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Linguagem & Ensino, Vol. 6, No. 2, 2003 (13-54) Leitura compreensiva Um estudo de caso 1 (Reading for comprehension; a case study) Graciela Inchausti de JOU 2 Tânia Mara SPERB 3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul ABSTRACT: The present study has its th eoretical back- ground on the information processing theory. Through this approach, the process of comprehensive reading is ana- lyzed as a situation of problem solving. Thus, the decodif i- cation of the letters becomes the initial stage of the prob- lem and the comprehension of the text the final one. Along this process, cognitive and metacognitive strategies are focused in the understanding of the text structures, empha- sizing the macro and the superstructure. This study ana- lyzed, through a case study, this interaction in an efficient reader, the Portuguese teacher. Different instruments were used in order to collect data: personal field notes, audio- taped interviews and audiotaped readings. This paper also discusses the teaching of reading in the classroom. 1 O artigo faz parte da Tese de Doutorado da primeira autora, sob a orientação da segunda, na pós Graduação em Psicologia da UFRGS. 2 Professora da PUCRS e Doutora em Psicologia pela UFRGS Email: [email protected] 3 Professora da UFRGS e Doutora em Psicologia pela University of London

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o enfoque de processamento de informação, o qual permiteconsiderar o processo de leitura compreensiva comouma situação de resolução de problema. Desta maneira, adecodificação das letras constitui-se como o estado inicialdo problema e a compreensão do texto, o estado final. Aolongo desse processo de compreensão, as estratégias cognitivase metacognitivas do leitor interagem com as estruturasdo texto (micro, macro e superestrutura). Neste trabalho,baseado em um estudo de caso, analisam-se osprocedimentos de leitura de uma professora de Português.

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Linguagem & Ensino, Vol. 6, No. 2, 2003 (13-54)

Leitura compreensiva Um estudo de caso 1

(Reading for comprehension; a case study)

Graciela Inchausti de JOU2 Tânia Mara SPERB3

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

ABSTRACT: The present study has its theoretical back-ground on the information processing theory. Through this approach, the process of comprehensive reading is ana-lyzed as a situation of problem solving. Thus, the decodif i-cation of the letters becomes the initial stage of the prob-lem and the comprehension of the text the final one. Along this process, cognitive and metacognitive strategies are focused in the understanding of the text structures, empha-sizing the macro and the superstructure. This study ana-lyzed, through a case study, this interaction in an efficient reader, the Portuguese teacher. Different instruments were used in order to collect data: personal field notes, audio-taped interviews and audiotaped readings. This paper also discusses the teaching of reading in the classroom.

1 O artigo faz parte da Tese de Doutorado da primeira autora, sob a

orientação da segunda, na pós Graduação em Psicologia da UFRGS. 2 Professora da PUCRS e Doutora em Psicologia pela UFRGS Email: [email protected] 3 Professora da UFRGS e Doutora em Psicologia pela University of London

LEITURA COMPREENSIVA

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RESUMO: O presente estudo tem como referencial teórico o enfoque de processamento de informação, o qual permi-te considerar o processo de leitura compreensiva como uma situação de resolução de problema. Desta maneira, a decodificação das letras constitui-se como o estado inicial do problema e a compreensão do texto, o estado final. Ao longo desse processo de compreensão, as estratégias cog-nitivas e metacognitivas do leitor interagem com as estru-turas do texto (micro, macro e superestrutura). Neste tra-balho, baseado em um estudo de caso, analisam-se os procedimentos de leitura de uma professora de Português. Utilizaram-se: notas de campo, entrevistas semiestrutura-das e leituras gravadas em áudio. Discute-se ainda sobre a possibilidade de ensino destes procedimentos no contex-to formal de aprendizagem escolar. KEYWORDS: cognition, information processing, meta-cognition, macrostruture. PALAVRAS CHAVES: cognição, processamento de infor-mação, metacognição, macroestructura.Introduction.

INTRODUÇÃO

A leitura compreensiva é considerada, pela maioria dos autores, como um processo de significação, no qual participam o sujeito e o objeto da leitura (Leffa, 1996; van Dijk, 1997). Especificamente, pode-se dizer que a leitura é um processo comunicativo que envolve um leitor inter-

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pretando as intenções comunicativas de um escritor, regis-tradas em um texto.

Na leitura compreensiva, devem ser destacados dois aspectos importantes na atividade do leitor frente ao texto. Por um lado, a interação do leitor com o texto, a qual ocor-re através da construção das macroestruturas e, por outro, a interação do leitor com sua cognição, que ocorre através da utilização dos processos metacognitivos. Considera-se que essas duas variáveis estão presentes nos leitores efic i-entes.

Quanto ao primeiro aspecto, a interação do leitor com o texto, torna-se importante analisar, nessa interação, a estrutura textual. O texto formal, presente no ato de leitu-ra, tem características lingüísticas próprias. Tais caracte-rísticas constituem as estruturas que determinam a coerên-cia textual, ou seja, micro, macro e superestrutura. Vários autores estudaram a influência das estruturas textuais na compreensão da leitura (Alliende & Condemarín, 1987; Koch & Travaglia, 1990; van Dijk & Kintsch, 1983; van Dijk, 1997). Segundo van Dijk (1997), as microestruturas, ou estruturas superficiais, são as proposições individuais e suas relações tornam possível iniciar a compreensão do texto; a macroestrutura é uma representação abstrata da estrutura global de significado de um texto, portanto, de natureza semântica que permite capturar o enredo do mesmo; a superestrutura é também uma estrutura global e possibilita identificar os tipos de textos, como narrativos, argumentativos, etc. Quando o sujeito inicia a leitura, codif icando as primeiras proposições, ativam-se múltiplos conceitos na memória semântica. Essa ativação inicial é apenas associativa, o que não garante uma real compreen-são do texto. Para que ela ocorra efetivamente, aponta o autor, o leitor precisa avançar na leitura do texto e estabe-

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lecer relações entre as seqüências textuais e os esquemas semânticos ativados da memória de longo prazo (MLP). A partir dessas relações, o leitor tem condições de realizar inferências sobre as proposições do texto, construindo as macroestruturas.

Van Dijk (1992) indica que a atividade de leitura atravessa diferentes fases com relação à compreensão de texto. As mesmas fases ele reconhece no desenvolv imento da capacidade de leitura do indivíduo. Para o autor, em um primeiro momento, o indivíduo adquire a habilidade de compreender palavras e frases, ou seja, microestruturas, utilizando-se da capacidade associativa da memória se-mântica que o habilita a decodificar e a estabelecer as rela-ções lexicais e sintáticas. Posteriormente, quando a capa-cidade inferencial já se desenvolveu, passa a relacionar as microestruturas, organizando-as em macroestruturas. De acordo com o autor, qualquer uma dessas fases necessita ser aprendida e reaprendida antes de tornar-se automatiza-da, como todo conhecimento procedural. Todavia, com-preender textos mais específicos, como por exemplo arti-gos científicos ou econômicos, demanda, além disso, um conhecimento especializado.

Com relação ao segundo momento, o autor ressalta a interação do leitor com sua própria cognição que envolve o estudo da metacognição.

Para Brown (1980), as habilidades metacognitivas para leitura seriam representadas pelo planejamento deli-berado de estratégias. Estas estratégias seriam:

• Definir a finalidade da leitura (a exemplo de: Vou

ler o texto para fazer um resumo dele) • Identificar uma hierarquia entre os segmentos do

texto (Esta definição é importante)

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• Concentrar a atenção naqueles segmentos que exi-gem mais (Isto aqui é novo para mim)

• Monitorar a qualidade da leitura (Não entendi bem esse trecho)

• Controlar se o objetivo inicial está sendo atingido (Vou conseguir fazer o resumo)

• Auto-regular-se quando o monitoramento assim o exigir (Vou ler mais devagar essa frase)

• Auto-regular o nível de concentração se este tor-nar-se menos efic iente (Vou me concentrar na le i-tura).

Posteriormente, Palincsar e Brown (1984) categori-

zaram, a partir de suas pesquisas, as seis funções essenci-ais que caracterizam um leitor eficiente, sendo elas:

• Entender que o objetivo da leitura é construir sig-

nificado, • Ativar os conhecimentos prévios relevantes, • Centrar a atenção nas idéias principais do texto, • Avaliar o significado construído, • Verificar as interferências entre o conhecimento

prévio e as novas informações, • Supervisionar as funções anteriores para avaliar a

compreensão.

Através do treino, todos esses processos são rapi-damente executados pelo leitor eficiente e, na maioria dos casos, sem que este tome consciência deles. Segundo as autoras, o leitor pode, no entanto, voltar a tomar consciên-cia de seu processo de leitura. Esse retorno é possível por

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meio da capacidade metacognitiva que permite ao sujeito refletir sobre sua cognição.

Os pesquisadores dessa área têm avançado bastante na operacionalização do conceito de metacognição. No entanto, persiste a dificuldade em separar as atividades cognitivas das metacognitivas, já que as últimas não dei-xam de ser uma atividade cognitiva. De acordo com Nel-son e Narens (1996), é necessário levar a efeito estudos empíricos e teóricos que permitam caracterizar as várias diferenças entre essas duas atividades.

Uma das maneiras de diferenciar a atividade cogni-tiva da metacognitiva, indicada pelos autores da área, é considerar o grau de consciência envolvido em ambas. Segundo Brown (1980), as atividades cognitivas estariam abaixo do nível de consciência no leitor eficiente, ou seja, estariam automatizadas, enquanto as atividades metacogni-tivas envolveriam introspecção consciente. Enquanto a maioria dos estudos de Brown investiga o aspecto da re-flexão consciente envolvido na atividade metacognitiva, as pesquisas de autores como Schwartz e Metcalfe (1996) procuram pela correlação entre indicadores metacognitivos e desempenho na tarefa. Exemplo desta última é investigar se a sensação de saber (feeling of knowing) seria preditiva de bom desempenho em uma tarefa determinada. Nessas últimas pesquisas, enfatiza-se o caráter sensitivo da meta-cognição, enquanto Brown enfatiza o caráter reflexivo. Flavell (1987) já incluía em seu modelo essas duas carac-terísticas metacognitivas.

Ao tentar operacionalizar as atividades cognitivas e metacognitivas na leitura, Leffa (1996) sugere que essas sejam classificadas, não pelo critério de envolvimento de consciência, como fez Brown (1980), mas pelo conheci-mento utilizado para executar tal atividade, ou seja, a ati-

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vação dos conhecimentos declarativo ou procedural. Se-gundo Leffa, o conhecimento declarativo, ou seja, saber o quê, envolve a consciência da tarefa a ser executada. Por-tanto, esse tipo de conhecimento seria uma atividade cog-nitiva. Por outro lado, o conhecimento procedural, isto é, saber como, envolve saber sobre a execução da tarefa, tendo ciência dos processos conscientes utilizados. Dessa forma, o indivíduo, ao saber se sabe ou não, pode avaliar e controlar seu próprio conhecimento. O autor esclarece que o que permanece fora do acesso consciente é o processo cognitivo, não o desempenho, considerando que o conhe-cimento procedural, portanto, pertenceria ao domínio das atividades metacognitivas.

Esses conceitos, de conhecimento decla rativo e procedural, são também explicados por Sternberg (2000). O autor define o conhecimento declarativo, como conheci-mento consciente e explícito e o conhecimento procedural como inconsciente, implícito e automático. Cabe lembrar, no entanto, que em qua lquer atividade cognit iva e, em particular na aprendizagem, o conhecimento declarativo e o conhecimento procedural estão interrelacionados, como evidencia o modelo de aprendizagem de Anderson (1983, 1987). As atividades cognitiva e metacognitiva, dependen-do das circunstâncias, poderiam, portanto, pertencer ao domínio declarativo ou procedural ou vice-versa.

A dificuldade em caracterizar os processos mentais como conscientes ou inconscientes pode ser fruto da falta de consenso, na Psicologia, acerca da própria natureza da consciência. Tanto Dennett (1991) quanto Searle (1992) fazem referência a essa falta de consenso. Exemplo disso aparece quando compara-se Sternberg (2000) a Seminerio (1998, 2000). Este último reserva o critério de consciência para diferenciar dois tipos de atividades metacognitivas: a

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metacognição espontânea, que ele qualifica como fraca, realizada com menor consciência, e a provocada, que ele qualifica como forte, envolvendo maior comprometimento consciente. Se o conhecimento procedural, segundo Stern-berg (2000), é implícito, automático, envolvendo pouca atividade consciente, então a metacognição espontânea de Seminerio seria, nesse caso, procedural. Da mesma manei-ra, se o conhecimento declarativo é explícito e consciente, então a metacognição provocada seria declarativa.

Decorrente da discussão levada a efeito, duas variá-veis parecem ser importantes para delimitar as atividades cognitivas e metacognitivas na leitura: o grau de consciên-cia envolvido no processamento da leitura e a ativação do conhecimento prévio, seja ele declarativo ou procedural. O grau de consciência abrange desde não ter consciência alguma sobre a atividade cognitiva e metacognitiva, po-dendo haver, por exemplo, consciência apenas do conteú-do da leitura, até haver um grau de consciência que permi-ta tornar explícito o planejamento, o monitoramento e a regulação dessas atividades. Já o conhecimento prévio envolve o conhecimento específico sobre o conteúdo da leitura, superestrutura e macroestrutura, isto é, o conheci-mento declarativo-semântico. E também o conhecimento do sujeito de si mesmo como leitor e das estratégias que utiliza, ou seja, o conhecimento procedural. O processo de leitura compreensiva acontece na interação dessas duas variáveis, o grau de consciência envolvido e o conheci-mento ativado no ato da leitura.

Sujeitos com um bom conhecimento das estruturas de texto e um bom conhecimento metacognitvo são apon-tados pela literatura como leitores eficientes (Leffa, 1996). Tentando caracterizá-los mais especificamente, os autores da área têm enfatizado algumas características para identi-

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ficá-los. Vega e cols. (1990), por exemplo, destacam como características de leitor eficiente a maior velocidade de leitura, a compreensão simultânea à fixação ocular da pa-lavra e a recuperação próxima ao texto lido. Assim, en-quanto Vega e cols. (1990) levam em consideração o de-sempenho para caracterizar o le itor eficiente, Leffa (1996) analisa o objetivo do sujeito com relação ao texto e as estratégias utilizadas por ele, ou seja, a utilização que faz das habilidades metacognitivas. O mesmo autor indica que um leitor eficiente, através da habilidade metacognitiva, volta-se, durante a leitura, para sua cognição, concentran-do-se, em alguns momentos, mais nos processos cognit i-vos do que no conteúdo do texto, monitorando a compre-ensão e regulando a relação entre desempenho e estraté-gias. Segundo Leffa, os leitores eficientes descrevem o ato de ler como o meio de obter o significado do texto. Para tal, utilizam estratégias adequadas, como reler segmentos e fazer inferências de pequenos segmentos do texto. Para os leitores eficientes, portanto, o objetivo da leitura e as estra-tégias empregadas estariam em perfeita harmonia, resul-tando em uma leitura compreensiva. Os leitores princip i-antes, ao contrário, por não terem claro o objetivo da leitu-ra, utilizariam poucas estratégias de compreensão, redu-zindo a leitura a um simples processo de decodificação.

Pesquisas nessa linha têm explorado a habilidade metacognitiva do leitor de refletir sobre sua cognição, sobre seu conhecimento declarativo e sobre seu conhecimento procedural. Tais pesquisas iniciaram-se na década de 70, com o trabalho de Hickman (1977, citado por Leffa, 1996). Esse autor estabeleceu uma correlação entre a metacognição do leitor e a compreensão da leitura. A partir de então, várias pesquisas sobre cognição, metacognição e leitura compreensiva foram levadas a termo (Brown & Campione, no prelo; Garner, 1987;

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Campione, no prelo; Garner, 1987; Pressley & Waller, 1984). De um modo geral, os resultados indicaram dife-renças entre os leitores eficientes e os menos eficientes, no que concerne às habilidades metacognitivas.

Para pesquisar a leitura compreensiva, diversas me-todologias têm sido utilizadas pelos autores. No que diz respeito às metodologias objetivas, conforme Vega e cols. (1990) e van Dijk, (1997), em geral, elas não conseguem tornar evidente como o leitor processa o texto quanto ao significado, ou seja, essas metodologias não evidenciam a interação texto/leitor. Processos de alto nível são estuda-dos através do emprego de metodologias a posteriori, co-mo é o caso das provas de memória ou da análise de pro-tocolo das verbalizações, levadas a efeito após a leitura do texto.

O emprego de provas de memória, como recordação ou reconhecimento, utilizadas na metodologia a posteriori, baseia-se, segundo os autores, na correspondência, aceita pela maioria dos pesquisadores, entre memória e compre-ensão, ainda que tais processos não sejam idênticos.

No que tange às verbalizações do leitor, utiliza-se a verbalização simultânea, levada a efeito durante a le itura, a verbalização retrospectiva, realizada imediatamente após a leitura e a verbalização refletida, que é independente da leitura. Essas técnicas fundamentam-se na correlação posi-tiva encontrada entre consciência das estratégias e profic i-ência em leitura apresentada por leitores eficientes. Tais leitores têm mostrado que são capazes de analisar meta-cognitivamente seu ato de leitura. A técnica de verbaliza-ção, como indicam os autores, é apropriada quando se quer explicitar a atividade do leitor na sua interação com o texto escrito. Nessa situação, entende-se, como Leffa (1996), que o leitor coloca-se no lugar de uma terceira pessoa,

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permitindo-lhe analisar e explicitar seus próprios proces-sos cognit ivos, seja de forma sensitiva ou reflexiva.

Neste estudo, utilizou-se o modelo de compreensão de texto de Kintsch e van Dijk (Kintsch & van Dijk, 1978; Kintsch, 1988; van Dijk & Kintsch, 1983; van Dijk, 1997) e o modelo metacognitivo de Flavell (1987). O primeiro permite analisar os processos cognitivos do sujeito em relação às estruturas do texto e o segundo, as habilidades do leitor em monitorar e auto-regular a atividade de leitu-ra.

O objetivo geral, portanto, é identificar que fatores intervêm no processo de compreensão de um leitor eficien-te. Especificamente, objetiva-se: descrever as estratégias cognitivas e metacognitivas que estão envolvidas na cons-trução de macroestruturas na leitura compreensiva de um sujeito em particular, considerado como um leitor eficien-te.

Como hipótese teórica tem-se que o sujeito, na qua-lidade de leitor eficiente, emprega estratégias cognitivas e metacognitivas para inferir as estruturas textuais, tornando a compreensão da leitura eficiente.

MÉTODO

1. Participante

O sujeito deste estudo é uma professora de portu-guês de uma Escola Estadual de 1o Grau4, situada na peri-feria de Porto Alegre, que atende a uma população de cla s-se sócio-econômica baixa. A formação acadêmica da pro- 4 Optou-se por manter 1o Grau pois na época da coleta era assim denominado esse nível de estudos, atualmente escola fundamental

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fessora foi concluída na UFRGS, tem 35 anos e 17 anos de magistério. Ao longo desses anos, fez vários cursos sobre gramática. Atualmente, leciona na escola acima citada para turmas de 5a e 8a séries.

2. Materiais e Instrumentos: Foram utilizados neste estudo: Oito textos , quatro de estrutura narrativa e quatro de

estrutura expositiva. Para os textos narrativos, escolheram-se partes de livros de autores conhecidos, como Agatha Christie, Amyr Klink e Moacyr Scliar. Para os textos ex-positivos, escolheram-se temas atualizados de revistas de divulgação, como Veja.

Questionários de múltipla escolha sobre cada tex-to, configurando a tarefa de reconhecimento. Esta tarefa foi considerada como prova de memória. Os questionários constam de 10 perguntas e foram confeccionados com o auxílio de uma professora universitária em exercício. Cada pergunta corresponde, aproximadamente, a uma informa-ção de cada parágrafo. Sobre essa informação ofereceram-se três alternativas possíveis. A finalidade desses questio-nários foi medir o reconhecimento de algumas informa-ções do texto lido. As respostas foram avaliadas como medida de compreensão. Para sua análise, foram computa-das as respostas corretas às perguntas dos questionários correspondentes a cada leitura em número de acertos e porcentagens por leitura.

Folhas em branco tamanho A 4 para a tarefa de recuperação. Esta tarefa foi considerada juntamente com o questionário de múltipla escolha também como prova de memória. A professora foi solicitada a escrever o que lem-

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brava sobre cada texto lido na sessão correspondente. Os textos recuperados pelo sujeito foram comparados com os textos originais através das proposições, segundo o Mode-lo de Compreensão Textual de Kintsch e van Dijk (1978). Segundo este modelo, cada proposição foi cons iderada como tendo um predicado e um ou mais argumentos. Esse foi o critério utilizado para dividir o texto em proposições. Tanto os textos originais quanto os textos recuperados pelo sujeito foram divididos, através do acordo entre dois ju í-zes. O método de comparação entre os textos originais e recuperados inspirou-se no trabalho de Marcuschi (1989, citado por Brandão & Spinillo, 1998). O autor dividiu o texto original em blocos de informação, procurando esses blocos na reprodução do texto dos sujeitos. A presença ou ausência das proposições (ou blocos de informação) no texto recuperado é um indicador da compreensão do texto original. Computaram-se o número de proposições recupe-radas e as porcentagens, por leitura.

Protocolo de observação de campo com 15 itens sobre atividades esperadas, ou seja, as estratégias cognit i-vas do leitor na atividade de leitura. Esses itens e espaços para outras possíveis atividades que pudessem ser obser-vadas foram preenchidos durante a observação de campo. Para confeccionar esse protocolo, levantaram-se algumas categorias tendo como base Brown (1980), Palincsar e Brown (1984) e Leffa (1996). Com ajuda deste protocolo, observou-se se o sujeito fazia releituras, inferências, utili-zava marcadores, etc.

Entrevista semi-estruturada para verbalização retrospectiva. A entrevista consta de dez questões-guia, elaboradas com base no referencial teórico utilizado: teoria do processamento de informação, modelo de Kintsh e van Dijk (1978) e modelo metacognitivo de Flavell (1987).

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Sete questões foram elaboradas para a elucidação do pro-cesso cognitivo de leitura da professora e seu conhecimen-to sobre tal processo, três questões focalizaram especifi-camente a estrutura do texto, para verificar o conhecimen-to do sujeito sobre macro e superestrutura do texto. Por exemplo, a professora foi solicitada a responder sobre como tinha sido a leitura; como tinha sido sua atenção durante a leitura; se utilizava alguma estratégia específica; como tinha sido a recuperação do texto; que tipo de texto tinha lido, etc. Nas respostas, identificaram-se as categori-as cognitivas, segundo Brown (1980) e Leffa (1996), e as categorias metacognitivas, segundo o modelo de Flavell (1987).

Entrevista semi-estruturada para verbalização refletida. A entrevista consta de quinze questões-guia, elaboradas com base no modelo metacognitivo de Flavell (1987). Quatro questões versam sobre as variáveis do le i-tor; quatro, sobre as variáveis da tarefa, quatro, sobre as variáveis da estratégia e três, sobre o objetivo da leitura. Por exemplo, perguntou-se à professora como descreveria um bom leitor, qual a diferença entre um texto de jornal e um de livro, etc. As respostas foram categorizadas segun-do o modelo, em variáveis do leitor, variáveis da tarefa, variáveis da estratégia e variável do objetivo. Alguns e-xemplos de respostas são apresentados verbatim na tabela 6.

Um gravador para registrar as verbalizações simul-tâneas, retrospectivas e refletidas. Cada sessão foi gravada e transcrita em sua íntegra. Foram gravadas todas as leitu-ras da professora em voz alta e todos os comentários sur-gidos durante as leituras, para a elaboração do protocolo de verbalização simultânea. Da mesma maneira, foram gravadas as entrevistas semi-estruturadas, para a elabora-

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ção de protocolo de verbalização retrospectiva e a entre-vista semi-estruturada, para a elaboração do protocolo de verbalização refletida.

3. Delineamento e Procedimentos Gerais:

Para este estudo, optou-se pelo delineamento de es-

tudo de caso, segundo o modelo matricial de dupla entrada - caso e unidade de análise - de Yin (1994). Optou-se pelo caso único com uma unidade de análise principal e duas secundárias. Trata -se de um sujeito/pofessora, que foi a-companhada, durante um mês, em situações de le itura compreensiva. A unidade de análise principal é a compre-ensão de texto e as duas unidades de análise secundárias são as estruturas textuais e as estratégias cognitivas e me-tacognitivas na compreensão de texto.

Em um primeiro momento, preencheu-se uma ficha com os dados pessoais da professora e realizou-se a le itura de um texto em caráter informal, com a finalidade de fami-liarizar a professora com o procedimento empregado no estudo. Nesse encontro, utilizou-se também uma entrevista semi-estruturada, para elaborar o protocolo de verbaliza-ção refletida. Foram levadas a efeito 8 sessões com a pro-fessora, durante o mês de Julho de 1999, duas vezes por semana. Cada sessão tinha duração média de 1 hora. Si-multaneamente à leitura dos textos, foram preenchidos, em cada sessão, os protocolo de observação de campo. A le i-tura em voz alta e as verbalizações da professora foram gravadas em fita cassete para posterior transcrição. Os dois procedimentos tiveram como finalidade registrar as estra-tégias de leitura do sujeito. Após a finalização de cada leitura de texto, realizou-se a entrevista semi-estruturada com a finalidade de obter os protocolos de verbalização

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retrospectiva. Em cada sessão, solicitou-se ao sujeito que respondesse a um questionário de múltipla escolha e recu-perasse o conteúdo do texto de forma escrita. Tanto os textos originais quanto os textos recuperados foram anali-sados independentemente pela pesquisadora e por um juiz externo, sendo que, posteriormente, os resultados foram discutidos, até atingirem um consenso. A ordem da apre-sentação dos textos não obedeceu a nenhum critério espe-cífico.

ANÁLISE DOS DADOS

Os resultados foram analisados quantitativa e quali-tativamente, em quatro instâncias diferenciadas. Na pri-meira, analisou-se a compreensão de texto pelo sujeito, através das medidas de memória, ou seja, o questionário de múltipla escolha (reconhecimento) e a folha de recupera-ção do texto (recuperação). Na segunda instância, com a finalidade de analisar o conhecimento do sujeito sobre estruturas textuais, avaliou-se a equivalência das idéias das proposições dos textos recuperadas, em relação às idéias das proposições dos textos originais. Avaliou-se também, nesta instância, o conhecimento do sujeito sobre as macro e superestruturas de cada texto, através das verbalizações retrospectivas. Na terceira instância, categorizaram-se as estratégias cognitivas obtidas por meio da verbalização simultânea e do protocolo de observação de campo e, por último, na quarta instância, categorizaram-se as estratégias metacognitivas obtidas pelas verbalizações retrospectivas e refletidas.

1. Instância 1 – Compreensão de texto

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Utilizaram-se as provas de memória: a) de reconhe-

cimento, através do questionário de múltipla escolha e b) de recuperação, através das proposições do texto da pro-fessora.

1.1. Na análise quantitativa dos resultados da tarefa de reconhecimento, ou seja, o questionário de múltipla escolha sobre o texto, obteve-se uma média de acertos de 94%. O número de acertos e porcentagens, por leitura, são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 – Freqüência e porcentagem dos acertos na tare-

fa de reconhecimento, por leitura.

Leituras Acertos Acertos em %

L1 Cem dias entre o céu e o mar 9 90 % L2 Água, água por todos lados 9 90 % L3 Comida ou remédio 10 100 % L4 Cavalos e obeliscos 10 100 % L5 Os elefantes não esquecem 9 90 % L6 A Beirute Brasileira 9 90 % L7 Cultura parte da natureza humana 9 90 % L8 O Desafio de Aristóteles 10 100 % Média 9,4 94%

1.2. Na análise quantitativa dos resultados da tarefa de recuperação, isto é, o número de proposições recupera-das do texto em relação ao texto original, encontrou-se uma média de recuperação dos textos lidos de 28%. A Tabela 2 apresenta estes resultados e a figura 13 ilustra a relação entre os textos originais e os textos recuperados. A literatura indica que, em trabalhos experimentais, a média

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de recuperação, após uma leitura de texto, é de aproxima-damente 10% a 25%. Observa-se que a recuperação de texto da professora superou essa média. Na análise qualita-tiva dos textos recuperados, seguindo o modelo de memó-ria semântica de curto prazo de Kintsch e van Dijk (1978), pôde-se observar que os textos recuperados compõem-se de parágrafos compostos de proposições, as quais expres-sam as idéias mais significativas do texto original e guar-dam deles a coerência textual. Tabela 2 – No de proposições do texto original e do texto

recuperado, por leitura e porcentagens de recuperação

Leituras Ori. Rec. % L1 Cem dias entre o céu e o mar 141 33 23% L2 Água, água por todos lados 41 17 41% L3 Comida ou remédio 217 52 24% L4 Cavalos e obeliscos 153 47 31% L5 Os elefantes não esquecem 146 27 18% L6 A Beirute Brasileira 145 43 30% L7 Cultura parte da natureza humana 109 22 20% L8 O Desafio de Aristóteles 184 76 41% Média 142 40 28% NOTAS: Ori. = Proposições do texto original Rec. = Proposições recuperadas % = Porcentagens de recuperação

O desempenho do sujeito/professora nas provas de memória, reconhecimento e recuperação, indica boa com-preensão dos textos lidos.

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Fig. 13. Comparação entre as proposições dos textos originais e dos textos recuperados

2. Instância 2 – Estrutura do texto A análise da estrutura textual foi feita a partir dos

conceitos de macro e superestrutura de Kintsch e van Dijk (1978) e van Dijk (1997). Foram examinadas: a) as propo-sições recuperadas dos textos; b) as verbalizações retros-pectivas e; c) as verbalizações refletidas.

2.1. Na análise das proposições recuperadas dos tex-tos constatou-se que a professora recuperou as macroestru-

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turas – isto é, expressou as idéias principais de cada texto, construindo um novo texto com coerência textual.

2.2. Na análise da verbalização retrospectiva, verif i-cou-se que a professora identificou as superestruturas de cada texto lido, como narrativa, informativa ou enumerati-va.

2.3. Na análise da verbalização refletida, a professo-ra revelou conhecimento da superestrutura, diferenciando entre textos narrativos, informativos e científicos e ainda caracterizando-os ao dizer: “O artigo de jornal ele é infor-mativo e as vezes é exagerado... não dá para confiar tanto. Uma novela é aquela coisa fantasiosa ....e o artigo científ i-co é realidade...”. Pode-se observar que a professora, além de identificar tipos de superestrutura diferentes, outorga a eles características específicas. As expectativas geradas no leitor por esse conhecimento - tipo de texto e o que esperar deles - influenciam a compreensão do texto, como aponta van Dijk (1997).

Esses resultados indicam que a professora tem co-nhecimento das estruturas do texto, tanto da macroestrutu-ra quanto da superestrutura, o que lhe possibilita um bom desempenho na compreensão de textos.

3. Instância 3 – Estratégias cognitivas

Para a análise das estratégias cognitivas, examina-

ram-se: a) a verbalização simultânea à leitura, b) as marca-ções feitas no texto original pela professora enquanto rea-lizava a leitura e c) o protocolo de observação de campo, onde registrou-se o comportamento observado durante a leitura. Dos dados do primeiro e segundo itens, verbaliza-ção simultânea e marcações no texto, levantaram-se oito categorias identificadas como estratégias cognitivas e a

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freqüência em que foram utilizadas em cada leitura expos-tas na Tabela 3. Dos dados do terceiro item, protocolo de observação de campo, levantaram-se 14 categorias identi-ficadas como estratégias cognitivas, expostas na Tabela 4.

Tabela 3 – Estratégias cognitivas para cada leitura,

levantadas da verbalização simultânea

Estratégias cogn itivas L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 Fazer pausa 12 12 15 8 7 3 13 7 Repetir palavras 12 12 29 10 5 8 11 14 Parafrasear 11 11 6 9 13 15 15 17 Concluir trechos (então) 5 3 8 2 8 9 11 9 Adicionar comentário 4 5 1 1 1 2 Sublinhar 49 6 69 27 47 54 41 53 Circular e fazer setas 5 8 7 11 Fazer anotações 3 4 7 3 5 6

3.1. Na análise descritiva do protocolo de verbaliza-ção simultânea, constatou-se a utilização de várias estraté-gias cognitivas como pausas, repetições de palavras, con-clusões e inferências. Todavia, observou-se, ao longo das oito sessões de leitura, um incremento no uso de estraté-gias de parafrasear e concluir trechos. Isso sugere que houve um progressivo aumento do processo inferencial, ao longo do tempo, uma vez que o processo inferencial de-pende de juízos conclusivos.

3.2. Na análise das marcas adicionais feitas pela professora nos textos lidos, verificaram-se estratégias cog-nitivas como sublinhar, circular palavras, etc. Observou-se, nas últimas leituras, uma maior concentração das estra-tégias em destacar informação do texto (sublinhar, circu-lar, fazer anotações). Esses resultados podem estar suge-rindo que a professora, com o passar do tempo, aprimorou

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a utilização de algumas estratégias de leitura, com a finali-dade de fixar a informação para posterior recuperação.

Tabela 4 – Estratégias cognitivas para cada leitura, levan-tamento com base na observação de campo

Estratégias cogniti-vas

L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8

1) Reler segmentos x x x x x x x x 2) Fazer anotações à margem x x x x x x 3) Correr os olhos pela página x 4) Pronunciar vagarosamente x x x x x x x x 5) Parafrasear x x x x x x x x 6) Concluir x x x x x x x x 7) Ativar conheciment. prévios x x x x x x x x 9) Relacionar parágrafos x x x x x x x x 11) Organizar as informações x x x x x 12) Descompor frases x x x x x x x x 13) Sublinhar x x x x x x x 14) Fazer pausas x x x x x x x x

3.3. Na análise descritiva do protocolo de observa-

ção de campo, os dados permitiram comprovar a utilização de estratégias apontadas pela professora na verbalização refletida como: “...geralmente gosto de ler e reler e mar-car, com aquelas canetas coloridas o que é mais importante ou quando é alguma coisa mais profunda e leio e volto .... falo em voz alta, procuro outros significados, faço rela-ções, algumas vezes faço esquemas...”. Também, a obser-vação de campo permitiu preencher silêncios na gravação da verbalização simultânea, já que foi anotado o que a professora fazia durante as pausas, por exemplo, na estra-tégia identificada como relacionar parágrafo a professora apontava com a ponta do lápis uma frase e outra alternati-vamente, o que sugere que ela estava buscando a relação entre as duas frases.

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Conclui-se, analisando os protocolos de verbaliza-ção simultânea, as marcações feitas na folha do texto e o protocolo de campo, que a professora utiliza as estratégias cognitivas específicas da leitura, apontadas por Brown, (1980), Palincsar e Brown (1984), Leffa (1996). Ao anali-sar o emprego dessas estratégias, ao longo das sessões, aparecem indícios de aprimoramento no uso delas com o passar do tempo.

4. Instância 4 – Estratégias metacognitivas Para a análise das estratégias metacognitivas, utili-

zou-se o modelo metacognitivo de Flavell (1987), exami-nando-se a) as verbalizações retrospectivas da entrevista pós leitura e b) as verbalizações feitas a partir da reflexão eliciada pela entrevista inicial.

4.1 Da análise do protocolo de verbalização retros-pectiva emergiram as categorias presentes no modelo me-tacognitivo de Flavell (1987): objetivos cognitivos, ações cognitivas, conhecimento metacognitivo e experiência metacognitiva. Essas foram detalhadas, categorizando-se a verbalização do sujeito por leitura. As categorias objetivo e ação cognitiva foram agrupadas devido às várias ocasi-ões em que foram explicitadas na mesma frase. Na Tabela 5, expõem-se alguns exemplos dessa categorização.

Como pode ser observado, a delimitação entre as ca-tegorias tornou-se um pouco difusa, até pelo fato de que, em uma mesma frase, ter aparecido uma categoria que poderia ser identificada como uma ou outra. No entanto, pode-se considerar que, no conjunto, todas elas estão re-presentando a capacidade metacognitiva do suje ito.

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Tabela 5 (Parte 1) – Exemplos de verbalizações retrospec-tivas, categorizadas segundo Flavell (1987)

Objetivos Cognitivos e Ações Cognitivas L 1 Eu imaginei uma árvore de 100 anos...

Imaginei os pescadores na beira da praia, falando. Gravei algumas coisas mais importantes, mais muito deta-lhe não.

L2 Eu acho que a gente grava bem mais do que só lendo (refe-re-se a ter como objetivo da leitura ter que escrever o que lembra) Eu vou e volto, porque isso, porque aquilo, vou encaixando uma idéia com outra mais embaixo, vou lembrando de algum conhecimento.

L3 Lembrei-me do famoso mercado da Inatura, cheio de pães variados.

L4 Imaginei um menino distraído em Sala da aula, os alunos que a gente chama que estão dor-mindo, fazendo outra coisa. Depois nesta parte imaginei um campo de batalha, os coro-néis como antigamente, depois também visualizei o diretor entrando na sala de aula, os colegas levantando o rapaz como nos jogos.

L5 Eu li para entender e memorizar para depois fazer o relato. L6 Quando falou em Rio de Janeiro já vi, conclui necessaria-

mente que tinha violência no assunto. O objetivo era saber o que o texto diria sobre Rio. Algumas informações a mais, mas toda essa colocação era o que eu esperava. Já imaginei praia ....

L 7 Sabia que cada item era um item diferente, sabia que tinha que gravar, alguma coisa de cada um deles, eu poderia não lembrar de explicar mas eu tinha que lembrar da relação da cultura é cérebro.

L8 Pensei em cada historia como item.

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Tabela 5 (Parte 2) – Exemplos de verbalizações retrospec-tivas, categorizadas segundo Flavell (1987)

Conhec. Metacognitivo da: estratégia, pessoa, tarefa L 1 Eu fui lembrando como um roteiro, eu fui lembrando e

colocando. Algumas coisas me lembrava do final mais ai eu deixava para colocar depois.

L2 Quando eu começava a ler e re-ler é porque eu não estava entendendo, tinha algum dado que se confundia, então, quando eu ia a seguir é porque não tinha nada interessante. Eu gosto de saber que aprendi alguma coisa, isto é uma coisa minha.

L3 Eu gosto desse tipo de texto. Este é um assunto que me interessa que estou sempre querendo saber.

L4 Era um texto narrativo que conta de certa forma duas histórias ... A maioria das palavras que eu marco são para encadear as idéias, para formar frases, quem era a professora, quem era o rapaz, porque ela gostava do rapaz...

L5 Esse texto não é meu gênero, legal mais nada de especial O autor vai dando importância a coisas sem importância.

L6 Eu marquei e fiz setas, fiz um = para marcar que era igual a Beirut.

L 7 Eu já li algumas coisas de Vygotsky. Eu acho que é bom mas meio complicado tem que estudar não só ler, é um assunto que a gente não trata normalmente, não é em uma única leitura que a gente consegue entender.

L8 É um texto informativo e ao mesmo tempo narrativo, pois começa a contar a vida do narra-dor.

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Tabela 5 (Parte 3) – Exemplos de verbalizações retrospec-tivas, categorizadas segundo Flavell (1987)

Experiência metacognitiva L 1 É uma coisa que até não havia me dado ainda bem por conta.

Eu acho que até faço, mas não é uma coisa que penso: Agora vou mentalizar um quadro. Muitos detalhes eu não lembrei, tinha idéia que tinha mais eu não lembrava.

L2 A primeira idéia e de que não lembro de nada. Eu sabia que tinha aquilo no texto, mas o lugar exato não tinha idéia.

L3 As vezes só pensava, só relia mentalmente, marcava ia relendo ia uma coisa mais adiante e aí dava me conta que uma coisa era importante e voltava.

L4 Era uma coisa bem rápida, não como o outro texto que eu trabalhava muito até com a mente, lendo para internalizar .... Eu estava atenta ao texto. Como não tem muitas informações, tem frases que não tem função informativa eu ia lendo.

L5 ...só fui me dar por conta do barulho quando estava aqui, mas eu fui lendo e como era uma narração ne.. um conto cheio de detalhes de coisas não importantes eu não me detive em voltar.

L6 Não é uma imagem como essa aqui do gravador, mas vem uma imagem. Não é uma coisa muito concreta, não é uma coisa muito parada, que pare e observe ... vem assim aquelas imagens, lembranças .. em forma de ima-gem.

L 7 No primeiro parágrafo não entendi nada. Me dei por conta que sem uma concentração, realmente, as coisas passam, então eu comecei a ler e dar por conta da profundidade do texto e que não estava ficando nada gravado e aí o que eu me dei por conta que precisa muito mais concentração, muito mais silêncio mais releitura quando o texto é profundo.

L8 Me concentrei, não pensei em mais nada me interessou de início o assunto.

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4.2. Da análise do protocolo de verbalização refle ti-da foi possível identificar o conhecimento metacognitivo, através das variáveis do leitor, da tarefa, da estratégia e do objetivo, segundo o modelo metacognitivo de Flavell (1987). Na Tabela 6, expõem-se alguns exemplos.

Tabela 6 – Exemplos de verbalizações refeltidas, categorizadas segundo Flavell (1987)

Variável do leitor

Variável da tarefa Variável da estratégia

Variável do objetivo

Leio com fluência. Sei pontuar. Enceno a leitura para compreender. Leio bastante.

...no meu caso eu vejo mais a questão de tempo, no momento que eu tenho tempo eu leio, nos momentos de ônibus, de vinda para cá. ..., de noite, só que eu tenho muitas tarefas. No meu caso no me envolvo muito com televisão. Eu gosto muito de coisas de Psicologia, de Autoajuda, isso eu leio muito ...

Releio. Marco no texto. Uso de dicioná-rio. Falo em voz alta. Relaciono com outros conhecimento.s Utilizo esque-mas.

Compreender para trans- Mitir. Por curiosidade. Para me informar. Por prazer.

A análise dos dados dos protocolos de verbalização

retrospectiva e refletida demonstra que a professora reflete sobre sua cognição, sobre as estruturas e características do texto, monitorando e regulando seu processo de leitura. Por exemplo, levando em conta as categorias de Flavell (1987), é evidente que a professora tem consciência do objetivo da leitura, quando diz: “Eu li para entender e me-morizar para depois fazer o relato” e de suas ações cogni-

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tivas para a leitura, por exemplo, quando ela relata: “...pensei em cada história como item”.

Com relação ao conhecimento metacognitivo, a professora utiliza conhecimentos prévios, ao ativar conhe-cimentos relevantes para o assunto da leitura. Como e-xemplo, a professora diz: “... imaginando um menino dis-traído em sala de aula, os alunos que a gente tem que cha-mar que estão dormindo, fazendo outra coisa”. Pensa no processo de leitura enquanto o está realizando, ativando informação sobre a realização da tarefa. Ela diz: “Quando eu começava a ler e reler é porque eu não estava entenden-do, tinha algum dado que se confundia, então, quando eu ia a seguir é porque não tinha nada interessante”. Tem consciência de suas características como leitora, de seus interesses sobre os textos, ou seja, sabe sobre as variáveis pessoais, quando afirma: “Eu gosto desse tipo de texto”. Da mesma maneira, tem consciência da influência dos diferentes tipos de texto, ou seja, reflete sobre a variável da tarefa, quando diz: “... é narrativo, pois começa a contar a vida do narrador”. Tem consciência das estratégias que utiliza para compreender a leitura, ou seja, a variável da estratégia, ao reportar que : “... a maioria das palavras que eu marco são para encadear as idéias”. As estratégias me-tacognitivas também estão presentes, quando supervisiona o processo cognitivo e certifica-se de que o objetivo foi alcançado. Continuamente faz perguntas para si mesma e avalia a compreensão do texto, organizando idéias, subli-nhando e marcando o mesmo.

Quanto às experiências metacognitivas, a professora manifesta seus sentimentos sobre a leitura, toma consciên-cia de não estar compreendendo e aponta para a dificulda-de de um dos textos, assim como relaciona a redução da velocidade de leitura ao fato de alguns trechos disporem de

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muita informação, demonstrando que é capaz de regular o processo de leitura, segundo a exigência da tarefa. Por exemplo, a professora coloca: “... era uma coisa bem rápi-da, não como o outro texto que eu trabalhava muito até com a mente, lendo para internalizar”.

Por outro lado, observou-se que no momento da en-trevista, em várias oportunidades, a professora toma cons-ciência, simultaneamente ao seu relato, de alguma ativida-de cognitiva. Por exemplo, em determinado momento ela diz: “É uma coisa que até não havia me dado ainda bem por conta”, referindo-se ao uso de imagens mentais duran-te a leitura. Cabe destacar também que as referências sobre o uso de imagens mentais para representar episódios dos textos aumentaram depois que o sujeito as verbalizou pela primeira vez.

Os resultados apresentados indicam que a professo-ra, sujeito deste estudo, tem um bom nível de compreensão de leitura, tem conhecimento das estruturas textuais, utiliza várias estratégias cognitivas para leitura e evidencia ter boa capacidade metacognitiva, refletindo tanto sobre sua cognição quanto sobre o conteúdo desta, durante o ato de leitura compreensiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral do estudo foi analisar a leitura de um sujeito/professora de Português, através de sua intera-ção com o texto. De forma particular, avaliou-se a possível participação do sujeito/professora em um estudo de inter-venção com alunos de 5a série, o qual exige a presença de um instrutor que possa modelar e instruir estratégias e conhecimentos necessários para uma leitura eficiente.

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A discussão dos resultados será feita à luz do enfo-que do Processamento de Informação (PI) que permite analisar a leitura compreensiva como uma modalidade de resolução de problema, tal como é proposto no modelo de Bruer (1995). Considerar a leitura como um processo de resolução de problema significa que a decodificação das letras ou grafemas caracteriza o estado inicial do problema e a compreensão do texto, o estado final. A resolução, propriamente dita, de forma geral, depende de operadores que incluem tanto o conhecimento declarativo quanto o conhecimento procedural. No caso específico da leitura compreensiva, tais operadores correspondem, por um lado, ao conhecimento lexical, sintático, semântico e das pró-prias estruturas textuais (macro e superestrutura) e, por outro, ao conhecimento adquirido pela experiência do in-divíduo, sobretudo, aquela relacionada à atividade de ler, como por exemplo, as habilidades de leitura.

Com a finalidade de organizar a discussão dos resul-tados encontrados no presente estudo, manteve-se a mes-ma ordem em que foram analisados os dados na sessão de resultados. Portanto, discute-se primeiro o desempenho da professora na compreensão dos textos; segundo, a utiliza-ção de macroestruturas e superestrutura; terceiro, a utiliza-ção de estratégias cognitivas e por último, a utilização de estratégias metacognitivas na atividade de leitura compre-ensiva.

Com relação à compreensão dos textos, a professora demonstrou uma boa capacidade de compreensão da leitu-ra, evidenciada pelo seu bom desempenho nas tarefas de reconhecimento e recuperação, em cada texto lido. As duas tarefas são consideradas como medidas da compreen-são. Apesar destas serem provas de memória, elas são aceitas pela literatura como medidas de compreensão de

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texto (Vega & cols., 1990). No entanto, é importante sali-entar a diferença entre ambas. Enquanto no reconhecimen-to, os conteúdos da memória declarativa são ativados pelas perguntas específicas sobre o texto, na recuperação, por não existir esse estímulo, o processo de busca depende da capacidade do indivíduo de ativar, primeiro, suas estraté-gias de evocação (conhecimento procedural) e, segundo, os conteúdos do texto (conhecimento declarativo), exigin-do mais do processo cognitivo como um todo. Ainda sobre recuperação, deve-se considerar igualmente que os conte-údos armazenados na memória sofrem, na recuperação, os efeitos, por um lado, da capacidade limitada da memória de trabalho, segundo o modelo de Baddeley (1990) e, por outro, dos esquemas individuais e subjetivos na própria construção do texto recuperado, como sugere Leffa (1996).

Apesar dessas diferenças, pode-se afirmar que am-bos os processos, de reconhecimento e de recuperação, são responsáveis pela evocação dos conteúdos da memória, comportando subprocessos específicos. O primeiro depen-de mais dos processos associativos da memória semântica e o segundo, dos processos inferenciais do sistema cogni-tivo em geral. Estes últimos parecem informar mais quan-do o objetivo é estudar a presença dos processos de alto nível.

Especificamente nesse estudo, a diferença entre as médias obtidas pela professora, de 94% para reconheci-mento e 28% para recuperação, confirmam essas diferen-ças teóricas, ou seja, o desempenho em valores absolutos nas tarefas de reconhecimento é superior ao desempenho nas tarefas de recuperação. A recuperação pode ter sido influenciada por alguma variável presente no texto. A aná-lise qualitativa da recuperação do texto mostra uma possí-vel relação entre a apreciação que o sujeito fez de cada

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texto e a respectiva recuperação destes. Senão vejamos: a leitura 5 (Os elefantes não esquecem), que foi considerada desinteressante por não ser o gênero preferido de leitura, teve um índice de recuperação de 18%. A leitura 7 (A cultura torna-se parte da natureza humana), avaliada pelo sujeito como um texto complexo, profundo e pouco fami-liar, apesar de interessante, teve um índice de recuperação de 20%. As duas leituras indicadas, respectivamente como pouco interessante e complexa, tiveram os índices mais baixos de recuperação. Já entre os textos que apresentaram maior porcentagem de recuperação, estão a leitura 2 (Á-gua, água por todos lados) e a leitura 8 (O desafio de Aris-tóteles), ambas com 41% de recuperação. A primeira foi a leitura mais curta, tendo sido avaliada pelo sujeito como de leitura rápida. A segunda foi aquela em que o sujeito envolveu-se mais emocionalmente, introduzindo aspectos pessoais. As leituras 4 (Cavalos e Obeliscos) e 6 (A Beiru-te brasileira), com respectivamente 31% e 30% de recupe-ração, foram consideradas le ituras fáceis. A primeira foi descrita como uma narração com muitos diálogos, o que parece facilitar a compreensão. Na segunda, o sujeito con-siderou o conteúdo como previsível pela temática do texto, ou seja, a violência do Rio de Janeiro. A leitura 1 (Cem dias entre o céu e o mar) foi classif icada como uma narra-tiva agradável e teve 23% de recuperação, e a 3 (Comida ou remédios), caracterizada como de grande interesse, teve 24 % de recuperação. Algumas variáveis presentes no texto, como o tamanho, a previsibilidade, o desconheci-mento, a complexidade do conteúdo e o próprio interesse despertado pelo assunto podem ter facilitado ou dificultado a compreensão da leitura. A variável interesse do leitor tem sido pouco pesquisada na área de compreensão de leitura.

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Mesmo considerando estas variáveis, o alto índice de recuperação apresentado pela professora indica que ela foi capaz de construir as macroestruturas textuais, ativando conhecimentos prévios, inferindo relações e concluindo sobre as informações do texto, como sugerem Kintsh e van Dijk (1978); van Dijk e Kintsch (1983); Leffa (1996); van Dijk (1997). Ela elabora também textos resumidos que têm coerência textual e que guardam relação com os textos originais. A qualidade desses textos sugere que a professo-ra construiu as macroestruturas, como propõe o modelo de Kintch e van Dijk (1978). Isso pode ser observado no tre-cho seguinte, no qual as proposições repetidas pela profes-sora estão em negrito, as proposições adicionadas, em itálico e as proposições autoexplicativas, sublinhadas.

1Até a década de 1970, o Líbano era apontado no mundo inteiro como um verdadeiro oásis encravado no Oriente Médio.///1 Durante os tempos, as montanhas que circundam sua capital, a bela 2Beirute , serviram de prote-ção aos foragidos dos fanatismos e das intolerâncias da-quela turbulenta região. ///2 então a Beirute era abrigo, era proteção ... o Líbano era calmo né? 3Conviviam lá, harmoniosamente, religiões rivais como a dos cristãos maronitas e as várias seitas muçulmanas que se estrutu-ravam em 27 partidos políticos. Beirute///2 conviviam Disputavam o voto da população tanto os extremistas de direita do Partido Falangista como os esquerdistas do Par-tido Socialista Progressista. Então havia dois partidos bem importantes que disputavam os votos, os Falangistas que vem de falange e socialista progressista.

As três barras e o número indicam que a professora suspende a leitura, faz uma pausa e volta atrás. As frases em negrito indicam que as proposições que a professora seleciona para uma releitura são as proposições relevantes

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para a construção do texto base. As frases em itálico cor-respondem às proposições de inferências adicionadas pela professora que formam a macroestrutura. A palavra então é utilizada na conexão de um bloco de proposições com outro e indica a inclusão de proposições inferenciais na memória de trabalho. Na observação do comportamento da professora, surgem evidências de que ela lê por ciclos, modificando o texto base a cada releitura de micropropos i-ções significativas, como sugere o modelo de processo de compreensão de texto de Kintsch e van Dijk (1978).

A compreensão da leitura, segundo Leffa (1996) e van Dijk (1997), também é influenciada pela superestrutu-ra do texto. Ao identificar o tipo de texto, os leitores levan-tam várias hipóteses sobre as informações que serão lidas a seguir e esta antecipação do conteúdo está diretamente relacionada à boa compreensão e fixação do texto lido. A professora indicou o tipo de texto de cada leitura. Por e-xemplo: “este texto trata de uma narração e é o próprio autor que está narrando”. Esse tipo de conhecimento decla-rativo/semântico, ao estar presente na atividade de leitura da professora, proporcionou-lhe uma boa interação com o texto. O resultado é a leitura eficiente.

Com referência à utilização de estratégias cognitivas aplicadas à leitura, observou-se que a professora fez, fre-quentemente, pausas, repetições de palavras, parafraseios, conclusões, adições, marcas no texto, releituras de seg-mentos, ativação de conhecimentos prévios, relações entre parágrafos e decomposições de frases. Essas estratégias cognitivas são indicadas por vários autores como estraté-gias específicas de leitores eficientes (Brown, 1980; Leffa, 1996; Palincsar & Brown, 1984). Quando perguntada, a professora reportou também a elaboração de imagens ao ler alguns episódios dos textos. Por exemplo: “Imaginei os

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pescadores na beira da praia, falando...”. No entanto, atra-vés de suas verbalizações, como por exemplo: “...é uma coisa que até não havia me dado ainda bem por conta, eu acho que até faço, mas não é uma coisa que penso: agora vou mentalizar um quadro.”, constatou-se que a utilização dessa estratégia não era plenamente consciente. Infere-se que ler utilizando imagens mentais faz parte do conheci-mento procedural da professora, portanto, não é uma estra-tégia utilizada com plena consciência ou voluntariamente. Entretanto, a partir da verbalização sobre as imagens, a professora reporta, posteriormente, maior utilização desta estratégia. Surge, então, a seguinte pergunta: a professora, ao tomar consciência do fato, conseqüentemente consegue verbalizar mais sobre este ou, pelo fato de ser mais consci-ente da estratégia, passa a ter mais controle voluntário sobre esta?

Segundo as teorias sobre metacognição, pode-se in-terpretar, como propõe Brown (1980), que a professora passou de uma atividade cognitiva automática e inconsci-ente a uma atividade metacognitiva voluntária e conscien-te; ou, de acordo com Leffa (1996), passou de um conhe-cimento procedural implícito a um declarativo explícito; ou, ainda, passou de uma metacognição espontânea e fraca a uma provocada e forte, como sugerido por Seminerio (1998, 2000).

A interação entre a atividade cognitiva e a metacog-nitiva, observada nesse estudo, preocupa os pesquisadores, já que envolve a definição do próprio conceito de meta-cognição (Brown, 1997). Alguns autores (Brown, 1980; Brown & Campione, no prelo; e Leffa, 1996) enfatizam a tomada de consciência como a característica específica da atividade metacognitiva. Esta envolve a reflexão conscien-te dos processos cognitivos. Já outros (Metcalfe & Shi-

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mamura, 1994), enfatizam a característica sensitiva, ou seja, a experiência metacognitiva que gerencia os proces-sos cognitivos de forma inconsciente. As duas característi-cas da metacognição, a reflexiva e a sensitiva, foram ob-servadas no presente trabalho. Houve reflexão sobre a cognição e sobre as macroestruturas do texto, com a fina-lidade de monitorar e controlar o processo de compreen-são. Houve também a sensação sobre a cognição e sobre a compreensão. No primeiro caso, quando a professora refle-te sobre o processo de leitura, por exemplo diz: “... eu comecei a ler e dar por conta da profundidade do texto e que não estava ficando nada gravado aí precisei mais con-centração e mais releitura”, identifica-se a metacognição forte, provocada, reflexiva, consciente, explícita e regula-dora. No segundo caso, quando a professora reporta situa-ções nas quais teve consciência de não saber algo ou saber que tinha lido algo mas não podia lembrar (feeling of kno-wing), por exemplo: “... eu li alguns parágrafos à frente e, repentinamente, surgiu uma idéia lida em parágrafos ante-riores, ajudando a chegar a uma conclusão”, identifica-se a metacognição fraca, espontânea, sensitiva, inconsciente , implícita, mas também reguladora.

Na mesma linha de análise, observaram-se variações na atividade de leitura da professora. Ora sua leitura era rápida e rápidas também eram suas inferências, ora deti-nha-se, refletindo sobre suas lembranças ou instruindo a si mesma de como devia proceder. Esses dados também re-fletem os possíveis níveis de investimento consciente da professora em diferentes momentos. A metacognição es-pontânea resolve situações simples de leitura, com menor consumo de tempo e energia mental, enquanto que a pro-vocada responde às complexidades do texto, exigindo mais da cognição como um todo (Seminerio, 2000). Portanto, a

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capacidade reguladora da ativ idade metacognitiva adapta-se ao nível de exigência da tarefa realizada.

Os resultados também mostram que a professora tem consciência dos objetivos da cognição. Ela indicou que, de forma geral, suas estratégias de leitura dependem do objetivo desta, exemplificando que, ao escolher um texto para seus alunos lerem, ela faz uma leitura rápida, apanhando apenas algumas palavras para entender do que se trata. Nesse estudo, em particular, ela relatou que suas leituras tiveram a finalidade de guardar as informações mais importantes para, posteriormente, fazer o resumo. Ela diz: “Eu li para entender e memorizar para depois fazer o relato”. A professora, portanto, tem consciência da relação que existe entre o objetivo da leitura, ou seja, saber para que está lendo e as estratégias necessárias para atingir tal objetivo. Como Leffa (1996) sugere, para o leitor eficiente o objetivo da leitura e as estratégias empregadas estão em perfeita harmonia. Por exemplo, se para a professora a leitura é difícil, ela utiliza marcadores específicos, como setas e círculos ou anotações conclus ivas no texto, para compreender melhor o que está lendo. A utilização das estratégias, conforme pode ser observado na tabela 3, foi aumentando, no decorrer do estudo. Possivelmente, algum tipo de mudança ocorre com a sistematização e repetição da atividade. A estabilidade da mudança mereceria um estudo à parte.

De um modo geral, pode-se dizer que os resultados desse estudo, além de responderem ao objetivo geral, cor-roboram aqueles encontrados na maioria das pesquisas na área de compreensão de leitura. Esses achados indicam que os fatores que intervêm no processo de compreensão de um leitor eficiente envolvem, por um lado, o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas do leitor no mo-

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mento da leitura (Brown & Canpione, no prelo; Garner, 1987; Leffa, 1996; Palinscar & Brown, 1984; Pressley & Waller, 1984) e, por outro, a construção pelo leitor das estruturas textuais, macro e superestrutura (Kintsh & van Dijk, 1978; van Dijk & Kintsch 1987; van Dijk, 1997).

Com relação ao objetivo do estudo, descrever as es-tratégias cognitivas e metacognitvas do sujeito que estive-ram envolvidas na construção de macroestruturas na leitu-ra, verificou-se que a professora, sujeito desse estudo, é um leitor eficiente. Isso acontece não só por sua habilita-ção de professora de português, mas também por atender às características que definem o leitor eficiente. Ao refletir sobre os dados analisados na revisão da literatura e os da-dos obtidos neste trabalho conclui-se que podem ser elabo-rados programas específicos de ensino de leitura compre-ensiva. Estes programas teriam como finalidade desenvol-ver, no contexto formal de sala de aula, habilidades de compreensão de texto, ensinando aos alunos a abstrair as idéias principais, a estar atentos à coerência textual e a utilizar estratégias cognitivas e metacognitivas que facili-tam o processo de compreensão do texto.

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Recebido: Julho de 2002 Aceito : Outubro de 2002 Endereço para correspondência: Rua Prof. Fernando Carneiro, 269 91330-100 - Porto Alegre, RS [email protected]