2001.

ARTIGAS, J. B. V. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac Naif, 2004.

ASA. bugesera educacional center. ASA, 2012. Disponível em: <http://www.

activesocialarchitecture.com/bugesera.html>. Acesso em: 2014.

BAUMAN, Z. A arte pós-moderna, ou impossibilidade da vanguarda. In: BAUMAN, Z. O

mal estar na pós- modernidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. Cap. VII, p. 121-131.

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BAUMAN, Z. Comunidade- A busca por segurança no mundo atual. Rio de janeiro: Jorge

Zahar editor, 2003.

BELL, B. Wisdom from the field: Public Interest Architecture in practice. A Guide to Public

Interest Practices in Architecture. [S.l.]: AIA, 2013.

BIENAL DE ROTTERDAM. Open City: designing for coexistence. Amsterdam: Wilco, 2009.

BRYAN BELL, K. W. (Ed.). Expading Architecture. Design as activism. New York: D.A.P

Distributed art publishers inc, 2008.

CAMERON SINCLAR, K. S. (Ed.). Design Like You Give a Damn: Architectural Responses

to Humanitarian Crises. New York: Metropolis Books, 2006.

CARY, J. The power of Pro bono. 40 stories about for the public good by architects and

their clients. New York: Metropolis Books, 2010.

CARY, J.; JETT, M. History. Public Interest Design. Disponível em: <http://www.

publicinterestdesign.org/infographic/>. Acesso em: 20 junho 2014.

Page 117: Janaina Almeida Stedile.pdf

117

CARY, J.; JETT, M. PID100. Public Interest Design. Disponível em: <http://www.

publicinterestdesign.org/pid100/>. Acesso em: 20 junho 2014.

CARY, J.; MERON, G. Glossary. Public Interest Design. Disponível em: <http://www.

publicinterestdesign.org/glossary/>. Acesso em: 20 Junho 2014.

CASTELLS, M. fim de Milênio. Tradução de Klauss Brandini Gerhardt e Roneide Venancio.

São Paulo: Paz e terra, v. 3, 1999.

CASTELLS, M. A galáxia da Internet. Reflexões sobre a internet, os negócios e a

sociedade. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

CHAHINIAN, S. N. Revista. Vitruvius, 2013. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/

revistas/read/projetos/13.154/4895>. Acesso em: 2014.

CREATIVE COMMON. sobre as Licenças. Creative Common. Disponível em: <https://

creativecommons.org/licenses/?lang=pt_BR>. Acesso em: 2014.

DAVIS, M. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006.

DEAN, A. O. Rural studio- samuel Mockbee and a Architecture of Dencency. New York:

Princeton Architectural Press, 2002.

DEBORD, G.- E. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

DEBORD, G. E. Introdução a uma critica da geografia urbana. In: JACQUES, P. B. Apologia

da deriva. Escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de janeiro: Casa da Palavra, 2003.

DESIGN CORPS. About. Design Corps. Disponível em: <https://designcorps.org/about/>.

Acesso em: 05 26 2014.

DESIGN REVOLUTION. What drives our impact assessment? D-Rev. Disponível em:

<http://d-rev.org/impact/>. Acesso em: 21 Junho 2014.

ELEMENTAL ARQUITECTURA. Proyecto quinta Monroy. Elemental, 2004. Disponível em:

<http://www.elementalchile.cl/proyecto/quinta-monroy/>. Acesso em: 2014.

ENNE, A. L. S. Conceito de rede e as sociedades contemporâneas. Comunicação e

Informação, jul./dez 2004. pág 264 - 273.

ENNS-REMPEL, K. shotgun house in savannah. flckir, 2007. Disponível em: <https://www.

Page 118: Janaina Almeida Stedile.pdf

118

flickr.com/photos/94819467@N00/2380866090/in/photostream/>. Acesso em: 2014.

ESTHER CHOI, M. (Ed.). Architecture at the edge of everything else. Massachusetts: MIT

Press, 2010.

FERREIRA, J. S. W. Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil

urbano. Parâmetros de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e

urbanos. São Paulo: Editora Fupam, 2012.

FERRO, S. Nota sobre a usina. [S.l.]: [s.n.], 2004. Disponível em: <http://www.usinactah.org.

br/files/depoimentosergioferro.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2013.

FERRO, S. Arquitetura e Trabalho livre. São Paulo: Cosac Naif, 2006.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. 11. ed. São Paulo: Loyola, 2004.

FRAMPTON, K. história crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

GREAT BUILDINGS. Dogtrot house. Great Buildings. Disponível em: <http://www.

greatbuildings.com/buildings/Dogtrot_House.html>. Acesso em: 2014.

HABERMAS, J. Arquitetura Moderna e Pós-Moderna. In: ______ A Outra Tradição.

Arquitetura em Munique de 1800 à Atualidade. [S.l.]: [s.n.], 1981.

HABERMAS, J. A mudança estrutural da Esfera Pública-Investigações sobre uma categoria

da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

HABERMAS, J.; LENNOX, S.; LENNOX, F. The Public sphere: An Encyclopedia Article.

New German Critique, Ithaca, v. 3, p. New German Critique, outono 1974.

HABITAT INTERNATIONAL COALITION. About. HIC. Disponível em: <http://www.hic-net.

org/about.php>. Acesso em: 2014.

HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

HARVEY, D. Rebel Cities. from the right to the city to the urban Revolution. London:

Verso, 2012.

Page 119: Janaina Almeida Stedile.pdf

119

HARVEY, D. O direito à cidade. Revista Piauí, Julho 2013. Disponível em: <http://revistapiaui.

estadao.com.br/edicao-82/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-direito-a-cidade>. Acesso em:

novembro 2014.

HAUG, W. F. Crítica da estética da mercadoria. São Paulo: Unesp, 1996.

HERTZBERGER, H. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HISTORY. university of Alabama desegregated. History. Disponível em:<.>. Acesso em: 2013.

HOBSBAWM, E. O novo século. Entrevista a Antonio Polito. São Paulo: Companhia das

letras, 2009.

HOME DESIGNING. Google new office in Dublin. Home designing, 2013. Disponível em:

<http://www.home-designing.com/2013/02/googles-new-office-in-dublin>. Acesso em: 2014.

HUBERMAN, L. A história da Riqueza do homem do feudalismo ao sec. XXI. 22. ed. São

Paulo: LTC, 2011.

IABR. IAbR-2009-Open City. http: //iabr.nl/. Disponível em: <http://iabr.nl/en/editie/open-

city-designing-coexistence>. Acesso em: 21 Junho 2014.

INDEPENDENT. Disponível em: <http://www.independent.co.uk/ >. Acesso em: 2014.

JACQUES, P. B. Apologia da deriva. Escritos situcionistas sobre a cidade. Rio de janeiro:

Casa da palavra , 2003.

JENCKS, C. The Language of Post-Modern Architecture. New York: Rizzoli, 1984.

JETT, M. After Meltdown: Where does architecture go from here? Archadaily, 2012.

Disponível em: <http://www.archdaily.com/226248/after-the-meltdown-where-does-

architecture-go-from-here/>. Acesso em: 2014.

KOOLHAAS, K. Nova York Delirante. São Paulo: Cosac Naif, 2010.

KOOLHAAS, R. The New World. 30 spaces for the 21st Century. Wired magazine, Junho

2003. Disponível em: <http://archive.wired.com/wired/archive/11.06/newworld.html>. Acesso

Page 120: Janaina Almeida Stedile.pdf

120

em: Junho 2014.

KOOLHAAS, R. Para além do delírio. In: NESBITT, K. uma nova agenda para a arquitetura.

Antologia Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 362-367.

KOOLHAAS, R. Por uma cidade contemporânea. In: NESBITT, K. uma nova agenda para

arquitetura- Antologia Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 358-361.

KOOLHAAS, R.; MAU, B. s, M, L, Xl. Amsterdam: 010 Publishers, 1995.

KUNZIG, R. City solucion. National Geographic, dezembro 2011. Disponível em: <http://ngm.

nationalgeographic.com/2011/12/city-solutions/kunzig-text>. Acesso em: novembro 2014.

LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2000.

LEFEBVRE, H. Espaço e Política. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

LEPIK, A. (Ed.). small scale big Change. New Architectures of social Engagement. New

York: The museum of modern Art, 2010.

LIBRARY OF CONGRESS (EUA). haley County. Disponível em: <http://www.loc.gov/index.

html>. Acesso em: 2013.

LUHUR GALERIAN. Charles Moore. Luhur Galerian, 2014. Disponível em: <http://

luhursatrionugroho.blogspot.com.br/p/charles-moore.html>. Acesso em: 2014.

MARÍN, F. La arquitectura escolar del estructuralismo holandés en la obra de herman

hertzberger y Aldo van Eyck. Revista Educación y Pedagogía-Facultad de Educación,

Medellín, n. 54, mayo-agosto 2009. 67-79.

MASS GROUP. The butaro District hospital. Mass Design Group. Disponível em: <http://

www.massdesigngroup.org/portfolio/butarohospital/>. Acesso em: 21 junho 2014.

MAU, B. Massive Change. New York: Phaidon, 2004.

MOCKBEE, S. The Rural studio. In: SKYKES, A. K. Constructing a New Agenda:

Page 121: Janaina Almeida Stedile.pdf

121

Architectural Theory 1993-2009. New York: Princeton Architectural press, 1998.

MONGIN, O. A condição urbana. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.

MONTANER, J. M. Depois do Movimento Moderno- Arquitetura da segunda metade do

século XX. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001.

MONTANER, J. M. sistemas Arquitectônicos Contemporâneos. Barcelona: Editorial Gustavo

Gilli, 2008.

MONTANER, J. M. Arquitectura y crítica. 3nd. ed. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 2013.

NLÉ. Makoko floating school. NLÉ works. Disponível em: <http://www.nleworks.com/case/

makoko-floating-school/>. Acesso em: 25 maio 2014.

NOESBITT, K. uma nova agenda para a Arquitetura. Antologia Teórica (1965-1995). São

Paulo: Cosac Naif, 2008.

OMA. Wired. OMA. Disponível em: <http://www.oma.eu/publications/wired/>. Acesso em:

21 Junho 2014.

PACKER, G. A megacidade. Retrato do futuro urbano, Lagos, na Nigéria, é um aglomerado

de 15 milhões de pessoas onde o lixo é a mercadoria que mais circula. Piaui. Estadão.com.

br, fev. 2007. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-5/dossie-urbano/a-

megacidade>. Acesso em: out. 2014.

PEREIRA, C. A. M. O que é contracultura. 6ed. ed. São Paulo: Editora brasiliense, 1992.

PUBLIC INTEREST DESIGN ORG. Exhibition. Public Interest Design. Disponível em: <http://

www.publicinterestdesign.org/exhibition/>. Acesso em: 20 junho 2014.

RAJCHMAN, J. um novo pragmatismo? In: SYKES, A. K. O campo Amplaido da

Arquitetura- Antologia Teórica 1993-2009. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

REbEL Architecture. Direção: Ana Naomi de Sousa. Produção: Aljazeera. [S.l.]: [s.n.]. 2014.

RURAL STUDIO. 20K v6- Roundwood house. Rural Studio. Disponível em: <http://www.

Page 122: Janaina Almeida Stedile.pdf

122

ruralstudio.org/projects/20Kv6-roundwood-house>. Acesso em: 21 Junho 2014.

RURAL STUDIO. 20K v7- bridge house. Rural Studio. Disponível em: <http://www.ruralstudio.

org/projects/20Kv7-bridge-house>. Acesso em: 21 Junho 2014.

RURAL STUDIO. About. Rural Studio. Disponível em: <http://www.ruralstudio.org/about.

html>. Acesso em: 24 nov. 2013.

RURAL STUDIO. City Challenge. Rural Studio blog. Disponível em: <http://ruralstudioblogs.

org/CityChallenge>. Acesso em: 25 nov. 2013.

RURAL STUDIO. v3-32k-house. Rural Studio. Disponível em: <http://www.ruralstudio.org/

projects/20K-v3-32k-house>. Acesso em: 21 Junho 2014.

SAFT, M. Photos. Flickr, 2012. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/

mcsaft/8292454403/>. Acesso em: 2014.

SPATIAL AGENCY. A Civilian Occupation. Spatial Agency, 2003. Disponível em: <http://

www.spatialagency.net/database/a.civilian.occupation>. Acesso em: 2014.

SPATIAL AGENCY. An Architektur. Spatial agency. Disponível em: <http://www.spatialagency.

net/database/an.architektur>. Acesso em: 2014.

STRICKLAND, C.; CALDANA, V. Arquitetura Comentada - uma breve viagem pela

história da Arquitetura. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S/A, 2003.

SYKES, A. K. Constructing a New Agenda: Architectural Theory 1993-2009. 1. ed. New York:

Princeton Architectural press, v. 1, 2010.

TAYLOR, C. Modern social Imaginaries. 7. ed. London: Duke university Press, 2007.

TUCKER, P. Poor Peoples’ Plan’. The Metropolitan Museum of Art bulletin, Nova York,

janeiro 1969.

UNITED NATIONS, DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS. final WsIs

Targets Review – Achievements, challenges and the way forward. ONU. [S.l.]. 2014.

Page 123: Janaina Almeida Stedile.pdf

123

U.S. DEPARTMENT OF HOUSING AND URBAN DEVELOPMENT. The Office of University

Partnerships (OuP). huD.GOV, 2013. Disponível em: <http://www.huduser.org/portal/oup/

newsletter_100413_2.html>. Acesso em: 2014.

UNITED NATIONS, DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS. World

urbanization Prospects- The 2014 Revision. New York. 2014.

URBAN THINK-TANK. 2012 spring design studio Rio. u-tt.arch.ethz.ch. Disponível em:

<http://u-tt.arch.ethz.ch/classes/spring-2012/2012-spring-design-studio-rio/>. Acesso em: 25

maio 2014.

URBAN THINK-TANK. Research and Development. u-tt. Disponível em: <http://www.u-tt.

com/researchIntro.html>. Acesso em: 21 junho 2014.

USINA. Apresentação. Usina-ctah. Disponível em: <http://www.usinactah.org.br/index.php?/

apresentacao/>. Acesso em: 2013.

VAN TOORN, R. Acabaram-se os sonhos? A paixão pela realidade na nova arquitetura

holandesa e suas limitações. In: O campo ampliado da arquitetura: antologia teórica

1993-2009. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

VIERA, T. A foto da favela de Paraisopolis. tucavieira.com, 2012. Disponível em: <http://

www.tucavieira.com.br/A-foto-da-favela-de-Paraisopolis>. Acesso em: 2014.

VILLÀ, J. Construções. São Paulo: Centro Universitário Belas Artes, 2005.

WIKIPEDIA. shotgun house.Wikipedia, 2014. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/

Shotgun_house>. Acesso em: 2014.

WIKIPEDIA. Typical Dogtrot floorplan. Wikipedia. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/

wiki/File:Typical_Dogtrot_Floorplan.png>. Acesso em: 2013.

WOLF, M. Life in Cities. Photo Michael Wolf. Disponível em: <http://photomichaelwolf.com>.

Zizek, S. O ano em que sonhamos perigosamente. São Paulo: Boitempo, 2012.