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Literatura e Ensino Florianópolis - 2010 Tânia Regina Oliveira Ramos Gizelle Kaminski Corso Período

Literatura e Ensino

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Literatura e Ensino

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Literatura e Ensino

Florianópolis - 2010

Tânia Regina Oliveira RamosGizelle Kaminski Corso5º

Período

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Governo FederalPresidente da República: Luiz Inácio Lula da SilvaMinistro de Educação: Fernando HaddadSecretário de Ensino a Distância: Carlos Eduardo BielschowkyCoordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso Costa

Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbosaPró-Reitora de Ensino de Graduação: Yara Maria Rauh MüllerPró-Reitora de Pesquisa e Extensão: Débora Peres MenezesPró-Reitor de Pós-Graduação: Maria Lúcia de Barros CamargoPró-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPró-Reitor de Infra-Estrutura: João Batista FurtuosoPró-Reitor de Assuntos Estudantis: Cláudio José AmanteCentro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt

Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretora Unidade de Ensino: Felício Wessling MarguttiChefe do Departamento: Zilma Gesser NunesCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser NunesCoordenador de Tutoria: Josias Ricardo HackCoordenação Pedagógica: LANTEC/CEDCoordenação de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE

Comissão EditorialTânia Regina Oliveira RamosIzete Lehmkuhl CoelhoMary Elizabeth Cerutti Rizzati

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Equipe de Desenvolvimento de Materiais

Laboratório de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenação Geral: Andrea LapaCoordenação Pedagógica: Roseli Zen Cerny

Produção Gráfica e HipermídiaDesign Gráfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine SuzukiResponsável: Thiago Rocha Oliveira, Laura Martins RodriguesAdaptação do Projeto Gráfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha OliveiraDiagramação: Grasiele Pilatti, Gregório Bacelar LameiraFiguras: Bruno Nucci, Grasiele Pilatti, Gregório Bacelar LameiraCapa: Ângelo BortoliniTratamento de Imagem: Grasiele Pilatti, Gregório Bacelar LameiraRevisão gramatical: Tony Roberson de Mello Rodrigues

Design InstrucionalResponsável: Vanessa Gonzaga NunesDesigner Instrucional: Tecia Estefana Vailati

Copyright © 2010, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da

Universidade Federal de Santa Catarina.

Ficha Catalográfica

R175l Ramos, Tânia Regina OliveiraLiteratura e ensino / Tânia Regina Oliveira Ramos, Gizelle

Kaminski Corso. – Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2010.104 p.

ISBN 978-85-61482-27-5 1.Literatura – Estudo e ensino. 2. Literatura – Historiografia. 3. Litera-tura moderna. I. Corso, Gizelle Kaminski. II. Título.

CDU: 82:37

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Sumário

Apresentação ..................................................................................... 7

Unidade A - A literatura em questão .......................................... 9A literatura em sina1 ......................................................................................11

As institucionalizações da literatura2 ......................................................17

Unidade B - Professores, alunos e literatura ..........................25Relação literatura e ensino3 .......................................................................27

A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a internet)4 ...33

Os livros didáticos - fragmentos e retalhos d5 e

(in)formação literária ..................................................................................39

Unidade C - A leitura na escola ...................................................47A literatura infantojuvenil6 .........................................................................49

Ilustração: Palavras e imagens7 .................................................................57

As adaptações de textos clássicos8 .........................................................63

Unidade D - A literatura na escola .............................................71A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular9 .......73

O texto literário na escola: apontando caminhos10 ............................91

Referências ........................................................................................99

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Apresentação

N ossa disciplina objetiva principalmente pensar a futura prática

como professoras e professores de Literatura. Por essa razão ela é

apresentada a partir da voz de uma professora. Sua inquietação e

seu questionamento motivaram a trajetória das nossas escolhas e dos tópicos a

serem aqui apresentados. Eis o que nos escreveu a professora Fabiana Cardoso

Fidelis: “Como sabem, pela primeira vez estou ministrando aulas para o ensino

médio. Tenho a disciplina de língua portuguesa (três períodos), na qual se inclui

os conteúdos de literatura. O currículo estabelecido segue mais ou menos o que

está nos livros didáticos, conforme as séries, dividido em gramática e períodos

literários. O professor faz o plano e organiza sua metodologia em cima do currí-

culo (na prática, no ensino médio federal, conduz sua aula como acha melhor).

Assim sendo, no que se refere à literatura, tenho tentado trabalhar com a leitu-

ra de algumas obras ou trechos delas – numa perspectiva da tradição – e delas

tirar as características estéticas do período – quero que pelo menos os alunos

conheçam trechos das obras, se não a obra inteira. Bom, estamos reformulando

o currículo dos cursos técnicos na escola e fiquei me perguntando sobre o fato de

a literatura estar incluída na aula de língua portuguesa e o quanto a literatura

fica em segundo plano por isso. Sei que o ideal seria integrar as duas disciplinas,

de forma que se trabalhasse com análise de textos literários como algo que fizesse

parte da língua, com suas especificidades, mas na prática sabemos que não é

bem isso que ocorre. O professor que tem sua formação voltada para a língua

portuguesa acaba trabalhando muito pouco a literatura ou nem trabalha. Vimos

isso na pesquisa que fizemos em escolas. Os alunos não conheciam nem tinham

lido nenhuma obra literária. Então fiquei me perguntando se não seria melhor

dedicar um período ao ensino de literatura. Acho que o ideal mesmo seriam dois

e dois, ou seja, dois períodos (duas aulas) para o ensino de literatura e dois para

o ensino de língua portuguesa – estrutura e funcionamento da língua, mas acho

difícil que o aceitem, porque os pedagogos e professores de outras áreas têm a

ideia de que Português é importante, mas que a literatura tem muita “firula”.

Parece-me que seria positivo para a disciplina de literatura ser novamente reco-

nhecida como disciplina separada; por outro lado, acho que a integração dentro

da mesma disciplina, com o mesmo professor, também tem suas vantagens. Os

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais, o Enem- Exame Nacional do Ensino

Médio, tudo se encaminha para colocar a literatura dentro da área de códigos e

Fabiana Cardoso Fidélis é professora de ensino mé-dio no IFRS e é doutoran-da do Programa de Pós-Graduação em Literatura na UFSC, desenvolvendo uma pesquisa sobre leitu-ra e ensino.

Criado em 1998 e que tem por objetivo avaliar o desempenho do estudan-te ao fim da escolaridade básica. Podem participar do exame alunos que es-tão concluindo ou que já concluíram o ensino mé-dio em anos anteriores. O Enem também é utilizado como critério de seleção para os estudantes que pretendem concorrer a uma bolsa no Programa Universidade para Todos (ProUni). Atualmente, cerca de 500 universida-des já usam o resultado do exame como critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja complementando ou substituindo o vestibular.

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linguagens, apenas como mais um gênero literário, no mesmo status dos outros.

Em um dos simulados do Enem em 2009, por exemplo, o que há de literatura são

apenas duas questões sobre Manoel de Barros, e são questões interpretativas. O

que vocês, que trabalham na sala de aula ou com estágios, pensam a respeito?

Como é nas escolas em que trabalham?”

O desabafo individual foi interpretado por nós como uma angústia coletiva.

Quem de nós já não vivenciou essas questões como professor ou como aluno?

É possível se ensinar literatura? É possível aprender literatura? É possível con-

quistar um espaço disciplinar para a Literatura? Literatura se ensina?

Nossa disciplina procurará responder questões sobre a relação entre literatu-

ra e ensino que distribuímos em quatro unidades, as quais perfazem o total

de dez tópicos. Selecionamos o que nos pareceu mais importante. Ao final de

cada um dos tópicos colocamos reflexões para serem feitas entre si ou indi-

vidualmente, paralelas às atividades do ambiente virtual. Alimentamos tam-

bém nossa webteca com excelentes textos sobre o tema da nossa disciplina.

Cada tópico percorre um caminho de sugestões de leituras. Demos a elas uma

nomenclatura que metaforiza nossa trajetória cotidiana como estudantes uni-

versitários e como futuros professores: preparatório, pré-requisito..., troca de

experiências, na margem, intervalo, passando a limpo, primeiras leituras, pausa,

depois da aula e lições, todos sugerindo uma fala. Giorgio Agamben, fazendo

uma leitura sobre o conceito de experiência, chama à atenção para que hoje

não basta só o homem que sabe (homo sapiens), mas o homem que sabe e que

pode falar (homo loquens). A fala de um professor vai depender, segundo ele,

do homo sapiens, mas também do homo loquens. Assim, a nossa experiência,

a nossa fala ou o nosso conhecimento facilitarão nosso trabalho como profes-

sores de Literatura.

Tânia e Gizelle

AGAMBEN, Giorgio. Infân-cia e história. Destruição da experiência e origem

da história. Belo Horizon-te: Editora da UFMG,

2005, p. 14.

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Unidade AA literatura em questão

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Capítulo 01A literatura em sina

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1 A literatura em sina

Mas a nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só

resta, por assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa tra-

paça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua

fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu

a chamo, quanto a mim: literatura.

(BARTHES, 1978, p. 16)

Por que a literatura em sina? A palavra “sina” pode tanto significar “sorte” quanto “destino” e a literatura pode passar a fazer parte da nos-sa história de vida por acaso (sorte?), ou estar predestinada a ingressar nessa mesma vida por uma via determinada pelo processo de escolari-zação ou por outra via, que possivelmente passa pela inserção familiar, econômica, social (destino?). A literatura destinada. A literatura na sor-te. A literatura em questão. A literatura em sina ou, de acordo com sua sonoridade, a literatura “ensina”.

A literatura em sina ensina, ou seja, a literatura, enquanto destino (ou sorte?), projetada como leitura, ficção, ingressa formalmente na vida dos estudantes desde as séries iniciais do ensino fundamental como me-canismo de imaginação, viagem, deleite, prazer, aprendizagem, e atinge o ensino médio sustentada pela força disciplinar da leitura obrigatória para o vestibular.

Por que a relação da literatura e da leitura na escola sofre tal meta-morfose? Por que passa de um estágio a outro sendo vista como apenas um conteúdo a mais a ser digerido? Onde foi parar a leitura enquan-to prazer e deleite? A leitura que possibilitaria a construção de sujeitos mais críticos e criativos?

Em Epistula ad Pisones [Carta aos Pisões], conhecida como Arte Poética, o poeta lírico, satírico e filósofo latino Horácio (65 a.C. - 8 a.C.) compreendia que um dos preceitos da arte era o de deleitar, mas o de, também, ensinar (docere cum delectare – deleitar ensinando). Ao enfo-

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car a assertiva de Horácio, deleitar e ensinar, deparamo-nos com outra pergunta: é possível mesmo ensinar literatura?

Será o seu objetivo, como questionou a pesquisadora e professora da Universidade Federal Fluminense, Cyana Leahy-Dios (2000, p. 15), em Educação literária como metáfora social: desvios e rumos, o de “criar consumidores, produtores de literatura, ou ambos?”. Complementa a pesquisadora, ao detectar duas grandes contradições entre os progra-mas de estudo de literatura:

A primeira é a discrepância entre os objetivos declarados para a educa-

ção literária, sempre situados ao redor do eixo de “satisfação pessoal,

social e cultural”, e os conteúdos, baseados na descrição cronológica e

acrítica de fatos sociais, econômicos, políticos e geográficos que deve-

riam justificar a produção literária de um dado período, em dada região

do país, por dadas razões – frequentemente apenas históricas. (LEAHY-

DIOS, 2000, p. 190).

Lançamos aqui algumas perguntas que ainda fazem parte de certas práticas de avaliação do contexto cultural. Por que estudar literatura na escola? Para ser uma pessoa melhor; para ter conhecimento de textos consagrados; para obter domínio da linguagem escrita; para ter uma outra visão de fatos históricos, políticos e sociais, locais e universais; para se expressar melhor; para poder fazer comentários de livros; para conhecer o cânone literário - as obras consagradas pela tradição?

Numa época em que os textos considerados clássicos são substitu-ídos na maioria das vezes pelos produtos da indústria cultural, parece fazer sentido a preocupação e a necessidade do professor norte-ameri-cano Harold Bloom de resgatar escritores clássicos universais para leito-res de todas as idades, corroborando a ideia de uma formação precoce do leitor voltada para uma literatura com bons textos, sem adjetivação excessiva, cortes e adaptações.

Harold Bloom é extremamente adepto ao incentivo da leitura dos clássicos, e isso pode ser confirmado por intermédio de seus manifestos, How to read and why (2000) e The Western Canon (1994), traduzidos para a língua portuguesa respectivamente com os títulos Como e por que ler e O cânone ocidental, nos quais apresenta uma espécie de clamor à

Cânone“O termo grego kanon (“espécie de vara de medir”) afirmou-se na cultura românica com sentido preciso de “nor-ma” ou “lei”. Porque é um processo de selec-ção e exclusão, a forma-ção de um cânone obe-dece inexoravelmente a uma afirmação de po-der.” (CEIA, 2004, p. 121)

Cyana Leahy-Dios é escritora, pesquisadora, professora, tradutora e editora. Atua em várias

áreas de pesquisa, como literatura e ensino, nar-rativas autobiográficas, semiótica e sociedade, literatura comparada e

teoria da tradução.

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Capítulo 01A literatura em sina

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leitura dos autores e livros clássicos, oferecendo, no primeiro, caminhos de leitura para determinadas obras, afirmando que “Ler bem é um dos grandes prazeres da solidão [...]. Ler nos conduz à alteridade, seja à nossa própria ou à de nossos amigos, presentes ou futuros” (BLOOM, 2001a, p. 15). Já no segundo livro, estuda e interpreta 26 escritores, elegendo o escritor inglês William Shakespeare como figura central do cânone uni-versal e do cânone ocidental ao lado do poeta italiano Dante Alighieri. Os autores que compõem a lista de cânones foram escolhidos por Bloom tanto pela sublimidade da temática quanto pela natureza representativa. Para ele, sem o processo da influência literária, não pode haver literatu-ra forte, canônica, clássica. Um antigo teste para o reconhecimento da literatura canônica, segundo Harold Bloom, continua sendo a questão e a necessidade da releitura. Salienta, porém, que ler o cânone não torna o ser humano melhor ou pior, um cidadão mais útil ou nocivo à socieda-de, a verdadeira utilidade de Shakespeare ou Cervantes, de Homero ou Dante, de Chaucer ou Rabelais, “é aumentar nosso próprio eu crescen-te. [...] Tudo o que o Cânone Ocidental pode nos trazer é o uso correto de nossa solidão, essa solidão cuja forma final é nosso confronto com nossa mortalidade” (BLOOM, 2001a, p. 36-37).

Se o cânone, como afirma Bloom, não nos torna melhores nem pio-res, mais úteis ou nocivos, por que (a boa) literatura? Literatura para quê? Literatura para quem?

O professor da USP e importante crítico literário Antonio Candi-do, em palestra proferida no curso organizado pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo em 1988, intitulada “O direito à lite-ratura”, palestra posteriormente publicada em livro, elabora uma síntese didática a respeito da função da literatura. Ele afirma estar a literatu-ra “ligada à complexidade de sua natureza” (CANDIDO, 1995, p. 244). Diante dessa complexidade, aponta três faces: (1) construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) forma de expressão; ma-nifesta emoções e a visão de mundo dos indivíduos e dos grupos e (3) forma de conhecimento.

A terceira face, de fato, é a aparentemente mais difundida – ao re-duzirmos o estudo da literatura a conhecimento –, no entanto, o efeito das produções literárias, corrobora Antonio Candido (1995, p. 245),

William Shakespeare(1564-1616) – poeta e dramaturgo inglês; au-tor das peças Romeu e Julieta, Hamlet, Rei Lear, entre inúmeras outras.

Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616) – romancista, drama-turgo e poeta espanhol; autor de Don Quijote de la Mancha.

Homero (séc. VIII a.C.) -poeta grego que se consagrou pelo gêne-ro épico; embora haja inúmeras contestações a respeito de sua exis-tência, é compreendido como autor das epo-peias Ilíada e Odisseia.

Chaucer (1343-1400) -filósofo, escritor e diplo-mata inglês; autor de Os Contos da Cantuária [The Canterbury Tales].

François Rabelais (1483-1553) - padre, médico e escritor do Renascimento; autor de Gargântua e Pantagruel.

Dante Alighieri (1265-1321) – poeta, escritor e político italiano; autor da Divina Commedia.

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é devido à atuação simultânea dos três aspectos, embora costumemos

pensar menos no primeiro, que corresponde à maneira pela qual a men-

sagem é construída; mas esta maneira é o aspecto, senão mais impor-

tante, com certeza crucial, porque é o que decide se uma comunicação

é literária ou não.

Seguindo com as reflexões de Antonio Candido, tendo em mente o título de seu texto, todo o ser humano tem direito à literatura; não há ser humano que consiga viver sem ela [a literatura], “sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação” (CANDIDO, 1995, p. 242). Essa satisfação, via literatura, constitui-se direito e fator indispensável de humanização.

Entre os limites com a filosofia e as ciências humanas, a literatura é concebida como “pensamento e conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos” (TODOROV, 2009, p. 77); faz viver experiências singulares, solitárias, únicas, de condição humana, podendo “transfor-mar a cada um de nós a partir de dentro” (TODOROV, 2009, p. 76). Quem está em contato com ela [a literatura] não se torna um especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser humano. Seria, então:

A literatura como direito, não como dever.

A literatura que humaniza, verbaliza, realiza, dinamiza, pluraliza.

Sim, a literatura, seja ela em sina ou em cena, ensina.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus

colegas, tutores e professores:

1. O que você(s) entende(m) por literatura canôni-

ca? Que autores e obras seriam, por exemplo, re-

presentativos da literatura brasileira canônica?

2. O professor português Carlos Ceia, em A literatu-

ra ensina-se, lançou uma questão pertinente: “será

Antonio Candido, crítico literário estudioso da literatura brasileira e estrangeira.

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Capítulo 01A literatura em sina

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que o cânone português consegue dar aos Portugueses o sentido exacto da

sua história nacional?” (CEIA, 2004, p. 32). E o cânone brasileiro, na sua opinião,

consegue dar aos Brasileiros o sentido exato de sua história nacional?

3. Até que ponto a literatura canônica responde as necessidades e os interes-

ses das novas gerações de leitores?

4. Você(s) acha(m) que na(s) sua(s) história(s) de vida você(s) teve(tiveram) di-

reito à literatura, como propôs Antonio Candido?

Leia mais!

Preparatório, pré-requisito...

Roland Barthes escreveu importantes textos sobre a questão do ensino e da leitura. Sugerimos que este tópico seja complementado com estas refe-rências:

BARTHES, Roland. “Escritores, intelectuais, professores”. In: O ru-mor da língua. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988a, p. 313-332.

______. “Da leitura”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário Laran-jeira. São Paulo: Brasiliense, 1988b, p. 43-52.

______. “Reflexões a respeito de um manual”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988c, p. 53-59.

______. “Au séminaire”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário La-ranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988d. p. 333-342.

O tradutor Mário Laran-jeira manteve o título original (em francês) deste texto, mas inseriu a tradu-ção em nota de rodapé, que significa: “No ou ao seminário” (1988, p. 333).

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Capítulo 02As institucionalizações da literatura

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2 As institucionalizações da literatura

A enciclopédia de arte que meu pai me deu. Estupenda, fica comigo,

transferida da categoria de livro/leitura para a de totem. Dela não há quem

me separe. Idem para os outros livros de arte, os catálogos dos museus e os

das grandes exposições.

(COLASANTI, 2007, p. 160)

“Será que a literatura pode ser para nós algo que não uma lembran-ça de infância?” (BARTHES, 1988c, p. 57), questionou Roland Barthes, em 1969, em Conferência pronunciada no Colóquio O Ensino da Litera-tura, intitulada “Reflexões a respeito de um manual”. Essa pergunta do ensaísta francês vem em virtude de algumas observações que ele apre-senta a respeito de um manual de história da literatura francesa. Em-bora definidas pelo próprio autor como “improvisadas”, “simples” e até “simplistas”, suas observações partem de um questionamento crucial: o que persiste depois do colégio? Como sobrevive a literatura pós-ensino médio, pós-vestibular?

Roland Barthes enumera duas possíveis lembranças de infância pelas

quais a literatura supostamente sobreviveria pós-colégio. A primeira

seria a lembrança do que ele denomina monemas da língua (lembran-

ças de nomes esparsos de autores, escolas, movimentos, gêneros e

séculos); a segunda, a de que a História da Literatura Francesa (e aqui

não poderíamos excluir a(s) da Literatura Brasileira – Sílvio Romero,

José Veríssimo, Alfredo Bosi, Afrânio Coutinho...), é feita de censuras

que seriam: a ausência de uma economia e de uma sociologia da lite-

ratura; sexualidade; literatura (jamais definida enquanto conceito) e

linguagem (classicocentrismo). Para apenas não apontar problemas

nesses manuais, compêndios, florilégios, bosquejos, Roland Barthes

apresenta pontos de acertos provisórios, o que valeria dizer, possíveis

soluções para o que deveria, ou melhor, como deveria ser feita a ideia

de uma história da literatura: inverter o classicocentrismo, ou seja, es-

tudar a história da literatura de frente para trás; substituir pelo texto o

autor, a escola, o movimento, e desenvolver a leitura polissêmica.

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Pensando-se nessas questões e soluções, podemos perceber que, por meio dessas reflexões, Roland Barthes coloca em xeque, de certa forma, a institucionalização da literatura. O que seriam os manuais/histórias da literatura se não imposições de determinadas escolhas? O que deveria ser apre(e)ndido? Estudado? Que autores e obras deveriam ser lidos?

Sabemos que, grosso modo, as Histórias da Literatura, vistas e revis-tas no Brasil desde o século XIX, aliadas ao conceito de nacionalismo, no sentido de abarcar toda a produção literária da nação, e identidade literária, surgiram como uma espécie de resgate para que não se perdes-sem as produções literárias efetuadas até então. Assim, essas histórias são elaboradas de acordo com determinados olhares, que incluem sele-ção e exclusão de autores e obras.

Em consonância com essa suposta instituição da literatura, via lis-tagem de autores e obras que traduziriam (um)a identidade literária bra-sileira – com caráter de legitimação -, há os movimentos academicistas que aconteceram, no Brasil, no século XIX – agremiações que passaram a ser vistas como oficialidades da intelectualidade. A Academia Imperial de Belas Artes (1816) foi uma das precursoras desse tipo de agremiação, mas foi com a criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1896, que se estabeleceu uma autêntica expressão literária academicista. Surgi-da em um momento de indecisões estéticas, que incluía as vozes roucas da estética naturalista disputando espaço com as inovações do simbolis-mo e o aparecimento lateral dos chamados pré-modernistas, no início do século XX, a Academia Brasileira de Letras instaurou-se como represen-tante de um ideário estético. Segundo Mauricio Silva (2007, p. 71),

a Academia tornou-se, na época de sua fundação, uma referência artísti-

ca incontestável. Foi objeto de desejo, ainda que não declarado, da maior

parte de nossos escritores, mesmo daqueles cuja obra estava, reconhe-

cidamente, distante dos cânones acadêmicos; deu prestígio aos eleitos

e causou despeito em muito autor cujos méritos iam além do reconhe-

cimento oficial. Do ponto de vista da expressão artística, mais do que de

uma perspectiva social, o movimento academicista foi segregacionista:

cooptou exclusivamente os autores que, de certo modo, enquadravam-

se em seus padrões de fruição estética, alijando de suas lides os demais.

Isso permite visualizar a Academia Brasileira de Letras, pelo menos du-

rante o que se pode considerar o período áureo – suas primeiras duas

décadas –, como uma agremiação esteticamente homogênea.

Roland Barthes, escritor e crítico literário francês.

Além da ABL, é impres-cindível citar que outras

instituições, na passagem do século XIX para o

XX, contribuíram para a consolidação de um

cenário literário no Brasil: imprensa, livrarias, centros

acadêmicos e entidades culturais diversas.

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Capítulo 02As institucionalizações da literatura

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Esse movimento artístico foi, também, responsável por fortalecer determinadas tendências artísticas em detrimento de outras. Erigindo-se como ponto de referência cultural, a Academia Brasileira de Letras passou a ser, por duas décadas, um dos representantes oficiais da lite-ratura brasileira. De acordo com as eleições da Academia, e das compi-lações das diversas histórias da literatura efetuadas durante anos, foi se configurando o ensino da literatura, que passou a ser institucionalizado também pela Escola e pela Universidade.

A Universidade, conjunto de faculdades ou escolas para a especiali-zação profissional e científica que tem por objetivo promover e divulgar conhecimentos, institucionaliza, escolhe, exclui e, de certa forma, impõe o que é importante ser estudado/apre(e)ndido em matéria de literatura. Além disso, é considerada um dos recintos e abrigo dos intelectuais-pro-fessores (ou professores-intelectuais), que fazem suas escolhas (autores, obras, teorias) de acordo com seus anseios, pesquisas, inquietações, os quais são tornados públicos por meio de livros, artigos, periódicos, confe-rências, discussões públicas, ensino universitário; obviamente sujeitas ao mercado e a questões políticas. A Universidade - mais especificamente os seus cursos de Letras - é uma das instituições responsáveis pela institu-cionalização da literatura, especialmente a canônica, que existe e resiste devido à sua dependência dos departamentos que o exigem. Cânones universitários, segundo o professor e pesquisador português Carlos Ceia (2004, p. 118), “são muito mais liberais e variáveis de disciplina para dis-ciplina, de professor para professor, de instituição para instituição.” Por outro lado, o processo de canonização é sempre uma revolução crítica,

o poder central deve acreditar que existe a possibilidade de constituir

um grupo de canonizadores com competência científica publicamente

reconhecida para levar a cabo a tarefa da constituição ou revisão de um

documento por existir ou já existente. Para além da questão da com-

petência jurídica e científica dos formadores de cânones, acrescem as

questões (quase sobrepostas) dos critérios de selecção e de abertura, da

resistência ao cânone e da própria fundamentação filosófica do cânone.

(CEIA, 2004, p. 117).

A consolidação do cânone na Universidade, efetuada por profis-sionais reconhecidamente críticos e competentes, não resolve completa-mente a problemática de ensino. Pelo contrário, gera constantes desen-

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contros entre o cânone dos cursos universitários e o cânone do ensino fundamental e médio nas escolas.

A Escola, por outro lado, cujo nascimento foi tão precário quanto o da imprensa, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1996), foi (e ainda é) uma das instituições responsáveis por fazer com que os estudan-tes tenham acesso ao livro e, consequentemente, cheguem à literatura. É nela que vão atuar os professores, formados/instruídos pela Universidade, e que se deparam com uma realidade distinta do ambiente acadêmico. Ali [na escola], são recebidos de braços abertos pelo livro didático e o ado-tam como fiel companheiro de carreira. Diante dessa situação, indefesos, os não mais acadêmicos, mas agora professores, entram em constantes choques de o que/como trazer para a sala de aula o que aprenderam na universidade. Um desses embates está justamente na proposição de Car-los Ceia:

Uns defendem que a universidade deve ensinar aquilo que depois os

futuros professores terão que ensinar; outros contra-argumentam que

a universidade não é uma fábrica de programação de professores, pelo

que tal comunidade é sustentável. (CEIA, 2004, p. 118)

Entre os moldes aprendidos nos Cursos de Letras e os conteúdos pro-gramados pelo livro didático, o ensino da literatura na escola por muito tempo tem sido enfatizado pela história da literatura e sua divisão em escolas literárias – modelo que pouco contribui para a formação dos lei-tores que acabam decorando características soltas (e muitas vezes impró-prias) de determinadas escolas, títulos de obras e autores, datas, sem ter lido livro algum. Herdamos a historiografia e, durante anos, fizemos dela nossa maior aliada para que o ensino da literatura fosse levado adiante. Segundo a professora Cyana Leahy-Dios, a contribuição oficial da educa-ção literária no Brasil foi a de fornecer uma combinação de compreensão e produção textual e documentação histórica, afirmando que “os progra-mas de literatura propostos para o ingresso na maioria das universidades públicas estão fundamentados na história da literatura brasileira e, apenas em circunstâncias excepcionais inclui-se o estudo de textos escritos por mulheres, ou de literatura local.” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 71-72).

Seguindo as reflexões efetuadas partindo de sua pesquisa, Cyana Leahy-Dios afirma haver apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e

Currículos e programas de literatura não fazem

referência (até 1994/1995, período da pesquisa de

Cyana Leahy-Dios) a ques-tões de gênero, raça ou

classe social.

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Capítulo 02As institucionalizações da literatura

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Sousa, e fortalece suas indignações dizendo que:

há apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e Sousa. Nem há tam-

pouco, na seletividade do cânone de educação literária, autores não-

brancos que tratem da questão racial. O número elevado de escritores

contemporâneos de prosa e poesia não encontra espaço na educação

literária, que igualmente ignora textos literários que tratem da ditadura

militar dos anos 60 a 80, com os contrastes e características multicultu-

rais do país, entre gêneros, classes sociais, etnias e suas culturas. (LEAHY-

DIOS, 2000, p. 194)

Apesar de essa afirmação ter sido feita há mais de 10 anos, o es-tudo da literatura feita por mulheres, da literatura local e da literatura africana, recentemente conclamada a fazer parte dos currículos obriga-tórios, está ainda bastante incipiente no meio escolar. Durante anos o ensino da literatura tem sido incluído na disciplina de língua portuguesa, que deveria abarcar questões de “comunicação e expressão”, incluindo ensino da gramática, produção de textos e literatura. Embora seja vista em grande parte como pretexto para o ensino da gramática, a literatura, por estar incluída no currículo escolar, transforma-se em disciplina e, com sua inclusão no vestibular, garantindo-lhe nova institucionaliza-ção, passa a ser vista como um conteúdo a mais a ser absorvido pelos alunos.

Com o intuito de melhorar a qualidade da leitura e escrita dos alu-nos que ingressavam no Ensino Superior, segundo Claudete Amália Segalin de Andrade (2003), o professor de grego da Faculdade de Filoso-fia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Henrique Murachco, sugeriu que a Fundação Universitária para o Vestibular (FUVEST) lan-çasse, em 1989, a primeira lista de indicações de leitura para ser aplicada em 1990. Na Universidade Federal de Santa Catarina, a cobrança da lei-tura de literatura para as provas do vestibular entrou em vigor em 1992 e, de lá para cá, pode-se dizer que a leitura de literatura conquistou um lugar próprio nas provas dos vestibulares, deixando de ficar obscureci-da na disciplina de língua portuguesa. Essas listas, além de garantirem uma institucionalização a mais para a literatura, também reforçam sua sobrevivência entre os conteúdos do ensino médio.

Nesse processo de institucionalização da literatura, não se pode

Conforme Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008: “§ 2o Os conteúdos referentes à história e cul-tura afro-brasileira e dos povos indígenas brasilei-ros serão ministrados no âmbito de todo o currícu-lo escolar, em especial nas áreas de educação artísti-ca e de literatura e história brasileiras.”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm#art1>. Acesso em: 12 jan. 2010.

Lei 5.692, de 1971, integra-ção das escolas primária e média, consolidando a escolaridade em 8 anos, ou seja, até os 14 anos de idade. Essa lei, também, agrupou línguas e literatu-ra em um núcleo chamado “comunicação e expres-são”. (LEAHY-DIOS, 2000)

Professora do Colégio de Aplicação da UFSC. De sua tese de Doutoramento, defendida em 2001, resul-tou o livro Dez livros e uma vaga: a leitura de literatura no vestibular, publicado em 2003.

As listas do vestibular da UFSC passaram a ter destaque não apenas por incluírem títulos contem-porâneos, mas também por inserirem a literatura catarinense. Essa questão é aprofundada no tópico “A literatura no vestibular”.

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perder de vista a Imprensa, com publicações de resenhas críticas, co-mentários de livros, entrevistas, em jornais e revistas, a crítica especia-lizada, e os meios de comunicação digital e eletrônica (em suas mais diversas formas) que consagram a experiência literária e possibilitam sua chegada ao público.

Tantas questões que aqui estamos colocando procuram fazer enten-der a afirmação do filósofo búlgaro, radicado em Paris, Tzvetan Todorov, de que a literatura é uma disciplina sem disciplina que se encontra em perigo. Em seu recente e instigante livro A literatura em perigo (2009), Todorov explicita o perigo que corre a literatura: nos confins entre o ensino, a crítica e a sua concepção, a disciplina pauta-se muito mais por seu estudo do que propriamente pelo do objeto, o que vale dizer que “na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos” (TODOROV, 2009, p. 27). É esse o perigo que o texto de Todorov aponta: o perigo de a literatura ficar alicerçada a teorias.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. O Prêmio Nobel de Literatura é um prêmio concedido anualmente a um

autor, de qualquer nacionalidade, que tenha produzido uma obra universal-

mente magnífica ou representativa. O Best-Seller, por outro lado, é um livro ex-

tremamente popular, incluído na listagem dos mais vendidos. Você(s) acha(m)

que essas são formas de promover/divulgar a literatura? Justifique(m).

2. Tzvetan Todorov, em A literatura em perigo (2009), afirma que a literatura pode

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Capítulo 02As institucionalizações da literatura

23

ter uma concepção redutora não apenas em salas de aula e cursos universitá-

rios, mas quando é apresentada por jornalistas que resenham livros, e mesmo

entre escritores. O que você(s) pensa(m) disso? Você(s) concorda(m) com ele?

Leia mais!

Troca de experiências

É importante complementarmos as reflexões anteriores com leituras críticas a respeito do ensino da literatura na Universidade, mais especificamente nos Cursos de Letras. Os textos a seguir apresentam algumas ideias sobre a Teoria, a Crítica e a Historiografia.

JOBIM, José Luís. “Os estudos literários e a identidade da literatura”. In: JOBIM, José Luís (Org.). Literatura e identidades. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1999, p. 191-206.

______. “A Crítica da teoria: uma análise institucional”. In: A Poética do Fundamento. Niterói, RJ: EDUFF, 1992a, p. 55-66.

______. “História da Literatura”. In: A Poética do Fundamento. Nite-rói, RJ: EDUFF, 1992b. p. 67-100.

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Unidade BProfessores, alunos e literatura

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Capítulo 03Relação literatura e ensino

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3 Relação literatura e ensino

Ensinar e aprender literatura é um processo permanentemente à beira de

mudanças radicais. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 283)

O filósofo grego Aristóteles afirmou que a condição do conheci-mento (em filosofia) é produzida pelos “assombros”. É no sobressalto, no assomo ou mesmo no solavanco, não importa qual seja o termo, que o conhecimento é adquirido. Embora haja constantes inovações na arte, na tecnologia, na ciência, questionamos: o que poderia assombrar os nossos alunos em sala de aula? Como ensinar literatura (a arte da pa-lavra...?!) tendo em vista os avanços tecnológicos? Como lidar com a produção de conhecimentos múltiplos? Conhecimentos que são produ-zidos por todo o tipo de telas, a todo o momento e em todos os lugares (im)possíveis?

Antes mesmo de pensarmos propriamente na questão de ensino, precisamos ter em mente que ensinar literatura neste século não se resu-me a apenas trabalhar com livros, levando em conta sua materialidade. Professor em sala de aula não pode ignorar que cada um dos leitores é um pouco espectador e um pouco internauta. Como define Néstor Can-clini - importante crítico da cultura, residente no México - no seu livro Leitores, espectadores e internautas (2008), a noção de espectador é a de que possui definida sua relação com campos específicos: o de cinema, de recitais de música, de teatro. Cada um formado em uma lógica diferen-te. A noção de internauta, por outro lado, alude a um agente multimídia, que combina materiais diversos (da leitura e dos espetáculos), lê e ouve. “Essa integração de ações e linguagens redefiniu o lugar onde se apren-diam as principais habilidades – a escola – e a autonomia do campo educacional.” (CANCLINI, 2008, p. 22).

Significa, então, que a construção de conhecimentos não se dá mais entre quatro paredes, formatos originais da sala de aula, mas em um am-biente virtual; sem fronteiras, sem limites, sem (de)limitações. O saber não se constrói mais apenas em um ambiente específico e físico – escola, universidade, biblioteca -, mas em qualquer tipo de campo, seja ele físi-

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Literatura e ensino

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co ou virtual. E um exemplo claro disso é a possibilidade/realidade do Ensino a Distância; do apre(e)nder conhecimentos sem sair de casa.

Com o turbilhão tecnológico, as telas passaram a combinar conheci-

mento e entretenimento; o livro (em sua materialidade) não é mais

o único detentor e ordenador dos saberes e é nesse contexto que

surge o que se poderia chamar, segundo Néstor Canclini, de “leito-

res-espectadores-internautas”. Essa nova configuração dos leitores

preocupa professores, pois, já que não podemos ignorar as tecno-

logias (termo empregado em sentido amplo), como passar das co-

nectividades (informações) ao pensamento crítico? Como discernir

o joio do trigo no universo virtual? Como estabelecer critérios de

avaliação\julgamento?

Para quem está em sala de aula, não se pode negar: a condição do ensino mudou. Não há palmatórias, muito menos a necessidade de co-locar os alunos de joelhos sobre grãos, ou a de batidas com régua nas mãos, puxões de orelha, beliscões, como formas de castigo e punição física (um dos temas bastante discutidos no século XXI é a necessidade – ou não – de uma maior hierarquização institucional, sem violência). Esses procedimentos inadequados fortaleciam a ideia da figura do pro-fessor como um ditador em sala de aula e pouco contribuíam para que os alunos se tornassem mais interessados nos conteúdos trabalhados. A maneira de ler mudou e, consequentemente, a de pensar a literatu-ra na escola também. Textos, imagens e sua digitalização não são mais ilhas isoladas, pois leitura e espetáculo combinam-se no internauta que, a qualquer dúvida, sente-se apto para consultar o famoso oráculo do Google, ou como afirma Néstor Canclini (2008, p. 52), para Googlear.

Pelo meio – Escola – em que está inserida, a literatura passa a ter caráter pedagógico, de ensino, disciplinar, mas que lugar ocupa nesse ambiente? Componente curricular? Prática relaxante? Exercício para melhorar a escrita? Formação de leitores competentes?

No ensino fundamental, a literatura é trabalhada na língua portu-guesa, sem restrições de normas, condutas, conteúdos, não sendo vista

Nos Parâmetros Curricu-lares Nacionais (PCNs) a

literatura é tratada como se fosse subárea da Língua

Portuguesa, ao dar segui-mento no ensino sobre a

linguagem.

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Capítulo 03Relação literatura e ensino

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ainda como disciplina à parte; por outro lado, sua presença é marcante nas aulas de leitura, ponto em que a literatura entra em cena. Em con-trapartida, no ensino médio, a literatura possui alguma autonomia de disciplina. Neste momento de pensar o caráter da literatura (ou a leitura) enquanto disciplina curricular é importante registrarmos a proposta do Ministério da Educação (MEC) de 2009, que pretende acabar com a divi-são por disciplinas presente no atual currículo do ensino médio, o antigo colegial – considerado pelo governo como a etapa mais problemática do sistema educacional. A intenção é criar quatro grupos mais amplos (lín-guas; matemática; humanas; e exatas e biológicas). De acordo com a pro-posta, as escolas terão liberdade para organizar seus currículos e poderão decidir a forma de distribuição dos conteúdos das disciplinas nos grupos e também o foco do programa (trabalho, ciência, tecnologia ou cultura) desde que sigam as diretrizes federais e uma base comum.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) discutiu a proposta e pretendia que em 2010 algumas redes adotassem o programa, de for-ma experimental. No médio prazo, o Conselho espera que o programa esteja implementado no país todo. A mudança ocorreria por meio de incentivo financeiro e técnico do MEC aos Estados (responsáveis pela etapa), pois a União não poderia impor o sistema. Segundo o MEC, o currículo atual, fragmentado e sem aplicabilidade, reduz o interesse do jovem pela escola e a qualidade do ensino. Está previsto também o aumento da carga horária (de 2.400 horas para 3.000 horas, acréscimo de 25%). A proposta não avançou, mas optamos pelo seu registro, pois para nós é importante a Literatura ter seu espaço institucional e não ser diluída nos demais conteúdos programáticos. Acreditamos no processo institucional como elemento de constituição do sujeito-leitor.

A formação do leitor no ensino fundamental (a partir de 2006 com duração de 9 anos), nas séries iniciais, fica a encargo de profissionais graduados em Pedagogia. A partir do sexto ano, assumem esse papel os profissionais de Letras, que acompanham os alunos até o ensino médio. Nos anos iniciais, do primeiro ao quinto (1ª a 4ª séries), a literatura exis-te, porque é inerente ao processo de aprendizagem da leitura, mas ainda não é conceituada na sua especificidade literária. É apenas classificada: literatura infantil, literatura juvenil, literatura infantojuvenil, literatura para crianças, literatura para jovens; é apresentada enquanto leitura,

Segundo consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezem-bro de 1996, Artigo 32, o ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, inician-do-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do ci-dadão, mediante redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>. Acesso em: 20 jan. 2010.

Quando da duração do ensino fundamental de 8 anos, equivalia à 5ª série.

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Literatura e ensino

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deleite, prazer, imaginação, aventura, mistério. Quando os alunos in-gressam no sexto ano parece lugar comum os professores declararem que o interesse pela leitura diminui, exatamente porque aí ela começa a ser vista como cobrança, geralmente acompanhada pelas ultrapassadas fichas (sim, elas ainda existem!) de leitura e/ou solicitação de resumos - para que o professor tenha a comprovação, confirmação de que o aluno leu. Nos dois anos seguintes, a literatura ainda vem acoplada à ideia de leitura de livros, e o seu conceito começa a fazer parte da vida dos estu-dantes. Conforme a formação escolar avança para o ingresso no ensino médio, a leitura vai sendo vista como “tortura, chatice e aborrecimento” - como posteriormente demonstraremos no tópico em que centraremos nossa abordagem na literatura para o vestibular - e a literatura passa a ter caráter de mero exercício escolar, portanto, uma matéria obrigatória para ser cobrada.

Mesmo acreditando na importância de a literatura ter seu espaço

disciplinar, esta não deve apenas cumprir o ensino de alguns conte-

údos, de acordo com determinada etapa da escolarização, não im-

portando a realidade sócio-econômico-cultural dos alunos. Devido

ao pouco tempo para as aulas, os professores acabam trabalhando

apenas o que está pronto como necessário/importante no livro di-

dático – geralmente elaborado no eixo Rio-São Paulo. Nesse caso, a

cor local, as literaturas regionais – como a literatura catarinense, pa-

ranaense, mineira ou a literatura produzida, por exemplo, em Santa

Catarina, Paraná e Minas Gerais – desaparecem, por ser importante,

no pouco espaço dado para o ensino da literatura na escola, apenas

o conhecimento de autores consagrados ou canônicos como vimos

no início de nosso livro-texto. Se os autores contemporâneos apare-

cem, são mencionados, na maioria, os que moram ou produzem no

eixo referido.

Qual é a relação entre a literatura e o seu ensino? – continuamos perguntando. Seria uma antinomia, como afirmou Barthes (1988c), a literatura como ensino e a literatura como prática? O que se ensina, na prática, são as formas de como o professor conseguiu elaborar determi-

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Capítulo 03Relação literatura e ensino

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nados conjuntos de significantes e significados no texto. Não se ensina Machado de Assis, Camões, Cruz e Sousa, mas as condições pelas quais nos é possível estudá-los, compreendê-los, lê-los. Como afirma Carlos Ceia (2004, p. 54), “ensinamos literatura essencialmente porque inves-timos o nosso olhar naquilo que faz essa literatura e não naquilo que a define aprioristicamente”. Isso significa dizer que o ensino da literatura é guiado pela visão do professor em sala de aula e de acordo com sua vi-são a respeito dela [da literatura]. Para que o aprendizado das condições de compreender, estudar, ler literatura ocorra de maneira proveitosa e eficiente, é importante que o professor esteja aberto para ouvir seus alu-nos; faça uma pesquisa sobre suas preferências, mas também leve textos novos, não se colocando em uma torre de marfim e lá permanecendo distante e alheio a tudo e a todos. É imprescindível que o professor não pense que sua função seja apenas a de ensinar, mas compreenda a im-portância de também aprender com os alunos em sala de aula.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Se há leitores de sermões, poesia, discursos políticos, periódicos lidos em voz

alta, livros, revistas, anedotas, histórias em quadrinhos, anúncios luminosos e

publicitários, bulas de remédios, cartas enviadas pelo correio, manuais, infor-

mações da Internet, blogs, e-mails, faxes, mensagens no celular, como você(s)

responderia(m) a esta pergunta de Néstor Canclini (2008, p. 56): “por que as

campanhas de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas

incluem somente impressos em papel?”

2. O ensaísta francês Roland Barthes, em sua aula inaugural no Collège de Fran-

ce, estabeleceu a seguinte definição para a literatura: “Entendo por literatura

não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de comércio

ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de

escrever” (BARTHES, 1978, p. 16-7). Você(s) concorda(m)? Debata(m) essa afir-

mação tendo em mente relações entre literatura e ensino.

3. Ao dizer que incluiria em suas aulas de literatura o estudo da carta, nada

fictícia, que Germaine Tillion escreveu na prisão de Fresnes, endereçada ao Tri-

bunal Militar Alemão, em 3 de janeiro de 1943, Todorov (2009, p. 92) assevera:

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Literatura e ensino

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“Não “assassinamos a literatura” (retomando o título de um panfleto recente)

quando também estudamos na escola textos “não-literários”, mas quando fa-

zemos das obras simples ilustrações de uma visão formalista, ou niilista, ou

solipsista da literatura”. Como distinguir um texto literário de um não-literá-

rio? Procure(m) responder, mas essa questão ficará ainda mais clara quando

estudar(em) o conceito de “literariedade” na disciplina de Teoria Literária.

4. Tendo por base a assertiva de Todorov (2009, p. 27), “na escola, não aprende-

mos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”, você(s)

acredita(m) que o ensino da literatura está apenas alicerçado a teorias?

Leia mais!

Na margem

Sobre a questão da inclusão de textos marginalizados por uma espécie de censura, alguns professores fazem propostas bastante corajosas sobre a lei-tura das diferenças e da alteridade. O texto a seguir faz esta proposta.

SANTOS, Rick. “Subvertendo o cânone: literatura gay e lésbica no cur-rículo”. Revista Gragoatá. Número monográfico sobre O ensino da lín-gua e da literatura. 1o semestre, n. 2, Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 181-189.

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Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

33

4 A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer?

(Carlos Drummond de Andrade. Aula de Português).

Chata, difícil, complicada, aborrecedora, detestável, são apenas al-guns dos adjetivos que muitos dos jovens leitores atribuem à literatura enquanto disciplina. Quem atura a literatura? Como fazer para que a literatura deixe de ser uma tortura?

O que trazer para a sala de aula?

Os objetivos de se trabalhar literatura em sala, muitas vezes, acabam se restringindo à leitura e posterior produção textual para que os alunos melhorem a escrita e testem a capacidade de objetivamente interpreta-rem textos. Qual seria o entendimento de literatura para o aluno neste caso? O que compreenderia por literatura, quando esta fica subordinada a resolver questões práticas da língua portuguesa?

Se somos herdeiros do ensino pautado pelas informações da his-toriografia literária que, embora importante, não contribui por si para a formação dos leitores, e se esse modelo continua em vigor na escola, pode-se dizer que a educação literária em seu atual formato escolar se mostra marcada mais profundamente por elementos didáticos do que propriamente literários. Com o surgimento da Estética da Recep-ção, cujo fortalecimento aconteceu por volta dos anos 70, um novo elemento passou a ter destaque no cenário literário: o leitor. E, diante dessa assertiva, compreendemos que o ensino da literatura atualmente (e já há algum tempo) vem sendo feito por esse caminho. A leitura do leitor. O texto para o leitor. A leitura efetuada tendo em vista o ho-rizonte de expectativas. As lacunas, os vazios, os espaços em branco preenchidos pelo leitor.

Os anos 60 foram assinala-dos pelo desenvolvimento da Estética da Recepção, surgida num contexto marcado pelo questiona-mento do estruturalismo e pelo fim de uma her-menêutica ingênua da análise literária; o interes-se pela intenção impul-sionou o interesse pela recepção. Por intermédio de uma história das obras, intentava-se apresentar a ideia de individualidade nacional a caminho de si mesma. A diferença entre a Estética da Recepção, de Jauss, e a Teoria do Efeito, de Wolfgang Iser, dá-se em virtude de a primei-ra operar com métodos histórico-sociológicos, e a segunda, com métodos teorético-textuais.

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Literatura e ensino

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Pesquisador da ordem dos livros e da escrita, o historiador francês Roger Chartier não perdeu de vista a relação entre o texto e o leitor na era da informática, especialmente em seu livro, Os desafios da escrita (2002), traduzido para a língua portuguesa em 2002. Chartier, em “Mor-te ou transfiguração do leitor?” atenta para a possível mutação que pode ocorrer na substituição do códex impresso pelo livro eletrônico. Nessa esteira, põe em questão a noção de livro e afirma que, “ao ler na tela o leitor contemporâneo reencontra algo da postura do leitor da Antigui-dade, mas – e a diferença não é pequena – ele lê um rolo que em geral se desenrola verticalmente e que é dotado de todos os pontos de referências próprios da forma do livro” (CHARTIER, 2002, p. 114). Esses pontos de referência que o historiador francês menciona seriam a paginação, o índice, as tabelas. Os leitores possuem novos anseios e não estão aves-

sos às evoluções; daí que vale à pena ter em mente todas as formas e formatos de produção de literatura atualmente. Embora estudar literatura signifique ler romances (o que seria voltar-se para a narrativa, variada com leves toques de novelas, contos), por que não trazer para a sala de aula outras evidências narrativas tais como crônicas, diários (sem esquecer os blogs), memórias, car-tas (romances epistolares), biografias e fábulas – estas principalmente por trazerem desdobramentos estruturais, linguísticos e conteudísticos, na tríade formada, por exemplo, por La Fontai-ne-Monteiro Lobato-Millôr Fernandes? Ou, ainda, se quisermos, por que não retornar às origens gregas com Esopo? E por que não a poesia, tão pouco lida em sala de aula?

A ausência do poema em sala é tão evi-dente que o Professor Hélder Pinheiro, da Universidade Federal de Campina

Roger Chartier.

Importante é mencionar o projeto de dissertação de Mes-

trado em Literatura, na UFSC, da Professora Bianca Cristina

Buse, intitulado A literatura no Ensino Médio: há lugar para a

crônica?, sob orientação da Professora Dra. Tânia Regina Oli-

veira Ramos. Procurando efetuar uma ponte entre o jovem

e a leitura da literatura, Bianca Buse sugere o trabalho com

o gênero textual crônica – como eixo de motivação para

inserção dos alunos no universo da literatura, e justifica:

A opção do gênero crônica, como sustentáculo de

desenvolvimento do processo de leitura, não foi por

mero acaso. Com o estudo do gênero é possível

averiguar que muitas de suas características atraem

o leitor (e também o jovem aluno) por apresenta-

rem brevidade, temas relacionados ao cotidiano,

efemeridade, simplicidade, despretensão entre ou-

tras. Entretanto, o que o leitor pode não perceber é

que, ao mesmo tempo em que a crônica se mostra

como um texto de leitura mais fácil, ela pressupõe

um leitor de competências de leitura mais apuradas,

detentor de um vasto conhecimento de mundo, tal

qual o autor, capaz de manusear, com propriedade,

temas diversos. (BUSE, 2009, p. 3).

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Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

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Grande, na Paraíba, resolveu levar essa questão adiante, elaborando, de suas experiências de poemas com alunos, o livro intitulado A poesia na sala de aula (2007). Se, segundo o professor, existe receptividade dos alu-nos para o poema, por que ele não está muito presente em sala de aula?

De todos os gêneros literários trabalhados na escola, a poesia é o me-nos prestigiado. Some(m) às perguntas anteriores mais esta: quem con-clui o ensino médio levando na bagagem a leitura de livros de poesia?

Por que entre indicações de professores dificilmente entram no rol os poemas? O problema é que muitas vezes professores das séries iniciais dizem não ser capazes de trabalhar poesia e aí ficam presos às amarras do livro didático, que traz em seu bojo as famosas interpretações de texto. O que acontece, nesse caso, é um processo-dominó: o aluno não lê poemas nas séries iniciais, nas séries seguintes menos ainda, e, muitas vezes, lê o primeiro livro de poemas no ensino médio, isso se o livro constar na lista do vestibular. Se o aluno não pretende prestar as provas do vestibular, a leitura de poesia, quando houver, terá pouca apreciação e esclarecimento. A respeito de trabalhar poesia na sala de aula, afirma Hélder Pinheiro (2007, p. 20):

É evidente que vale a pena trabalhar a poesia na sala de aula. Mas não

qualquer poesia, nem de qualquer modo. Carecemos de critérios estéti-

cos na escolha das obras ou na confecção de antologias. Não podemos

cair no didatismo emburrecedor e no moralismo que sobrepõe à qua-

lidade estética, determinados valores. É necessário muito cuidado com

o material que chega ao aluno através do livro didático. Com relação a

livros de primeiro grau menor, há uma tendência de privilegiar o jogo

pelo jogo, deixando de lado o sentido. O jogo muitas vezes cai no pueril,

na pseudocriatividade. Cremos que o jogo sonoro deva ter um suporte

significativo – como vemos em excelentes poemas de Sidónio Muralha,

Cecília Meireles, entre outros. [...] Assonâncias, aliterações, ecos, para-

nomásias, paralelismos são recursos sonoros/semânticos que povoam

muitos poemas infantis. Estar atento ao uso do recurso, pois a simples

recorrência não garante “literariedade”.

Hélder Pinheiro enumera algumas condições (in)dispensáveis para o trabalho com poesia, que poderiam ser estendidas para o trabalho com literatura em geral. Portanto, é (in)dispensável que:

Page 36: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

36

1ª) o professor seja realmente um leitor, que tenha experiência sig-

nificativa de leitura. Trata-se de leitura proveitosa;

2ª) haja sempre uma pesquisa sobre os interesses de nossos alunos,

que não dispensa levar textos novos; mas que não se fique apenas

preso às preferências dos alunos;

3ª) se crie o ambiente em que se vai trabalhar a poesia. “Ir ao pá-

tio da escola para ler uma pequena antologia, pôr uma música de

fundo enquanto se lê, são procedimentos que ajudam na conquista

do leitor.” (PINHEIRO, 2007, p. 28). Abrir espaço para a poesia com

painéis, murais dentro e fora da sala de aula;

4ª) se use a biblioteca. Escolha livre do livro que quiser ler, descobrir

autores... “Se faz indispensável que a biblioteca seja um lugar agra-

dável, ventilada, espaçosa.” (PINHEIRO, 2007, p. 29).

Essas condições não se criam de um dia para outro. Precisam ser elaboradas, renovadas, questionadas. Criar condições de leitura não de-pende apenas da boa vontade dos professores. É preciso uma força-tare-fa maior que envolva alunos, pais, bibliotecários, pedagogos, diretoria. Uma sugestão para trabalhar a poesia em sala de aula é pensar na pro-posta, sugerida por Hélder Pinheiro, de núcleos temáticos. Seleciona-se como eixo central um assunto (núcleo) que pode ser: solidão, amor, guerra, violência, medo, amizade, corpo, velhice, juventude, infância, morte..., e se traz para a sala poemas que tratem dessas temáticas. Em-bora seja profícua e interessante, é importante que o professor não insis-ta apenas nessa proposta. Toda a repetição, quando excessiva, torna-se cansativa e nefasta. “Há um lugar na experiência literária mensurável. Portanto, querer dirigir e amarrar demais as atividades pode ser fator de distanciamento do texto literário. E é aqui que entra o procedimento didático que deveria ser sempre privilegiado: o debate.” (PINHEIRO, 2007, p. 78). O debate é uma forma democrática e crucial que permite discussões para levantar prós e contras, não apenas do texto literário, mas de como este pode ser trabalhado, explorado, vivenciado.

Page 37: Literatura e Ensino

Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

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Se a educação (literária) for vista de forma ampla, o professor reco-nhecerá em outro gênero fonte importante a ser explorada: o dramático, por meio do qual o aluno pode ter livre expressão, além de, possivel-mente, desenvolver espírito de observação, de equipe, imaginação, equi-líbrio, e serem trabalhados aspectos como desinibição e desembaraço. Por outro lado, afirma Raul Henriques Maimoni, então professor de Te-oria da Literatura da UNESP/Assis, em “O teatro e a escola”, publicado no segundo número do tabloide Proleitura:

se a educação escolar for entendida como sendo unicamente um sis-

tema de transmissão de conhecimentos, o teatro com certeza terá um

espaço mínimo no contexto da escola: será somente um componente

conteudístico nas aulas de literatura do segundo grau [atualmente ensi-

no médio], ou atividade específica para algumas comemorações cívicas

e festas escolares. (MAIMONI, 1992, p. 6).

Para utilizar atividades teatrais no processo de aprendizagem, não é necessário que o professor seja um especialista em dramaturgia e di-reção teatral. Os conhecimentos sobre o gênero dramático – que todo licenciado em Letras possui – e experiências de vida são suficientes para um bom começo de conversa e ação.

Cyana Leahy-Dios compreende que o estudo da literatura na escola deveria ultrapassar a visão da disciplina como expressão de arte contem-plativa e distante, mas ser situada “em uma interseção interdisciplinar, se apoiar em um triângulo multidisciplinar, lidando com formas, meios e objetos variados” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 41). Mas é preciso ter cuidado com essa questão. A respeito da interdisciplinaridade, envolvendo a litera-tura na escola, alerta a professora Eliane Andrea Bender (2007, p. 33-34):

Interdisciplinaridade e trabalhos com projetos são práticas pedagógicas

importantes nas escolas, desde que não privem nenhum componente

de trabalhar com os alunos seus conteúdos específicos. Se em uma de-

terminada escola o tema gerador é algo relacionado com a água, não há

nada mais desanimador para um professor de Literatura do que ouvir de

um coordenador pedagógico: “Com que obra você vai trabalhar que fale

sobre a água?” ou, pior, “Li um poema que fala sobre água, mas não tinha

nexo, vamos procurar alguns que tragam uma mensagem de conscien-

tização”. É necessário cautela para não cair nessas armadilhas, reduzindo

as obras literárias a temas de projetos. (BENDER, 2007, p. 33-34)

Jornal de publicação bi-mestral do Departamento de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras de As-sis/UNESP, Grupo Acadê-mico “Leitura e Literatura na Escola”. Em circulação de junho de 1992 a feve-reiro de 2000.

Page 38: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

38

Talvez o desafio resida justamente neste ponto: como trabalhar a literatura envolvendo interdisciplinaridade?

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Você(s) acredita(m) que a crise dos estudos literários esteja pautada pela

ideia de utilitarismo e vínculo a conhecimentos que requerem resultados téc-

nicos e práticos?

2. Discuta(m) e troque(m) ideias a respeito da seguinte afirmação do profes-

sor português Carlos Ceia: “A rigor, não se ensina literatura enquanto arte, mas

antes os factos objetivos que instituem e disciplinam essa arte. Enquanto ex-

pressão artística, a literatura é uma abstracção conceptual, ao passo que os

factos que nos permitem identificar objectivamente tal expressão e indiciá-

la como fenómeno artístico é que constituem o lado ensinável da literatura.”

(CEIA, 2004, p. 53-54).

3. Qual foi a sua experiência – ou suas experiências – de leitura de poesia na

escola?

Leia mais!

Intervalo

Neste tópico levantamos algumas questões bem contemporâneas. Estes dois textos são importantes como leituras complementares, seja para se pensar a literatura em si, seja para se pensar na atuação desta em sala de aula.

BARBOSA, João Alexandre. “Leituras: o intervalo da literatura”. Revista Linha d´água, n. 5. Ensino de Língua e Literatura em Debate. São Pau-lo: USP, Revista da APLL, julho de 1988, p. 22-32.

MELO, Cristina. “Ensino de Literatura: perspectivas atuais”. In: RÖ-SING, Tânia Marisa (Org.). Formando uma sociedade leitora. Passo Fundo: EDIUPF, 1999, p. 273-281.

Page 39: Literatura e Ensino

Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

39

5 Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de(in)formação literária

Só no quarto ano trocamos os livros ilustrados por um volume mais gros-

so, sem enfeites: era a antologia de Olavo Bilac e Manuel Bonfim.

(Paulo Mendes Campos. Primeiras Leituras).

O livro didático é, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1996), uma das modalidades mais antigas sobre expressão escrita para o funcionamento da escola. Supostamente antecedido pela Poética, de Aristóteles, e pela Institutio oratoria, de Marcus Fabius Quintiliano, o livro didático fez história, sobrevivendo por muitos anos como parceiro fiel de grande parte dos professores.

Desde 1930 o livro didático vem passando por decretos e medidas, com as primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado Novo, em 1937, que consistiram em distribuição e divulgação de obras de interesse edu-cacional. Em 1968, foi criada a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME), com o Programa Nacional do Livro Didático, alterado em 1976 e, em 1985, a criação do Plano Nacional do Livro Didático, regu-lamentado pelo decreto n° 91 54/85 que implementou o Programa Na-cional do Livro Didático, o qual, em seu artigo 2º, estabelece a avaliação rotineira dos materiais.

Antes de continuarmos nossas reflexões sobre o livro didático, gos-taríamos de trazer algumas questões pertinentes a respeito da realidade brasileira com a qual professores se deparam: salas de aulas lotadas, falta de recursos e (des)interesse dos alunos. Além disso, não podemos deixar de mencionar que professores do ensino fundamental e médio, em sua significativa maioria, não possuem estímulos salariais (baixa remunera-ção), e, para sobreviver, têm cargas horárias que podem atingir os três turnos de trabalho, o que os impede de ter tempo livre para preparar au-las, adquirir livros (especialmente exemplares de literatura contempo-rânea, textos críticos e teóricos) e de participar de eventos, seminários, congressos, onde são discutidas questões teórico-práticas.

Ano de mudança política, que traz de volta a ideia de tratar da instrução através de uma agência específica, o Ministério da Educação, na ocasião acoplado ao da Saúde, de onde vieram novas medidas. A vida escolar se organizou e o livro didáti-co, precisando responder a novas questões, deu outra forma ao ensino, sobretudo da leitura e da literatura.

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Literatura e ensino

40

Diante dessas circunstâncias, os livros didáticos tornam-se fortes aliados dos professores por serem facilitadores da rotina docente, cujos conteúdos, organizados em unidades menores, ajudam a controlar o horário e evitar desperdício de conhecimento a ser dominado. Assim, professores precisam aliar o tempo para o aprendizado na escola aos extensos programas de ensino. Além disso, os livros didáticos, em seu formato como os conhecemos, permitem que os alunos tenham sem-pre todo o conteúdo organizado. Extremamente visuais, trazem seleção de textos, exercícios prontos, que otimizam a vida dos professores, por disporem de pouco tempo para preparar suas aulas, e a dos alunos, que não precisam copiar os conteúdos do quadro. O livro didático mostra o caminho a ser percorrido. Com ele, os professores (e alunos) sabem perfeitamente onde vão chegar.

A preocupação com a leitura na escola, não apenas a leitura literária,

é sempre primordial, mas os métodos/meios utilizados por profes-

sores estão longe de desenvolver a leitura propriamente dita quan-

do se detêm somente em fragmentos, trechos, pedaços de textos,

o que distancia a possibilidade de fazer com que os alunos leiam

textos integrais. O conhecimento de literatura constrói-se por meio

de fragmentos e retalhos de informação literária.

É possível formar leitores com fragmentos literários? É mais profí-cua a leitura de fragmentos de um número x de livros ou a leitura inte-gral e contextualizada de menos da metade deles?

Propondo-se facilitar o trabalho do professor, o livro didático limita sua

criatividade e o domínio do conhecimento teórico, embora diminua a

dependência discente da palavra do professor para obter sucesso aca-

dêmico. Entretanto, como fonte única de informação factual e de saber

literário, enfraquece os interesses e os limites investigativos, bloqueando

a curiosidade intelectual. Apesar de nem sempre os alunos observados

terem sido silenciados por estratégias autoritárias explícitas, foi possível

perceber a pressão apassivadora causada pelos limites de tempo, pelo

programa positivista, pela forte expectativa sociocultural de passar nos

exames. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 106)

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Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

41

Bom ou ruim, adequado ou inadequado, o livro didático é ainda um dos contribuintes e patrocinadores (ou um dos responsáveis) pela formação do leitor brasileiro no ensino fundamental e médio.

Em livro recentemente organizado e publicado sob a responsabili-dade da professora Maria da Graça Costa Val, intitulado Alfabetização e Língua Portuguesa: Livros didáticos e práticas pedagógicas (2009), os professores Delaine Cafieiro e Hércules Tolêdo Correa, em seu texto “Abordagem de textos literários em livros didáticos de língua portugue-sa de 5ª a 8ª séries”, elaboram considera-ções importantes sobre a presença da li-teratura nos livros didáticos. A literatura, segundo consta nesse texto, até meados dos anos 70, tinha status privilegiado na escola porque os textos que circulavam nos livros didáticos, bem como os sele-cionados por professores, eram os de ca-ráter literário. Todavia, a necessidade da presença de gêneros diversos na escola – e aqui nos referimos aos gêneros do dis-curso –, aclamada pela chegada dos Parâ-metros Curriculares Nacionais, tirou um pouco do espaço da literatura na sala de aula. Sérios problemas começaram a se instaurar: “livros didáticos e professores, passando a se dedicar mais a outros gê-neros, acabaram por dar um tratamento uniforme aos textos provenientes de di-ferentes esferas sociais, como a jornalís-tica, a publicitária, a política e, também, a literária.” (CAFIEIRO; TOLÊDO, 2009, p. 157). Daí que a questão reside justa-mente em saber lidar com essas esferas diferentes porque textos jornalísticos, publicitários, políticos e literários, por exemplo, não podem ser lidos da mesma forma. É preciso conhecê-los e aprender

A título de curiosidade, citamos critérios da ficha de ava-

liação do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), de

2008, mencionados por Delaine Cafieiro e Hércules To-

lêdo Correa (2009, p. 159).

Inclui-se uma seção específica sobre a abordagem do

texto literário, com 7 questões:

a) Formação do leitor de literatura;

b) Observação das convenções e dos modos constituti-

vos do jogo literário na leitura desses textos;

c) Situação do texto em relação à obra da qual faz parte;

d) Estímulo à leitura da obra completa e/ou de outras

obras relacionadas ao texto;

e) Presença de atividades que possibilitem ao aluno

apreender a singularidade discursiva, linguística e cultu-

ral dos textos literários selecionados;

f) Presença de atividades que levem o aluno a observar

a organização particular do texto e a sua relevância para

a construção dos sentidos possíveis;

g) Presença de atividades que favoreçam a aproxima-

ção adequada do aluno ao padrão linguístico do texto

(quando necessário).

Page 42: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

42

a lidar – ler – com cada um deles, respeitando as peculiaridades de cada um. A literatura tem um modo particular de produção e leitura e, por-tanto, necessita de tratamento e envolvimento à parte.

Com relação à presença de textos integrais nas recentes publicações de livros didáticos, afirmam os professores-autores que aqueles ainda são raros, prejudicando o contato do aluno com o texto e sua circulação na so-ciedade. Experiências de leitura limitadas à dinâmica do fragmento podem acarretar “a falsa concepção de que texto de escola, texto de aula de portu-guês, é sempre “pedaço” de texto” (CAFIEIRO; TOLÊDO, 2009, p. 164).

Encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo, o livro didático “é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da aprendizagem da tradição literária; manual, quando do conhecimento das ciências ou da profissionalização adulta, na universidade” (LAJO-LO; ZILBERMAN, 1996, p. 121).

É imprescindível, também, citar que os livros didáticos são ainda os mais vendidos e disseminados entre professores, que os utilizam, geral-mente, como única referência de ensino.

Apesar do berço ilustre, contudo, o livro didático é o primo-pobre da

literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou

ele fica superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o

estudante o abandona, por avançar em sua educação. Sua história é das

mais esquecidas e minimizadas, talvez porque os livros didáticos não

são conservados, suplantado seu “prazo de validade”. (LAJOLO; ZILBER-

MAN, 1996, p. 120).

No entanto, o livro didático é o primo-rico das editoras porque sua vendabilidade é certa; conta com o apoio do sistema de ensino e o abrigo do Estado, e é aceito por pais e educadores. Apenas a literatura infantil oferece-lhe concorrência: mercado cativo e sempre crescente.

Por outro lado, professores geralmente alegam que alunos não gos-tam de ler, mas, na maioria das vezes, aqueles acabam lendo menos do que os próprios alunos. Como formar leitores sem ser um leitor? Muitas vezes, os professores, por falta de tempo, detêm-se apenas nos resumos de obras para terem uma ideia do seu “conteúdo”. Se a literatura depende do modo como é ensinada/transmitida pelos professores, e a leitura lite-

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Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

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rária é geralmente trabalhada em fragmentos, trechos, pedaços de textos, como formar leitores de literatura sem ser via dinâmica do fragmento?

Os fragmentos (ou retalhos) possuem sua carga de relevância tex-tual, mas não podem ser levados em conta como única saída de ensino. Disso podem resultar atividades descontextualizadas, dispersas e frag-mentadas que dificilmente chamam a atenção ou despertam interesse dos alunos.

Assim, próprios para instruir, os livros didáticos deveriam ser vis-tos como uma alternativa a mais na vida de qualquer professor de cada disciplina, e não como única fonte de pesquisa e ensino. O professor português Carlos Ceia, em A literatura ensina-se? (2004), expõe a situa-ção em que se encontram os professores do ensino básico em Portugal (correspondente ao ensino fundamental no Brasil):

No ensino básico, os estudos literários estão nas mãos de professores

que não se sentiram preparados para essa função pelas instituições que

os formaram, pelo que gradualmente adoptam um modus faciendi cada

vez mais padronizado, consistindo na repetição de exercícios de receitu-

ário publicados de forma a normalizar todas as leituras possíveis de um

texto literário constante do programa oficial; a rigor, não há qualquer

descoberta da escrita e da leitura criativas; neste nível, o profissional de

literatura é um profissional que não faz literatura, que está convencido

que é incapaz de fazer crítica literária pelas suas próprias mãos e cabeça

e, pior do que tudo isto, defende com fervor que não tem a obrigação

de ir mais além das sugestões de leitura dos manuais, ou seja, a função

do profissional de literatura passar a ser unicamente a de assegurar que

um dado manual e um dado conjunto de leituras programadas não se-

jam desvirtuados. (CEIA, 2004, p. 27)

A afirmação de Carlos Ceia acima faz referência ao profissional das Letras que sai da Universidade sentindo-se despreparado para atuar em sala de aula e incapaz de produzir literatura e crítica literária. É claro que isso não pode ser visto de maneira generalizada, mas é algo evi-dente. É muito mais cômodo ler uma análise de outrem de alguma obra (ou mesmo a do livro didático), apropriar-se de determinados pontos, disseminá-los em sala de aula, do que produzir uma leitura crítica. Isso ocorre especialmente com textos contemporâneos, cuja produção de lei-

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Literatura e ensino

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turas críticas é bastante incipiente. Na dúvida de saber se sua leitura está correta (se é que isso realmente existe), muitos professores acabam dei-xando de lado obras que ainda não possuem uma considerável fortuna crítica por receio de caírem em armadilhas, por medo de desvendarem o novo e por se sentirem inseguros para efetuar uma possível leitura.

Em entrevista concedida a Rony Farto Pereira no já mencionado jornal Proleitura, Egon de Oliveira Rangel, professor e coordenador em processos de Avaliação do Livro Didático por vários anos, fez a seguinte afirmação a respeito do que seria a qualidade de um livro didático (LD): “a qualidade de um LD é definida, sempre, por referência a um corpo de princípios, valores e critérios, explícitos ou não, que sintetizam o que uma determinada época pensa e espera do ensino de língua materna” (RANGEL, 1998, p. 1). E aqui vale acrescentar: o livro didático é defini-do de acordo com o que determinados elaboradores, dos quais boa par-cela não atua na escola, concebem o como e o que deve ser apre(e)ndido pelos estudantes. Por outro lado, o LD é utilizado pelos alunos, mas, de fato, dirige-se ao professor, que nem sempre acaba sendo um bom mediador.

Se muitos livros didáticos nem sempre são completamente adequa-dos para o ensino em sala de aula, por trazerem conceitos e informações equivocadas, deficiência metodológica e insuficiência teórica, a melhor saída seria, então, dispensá-los das aulas?

Para dispensar o LD é preciso ter coisa melhor a oferecer. Se o LD de

má qualidade for o parâmetro, é muito mais fácil, para um grupo de

educadores reunidos numa escola minimamente decente, selecionar

e mesmo elaborar, com vantagens, materiais alternativos. Mas acredito

que, mesmo no caso de boa parte dos livros que o Guia classifica como

recomendados com ressalvas, não é fácil dispor de coisa melhor. Se a

alternativa é selecionar outros materiais didáticos, o universo não será

muito diferente do que se apresenta no LD. (RANGEL, 1998, p. 4)

Em meio a constantes controvérsias, Ceia (2004, p. 52) arrisca uma proposta do que seria o melhor manual aos alunos de literatura:

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Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

45

O melhor manual que se pode recomendar aos alunos de literatura é o

pior manual que se pode dar ao professor de hoje: um manual sem textos

de apoio, sem notas, sem linhas de leitura, sem propostas de actividades,

isto é, apenas com os textos literários em estado puro e sem a presença

de críticas ou propostas redutoras. (CEIA, 2004, p. 52, grifo nosso).

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. “Não quero aqui culpar o livro didático pela dominação e dependência cul-

tural e intelectiva dos professores; na verdade, eles apenas representam o es-

tado de pobreza intelectual dos professores e, consequentemente, dos alunos

de literatura” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 206). O que você(s) pensa(m) a respeito

dessa afirmação da professora Cyana Leahy-Dios? Seriam os livros didáticos a

representação do estado de pobreza intelectual dos professores e dos alunos

de literatura?

2. Separação de língua e literatura, uso exclusivo do livro didático, falta de pro-

fessores leitores e metodologia de ensino sistematizada, seriam esses fatores

pertinentes do fracasso do ensino de literatura na escola?

3. Alguns pesquisadores afirmam que muitos livros didáticos limitam-se a

cobrar o que não ensinam. Você(s) concorda(m)? Faça(m) uma pesquisa em

diferentes livros didáticos, converse(m) com professores, tutores, colegas, e

justifique(m) sua(s) resposta(s).

4. Traga(m) para seus pólos livros didáticos que usou(usaram) no seu ensino fun-

damental ou ensino médio ou, se professores estejam usando com seus alunos.

Procure(m) pensar sobre a seguinte questão: Embora haja preocupação de algu-

mas editoras e coleções em explorar o texto literário no livro didático, em sua(s)

pesquisa(s), você(s) encontrou(encontraram) maior tratamento aos textos literá-

rios ou aos não literários? Há uma maior presença de que tipo de texto?

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Literatura e ensino

46

Leia mais!

Passando a limpo

Dois livros são aqui sugeridos como boas reflexões sobre a leitura e a litera-tura e suas relações com a educação literária. Fica aqui a sugestão. Leia(m) os livros, mesmo que a leitura seja feita após a nossa disciplina, para ver(em) como eles se sustentam em uma consistente pesquisa de campo com pro-fessores e alunos.

LEHAY-DIOS, Cyana. Educação literária como metáfora social. Des-vios e Rumos. Niterói: EDUFF, 2000.

MORAIS LEITE, Lígia Chiappini. Invasão da catedral. Literatura e en-sino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

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Unidade CA leitura na escola

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

49

6 A literatura infantojuvenilOs leitores-crianças não são assim tão diferentes dos adultos embora sua

sintonia seja outra, em função de uma emocionalidade mais intensa e espontâ-

nea; de um registro de vida, ao mesmo tempo, absoluto e fugaz.

(MARTINS, 1988, p. 87)

A literatura infantojuvenil, tal qual a literatura feita por mulheres, a africana, a popular (oral e de cordel), foi por muito tempo compreendi-da como um gênero literário marginal, menor, cujos produtos eram de categoria inferior, desinteressantes, sendo a qualidade e a especifidade postas em questão pela crítica. Em relação à literatura infantojuvenil há quem compreenda não haver limitações, e muito menos obras especí-ficas para determinados leitores. É o caso do já citado professor norte-americano Harold Bloom, em sua introdução ao volume 1 da antologia Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as ida-des (2003), em que discorda do fato de a literatura infantil ser vista como uma categoria isolada, de existir uma literatura própria para crianças e uma para adultos, asseverando que,

Qualquer pessoa, de qualquer idade, ao ler esta seleção, perceberá logo

que não concordo com a categoria “literatura para criança”, ou “literatura

infantil”, que teve alguma utilidade e algum mérito no século passado,

mas que agora é, muitas vezes, a máscara de um emburrecimento que

está destruindo nossa cultura literária. A maior parte do que se oferece

nas livrarias como literatura para criança seria um cardápio inadequado

para qualquer leitor de qualquer idade em qualquer época. (BLOOM,

2003, p. 12).

Para Bloom, o leitor é capaz de descobrir sozinho o que lhe é apro-priado à leitura, não havendo um poema ou história especial para de-terminada idade. Isso significa dizer que textos infantis também podem ser lidos por adultos, sem restrições, da mesma forma que textos exten-sos, não propriamente voltados ao público juvenil, podem ser lidos por crianças e adolescentes.

Harold Bloom

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Literatura e ensino

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Embora na atualidade ainda se observem questionamentos e crí-ticas que consideram a literatura infantojuvenil um gênero “marginal”, houve diversas transformações históricas para se chegar a uma literatu-ra que se voltasse para os leitores mais jovens. Na Idade Média, a criança era considerada um adulto em escala reduzida, não se distinguia deste, participando ativamente de sua vida social, e, consequentemente, da sua literatura.

O predomínio da burguesia, no século XVIII, alterou um pouco esse quadro, transformando as relações sociais ao separar a infância da ida-de adulta. A aprendizagem institucionalizou-se, emergindo, assim, um novo mercado de consumo e uma literatura específica para a criança.

Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (2004), o francês Char-les Perrault, no século XVII, compilou contos de fadas adaptando nar-rativas populares, revestindo-as de valores da burguesia. Mais tarde, no século XVIII, acentuou-se a função didática e moralizante dos contos de fadas, e na Alemanha, no século XIX, os famosos irmãos Grimm (Jacob

e Wilhelm), com a finalidade de valorizar o folclore alemão, adaptaram os contos populares alemães. No mesmo século, na Dinamarca, Hans Christian An-dersen surgiu com um diferencial, sendo o primeiro a compor contos de fadas sem se basear diretamente na oralidade.

Esses contos apresentavam, em sua estrutura te-mática, narrativas em sua maioria maniqueístas (bem e mal, belo e feio, verdade e mentira, certo e errado), a fim de serem tomadas como exemplos para a mora-lidade, o bom comportamento e a demonstração do castigo, da pena a ser cumprida, quando da desobe-diência. Assim, as narrativas infantis (hoje clássicas) tiveram a fonte popular e o folclore como elemen-tos importantes para sua constituição. No entanto, o mesmo não aconteceu no Brasil, por não haver a tradição de um repertório popular.

O início da literatura infantojuvenil brasileira é marcado por inúmeras traduções e adaptações dos

Um dos primeiros livros a tratar de uma

História da Literatura Infantil é o escrito por

Nazira Salem, cuja primeira edição data a

publicação de 1959 sob o título Literatu-

ra Infantil. É apenas na segunda edição da

obra, publicada 11 anos mais tarde (1970),

ampliada e reformulada, que o livro passa

a intitular-se História da Literatura Infantil.

O livro preencheu um vazio bibliográfico,

o que valeria dizer, abriu as portas para as

discussões acerca de tal temática. O com-

pêndio é dividido em 5 partes das quais

Nazira Salem dedica dois capítulos às adap-

tações literárias intitulados: “Livros Célebres

adaptados à infância” e “Clássicos Universais

adaptados à infância”, ou seja, a autora dá

considerável enfoque (40% da obra) à ex-

ploração das adaptações literárias.

Embora Charles Perrault seja visto como o grande

iniciador da chamada “literatura infantojuvenil”

mundial, não se pode perder de vista a exis-

tência prévia do italiano Giambattista Basile (1566-

1632), cuja obra Lo cunto de li cunti ou Il Pentame-

rone serviu de fonte para o escritor francês. Basile,

naturalmente, para com-por a obra mencionada, baseou-se em Giovanni Boccaccio (1313-1375), mais precisamente, em

Decamerone.

Page 51: Literatura e Ensino

Capítulo 06A literatura infantojuvenil

51

contos de Perrault, Grimm e Andersen. Figueiredo Pimentel e Carlos Jansen são vistos como os primeiros tradutores/adaptadores de obras clássicas europeias. São do primeiro os Contos da Carochinha (1886), os quais apontavam para a moralidade e o sentido educativo, e do segundo as adaptações de As viagens de Gulliver (1888), Robinson Crusoe (1885), D. Quixote de la Mancha (1901), entre outras. Outros tradutores que se destacaram foram Caetano Lopes de Moura, Justiniano José da Rocha, Francisco de Paula Brito e, inclusive, o poeta parnasiano Olavo Bilac, o qual traduziu para a Editora Laemmert inúmeras obras sob o pseudôni-mo de Fantásio. De um lado, essas traduções-adaptações eram uma ma-neira de estar em contato com o texto clássico, mesmo que traduzido; por outro lado, por serem baseadas em obras europeias, portanto, em cultu-ras alheias, distavam grandemente da realidade das crianças brasileiras.

Na primeira década do século XX, sucederam às traduções-adapta-ções obras nacionais de Olavo Bilac, em parceria ora com Coelho Neto, ora com Manoel Bonfim. Júlia Lopes de Almeida e Tales de Andrade também compuseram obras ao leitor jovem, mas ainda inspiradas em textos europeus. Havia preocupação moralista, exaltação do trabalho, disciplina, obediência e a intencionalidade de cantar as belezas da nação.

Tratada apenas como literatura dos bancos escolares, intimamen-te ligada à pedagogia, com o transcorrer do tempo, a literatura infantil foi adquirindo outros afinamentos. Ao tentar se desligar da influência do texto estrangeiro, principalmente do manancial europeu, as décadas de 20 e 30 foram muito marcadas pelo Modernismo e sua preocupa-ção com a nacionalidade. Os manifestos Pau-Brasil e Antropófago, de Oswald de Andrade, tentaram uma interpretação de um atraso cultural do Brasil. A antropofagia foi utilizada como resposta à cultura europeia dominante dos anos de 1920. Essa viravolta operada no Modernismo foi profunda, Oswald propunha uma nova postura cultural, na qual não havia sentimento de inferioridade, por meio do ato de deglutir o outro. A cópia era aceita, mas deveria ser regeneradora.

Apesar de ser considerado antimodernista, por criticar Anita Mal-fatti em “Paranóia ou Mistificação” (1917), o escritor e editor Monteiro Lobato inseriu o pensamento modernista em textos para crianças. O tom coloquial, o uso de onomatopeias e os neologismos ocuparam o

Oswald de Andrade (1890-1954), poeta, romancista e dramaturgo brasileiro, um dos principais no-mes do movimento modernista

brasileiro e organizador da Sema-na de Arte Moderna de 1922.

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Literatura e ensino

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“espaço” do caráter didático e moralizante, instituindo-se, assim, uma produção mais autêntica. Sua criação mais famosa é o Sítio do Pica-pau Amarelo, que teve seu início com A Menina do Nariz Arrebitado (1921) e só depois, com o acréscimo de outros episódios, denominou-se Reina-ções de Narizinho (1931). As Caçadas de Pedrinho (1933) também não nasceu com esse nome; foi primeiramente A Caçada da Onça, narrativa publicada em 1924. Mais tarde é que Lobato acrescentou histórias e o livro aumentou de tamanho e mudou de título. Seu último livro escrito é Os Doze Trabalhos de Hércules (1944).

Monteiro Lobato também inovou ao mesclar realidade e ficção, introduzindo questões de guerra, problemas ecológicos, sociais, mer-gulhando no folclore e no imaginário, até então não mencionados na literatura infantil. Deu atenção tanto ao regional quanto ao particular, fazendo exercícios de intertextualidade com outros textos (contos de fadas, principalmente) e personagens (Cinderela, Branca de Neve, O Pequeno Polegar, O Gato de Botas, Chapeuzinho Vermelho e outros), misturados a personagens mitológicos, heróis maravilhosos, figuras ex-traídas do cinema, que surgiam das histórias em quadrinhos, do cená-rio político.

Lobato criou em seus livros um universo para as crianças, sem a dicotomia bem versus mal, bom versus mau, tão característica desse tipo de literatura, substituindo e, ao mesmo tempo, desmistificando a moral tradicional pela verdade individual.

A partir dele, no Brasil, a Literatura Infantil perde uma de suas principais

características, a de ser um instrumento de dominação do adulto e de

uma classe, modelo de estruturas que devem ser reproduzidas. Passa a

ser fonte de reflexão, questionamento e crítica. (SANDRONI, 1987, p. 60).

Para Lobato, as crianças, até um dado momento, haviam sido sub-metidas a apenas “traduções galegais” de textos clássicos, e, na tentativa de libertá-las de tal “mal”, adaptou obras clássicas como Dom Quixote para crianças, Aventuras de Hans Staden, Peter Pan, Pinóquio, Robinson Crusoe, Alice no País das Maravilhas, entre tantos outros títulos, na ten-tativa de aproximar ainda mais o leitor infantojuvenil desses textos, por meio de linguagem mais simples que a do original.

Monteiro Lobato (1882 – 1948), editor, tradutor e escritor brasileiro, um dos maiores nomes da literatura infantoju-venil nacional.

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

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Monteiro Lobato foi o grande responsável no “empreendimento” da literatura infantojuvenil e um dos seus maiores divulgadores, desenvol-vendo a viabilização da circulação do livro no país e a expansão editorial. Menotti del Picchia (João Peralta, 1933), José Lins do Rego (Histórias da Velha Totônia, 1936), Érico Veríssimo (Aventuras de Tibicuera, 1937), Viriato Correa (Cazuza, 1938), Graciliano Ramos (A terra dos meninos pelados, 1939 e Histórias de Alexandre, 1944), entre outros, também se dedicaram à produção infantil, mas não seguiram a linha de Lobato.

Já em fins dos anos 60, a literatura destinada a esse público come-çou a desenvolver-se com mais afinco, surgindo, em 1966, a Fundação do Livro Escolar e, em 1968, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Mas foi apenas na década de 70 que se deu o chamado boom na literatura infantil, quando a produção para esse público teve uma explosão de criatividade, enfatizada por criações originais (uma realidade em processo até hoje). Em 1973, surgiu o centro de Estudo da Literatura Infantil e Juvenil e, em 1979, foi fundada a Academia Brasi-leira de Literatura Infantil e Juvenil. Também, nessa década, o Instituto Nacional do Livro (fundado em 1937) começou a coeditar várias obras infantis e juvenis.

Convém aqui mencionar que a prosa infantil dos anos 70 e 80, no Brasil, foi marcada por narrativas de intriga fantástica e estilo onírico, de reportagem e autobiográficas. Com o passar do tempo, temas até então não tratados como morte, separação dos pais, adolescência e sexualidade passaram a constar nos livros, descristalizando a suposta “ingenuida-de” da criança ao se voltarem para temas mais polêmicos e relativos ao cotidiano. Desse período, merecem destaque: Ziraldo (Flicts, 1969 e O Menino Maluquinho, 1980), Clarice Lispector (A vida íntima de Laura, 1974), Lygia Bojunga Nunes (Angélica, 1975 e A bolsa amarela, 1976), Ana Maria Machado (História meio ao contrário, 1978), Ruth Rocha (O Reizinho Mandão, 1978), Werner Zotz (Apenas um Curumim, 1979) e Pedro Bandeira (O fantástico mistério de feiurinha, 1985). E na poesia, Henriqueta Lisboa (O menino poeta, 1929), Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo, 1964), Roseana Murray (Fardo de carinho, 1986), José Paulo Paes (Poemas para brincar, 1990, Lê com crê, 1993), Sérgio Capparelli (Poesia Visual, 2000), e tantos outros.

Embora as adaptações te-nham caído em descrédito por volta dos anos 1970 em virtude de exigências de inovações na literatura infantojuvenil, as edito-ras não as perderam de vista. Um exemplo desse período é a publicação da “Coleção Calouro”, um projeto editorial da Ediouro (no momento as-sinando como Tecnoprint) que começa a circular na década de 1970, seguida pela “Coleção Elefante” e pela atualização gráfica das duas séries anteriores intitulada: “Clássicos para o jovem leitor”, realizada pela mesma editora, a partir da década de 1990. Em 1984, a Scipione in-gressaria na elaboração e venda de adaptações, mas até a década de 1990, a liderança nesse mercado, nos quesitos profissiona-lismo e qualidade, perten-ceria ainda à Tecnoprint/Ediouro.

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Grandes resultados começaram a florescer na literatura infantoju-venil brasileira, e diversos escritores foram reconhecidos, tais como Ruth Rocha e Ziraldo, premiados por seus talentos. Em 1981, Ana Maria Ma-chado recebeu, por sua obra De olho nas penas (1981), o prêmio “Casa de las Américas” (Cuba) e, em 1982, Lygia Bojunga Nunes, a “Medalha Hans Christian Andersen”, concedida pelo International Board on Books for Young People (IBBY), pela primeira vez, a um autor da América do Sul. Em 2000, o mesmo prêmio, ao “melhor” autor do mundo da litera-tura infantil, foi concedido a outra brasileira, Ana Maria Machado.

A partir dos anos 90, e aí reside um dos desafios desse texto - o de procurar definir alguns traços e características dessas duas décadas de produção contemporânea para o público jovem, a literatura infantoju-venil continuou com seu enfoque dado à diversidade de temas, com re-visitação de estilos anteriores (por meio da paródia e do pastiche), mas com destaque para a homossexualidade, questões raciais, voz ao índio, e boas evidências da cultura oriental. Diante disso, estabeleceram-se no-vas relações sociais entre personagens, leitor e leitura. A poesia teve con-siderável fortalecimento e a ilustração ganhou qualidade via múltiplas tendências, conferindo um novo status à literatura.

Autores como Ana Maria Machado, Roseana Murray, Ruth Rocha, Ziraldo, Angela-Lago, entre outros, continuaram suas produções, e aqui valeria um destaque para Ana Maria Machado que, recentemente pu-blicou um livro de poemas, o primeiro de sua carreira, intitulado Sinais do Mar (2009). Mas por que não pensar nos novos autores, nas novas roupagens, nas novas ideias de produzir literatura para leitores jovens? Dentre inúmeros bons textos, autores e ilustradores (considerando que há ilustradores-autores e vice-versa) nessa vasta produção literária in-fantojuvenil brasileira contemporânea, precisamos lançar alguns nomes: O menino que brincava de ser (1999) de Georgina Martins, ilustrações de Victor Tavares; Bichos que existem e bichos que não existem (2002) de Ar-thur Nestrovski, ilustrações de Maria Eugênia; Planeta Caiqueria (2003) de Hermes Bernardi Jr., ilustrações de André Neves; A Caligrafia da Dona Sofia (2006), de André Neves; Beatriz em Trânsito (2005), de Eloí Elisa-bete Bocheco; Lampião e Lancelote (2006), de Fernando Vilela; O guarda-chuva do vovô (2007), de Carolina Moreyra, ilustrações de Odilon Mo-

Ana Maria Machado, jornalista e escri-tora brasileira ganhadora do Prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante da literatura infantil.

Ruth Rocha, escritora brasileira de livros infantis e membro da Academia Brasileira de Letras.

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

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raes; Cacoete (2005) e Felpo Filva (2006), de Eva Furnari; Transpoemas (2008), de Ricardo Silvestrin; ilustrações de Apo Fousek. Bili com limão verde na mão (2008), de Décio Pignatari, ilustrações de Daniel Bueno; Galo Barnabé vai ao balé (2009), de Jonas Ribeiro, ilustrações de Ana Terra; Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões (2001) e O sábio ao contrário: a história do homem que estudava puns (2009), de Ricardo Azevedo; A primeira máscara (2009) de Maté, entre inúmeros outros.

Como é possível notar no parágrafo acima, citamos autores con-temporâneos de livros infantojuvenis, tornando evidente quem são os ilustradores dos livros para mostrar e demonstrar que a ilustração tam-bém tem sua parcela (muito relevante, por sinal) tanto de contribuição quanto de autonomia nos livros para esse público. Se, conforme mencio-namos, a ilustração dos textos infantojuvenis ganhou força e vigor nes-tas duas últimas décadas, no tópico seguinte serão discutidas e expostas algumas considerações a respeito.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Escritora de livros infantis e juvenis há muitos anos, tradutora e ensaísta, Ana

Maria Machado, em palestra proferida no seminário “O Trânsito da Memória”,

na Universidade de Maryland, EUA, em 1998, posteriormente incluída no livro

Contracorrente (1999), dispensa o uso do adjetivo “infantojuvenil” para categori-

zar a literatura para leitores jovens e afirma o seguinte:

Começo então falando do que normalmente se chama de literatura

infantil e é, em geral, onde me situam, já que muitos dos meus livros

podem ser lidos também por crianças. Para mim, não importa. O que

interessa é o substantivo, não o adjetivo. A literatura. E como os colegas

que escrevem para adultos e velhos exclusivamente (se é que isso exis-

te) não costumam se preocupar com a idade dos leitores nem rotulam o

que fazem de literatura madura ou senil, esta explicação, de tão eviden-

te, deveria ser desnecessária. (MACHADO, 1999, p. 12).

Você(s) concorda(m) com a escritora e ensaísta Ana Maria Machado? Você(s)

acredita(m) que se trata de uma Literatura sem a necessidade do adjetivo in-

fantojuvenil? O que isso implica?

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2. Crítica literária, professora e ensaísta, Nelly Novaes Coelho, em Literatura in-

fantil: teoria, análise, didática (1993), elabora as seguintes classificações para o

leitor: o “pré-leitor” (15 meses aos 5 anos); o “leitor iniciante” (6/7 anos); o “leitor

em processo” (8/9 anos); o “leitor fluente” (10/11 anos); o “leitor crítico” (12/13

anos) – divisões que são adotadas também por diversas editoras. Na sua opi-

nião, essas categorizações devem ser levadas à risca? Como lidar com essas

classificações na escola? Conteste(m).

3. Por que é importante, ao profissional de Letras, estudar, ler e conhecer a

literatura infantojuvenil?

4. Qual(is) o(s) livro(s) que marcou (marcaram) sua infância e juventude?

Comente(m) e justifique(m) o porquê.

5. Na sua opinião, como vai a literatura infantojuvenil brasileira? O que os lei-

tores e leitoras da sua comunidade estão lendo na escola? Quais são os livros

mais lidos, disputados e comentados por eles?

Leia mais!

Primeiras leituras

Formulamos uma série de questões para serem debatidas, pensadas, co-mentadas. O maior número de questões se deve ao importante tema re-lacionado à literatura para o público leitor formado por crianças e jovens. Sugerimos para os futuros professores e professoras estes três ensaios que aprofundam as questões:

LAJOLO, Marisa. “Leitura-literatura: mais do que uma rima, menos do que uma solução”. In: ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Teodoro. Leitura. Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1999, p. 87-99.

LANNA FIGUEIREDO, Maria do Carmo. “Um percurso pedagógico no espaço literário”. In: “O ensino da Língua e da Literatura”. Revista Gragoatá, 1º semestre, n. 2. Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 199-208.

SILVA, Ezequiel Teodoro da. “Uma leitura da leitura crítica”. In: Critici-dade e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 19-63.

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Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens

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7 Ilustração: Palavras e imagensPalavra e imagem ressoam entre si em uma trepidação: para cada leitor

essa fusão é particular, instante único, mas provocada, por exemplo, tanto

pela realização do escritor como do ilustrador, aqui devemos destacar que a

ilustração também fala, também agita.

(RIBEIRO, 2009, p. 126).

Considerando que os livros infantojuvenis são evidenciados tam-bém pelo seu caráter de livros ilustrados – algo que não pode ser igno-rado – e, elaborados, portanto, com ilustradores, trazemos aqui breves apontamentos sobre a ilustração, técnicas e características, que venham a contribuir para o trabalho com a leitura/literatura na escola, sem per-der de vista que, nos livros para esse público – infantojuvenil –, imagem e texto dialogam, completam-se, questionam-se constantemente. Ciça Fittipaldi, em “O que é uma imagem narrativa?”, aborda essas relações entre texto escrito e imagem, e afirma que:

Toda imagem tem alguma história para contar. Essa é a natureza narrati-

va da imagem. Suas figurações e até mesmo formas abstratas abrem es-

paço para o pensamento elaborar, fabular e fantasiar. A menor presença

formal num determinado espaço já é capaz de produzir fabulação e,

portanto, narração. (FITTIPALDI, 2009, p. 103).

Segundo a ilustradora, a imagens visuais não impedem a fabricação de imagens mentais, muito menos restringem o imaginário do leitor, mas “detêm uma enorme capacidade de abrir espaços no imaginário, de criar experiências sensíveis, formais, afetivas e intelectuais que ali-mentam o imaginário” (FITTIPALDI, 2009, p. 107). Apesar de também ser compreendida como uma imagem que acompanha um texto escrito, dando-lhe sustentação – muitas vezes maldosamente confundida com ornamento, adereço, enfeite às palavras, a ilustração é um tipo de texto que pode atuar por si só, dispensando completamente o texto escrito, construindo outro texto apenas por meio da visualização. A esse tipo de texto dá-se o nome de livro-imagem. A ideia que se tem de ilustração é muito variada. Segundo o ilustrador Luís Camargo (1998, p. 30),

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Pensamos que um mapa explica, melhor do que um texto, o percurso de

um rio; pensamos que desenhos tornam um livro mais atraente, princi-

palmente aos olhos infantis. Daí a idéia de que o papel da ilustração seja

informar e enfeitar. Mas serão apenas essas as funções da ilustração?

Não. As funções da ilustração, segundo Camargo, não são apenas essas, e ele corrobora sua negação apresentando oito funções para a ilus-tração: 1. [de] Pontuação (a ilustração pontua o texto, destacando as-pectos e demarcando início e término); 2. Descritiva (descreve objetos, animais, personagens, cenários...); 3. Narrativa (mostra uma ação, conta uma história); 4. Simbólica (representa uma ideia, um símbolo); 5. Ex-pressiva/ética (expressa emoções através da postura, gestos dos perso-nagens e dos elementos plásticos, como cor, espaço, linha..., pode conter valores pessoais e morais do ilustrador); 6. Estética (a linguagem visual chama à atenção); 7. Lúdica (na imagem representada e na maneira de representá-la); 8. Metalinguística (linguagem que fala sobre a própria linguagem).

Além de possuírem essas funções, as ilustrações são elaboradas por meio de diferentes técnicas, das quais é importante que o professor te-nha um prévio conhecimento, a citar algumas: aquarela, apropriação, fotografia, colagem, montagem, lápis de cor, giz-de-cera, gravura, gua-che, xilogravura, iluminuras, pinturas a óleo, a carvão, e entre tantas ou-tras possíveis. Não se exige que o professor seja um perito na análise de imagens, mas que tenha, pelo menos, uma ideia dos aspectos utilizados nas imagens que dialogam (ou não) com o texto escrito. Em texto publi-cado no livro organizado por Ieda Oliveira, intitulado O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador (2009), a ilustradora Cristina Biazetto apresenta tópicos interessantes em “As cores na ilustração do livro infantil e juvenil”. Segundo Biazetto (2009), perceber é sinônimo de compreender, mas, para que isso aconteça, é imprescindível ter conhecimento de atributos intrínsecos e extrínsecos a uma imagem:

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Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens

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Atributos intrínsecos a uma imagem

Atributos extrínsecos a uma imagem

Elementos visuais

- Intensidade;

- Tamanho;

- Contraste;

- Novidade;

- Repetição;

- Movimento.

- Atenção;

- Expectativa;

- Experiência;

- Memória.

- Linha – indicadora da direção que o nos-so olhar deve seguir. Pode ser um simples contorno, dar ideia de volume e representar sombra;

- Superfície – altura e largura;

- Volume – perspectiva, cores, luz e sombra;

- Luz – contraste claro-escuro;

- Cor – elemento visual com o maior grau de sensualidade e emoção do processo visual.

FONTE: adaptado de Biazetto (2009, p. 75-91)

Com relação às cores, a ilustradora Cristina Biazetto, com proprieda-de e conhecimento de causa, faz os seguintes apontamentos (2009, p. 90):

Cores quentes: vermelhos, amarelos, laranjas. (Ideia de fogo e ǿcalor, densidade);

Cores frias: azuis e verdes azulados; mais azul que amarelo na ǿcomposição. (Ideia de água, gelo, céu e vidros, sensação de le-veza e distanciamento);

Cores complementares: azul complementar é o laranja (amare- ǿlo + vermelho); vermelho complementar é o verde (azul + ama-relo) e amarelo complementar é o violeta (azul + vermelho);

Cores dessaturadas: baixa a intensidade da cor, misturando ǿcinza, branco ou preto;

Cores saturadas: cores puras, sem adição de cinza, branco ou ǿpreto;

Cores primárias: vermelho, azul e amarelo (artes plásticas); ǿmagenta, ciano e amarelo (artes gráficas);

Cores secundárias: mistura das primárias, verde, laranja e vio- ǿleta.

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As crianças tendem a aprender com a cor, e é na cor que elas con-templam a liberdade. Walter Benjamin, em seu ensaio “Livros infantis antigos e esquecidos”, publicado no livro Magia e Técnica, Arte e Política (1994), partindo suas reflexões da coleção de livros infantis de Karl Ho-brecker, divulgada ao público em 1924, faz considerações importantes sobre as ilustrações nos livros infantis sem perder de vista o seu caráter histórico. As imagens, segundo Benjamin, estimulam nas crianças a pa-lavra pelo ato de decifrar, de ler, de criar um sentido para o que veem/decrifram/leem dentro de si. “A imagem colorida faz a fantasia infantil mergulhar, sonhadoramente, em si mesma. A gravura em branco e pre-to, a reprodução sóbria e prosaica, levam-na a sair de si.” (BENJAMIN, 1994, p. 241).

A ausência do colorido nos livros, ou seja, uso exclusivo do preto e branco nas ilustrações, pressupõe maturidade do leitor. Diante disso, dei-xaria o leitor de sonhar, segundo afirma Walter Benjamin (1994, p. 242), ao dizer que “no reino das imagens incolores, a criança acorda; no reino das imagens coloridas, ela sonha seus sonhos até o fim”? A questão reside no fato de fazer com que o leitor-criança aprenda a absorver as imagens, seja por meio de cores, traços, contornos etc., para que se torne um adul-to sensível e sensato não apenas à dimensão das palavras, que projetam imagens, mas à projeção das imagens, que dimensionam palavras.

Os apontamentos citados em parágrafos acima, mas explicados com rigor

por quem faz ilustração, quis propor a seguinte reflexão: Agora que você(s)

viu(viram) alguns dos atributos das imagens, que tal retomar(em) alguns li-

vros infantojuvenis para ler e observar atentamente as ilustrações, as capas?

Procure(m), como futuro(s) professor(es), a partir de nossa disciplina, identificar

técnicas, cores e tons utilizados, bem como que tipo de relações estabelecem

as ilustrações com o texto escrito.

Convém, também, aqui registrar a importância de se pensar cada vez mais – e sempre – a importância das histórias em quadrinhos e tirinhas, tão marginalizados. O professor Rafael Soares Duarte, em sua dissertação de mestrado Watchmen: vazios, tragédia e poesia visual moderna, expôs com muita clareza a importância das Histórias em Quadrinhos (HQs):

Walter BenjaminWalter Benjamin (1892 - 1940) foi um ensaísta, crítico literário, tradu-tor, filósofo e sociólogo judeu alemão.

DUARTE, Rafael Soares. Watchmen: quadrinhos,

vazios e poesia visual. Dissertação (Mestrado em

Literatura, Programa de Pós-Graduação em Litera-tura. Florianópolis: UFSC,

dez. 2009. Orientadora: Profa. Dra. Tânia Regina

Oliveira Ramos.

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Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens

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A relação da história em quadrinhos (também chamadas de HQ) com

a sociedade é perpassada por polarizações antagônicas. É reconhecida

como diversão popular de alcance imenso e, ao mesmo tempo, exe-

crada como infantilidade. É vista como meio artístico válido e meio de

consumo descartável. Deixando-se de lado o campo do senso comum,

é possível verificar um posicionamento relativamente diferente entre

as instâncias que possibilitam a legitimação de uma forma artística. Se

um certo reconhecimento intelectual já pode ser verificado há algum

tempo, com uma obra entrando para a lista de “Cem melhores livros do

século XX” da Time Magazine, através de prêmios como Hugo e Pulit-

zer, ou de livros que analisam sua estrutura formal, um outro lugar de

legitimação, a produção acadêmica acerca das histórias em quadrinhos,

merece um olhar mais atento. (DUARTE, 2009, p. 14)

As palavras do professor e pesquisador de histórias em quadrinhos tornam evidente que as HQs conquistaram seu espaço como arte, co-municação e, principalmente, literatura, embora tenham ficado à mar-gem por muitos anos, vistas como diversão popular e consumo descar-tável. As produções em quadrinhos, sejam elas adaptações de clássicos, sejam clássicos dos quadrinhos (Superman, Watchmen, Tarzan, Popeye, X-men, Dick Tracy, Capitão Marvel, Capitão América etc.) ou mesmo os mais contemporâneos (Mafalda, Charlie Brown, Pato Donald, Zé Cario-ca, Turma da Mônica etc.), não podem ser excluídas do meio escolar, pois [nelas] é onde, também, as imagens estabelecem relações com o texto escrito. Embora a leitura dos quadrinhos seja limitada à ordem dos balões, legendas e imagens, os significados, os sentidos que o leitor pode extrair dessa leitura não o são.

Seja pelas ilustrações dos livros, pelas HQs, não podemos esquecer do poder sedutor das imagens. Muitas vezes são elas, as ilustrações, as cores, as capas que conquistam leitores antes que eles passem a conviver, como disse o pequeno leitor, apenas “com livros só de palavras”.

Questão a ser tratada no tópico seguinte: As adap-tações de textos clássicos.

Os dois primeiros casos são relativos à obra Watch-men. O Pulitzer de 1992 foi vencido pela obra Maus de Art Spiegelman.

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Reflita(m) e troque(m) ideias com seus

colegas, tutores e professores:

1. Em “A linguagem visual no livro sem texto”, Ma-

rilda Castanha alegou que, corforme a criança é

alfabetizada, os livros de imagens vão ficando em

segundo plano. Diante de situações como esta,

elaborou a seguinte conclusão: “é como se, aos

poucos, durante a trajetória de uma pessoa na

vida escolar, ela se “desalfabetizasse” das imagens. Não é por acaso que mui-

tos adultos não se sentem estimulados a visitar museus, galerias de arte ou

bienais” (CASTANHA, 2009, p. 145). O que você(s) pensa(m) a respeito dessa

afirmação?

2. A ilustradora Márcia Széliga, em depoimento, disse que “Ilustrar é despertar

um questionamento, é instigar a curiosidade para desvendar os mistérios in-

crustados nas entrelinhas das palavras, na ambientação das formas e cores que

acionam os sentidos do leitor, para que ele possa se sentir, em seu íntimo, um

co-autor silencioso” (SZÉLIGA, 2009, p. 181). Na sua opinião, qual é o papel (ou

quais são os papéis) da ilustração no livro infantojuvenil?

Leia mais!

Pausa

Sugerimos agora, pensada a questão dos livros e suas ilustrações, a leitura de dois textos importantes para se aprofundar cada vez mais a leitura literá-ria e a história dos livros dedicados a jovens e crianças.

BENJAMIN, Walter. “Livros infantis antigos e esquecidos”. In: Magia e Técnica. Arte e Política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 235-243.

ZILBERMAN, Regina. “Leitura literária e outras leituras”. Revista Gra-goatá. Curso de Pós-Graduação em Letras. Número monográfico sobre O ensino da Língua e da Literatura. 1º semestre, n. 2. Niterói: UFF, 1997, p. 143-157.

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Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

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8 As adaptações de textos clássicos

Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não

ler e jogar fora, mas, sim, morar, assim como morei no Robinson [Crusoe]...

(Monteiro Lobato. Correspondência).

As palavras de Monteiro Lobato, que compõem a epígrafe deste tex-to, enfatizam o poder de sedução, envolvimento, experiência, vivência, quando da “boa” literatura – especialmente ao fazer referência a um tex-to clássico da literatura universal, Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Por meio da leitura de bons livros é que as crianças podem passar a mo-rar neles, vivenciar experiências únicas, fazer uso correto de suas solidões, como já demonstramos na afirmação do norte-americano Harold Bloom no início de nosso livro.

Mas, como fazer com que os leitores tenham alguma forma de aces-so à “boa” literatura enquanto jovens? Indicar sem pestanejar, para um leitor mirim, um texto integral do acervo literário ou optar por outras possibilidades quando o alvo de leitura é justamente um texto clássico? Que possibilidades seriam essas?

Conforme exposto em tópico anterior, o início da literatura in-fantojuvenil brasileira é marcado por traduções e adaptações de textos clássicos. Desde o final do século XIX, no Brasil, havia preocupação de se fazer com que os leitores tivessem acesso e, possivelmente, maior en-tusiasmo com a leitura desses textos. Além disso, era possível perceber que o Brasil carecia de uma literatura própria para leitores ainda em fase de escolarização, pois até então circulavam aqui apenas traduções de livros europeus. Era, então, necessário repensar essa questão e procurar alguma alternativa para fazer com que esses leitores ingressassem na leitura de clássicos por outra via que não apenas a da tradução do tex-to integral; daí uma das razões para que se viabilizasse o aparecimento das adaptações. Embora apelativas à moralidade, galegais, desliteratu-rizadas, como afirmava Lobato, as primeiras adaptações-traduções de Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel foram o pontapé inicial para que os

O professor Diógenes Buenos Aires de Carvalho (2006) ressalta, em levan-tamento feito de obras adaptadas entre 1882 e 2004, que os títulos mais adaptados no Brasil são Robinson Crusoe, de Daniel Defoe, com 39 (trinta e nove) publicações, e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, com 36 (trinta e seis).

Sempre que mencionado, o termo ‘adaptação’ refere-se às releituras de obras clássicas para o leitor infantojuvenil.

Daniel Defoe(1660-1731) – escritor e jornalista inglês.

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leitores jovens brasileiros do final do século XIX começassem a desfru-tar da leitura desse tipo de textos.

Monteiro Lobato foi um obstinado partidário das adaptações; pro-curou recriar e reescrever uma série de textos que marcaram sua in-fância – Dom Quixote, Peter Pan, Pinóquio, Robinson Crusoe, Alice no País das Maravilhas, para citar alguns –, pois considerava o conheci-mento deles [dos textos] essencial para as novas gerações. Era preciso que a leitura fluísse, que os códigos estéticos fossem renovados e que as narrativas fossem desprovidas de enfeites literários. As adaptações, para Lobato, deveriam ser diferentes, sem termos do “tempo da onça”, como demonstra em um trecho do livro Reinações de Narizinho – Volume 2, relatando ao leitor a maneira de Dona Benta ler (recontar) as histórias para os netos:

A moda de Dona Benta ler era boa. Lia “diferente” dos livros. Como qua-

se todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça,

cheios de termos do tempo da onça ou só usados em Portugal, a boa

velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil

de hoje. Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”; onde estava “larei-

ra” lia “varanda”. E sempre que dava com um “botou-o” ou “comeu-o”, lia

“botou ele”, “comeu ele” – e ficava o dobro mais interessante. (LOBATO,

2007, p.36)

Dona Benta, a vovó do Sítio do Pica-Pau Amarelo, é uma exemplar mediadora dos textos clássicos para os netos. Além de atuar como uma assídua contadora de histórias, a avó de Pedrinho e Narizinho (Lúcia), desempenha um papel de adaptador hic et nunc, que reescreve e recria as histórias no momento em que são narradas à plateia do sítio, que é geralmente composta pelos netos, boneca Emília, sabugo Visconde e preta Nastácia. Segundo Regina Zilberman (2003, p. 86), “Dona Benta é a narradora adulta que, após a leitura do livro, refaz à sua moda os prin-cipais episódios do original”. E é refazendo à sua moda os episódios que dona Benta parece desafiar a gramática, ignorando, como exemplifica o narrador, regra de uso dos pronomes. É claro que a boa senhora conhe-ce o uso e as devidas normas, mas os corrompe para imprimir tom de oralidade quando de suas narrações, ou seja, para que a narrativa fique “em língua do Brasil de hoje”.

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Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

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Se, para Italo Calvino (2001), o primeiro encontro com os clás-sicos durante a juventude, muitas vezes, não é tão prazeroso devido à impaciência e distração de leitura, bem como inexperiência de vida, as adaptações de textos clássicos podem ser uma maneira de aproximar o leitor das obras consagradas e tentar uma democratização e uma re-cepção mais adequada ao leitor infantojuvenil. Há excelentes adapta-ções circulando no mercado; segundo Mário Feijó Borges Monteiro, em dissertação de Mestrado intitulada Adaptações de clássicos brasileiros: paráfrases para o jovem leitor (2002), a boa adaptação tenta aumentar ao máximo o número de leitores de determinada obra e, por tais fun-ções, compreende-as como paráfrases ou metáfrases, por serem narra-tivas que recontam textos clássicos por meio das próprias palavras dos adaptadores. Monteiro assevera que essas paráfrases ou metáfrases – as adaptações –, quando bem realizadas, apresentam fidelidade ao enredo, possível encantamento ao leitor e emprego de linguagem apropriada. A maioria das adaptações de textos clássicos para a literatura infanto-juvenil é transformada em narrativa, o que de antemão já pressupõe, também, a alteração do gênero literário.

As adaptações de textos clássicos são boa opção para o leitor inte-ressar-se pelo texto-fonte? Escritor e autor de diversas adaptações que circulam no mercado, o experiente escritor Carlos Heitor Cony (2006), em “As adaptações dos clássicos e a voz do Senhor”, é otimista em rela-ção às adaptações, afirmando não ser uma prática condenável, e muito menos plagiosa e/ou pasticheira, mas, muitas vezes, de caráter honesto, funcionando como um caminho para que se conheça o original, espe-cialmente para aqueles que não têm vontade e muito menos tempo de se arriscar na leitura dos famosos “tijolões”. Cony, historiando o assunto, menciona que os irmãos Lamb fizeram adaptações em prosa das peças de William Shakespeare, que servem como primeiro contato para os estudantes de fala inglesa com os textos do escritor inglês. Essas adap-tações em prosa, como ressalta Cony, em nada prejudicaram os origi-nais, mas sim, valorizaram-nos ainda mais, além de familiarizarem o estudante desde cedo ao conhecimento de obras importantes. Também aponta a importância de Monteiro Lobato, o precursor das adaptações no Brasil, cujos textos são reeditados ainda hoje.

Carlos Heitor Cony, escritor e jornalista brasileiro, membro da Academia Brasi-

leira de Letras.

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Literatura e ensino

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Adepta da recriação de textos clássicos (inclusive os de literatura brasileira), é, também, a professora, escritora e ensaísta Nelly Novaes Coelho, em texto publicado no Jornal do alfabetizador, em 1996, inti-tulado “O processo de adaptação literária como forma de produção de literatura infantil”. Segundo Coelho (1996, p. 11), “a adaptação é ainda um bom filão a ser redescoberto e explorado pelos novos escritores” e acrescenta que, além dos mitos gregos (e latinos), indígenas, feitos his-tóricos, romances geniais, “por que não certos textos ou livros de lite-ratura brasileira contemporânea?” E como resposta exemplifica com a

obra de Guimarães Rosa que, em dis-curso narrativo inovador, apresenta situações, aventuras ou experiências humanas que podem ser de grande interesse para os leitores. Apesar de entusiasmada com as adaptações, a professora ressalta que esse processo deve ser desenvolvido com rigor, o que exige do adaptador um trabalho vi-goroso em três níveis, a citar: nível da composição, da estrutura narrativa; ní-vel da personagem e nível do discurso. Abarcando esses três níveis, o processo de adaptação atingirá uma recriação simplificadora da linguagem narrativa, suscetível de agradar ou estimular os jovens leitores.

Embora defendida pelo escritor Carlos Heitor Cony e pela profes-sora e ensaísta Nelly Novaes Coelho, a adaptação de textos brasileiros do século XIX e XX é uma prática ainda bastante questionável, pois os leitores, na maioria das vezes, preferem o texto adaptado e dispensam o original, escrito em sua língua materna, por ser uma leitura facilitada e o texto ser reduzido. Nesse sentido, o texto original, aquele escrito por Machado de Assis, José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, por exemplo, é substituído pela adaptação do romance brasileiro. Não se

Relevante mencionar aqui o projeto Latim na Escola, da

Universidade Federal de Santa Catarina, elaborado em co-

autoria da Profa. Dra. Zilma Gesser Nunes e do Prof. Dr. José

Ernesto de Vargas. Esse projeto, em andamento desde ja-

neiro de 2000, visa o resgate da Língua Latina, à recupera-

ção da sua história e cultura, ao desenvolvimento do racio-

cínio lógico, bem como contribuir para o processo ensino/

aprendizagem da língua portuguesa. Dentre seus objetivos

está, também, a elaboração de material didático e lúdico

e de adaptações de textos clássicos latinos de autores

como Virgílio, Ovídio, Fedro, Plauto, que são efetuadas

pelos alunos do curso de graduação em Letras-Portu-

guês. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.sepex.ufsc.

br/anais_6/trabalhos/1235.html>. Acesso em: 25 jan. 2010.

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Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

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nega a eficiência dessas adaptações, mas os séculos XIX e XX não estão muito distantes da realidade dos estudantes juvenis brasileiros para que se viabilize sempre a preferência pela adaptação. Os leitores juvenis po-dem ler as adaptações, mas sem deixar de lado o conhecimento e a leitu-ra das obras originais. Além disso, há obras brasileiras que são acessíveis à leitura e, portanto, “dispensam” o recurso da adaptação.

Por outro lado, já se tornaram corriqueiras, pode-se dizer há al-gum tempo, adaptações de textos clássicos para os quadrinhos, aliando texto e imagem de maneira bastante interessante. Tendo em vista que são reconhecidas como forma de arte e comunicação e, possivelmente, atraem maior número de leitores jovens, as adaptações de clássicos em quadrinhos são uma boa alternativa para efetuar trabalhos em sala de aula, mas sem perder de vista o texto original. As editoras acresceram um item a mais no seu catálogo: os quadrinhos, e estão investindo cada vez mais nesse “formato”. A título de ilustração, citamos quatro adapta-ções (opções) do conto brasileiro O Alienista, de Machado de Assis:

O Alienista ǿ , adaptação, roteiro e desenho de Lailson de Holan-da Cavalcanti (Companhia Editora Nacional, 2008);

Alienista ǿ , adaptação de Luiz Antonio Aguiar e ilustrações de Cesar Lobo (Ed. Ática, 2008);

O Alienista ǿ , adaptação de Fábio Moon e Gabriel Bá (Ed. Agir, 2007);

O Alienista ǿ , adaptação, roteiro e desenhos de Francisco S. Vi-lachã; cores de Fernando A. A. Rodrigues (Ed. Escala Educa-cional, 2006).

O que se pode perceber é que em um intervalo de três anos, qua-tro editoras diferentes abraçaram a ideia da adaptação em quadrinhos do conto de Machado de Assis. Se fizermos um levantamento de todos os títulos clássicos de romances, contos, biografias, peças, poemas etc. (não necessariamente literatura brasileira, mas incluindo-se a literatura estrangeira) adaptados para os quadrinhos, a lista será imensa.

A editora Scipione investe em adaptações de textos clássicos desde 1984, cujos títulos continuam em circulação até hoje, e já possui em seu catá-logo inúmeros títulos de clássicos das literaturas brasileira e portuguesa na Série Reencontro. Mas não para por aí: de outra coleção, Série Reencontro Infantil, indicada a partir dos 9 anos, que também consiste em adaptações de textos clássicos, locali-zamos dois títulos de tex-tos nacionais adaptados para crianças: O Guarani, de José de Alencar, adap-tação de Edy Lima, e Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, adapta-ção de José Louzeiro. Dis-ponível em: <http://www.scipione.com.br/lista_pa-radidatico.asp?pagina=5&inicial=5&nivel=&bt=2&id_olecao=12&avancada=1>. Acesso em: 20 jan. 2010.

Page 68: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

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Embora a noção de adaptação possa ter compreensões depreciati-

vas, sendo associada aos conceitos de condensação, facilitação, em-

pobrecimento e prejuízos em relação ao original, é preciso avaliar

seu alcance. Esse recurso não deve sofrer generalizações pejorati-

vas, pois não é o “adaptar” em si que pode comprometer a recepção

de uma obra, mas a “forma” pela qual esse processo é elaborado – e

aqui entraria novamente a questão do rigor quando da composi-

ção de uma adaptação nos três níveis elaborados por Nelly Novaes

Coelho. É nesse momento que o professor deve entrar em cena, o

que vale dizer, deve procurar ter conhecimento de algumas adap-

tações para fazer questionamentos críticos e contrapontos com os

originais. Há inúmeras adaptações de um mesmo texto, conforme

demonstramos acima através de O Alienista, de Machado de Assis, e

cabe aos professores auxiliarem seus alunos nas escolhas e orientá-

los para que percebam tratar-se de uma releitura da obra em ques-

tão, ou seja, há um mediador – o adaptador. (Sim, o professor deve

ser um constante e obstinado leitor...)

Com esse texto, pretendemos enfatizar que as adaptações, quando elaboradas com rigor e seriedade, são importantes e necessárias no pro-cesso de formação da leitura. Importantes por colocarem em circula-ção obras clássicas distanciadas dos leitores tanto em matéria de tempo quanto de convenções linguísticas e estéticas. Necessárias por contribuí-rem na formação de leitores também de textos clássicos. Importantes por defenderem/promoverem a circulação desses textos e, assim, manterem/preservarem certas referências culturais. Necessárias por servirem como um convite a uma leitura/mergulho do/no original – que muitas vezes pode ser a tradução. Importantes, principalmente, por tornarem a leitu-ra diferente, menos densa, mais prazerosa, e, retomando as ideias de Lo-bato expressadas no início desse texto, sem “termos do tempo da onça” e “português de defunto”, mas uma leitura o dobro mais interessante.

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Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

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Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Ana Maria Machado, escritora e ensaísta já mencionada, em seu livro Como e

por que ler os clássicos universais desde cedo (2002), afirmou, “a tradição clássica

está desaparecendo a uma velocidade galopante — e todos nós vamos nos

empobrecendo com isso” (MACHADO, 2002, p. 142). Por que essa tradição clás-

sica está desaparecendo? De que forma empobreceremos – o que deixaremos

de conhecer, de ler, de apre(e)nder – se a tradição clássica desaparecer?

2. Em que medida as adaptações proporcionam o contato de leitores e leitoras

jovens com a literatura clássica? Responda(m) essa questão tendo em mente

essas palavras de Ana Maria Machado: “como o contato das crianças com os

contos populares hoje em dia se faz basicamente pelos desenhos animados e

toda a parafernália Disney deles derivadas, as histórias que não foram adapta-

das por esse canal ficam em segundo plano” (MACHADO, 2002, p. 143).

3. Qual a importância de ler textos clássicos desde cedo? Por quê?

Leia mais!

Depois da aula

Ao falar de adaptações estamos sempre pensando na adaptação dos clás-sicos. Como futuros professores de literatura, as indicações a seguir deverão fazer parte de seus repertórios de leituras. Estes três livros devem fazer parte da(s) sua(s) bibliotecas ou de sua(s) escola(s):

BLOOM, Harold. “Prólogo” e “Prefácio”. Como e Por Que Ler. Tradu-ção José Roberto O´Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 15-25.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

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Unidade D A literatura na escola

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Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

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9 A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

Se, por não sei que excesso do socialismo ou de barbárie, todas as nossas

disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária

que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literá-

rio. (Barthes, 1978, p. 18)

Ao enfatizarmos as questões anteriores para estabelecer a complexa relação Literatura e Ensino, passamos agora a escutar a voz dos alunos do ensino médio, através de uma pesquisa sobre a leitura obrigatória de textos canônicos

Este ensaio está inte-gralmente publicado no livro “Experiência e Prática de Redação”, publicado pela EDUFSC em 2008, e teve a coautoria de Tânia Re-gina Oliveira Ramos e Cristina de Souza Prim. Optamos por incluí-lo no livro destinado à disciplina porque ele é resultado de uma pesquisa de campo e nos permite pensar na leitura dos cânones da literatura brasileira por alunos do ensino médio.

O professor da UNESP (Campus de Assis), Benedito Antunes, em

“Para ler os clássicos” (2004), levanta alguns títulos que são comu-

mente compreendidos como clássicos da literatura brasileira:

Hit parade nacional. Tomando-se de forma aleatória algumas das

enquetes que se fazem para eleger os livros fundamentais da litera-

tura brasileira, é possível imaginar uma lista de obras que são fre-

quentemente citadas. Inicialmente, se destacariam os romances de

Machado de Assis, especialmente Dom Casmurro, Quincas Borba

e Memórias Póstumas de Brás Cubas. É muito lembrado também o

romance Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, vindo em se-

guida Macunaíma, de Mário de Andrade, e Os sertões, de Euclides

da Cunha. Completariam a lista das mais lembradas, Vidas secas, de

Graciliano Ramos, Fogo morto, de José Lins do Rego, Iracema, de

José de Alencar e Memórias de um sargento de milícias, de Manuel

Antônio de Almeida. Da produção poética, costuma-se citar como

fundamentais Primeiros cantos, de Gonçalves Dias, Libertinagem,

de Manuel Bandeira, e A rosa do povo, de Carlos Drummond de An-

drade (ANTUNES, 2004, p. 79).

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Literatura e ensino

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Como pensar a literatura com(o) disciplina? Alfredo Bosi, em “O Tempo e os Tempos”, um dos ensaios da coletânea Tempo e História, afirma que datas são pontas de icebergs, ou seja, funcionariam como pi-náculos flutuantes, como demarcações de massas congeladas em blocos de formatos imprevisíveis e erráticos, passíveis de dissolução. Ao falar sobre o ensino da literatura no século XXI, desejamos mostrar que, além da superfície visível, há nas datas uma dimensão outra que as sustenta. Assim, obras e autores, discursos críticos, iniciativas contemporâneas, como os periódicos especializados e as múltiplas antologias e coletâneas de ensaios, que vêm sendo bastante publicadas, quando observados sob o ângulo de sua inserção na vida literária de certo período ou institui-ção, também podem ser vistos como pontas de icebergs, especialmente porque são feitos de muitos nomes e outras falas, de figuras ainda não expressivas no contexto de uma relação canônica de uma determina-da literatura. Este universo contemporâneo é mais errante, mais frágil, mais abstrato do que certos caminhos já percorridos. Para compreender essa certa condição de isolamento necessitamos de alguns mergulhos que nos mostrem a grande massa sedimentar que pode sustentar estas leituras. Comecemos, por exemplo, por ver o ensino de literatura como um instrumento de legitimação, quer dizer, de afirmação do lugar a par-tir de onde o texto fala. E “este entendimento se dá pela aceitação de que a professora ou o professor de literatura é aquele capaz de organizar, classificar, delimitar e apontar junto a seus alunos procedimentos de lei-tura.” (FOUCAULT, 1996).

Entramos no século XXI, com manifestações evidentes, até mesmo claras, de uma necessidade de se retirar da História e da Literatura a pecha de anacronismo. Mesmo não se podendo, em princípio, elaborar sistematicamente uma outra história da literatura, estamos debruçados sobre tantas textualidades contemporâneas, e convencidas da importân-cia da reavaliação da tradição e da utilização de fontes bibliográficas literárias, e os seus espaços nos cursos de graduação, de pós-graduação, nas instituições de ensino superior do país, nas escolas de ensino mé-dio. Há outros caminhos que possam ser traçados para além da relação Literatura e História, Literatura e Memória Cultural, Literatura e Vida Literária, Literatura e Contexto?

BOSI, Alfredo. “O Tempo e os Tempos”. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e

História. São Paulo: Com-panhia das Letras, 1993,

p. 19.

Referimo-nos aqui ao ensaio de Tânia Regina

Oliveira Ramos, “Dentro deste (a)pós: muito abalo, novos nomes, outras falas. Cadernos do Centro de Pes-quisas Literárias da PUCRS. Porto Alegre, 2000. v. 6, n.

1, p. 73-79.

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Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

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Reconhecida a importância das revisões e revitalizações de estudos historiográficos para o ensino de literatura, a leitura de uma produção crítica, mais ensaística, publicada nos últimos trinta anos, leva-nos a adiantar que um número significativo destes textos críticos volta-se para a contemporaneidade. Assim, ao lado dos estudos mais sistematizados e localizados na historiografia literária, conforme um levantamento pre-liminar de nossos programas de ensino, há por força das circunstân-cias uma tentativa de pensar a literatura e sua relação com o ensino que persiste ainda dentro de uma tradição. Qual seria a razão de se desejar novos rumos para os estudos literários? A imagem que para nós melhor explica esta imediaticidade é a crítica literária, que prolifera nas temáti-cas dos eventos nacionais e internacionais e a leitura de textos teóricos, poéticos e narrativos, dispersos em livros e antologias. A literatura pare-ce sempre conclamar à atualização. Assim será antes preciso perguntar o que é que significa e o que é que nos instiga a não abandonar os cânones mesmo lançando um outro olhar sobre a criação literária contemporâ-nea, sobre outras formas de manifestações culturais (cinema, perfor-mance, telenovelas, revistas, sites, saraus...)?

Poderíamos dizer que a crítica literária ajuda a intervir entre a obra e o leitor, para dar algumas informações sobre o livro na contempora-neidade dele, compromissado com o acúmulo crítico que o antecede. O professor precisaria sempre amparar suas leituras em uma fortuna crítica institucionalizada. Quantos e quem, entre os pesquisadores da área, estão dispostos e preparados para assumir a tarefa de se voltar mais e mais para a releitura de obras ou textos do passado, que guardariam atualidade?

Embora o caráter provisório que possa ter tudo o que está sendo dito, podemos assegurar que a maioria das leituras ensaísticas, sobre as quais nos debruçamos cotidianamente para nos manter atualizadas, es-tão agregadas a práticas teóricas contemporâneas. As discussões a pro-pósito da contemporaneidade começaram com a questão da existência ou não de uma ruptura com a historiografia e um repertório de textos canônicos consagrados pela crítica.

Assim, motivadas agora, depois de várias reflexões relevantes nos tópicos anteriores que acabamos de expor, lançamos agora nosso olhar

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Literatura e ensino

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sobre a Literatura como “disciplina”, seja no sentido curricular, discipli-nar mesmo, seja no sentido mais metafórico, no momento em que se pensa a obrigatoriedade disciplinar da leitura.

Vamos dar a este tópico uma sustentação de pesquisa de campo feita com professores e alunos do ensino médio em cinco grandes co-légios de Florianópolis, onde se situa a UFSC. Escolhemos os colégios que revelavam uma demanda maior para o vestibular da UFSC. Foram eles: Instituto Estadual de Educação, Escola Deyse Werner Sales, Escola Getúlio Vargas, Colégio Catarinense e Colégio Energia. Talvez o avanço maior tenha sido o de dar voz aos leitores, que se manifestaram durante a pesquisa. Neste somatório de questões, veremos se a literatura é, como diria Roland Barthes, tudo que se ensina, ou como estamos vendo: lite-ratura com(o) disciplina.

Convém retomar nesta primeira parte da pesquisa a comparação das respostas dadas pelos vestibulandos no que se refere ao seu uni-verso de leituras, com as sugeridas pelos professores como lista ideal. Os professores sugeriram à COPERVE, em 2004, depois de uma con-sulta, 360 títulos. Este número é explicado porque alguns professores sugeriram de 3 a 10 títulos. Só para ilustrar: enquanto os alunos diziam que desejavam ler “livros atuais, livros interessantes, com enredos varia-dos, que traziam curiosidades e novos autores”, “leituras menos difíceis e complexas”, “autores do século XIX e XX que ainda não conheço”, os professores sugerem, por questão de gosto ou de segurança, os mesmos livros já canonizados pela crítica e pela historiografia. A título de exem-plificação, 18 professores sugeriram O Cortiço, e 10 O Guarani. Mesmo reconhecendo o mérito dos textos canônicos, e a necessidade de sua leitura, surpreende-nos que uma produção mais contemporânea, espe-cialmente a da segunda metade do século XX, não seja contemplada na lista dos professores. Seria o professor um (não) leitor? Fizemos uma tabulação dessas leituras, apontamos equívocos nas próprias indicações, no que se refere, por exemplo, ao nome do autor, títulos, autorias etc. Para ilustrar, o desejo de incluir um livro que marcaria diferença levou uma professora a sugerir O quarto de desejo, de Carolina Maria de Jesus, quando o certo seria Quarto de despejo. Ou o professor que sugere Luiz de Camões - Poesia Lírica, de autoria de Benjamin Abdala Júnior.

Este primeiro momento da pesquisa foi coordena-

do pelas Professoras do Colégio de Aplicação da UFSC, Claudete Segalin

de Andrade e Ana Maria Sabino, com a importante

participação da bolsista de Iniciação Científica

Rosilei Girardello.

Esta lista faz parte dos arquivos desta pesquisa

que podem ser solicitados ao nuLIME, CCE, UFSC.

Atualmente, a UFSC pos-sui campi nas cidades de Araranguá, Curitibanos e

Joinville, além de ter Polos em vários estados do Bra-

sil na modalidade Ensino a Distância

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Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

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Preocupadas com o pequeno referencial de leitura dos universitá-rios, as universidades brasileiras introduziram como condição de in-gresso à Universidade a leitura de obras representativas da produção literária brasileira (no caso da UFSC, que é o nosso alvo, de oito a dez títulos anuais), numa tentativa de que as questões propostas sobre e/ou a partir de textos literários pudessem contribuir para a superação de dificuldades relativas à formação de leitores e ao consumo de leitura e, principalmente, à produção escrita. No tópico As institucionalizações da literatura fizemos referência à pesquisa da professora do Colégio de Aplicação da UFSC, Claudete Segalin de Andrade. E é sobre a relação do aluno desse nível de ensino com a leitura que esta pesquisa se vol-tou, ou seja, pretendemos verificar como as indicações de leituras para o vestibular são recebidas e consumidas pelo aluno; se esse tipo de obri-gatoriedade interveio (ou não) na promoção da leitura, na formação do próprio leitor e na qualidade do próprio texto escrito.

Passada esta fase das sugestões dos professores, continuamos a pes-quisa de opinião com os alunos, porém por um caminho que parecia atingi-los mais de perto. Não mais os questionários e as entrevistas for-mais do primeiro momento, mas através de espaços on-line destinados a trocas de mensagens e formação de comunidades (Messenger, e-mail e Orkut). Uma pesquisa informal levou-nos a uma comunidade chamada “eu odeio os livros do vestibular”, a uma com poucos membros chama-da “Eu terminei Os Sertões” e a uma outra chamada “eu li os livros da UFSC”. Foi uma etapa bastante interessante na pesquisa. Descobrimos outras comunidades, inclusive onde alunos declaravam que não tinham

Não se pode perder de vista que a leitura é uma parte da disciplina

de Língua Portuguesa (mesmo que algumas escolas reservem algu-

mas aulas especificamente para conteúdos de Literatura, diversifi-

cando em alguns casos o próprio professor) que vive sempre uma

situação problemática particularmente no ensino médio. Seguindo

uma orientação historicista, em que mais se lia sobre literatura que

as próprias obras, a atuação da escola mais afastava que aproximava

o aluno da leitura. Em consequência, formava-se um leitor de refe-

rencial de leitura limitado.

Page 78: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

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lido os livros, que não gostavam de ler etc. Encontramos, ainda, tópi-cos relacionados ao vestibular. Na comunidade “Eu odeio os livros que caem no vestiba”, os alunos discutiam sobre a “chatice” de ler dessa for-ma condicionada e ainda procuravam conjuntamente uma solução para isso. A solução a que chegavam é a de que tendo “um ótimo professor de literatura em sala de aula, não se faz necessária a leitura dos livros” (as explicações deles nos bastam...). De que forma então um ótimo pro-fessor de literatura ajudaria os alunos a melhorarem suas redações se a leitura a partir da indicação de livros do vestibular poderia ser um dos motivadores da prática da leitura? Caberia ao professor alertar sobre essa importância aos alunos. Citamos Marisa Lajolo, lida por Claudete Segalin de Andrade:

O ato de ler foi de tal forma se afastando da prática individual que a

tarefa que hoje se solicita de profissionais da leitura, como professores,

bibliotecários e animadores culturais, é exorcizarem o risco da alienação,

muito embora eles possam acabar constituindo elo a mais na longa e

agora inevitável cadeia de mediadores que se interpõem entre o leitor e

o significado do texto.(LAJOLO, [1993], apud ANDRADE, 2003).

Alguns depoimentos encontrados nas comunidades virtuais mere-cem aqui ser citados como formas de ilustração. Optamos por normati-zar a forma, já que aqui nos interessa a ideia:

(Michel, 20 anos) 17/6/2005 19:04 (data de postagem).

Hehehe...Lhe garanto que com um ótimo professor de literatura, NÃO

precisa ler livro... porque sabendo a história... e todos os tópicos e tais...

é isso o que importa... olha só: sem ler nada disso mandei muito bee-

emmmm em literatura..... hehehe

ODEIO LIVRO QUE CAI EM VESTIBA (Comunidade)

Descrição da comunidade: Se você é uma pessoa normal que está pre-

tendendo prestar um vestibular para entrar em uma boa faculdade, po-

rém se sente rebaixado por ter de ler livros de décadas atrás quando você

ainda nem era um espermatozóide e nem teus avós eram ainda..... Você

odeia aquela linguagem épica, aquele assunto ultrapassado que às ve-

zes chega a ser fútil.... Você fica se perguntando o que levou uma pessoa

NORMAL a ler aquele livro sem necessidade nenhuma.... E se você acha

que já está mais que ultrapassado as universidades obrigarem que seus

vestibulandos leiam essas obras insuportáveis da literatura , em vez de

LAJOLO, Marisa [1993], apud ANDRADE, Claude-

te Segalin de. Dez livros e uma vaga: a leitura da literatura no vestibular.

Florianópolis: Editora da UFSC, 2003.

Comunidade: EU ODEIO OS LIVROS DO VESTIBA.

Descrição da Comunidade: Comunidade para as pes-

soas q odeiam ler akeles livros chatus q pedem no vestibular, principalmen-

te akelas poesias q c lê mil vezes e não entende nada!!!Tudo bem q tem

q ler, mas cada um inter-preta de uma forma neh

não?! Rsrs

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Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

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ler alguma coisa atual, pois nós vivemos o hoje não há 100 anos atrás.....

Se você concorda com tudo isso essa comunidade foi feita pra você.......

Citem as obras mais torturantes da suas vidas.....

Já em outras comunidades, como uma em que homenageia a es-critora “Clarice Lispector”, os alunos comentam a aparição de “Legião Estrangeira” na lista dos livros do vestibular 2007 da UFSC: “Creio que obrigar o aluno a enxergar em uma obra aquilo que o professor ou exa-minador quer que ele enxergue faz muita gente detestar literatura. Au-tores como a Clarice penetram em nossa alma com seus escritos e cada alma recebe isso de forma distinta.”

Estes comentários são irreverentes, mas corajosos e demonstram um significativo movimento de manifestações espontâneas relacionadas à leitura obrigatória no espaço virtual. Existe ainda uma comunidade virtual chamada “O Portal do Leitor”: O objetivo deste sítio é fornecer informações sobre todos os livros catalogados no Brasil, além de permi-tir a interação entre os próprios leitores através de outras comunidades de leitura. Em 2006 havia 11 milhões de leitores no país com acesso à internet e sete milhões de internautas que se diziam não leitores. De cer-ta forma, a internet está fazendo com que as pessoas leiam e escrevam, mesmo que algumas vezes usem uma escrita própria deste meio de co-municação como ilustram algumas notas deste texto.

Estamos querendo demonstrar que a lista de autores e livros consa-

grados, sugerida para o processo de seleção nas universidades, têm

sido motivo de controvérsia. Não vamos entrar neste mérito, embo-

ra ele seja um motivador para uma ampla discussão, mas queremos

ressaltar é que o ideal é que se pudesse realizar nestas listas o desejo

de contemplar diferentes gêneros literários, de incluir textos e auto-

res representativos da diversidade de gênero, raça, etnia e regiões

da cultura de língua portuguesa e atender, dentro do possível, ao

horizonte de expectativa dos vestibulandos, o que significa permitir,

dentro do universo temático de interesse dos jovens, uma reflexão

diversificada sobre a experiência humana, visando pensar o ensino

de leitura, e não só o de literatura, como um exercício indissociável

do quadro de relações que constituem a realidade.

Disponível em: <www.portaldoleitor.com.br>. Acesso em: 27 out. 2007.

Dados colhidos em 16 de agosto de 2006.

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Nossa pesquisa, a partir das reflexões acima, passa a ser mais con-clusiva, no momento em que a COPERVE dá voz a muitos vestibulan-dos no Vestibular 2006, através desta proposta:

Considerando a lista das obras literárias indicadas para este ves-tibular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para leitura e qual ou quais você não aconselharia? Por quê?

Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-colha.

As três propostas foram as descritas abaixo e a segunda delas tam-bém levava à reflexão das leituras feitas, seja pelo livro de Franklin Cas-caes, seja pelo livro de Alcântara Machado, indicados na lista do Vesti-bular 2006.

PROPOSTA 1

Considerando a lista das obras literárias indicadas para este vesti-bular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para leitura e qual ou quais você não aconselharia? Por quê?

Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-colha.

PROPOSTA 2

Em um percurso literário, sondando os quatro cantos da Ilha de Santa Catarina, descobri algo mais que bruxas e andando pelos bairros do Brás, Bexiga e Barra Funda, conheci a São Paulo que trocou a socie-dade cafeeira pela industrial.

Escreva uma redação baseando-se nas ideias sugeridas pelo pará-grafo acima.

PROPOSTA 3

A partir da leitura dos trechos de poemas transcritos abaixo, o que você escreveria ao presidente da Organização das Nações Unidas (ONU)?

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Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

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POEMA A:

“[...]

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.”

(MORAES, Vinícius de. A Rosa de Hiroxima. In: Nova Antologia Poética.

São Paulo: Companhia das Letras, 2004).

POEMA B:

“Nós merecemos a morte,

porque somos humanos,

e a guerra é feita pelas nossas mãos,

pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,

por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens

que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.”

(MEIRELLES, Cecília. Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto. In: Obra

Poética. 1 ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958).

POEMA C:

“Este é tempo de partido,

tempo de homens partidos.

[...]

O poeta

declina de toda responsabilidade

na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas

promete ajudar

Page 82: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

82

a destruí-lo

como uma pedreira, uma floresta,

um verme.”

(DRUMMOND DE ANDRADE, C. Nosso Tempo. In: A Rosa do Povo. Rio de

Janeiro: Record, 2004).

Solicitamos à COPERVE e em agosto de 2006 o núcleo Literatura e Memória (nuLIME) recebeu todas as redações do vestibular de 2006, das quais selecionamos as que centravam a sua abordagem em torno da proposta 1. Para nós foi fundamental sair do plano das entrevistas que fizemos na primeira etapa da pesquisa para esta leitura de um texto mais articulado em situação de “prova”. Os vestibulandos podiam se posicio-nar, mas ao mesmo tempo estavam fazendo um texto para “agradar” aos professores-avaliadores.

Que juízos os alunos emitiram nas redações do vestibular? Há evi-dente apreensão da leitura nos textos? Como os alunos se posicionaram diante de livros sugeridos como Os Sertões, de Euclides da Cunha, Poe-mas Escolhidos, de Jorge de Lima, O Fantástico na Ilha de Santa Catari-na, de Franklin Cascaes, Apenas um Curumim, de Werner Zotz, Amigo Velho, de Guido Wilmar Sassi, 200 crônicas escolhidas, de Rubem Braga, Império Caboclo, de Donaldo Schüller, Brás, Bexiga e Barra Funda de Alcântara Machado, A Rosa do povo, de Carlos Drummmond de An-drade e Resumo de Ana, de Modesto Carone?

A leitura de alguns textos teóricos básicos para a pesquisa foi fun-damental para o entendimento de vários dados que as redações nos ofe-receram. Entre alguns desses suportes teóricos, contidos em nossa bi-bliografia, está o livro Educação Literária como Metáfora Social. Desvios e Rumos, publicado pela Editora da Universidade Federal Fluminense em 2000 e de autoria da professora Cyana Leahy-Dios. Este livro analisa os dilemas e as perplexidades encontrados pela pesquisadora na relação de alunos de ensino médio com a leitura. Interessante observar que a professora entrevistou alunos e professores na Inglaterra e no Brasil e encontrou aproximações e distanciamentos na proposta pedagógica dos dois países. Considerou que no Brasil ainda há uma perspectiva positi-vista e histórica na abordagem literária, enquanto que na Inglaterra há

O nuLIME é um núcleo de pesquisa do Depar-tamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC e se localiza na Sala 505, do prédio B, no Centro de Comuni-cação e Expressão. Ele congrega professores-pesquisadores, mes-trandos, doutorandos e alunos de Iniciação Científica em torno dos seguintes temas: a his-tória da literatura e a construção de cânones, a preservação de parte do acervo literário do intelectual catarinense Harry Laus, a interven-ção das narrativas de si na (des)construção da história literária, a investigação em torno das teorias feministas e dos estudos de gênero, a produção feminina do século XIX e do século XX e a relação literatu-ra e ensino, através de memórias e registros de leitura.

Page 83: Literatura e Ensino

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

83

uma ênfase na leitura de obras canônicas ou em determinados autores consagrados. Um aluno do ensino médio pode passar um semestre len-do os poemas de T. S. Elliot ou uma obra de Shakespeare. No Brasil há sempre uma perspectiva mais panorâmica.

Depois da leitura desse livro de Cyana Leahy-Dios, concluímos que a leitura de livros sugeridos pela COPERVE permite que haja hoje, por parte das aulas de Literatura, uma mudança de uma perspectiva basea-da na historiografia para um modelo de leitura mais criativa, que pode ver as aulas de literatura como “educação literária”. O que queremos de-monstrar é que o exercício de ler os livros sugeridos pode também criar uma outra sensibilidade em relação à leitura. Um conceito que queremos usar é o de valor conforme usado pelo teórico francês Antoine Com-pagnon, em seu livro O Demônio da Teoria: Literatura e Senso Comum, publicado pela Editora da UFMG, em 2001. Neste ensaio, o teórico diz que os leitores sempre esperam que alguém autorizado lhes diga quais são os bons e os maus livros, mas que justifiquem suas preferências. É este o papel do professor, mas deve ser muito mais, no caso de nossa pesquisa, este o papel daqueles que fazem as listas do vestibular. Ainda que implicitamente, os vestibulandos e os futuros universitários devem entender por que aquele livro entrou na lista de leitura obrigatória. No ensaio O Prazer do Texto (1996), Barthes afirma que nenhuma leitura poderia ser idêntica a outra nem para o mesmo leitor. O prazer do texto não estaria em tentar reter o significante ou conter os signos no mo-mento em que se faz a leitura, mas fazer com que os leitores se animem através da fuga. Dessa forma, como entrariam as perguntas feitas nas provas do vestibular? De que forma estaríamos incentivando a forma-ção de novos leitores com perguntas que podem ser respondidas pelas falas dos professores de literatura, como os próprios alunos concluíram? A proposta da crítica, semelhante a do vestibular, não nos leva a habitar no texto, mas a nos aprisionarmos aos signos. E Roland Barthes defende a ideia de que habitar o texto é justamente perder o controle dos signos. (BARTHES, 1988).

Apoiando-nos nestas leituras e no ensaio de Antonio Candido “O Direito à Literatura”, fizemos pesquisa por amostragem de 500 redações. Calculamos que a Proposta 1 de redação foi escolhida por cerca de 30% dos alunos que prestaram vestibular em 2006.

Antoine Compagnon

Page 84: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

84

Até que ponto os livros indicados para o vestibular da UFSC for-mam um novo leitor ou solidificam uma outra prática de leitura? Algu-mas redações mostraram que nem todos sabem (mas parecem querer saber) do porquê de certas inserções ou indicações, como a de livros vo-lumosos com linguagens complicadas ou mesmo questionando a inclusão de livros ficcionais. Vamos a alguns exemplos:

Redação 33: “O mais chato – nome designado por alguns vestibu-landos para definir Os Sertões – é o que eu não aconselho. São mais de quinhentas páginas de puro sofrimento”, “no quesito veracidade históri-ca, Império Caboclo deixa muito a desejar”.

Redação 48: “os livros de ficção não possuem informações úteis e necessárias. Por ex: “O homem que sabia javanês” é interessante, porém desnecessário”.

Redação 53: “não se tem muita idéia de como e porque de certos livros serem escolhidos, mas tem a certeza que esses mesmos livros são ótimas obras que foram muito discutidas já, e assim foram compor o vestibular”.

Redação 117: “sempre tem um livro desconhecido que entra na lista, como “Apenas um curumim”. Eu nunca tinha sequer ouvido esse nome, mas tive que ler o livro, que por sinal gostei e me identifiquei com alguns aspectos do livro”.

Redação 142: “São livros bem conceituados, de bons escritores, mas que nem sempre agradam seus leitores. Às vezes pela dificuldade da linguagem, do entendimento do livro, por razões de apresentar bas-tantes palavras desconhecidas ou que foi escrito há tempos”.

Redação 200: “E Os Sertões? Não vai falar dos Sertões? Ah, Os Ser-tões voltou para a estante que é de onde nunca deveria ter saído”.

Outros exemplos poderiam ser dados, mas o que pudemos perceber foi que muitos alunos sabem o que querem ler e centram seu olhar sobre o prazer de ler textos mais contemporâneos. Muitos dizem que não fa-zem questão da leitura dos clássicos, de livros do século XIX e entendem que ler sem satisfação acarreta num desinteresse, numa leitura com con-tagem regressiva e num possível abandono permanente dos livros.

Optamos por numerar as redações e assim nos

referimos a elas (todos os nomes ou qualquer refe-

rência de autoria foram retirados pela COPERVE).

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Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

85

Redação 52: “As leituras obrigatórias devem [...] ser cada vez mais contemporâneas. O hábito de ler não realizado por prazer acarreta ao desinteresse e ao possível abandono permanente dos livros.”

Redação 58: “Para mim os livros são bons quando prendem minha atenção, me secam a boca ou quando não consigo parar de lerlos [sic] até o fim.

Redação 80: “Algumas vezes, o papel da escolha dos livros a serem lidos primeiro fica a cargo da instituição de ensino e não do estudante, fazendo-o perder a disposição ou o interesse para a leitura de algumas obras”.

Redação 139: “Falar de Os Sertões talvez já pareça chato, todos tem horror ao livro, não querem saber de ler. [...] Talvez devêssemos deixar de lado o fato de as leituras serem obrigatórias e pensar nas oportunida-des de aprendizado que elas podem nos oferecer.”

É importante destacar na amostragem da pesquisa que, entre os oito livros, houve mais recomendações do que críticas: 260 recomenda-ções e 119 não-recomendações. Algumas outras colocações merecem destaque, como a da redação 85, em que o vestibulando fala da forma-ção de leitores por obrigação (e com contagem regressiva) nas escolas, o que desestimula o leitor; ou a da redação 107, em que diz que tudo que você lê, até mesmo o que geralmente é considerado inutilidade, contri-bui no reconhecimento de suas preferências; ou a colocação da redação 69, em que fala do poder dos livros como produtor de ideias, ou ainda, a 140, em que diz: “Resumo de Ana é um ótimo livro para os fãs de Ka-fka”. Isso mostra um amadurecimento do leitor ou um palpite que deu certo... Uma das redações termina com a seguinte frase: “E se lêssemos tudo o que fosse de nosso agrado, qual seria nosso conhecimento hoje?” Poderíamos arriscar a dizer que se começassem a ler o que lhes fosse do agrado, nunca parariam de ler.

Embora não tenha sido o nosso objetivo quantificar a análise op-tamos por mostrar aos nossos leitores para pesquisas futuras o quadro estatístico em relação às citações e indicações dos vestibulandos dos livros indicados. Os números inferiores se referem àqueles livros que foram indicados com exclusividade na redação (podendo haver não-

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Literatura e ensino

86

recomendações). Os superiores, àqueles indicados juntamente a um ou mais livros. A soma indica o total de recomendações.

Os motivos pelas indicações dos dois livros mais recorrentes são os seguintes:

Apenas umCurumim

ImpérioCaboclo

AmigoVelho

Os Sertões 200Crônicas

Resumode Ana

Brás, Bexigae BarraFunda

NovosPoemas

A Rosa doPovo

OFantásticona Ilha de

SC

30

14

29

1 2 2 204

457

1511

15

21

10

2928

23

em meio a outras indicaçõesúnico

Recomendados

454035302520151050

Os Sertõesa) : sobre importante fato histórico, traz cultura e infor-mações sobre história e geografia para os amantes da guerra e da complexidade; para quem tem mais conhecimento da Lín-gua Portuguesa, é uma leitura inteligente; indica, apesar da lin-guagem, aprendizado gramatical; é um livro canônico; permite adquirir vocabulário e leva à reflexão.

Apenas um curumimb) : pela mensagem ecológica que nos traz; pela linguagem; pela cultura indígena; pela natureza descri-ta; pelo ensinamento de respeitar a terra; pela descontração, por ser dinâmico e reflexivo; pelo autor ser catarinense; por ser emocionante e levar à conscientização; por fazer o leitor se prender à história.

Em relação aos não-recomendados, a disparidade foi muito mais acentuada, como podemos ver no gráfico a seguir.

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Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

87

0 0

5 33 5

27

17

110

10 10

4

33

3

2 2 5

5

205

15

20

25

30

35

40

45

em meio a outras indicaçõesúnico

Não-recomendados

Apenas umCurumim

ImpérioCaboclo

AmigoVelho

Os Sertões 200Crônicas

Resumode Ana

Brás, Bexigae BarraFunda

NovosPoemas

A Rosa doPovo

OFantásticona Ilha de

SC

Os motivos para essa acentuada não-recomendação são os seguin-tes: Os Sertões possui linguagem complicada,tem excesso de detalhes, exige conhecimento prévio sobre o assunto, é denso, longo, violento, can-sativo... Convém dar destaque de que Os Sertões de Euclides da Cunha foi paradoxalmente dos mais indicados e dos menos indicados...

O certo é que os vestibulandos que escolheram falar de livros foram vestibulandos leitores. Não sabemos quantos destes entraram na UFSC. Desejamos que muitos o tenham conseguido. Como profissionais da área de Letras acreditamos que ao escutar a voz deles, que ao assumi-los como críticos literários, estejamos conseguindo atingir os objetivos da pesqui-sa e que estamos conseguindo, de certa forma, responder à pergunta de Roland Barthes, em seu ensaio Reflexões a respeito de um manual:

Será que a literatura pode ser para nós algo que não seja uma lembrança

de infância? Quero dizer: o que é que continua, o que persiste, o que é que

fala da literatura depois do colégio? (BARTHES, 1988c, p. 53, grifo nosso).

Motivo mais recorrente dentre as redações que fazem parte da amostra-gem.

Page 88: Literatura e Ensino

Literatura e ensino

88

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus

colegas, tutores e professores:

1. Conforme mencionado no tópico “As institucio-

nalizações da literatura”, a leitura da literatura foi

inserida nas provas dos vestibulares, em 1989, com

o intuito de melhorar a qualidade da leitura e da

escrita dos alunos. Considerando que nem todos

os alunos e alunas, que concluem o ensino médio,

leem as indicações, você(s) acredita(m) que a leitura

da literatura no vestibular conquistou um lugar próprio? Por quê?

2. Maria Alice Faria, livre docente e titular em Literatura Brasileira pela UNESP,

em entrevista concedida a Benedito Antunes no jornal Proleitura, em abril de

1997, lançou uma provocação em uma de suas respostas a respeito de clássi-

cos literários. Afirmou a professora: “Depois que a Linguística excluiu a literatura

como modelo de língua padrão, considerar exclusivamente a literatura como

patrimônio é uma coisa que precisaria ser revista. No vestibular, por exemplo,

por que só há questões de literatura? Há perguntas de História, Geografia, mas

nunca sobre música, artes plásticas, arquitetura, cultura popular. Todo mundo

vive a cultura popular, que chega inclusive à classe média, à elite. Há uma mu-

mificação do conceito de clássico no vestibular.” (FARIA, 1997, p. 1). Tendo em

vista a proposta do MEC de 2009, que pretende acabar com a divisão por dis-

ciplinas, criando quatro grupos mais amplos (línguas; matemática; humanas; e

exatas e biológicas), conteste(m) a afirmação da professora Maria Alice Faria, em

consonância com a proposta do MEC, e exponha(m) seu(s) ponto(s) de vista.

3. Segundo a Professora Claudete Amália Segalin de Andrade (2003, p. 88), “a

presença de leitura no vestibular abre um hiato significativo entre o ensino de

literatura previsto nos programas de língua portuguesa do ensino médio e

aquele que se apresenta como necessário, em função das indicações”. Perce-

bendo atualmente que literatura no ensino médio é praticamente sinônimo

de literatura para o vestibular (ou vice-versa); como pensar a literatura nessa

etapa da escolarização para alunos e alunas que não pretendem prestar vesti-

bular? Como pensar a literatura no ensino médio fora do vestibular? Que pro-

postas podem ser feitas para promover a leitura?

Page 89: Literatura e Ensino

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

89

4. Que livro você(s) indicaria(m) para compor a lista do vestibular da UFSC?

Por quê?

Leia mais!

Lições

Na contemporaneidade muito se tem falado de crise da leitura e crise da li-teratura. Por esse lado tem se falado na necessidade de se pensar a literatura e suas crises. Sugerimos estas leituras como complemento da reflexão sobre o ensino da literatura no ensino médio:

BASTOS, Hermenegildo. “Permanência da literatura. Direção da prática literária na era do multiculturalismo e da indústria cultural”. In: LOBO, Luiza (Org.). Fronteiras da Literatura. Rio de Janeiro: Relume Duma-rá, 1999, p. 45-50.

OLINTO, Heidrun Krieger. “Disciplina sem disciplina. Observações so-bre estudos literários e culturais”. In: LOBO, Luiza (Org.). Globalização e Literatura. Discursos Transculturais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999, p. 45-53.

PEREIRA, Helena B. C. “Literatura e Cultura hoje”. Educação e Lin-guagem. Revista da Faculdade de Educação e Letras da Universidade Metodista de São Paulo, 2000, p. 179-193.

RAMOS, Tânia Regina Oliveira Ramos. “Dentro deste (a)pós: muito abalo, novos nomes, outras falas”. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, Porto Alegre, v. 6, n. 1, ago. 2000, p. 73-79.

SANTIAGO, Silviano.“A literatura e suas crises”. In: Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 127-133.

Page 90: Literatura e Ensino
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Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

91

10 O texto literário na escola: apontando caminhos

Os que somos dominados pela paixão da leitura e nos esforçamos para

incutir essa paixão em outros – crianças, jovens, adultos – andamos sempre

à procura de meios de “contaminação”: como transmitir o gosto e o prazer da

leitura.

(SOARES, 2007, p. 127)

Como profissionais da linguagem, alocados na área de Letras, sabe-mos que o que se espera de nossos alunos, futuros professores do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, é uma prá-tica de escrita e de leitura. O fracasso do sistema educacional, cuja causa não é aqui objeto maior de nossa reflexão, resultou na chamada “crise do ensino da língua portuguesa”, fazendo com que os professores não encontrem condições necessárias para atualizar o seu saber, o que lhes possibilitaria criar novos procedimentos metodológicos para o processo ensino-aprendizagem. Assim, a cada concurso para o magistério, a cada vestibular para o ingresso na universidade, a imprensa não poupa esfor-ços em mostrar que os alunos, embora tenham frequentado uma escola durante, no mínimo, onze anos, parecem saber, mas não sabem; pois o professor parecia ter ensinado, mas não ensinou... E a crítica recai muito mais sobre a formação profissional dos professores.

Particularmente, para nós, nesse livro e em nossa prática, interessa o papel da literatura na escola e como isto pode se processar. Falamos aqui da literatura canônica, aquela que inevitavelmente será cobrada nos exames vestibulares, em concursos públicos, mas muito mais aquela que permite ao estudante um contato direto com a linguagem escrita trans-formada em texto comprometido com a literariedade, e não apenas com a literalidade. Para isso temos que considerar o objetivo de nossas disci-plinas de literatura nas faculdades de Letras e sempre fornecer pistas para que os futuros professores tenham a competência pedagógica (o fazer) a partir e além da própria metodologia e do próprio conteúdo de ensino presente nos livros didáticos, sustentáculo do ensino em nosso país.

A partir do ensaio: RAMOS, Tânia Regina Oliveira. “O texto literário

e a escola”. In: Palavra amordaçada. Passo Fundo, RS: Universidade de

Passo Fundo, 2001, p. 326-335.

5ª série.

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Literatura e ensino

92

Para ensinar literatura, o professor precisa saber o que é literatu-ra, quais são os textos que representam a literatura brasileira em seus mo(vi)mentos mais importantes, como ela pode ser introduzida paula-tinamente na sala de aula e como os alunos vão se familiarizando com textos, nomes e autores. A literatura, mais do que instruir ou dar respos-tas exatas, busca mostrar que é um campo privilegiado de aprendizagem expressiva, pelo que ela pode mostrar de significados, de possibilidades interpretativas, a partir de infinitas combinações das poucas letras de nosso alfabeto.

Neste texto e, particularmente, neste reencontro com o ensino fun-damental e médio, através daqueles que se preparam para serem seus futuros professores, é possível mostrar a todos que, quando uma garota de 13 anos escreve em sua agenda, com cores e odores, meu desaniversá-rio está mostrando que é uma leitora em potencial de Guimarães Rosa... Que é possível construir caminhos para a formação do leitor desde o primeiro livro de leitura; que escrever se aprende lendo de forma sis-tematizada e disciplinada; que as melhores possibilidades de leitura se dão na escola, desde que a escola defina o lugar que ocupa a literatura no seu projeto pedagógico. Em uma crônica publicada em 1999, na Folha de São Paulo, a jornalista Marilene Felinto chama-nos à atenção para os apelos, em períodos de novas matrículas, das escolas particulares atra-vés de outdoors ou pela mídia: na escola X seu filho aprenderá infor-mática, caratê, inglês, balé... Ela pergunta: E os livros? Quantos livros têm a biblioteca da escola de seu filho? Como se processará o incentivo ao exercício da leitura? Os pais hoje levam em consideração esta oferta para a escolha da escola de seus filhos? (FELINTO, 1999).

Diante dessas circunstâncias, poderíamos contentar-nos com a sempre

existente boa vontade dos professores de Português, mesmo diante

da falta de apoio da escola, e não deixar que a literatura desapareça.

Um dado importante nesta prática é sempre permitir que a literatura

ensinada possa muitas vezes ser avaliada sem nota, mas com elogios,

com incentivo, com debates, com trocas, com prêmios e recompensas

simbólicas. Não acreditamos na desescolarização da leitura (sobretu-

do da literatura, que é o nosso objeto específico). A escola é uma das

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Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

93

últimas oportunidades que tem a criança ou o jovem de entrar em

contato com a leitura e, mais especialmente, com a literatura.

Perguntamos como ponto de reflexão: pode-se impor a leitura de determinados livros? Toda escola é escol(h)a, queiramos ou não... Mas perguntamos também: impõe-se preferência por determinado esporte, por um tipo específico de música, por um tipo de filme, por um determi-nado pintor? A imposição deve se dar a partir de um exercício de apren-dizagem, criado e desenvolvido paulatinamente, por isto o nosso papel norteador capaz de indicar maneiras e momentos para mostrar alguns textos como fonte de prazer, manancial de respostas, repertório de per-guntas, potencial de encontros consigo mesmo. O ato da leitura é solitário e solidário. Para se efetuar, precisa de reciprocidade, de cumplicidade.

Cabe a nós orientar nossos alunos, dar pistas, depois libertá-los. Não há por que todos lerem o mesmo livro, mas também não há por que orientar sem impor algumas direções. O primeiro passo é deixar que tragam livros mesmo sem os ter lido. Comentar as capas, os autores, os títulos, o número de páginas, o enredo e os personagens daqueles que se conhece... Depois cada um poderia ler uma página, trocar, comen-tar. Deve-se até, num primeiro momento, respeitar a indiferença ou o alheamento da atividade por alguns deles. A partir deste contato, dar algumas atividades sistematizadas ainda que sejam com alguns clássicos da literatura infantil e juvenil. É importante não perdermos de vista que contar histórias é uma história muito antiga, e a prosa se aprende aí. Alguns romances devem, mesmo no ensino médio, ser contados pelos professores antes de serem analisados.

Posteriormente, é possível se começar a pensar que todo texto não é só construído pelo escritor, mas muito mais pelo leitor. É isto que per-mite múltiplas leituras de uma mesma obra, condicionada à vivência, à cultura e à história de cada personagem. A obra não é aquilo que foi escrito e colocado na estante. Todo texto, todo livro pode ser singular-mente interpretado. Deles provém o saber literário, que deve ir muito além das cronologias, das biografias, dos estilos de época. Deve dialogar com as outras disciplinas e outras áreas do conhecimento.

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Cientes dessas questões, é possível, por exemplo, a partir da crôni-ca “Antigamente”, de Carlos Drummond de Andrade, apresentarmos já nas primeiras séries do ensino fundamental uma leitura do final do século XIX, lermos e reescrevermos o célebre “Apólogo” de Machado de Assis, conhecermos a vida e a obra de Machado de Assis através de ví-deo e de atividades complementares; representarmos algumas passagens para, quando chegarmos ao ensino médio, termos a (a)ventura de fazer uma leitura filosófica e cultural, enriquecida pelo lúdico de O Alienista, complementada no ensino médio por alguns contos e pelos romances mais significativos de nosso autor (por que não?) maior, Machado de Assis. Estaremos a um passo dos próprios alunos sentirem a necessida-de de ler com atenção os romances para analisá-los sem se satisfazerem mais apenas com os resumos dos livros dados em fichas de leituras, em páginas da Web, em cursos pré-vestibulares. Aliás, a cobrança da lite-ratura no vestibular, como mostramos, pode ser bastante proveitosa e deve estimular a ideia de que o texto literário é, antes de tudo, um per-gaminho e deve ser tratado com o devido respeito e distanciamento. Este exemplo da literatura no vestibular não é fortuito nem aleatório. A inserção de questões relacionadas aos livros propostos em listas pelas comissões de vestibular deve ser considerada na exata dimensão de suas consequências para o conceito de literatura e para o tratamento que as universidades, em última instância, conferem ao saber.

Estaremos, assim, apresentando despretensiosamente os cânones de nossa literatura e para que, aventura maior ainda, no oitavo, nono ano, possamos começar já lendo os prefácios de Tutaméia (Nós, os Te-mulentos, por exemplo) e um conto como “Esses Lopes”, de Guimarães Rosa e obras como Infância e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Lendo livros, vendo filmes, estabelecendo o diálogo entre as duas linguagens. Uma prática como esta é que nos permite ler a textura do mundo e en-tender como o simples pode se tornar complexo em textos como os de Graciliano Ramos e de Clarice Lispector e como podemos ir adiante das edições didáticas. Tão espinhosa quanto a produção de um discur-so próprio, a aprendizagem do trabalho com o texto literário é como o desafio de qualquer experiência. Os contos, por exemplo, têm formas simples, mas exigem que sejam dados nos primeiros anos do ensino fundamental até a universidade, para que os alunos reconheçam as suas

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Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

95

estruturas de significação. Por exemplo, no segundo ano do ensino mé-dio é possível analisar a estrutura de um conto e reescrever um outro a partir do primeiro; no ensino médio, a partir de um corpus ampliado, podem-se fazer análises comparadas.

Esse texto abre brechas para a perspectiva dos estudos culturais, centra-se naquilo que tem sido a tônica de muitas das nossas atividades, a exclusão e a censura, e procura ter três momentos. No primeiro deles, deseja-se apontar para algumas reflexões críticas e teóricas sobre o en-sino da leitura e da literatura; em um segundo momento, demonstrar como, através da inserção indireta de um autor como Machado de Assis desde o sexto ano, será mais fácil o estudo de textos literários no ensino médio, quando a literatura passa a ser disciplina. O mesmo pode se fa-zer com alguns textos de Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, para nos determos nos autores mais clássicos e, posteriormen-te, ir nos aproximando de tudo que se pode chamar de contemporâneo. Assim, poderemos abrir espaço para as nossas inquietações e nossos comentários do papel do ensino da literatura hoje e do que podemos fazer para nos atualizar e inserir novos textos e novas ideias na nossa prática pedagógica. Abrirmos, igualmente, um espaço para podermos perguntar, por exemplo, qual o nosso papel quando temos que interferir no desejo daquele aluno que deseja ler espontaneamente os livros de Paulo Coelho e chamar Machado de Assis de Machato de Assis.

Embora tenhamos procurado dar algumas diretrizes, o que é impor-

tante é muitas vezes resistir à tentação de escolher e obrigar certas

leituras ou optarmos por tudo aquilo que é mais fácil ensinar, ou

apenas o que é de nosso gosto. Mas, sem obrigar, podemos conta-

giar pelo nosso entusiasmo. Mostrar que igualmente somos leitores

dos clássicos de nossa literatura e que eles podem nos ensinar muito,

não no sentido instrucional, pois a literatura não é instrumento in-

formativo. Por outro lado, nós não podemos parar de ler exatamen-

te no ponto em que estamos ou estávamos quando terminamos

nosso curso de graduação. É preciso que sejamos leitores e que nos

mantenhamos atualizados, frequentando livrarias, adquirindo li-

vros, lendo suplementos literários, consultando o ambiente virtual e

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Literatura e ensino

96

mantendo contato com os professores da universidade, que no Cur-

so de Letras buscam transformar o conhecimento literário. Eles pre-

cisam ser reencontrados (e cobrados também) para que percebam

que (n)a prá tica é sempre outra coisa... Ler o contemporâneo é uma

boa forma de se entender como se processa a estética da recepção e

a própria dinâmica da história da literatura sem nos escravizarmos a

ela, como o fazem os manuais e a maioria dos livros didáticos.

É preciso também não esquecer que a literatura faz parte de uma outra etapa da escola: não mais da informação (que secciona o saber), mas da formação e da transformação. O bom leitor de literatura é aquele que faz da leitura uma ação vertical capaz de ampliar as relações do tex-to com a sociedade e com a cultura.

Interessa aqui mencionar as questões relacionadas com aquilo que virá com o Enem e a preparação para o Enem. Do ponto de vista da tradição escolar brasileira a leitura de romances, de crônicas, de contos e de poesias foi fundamental nos currículos escolares no século XIX e durante o século XX. As tentativas recentes de democratização do ensi-no foram acompanhadas de novas propostas para o ensino médio. Mu-daram os tempos como se reconhece até mesmo nos PCNs. A proposta do Enem – correta, poderíamos dizer, em seu princípio – consiste em apagar os limites estabelecidos entre as disciplinas. Textos literários po-dem ser utilizados para testar conhecimentos de Geografia e História. Embora exista uma preocupação em divisão por disciplinas nas provas vestibulares, a proposta de não haver limites entre elas não está restrita ao Enem. Nas provas do Vestibular 2010, da Universidade Federal de Santa Catarina, é possível perceber certo apagamento das fronteiras es-tabelecidas entre as disciplinas. Textos literários e conhecimentos que, em uma primeira impressão, seriam dignos da Literatura são testados em História e Geografia, por exemplo. Isso significa dizer que a univer-sidade está em busca de um leitor plural, que consiga perceber as cone-xões entre os diferentes tipos de textos e estabelecer inúmeras relações desvinculando-os de disciplinas específicas.

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Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

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Ao se pensar também a questão da leitura da literatura, no ensino médio, ao se pensar os gêneros literários enquanto a concretude da obra acessível aos alunos, ou em outras palavras, a literatura como compo-nente curricular no ensino médio, constituindo ainda um conteúdo ca-paz de conseguir o interesse pela leitura, não podemos perder de vista a necessidade de levar os alunos, ou uma parcela deles, a experimentar a experiência estética e a refletir criticamente sobre o real. Isso justifica-ria a necessidade da continuidade da leitura de literatura e da literatura com(o) disciplina no ensino médio, como um dos caminhos possíveis para o não empobrecimento do espírito crítico e da criatividade.

E pode existir maior privilégio do que sermos responsáveis por ins-trumentalizarmos nossos alunos para analisar textos literários na esco-la? Instrumentalizá-los para este exercício significa proporcionar que eles enxerguem o que os outros apenas vislumbram e que sejam capazes de exercer sua capacidade de leitura em um nível no qual saibam traba-lhar com a história, com a geografia, com a ciência, com a cultura, com a sociedade, com o novo, com o diferente, na expressão mais democrática e mais subversiva: a literatura enquanto prosa do mundo. Essa talvez seja a resposta que se pode dar às inquietações da professora que deu início ao nosso livro.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Após percorrermos uma trajetória de dez tópicos, que discutiram ques-

tões relacionadas à literatura e ao seu ensino, qual(quais) é(são) o(s) seu(s)

entendimento(s) da literatura com(o) disciplina na escola? Qual é a vantagem de

se estudar a literatura no século XXI? Há lugar e espaço para ela neste século?

2. Além dos gêneros literários levantados nos tópicos O texto literário na escola:

apontando caminhos e A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Inter-

net), que outros tipos de textos literários poderiam ser usados em sala de aula?

Que proposta de trabalho de literatura você(s) desenvolveria(m) na escola?

3. Qual é a sua experiência – ou as suas experiências – de apre(e)nder e/ou

ensinar literatura?

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