Livro - Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos - Vladimir Lenin

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    Lnin

    Capitalismo e

    Agricultura

    nos Estados Unidos daAmrica

    Novos dados sobre as leis de desenvolvimentodo capitalismo na agricultura

    (Coleo Alicerces)

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    Sumrio

    Apresentao (Wladimir Pomar)

    Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos1. Caracterstica geral das trs regies principais. O Oeste em processo de colonizao e oshomesteads2. O Norte industrial3. O antigo Sul escravista4. Dimenso mdia das farms. A decomposio do capitalismo5. O carter capitalista da agricultura6. As regies de agricultura mais intensiva

    7. As mquinas e o trabalho assalariado na agricultura8. eliminao das pequenas exploraes pelas grandes. A quantidade de terra cultivada9. Continuao. Dados sobre o valor das farms10. s deficincias dos mtodos habituais de investigao econmica. As peculiaridades daagricultura segundo Marx11. Uma comparao mais precisa entre as pequenas e grandes exploraes12. Os diferentes tipos de exploraes na agricultura13. Como se minimiza a eliminao da pequena produo pela grande agricultura14. expropriao dos pequenos agricultores15. Quadro comparativo da evoluo da agricultura e da indstria16. Balano e concluses

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    Apresentao

    Sessenta e dois anos aps sua primeira publicao, surge a verso em portugus deste trabalho deVladimir Ilich Lnin. O significado do acontecimento para os leitores brasileiros vai muito alm dofato de tratar-se de uma das obras do mais respeitado e destacado marxista deste sculo. Representaum exemplo clssico de aplicao do mtodo materialista-dialtico de investigao e anlise de umasituao concreta e fala muito de perto aos estudiosos dos problemas brasileiros. A estes apresenta aoportunidade de realizar um estudo comparativo entre duas economias agrcolas a dos EstadosUnidos no incio do sculo e a do Brasil atual de modo a ajudar na compreenso de um dostemas mais controvertidos do momento: o das leis de desenvolvimento do capitalismo naagricultura em geral e na agricultura brasileira em particular.Basta um simples olhar sobre as diferentes interpretaes que a anlise da economia agrria noBrasil tem gerado para que se apreenda a atualidade da obra. Tais interpretaes variam das queconsideram a economia agrria brasileira como originalmente capitalista, combinando-se ou nocom formas de produo no-capitalistas, s que simplesmente negam o peso do capitalismo na

    agricultura, encontrando-se inmeras variaes intermedirias. Sob pretexto de tratar-se de anlisedogmtica, calcada em modelos stalinistas, erigiu-se verdadeiro tabu aceitao da tese daexistncia de formas ou relaes feudais, semifeudais ou pr-capitalistas na agricultura brasileira,no s na atualidade como em qualquer poca de nossa histria.Alguns pesquisadores e cientistas sociais que tm realizado pesquisas em profundidade daproblemtica agrria sentem-se compelidos a, no mximo, aceitar a tese da existncia de relaesagrrias no-capitalistas. Mesmo entre esses, o papel de entrave ou no do processo dedesenvolvimento do capitalismo desempenhado pelas relaes no-capitalistas suscita toda umagama de novas discrepncias.Isto, para ficar s na anlise, j que como conseqncia se encontra uma enorme variedade depolticas. Tal diversidade de interpretaes , em parte, fruto da prpria complexidade da situao

    agrria, tornada ainda mais confusa pelas formas que o processo de desenvolvimento capitalista temassumido no mundo e em nosso pas. Em vista disso, essa obra de Vladimir Ilich Lnin s pode serencarada como oportuna e valiosa por todos aqueles que desenvolvem esforos no sentido dedeslindar de modo cientfico a realidade da agricultura e as leis de sua evoluo.Tomando a economia agrcola dos Estados Unidos no incio do sculo como fulcro de sua anlise,Lnin aborda o caso mais tpico da agricultura capitalista, em que pde examinar em sua maiorpureza, livres das influncias e circunstncias que as complicam, as leis gerais do desenvolvimentodo capitalismo na agricultura e a variedade de formas que essas leis adquirem.

    Naquela poca, como ainda hoje, os Estados Unidos ofereciam o exemplo mais adequado a esseestudo. Eram o pas que se encontrava na vanguarda do capitalismo moderno (Todas as citaes,

    exceto as expressamente indicadas, so da presente obra de V. 1. Lnin) onde a agriculturacapitalista ocupava as maiores extenses, apresentando a maior diversidade de relaes e a maiorriqueza de matizes e formas. Afora isso, os censos agrcolas de 1900 e 1910, l realizados,constituam a ltima palavra em estatstica social nessa esfera da economia, colocando disposio de estudiosos e pesquisadores material de uma riqueza e exatido sem equivalente emqualquer outro pas do mundo. Aproveitando-se dessa rara ocasio para estudar uma notveldiversidade de formas que abarca tanto o passado quanto o futuro, Lnin tinha em meta combatertendncias de contedo totalmente burgus que predominavam justamente sobre a tendnciaburguesa mais democrtica, a mais esquerda, do pensamento social russo e europeu, concepesenglobadas como teoria da evoluo no capitalista da agricultura na sociedade capitalista.Chama a ateno, no curso de toda a exposio, como Lnin se dedica ao debate dos mtodos deinvestigao e estudo comumente utilizados pelos estatsticos e economistas, insurgindo-seprincipalmente contra as estatsticas burocrticas e rotineiras. Dando Marx como exemplo, cujosprincpios deveriam servir de guia para estudar o nascimento d capitalismo dentro da economia

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    escravista no Sul dos Estados Unidos ou dentro da economia baseada na prestao de servios nocentro da Rssia, Lnin acentua a necessidade de adotar mtodos apropriados e racionais depesquisa, modificando-os em funo das diversas formas assumidas pelo processo em que o capitalsubordina e transforma, sua maneira, os diversos tipos de propriedade da terra que encontra aosurgir no cenrio histrico. Como nos Estados Unidos os homesteads representavam uma dessasformas, Lnin sugere que sejam concentrados num grupo especial, de modo seguir seu posterior

    destino econmico. E Lnin tem plena razo, pois os homesteads, glebas de terras pblicasdistribudas gratuitamente ou a um preo reduzido a quem as desejasse cultivar, representaram aforma tpica e democrtica do processo de colonizao dos Estados Unidos, em especial do Oeste,onde englobavam no incio do sculo mais da metade do total de farms (estabelecimentos agrcolas)l existentes.E a partir dos dados de concentrao dos homesteads nas principais regies do pas (1/2 no Oeste,1/8 no Norte e 1/17 no Sul) que Lnin considera importante examinar separadamente, e no emconjunto, os dados dessas diferentes regies, tendo em vista a grande diversidade existente entreelas quanto situao econmica peculiar a cada uma.Sua obra constitui permanente estudo comparativo de dados entre essas diversas regies, o que nosreporta, de imediato, queles que costumam tomar os dados de uma regio ou zona e transform-los

    em caso geral. Exemplo disso, entre ns, o daqueles pesquisadores que, a partir dos dadosreferentes aos bias-frias, em zonas do Paran e So Paulo, e aos volantes na Zona da Mata doNordeste e na Amaznia, concluem que a massa principal dos trabalhadores rurais do Brasil j constituda pelo proletariado agrcola. Para tanto englobam como proletariado rural no s osvolantes e os bias-frias, mas tambm os pequenos proprietrios, os parceiros e os pequenosarrendatrios. Todos seriam proletrios-camponeses ou camponeses em processo deproletarizao. Essa maneira pouco cientfica de generalizar pesquisas setoriais, comum entrealguns crculos acadmicos, contribui para tornar ainda mais confuso o quadro de anlise dasituao agrria. Um estudo mais acurado que seguisse os mtodos indicados por Lnin permitiriadescobrir que os volantes e bias-frias do Paran, So Paulo, zona do cacau na Bahia, zonacanavieira do Nordeste e de derrubadas na Amaznia, que em geral moram nas cidades e possuemcomo ocupao nica a venda de sua fora de trabalho, so realmente proletrios, expropriadoscompletamente de seus meios de produo; so assalariados permanentes no sentido de que sconseguem viver se trocarem permanentemente sua fora de trabalho por salrios. Mas o mesmono se pode dizer de uma parte dos volantes da zona canavieira do Nordeste, daqueles que descemdo Agreste do Serto para a colheita da cana e depois retornam a suas propriedades ou parcelastrabalhadas em parceria ou arrendamento. O mesmo no se pode dizer, em geral, dos pequenosproprietrios, parceiros, pequenos arrendatrios e posseiros de todo o pas, que procuramcomplementar sua produo necessria vendendo eventualmente sua fora de trabalho. No podemser considerados assalariados permanentes nem proletrios rurais. So assalariados temporrios quepodem ter ou no como ocupao principal a venda de sua fora de trabalho, mas ainda no foram

    completamente expropriados de seus meios de produo. So camponeses em processo deproletarizao, o que sem dvida um importante ndice do processo de desenvolvimentocapitalista na agricultura. constatao do aumento indiscutvel do emprego de assalariados permanentes e temporrios,caberia aos pesquisadores, conforme acentua Lnin, verificar o montante real de cada uma dessascategorias, a proporo dos assalariados temporrios que tm como ocupao principal a venda desua fora de trabalho. Deslindar, assim, a confuso normalmente causada pelas estatsticas queconsideram assalariados permanentes s os empregados constantes da explorao agrria e notambm os que s podem viver assalariando-se permanentemente, mesmo que no encontrem umemprego constante, que permaneam grande parte do tempo desempregados ou subempregados.Dessa maneira seria mais fcil, medida que se determinasse, concomitantemente, o total de

    despesas em mo-de-obra assalariada, determinar o carter capitalista ou no das exploraes epossuir um indicador mais seguro da intensidade do processo de capitalizao da agricultura.

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    Outro ensinamento valioso que se pode extrair do mtodo crtico aplicado por Lnin ao estudar osdados estatsticos dos censos norte-americanos reside nas apreciaes que faz a respeito do mtodode agrupar as exploraes agrcolas segundo a rea que ocupam ou cultivam com o objetivo dedeterminar sua grandeza econmica e seu carter capitalista. Lnin destaca que a rea ocupada estlonge de indicar sempre e diretamente esse carter ou grandeza. Apesar de certas consideraescientficas que indicam a necessidade e o acerto de tal agrupamento ou classificao, Lnin mostra

    que ela insuficiente por no levar em conta a intensificao da agricultura, a crescente inverso decapital por unidade de rea, seja em gado, mquinas, sementes selecionadas, mtodos maisavanados de cultivo, ou mo-de-obra assalariada. E mostra o emaranhado de contradies a que levado quem se atm exclusivamente classificao das exploraes segundo a quantidade de terra:levam, por exemplo, concluso de que so capitalistas no as pequenas, porm as grandesexploraes em rea e, ao mesmo tempo, que quanto menor a explorao em rea, mais intensiva a agricultura nela praticada e maior o valor dos gastos em mo-de-obra. Trata-se de umacontradio aparente, mas questo importante, na medida em que todas as discusses sobre aevoluo da agricultura e de suas leis centralizam-se precisamente na pequena e na grandeproduo. Para safar-se dessa contradio, Lnin realizou um exaustivo trabalho de comparaoentre as pequenas e as grandes exploraes tomando por base tambm outras consideraes, alm

    da quantidade de terra.Valendo-se dos dados sobre o valor global da produo das exploraes (exceto a parte destinada aoarraoamento do gado), dados que s existiam ento nas estatsticas americanas e que mostravam,muito mais diretamente que outros, o volume da produo e, em especial da produo mercantil,Lnin chega a concluses diametralmente opostas quelas obtidas com o agrupamento dasexploraes por extrato de rea. Verifica que com o aumento da magnitude da explorao, aintensidade da agricultura declina se se julga a magnitude pela superfcie da explorao, e aumentase se julga a magnitude pelo valor, da produo. Desse modo, constata um duplo crescimento docapitalismo, no qual ocorria um aumento das dimenses das fazendas, exploradas com mtodostcnicos antigos e tambm a criao de novas empresas dedicadas a cultivos comerciais especiais,em reas minsculas, com volume muito grande de produo e emprego de trabalhadoresassalariados. Em funo disso, Lnin reafirma a necessidade de destacar, investigar e; sempre quepossvel, levar em conta os ndices que comprovam a transformao da agricultura natural emagricultura mercantil e, em especial, os dados sobre trabalho assalariado.Todo esse esforo do autor chama a ateno para o primarismo de alguns cientistas sociais queconfundem e misturam grande explorao com grande propriedade. Nem Marx nem Lnin, ao falarde pequena ou grande explorao, prendem-se pequena ou grande propriedade. Eles reafirmammais de uma vez, e Lnin o faz com bastante nfase nesta obra, que a linha principal dedesenvolvimento da agricultura capitalista a da utilizao de mtodos intensivos, no peloaumento da superfcie cultivada, porm melhorando a qualidade do cultivo do solo, aumentando aquantidade de capital invertido numa mesma superfcie. A pequena explorao, sem deixar de ser

    pequena pela rea ou propriedade, transforma-se em grande pela produo. Tal conceito,aparentemente simples, tem, no entanto, gerado uma srie de interpretaes incorretas, tanto arespeito das teses marxistas, quanto da realidade agrria brasileira. comum a crtica ao marxismo sustentar que sua tese de substituio da pequena explorao pelagrande, com o conseqente desaparecimento do campesinato, estaria superada. Segundo essescrticos, os prprios marxistas teriam feito esforos para corrigi-la ao verificar que a agricultura nose desenvolve segundo o mesmo processo da indstria, porm segundo leis prprias. A vida teriademonstrado a existncia de obstculos que retardam o desaparecimento da pequena produo, taiscomo a resistncia dos pequenos camponeses, interveno do Estado preservando a pequenaproduo, limitao do solo, o fato de que nem sempre a grande explorao demonstra ser a melhor,etc. Todavia, como que se prevenindo de tais crticas, Lnin mostra que muitas dessas

    interpretaes sobre a persistncia da pequena propriedade so, no fundo, maneiras de escamotear aexistncia e-o verdadeiro papel das exploraes capitalistas modelo, que tambm so pequenasem superfcie, mas constituem uma minoria entre a enorme massa de pequenos agricultores.

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    Bastaria, com os mtodos modernos de investigao, combinar dois mtodos de classificao(cada um dos cinco agrupamentos por superfcie poderia ser dividido em dois ou trs subgrupos deacordo com o emprego de trabalho assalariado) para obter uma imagem real da situao, umquadro eloqente da vida da grande maioria dos pequenos agricultores, arruinados, oprimidos,empobrecidos e expropriados.Nesse sentido, Lnin frisa a grande importncia de se pesquisar de modo conveniente o processo de

    expropriao do pequenos agricultores, determinando de que setores, camadas ou grupos dapopulao rural provm os elementos que fogem do campo, e em que circunstncias, (. . . .) quantasfarms e que tipos de farms foram vendidas ou entregues em arrendamento com o objetivo de mudarpara a cidade e quantos membros da famlia e em que circunstncias abandonaram a agricultura,temporria ou definitivamente. S desse modo ser possvel compreender e valorizar o papel docapitalismo na agricultura, sua tendncia em substituir a pequena explorao pela grande.Tal tendncia, porm, no deve ser entendida unicamente no sentido de uma expropriao imediatado pequeno produtor: pode adotar a forma de um longo processo de runa e proletarizao dospequenos agricultores, j que o capitalismo subordina e se aproveita de todas as demais formas depropriedade e explorao da agricultura. Os principais tericos do marxismo jamais negaram osobstculos que os pequenos agricultores colocam frente ao pleno desenvolvimento do capitalismo e,

    portanto, frente a sua prpria destruio. Lnin mostra que um dos fatores pelos quais a pequenaproduo no esgotou ainda seu papel econmico e histrico justamente a persistncia de restos esobrevivncias feudais e semifeudais, mesmo na economia agrria norte-americana daquela poca.Se, em termos gerais, a pequena produo contrria grande explorao capitalista e poucoimporta se essa grande explorao realizada numa grande ou numa pequena propriedade eentrava a evoluo social, encobrindo e amortecendo a luta de classes, em termos concretos essamesma pequena explorao camponesa pode desempenhar um papel progressista quando o apoio aela significa a luta pela destruio das relaes pr-capitalistas. Desse modo, se encararmos asituao real do mundo, onde subsistem relaes de produo anacrnicas em vastas reas,podemos concluir que a pequena produo camponesa ainda tem um longo caminho pela frente.Isso no nega, contudo, a tendncia principal da agricultura capitalista. A mudana principal jocorreu: o pequeno produtor transformou-se em produtor de mercadorias. A partir da, a diminuioda proporo de proprietrios e o aumento da proporo de arrendatrios e trabalhadoresassalariados assinalam, em geral, a runa e a substituio dos pequenos agricultores. Em cada caso,todavia, indispensvel ter presente os fatores reais que complicam e mascaram essa tendncia.Um desses fatores , sem dvida, a persistncia de sobrevivncias de tipo feudal, semifeudal,semiescravista, patriarcal ou pr-capitalista. Este um dos pontos mais polmicos e controvertidosno atual debate sobre a economia agrria e, como os demais, acaba centralizando-se no carter dagrande e da pequena propriedade e da grande e da pequena explorao agrcolas. muito difundida a tese de que na origem e na base da estrutura agrria brasileira se encontra agrande explorao rural escravista ligada ao mercado externo, grande explorao que teria evoludo

    no sentido da substituio do trabalho escravo pelo trabalho assalariado, ao mesmo tempo queconservava o carter de grande explorao. Os defensores desta tese usam indistintamente osconceitos de grande explorao e grande propriedade, esquecendo-se do fato histrico comprovadode que, se verdade que houve grandes exploraes agrcolas as plantations com base nagrande propriedade e na escravido, tambm verdade que a grande propriedade territorialbrasileira existiu e se estendeu independente da existncia e expanso da grande explorao, nemsempre havendo reciprocidade entre ambas. Usam tambm sem discriminao o conceito detrabalho assalariado, considerando a meia, a tera, a partilha e outras formas de parceria ou pequenoarrendamento utilizados na agricultura e na pecuria brasileiras como formas de pagamento innatura. Refutam, assim, como sendo aceitao e aplicao mecnicas de modelos importados, otratamento do latifndio e das relaes de produo geradas por sua existncia como sobrevivncias

    semifeudais.H correntes que reconhecem a existncia de formas no-capitalistas na agricultura, o que nosignifica, avisam, reconhecer um carter feudal, semifeudal ou mesmo pr-capitalista em tais

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    formas, Tal reconhecimento no implica, por outro lado, urna unanimidade de opinies quanto aopapel que tais formas no-capitalistas desempenham no processo de desenvolvimento docapitalismo na agricultura. Uns consideram os setores em que predominam as relaes capitalistascomo praticamente estanques em relao aos setores em que predominam as no-capitalistas,enquanto outros consideram que h uma interao entre essas formas, sendo que as formas no-capitalistas servem ao desenvolvimento capitalista, em vez de entrav-lo. Na caracterizao das

    formas no-capitalistas, alguns apontam o latifndio; outros, as formas de pequena produo.Todas essas questes so nevrlgicas para o delineamento de uma poltica de classe do proletariado,indo muito alm dos objetivos de um debate acadmico. Delas depende uma poltica que leve emconta ou no os camponeses, que os considere como fora progressista ou reacionria. No poracaso que muitos dos defensores da teoria da no existncia de relaes pr-capitalistas naagricultura brasileira ou ficam nos limites da melhoria das condies de vida dos trabalhadores, emnada avanando na proposta de socializao completa dos meios de produo, ou traem a siprprios situando a luta do proletariado no terreno da luta democrtica, cingindo-a a uma questooperrio-camponesa onde, teoricamente, no mais deveria haver camponeses. No fundo noconseguem livrar-se do peso real das sobrevivncias ou formas atrasadas, mesmo negando-as ouminimizando-as. Como dizia Goethe, a rvore da vida sempre mais verde. . . A realidade acaba

    arrombando as portas, fazendo prevalecer sua verdade.Nesta, como nas demais obras em que trata do problema agrrio, Lnin sempre compreendeu evalorizou o papel do capitalismo na agricultura. Um dos gumes de sua luta terica e prtica sevoltou constantemente contra aqueles que, de uma forma ou de outra, negavam o desenvolvimentodo capitalismo na agricultura, negavam seu papel progressista. Mas Lnin era bem preciso aodefinir a posio do proletariado frente a tal papel:O proletariado (. . .) no defende todas as medidas que acelerem o progresso burgus, mas somenteas que diretamente contribuem para fortalecer a capacidade da classe operria para lutar por suaemancipao. Em outras palavras, para Lnin o progresso burgus no era seno o pleno e livredesenvolvimento da luta de classes, o que s possvel, na sociedade capitalista em processo dedesenvolvimento, destruindo os restos da servido que entorpecem esse desenvolvimento e,conseqentemente, fortalecendo a burguesia. E agregava que deixar-se confundir por istoequivale a incorrer de novo no erro daqueles socialistas segundo os quais a ns no interessa aliberdade poltica, j que esta s serve pata fortalecer e afianar a burguesia.* (* V. 1. Lnin,Programa Agrrio da Social-Democracia, Obras Escolhidas, vol. VI). Eis por que Lnin noescamoteava os fatos, no temia definir como sobrevivncias feudais as relaes de produovigentes no sistema de parceria no Sul dos Estados Unidos.No confundia de modo algum, a necessidade da crtica intransigente do capitalismo e da luta porsua superao com a anlise real de uma dada situao. Ao contrrio, Lnin procurava ajudar ocapitalismo a colocar a descoberto sua contradio fundamental, de modo a que ele fosse enterradomais rapidamente. Para tanto era justamente necessrio livrar o capitalismo de todas aquelas

    relaes que mascaravam, encobriam o antagonismo entre o capital e o trabalho, mesmo que taisrelaes se subordinassem ao capital e servissem sua reproduo e acumulao.Apesar de tratar desse problema de passagem, Lnin d uma srie de opinies que deveriammerecer a reflexo de todos os economistas e cientistas sociais interessados no problema. Emprimeiro lugar ele refuta incisivamente a tese de que os Estados Unidos no conheceram assobrevivncias do feudalismo por jamais terem conhecido o feudalismo, considerando que issocontradiz totalmente a verdade, pois as sobrevivncias econmicas da escravido no sediferenciam em nada das do feudalismo. Esta tese, que causa horror a muitos autores marxistas,no foi, entretanto refutada por nenhum deles a partir da teoria econmica de Marx. Em geral atm-se ao historicismo: no houve feudalismo, logo no h restos feudais.Lnin, porm, baseia sua concepo na teoria da renda da terra, demonstrando que no h diferena

    essencial entre a renda escravista da terra e a renda feudal da terra, enquanto que entre estas e arenda capitalista da terra h. No escravismo e no feudalismo no existe separao entre a renda e olucro, separao que justamente a. premissa do modo de produo capitalista, conforme assinala

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    Marx. Dessa maneira, quando ocorrem relaes de produo que se realizam economicamente pormeio da renda-trabalho, da renda-produto ou da renda--dinheiro, e no da renda capitalista, taisrelaes se realizam maneira escravista ou feudal. Para caracterizar o tipo real de que se trata,entram em cena outros fatores diferenciais, mas a similitude econmica permanece. Por isso, nocurso da obra e por mais de uma vez, ao referir-se aos parceiros do Sul dos Estados Unidos, Lninrepete que se trata de parceiros semifeudais ou, o que do ponto de vista econmico o mesmo,

    semiescravos (grifo nosso).O que interessa, pois, no saber se determinado pas conheceu ou no o feudalismo parareconhecer a existncia de restos ou sobrevivncias feudais ou semifeudais (ou semiescravistas). Oque interessa saber se os trabalhadores rurais desse pas so explorados maneira feudal ousemifeudal (grifo nosso), isto , se sua produo excedente (sobreproduto) se confunde de formacompleta com a renda da terra. Em outras palavras interessa saber se a apropriao do sobreprodutopelo proprietrio territorial se d pelo simples fato deste possuir a propriedade da terra.Muitos dos crticos das teses da existncia de relaes de produo feudais ou semifeudais nocampo brasileiro nem de longe levam em considerao a teoria marxista da renda da terra paraconceituar cientificamente as relaes atrasadas. Com isso acabam se perdendo numa caracterizaode relaes no-capitalistas que nada caracteriza, j que no define seu contedo econmico. Para

    demonstrar o acerto do que dizem, no conseguem ir alm do fato histrico inquestionvel de quenunca houve feudalismo no Brasil, especialmente se o concebemos no sentido europeu. Para eles, apartir dessa idia, no passaria de absurdo histrico falar em formas feudais ou semifeudais, oumesmo restos de sobrevivncias desse tipo.No nosso propsito aqui aprofundar os problemas histricos e econmicos referentes aos debatessobre modos de produo. Tampouco nos estenderemos s manifestaes de sobrevivncias feudaisna superestrutura ideolgica, poltica, jurdica, etc. Isto demandaria tempo e fugiria aos objetivosdesta introduo. Atemo-nos exclusivamente presena daqueles remanescentes nas relaesagrrias. Para isso gostaramos de lembrar que na colnia brasileira surgiram, poca doescravismo e dentro do modo de produo predominante, relaes de produo de novo tipo, no-escravistas, que aos poucos foram se ampliando e, com a abolio da escravatura, tornaram-sepredominantes por um largo perodo. Referimo-nos particularmente aos agregados, dondederivaram as formas atuais de parceiros e arrendatrios parceiros j que no nos interessa nomomento discutir outras categorias que tambm eram exploradas maneira feudal (arrendatrios-escravistas, comunidades indgenas de redues, vaqueiros e pees das fazendas de gado). Basta-nos aquele caso tpico.No sistema de agregao, o trabalhador se obrigava a pagar uma renda ao proprietrio-fundiriopelo favor que este lhe fazia deixando-o trabalhar e produzir em terras de sua propriedade. Arenda cobrada era basicamente a renda-trabalho ou a renda-produto, sendo que a renda-trabalhomuitas vezes se expressava atravs de formas de prestao de servios extra--econmicos.Ora, qualquer que seja a nuance brasileira que se lhe queira dar, esse sistema no outra coisa

    que o sistema da parceria, sistema que Lnin denominava de sobrevivncia russa do feuda1ismo econsiderava a base sobre a qual cresceu e se manteve a superestrutura de dominao dos negrosdos Estados Unidos. Lnin mostra que enquanto os lavradores brancos tpicos eram proprietrios,os lavradores negros tpicos eram arrendatrios, arrendatrios no no sentido europeu, civilizado,moderno da palavra, mas sim arrendatrios-parceiros, semifeudais ou, o que do ponto de vistaeconmico o mesmo, semiescravos. interessante notar que Lnin se referia a um pas onde 62,1% dos 1avrdores eram proprietrios;0,7%, administradores, e 37%, arrendatrios. Apesar de o nmero destes ltimos crescer sem cessarno fim do sculo passado e incio deste, o que se destaca a predominncia dos proprietrios. NoBrasil sempre ocorreu o contrrio, com a predominncia esmagadora dos lavradores sem terratrabalhando em terras dos grandes proprietrios sob o sistema de agregao ou assemelhado.

    Se nos Estados Unidos 24% dos agricultores eram parceiros explorados maneira feudal ousemifeudal pelos antigos donos de escravos, com muito mais razo se pode falar de umaexplorao maneira feudal ou semifeudal dos agregados ou parceiros brasileiros que

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    representavam, at h alguns anos, bem mais de 50% do total de agricultores. Em 1900, enquantonos Estados Unidos existia uma regio industrializada em alto grau e aquele pas j era o maisavanado do ponto de vista capitalista, com a indstria determinando a intensificao da agricultura,no Brasil, a industrializao mal comeara e o avano capitalista estava subordinado, em grandemedida, aos interesses do nascente imperialismo.No por acaso que o mximo que os crticos da explorao semifeudal conseguiram foi classific-

    la como escravismo disfarado ou como forma impura de salariato. Um e outra mal conseguemdisfarar seu preconceito. Tanto o feudalismo quanto o capitalismo no passam de escravismodisfarado. Lnin mesmo reafirma que o capitalismo no faz mais do que perpetuar as antigasformas de opresso e explorao sob uma capa moderna. Todavia, no isso que define seucontedo econmico na agricultura, mas sim a forma como apropriada a renda da terra. Tambmpor isso as formas impuras de salariato, ou seja, a mescla da renda feudal com a capitalista nofazem mais do que confirmar a existncia e, portanto, a sobrevivncia de relaes feudais ousemifeudais.Em que medida tais relaes entravam o processo de desenvolvimento do capitalismo? interessante notar que o peso da explorao semifeudal nos Estados Unidos era relativamentepequeno, se comparado com o Brasil. Alm da proporo inferior a 1/4, concentrava-se quase

    exclusivamente numa regio, o Sul. Ali, 0,7% dos estabelecimentos eram latifndios com reassuperiores a 1.000 acres (405 hectares), correspondendo a 23,9% da superfcie total da terraocupada. Desta, s 8,5% era cultivada.Para os Estados Unidos em conjunto, os latifndios correspondiam a 0,8% do total deestabelecimentos, ocupando 19,0% da rea total e cultivando s 18,7% de suas terras. No Brasil, oslatifndios com reas superiores a 1.000 hectares, conforme dados do INCRA, representavam em1972 cerca de 1,5% do nmero de imveis, ocupando 51,5% da rea total e cultivando somente10% de sua superfcie. Enquanto os Estados Unidos cultivavam, em 1910, 54% da rea total dosestabelecimentos, em 1972 o Brasil cultivava apenas 17,1% da rea dos imveis. As discrepnciasentre unidades (estabelecimento e imvel; reas superiores a 400 ou 1.000 hectares) no alteramsubstancialmente o quadro, demonstrando como o Sul dos Estados Unidos, 60 anos antes, estavabem mais desenvolvido no sentido capitalista que o Brasil tomado em conjunto.Pois bem, aquela regio era a mais atrasada no emprego de mo-de-obra assalariada e a causa disto,para Lnin, era a maior intensidade do emprego do sistema de parceria semiescravista ousemifeudal. Esses dados, para ele, evidenciavam quo imprudente era confundir os latifndios coma agricultura capitalista em grande escala e com quanta freqncia o latifndio no seno umasobrevivncia das relaes pr-capitalistas, escravistas, feudais ou patriarcais. As regies de maiorpredomnio dos latifndios e, conseqentemente, da parceria, eram as regies de maiorestancamento, degradao e opresso das massas trabalhadoras.Assim, para Lnin, as relaes semifeudais so um entrave ao maior emprego da mo-de-obraassalariada, freando o desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Isso no significa, porm, que

    impeam tal desenvolvimento. O capitalismo no s se desenvolve independentemente das formasde propriedade (e, portanto, das relaes de produo) que encontra na agricultura, como subordinatais formas ao seu domnio. O capitalismo aproveita-se dessas formas, manifestando-se ento seudesenvolvimento de diversos modos particulares que dependem das condies especficas de cadapas ou regio. Ora se traduz no aumento das dimenses dos estabelecimentos ou mesmo doslatifndios, ora no aumento do nmero de estabelecimentos e declnio dos latifndios.O problema no est em que o capitalismo no se desenvolva, porm em que as sobrevivnciassemifeudais, etc., retardam o pleno desenvolvimento do emprego de mo-de-obra assalariada,retardam o pleno desenvolvimento da luta de classes no campo, encobrindo a opresso e aexplorao burguesas.Lnin entende o desenvolvimento do capitalismo, seu papel progressista, principalmente como

    desenvolvimento da luta de classes. A eliminao das sobrevivncias feudais ou semifeudaisimpulsionaria, por si s, o desenvolvimento das foras produtivas, livrando o campons da sujeioque o obriga a entregar ao latifundirio no s o sobreproduto como tambm parte importante do

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    resultado do trabalho necessrio. Acabaria com a possibilidade de o latifundirio compensar a faltade melhorias tcnicas pela intensificao da explorao semifeudal e intensificaria a incorporaoda terra circulao mercantil.Nesse sentido, muitos dos crticos da tese de existncia de sobrevivncias semifeudais tm razoquando afirmam e denunciam que ela serviu, durante muito tempo, no passado como ainda hoje,para evitar qualquer ataque ao capitalismo e burguesia brasileira, para evitar que fosse

    compreendida a necessidade de superao do prprio capitalismo como sistema. Uma correntepondervel, de carter reformista-burgus, no entende a luta pela extino das relaes pr-capitalistas como uma luta pelo deslindamento e aprofundamento da luta de classes entre oproletariado e a burguesia, porm como uma luta pelo capitalismo.A bem da verdade necessrio reconhecer que tal corrente tem dado o tom, at agora, ao debateterico e poltico. O que tem gerado, em contrapartida, naqueles que desejam o fim da exploraocapitalista, uma real ojeriza tese da existncia de restos semifeudais, confundindo a sua defesacom.a defesa da tese da necessidade do desenvolvimento capitalista na agricultura e no pas. Aelucidao dessa confuso importante para que se compreenda, por um lado, a necessidade dasuperao do sistema capitalista brasileiro e, por outro, a necessidade de permitir ao campesinatoparticipar das decises polticas relativas transformao social da agricultura e adotar as formas de

    organizao da produo que correspondam a seus interesses, nvel de conscincia, etc. Esta umatarefa que merece uma ateno especial em virtude do agravamento da crise agrria brasileira e daintensidade cada vez maior com que as diversas correntes de pensamento se dedicam a uma buscade solues, j que essa questo influi sobre o conjunto da sociedade, devendo pois despertarparticular interesse naqueles que procuram defender os interesses da classe operria.Ao examinar de forma precisa e minuciosa uma das chamadas vias de desenvolvimento docapitalismo na agricultura a chamada via americana Lnin mostra que, paralelamente transio da estrutura escravista da agricultura para a agricultura mercantil e capitalista, ocorria umrpido e intenso desenvolvimento do capitalismo no conjunto do pas e, em particular, naagricultura da regio Norte, ao lado de uma extensa colonizao capitalista-democrtica. Lninacentua o fato de os Estados Unidos constiturem uma exceo entre os demais capitalistas, nosentido de que contava com uma enorme extenso de terras no ocupadas, devolutas, que foramdistribudas gratuitamente ou a baixo preo queles que as desejassem.Em vista disso, a agricultura nos Estados Unidos podia desenvolver-se, como de fato sedesenvolveu, mediante a ocupao e cultivo das terras virgens; sob formas primitivas e extensivas.Lnin afirma ainda que essa particularidade, longe de excluir o capitalismo, ampliava sua base eacelerava seu desenvolvimento, servindo ainda para ocultar a expropriao dos pequenosagricultores nas partes mais povoadas e industrializadas do pas.No Sul dos Estados Unidos a transio para a agricultura mercantil de pequena escala se dava pormeio da desintegrao dos latifndios escravistas e da diminuio da rea mdia dosestabelecimentos, que passaram a ser explorados, na maior parte, por parceiros semifeudais. No

    Oeste desenvolvia-se um vasto processo de colonizao e distribuio de homesteads, apesar dagrande incidncia de latifndios de pecuria extensiva. No Norte no mais havia colonizao e onmero de estabelecimentos diminua, assim como a rea cultivada e a superfcie total ocupadapelos estabelecimentos, sendo a rea de agricultura mais intensiva e mais capitalizada.Para Lnin, a determinao do grau de desenvolvimento capitalista na agricultura de cada umadessas regies dependia da verificao das diferenas na quantidade de capital invertido naquelesetor da economia, o que significava diferenas nas modificaes tcnicas. Dependia ainda daverificao de diferenas na intensificao da agricultura, na passagem a sistemas superiores decultivo, no uso crescente de fertilizantes, na difuso e melhoramento de equipamentos e mquinas,no emprego de mo-de-obra assalariada, etc. Lnin mostra que a soma desses processos complexose diversificados que forma o processo geral de desenvolvimento capitalista na agricultura,

    processo em todos os casos da mesma natureza, mas que adota formas as mais diversas. Aoexaminar cada um desses processos, Lnin no s consegue identificar as diversas formas adotadas

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    pelo desenvolvimento do capitalismo nos Estados Unidos, como tambm confirma a ao dealgumas leis gerais, comuns a todos os pases capitalistas.Em primeiro lugar, confirma que devido s peculiaridades tcnicas agricultura, o processo de suaintensificao conduz quase sempre a uma reduo da rea cultivada da fazenda, e ao mesmotempo, ao seu engrandecimento como unidade econmica, aumentando sua produo econvertendo-a cada vez mais numa empresa capitalista. Essa intensificao se expressa na maior

    inverso de capital por unidade de rea, atravs do emprego de vrios tipos de insumos; caracteriza-se tambm pela concentrao de sua produo em cultivos altamente comerciais, Este trao tpico,essencial e fundamental da agricultura capitalista, de modo que uma pequena produo (...)resulta ser grande pelo montante de capital invertido na terra. Em funo disso, Lnindiferenciava as regies de capitalismo extensivo daquelas de carter intensivo, mas acentuava que atendncia do capitalismo na agricultura a de intensificao, de substituio da economia extensivapela intensiva, de diminuio de rea por estabelecimento, de forma que, numa pequenapropriedade se possa formando-a assim numa grande explorao.Em segundo lugar, confirmou que os dados relativos ao trabalho assalariado so mais importantesquando se trata do capitalismo na agricultura. O incremento do emprego da mo-de-obraassalariada, superando o aumento da populao rural e o aumento de lavradores o indicativo mais

    revelador do crescimento do capitalismo na agricultura, constituindo um processo mais geral dedesenvolvimento do capitalismo que supera todas as demais peculiaridades. Quanto mais rpido oincremento no emprego de mo-de-obra assalariada, mais intenso o reforamento do cartercapitalista das exploraes agrcolas.Tais leis, comuns a todos os pases capitalistas civilizados da Europa, tambm caracterizaram odesenvolvimento do capitalismo na agricultura dos Estados Unidos. Ser muito til, pois, para osestudiosos do problema, verificar a ao dessas leis no processo, de evoluo do capitalismo naagricultura brasileira, de modo a determinar as formas que essa evoluo assume e suascaractersticas fundamentais. Sem pretender esgotar o assunto, por si s vasto, limitar-nos-emos aestabelecer algumas comparaes com os aspectos destacados por Lnin em sua obra.Inicialmente ocorre uma diferena ntida. No Brasil ao contrrio dos Estados Unidos, no se d umprocesso de desagregao dos latifndios, mas sim uma maior concentrao da propriedadefundiria nas mos de alguns poucos. H uma intensificao do monoplio da propriedade privadada terra. A enorme extenso de terras pblicas uma similitude com os Estados Unidos aocontrrio do que l ocorreu, ocupada fundamentalmente pelos latifndios pertencentes a grandesempresas monopolistas, numa concorrncia desigual com o sistema itinerante de posse. Enquanto osposseiros, em geral, cultivam suas terras por meios antigos e primitivos, os monoplios capitalistaslatifundizados especulam com a terra, seja mantendo-a na forma natural, seja atravs da pecuriaextensiva ou de projetos de colonizaco. De uma forma ou de outra, o latifndio de velho ou denovo tipo cobra do conjunto da sociedade a renda da terra, pouco ou quase nada contribuindo parao desenvolvimento real da agricultura.

    Apesar dessas diferenas marcantes, salta aos olhos que a agricultura brasileira uma agriculturamercantil. Isto verdadeiro no s quanto s grandes exploraes comerciais de latifndios (cana,caf, soja, etc.) como tambm quanto s pequenas exploraes chamadas de subsistncia, em suamaior parte praticada por pequenos proprietrios e por camponeses sem-terra, parceiros earrendatrios-parceiros.O que d a aparncia de no mercantil a essas pequenas exploraes o fato de o latifundirioapropriar-se tanto do sobreproduto (por meio do pagamento da renda) quanto de parte considervelda produo necessria prpria reproduo da fora de trabalho do campons (por meio dacobrana de juros sobre o capital adiantado ao campons a ttulo de fornecimento, aviamento,etc.). Essa produo destina-se ao mercado, no caso no importando que o latifundirio seja oveculo da mercantilizao. O campons, por sua vez, obrigado a adquirir objetos de consumo que

    no produz, em parte porque no tem os meios de produo para fabric-los, nem o temponecessrio, e em parte porque o latifundirio exige que se dedique queles produtos comerciaisque do bom preo.

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    Desse modo, para complementar sua produo necessria, desfalcada pela usura do latifundirio, ocampons recorre mais uma vez ao mercado, vendendo sua fora de trabalho. A economia mercantilvai forando, dessa forma, o incremento do emprego da mo-de-obra assalariada e, portanto, oincremento das relaes capitalistas, ao mesmo tempo que significa uma enorme elevao no graude explorao dos pequenos produtores rurais. Ocorre um aumento considervel e excessivo nacarga de trabalho, o rebaixamento dos padres de alimentao, maior endividamento e subordinao

    do pequeno agricultor, tudo isso exprimindo um longo e penoso processo de arruinamento,deteriorao e expropriao.A utilizao dos indicadores de Lnin pra caracterizar a agricultura capitalista vlida paradeterminar a linha seguida pelo desenvolvimento do capitalismo nesse setor da economia brasileira.Pela pequena amostra de comparao de aspectos da agricultura brasileira atual e suas tendncias ea agricultura dos Estados Unidos no incio do sculo, evidencia-se que a via brasileira em nada separece com a via americana. Muitos deduzem da que aqui se d a via prussiana, ou seja, a viade modernizao dos latifndios e sua transformao em latifndios capitalistas. Pode-se admitirque isso ocorra numa certa escala, mas tambm verdade que na agricultura brasileira atuamfenmenos desconhecidos pelo processo de transformao da agricultura alem numa agriculturacapitalista. A presena e a ao do capital monopolista o mais importante deles.

    A fase monopolista do capitalismo possui leis prprias, diferentes das leis de evoluo docapitalismo concorrencional. Em geral, as ltimas negam as primeiras, apesar de representarem umdesenvolvimento destas. A ao dessas leis do capital monopolista na agricultura brasileira vemdeterminando um processo de expanso do capital extremamente complexo e contraditrio, quesubordina toda a evoluo do setor agrcola da economia, e mesmo, de toda a economia brasileira,aos interesses da burguesia monopolista nacional e internacional.Esta obra de Lnin que ora chega s mos dos leitores brasileiros no esgota o assunto queexaminou com tanta profundidade. Desde que foi escrita, a agricultura dos Estados Unidosexperimentou um avano sem precedentes. Tornou-se, de longe, a maior produtora mundial dealimentos e matrias-primas agrcolas. Sua intensificao, com macias inverses em adubos,equipamentos, mquinas, sementes selecionadas, defensivos agrcolas, etc., alcanou nveisinigualveis. Como na indstria, o emprego das mquinas substitui em larga escala a fora detrabalho humana, elevando a produtividade a altos nveis, o que permite manter na agriculturasomente uma pequena parcela da populao economicamente ativa. Por outro lado, o capitalmonopolista passou a dominar completamente a economia norte-americana, a incluindo asubordinao do setor agrcola e seu enredamento nos liames do capital financeiro, Surgiram e sedesenvolveram enormes cooperativas, cujo papel vai se tornando cada vez maior e que em quasenada se distinguem das grandes corporaes monopolistas.Apesar disso, continua bastante difundida a opinio popular de que a agricultura dos EstadosUnidos baseia-se fundamentalmente na pequena propriedade que utiliza mo-de-obra familiar.Lnin dedica grande parte da obra elucidao dessa questo que, para ele, s servia para induzir a

    erro, fazendo pensar na no existncia de trabalho assalariado. Segundo os dados que apresenta,mesmo nos Estados Unidos, onde ocorreu a evoluo capitalista mais democrtica que se conhece;s uma minoria de 1/5 ou 1/4 do total de agricultores no contratava operrios, no era contratada,nem sofria qualquer outro tipo de sujeio, enquanto 1/3 do total de farmers era constitudo portrabalhadores cuja principal ocupao era a venda de sua fora de trabalho, e por parceiros. Oimportante para Lnin definir o papel exato do indivduo na produo, pois de um modo ou deoutro os membros da famlia trabalham, sejam como assalariados, parceiros, arrendatrios,posseiros, camponeses independentes ou mesmo patres. A definio concreta da participao decada indivduo ou unidade familiar na produo que pode dar uma idia real do carter e evoluoda agricultura.Sem dvida, a fonte dessa opinio popular, que permanece viva ainda hoje, reside na persistncia

    da pequena propriedade, encarada superficialmente como pequena explorao, e na ampliaodo carter imperialista do capitalismo americano. Em certa medida, ao exportar capitais esubordinar reas perifricas, onde ainda so bastante acentuadas as sobrevivncias de relaes de

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    produo pr-capitalistas, o imperialismo retarda o processo de pleno desenvolvimento capitalistaem sua prpria agricultura ou, em outras palavras, retarda o aguamento da luta de classes entre aburguesia e o proletariado, mantendo uma camada de camponeses mdios e pequenos custa dabrutal espoliao dos pases dependentes. Por isso um engano pensar que as teses marxistas sobrea tendncia principal da agricultura capitalista estejam superadas. Os novos fenmenos surgidoscom a passagem do capitalismo sua fase superior o imperialismo vieram embrulhar e tornar

    ainda mais complexo e longo o processo de desenvolvimento do capitalismo na agricultura, no snos Estados Unidos como em todo o mundo, mas nada prova que as caractersticas apontadas porLnin como tendncia tenham se modificado. Para demonstr-lo seria necessrio, pelo menos, umanova obra com a envergadura e o carter cientfico deste seu trabalho. De qualquer modo, a anlisedaquelas caractersticas, tal como se apresentam na atualidade, j se tornou uma necessidadepremente para que o marxismo continue a se desenvolver em consonncia com a evoluo domundo.

    Wladimir Pomar

    Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos

    O pas-vanguarda do capitalismo moderno apresenta um interesse muito particular para o estudo doregime econmico e social da agricultura atual e de sua evoluo. Os Estados Unidos no possuem

    concorrente que os iguale, nem pela rapidez de desenvolvimento do capitalismo no final do sculoXIX e incio do sculo XX, nem pelo nvel extremamente elevado j atingido por estedesenvolvimento, nem pela imensido do territrio sobre o qual se aplica uma tcnica querepresenta a ltima palavra da cincia e que leva em conta uma potvel diversidade de condiesnaturais e histricas, nem pela liberdade poltica e o nvel cultural da massa da populao, Portanto,sob vrios aspectos, este pas constitui o modelo e ideal de nossa civilizao burguesa.O estudo das formas e das leis de evoluo da agricultura nos Estados Unidos ainda maisfacilitado pela realizao neste pas, a cada dez anos, de um recenseamento da populao(Census), acompanhado de cadastros notavelmente detalhados de todas as exploraes industriaise agrcolas. Obtm-se assim uma documentao de uma preciso e riqueza sem equivalente emnenhum outro pas, e que permite verificar toda uma srie de afirmaes correntes, formuladas em

    sua maioria de uma forma precipitada do ponto de vista terico, repetidas sem esprito crtico, e quenormalmente difundem as concepes e preconceitos burgueses.No fascculo de junho de 1913 da revista Zavity *(*Zavity (Os Preceitos), revista legal, mensal,literria e poltica, de tendncia socialista-revolucionria: publicada em Petersburgo de abril de

    1912 a julho de 1914) o Sr. Guimmer citou alguns dados do ltimo recenseamento, o dcimoterceiro, realizado em 1910, e se serviu dele para retomar mais uma vez uma afirmao bastantepopularizada e profundamente burguesa, tanto por sua base terica quanto por seu significadopoltico: que nos Estados Unidos a imensa maioria das propriedades agrcolas constituda deexploraes fundadas no trabalho familiar; que nas regies mais desenvolvidas o capitalismoagrcola se decompe.; que, na imensa maioria das localidades do pas, a pequena agriculturafundada no trabalho familiar estende o campo de sua dominao; que, precisamente nas regies

    de agricultura mais antiga e mais elevado grau de desenvolvimento econmico, a agriculturacapitalista se desagrega, a produo torna-se parcelria e se reduz; que j no existem regiesonde o processo de colonizao no ocorra, e onde a agricultura capitalista no esteja em vias de

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    decomposio e no esteja sendo substituda pela agricultura baseada no trabalho familiar, etc.,etc.Todas estas afirmaes so monstruosamente falsas e contrrias realidade. Elas constituem to-somente uma caricatura da verdade. E vale a pena explicar detalhadamente por que elas soerrneas, quando se tem em conta que o Sr. Guimmer no o primeiro a faz-las, nem o autorfortuito de um artigo fortuitamente publicado numa revista, mas sim um economista renomado que

    representa a tendncia burguesa mais democrtica, a mais esquerda, do pensamento social russo eeuropeu. Por isto as concepes do Sr. Guimmer tendem a ter e j tm, em parte, entre ascamadas no-proletrias da populao uma penetrao e influncia particularmente acentuadas.Pois no se trata de concepes pessoais suas, nem de seus erros pessoais, mas sim da expresso exposta nos termos mais democrticos, adornada por uma fraseologia pseudo-socialista deconcepes comuns a toda a burguesia, a que aderem com muita facilidade, nos marcos daeconomia capitalista, tanto o professor burocrata que segue caminhos j trilhados, quanto o pequenoagricultor um pouco mais ilustrado que milhes de seus semelhantes.A teoria da evoluo no-capitalista da agricultura na sociedade capitalista, defendida pelo Sr.Guimmer, de fato a teoria da imensa maioria dos professores burgueses, dos democratasburgueses e dos oportunistas do movimento operrio em todo o mundo, que no so mais que uma

    variante moderna duma mesmos democratas burgueses. No ser exagerado afirmar que tal teoriano passa de uma iluso, um sonho no qual se embala toda a sociedade burguesa. Ao consagrar aseqncia de minha exposio refutao desta teoria, procurarei fornecer um quadro completo docapitalismo na agricultura americana, pois um dos erros essenciais dos economistas burguesesconsiste em isolar fatos e nmeros, mais ou menos importantes, do contexto geral das relaespoltico-econmicas. Todos os dados citados foram extrados das estatsticas oficiais dos EstadosUnidos da Amrica do Norte; trata-se, em primeiro lugar, dos tornos cinco do 12 e 13recenseamentos de 1900 e 1910; e, em segundo lugar, do Resumo Estatstico (Statistical Abstract aUnited States) de 1911. Indicadas as fontes, no mais fornecerei pata cada cifra as referncias spaginas e nmeros dos quadros: seria fatigante para o leitor e sobrecarregaria o texto semnecessidade, pois as pessoas interessadas encontraro facilmente os dados correspondentesrecorrendo ao ndice das publicaes mencionadas.

    01. Caracterstica geral das trs regies principais. O Oeste em processo de colonizao e oshomesteads *

    {*Homestead (Home = lar + stead = lugar), terras doadas ou vendidas a preo simblico pelo

    governo norte-americano a colonos no oeste do pas. Embora os homesteads fossem concedidos

    anteriormente, a lei que os regulamentou Homesteads Act data de 1862, e garantia 160

    acres (65 hectares) a cada famlia. (Nota da edio brasileira.)}

    A gigantesca superfcie ocupada pelos Estados Unidos, pouco inferior da Europa, e a enormediversidade das condies de explorao reinantes nas diferentes partes do pas, obrigam a estudarseparadamente as principais regies, essencialmente heterogneas por sua situao econmica. Em1900, as estatsticas americanas dividiam o pas em cinco regies; em 1910, em nove: 1) NovaInglaterra, isto , os seis Estados do Nordeste, na costa do oceano Atlntico (Maine, NewHampshire, Vermont, Massachusets, Rhode-Island e Connectticut); 2) Mdio Atlntico (NovaYork, Nova Jersey e Pensilvnia); em 1900 estas duas regies formavam juntas o Atlntico Norte.3) Nordeste Central (Ohio, Indiana, Illinois, Michigan e Wisconsin). 4) Noroeste Central(Minnesota, Iowa, Missouri, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Nebraska e Kansas); em 1900, estasduas regies formavam juntas o Centro Norte. 5) Atlntico Sul (Delaware, Maryland, Distrito de

    Colmbia, Virgnia e Virgnia Ocidental, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Gergia e Flrida),mesma regio que em 1900. 6) Sudeste Central (Kentucky, Tennessee, Alabama e Mississpi). 7)Sudoeste Centrai (Arkansas, Oklahoma, Louisiana e Texas); estas duas regies formavam, em 1900,

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    o Cejitro Sul. 8) Montanhas (Montana, Idaho, Wyoming, Cobrado, Novo Mxico, Arizona, Utahe Nevada). 9) Pacfico (Washington, Oregon e Califrnia); em 1900, estas duas regies formavam oOeste.O nmero excessivo dessas divises levou os estatsticos americanos, em 1910, a dividirem o pasem trs grandes regies: O Norte (1-4), o Sul (5-7), e o Oeste (8-9). Veremos que esta diviso emtrs regies principais realmente muito importante e essencial, ainda que a, como em todas as

    coisas, existam evidentemente tipos intermedirios e seja necessrio considerar parte a NovaInglaterra e o Mdio Atlntico quanto a certas questes fundamentais.Para caracterizar as diferenas essenciais das trs regies principais, podemos denomin-las: oNorte industrial, o antigo Sul escravista, e o Oeste em processo de colonizao.Eis os dados relativos s superfcies, percentual de terras cultivadas e populao:

    Regies Superfcie Total emmilhes de acres (1)

    Porcentagem deterras cultivadas

    Populao (1910) (emmilhes)

    Norte 588 49% 56Sul 562 27% 29Oeste 735 5% 7

    Conjunto dos EUA 1903 25% 92

    (1) Acre = 0,405 hectares.

    O Sul e o Norte possuem aproximadamente a mesma superfcie; o Oeste quase uma vez e meiamais extenso que cada um deles. Mas a populao do Norte oito vezes mais numerosa que a doOeste. Pode-se afirmar que o Oeste quase despovoado. Contudo, a rapidez com que se realiza seupovoamento evidenciada pelo fato de que em dez anos, de 1900 a 1910, a populao aumentou em18% no Norte, 20% no Sul, e 67% no Oeste! No Norte, o nmero de farms* {*Farm, um trato deterra destinado produo agrcola, sob uma s direo. O termo mais assemelhado em portugus

    seria estabelecimento ou explorao agrcola, em oposio a imvel, O termo fazenda no correto, pois as terras ocupadas por uma farm no so necessariamente extensas e nem de

    propriedade do farmer. Este pode ser arrendatrio, parceiro ou proprietrio das terras da farm.

    (Nota da edio brasileira,)} quase no aumentou: 2.874.000 em 1900 e 2.891.000 em 1910(+0,6%); no Sul cresceu em 18%, passando de 2,6 a 3,1 milhes; no Oeste cresceu em 54%, isto ,mais de uma vez e meia, passando de 243.000 a 373.000.A forma sob a qual se realiza a ocupao de terras no Oeste indicada pelos dados sobre ashomesteads (lotes de terra de 160 acres, em sua maioria, ou seja, cerca de 65 deciares * (* Deciare= 1 hectare), distribudos pelo governo a ttulo gratuito ou contra um pagamento nominal). Em dezanos, de 1901 a 1910, a superfcie das homesteads ocupadas elevou-se, no Norte, a 55,3 milhes deacres (dos quais, 54,3 milhes, ou seja, mais de 98%, em uma nica regio, a saber, o Noroeste

    Central); no Sul, a 20,0 milhes de acres (dos quais 17,3 milhes em uma nica regio: o SudoesteCentral); e no Oeste a 55,3 milhes de acres, nas duas regies que o compem. O que significa queo Oeste , essencialmente, uma regio de homesteads, ou seja, uma regio de distribuio gratuita &terras no-ocupadas; o que recorda o direito de explorao do solo pelo primeiro ocupante, tal comoele praticado nas regies perifricas afastadas da Rssia, com a diferena de que ele no regulamentado por um Estado feudal, mas de uma forma democrtica (eu deveria dizer: populista; arepblica americana colocou em prtica, maneira capitalista, a idia populista da distribuio deterras no-ocupadas a todos que as desejem). Quanto ao Norte e ao Sul, o que existe, nos dois casos, uma nica regio de homesteads, que constitui uma espcie de tipo intermedirio entre o Oestedespovoado e o Sul e Norte povoados. Notemos, a propsito, que apenas em duas regies do Norteno foi concedida nenhuma homestead durante o ltimo decnio: a Nova Inglaterra e o Mdio

    Atlntico. Voltaremos mais adiante a estas duas regies, as mais industriais, e onde o processo decolonizao j cessou completamente.

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    As cifras que citamos sobre as homesteads ocupadas referem-se aos pedidos de inscrio, e no alotes definitivamente ocupados; sobre estes ltimos, no dispomos de dados por regio. Contudo,ainda que os nmeros citados estejam superestimados em seu valor absoluto, eles refletem comexatido, qualquer que seja a situao, a relao entre as regies. No Norte existiam, em 1910, 414milhes de acres ocupados por farms, de sorte que as homesteads declaradas durante estes ltimosdez anos representavam a aproximadamente 1/8 da superfcie total, cerca de 1/17 (20/354) no Sul,

    a metade (55/111) no Oeste! E bvio que considerar em bloco os dados relativos a, de um lado,regies onde praticamente ainda no existe propriedade da terra, e, de outro, regies onde todas asterras esto ocupadas, constituiria uma caricatura dos mtodos cientficos de investigao.A Amrica confirma, com evidncia particular, a verdade ressaltada por Marx no livro III doCapital*(* Karl Marx, O Capital t. 111, 1955, edio russa. pgs. 627-652.), a saber, que ocapitalismo na agricultura no depende das formas de propriedade e usufruto da terra. O capitalencontra as mais diversas formas de propriedade medieval e patriarcal da terra: a propriedadefeudal, a campesina de nadiel (isto , a propriedade de camponeses dependentes), a de cl, acomunal, a estatal, etc. O capital faz pesar seu jugo sobre todas estas formas de propriedadefundiria empregando uma variedade de meios e mtodos. Para que a estatstica agrcola fosse feitade forma inteligente e sensata, seria preciso modificar seus mtodos de investigao, seus modos de

    tabulao, classificao, etc., em funo das formas de penetrao do capitalismo na agricultura,colocando as homesteads, por exemplo, numa categoria parte, e acompanhando seu destinoeconmico. Infelizmente, a rotina, a repetio estereotipada e sem sentido dos mesmos mtodospredomina com muita freqncia na estatstica.Para verificar em que medida a agricultura do Leste extensiva em relao a outras regies, bastacitar as cifras relativas ao montante das despesas com adubos artificiais. Em 1909, para um acre deterra cultivada, estas despesas se elevavam no Norte a 13 cents (0,13 dlar), no Sul a 50 cents, e noOeste a apenas 6 cents. A superioridade do Sul explica-se pelo fato de a cultura do algodo exigirgrande quantidade de adubo e ocupar a um lugar proeminente: o algodo e o tabaco representam46,8% do valor de todos os produtos agrcolas; os cereais, 29,3% apenas; o feno e as forragens,5,1%. No Norte, ao contrrio, os cereais ocupam o l lugar com 62,6%, e logo aps vm o feno e asforragens com 18,8%, predominando as forragens artificiais, No Oeste, os cereais representam, emvalor, 33,1% de todos os produtos agrcolas; o feno e as pastagens, 31,7%, sendo que as pastagensnaturais predominam sobre as forragens artificiais. As frutas representam 13,5%; elas constituemum ramo particular da agricultura mercantil, que se desenvolve com rapidez nas costas do OceanoPacfico.

    2. O Norte industrial

    No Norte, a populao urbana atingia, em 1910, a percentagem de 58,6% contra 22,5% no Sul e

    48,8% no Oeste. O papel da indstria revela-se nos seguintes dados:Valor dos produtos (em milhares de dlares)

    Regies DaAgricultura

    Da Pecuria Total Da Industria,deduzido o valor

    das matriasprimas

    Nmero deOperrios na

    Industria(em milhes)

    Norte 3,1 2,1 5,2 6,9 5,2Sul 1,9 0,7 2,6 1,1 1,1

    Oeste 0,5 0,3 0,8 0,5 0,3Conjunto dos

    EUA

    5,5 3,1 8,6 8,5 6,6

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    O valor total dos produtos agrcolas est aqui superestimado, pois certos produtos da agricultura,como a forragem do gado, so computados uma segunda vez no valor dos produtos da pecuria.Mas, de qualquer forma, chega-se concluso incontestvel de que cerca de 5/6 da indstriaamericana est concentrada no Norte, e que nesta regio a indstria predomina sobre a agricultura.O Sul e o Oeste, ao contrrio, possuem um carter essencialmente agrcola.Como revelam as cifras citadas, o Norte distingue-se do Sul e do Oeste por um desenvolvimento

    industrial bem mais acentuado, que criou um mercado para a agricultura e determina umaintensificao desta ltima. Mas o Norte industrial tomando esta palavra na acepo indicada no deixa de ser tambm o principal produtor de produtos agrcolas. Mais da metade de toda aproduo, aproximadamente 3/5, est a concentrada. possvel verificar como a agricultura maisintensiva no Norte que nas outras regies a partir das seguintes cifras, referentes ao valor doconjunto dos bens agrcolas terras, construes, instrumentos e mquinas, gado por acre deterra: do Norte, em 1910, este valor se elevava a 66 dlares contra 25 no sul e 41 no Oeste. Emparticular o valor dos instrumentos e das mquinas por acre de terra era de 2,06 dlares do Norte,0,83 no sul e 1, 04 no Oeste.Deve-se considerar parte, sob este aspecto, as regies da Nova Inglaterra e do Mdio Atlntico.Como dissemos, a no existe colonizao. De 1900 a 1910, o nmero de farms diminuiu em termos

    absolutos, bem como a superfcie cultivada e a superfcie total ocupada por elas. Segundo asestatsticas de emprego, somente 10% da populao est ocupada na agricultura, contra 33% emmdia para o conjunto dos Estados Unidos, 25 a 41% nas outras regies do Norte, e 51 a 63% noSul. A cultura de cereais ocupa apenas de 6 a 25% da terra cultivada (mdia para os EstadosUnidos: 40%, para o Norte: 46%); as forragens (na maioria artificiais), 29 a 52% (contra 15 e 18%);os legumes, de 3,8 a 4,6% (contra 1,5% e 1,5%). Esta a regio onde a cultura mais intensiva. Adespesa mdia com adubos, por acre de terra cultivada, elevava-se, em 1909, a 1,30 e 0,62 dlares;o primeiro nmero representa a despesa mxima, o segundo s superado por uma nica regio doSul. O valor mdio dos instrumentos e mquinas por acre de terra cultivada de 2,58 e 3,88 dlares,cifras mximas para os Estados Unidos. No curso de nossa exposio, veremos que estas regiesmais industrializadas do Norte industrial, que se distinguem pela agricultura mais intensiva,distinguem-se igualmente pelo carter mais capitalista da agricultura.

    3. O antigo Sul escravista

    Os Estados Unidos, escreve o Sr. Guimmer, nunca conheceram o feudalismo e ignoram suassobrevivncias econmicas (p. 41 do artigo mencionado). Afirmao absolutamente contrria verdade, pois as sobrevivncias econmicas do escravismo no se distinguem em nada das dofeudalismo, e so ainda mais fortes, at o presente, no antigo Sul escravista dos Estados Unidos.No valeria a pena deter-se no erro do Sr. Guimmer se fosse possvel consider-lo como um mero

    erro de um artigo escrito s pressas. Mas a literatura liberal e a literatura populista da Rssiaprovam que, no tocante ao sistema russo de pagamento em trabalho (nossa sobrevivncia dofeudalismo), comete-se sistematicamente um erro absolutamente idntico e com umaextraordinria persistncia.O Sul dos Estados Unidos foi escravista at que a guerra civil de 1861 1865 extinguisse aescravido. At o presente, o nmero de negros, que no ultrapassa 0,7 a 2,2% da populao dasregies Norte e Oeste, representa no Sul 22,6 a 33,7% do total da populao. A proporo de negros de 10,7% para o conjunto dos Estados Unidos. intil falar da situao degradante a que sosubmetidos: sob este aspecto, a burguesia americana no melhor que a de outros pases. Apshaver libertado os negros, ela se esforou, com base no capitalismo livre e republicano-democrtico, por restabelecer tudo o que fosse possvel ser restabelecido, por fazer o possvel e o

    impossvel para oprimir os negros da maneira mais descarada e vil. Para caracterizar seu nvelcultural, basta mencionar um pequeno fato estatstico. Enquanto o nmero de analfabetos entre apopulao branca dos Estados Unidos (com idade acima de 10 anos) elevava-se, em 1900, a 6,2%

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    da populao, para os negros esta percentagem era de 44%!! Superior em mais de sete vezes!! NoNorte e no Oeste, existiam 4 a 6% de analfabetos (em 1900); no Sul, 22,9 a 23,9%!! fcilimaginar o complexo de relaes jurdicas e sociais correspondente a este vergonhoso fatopertencente ao domnio da instruo pblica.Sobre que base econmica cresceu e repousa esta simptica superestrutura?Sobre uma base tipicamente russa, cem por cento russa, a do sistema de pagamento em trabalho ou,

    mais precisamente, da parceria.O nmero de farms pertencente aos negros alcanava, em 1910, 920.883, ou seja, 14,5% do total.Do nmero total de farmers, 37% eram arrendatrios e 61,1% proprietrios; os 0,9% das farmsrestantes estavam em mos de administradores. Entre os brancos, a percentagem de arrendatrios 39,2%, enquanto entre os negros ela de 75,3%! Na Amrica, o farmer branco tpico aquele que dono de sua terra e o farmer negro tpico o arrendatrio. No Oeste, a percentagem de arrendatriosno ultrapassa 14%: a regio de colonizao, a regio das terras novas, livres, o Eldorado (umEldorado efmero e frgil) do pequeno agricultor independente. No Norte, a percentagem dearrendatrios de 26,5%; no Sul, de 49,6%! A metade dos farmers do Sul so arrendatrios.Mas isto no tudo. No tratamos aqui de arrendatrios no sentido europeu, civilizado, capitalista emoderno da palavra. Estamos, sobretudo na presena de parceiros ou de uma espcie de semi-

    escravos, o que a mesma coisa do ponto de vista econmico. No Oeste livre, os parceirosconstituem minoria entre os arrendatrios (25.000 em 53.000). No velho Norte, h muito povoado,em 766.000 arrendatrios, 483.000 so parceiros, ou seja, 63%. No Sul, em 1.537.000 arrendatrios, possvel enumerar 1.021.000 parceiros, isto , 66%.Na Amrica livre, republicana e democrtica, existiam, em 1910, 1 milho e o nmero de parceirosem relao ao nmero total de farmers no se reduz, mas aumenta continuamente e com rapidez.Em 1880, seu percentual em relao ao nmero total de farmers dos Estados Unidos era de 17,5%;em 1890, de 18,4%; em 1900, de 22,2%; e em 1910, de 24,0%.No Sul, as concluses dos estatsticos americanos sobre o recenseamento de 1910, as condiesforam sempre um pouco diversas daquelas do Norte, e muitas das farms de arrendatrios fazemparte de plantaes com importantes dimenses que datam de antes da guerra civil. No Sul, osistema de explorao por meio dos arrendatrios, sobretudo negros, substituiu o sistema deexplorao atravs do trabalho de escravos, O desenvolvimento do sistema de arrendamento particularmente acentuado no Sul, onde as grandes plantaes, outrora cultivadas pelos escravos,foram muitas vezes divididas em pequenos lotes (parcelas), e alugadas a arrendatrios. . . De fato,em muitos casos, estas plantaes ainda so cultivadas como unidades agrcolas, pois osarrendatrios so submetidos, at certo ponto, a uma vigilncia que recorda mais ou menos aquela aque so submetidos os operrios nas farms do Norte (op. cit., V, 102-104).Para caracterizar o Sul, preciso acrescentar ainda que sua populao o abandona para dirigir-se aoutras regies capitalistas e s cidades, da mesma forma que, na Rssia, o campesinato foge dasprovncias agrcolas do Centro, as mais atrasadas e onde as sobrevivncias da servido so ainda

    muito fortes, foge do poder dos Valiai-Markov, para atingir as regies mais capitalistas da Rssia,as capitais, as provncias industriais e o Sul (Ver O Desenvolvimento do Capitalismo na Rssia* -Ver: V- Lnin, Oeuvres, tomo 3, captulo VIII: La formation de rnarch interieur de la main-doeuvre. (Nota da edio francesa.)) Tanto na Amrica quanto na Rssia, a regio ondepredomina a pareceria a que apresenta um maior atraso, a maior degradao, a maior opresso dasmassas trabalhadoras. Os imigrantes que vm para a Amrica, e que desempenham um papel toimportante na economia do pas e em toda a sua vida social, evitam o Sul- Em 1910, a percentagemda populao dos Estados Unidos nascida fora do pas era de 14,5%. Mas no Sul esta percentagemera de apenas 1 a 4%, conforme a regio, enquanto nas outras regies do pas nunca existiam menosde 13,9% e at 2 7,7% de imigrantes (Nova Inglaterra). O isolamento, a falta de cultura, a falia de arfresco, uma espcie de priso para os negros libertados: tal o Sul americano. A maior

    sedentariedade da populao, o maior apego terra: excetuando-se a regio onde existe umaimportante colonizao (o Sudoeste Central), pode-se constatar que, nas duas outras regies do Sul,90-91% dos habitantes nasceram na prpria regio em que vivem, enquanto para o conjunto da

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    Amrica esta percentagem de 72,6%, ou seja, a mobilidade da populao muito maior. E noOeste, que essencialmente uma regio de colonizao, apenas 35 a 41% dos habitantes nasceramna mesma regio em que vivem.Os negros fogem das duas regies do Sul onde no existe colonizao: no curso dos dez anos queseparam os dois ltimos recenseamentos, estas duas regies forneceram aos outros setores do pascerca de 600.000 pessoas negras. Os negros fogem, sobretudo para as cidades: no Sul, 77 a 80%

    dos negros vive no campo; nas outras regies, apenas 8 a 32%. A semelhana da situao dosnegros na Amrica e dos camponeses ex servos de latifundirios na Rssia agrcola do Centro verdadeiramente surpreendente.

    4. Dimenso mdia das Farms. A decomposio do capitalismo

    Aps termos examinado os principais traos distintivos das trs grandes regies dos Estados Unidose o carter geral das condies econmicas, podemos passar anlise dos dados utilizadoshabitualmente. Trata-se, de incio, de dados sobre a dimenso mdia das farms, a partir dos quaisvrios economistas, incluindo o Sr. Guimmer, retiram as mais categricas concluses.

    Dimenso mdia das farms nos Estados UnidosAnos Superfcie Total

    (em acres)Superfcie cultivada

    (em acres)

    1850 202,6 78,01860 199,2 79,81870 153,3 71,01880 133, 7 71,01890 136,5 78,31900 146,2 72,3

    1910 138,1 75,2Logo de incio possvel constatar uma reduo da mdia relativa superfcie total, e variaesindeterminadas ora uma reduo, ora um acrscimo no tocante mdia da superfcie cultivada.Mas o perodo 1860-1870 estabelece uma ntida demarcao; assim, ns o separamos com um trao. no curso deste perodo que se observa uma enorme reduo de 46 acres (199,2-153,3) nasuperfcie mdia total das exploraes, e a maior modificao (79,8-71,0), tambm no sentido deuma reduo, da superfcie mdia cultivada.Qual a causa desta ocorrncia? Aparentemente, a guerra civil de 1g61-1865 e a abolio daescravido. Um golpe decisivo foi aplicado nos grandes domnios escravistas. Logo veremosnumerosas confirmaes deste fato, de testo to conhecido que espantoso que seja necessrio

    confirm-lo. Faamos uma distino entre os dados referentes ao Sul e ao Norte, respectivamente.

    Dimenso mdia das farms em acresNo sul No Norte

    Anos SuperfcieMdia Total

    Superfcie mdiacultivada

    Superfcie mdiatotal

    Superfcie mdiacultivada

    1850 332,1 101,1 127,1 65,41860 335,4 101,3 126,4 68,31870 214,2 69,2 117,0 69,21880 153,4 56,2 114,9 76,61890 139,7 58,8 123,7 87,81900 138,2 48,1 132,2 90,91910 114,4 48,6 143,0 100,3

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    Verificamos que a superfcie mdia cultivada por farm diminuiu consideravelmente no Sul duranteo perodo 1860-1870 (101,3-69,2), e que aumentou um pouco no Norte (68,3-69,2). Portanto, o queest em causa so precisamente as condies de evoluo do Sul. Mesmo aps a abolio daescravido, ainda observamos a uma reduo progressiva, ainda que lenta e descontnua, daextenso mdia das farms.A agricultura fundada no trabalho familiar estende aqui o campo de sua dominao, conclui

    Guimmet, e o capital abandona a agricultura por outros campos de aplicao (. . .).Adecomposio extremamente rpida do capitalismo agrrio nos Estados do Atlntico-Sul.Eis uma bizarrice que talvez s possa ser equiparada aos argumentos de nossos populistas sobre adecomposio do capitalismo na Rssia depois de 1861, depois que os grandes proprietriosfundirios substituram a corvia pelo pagamento em trabalho (isto , por semicorvias!). Adesagregao dos latifndios escravistas qualificada como decomposio do capitalismo. Atransformao da terra no-cultivada dos ex-proprietrios de escravos em pequenas farmsexploradas pelos negros, dos quais a metade formada de parceiros (recordemos que a percentagemde parceiros aumenta constantemente entre um e outro recenseamento!), qualificada dedecomposio do capitalismo. No possvel ir mais longe na desfigurao das concepesfundamentais da cincia econmica!

    No captulo 12 do texto explicativo que acompanha o recenseamento de 1910, os estatsticosamericanos fornecem detalhes sobre as plantations tpicas do Sul, tais como elas se apresentam emnossos dias e no nos tempos da escravido. Nas 39.073 plantaes, existem 39.073 landlords farms(fazendas do Senhor), e 398.905 exploraes de arrendatrios. O que corresponde, em mdia, a10 arrendatrios por latifundirio ou landlord, A extenso mdia de uma plantao de 724acres, dos quais apenas 405 so cultivados: mais de 300 acres por plantao no so cultivados; no uma reserva modesta para que os senhores escravistas de ontem possam ampliar seus planos deexplorao amanh.A distribuio da terra de uma plantao mdia a seguinte: a farm do grande proprietrio ousenhor estende-se por 331 acres, dos quais 87 so cultivados. As farms dos arrendatrios, ouseja, os lotes dos parceiros negros, que trabalham como antes para o lord e sob sua vigilncia,possuem em mdia 38 acres de terra, dos quais 31 so cultivados.Os antigos proprietrios de escravos do Sul, que possuem imensos latifndios onde mais de 9/10 daterra permanece inculta at o presente, comeam gradativamente, medida que cresce a populaoe a demanda de algodo, a vender estas terras aos negros, ou mesmo, o que mais freqente, adistribudas em pequenas parcelas em troca da metade da colheita. (De 1900 a 1910, o nmero dosfarmers detentores da propriedade integral de toda a sua terra passou de 1.237.000 a 1.329.000, ouseja, um aumento de 7,5%, enquanto o nmero de parceiros passou de 772.000 a 1.021.000, ou seja,um aumento de 32,2%.) E ainda encontramos um economista para qualificar este fenmeno comodecomposio do capitalismo.Classificaremos como latifndios as farms que contam com 1.000 acres e mais de terra. Em 1910,

    sua percentagem nos Estados Unidos era de apenas 0,8% (50.135 farms), e elas ocupavam 167,1milhes de acres, ou seja, 19% da superfcie total, representando uma mdia de 1332 acres porlatifndio. A percentagem das terras cultivadas nos latifndios de apenas 18,7%, enquanto quepara o conjunto das exploraes agrcolas ela de 54,4% - Precisemos que o Norte capitalista queconta com o menor nmero de latifndios: 0,5% do nmero total das farms, com 6,9% da superfcietotal e com a proporo de terra cultivada elevando-se a 41,1%. no Oeste que o nmero doslatifndios mais elevado: 3,9% do nmero total de farms, com 48,3% da superfcie total; a, apercentagem de terra cultivada de 32,3%. A mais elevada percentagem de terra no cultivada encontrada nos latifndios do antigo Sul escravista, que representam 0,7% do nmero total de farmse ocupam 23,9% da superfcie total; apenas 8,5% das terras so cultivadas nestes latifndios!!Assinale-se que estes dados detalhados mostram, com muita clareza, a que ponto injustificado

    classificar os latifndios dentro da economia capitalista, como se faz com freqncia, sem apreocupao em analisar, de forma especial, os dados concretos relativos a cada pas e a cadaregio.

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    Em dez anos, de 1900 a 1910, foi justamente nos latifndios, e unicamente neles, que a quantidadetotal de terra diminuiu. E numa proporo importante: passa-se de 197,8 a 167,1 milhes de acres,ou seja, o decrscimo de 30,7 milhes de acres. No Sul ele de 31,8 milhes de acres (no Norte,registra-se um aumento de 2,3 milhes, e no Oeste, um decrscimo de 1,2 milhes).Conseqentemente, foi justamente o Sul, e apenas o Sul escravista, onde a terra s cultivada numaproporo mnima (8,5%), que se caracterizou por um gigantesco processo de desmembramento de

    seus grandes domnios.De tudo isso resulta, inevitavelmente, que a nica definio precisa do processo econmico emcurso deve ser a seguinte: passagem dos latifndios escravistas, incultos em 9/10, pequenaagricultura mercantil No agricu1tura fundada no trabalho familiar como gostam de afirmar oSr. Guimmer, os populistas e todos os economistas burgueses, que entoam hinos baratos emglorificao do trabalho , mas agricultura mercantil. A expresso fundada no trabalhofamiliar no possui qualquer sentido poltico-econmico, e induz indiretamente mo erro. Elacarece de sentido porque, em cada uma das formas sociais que a economia pode assumir, o pequenoagricultor trabalha, seja a poca em que ele vive caracterizada, pela escravido, servido oucapitalismo. A expresso fundada no trabalho familiar um termo oco, uma frase declamatria sequalquer contedo, que contribui para confundir as mais diversas formas sociais da economia,

    beneficiando apenas a burguesia. Esta expresso induz ao erro, ilude o pblico, leyando-o aacreditar na no-existncia de trabalho assalariado.Como todos os economistas burgueses, o Sr. Guimmer deixa de falar justamente nos dados relativosao trabalho assalariado, quando eles so de importncia fundamental no tocante ao capitalismo naagricultura e quando so fornecidos no apenas pelo recenseamento de 1900, mas tambm peloboletim do recenseamento de 1910 (Abstract-Farm Crps, by states *){* Dados obtidos de umasondagem, feita pelo Estado, sobre a colheita das propriedades agrcolas. (Nota da edio

    francesa.)}, citado pelo Sr- Guimmer (p. 49 de seu artigo, nota).Que o desenvolvimento da agricultura no Sul corresponde precisamente ao da agricultura mercantile o que demonstra o carter do principal produto do Sul, o algodo O conjunto dos cereaispanificveis representa, em valor, 29,3% da colheita total de cereais no Sul; o feno e as plantasforrageiras, 5,1%, e o algodo, 42,7%. De 1870 a 1910, a produo de l no Estados Unidos passoude 162 milhes de libras a 321 milhes, ou seja, a produo dobrou; o trigo passou de 236 milhesde bushels * {*Bushels, medida de capacidade para cereais que nos Estados Unidos corresponde a35,238 litros; na Inglaterra, 36,367 litros. (Nota da edio brasileira.)} a 635, o que corresponde aum acrscimo de pouco menos do triplo; o milho, de 1.094 milhes de bushels a 2.886 milhes,correspondendo tambm a um acrscimo de pouco menos do triplo; a produo de algodo passoude 4 milhes de fardos (de 500 libras) a 12 milhes, isto , triplicou.O desenvolvimento do pr4utoagrcola mercantil por excelncia superou o do outros produtos, menos mercantis. Alm disto, naprincipal regio do Sul, o Atlntico-Sul, desenvolveu-se uma produo de tabaco de grandeimportncia (12,1% do valor global da colheita do Estado da Virgnia), de legumes (20,1% do valor

    global da colheita do Estado de Delaware, 23% da do Estado da Flrida), de frutas (21,3% do valorglobal da colheita do Estado da Flrida), etc. So todas culturas correspondentes a umaintensificao da agricultura, a um crescimento do volume econmico da explorao paralelamentea uma reduo da superfcie cultivada e a uma utilizao crescente do trabalho assalariado.Passaremos agora ao exame detalhado dos dados sobre o trabalho assalariado; por hora noslimitaremos a assinalar que, se o Sul, neste aspecto, apresenta um atraso em relao s outrasregies (no Sul, o emprego de mo-de-obra assalariada menos detectvel, pas o sistema semi-escravista da parceria mais desenvolvido), nele o emprego da mo-de-obra assalariada sedesenvolve da mesma forma.

    5 - O carter capitalista da agricultura

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    comum inferir-se a penetrao do capitalismo na agricultura a partir de dados sobre a extensodas farms ou sobre o nmero e a importncia das grandes farms (grandes segundo a sua superfcie).J examinamos alguns destes dados e ainda examinaremos outros, mas devemos ressaltar que elesso todos de ordem indireta, pois a superfcie est longe de indicar sempre e de uma forma direta agrandeza efetiva da explorao e seu carter capitalista.Sob este aspecto, os dados relativos ao trabalho assalariado provam e convencem infinitamente

    mais. Os recenseamentos agrcolas dos ltimos anos, como o recenseamento austraco de 1902 e oalemo de 1907, que analisaremos em outra oportunidade, demonstraram que o emprego de mo deobra assalariada na agricultura moderna e, em particular, nas pequenas exploraes agrcolas bem mais importante do que geralmente se cr. Nada refuta to categoricamente e com maiorclareza que estes dados a fbula pequeno-burguesa da pequena agricultura fundada no trabalhofamiliar.A estatstica americana reuniu uma abundante documentao sobre este ponto: o formulrioindividual enviado a cada farmer pergunta se ele consagra uma certa sorna ao pagamento deoperrios assalariados e, em caso de resposta afirmativa, qual a quantia exata. Ao contrrio daestatstica europia, corno a dos dois pases a que nos referimos, a estatstica americana no registrao nmero de assalariados empregados no momento do recenseamento por cada explorador, embora

    isto fosse facilmente determinvel e seu alcance cientfico complementando os dados relativosaos gastos relativos com a mo-de-obra assalariada fosse muito grande. Mas o pior ainterpretao absolutamente incorreta destes dados no recenseamento de 1910 no geral,infinitamente mais mal concebido que o de 1900, O recenseamento de 1910 dividiu todas as farmsem grupos, de acordo com as suas superfcies (como em 1900); mas, ao contrrio de 1900, os dadossobre o emprego de mo-de-obra assalariada no esto indicados tomando-se como referncia estesgrupos. Portanto, no temos condies de comparar as grandes e pequenas exploraes (quanto superfcie) no tocante utilizao de trabalho assalariado. Dispomos to-somente das mdias porFado e por regio, ou seja, dados que confundem as exploraes capitalistas e no-capitalistas.Mais adiante examinaremos a parte os dados para 1900, que esto melhor interpretados; vejamos,agora os dados relativos ao ano de 1910. Para sermos mais precisos, as cifras referem-se aos anosde 1899 e 1909.

    Porcentagemde farms que

    empregamoperrios

    Crescimentodos gastos coma mo de obra

    Gastos com a mo de obra por acre deterra cultivada (em dlares)

    Regies

    1909 1899-1909 1909 1899

    Norte 55,1 + 70,8 1,26 0,82Sul 36,6 + 87,1 1,07 0,69Oeste 52,5 +119,0 3,25 2,07

    Conjuntodos EUA 45,9 +82,3 1,36 0,86

    Antes de mais nada, tais dados demonstram de forma irrefutvel que no Norte que a agriculturaacusa o carter mais capitalista (a, 55,1% das farms recorrem ao trabalho assalariado), depois noOeste (52,5%); no Sul que esta caracterstica menos marcante (36,6%). E esta a diferena quedeve existir normalmente entre uma regio populosa e industrial, uma regio de colonizao e umaregio de agricultura parcelria. Decorre da que os dados sobre o percentual das farms querecorrem ao trabalho assalariado permitem mais facilmente uma comparao exata entre regies doque aqueles referentes aos gastos de mo-de-obra por acre de terra cultivada. Para que fossepossvel comparar os dados desta esfera, seria necessrio que o nvel dos salrios fosse idntico nas

    diferentes regies. No possumos dados sobre os salrios agrcolas nos Estados Unidos, mas,conforme o que sabemos sobre as diferenas fundamentais existentes entre as regies, poucoprovvel que exista esta identidade de salrios.

  • 8/7/2019 Livro - Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos - Vladimir Lenin

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    Assim, no Norte e no Oeste, as duas regies que concentram 2/3 do total da terra cultivada e 2/3 detodo o gado, mais da metade dos farmers no pode prescindir do trabalho assalariado. No Sul estaproporo s menor porque a explorao semifeudal (e tambm semi-escravista), sob a forma deparceria, ainda bem acentuada. Sem dvida, uma parte dos farmers menos favorecidos soforados na Amrica como em todos os outros pases capitalistas do mundo a vender suafora de trabalho. Infelizmente, a estatstica americana no fornece nenhum dado a este respeito; ao

    contrrio, por exemplo, da estatstica alem de 1907, onde os dados foram reunidos e interpretadosde uma forma bastante extensa. De acordo com os dados alemes, de um total de 5.736.082proprietrios de empresas agrcolas (cifra global, compreendendo at os menores agricultores),1.940.867, ou seja, mais de 30%, so, por sua ocupao principal, operrios assalariados.Esclarecendo: a grande massa dos operrios agrcolas e dos diaristas possuidores de um pedao deterra faz parte dos grupos inferiores de agricultores.Admitamos que nos Estados Unidos, onde as farms menores (at 3 acres) normalmente no soregistradas, apenas 10% dos proprietrios sejam forados a vender sua fora de trabalho. Mesmoneste caso, chegamos concluso de que os farmers diretamente explorados pelos grandesproprietrios fundirios e pelos capitalistas representam mais de 1/3 do total (24% so parceiros,isto , explorados de um modo feudal ou semifeudal pelos antigos proprietrios de escravos; e 10%

    so explorados pelos capitalistas, o que nos d um total de 34%). Com relao ao nmero total defarmers, existe apenas uma minoria, quando muito de um quinto ou de um quarto, que nocontratam opera rios, no se empregam como operrios, - ou se submetem a uma outra forma deservido.Tal a situao real no pas do capitalismo exemplar e de vanguarda no pas onde milhes dedeciares de terra so distribudos gratuitamente. Tambm l a famosa pequena agricultura no-capitalista, fundada no trabalho familiar, apenas um mito.Qual o nmero de operrios assalariados na agricultura da Amrica? Este nmero tem aumentadoou diminudo em relao ao nmero de farmers e ao conjunto da populao agrcola?Infelizmente, a estatstica americana no responde diretamente a questes to importantes.Busquemos uma resposta aproximativa.Inicialmente, podemos encontrar uma resposta nas cifras das estatsticas sobre emprego (tomo IVdo recenseamento) - Estatstica mal-feita; elaborada de uma forma burocrtica, rotineira e absurda,ela no fornece qualquer informao sobre a situao profissional do indivduo; ou seja, ela nodistingue o patro, o trabalhador membro da famlia e o operrio assalariado - Ao invs de umadiviso econmica precisa, contentou-se em empregar uma terminologia popular, reunindo sob arubrica trabalhadores rurais os membros da famlia do farmer e os trabalhadores assalariados.Como se sabe,