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Desafios ao Desenvolvimento Brasileiro Contribuições do conselho de orientação do Ipea Livro 1 Organizador JOSÉ CELSO CARDOSO JR. Desafios ao Desenvolvimento Brasileiro.indb 1 Desafios ao Desenvolvimento Brasileiro.indb 1 25/3/2009 13:27:17 25/3/2009 13:27:17

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Desafios ao Desenvolvimento BrasileiroContribuições do conselho de orientação do Ipea

Livro 1

Organizador

JOSÉ CELSO CARDOSO JR.

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Governo Federal

Ministro de Estado Extraordináriode Assuntos Estratégicos – Roberto Mangabeira Unger

Secretaria de Assuntos Estratégicos

Presidente Marcio Pochmann

Diretor de Administração e FinançasFernando FerreiraDiretor de Estudos MacroeconômicosJoão Sicsú Diretor de Estudos SociaisJorge Abrahão de CastroDiretora de Estudos Regionais e UrbanosLiana Maria da Frota CarleialDiretor de Estudos SetoriaisMárcio Wohlers de AlmeidaDiretor de Cooperação e DesenvolvimentoMário Lisboa Theodoro

Chefe de GabinetePersio Marco Antonio Davison

Assessor-Chefe da Assessoria de ImprensaEstanislau Maria de Freitas Júnior Assessor-Chefe da Comunicação InstitucionalDaniel Castro

Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

URL: http://www.ipea.gov.br

Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e de programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

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Brasília, 2009

Desafios ao Desenvolvimento BrasileiroContribuições do conselho de orientação do Ipea

Livro 1

Organizador

JOSÉ CELSO CARDOSO JR.

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As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira

responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente,

o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ou

da Secretária de Assuntos Estratégicos.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde

que citada a fonte. Reproduções para fi ns comerciais são proibidas.

© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2009

Desafi os ao desenvolvimento brasileiro : contribuições do

conselho de orientação do Ipea / organizador: José

Celso Cardoso Jr. - Brasília : Ipea, 2009.

v.1 (285 p.) : gráfs., tabs.

Inclui bibliografi a.

ISBN

1. Política de Desenvolvimento. 2. Desenvolvimento

Sustentável. 3. Análise Econômica. 4. Estado. 5. Brasil.

I. Cardoso Júnior, José Celso Pereira. II. Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada.

CDD 338.981

PROJETO

Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

Série Eixos do Desenvolvimento Brasileiro

LIVRO 1Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro: contribuições do conselho de orientação do Ipea

OrganizadorJosé Celso Cardoso Jr.

Equipe TécnicaJosé Celso Cardoso Jr. (Coodenação)Ricardo Luiz Chagas AmorimCarlos Henrique Romão de SiqueiraCarolina Veríssimo BarbieriMaria Vilar Ramalho RamoS

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. 7Diretoria Colegiada

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9José Celso Cardodo Jr. e Carlos Henrique Romão de Siqueira

CAPÍTULO 1 INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ............................................................................................ 15Rubens Ricupero

CAPÍTULO 2MACROECONOMIA DO EMPREGO .................................................................................................... 49João Paulo de Almeida Magalhães

CAPÍTULO 3INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA NO BRASIL ...................................................................................... 77Carlos Lessa

CAPÍTULO 4VISÃO MODERNA DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL .................................................................. 101João Paulo dos Reis Velloso

CAPÍTULO 5OBSTÁCULOS AMBIENTAIS E NÃO AMBIENTAIS AO DESENVOLVIMENTO ........................................ 115Dércio Garcia Munhoz

CAPÍTULO 6PROTEÇÃO SOCIAL E GERAÇÃO DE OPORTUNIDADES ................................................................... 153Roberto Cavalcanti de Albuquerque

CAPÍTULO 7DESAFIO DE GERAR OPORTUNIDADES ............................................................................................ 189Pedro Demo

CAPÍTULO 8ESTADO, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA ......................................................................................... 217Wanderley Guilherme dos Santos

CAPÍTULO 9PODER E MODELO POLÍTICO .......................................................................................................... 237Cândido Mendes

CAPÍTULO 10DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ESCOLHA POLÍTICA, E NÃO TÉCNICA ........................................ 253Raphael de Almeida Magalhães

NOTAS BIOGRÁFICAS ................................................................................................................. 263

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 267

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APRESENTAÇÃO

Homenagem e Reconhecimento

Este livro abre ofi cialmente a série de estudos e publicações concebidas para com-porem o Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro. Idealizado pelo Ipea no início de 2008, o projeto pretende servir como plataforma de refl exão sobre os desa-fi os e as oportunidades do desenvolvimento nacional, coadunando-se, por um lado, com a própria missão institucional do instituto e, por outro, com a tarefa atribuída pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva ao ministro Roberto Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, à qual o Ipea está diretamente vinculado.

Embora sejam sabidamente ambiciosas e complexas, a missão e a tarefa as-sumidas pelo Ipea tornam-se, na atual encruzilhada histórica de desenvolvimento das nações, altamente indispensáveis para fornecer ao Brasil conhecimento crítico à tomada de posição frente aos problemas e desafi os da contemporaneidade mundial.

Por isso, nada mais justo que se alimente este esforço gigantesco de refl exão sobre a situação atual e os rumos do país, fazendo reverência a – e trazendo refe-rências analíticas importantes de – grandes nomes do pensamento social e da vida brasileira, tais como o são os colegas membros do Conselho de Orientação do Ipea. O colegiado foi criado em dezembro de 2007, e é composto por vinte per-sonalidades da vida pública nacional, cujas trajetórias acadêmicas e profi ssionais pautaram-se pela relevância intelectual dos trabalhos escritos e/ou pela enorme contribuição cívica de suas passagens por diversos órgãos e instâncias de governo e de organizações internacionais.

Assim que, a despeito de outros compromissos e agendas lotadas, dez cole-gas conselheiros aceitaram o convite e o desafi o de escrever ensaios inéditos acer-ca de sete dimensões cruciais (embora não exaustivas) apontadas pelo processo de planejamento estratégico em curso no Ipea, enquanto eixos estruturantes do desenvolvimento brasileiro, a saber: i) inserção internacional soberana; ii) macro-economia para o pleno emprego; iii) infraestrutura econômica, social e urbana; iv) estrutura tecnoprodutiva avançada e regionalmente articulada; v) sustentabili-dade ambiental; vi) proteção social, direitos e oportunidades; e vii) fortalecimen-to do Estado, das instituições e da democracia.

Se, por um lado, nosso convite aos conselheiros do Ipea era uma atitude que avançava além do formalismo de se elaborar um livro – vale dizer, uma espécie de homenagem da instituição às contribuições trazidas ao longo dos anos por esses colegas ao esforço de refl exão sobre a questão do desenvolvimento nacional

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em vários campos do conhecimento necessários a tal empreitada –, acabou por converter-se também, por outro lado, em reconhecimento pleno, da nossa parte, quanto à importância de se considerarem os acúmulos e toda a experiência desses mesmos profi ssionais em iniciativas como as de natureza proposta por este projeto: os textos por eles produzidos revelam ser, de fato, grandes referências de análise para o debate sobre a temática que nos propusemos institucionalmente a enfrentar.

Mais do que pertinente, impõe-se fazer este registro – de homenagem e reconhecimento – aos colegas conselheiros do Ipea que, aqui reunidos, não se furtaram ao desafi o de continuar pensando os caminhos para o desenvolvimento do Brasil. A série que ora tem início não poderia, portanto, começar com forma e conteúdos mais apropriados.

Boa leitura e refl exão a todos!

Marcio Pochmann Presidente do Ipea

Diretoria ColegiadaFernando Ferreira

João SicsúJorge Abrahão de Castro

Liana Maria da Frota CarleialMárcio Wohlers de Almeida

Mário Lisboa Theodoro

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INTRODUÇÃO

A História como Método e a Centralidade do Estadopara o Desenvolvimento das NaçõesJosé Celso Cardoso Jr.* Carlos Henrique Romão de Siqueira **

Em tempos como os que estamos vivendo, de largo predomínio das ideias de uma mundialização sem fronteiras da economia (sobretudo a fi nanceira) e de um crescente questionamento em relação à operatividade (em termos da efetividade e efi cácia) dos sistemas democráticos de representação, torna-se cru-cial voltar a discutir o tema da natureza, alcances e limites do desenvolvimento no capitalismo contemporâneo.

O tema se torna particularmente relevante agora, uma vez passadas a ava-lanche neoliberal das décadas de 1980 e 1990 e suas crenças em torno de uma concepção minimalista de Estado. Diante do malogro do projeto macroeconô-mico neoliberal (baixas e instáveis taxas de crescimento) e suas consequências negativas nos planos social e político (aumento das desigualdades e da pobreza e o enfraquecimento dos mecanismos democráticos), evidencia-se já na primeira década do novo século certa mudança de opinião a respeito das novas atribui-ções dos Estados Nacionais.

O contexto atual de crescente insegurança internacional (terrorismos, funda-mentalismos, guerras preventivas etc.) e de grande incerteza econômica no sentido keynesiano forte, está fazendo com que se veja, nos círculos conservadores da mídia e da intelectualidade dominante, bem como nas agências supranacionais como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BIRD), Organização Mundial do Comércio (OMC) etc., um discurso menos hostil às ações dos Estados Nacionais nos seus respectivos espaços territoriais, em busca de um maior controle sobre a segurança interna, mas também sobre seus sistemas econômicos e sociais. Embora a ênfase das políticas domésticas ainda esteja centrada na harmonização e homoge-neização das estruturas de produção e distribuição, nos controles orçamentários e na infl ação, começa a haver algum espaço para ações mais abrangentes e ativas dos Estados visando tanto à recuperação do crescimento econômico como ao combate à degradação das condições de vida, ações estas que dizem respeito à viabilidade e à sustentabilidade dos sistemas ambientais, de produção e de proteção social em geral.

* Técnico de Pesquisa do Ipea. Coordenador do Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.

** Bolsista PNPD. Doutor em Ciências Sociais pelo CEPPAC/UnB.

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Estas questões recolocam – necessariamente – o tema do Estado no cen-tro da discussão sobre os rumos do desenvolvimento, em sua dupla perspectiva, global–nacional. Por mais que as economias nacionais estejam internacionaliza-das do ponto de vista tanto das possibilidades de valorização dos capitais indivi-duais como do crescimento nacional ou regional agregado, parece evidente, hoje em dia, que ainda restam dimensões consideráveis da vida social sob custódia das políticas nacionais, o que afi ança a ideia de que os Estados Nacionais são ainda os principais responsáveis pela regulação da vida social, econômica e política em seus espaços fronteiriços. O tempo das crenças ingênuas em favor das teses ligadas à irrelevância dos Estados Nacionais parece estar chegando ao fi m.

A respeito disso, é interessante observar, neste livro, que, embora cada capí-tulo se dirija a um assunto particular e tenha sido trabalhado segundo o posicio-namento político e acadêmico de cada autor, duas grandes questões podem ser consideradas os fi os unifi cadores dos dez capítulos que o compõem.

Em primeiro lugar, há uma ampla utilização da história – mundial e brasilei-ra – como recurso analítico e metodológico. Em segundo, transparece em pratica-mente todos os capítulos a visão de que o Estado é parte constituinte (em outras palavras: não exógeno) do sistema social e econômico das nações, sendo – em contextos históricos tais quais o do Brasil – particularmente decisivo na formulação e condução de estratégias virtuosas de desenvolvimento.

Da história como método de análise, fi ca claro que o desenvolvimento com-preende inúmeras e complexas dimensões, todas elas socialmente determinadas, portanto mutáveis com o tempo, os costumes e as necessidades dos povos e regi-ões do planeta. Ademais, o desenvolvimento de que aqui se fala tampouco é fruto de mecanismos automáticos ou determinísticos, de modo que, na ausência de indução minimamente coordenada e planejada (e reconhecidamente não totali-zante), muito difi cilmente um país conseguirá combinar – satisfatória e simulta-neamente – aquelas inúmeras e complexas dimensões do desenvolvimento. Mas que dimensões são estas?

Ao longo do processo de planejamento estratégico em curso no Ipea, iden-tifi caram-se sete grandes dimensões ou eixos estruturantes para o desenvolvimen-to brasileiro, quais sejam: i) inserção internacional soberana; ii) macroeconomia para o pleno emprego; iii) infraestrutura econômica, social e urbana; iv) estrutura tecnoprodutiva avançada e regionalmente articulada; v) sustentabilidade ambien-tal; vi) proteção social, direitos e oportunidades; e vii) fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia.

Embora não esgotem o conjunto de atributos desejáveis de um ideal amplo de desenvolvimento para o país, estas dimensões certamente cobrem uma parte bastante grande do que seria necessário para se garantirem níveis simultâneos

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e satisfatórios de soberania externa, inclusão social pelo trabalho qualifi cado e qualifi cante, produtividade sistêmica elevada e regionalmente bem distribuída, sustentabilidade ambiental e humana, equidade social e democracia civil e políti-ca ampla e qualifi cada. São atributos hoje considerados mínimos para a garantia de condições de vida e reprodução social justas e equilibradas.

Mas somente se esta vontade for coletivamente organizada é que terá algu-ma chance de sucesso. Daí a importância estratégica do Estado para induzir ou catalisar esta vontade em nível nacional. Não há por que esperar que algo deste tipo e desta dimensão seja obtido por obra das circunstâncias. É bastante impro-vável que o simples realizar-se de vidas atomizadas consiga produzir, em nível coletivo, os atributos mencionados de forma simultânea e satisfatória para a ga-rantia de condições de vida e de reprodução social justas e equilibradas.

Por outro lado, o Estado pode muito, mas não pode tudo. Ele não é – como muitas vezes se supôs em teorias do Estado – um ente externo e coercitivo aos movimentos da sociedade e da economia, dotado de racionalidade única, ins-trumentos sufi cientes e capacidade plena de operação. É, sim, parte integrante e constituinte da própria sociedade e da economia, que precisa se relacionar com outros agentes nacionais e internacionais para construir ambientes favoráveis à implementação de suas ações.

Nesse sentido, os artigos aqui reproduzidos, escritos por intelectuais bra-sileiros com amplo conhecimento e experiência na cena pública nacional e internacional, visam levantar questões e apontar perspectivas que permitam pro-porcionar as condições necessárias para a retomada do debate sobre os rumos do desenvolvimento e do papel que o Estado deve e pode ocupar, tanto como indu-tor do desenvolvimento quanto como promotor das políticas de distribuição dos fl uxos e estoques da riqueza.

No primeiro capítulo, o texto de Rubens Ricupero reconstrói a história do difícil equilíbrio entre a autonomia dos Estados Nacionais e as crescentes pres-crições de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD), a Organização Mundial de Comércio (OMC). Ressaltando sua experiência enquanto negociador internacional e como Secretário Geral da Con-ferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o autor enfatiza a necessidade da criação das condições de existência de um espaço para políticas nacionais.

Mesmo admitindo que o conceito de soberania nacional seja extremamente problemático no cenário da economia globalizada, no qual as ações econômicas e políticas geram cadeias de consequências signifi cativas sobre os Estados (inten-cionalmente ou não), o autor afi rma que o bom desempenho das políticas eco-

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nômicas depende da manutenção da capacidade de ação discricionária por parte dos governos nacionais. Ricupero termina sua refl exão acentuando ser de grande importância as instituições fi nanceiras internacionais deixarem margem de auto-nomia sufi ciente para que os países revejam seus projetos e aspirações de acordo com as variáveis culturais e os contextos políticos internos e específi cos de cada um.

No segundo capítulo, João Paulo de Almeida Magalhães analisa a situação do emprego no Brasil. Colocando em perspectiva as políticas de desenvolvimento dos últimos cinquenta anos, o autor chama atenção para a necessidade de um planejamento de longo prazo. Conforme argumenta, somente por meio da ela-boração e da implementação de estratégias de desenvolvimento que integrem as demandas do presente e as do futuro poderemos superar a incômoda dependência da exportação de commodities e aproveitar de forma efi ciente os investimentos, assim como as potencialidades dos mercados interno e externo para a geração não apenas de um maior número empregos, mas também de empregos qualifi cados.

De autoria de Carlos Lessa, o terceiro capítulo faz um extenso e profundo levantamento das condições da infraestrutura do transporte e das matrizes ener-géticas do país – dois dos principais pré-requisitos para uma política consistente e duradoura de desenvolvimento. A principal qualidade de seu artigo é que, ao mesmo tempo em que faz o diagnóstico a partir dos dados mais recentes sobre o tema, além de um importante balanço da situação recente do país, o autor pro-porciona também uma refl exão de especial interesse sobre as escolhas e os desdo-bramentos das políticas econômicas do passado para a confi guração e o desenho da infraestrutura que o país dispõe no presente. Com base nisso, o leitor pode avaliar com mais propriedade a importância e a necessidade da adoção de um pro-jeto de desenvolvimento baseado num planejamento estratégico e de longo prazo.

O quarto e o quinto capítulos apresentam como temática a complicada relação entre o desenvolvimento econômico e a questão ambiental. No quarto capítulo, João Paulo dos Reis Velloso enfoca as enormes oportunidades de apro-veitamento econômico abertas pela biodiversidade dos vários biomas presentes no território nacional. O autor sugere que o investimento em biotecnologia – tanto a pesquisa em biocombustíveis como em medicamentos inteligentes – poderia garantir uma posição vantajosa para o país num cenário internacional com cres-cente demanda por políticas de desenvolvimento ambientalmente responsáveis e tecnologicamente inovadoras.

Dércio Garcia Munhoz, por sua vez, no quinto capítulo, proporciona uma radiografi a minuciosa da situação ambiental do país nas últimas duas décadas. A partir de uma análise consistente dos dados disponíveis, o autor verifi ca que a crescente e desordenada ocupação territorial em áreas sensíveis do ponto de vista ambiental tem sido acompanhada – como causa e consequência – da fragilidade

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13Introdução

institucional do Estado brasileiro na gestão dos confl itos de interesse em relação ao meio ambiente. Conclui, contudo, que os maiores obstáculos ao desenvol-vimento no Brasil são de ordem não-natural, e que se encontram traduzidos, segundo sugere, numa política macroeconômica pouco favorável ao crescimento econômico, fato que repercute de maneira extremamente negativa nas formas de apropriação do meio ambiente.

O dois capítulos subsequentes tratam do tema da geração de oportunidades. No sexto capítulo, Roberto Cavalcanti de Albuquerque privilegia em sua análise o modo como a inter-relação entre a construção do ambiente democrático, do cres-cimento econômico e da rede de proteção social colabora para o avanço do de-senvolvimento social. Com base numa sólida análise de dados, o autor ressalta a importância da conexão entre estes três eixos para a geração de oportunidades que consigam romper com o ciclo da reprodução da desigualdade e da pobreza no país.

No sétimo capítulo, Pedro Demo destaca o papel fundamental da educação no que se refere à geração de oportunidades. Para o autor, a educação, especial-mente entre os mais pobres, é não apenas um dos meios mais consistentes de acesso a postos de trabalho mais bem remunerados, mas é também um instru-mento que permite aos indivíduos criarem suas próprias oportunidades, negando dessa forma a permanência na pobreza e/ou a indesejável dependência das redes de assistência social. Porém, segundo o autor, estamos ainda longe de um nível de qualidade educacional que permita à maior parte da população alcançar este patamar de autonomia. Em suas próprias palavras, o sistema educacional brasilei-ro refl ete nosso próprio atraso, além de preparar seus usuários para se encaixarem nesta mesma estrutura de atraso. Com baseado nesse entendimento, enfatiza a necessidade urgente de adequação dos projetos educacionais às necessidades do século XXI, não apenas em relação às crescentes transformações do mercado, mas também à formação cidadã e humana. Sob esse aspecto, Demo defende especial-mente a importância de que sejam contempladas as chamadas “novas alfabetiza-ções”, que incluem tanto a capacidade de lidar com as linguagens da tecnologia e da inovação, como também com a capacidade de desenvolver o senso crítico.

O último bloco de textos compartilha a temática comum das relações entre o Estado, as instituições e a democracia. Wanderley Guilherme dos Santos, no oitavo capítulo, avalia tais relações enfocando suas consequências para o desen-volvimento nacional. A partir de uma síntese erudita e sofi sticada da instituciona-lidade do Estado brasileiro ao longo do período republicano, o autor aponta para as difi culdades da institucionalização política e da inclusão democrática das clas-ses e dos grupos de interesse formados pela dinâmica econômica do século XX.

Santos ainda chama atenção para o caráter conjuntural das políticas de de-senvolvimento, fato que, ao longo do século passado, reverteu numa distribuição

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desigual da riqueza nacional, tanto entre os diferentes grupos sociais como entre as diversas regiões do país – apesar de esforços, como foi o caso da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e outras instituições similares. Por fi m, o autor conclui sugerindo que o aumento da efi ciência do Estado brasileiro (de sua maior capacidade de ação e de efetividade) e de sua institucionalidade democrática depende de investimentos massivos em pessoal, instalações e equipamentos.

No nono capítulo, Cândido Mendes busca analisar a dinâmica das institui-ções brasileiras diante do modelo de exercício do poder, isto é, das missões e res-ponsabilidades atribuídas ao Estado a partir da Constituição Federal de 1988. Le-vando em conta que cabem a este ente as atividades de normatização, fi scalização, subsídio e planifi cação, o autor procede a uma sugestiva avaliação e prospecção da capilaridade e da institucionalidade da democracia brasileira, e de sua capacidade de prestar contas e acomodar as reações da sociedade civil. Para ele, tais preocu-pações são relevantes porque podem servir como indicativo da capacidade do aparato estatal e das instituições para promoverem um crescente desenvolvimento e diferenciação social, avançando em sua missão democratizante.

No capítulo seguinte, Raphael de Almeida Magalhães faz uma refl exão sobre o papel do Estado nas políticas de desenvolvimento. Em seu ensaio, o autor in-veste, em especial, contra o argumento do núcleo duro da retórica neoliberal; isto é, aquele que tenta retirar a discussão sobre o desenvolvimento da esfera política e confi ná-la a um debate meramente técnico. Assim como ocorre em outros artigos desta coletânea, Magalhães também recorre uma refl exão sobre a história do país nos últimos 80 anos para contextualizar os sucessivos e diferenciados momentos da luta ideológica sobre o caráter e o papel do Estado no campo da economia. Isso lhe permite evidenciar as raízes da hostilidade antiestatal construída entre fi ns dos anos 1970 e início dos anos 1980, mostrando como e por que o Estado passa a ser considerado “o grande problema” a ser resolvido, até as transformações ocor-ridas mais recentemente, quando se passa a reconsiderar seu papel como agente indutor do desenvolvimento – reconsideração esta que, segundo o autor, ganha novos contornos com a atual crise econômica e a revisão dos dogmas neoliberais. Magalhães conclui, então, pela defesa do retorno da discussão sobre o desenvolvi-mento à esfera propriamente política, e argumenta a favor de um papel mais ativo por parte do Estado no planejamento dos rumos do processo.

Para fi nalizar, esperamos que os artigos aqui reunidos possam contribuir po-sitivamente para inspirar e orientar novas formas de pensar o desenvolvimento e as alternativas de que o país dispõe para se reconstruir neste momento. A refl exão sobre a experiência pública e a profundidade da refl exão histórica apresentadas nos textos indicam que as perspectivas para o futuro permanecem abertas.

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CAPÍTULO 1

INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRARubens Ricupero

1 INTRODUÇÃO

O título do capítulo refere-se a conceito que, na literatura internacional es-pecializada em desenvolvimento, é mais conhecido pelas expressões inglesas policy flexibility (flexibilidade de políticas) ou, mais recentemente, por national policy space (espaço para políticas nacionais).

A preferência por essas últimas denominações não se deve apenas a uma questão de padronização internacional, a fi m de facilitar a compreensão num contexto mais amplo do que o brasileiro. Há duas vantagens adicionais em adotar a nomenclatura consagrada mundialmente.

A primeira é sua maior neutralidade semântica. O nome mais habitual, no Brasil, arrasta uma carga polêmica considerável, herança das controvérsias provo-cadas pelo Consenso de Washington e pela visão neoliberal do desenvolvimento, se é que se pode afi rmar que o neoliberalismo possui uma teoria autônoma e espe-cífi ca sobre o desenvolvimento econômico. Encerra, ademais, outra difi culdade, decorrente do caráter problemático da noção de soberania e das discussões que costuma desencadear.

A segunda vantagem é a clareza e a simplicidade das denominações interna-cionais, que já desvelam nas palavras “fl exibilidade” e “espaço para políticas” o con-teúdo substancial e programático do conceito. Reduzida ao essencial, a defi nição de “inserção soberana” reduz-se à ideia de que os países devem desfrutar de espaço sufi ciente para adotar, com a fl exibilidade necessária, as políticas e estratégias de desenvolvimento mais adequadas a seus objetivos políticos, econômicos e sociocul-turais, levando em conta as especifi cidades derivadas de suas situações concretas.

Entendido dessa forma, o conceito pareceria, à primeira vista, impor-se pela própria evidência e conveniência. Não é assim, entretanto, pois o fundamento da fl exibilidade e do espaço nacional reside na autonomia, na convicção de existir a possibilidade de escolher entre várias alternativas de políticas possíveis, e na cren-ça complementar de que é desejável exercer esta liberdade de escolha.

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Ora, tais premissas são hoje negadas por um poderoso movimento doutri-nário e político encarnado nos governos e nas organizações internacionais que refl etem o pensamento dos países industrializados, de suas universidades e en-tidades de pesquisa e ensino. Em graus diversos, é essa atitude a que permeia as análises e os receituários de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD), a Organização Mundial de Comércio (OMC), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), bancos regionais, jornais e revistas de países avançados. Sua encarnação mais recente e notória foi, nos anos 1980 e 1990, a lista de prescrições conhecida como Con-senso de Washington.

A aplicação, na prática, desse gênero de prescrições tem-se dado, de modo impositivo, sob a forma das condicionalidades impostas pelo Fundo Monetário Internacional aos países necessitados de seus empréstimos, com o concurso ancilar do Banco Mundial. Em condições um pouco mais consensuais, tem-se recorrido a negociações de acordos multilaterais, regionais ou bilaterais, de natureza fi nan-ceira, de investimentos ou comercial, visando restringir o que, na linguagem dos organismos multilaterais é, frequentemente, denominado de “discricionalidade” dos governos, isto é, sua capacidade de escolher entre políticas diversas.

Por trás desse comportamento, escondem-se teorizações do processo de de-senvolvimento econômico ou do fenômeno histórico da globalização que tendem a exagerar a perda de autonomia dos governos nacionais como fato inevitável e irreversível, em decorrência da integração e interdependência sem precedentes da economia mundial.

Sem negar a parcela de verdade contida nessas visões reducionistas, no pre-sente capítulo verifi car-se-á um esforço em apresentar um balanço mais matiza-do e equilibrado das tendências atuais, demonstrando que estas de modo algum eliminam para os Estados nacionais margem de ação razoável e sufi ciente para a adoção de políticas próprias.

Para tanto, passar-se-á em revista a evolução das percepções internacionais acerca do processo de desenvolvimento ao longo das últimas décadas, valorizan-do a contribuição independente das pesquisas e dos estudos empreendidos pelas agências das Nações Unidas, em particular pelas comissões regionais, destacando-se a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), na América Latina, e, sobretudo, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desen-volvimento (UNCTAD).

Tendo exercido por nove anos, entre 1995 e 2004, as funções de Secretário Geral da UNCTAD, tive o privilégio de participar pessoalmente do debate de ideias sobre o desenvolvimento, na fase em que era mais avassalador o impacto de con-cepção da globalização, que teve seu apogeu na década de 1990. Pude, desse modo,

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acompanhar e me benefi ciar da qualidade das análises de alguns dos mais brilhantes e íntegros pensadores econômicos da Organização das Nações Unidas (ONU), reu-nidos na Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da UNCTAD.

Por muitos anos sob a direção do macroeconomista Yilmar Akiuz, essa equipe foi responsável pela notável série de relatórios anuais sob o título Trade and Develo-pment Report ou TDR. O Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento constitui fonte e referência obrigatórias dos estudos para a compreensão da complexidade do processo de desenvolvimento, em perspectiva independente e intelectualmente rigorosa, mas a partir de um ponto de vista próximo da realidade dos países em desenvolvimento, conforme queria o fundador da UNCTAD, Raul Prebisch. É a síntese produzida pelas pesquisas da UNCTAD e aperfeiçoada nos debates com os países-membros da organização que tenciono apresentar neste capítulo.

Pretendo também submeter a uma apreciação crítica algumas interpreta-ções, a meu ver, excessivas e deformantes da globalização, e de suas implicações para a capacidade de ação dos Estados Nacionais. Na parte fi nal, tentarei descre-ver como se apresenta a problemática no caso específi co do Brasil, inclusive nos seus antecedentes históricos mais relevantes para o tema.

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA RECENTE NA MARGEM DE AÇÃO DISCRICIONÁRIA DO ESTADO

O grau maior ou menor de ação discricionária que se considera conveniente ou tolerável de parte dos governos tem oscilado continuamente ao longo dos últimos 80 anos, espelhando de perto os ciclos de expansão ou de contração da economia mundial. Quase sempre as fases de crise grave da economia internacional coinci-dem com fortes aumentos do intervencionismo estatal, em socorro de mercados fragilizados. Em sentido oposto, nos momentos em que se registram crescimento econômico e estabilidade de preços em períodos prolongados, volta a afi rmar-se a crença numa suposta autossufi ciência dos mercados e na sua capacidade autorre-gulatória. Tende-se, então, a esquecer a extraordinária dependência dos mercados em relação ao marco regulatório dos Estados e à ação salvadora de seus bancos centrais e ministérios da Economia.

A própria elaboração teórica, apesar de sua pretensão à objetividade cientí-fi ca, não consegue se descolar do tempo histórico. Não é, assim, por acaso, que os anos depressivos e de explosão do desemprego de massa no período de entre-guerras tenham oferecido um clima histórico receptivo às ideias de John Maynard Keynes acerca da importância da ação do governo sobre o nível de demanda agregada da economia. Foi necessário, contudo, esperar até a chegada ao poder de Ronald Reagan e Margareth Thatcher para que a visão oposta de Friedrich Von Hayek inspirasse a contraofensiva liberal, embora The Road to Serfdom houvesse sido publicado em 1942.

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Não deve surpreender, portanto, que a Grande Depressão da década de 1930 levasse não apenas à vitória eleitoral de Franklin Delano Roosevelt, em 1932, mas assegurasse a manutenção da política do New Deal até bem depois do fi m da Segunda Guerra Mundial. Para grandes males, remédios heróicos. A política de Roosevelt marca um dos níveis mais elevados e duradouros do intervencionismo maciço do governo na vida e na sociedade dos Estados Unidos.

Nesses anos, é difícil encontrar algum setor da vida social norte-americana que não tivesse sido objeto de algum grandioso programa governamental. A en-vergadura e o volume impressionantes das iniciativas do governo de Washington provocariam inveja a qualquer país socialista. Elas abarcaram o maior esforço da história para a construção da infraestrutura de estradas interestaduais e usi-nas hidrelétricas. Tiveram aspectos pioneiros, como a criação da Tennessee Valley Authority, a agência encarregada de recuperar uma das zonas mais deprimidas do país. Tentou-se amenizar a catástrofe do desemprego por meio de gigantescos projetos de obras e trabalhos públicos. Multiplicaram-se as iniciativas de lei e de política fi scal para socorrer o sistema bancário, garantir depósitos, aliviar a agricultura. Chegou-se até a incluir encomendas ofi ciais a pintores, fotógrafos, artistas em geral, aos quais ainda deve-se o registro inesquecível do sofrimento e da coragem da época.

Já habituado ao espetáculo do ativismo governamental, o povo norte-ameri-cano teve uma transição suave para o intervencionismo ainda mais totalizador da Segunda Guerra Mundial. Não estranhou, por conseguinte, que se socorressem a Europa e o Japão, destroçados, com o Plano Marshall, uma espécie de New Deal em escala internacional, que canalizou para estas combalidas economias volumo-sos recursos públicos, cuja aplicação foi dirigida e implementada pelos governos e pela agência que se transformou na OCDE.

Esse mesmo intervencionismo continuou a caracterizar, com estilos e in-tensidades distintos, as políticas industriais, fi nanceiras e comerciais dos países europeus e do Japão no imediato pós-guerra. Boa parte da reindustrialização foi levada a efeito por entidades estatais ou contou com a parceria estreita e ativista dos governos no fi nanciamento e na orientação. O chamado “modelo renano” da Alemanha, baseado na colaboração do tripé indústria-sindicatos-governo, e as políticas de pleno emprego dos governos trabalhistas na Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia foram modalidades diversas de fenômeno, no fundo, idênti-co: a ação onipresente, multiforme e enérgica do Estado para agir sobre a esfera econômico-social.

Não custa lembrar que o ativismo da época foi acompanhado pela mais es-petacular e sustentada fase de expansão das economias ocidentais, que cresceram a elevadas taxas reais, com estabilidade de preços e pleno emprego durante os trinta

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“anos gloriosos”, como vieram a ser conhecidos na memória nostálgica dos fran-ceses, antes dos choques de 1970, da estagfl ação e do aparecimento duradouro do desemprego estrutural.

Na América Latina, o ativismo imediato e ágil dos governos foi ainda mais marcante, tendo como resultado uma recuperação muito mais rápida. Durante os anos da Grande Depressão, a maioria dos países não perdeu tempo em desvalori-zar as respectivas moedas e injetar enorme quantidade de liquidez na economia. Entre 1930 e 1936, a oferta monetária cresceu no Brasil em 45%; no Chile, em 70%; e, em 99%, no Peru! Expandiu-se fortemente a demanda doméstica, ao mesmo tempo em que a difi culdade de importar manufaturados, acentuada agudamente pela Segunda Guerra Mundial, obrigou a uma vigorosa expansão das indústrias nacionais, com a substituição dos produtos anteriormente importados.

De 1932 a 1939, a produção industrial cresceu a taxas superiores a 7% por ano na Argentina, no Brasil e no Chile, e em 12% na Colômbia e no México. O crescimento do emprego industrial no Brasil, depois de 1932, foi de mais de 10% ao ano. Em vivo contraste com a prostração registrada naqueles anos nos Estados Unidos e na Europa, várias economias latino-americanas se expandiram a mais de 4% anuais na fase de 1932 a 1939, destacando-se o Chile (6,5%), Cuba (7,2%) e o México (6,2%), de acordo com os dados de Bulmer-Thomas (1994).

Uma sugestiva ilustração da estreita correspondência existente entre as mu-danças ocorridas na conjuntura mundial e o pensamento econômico em elabora-ção se encontra nos escritos de Raul Prebisch, que exerceu, na época, o cargo de presidente do Banco Central da Argentina. Ele lembra, em famoso depoimento pessoal sobre as etapas de sua evolução intelectual, que, educado na teoria neo-clássica, tentou, no início, seguir escrupulosamente o receituário que havia apren-dido na universidade. Foi apenas ao constatar persistentemente a falta de efeito das receitas neoclássicas, na conjuntura da depressão mundial, que se viu forçado, a contragosto, a mudar sua visão teórica da economia.

Foi, assim, a realidade, e não a teoria abstrata, que ditou a evolução do pen-samento e da prática dominantes na política econômica desses anos e dos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. A industrialização orientada para dentro, forçada aos países pela circunstância de escassez de divisas e, durante o confl ito, pela falta de produtos disponíveis para importar, passou a ser formalizada como política explícita de industrialização para a substituição de importações. Ela foi acompanhada pela adoção de políticas de proteção comercial, do fornecimento pelo Estado de fi nanciamentos e de subsídios, e pela criação de empresas estatais, das quais um símbolo histórico, no Brasil, foi a siderúrgica de Volta Redonda, implantada por Getúlio Vargas, aproveitando a aliança com o governo norte-americano e sinalizando o início da indústria pesada no país.

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Nessa época, a imensa maioria dos economistas interessados em desenvol-vimento acreditava que a acumulação de capital constituía o processo crucialdo qual dependiam, para serem viabilizados, todos os demais aspectos do crescimento e da transformação econômica. Reconhecia-se, sem difi culda-de, a importância da capacidade empresarial, como se viu no Brasil de então, com a liderança no setor industrial de fi guras como as de Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi. Da mesma forma, valorizava-se a necessidade de avanço tecno-lógico e do treinamento vocacional, exemplifi cado na criação do Serviço Na-cional de Aprendizagem Industrial (Senai) e de outros serviços de aprendizado. Ao mesmo tempo, julgava-se indispensável que o “Estado desenvolvimentista” oferecesse a liderança do processo todo.

Adiantando um pouco a análise histórica, vale assinalar que as futuras po-líticas de ajustamento estrutural do FMI e do Banco Mundial, após a crise do setor externo dos anos 1980, assim como o Consenso de Washington, iriam re-presentar uma radical mudança na abordagem do desenvolvimento. Tal alteração deu-se, sobretudo, pelo forçado abandono do foco anterior na acumulação de capital. O esforço de desenvolvimento concentrou-se, quase de modo exclusivo, numa excessiva dependência em relação ao potencial das forças de mercado como forma de melhorar a efi ciência na alocação dos fatores produtivos. Não terá sido por mera coincidência que, em resultado, a parcela do investimento no Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina tivesse caído da média de 25%, na década de 1970, para 18% ou menos, no início dos anos 1990.

Mas isso ainda teria de vir no futuro, à medida que a crise da dívida dos anos 1980 fragilizasse os governos latino-americanos, reduzindo sua capacidade de adotar políticas autônomas e de resistir a imposições de organismos internacionais.

Voltando à recapitulação do sucedido no imediato pós-guerra, merece destaque o papel que teve Prebisch, cuja evolução intelectual e atuação pública passaram por processo contínuo do que se poderia chamar uma progressiva “glo-balização”. Isto é, partindo de uma refl exão brotada de sua direta experiência com os problemas do país natal, a Argentina, ele iria gradualmente expandir o hori-zonte de pensamento e de infl uência, primeiro, ao âmbito mais amplo da Amé-rica Latina e do Caribe. Ele não tardaria em se dar conta de que as soluções que aventava para o desafi o global do subdesenvolvimento extrapolavam os limites de um continente e da agência dele encarregada, a Cepal. Foi esta convicção que o levou ao esforço que culminaria na fundação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Por sua vez, no decênio de 1950, um relatório sobre a economia argentina elaborado sob sua supervisão recomendava uma estratégia orientada para fora, com vistas ao melhor equilíbrio entre agricultura e indústria. Simultaneamente, o foco

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desta última seria deslocado, do mercado doméstico para o internacional, a fi m de conquistar economias de escala mais dinâmicas. Este seria basicamente o modelo que Raul Prebisch transplantaria para o conjunto dos países da América Latina. O exame da economia do continente, empreendido com espírito crítico em rela-ção às doutrinas então determinantes, levou a uma verdadeira revolução na forma de encarar o fenômeno do subdesenvolvimento. Este começou a ser percebidonão mais como mero estágio de retardamento num processo linear de convergên-cia com as economias avançadas, mas como expressão de diferenças estruturais, agravadas pela carregada assimetria do sistema econômico. Um dos componentes da armadilha na qual se transformara o subdesenvolvimento era a secular deterio-ração dos termos de intercâmbio entre produtos primários e industrializados.

A visão convencional predominante no fi nal da Segunda Guerra e refl etida no Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT) inspirava-se no conceito clás-sico de que o livre jogo das forças econômicas tende, por si mesmo, à expansão ótima do comércio e à mais efi ciente utilização dos recursos produtivos mun-diais. A presunção de uma virtual igualdade das condições iniciais que deveriam conduzir à convergência e aos interesses comerciais comuns foi, entretanto, cedo contestada por economistas como Ragnar Nurkse, que, em Patterns of Trade and Development, de 1959 (p. 43), observava:

Num mundo no qual (excluída a área soviética) mais de nove décimos da atividade manufatureira e quatro quintos da atividade produtiva total estão con-centrados nos países industriais avançados, as ideias de simetria, reciprocidade e mútua dependência associadas com a tradicional teoria do comércio internacio-nal são de duvidosa relevância para as relações comerciais entre centro e periferia.

Uma das contribuições de Prebisch foi vincular o modelo de desenvolvi-mento estruturalista ao problema das perspectivas de utilizar o comércio como alavanca do crescimento. Para tanto, insistiu em que uma estratégia de cres-cimento baseada na industrialização teria de acomodar, para os países em de-senvolvimento, um elemento de integração assimétrica na economia mundial. No Relatório à I UNCTAD, em 1964, intitulado Towards a New Trade Policy for Development (PREBISCH, 1964), o fundador da organização demonstrava que o livre jogo das forças econômicas não levaria à utilização mais desejável dos recursos produtivos, em razão dos obstáculos estruturais ao crescimento em nível interno e internacional. Fixou também, como meta mínima para o desenvolvi-mento, um crescimento médio anual de 5 %.

Como alternativa tanto ao modelo puro de substituição de importações, da fase de entre as duas guerras, quanto ao modelo de abertura do GATT, reco-mendava que os países subdesenvolvidos adotassem um sistema orientado para fora. Sua base deveria ser uma forte formação de capital e dinâmica expansão de

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exportações tradicionais e não tradicionais. Uma ideia central do desenho pro-posto era a de que os países em desenvolvimento deveriam desfrutar de sufi ciente espaço para acelerar a formação de capital, diversifi car suas estruturas produtivas e dar ao crescimento um sentido distributivo de equidade.

Com toda a justiça, seria possível chamar essa proposta de “modelo de in-serção internacional soberana”. Foi o paradigma de desenvolvimento que pre-dominou até o fi m dos anos 1970, na maioria dos países em desenvolvimento, ao menos como meta ideal desejada e raramente atingida na sua plenitude em termos de obediência aos requisitos necessários. Na América Latina, na África e no Oriente Médio, por exemplo, quase sempre o modelo careceu do mínimo de condições macroeconômicas exigidas: estabilidade de preços, prudência fi s-cal, ausência de desequilíbrios de relevo. Faltou, igualmente, na maior parte dos casos, a capacidade de limitar os incentivos e as proteções domésticas, dosando a proteção e reduzindo-a gradualmente à medida que os setores adquiriam com-petitividade internacional.

Não obstante as numerosas e graves imperfeições na aplicação prática do receituário, ainda assim foi capaz de ajudar a gerar a mais alta e sustentada taxa de crescimento dos períodos de expansão das economias latino-americanas, que cres-ceram, nas décadas de 1950 e 1960, a uma média entre 5% e 6% ao ano, algumas alcançando picos mais expressivos. No exemplo brasileiro, a economia conseguiu crescer, durante os cinquenta anos entre 1930 e 1980, a uma taxa média anual de 6,5%, com o índice do PIB per capita se expandindo a 3,7%, coincidente com a era de maior explosão demográfi ca da população, um dos mais elevados crescimentos de longo prazo registrados na história econômica de qualquer país.

Uma das ironias do paradigma é que, tendo sido originalmente criado na América Latina, o único dos grandes continentes em desenvolvimento que, no imediato pós-guerra, gozava de independência política há pelo menos um sé-culo, acabou encontrando nos países do Extremo Oriente sua terra de eleição. Os asiáticos, que nos anos 1950 cresciam menos do que os latino-americanos, obedeceram com muito maior persistência e disciplina aos requisitos de manter um ambiente macroeconômico saudável e estimulante e logo ultrapassaram os inventores do modelo. Foram também muito mais rigorosos na exigência de que os setores protegidos se emancipassem e adquirissem capacidade de andar pelas próprias pernas.

Graças a isso, foram os asiáticos capazes de resistir às pressões para o aban-dono do modelo em favor das fórmulas de abertura e liberalização imediatas, im-postas pelos organismos internacionais aos obrigados a recorrer ao socorro destas entidades. É o que explica não só o desempenho consistentemente mais brilhante dos orientais – Coreia do Sul, Cingapura, Malásia, Tailândia – quanto a perma-

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nência até hoje do modelo, em seus traços essenciais, como paradigma que conti-nua a orientar, nos dias que correm, a China e a Índia em sua espetacular ascensão.

3 PRESSÕES PARA O ESTREITAMENTO DA MARGEM DE MANOBRA DOS ESTADOS

Não cabe aqui descrever o que foi a grave crise das economias norte-americana e mundial nos anos 1970, o efeito dos choques do petróleo, a aceleração infl a-cionária acarretada pela Guerra do Vietnã, a estagfl ação decorrente e o violento remédio defl acionário empregado pelo Federal Reserve após 1978. Esta sucessão de eventos preparou o cenário para a chegada ao poder de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e a contraofensiva liberal que dominou, desde então, o debate e o processo decisório em matéria econômica.

Convém reter, dos episódios dessa fase, o colapso, no início dos anos 1970, do sistema de Bretton Woods, seguido pelo abandono dos controles de capital, e a entusiástica promoção da mais completa desregulamentação fi nanceira, a princí-pio nas economias maduras, mas logo propagada ao resto do mundo. A abolição dos controles possibilitou enorme aumento de empréstimos e fl uxos fi nancei-ros aos países em desenvolvimento, em boa parte fi nanciados pelos petrodólares, acumulados em razão dos dois choques dos preços do petróleo bruto. O endivi-damento a taxas de juros variáveis criou as condições fatídicas para a destrutiva crise da dívida que se abateria sobre esses países no momento em que a dramática explosão dos juros, orquestrada pelo Federa Reserve, inviabilizou a continuação do serviço da dívida por governo após governo.

Em 1982, o FMI assumiu o papel de liderança no manejo da crise da dívida externa, assistindo-se ao aumento de programas de ajuste apoiados pelo fundo de uma média anual de 10, durante a década de 1970, para 19, em 1980, e 33, em 1985 (UNCTAD, 2006a, p. 43). Os pacotes de estabilização do Fundo Mone-tário incluíam, como era habitual, certos ingredientes obrigatórios: redução do gasto público, políticas monetárias restritivas e ajuste da taxa de câmbio. Além disso, estes programas começaram a incorporar, de forma crescente, condições estruturais (as condicionalidades), tais como a abolição de medidas de proteção e a drástica liberalização das importações, a privatização de empresas públicas, e a desregulamentação da economia doméstica.

A estratégia embutida nos programas de reforma estrutural visava fortalecer a posição fi nanceira do setor público e reduzir a interferência governamental na alocação de recursos. Não dava resposta, contudo, ao desafi o de aumentar a capa-cidade produtiva indispensável a um crescimento puxado pelas exportações, que teria requerido uma melhor combinação de políticas monetárias e fi scais.

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Esquecia também que, embora políticas internas imprudentes houvessem contribuído para aumentar a vulnerabilidade de diversos países aos choques externos, a crise da dívida em si mesma tinha sido desencadeada por fatores globais, entre os quais avulta a política defl acionária norte-americana. Não obs-tante, adotou-se abordagem caso a caso, inspirada na crença de que as falhas e os erros de cada governo em particular tinham sido a causa única do problema, e de que a disciplina do mercado evitaria a repetição de tais falhas no futuro.

Em consequência desse enfoque na microadministração da crise, com abs-tração do contexto externo, registrou-se proliferação descomunal no número e na variedade das condicionalidades, que passaram a cobrir áreas vastíssimas da jurisdição dos Estados. Elas se estenderam rapidamente da política comercial e fi nanceira às empresas estatais (privatização) e até mesmo às instituições do mer-cado de trabalho. No fi m de 1990, havia, em média, mais de cinquenta condições estruturais de política para cada programa do Extended Fund Facility, e entre nove e quinze para os programas stand-by.

O TDR de 2006, do qual foi recolhida esta análise, assinala que, de acordo com uma defi nição estrita de condicionalidades, no fi m dos anos 1990, o número de condições associadas aos empréstimos das instituições de Bretton Woods variava entre quinze e trinta, para a África abaixo do Saara, e entre nove e 43 para outras regiões. Se as condicionalidades forem defi nidas de modo mais amplo, o número salta exponencialmente para entre 74 e 165, na região da África mencionada, e entre 65 e 130 para as demais!

Em 1989, uma espécie de codifi cação dessas políticas foi empreendida sob o nome de Consenso de Washington pelo economista John Williamson, primei-ramente destinado à América Latina e, mais tarde, estendido a todo o mundo em desenvolvimento. Segundo Williamson, a Washington a que se refere o Consenso era “tanto a Washington política do Congresso e membros de alta hierarquia do governo (norte-americano) como a Washington tecnocrática das instituições fi -nanceiras internacionais, as agências econômicas do governo dos EUA, do Federal Reserve e dos think tanks”. Sem pôr em dúvida a boa-fé e a integridade destes fun-cionários, é permitido imaginar que não terá prejudicado a carreira de nenhum tecnocrata internacional a coincidência de seu pensamento com as posições e os interesses do governo norte-americano.

O Consenso de Washington constituiu um afastamento radical em relação ao pensamento e à prática que haviam dominado, nas décadas precedentes, a estratégia de desenvolvimento. As abordagens anteriores advogavam papel central para um forte setor público na liderança estratégica do desenvolvimento. Tais abordagens eram teoricamente justifi cadas pelas falhas de mercado e sua inerente instabilidade, conforme se tinha visto durante a Grande Depressão.

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Em reação, os expoentes do novo paradigma dominante passaram a culpar as estratégias centradas no Estado como responsáveis pelas distorções de mercado conducentes a uma alocação subótima dos recursos e ao desempenho mais fraco das economias subdesenvolvidas. Em consequência, a nova abordagem recomen-dava a privatização, a desregulamentação, e a liberalização comercial e fi nanceira não apenas como meio de melhorar a alocação de recursos, mas também a fi m de reduzir a necessidade de ação discricionária do Estado. Segundo o TDR 2006 (UNCTAD, 2006a, p. 45):

Julgava (o Consenso) que havia pouca justifi cativa para intervenções em matéria de política econômica mesmo quando existissem falhas de funcionamen-to nos mercados resultantes de externalidades, (...), de informação imperfeita e assimétrica, de competição defeituosa e mercados incompletos. A razão era que as consequências das falhas decorrentes da ação dos governos eram consideradas como muito mais sérias do que as dos mercados. Igualmente importante é que (as novas) políticas implicavam a mudança da perspectiva nacional de desenvol-vimento e sua substituição por uma orientação dirigida para fora. Implicava tam-bém a determinação de preços pelos mercados globais e, apesar da problemática experiência da segunda metade dos anos 1970, uma dependência maior em rela-ção aos infl uxos de capital externo.

Infelizmente, como hoje se sabe, as promessas de uma alocação efi ciente que traria crescimento mais acelerado e equilibrado raramente se concretizaram. A América Latina apresentou, nos anos 1980, média anual de aumento do PIB de 1,8%, e nos anos 1990, de 3,3%, razão que levou a Cepal a falar na década e meio perdidas para o desenvolvimento. Em contraste, as economias que seguiram estratégias alternativas, como os países recém-industrializados da Ásia do Leste tiveram, com muito menor oscilação e instabilidade, crescimento médio do PIB que excedeu a taxa de 7% por ano durante todo o período de 1980 a 1996. O desempenho foi ainda mais espetacular na China, com expansão anual contí-nua acima de 10%, de 1980 a 2000.

É inegável que as políticas de estabilização ajudaram a América Latina a combater a infl ação crônica, ameaçando degenerar em hiperinfl ação, e permiti-ram atingir grau razoável de disciplina monetária e fi scal. No entanto, os desa-pontadores resultados em termos da dinâmica do crescimento e da formação de capital alimentaram crítica crescente à nova estratégia.

4 AS CORREÇÕES DE RUMO DAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

A insatisfação aumentou com a revelação das implicações sociais indesejáveis dos programas ortodoxos. A renda per capita latino-americana se contraiu em 0,3% ao ano entre 1980 e 1990, com deterioração, por vezes dramática, na distribuição.

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O declínio da produção industrial, a desindustrialização, e a compressão do setor público provocaram forte aumento do desemprego aberto, da expansão das ati-vidades precárias da economia informal, bem como queda apreciável dos salários reais e sensível aumento da pobreza. Até quando bem avançada a década de 1990 ainda não se havia logrado retornar aos níveis de pobreza de antes da crise.

Os defensores das políticas ortodoxas alegaram que o fracasso se devia em grande parte à incompleta ou defeituosa aplicação da receita, somada às defi ciên-cias das instituições e a problemas educacionais. A isso replicaram os críticos que nem as instituições, nem o nível da educação eram melhores nos trinta anos de crescimento acelerado do pós-guerra.

A verdade é que as políticas objetivando produzir preços relativos “certos” no nível micro fi zeram água porque, muitas vezes, acabaram por provocar preços “errados” no nível macro (a taxa real de juros e a taxa real de câmbio). Apesar do encolhimento do governo e da liberação das forças de mercado, não se criaram, assim, incentivos para o investimento, a inovação e a diversifi cação da produção. A abertura prematura e radical ao comércio e aos fl uxos fi nanceiros, na ausência de melhoria da produtividade e de aperfeiçoamento tecnológico indispensáveis para enfrentar a competição internacional, expôs numerosos países a um desafi o que eles não eram capazes de enfrentar com êxito.

O lamentável saldo negativo de quase duas décadas de sacrifícios e esforços, sem nenhuma medida correspondente com a qualidade dos resultados, gerou cor-rentes críticas empenhadas em desenvolver uma “segunda geração de reformas”, com maior ênfase nos aspectos institucionais.

Por outra parte, o agravamento das condições sociais criou a pressão para que a redução da pobreza passasse a constituir o foco central da estratégia futura. Este movimento levou à criação, pelo Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento (Pnud), em 1973, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com atenção nos indicativos sociais. Conduziu também à Cúpula Social Mundial de Copenhague, em 1995, à Iniciativa de Dívida para os Países Pobres Fortemen-te Endividados, e ao processo dos Programas de Estratégia para a Redução da Pobreza, estes dois últimos no âmbito do FMI e do Banco Mundial.

Todos esses diferentes esforços confl uíram, na Cúpula do Milênio das Na-ções Unidas, para a defi nição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, oito metas de combate à pobreza e outros graves problemas sociais. Destes objetivos, apenas a meta número oito (desenvolver uma parceria global para o desenvolvi-mento) acrescenta uma dimensão internacional a uma agenda basicamente cons-tituída de metas a serem perseguidas nacionalmente, com apoio da comunidade internacional. A Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desen-volvimento, e o Consenso de Monterrey, de 2002, constituíram um complemento

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programático às Metas do Milênio, ao reconhecerem que a capacidade de os países em desenvolvimento atingirem as metas é fortemente infl uenciada por fatores ex-ternos sobre os quais têm eles muito pouco controle.

Finalmente, em 2005, o Banco Mundial publicou um relatório intitulado Economic growth in the 1990s – Learning from a Decade of Reform, no qual admi-tiu erros e defi ciências da anterior abordagem de políticas de ajuste estrutural. Em primeiro lugar, indo ao encontro de algumas das críticas levantadas pela UNC-TAD desde o início, o documento começa por confessar que “as reformas neces-sitam atingir mais do que a geração de ganhos de efi ciência a fi m de promover o crescimento”. A explicação é que o crescimento econômico também “envolve transformações estruturais, diversifi cação da produção, mudança, disposição da parte dos produtores de assumirem riscos, correção das falhas tanto do governo quanto do mercado, bem como alterações em políticas e instituições”, pontos que eram geralmente passados em silêncio na terapêutica ortodoxa.

Em segundo lugar, o Banco Mundial reconhece que não existe um fi gurino único para todos, um conjunto de políticas que possam ser aplicadas a todos e cada um, sem atenção às especifi cidades próprias. Numa evolução notável em relação à rigidez da ortodoxia das primeiras abordagens nos anos 1980, aceita que “há muitas maneiras de alcançar a estabilidade macroeconômica, a abertura e a liberalização interna (...). Diferentes políticas podem ter idêntico efeito e a mes-ma política pode produzir efeitos diversos, dependendo do contexto” (BANCO MUNDIAL, 2005, p. 10, 11, 13).

Com vistas, por exemplo, a conquistar a estabilidade macroeconômica, ad-mite que possa valer a pena cogitar da imposição de restrições ao livre fl uxo de capitais – algo que, diga-se de passagem, o Banco Central do Brasil, o “mais orto-doxo do mundo”, conforme o descreveu o Chefe da Divisão Macroeconômica da UNCTAD, não aceita nem discutir, apesar da alarmante deterioração das contas externas em consequência da excessiva abertura fi nanceira do país. A justifi cativa oferecida pelo Banco Mundial, embora de evidência irrefutável, demora a chegar ao Brasil, onde este problema é talvez o mais sério obstáculo ao que se está discu-tindo como “inserção internacional soberana”.

Declara, com efeito, o relatório de 2005: “não obstante os argumentos teó-ricos em favor da abertura da conta capital” (os mesmos esgrimidos pelo Banco Central do Brasil), “é inconclusiva a evidência de que ela (favoreceria) o cresci-mento e (não há dúvida) de que a volatilidade aumenta claramente” após a aber-tura da conta capital (BANCO MUNDIAL, 2005, p. 17).

Em terceiro lugar, a análise do Banco Mundial evolui igualmente ao de-clarar: “as funções chaves a serem cumpridas para ter processos de crescimento sustentado são a acumulação de capital, a efi ciência alocativa, o progresso tecno-

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lógico e a partilha dos benefícios do crescimento”. Para chegar a estes objetivos, prossegue, “o papel de políticas industriais ativistas é ainda controvertido, mas é provável que tenha sido importante” nas experiências de sucesso em crescimento e catching up, referência óbvia à China e aos asiáticos em geral (BANCO MUN-DIAL, 2005, p. 83, 85).

A evolução do pensamento do Banco Mundial foi certamente encorajadora a ponto de ter inspirado o professor de Harvard, Dany Rodrik, a asseverar, com certo exagero, nascido talvez do entusiasmo pela mudança, que ela representava “uma renovação radical do pensamento sobre as estratégias de desenvolvimento”. O Trade and Development Report, da UNCTAD, em 2006, assinala os aspectos altamente positivos da mudança, nela enxergando a confi rmação da crescente incerteza a respeito do Consenso de Washington, incluindo mesmo as sucessivas retifi cações e expansões daquele consenso. Pondera, entretanto, a UNCTAD que, sem embargo da inegável evolução na postura da ortodoxia, “o paradigma básico continua largamente intacto” (UNCTAD, 2006).

Isso se deveria, sobretudo, ao fato de que os analistas do Banco Mundial não vão sufi cientemente longe na redefi nição do papel das políticas públicas em apoio à acumulação de capital e à mudança tecnológica. Permanece o ceticismo acerca da capacidade dos governos nacionais em matéria de execução de ações discricio-nárias efetivas. A experiência dos anos 1990 induz os autores do estudo do Banco Mundial a comentarem que “não se pode abrir mão inteiramente da liberdade de ação (discretion, em inglês) dos governos, sendo por isso importante encontrar meios pelos quais ela se possa exercer de forma efetiva”.

Tornar mais efetivas as intervenções governamentais deveria, sem dúvida, constituir parte integrante de qualquer programa de reformas. A análise do Banco Mundial sugere, contudo, que ela seja limitada a certas atividades, “que se esten-dem da regulamentação dos serviços públicos (utilities, em inglês) e da supervisão da atividade bancária ao fornecimento de infraestrutura e de serviços sociais”. Exclui, destarte, o apoio direto a medidas para promover a acumulação de capi-tal, as políticas setoriais para auxiliar na diversifi cação e na melhoria da estrutura produtiva, e a integração estratégica no sistema internacional de comércio, todas largamente praticadas pela China e asiáticos.

Foi até esse ponto que se havia chegado, em 2005, dois anos antes da crise que sacudiria, a partir de meados de 2007, o próprio epicentro dos mercados fi nanceiros mundiais. Embora desta vez nascida e, até o momento, concentrada nos países capitalistas centrais, a crise não deixará de causar impacto na prática e nas doutrinas sobre desenvolvimento no futuro, uma vez que muitos dos postula-dos do receituário ortodoxo saem muito machucados da tormenta.

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5 O ESTADO ATUAL DAS RESTRIÇÕES À MARGEM DE AÇÃO DOS ESTADOS

Há que se regressar, todavia, à conclusão da UNCTAD acerca da insufi ciência da evolução no pensamento do Banco Mundial. Em apoio a este juízo, cumpre observar que, efetivamente, na prática, pouco mudou no comportamento dos organismos econômicos internacionais – sobretudo do Fundo Monetário – e, em particular, na ação dos governos promotores da visão ortodoxa, como o dos Estados Unidos.

Como resultado progressivo da pressão dos últimos 25 anos, durante os quais as estratégias de desenvolvimento foram dominadas pelo Consenso de Wa-shington e por esses organismos, acumulou-se impressionante arsenal de medidas de todos os tipos com um denominador comum: limitar a capacidade de inicia-tiva e a liberdade de movimentos dos governos no processo de desenvolvimento.

O encolhimento da margem de manobra tem sido especialmente sensível nos países que abraçaram com entusiasmo temerário a abertura da conta capital e a integração precipitada nos mercados fi nanceiros mundiais. Poucos destes go-vernos tiveram o bom senso de estabelecer a distinção em que um dos grandes advogados da liberalização comercial, o professor de Columbia, Jagdish Bhagwa-ti, sempre insistiu, isto é, entre integração comercial e integração fi nanceira.

A única coisa que esses dois processos têm em comum é a palavra “integra-ção”, sendo incomparavelmente maiores os perigos envolvidos na abertura fi nan-ceira de economias não- maduras e desprovidas das instituições de regulamenta-ção e de supervisão do sistema fi nanceiro, existentes em países avançados. Não que a presença destas instituições constitua garantia contra os riscos das crises e da volatilidade inerentes aos mercados fi nanceiros, como se acabou de ver no colapso do mercado de crédito vinculado às hipotecas no país mais avançado no setor, os Estados Unidos da América.

Foi o que descobriram, às suas expensas, o México, juntamente com a Ar-gentina, na crise “tequila”, de 1994; os asiáticos, em 1997; a Rússia e o Brasil no ano seguinte. Mais uma vez, não foi por mera coincidência que os dois únicos países que saíram mais ou menos incólumes da crise asiática tivessem sido a China e a Índia, justamente os que tiveram a sabedoria de manter controles de capital e de câmbio.

Não obstante as impressionantes perdas sofridas pelas economias vítimas dos movimentos especulativos e do fenômeno do pânico contagiante dos capitais de curto prazo, não é fácil desfazer os efeitos da decisão prematura de abrir ex-cessivamente a conta capital. Como diz o professor Bhagwati, “sair da integração fi nanceira depois de haver entrado prematuramente é como enviar uma carta pedindo demissão da Máfi a...”.

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O Brasil se encontra desgraçadamente entre os que fi zeram a fatídica opção e sua incapacidade atual de controlar a alarmante deterioração das contas externas é a consequência inexorável do fato de termos renunciado a parcela considerável de nossa discricionalidade prudencial em matéria fi nanceira. A rigor, não se pode dizer que o país esteja proibido por algum compromisso ou acordo multilateral de moderar a abertura fi nanceira, adotando, por exemplo, mecanismos de desin-centivo do ingresso de capitais especulativos – como os interessados nos ganhos de arbitragem criados pelo diferencial das taxas de juros.

O Fundo Monetário Internacional tentou, de fato, emendar seu estatuto, a fi m de tornar mandatória a plena abertura da conta capital do balanço de paga-mentos. Seu senso de timing, entretanto, não poderia ter sido mais infeliz. Por in-crível que pareça, a emenda foi apresentada na reunião de Hong Kong, em 1997, quando já se havia desencadeado o princípio da crise asiática! Seu agravamento, semanas depois da reunião, tornou inviável a aplicação da emenda. Deixou-se, assim, um espaço sufi ciente para a adoção de controles de capital em termos da moldura jurídica do FMI.

O próprio fundo terminou por reconhecer depois que, embora altamente desejável de seu ponto de vista, a plena liberalização fi nanceira deveria ser posta em prática de maneira gradual e segura, à medida que os países alcançassem um mínimo de estabilidade e de capacidade de regulamentação e de supervisão. Com relutância, admitiu igualmente o fundo que controles temporários de capital po-dem provar ser necessários ou úteis em circunstâncias excepcionais.

Sem embargo da inexistência de um obstáculo jurídico-institucional que limite a possibilidade de imposição de controles, as estratégias excessivamente preocupadas com a obtenção do grau de investimento e a atração de fl uxos fi nan-ceiros internacionais se comportam, na prática, como uma autolimitação a que se impõem os próprios países. É o que se verifi ca exatamente na situação do Brasil, onde o Banco Central ostenta um sagrado horror a medidas de que lançaram mão, com êxito, países insuspeitos de heresia econômica como o Chile, a Colôm-bia, a Malásia, a Tailândia.

Se essa situação relativamente menos institucionalizada caracteriza os domí-nios monetário e fi nanceiro, em matéria de comércio existe uma codifi cação cada vez mais copiosa de normas e compromissos negociados de modo multilateral, cuja observância pode ser cobrada mediante um sistema de solução de confl itos e de imposição de sanções comerciais.

6 RESTRIÇÕES NO ÂMBITO DAS NORMAS COMERCIAIS

Em tese, as normas e obrigações sobre comércio internacional foram negociadas e adotadas livremente pelos mais de 150 países que fazem hoje parte da Organização

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Mundial de Comércio (OMC) ou seu antecessor, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), ao longo de décadas de sucessivas rodadas de negociação. Na realidade, a assimetria e o desequilíbrio de poder político e econômico, o uso pelos poderosos do acesso a seus mercados como instrumento de pressão, e o despreparo institucional de muitos países pobres para participar de negociações complexas obrigam a qualifi car de modo apreciável o caráter voluntário da libe-ralização assumida.

A culminância do processo inaugurado em 1947, com a criação do GATT, foi atingida na Rodada Uruguai, concluída pelo mais ambicioso pacote de libera-lização comercial da história e a decisão de estabelecer a OMC, em 1995. Além dos temas habituais das rodadas anteriores – redução de tarifas sobre manufatu-rados, defi nição de regras em temas como o antidumping –, a Rodada Uruguai logrou aprovar, ao menos em princípio, a inclusão da agricultura no sistema de normas multilaterais. Chegou-se também a acordo para a abolição gradual do discriminatório regime de cotas em têxteis contra países em desenvolvimento e a incorporação dos chamados “temas novos”.

Esses últimos foram os serviços, antes não cobertos pelo sistema multilate-ral, os quais deram origem ao Acordo Geral sobre Serviços, assim como os dois acordos sobre “atividades relacionadas ao comércio”, em particular, a propriedade intelectual (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Rela-cionados ao Comércio/Agreement on Trade Related Aspects of Intellectual Pro-perty Rights – TRIPS) e os investimentos (Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio/ Agreement on Investment Measures Related to the Commerce – TRIMS). A expansão do tradicional escopo do sistema comercial a áreas novas signifi ca que se tornaram sujeitos a disciplinas internacionais aspectos cruciais que afetam a operação e a competitividade das economias nacionais, e que eram, antes, matéria exclusiva da jurisdição e dos regimes regulatórios dos Estados.

O reverso da medalha é que se limitou, dessa maneira, a liberdade discri-cionária dos Estados nas áreas incorporadas aos compromissos. Restringiu-se, por conseguinte, a capacidade nacional de adotar políticas em apoio ao desenvolvi-mento produtivo ou tecnológico. Surgiu, assim, a preocupação de que essas nor-mas e obrigações neguem aos governos de países em desenvolvimento o recurso a medidas e políticas que, no passado, mostraram-se decisivas para as economias hoje em dia avançadas e maduras, quando se encontravam no início de seu pro-cesso de desenvolvimento.

A partir do momento em que as economias hoje plenamente industriali-zadas deixaram de necessitar de tais ferramentas, passaram a pressionar para que o sistema internacional as interditasse aos demais, sob a alegação de acarreta-rem distorções na livre competição entre as economias. É o que se convencionou

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denominar de “chutando a escada”, expressão adotada como título de livro co-nhecido do economista sul-coreano H. J. Chang (2002).

Há muito de verdadeiro nessa denúncia, sendo sufi ciente recordar, a propósi-to, que países, em nossos dias identifi cados com postulados ortodoxamente liberais e hostis à ação discricionária dos Estados, foram, em seu tempo, pioneiros no uso e abuso de instrumentos de políticas públicas e de medidas protecionistas, a fi m de se recuperarem do seu relativo atraso na industrialização, em comparação com a Inglaterra. Alguns fi guraram mesmo entre os criadores das doutrinas que agora condenam, no momento em que nelas se inspiraram países em desenvolvimento.

É o caso de lembrar, a respeito, o papel do primeiro Secretário do Tesouro e Founding Father da Independência norte-americana, Alexander Hamilton, ao escrever, nos fi ns do século XVIII, o clássico On Manufactures, para defender, um século e meio antes de Prebisch, a centralidade da industrialização. Aliás, como mostrou Paul Bairoch, o grande historiador da economia da Universidade de Genebra, durante a maior parte do período entre 1820 e 1945 os Estados Unidos mantiveram média de tarifa industrial em torno de 40%, nunca abaixo de 25%, salvo em breves intervalos. Na mesma época, alegando serem demasiado pobres para pagar direitos autorais, suas editoras se especializavam em publicar obras “piratas”, como gostam de dizer, de autores ingleses e de outras nacionalidades. Ficou célebre o esforço infrutífero de Charles Dickens para persuadi-los a reco-nhecerem o copyright, em suas viagens aos Estados Unidos.

De forma semelhante, os alemães deram origem, com Friedrich List,1 à dou-trina das “indústrias nascentes” e, por conseguinte, necessitadas de proteção e es-tímulo, base de grande parte das políticas industriais da atualidade. Até a segunda metade do século XX, países como a Itália e o Japão não reconheciam ainda as patentes na indústria farmacêutica.

O contraste entre o que pregam os países avançados e o que faziam efetiva-mente no passado, até recentíssimo, é ainda mais marcante no exemplo da aber-tura plena da conta capital. Por muitas décadas, depois do fi m da Segunda Guerra Mundial, eram raros os países industrializados que dispensavam todos os contro-les de capital, destacando-se, entre os poucos de rigorosa observância, a Suíça e os Estados Unidos. Em alguns casos extremos, tais como os da França e da Itália, foi preciso esperar quase até a década de 1990 a fi m de assistir ao desmantelamento dos últimos controles. Ora, esta situação que tardou tanto em ser viável até mes-mo em países de capitalismo maduro e instituições de supervisão sofi sticada é exatamente idêntica à que se pretendeu impor a economias de notória fragilidade!

1. George Friedrich List (1789 – 1846), economista político alemão, conhecido por sua obra Sistema Nacional de Economia Política, de 1941, publicada no Brasil na série Os Economistas – Editora Abril Cultural, 1983 (nota do editor).

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Não resisto a relatar, nesse contexto, episódio de minha vida profi ssional que ilustra bem a incoerência dos ortodoxos. Em 1991, era eu presidente das Partes Contratantes do GATT, quando fui transferido como embaixador do Brasil junto ao governo dos Estados Unidos. Tendo conhecido bem em Genebra a senhora Carla Hills, então a United States Trade Representative, equivalente a ministra do Comércio Exterior dos EUA, foi a ela que decidi fazer minha primeira visita ofi cial.

Pouco antes, o então presidente da República Fernando Collor havia, de uma só penada, desbaratado todo o edifício tradicional do protecionismo brasilei-ro, inclusive o famigerado Anexo C da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S. A. (CACEX), ou lista dos bens cuja importação estava “provisoria-mente suspensa”, como rezava eufemisticamente a legislação. Fui, assim, tranqui-lo, julgando que a entrevista seria amena, uma vez que o governo brasileiro tinha eliminado talvez 90% do motivo das queixas norte-americanas. Esquecia que os nossos cobiçosos parceiros costumam, em tais casos, pôr no bolso o que se fez de modo unilateral e concentrar as reclamações no pouco que falta, sem reconhecer uma polegada das concessões feitas de mão beijada.

Foi o que ocorreu. Tive de aguentar, com paciência, uma pregação em regra de mais de meia hora sobre todos os erros e delitos comerciais que cometíamos na parcela não-liberalizada do comércio brasileiro, recheada de citações de Adam Smith e David Ricardo. Terminada a peroração, limitei-me a dizer:

Senhora Hills, vou fazer apenas uma pergunta. Se a resposta for positiva, fi carei satisfeito e darei por encerrada a entrevista. A senhora poderia, por favor, indicar-me qual é o capítulo ou parágrafo em que Adam Smith ou David Ricardo abrem uma exceção, na aplicação dos benefícios da teoria do livre comércio, para o frozen concentrated orange juice, o suco de laranja concentrado gelado?

Carla Hills, a princípio surpreendida, deu uma gargalhada e respondeu:

Em matéria de frozen concentrated orange juice, a autoridade, nos Estados Unidos não é Adam Smith ou David Ricardo, mas o lobby da Florida e a bancada de 25 deputados que eles têm no congresso!

E assim é que, 17 anos e vários governos depois, apesar de toda a retórica sobre as maravilhosas benesses da globalização e da liberalização, o suco de laranja continua, nos EUA, tão protegido como sempre esteve

7 AS MEDIDAS LIGADAS A INVESTIMENTOS E PROPRIEDADE INTELECTUAL

O Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento da UNCTAD de 2006 procedeu a um levantamento minucioso do arsenal de medidas de limitação à liberdade de ação dos governos sob o título de Restrictions imposed by international agreements on policy autonomy: an inventory (UNCTAD, 2006b, p. 166-180).

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Entre as medidas analisadas no inventário, encontram-se as contidas no acordo TRIMS ou Trade Related Investment Measures (acordo sobre Medidas de Investimento Ligadas ao Comércio). O acordo não chegou a defi nir precisamente o que são as “medidas de investimento ligadas ao comércio”. No entanto, seu resultado líquido foi proibir ou tornar mais árdua a adoção das chamadas perfor-mance requirements, isto é, os indicativos de desempenho requeridos de investi-mentos estrangeiros.

Essas medidas têm sido, por exemplo, as de exigir que o investidor exporte certa porcentagem do produzido no país (export requirements) ou utilize determi-nada parcela de insumos nacionais (local content, ou, na nomenclatura brasileira, o índice de nacionalização dos anos de 1950 e 1960). Outro tipo de requisito é impor associação com capitais nacionais ou requerer a transferência de tecnologia.

O Brasil utilizou largamente algumas dessas medidas, em especial as exigên-cias de conteúdo nacional, na ocasião da implantação da indústria automobilísti-ca e naval, nas décadas de 1950 e 1960. Até os nossos dias, boa parte da indústria montadora de automóveis em países latino-americanos depende, em parte, do recurso a esses requisitos crescentemente contestados pelos países avançados.

Considerando que as negociações da Rodada Uruguai não tinham ido su-fi cientemente longe na interdição de medidas desse tipo, esses países tentaram, nos anos de 1990, obter um acordo mais rigoroso na sua própria organização, a OCDE. Conhecido como Acordo Multilateral de Investimentos ou AMI, ele de-veria ter sido negociado no seio de um pequeno grupo de países investidores para ser, mais tarde, estendido, por adesão, aos países em desenvolvimento, os quais não teriam, contudo, a possibilidade de alterar o convencionado.

O objetivo principal era avançar na realização do que alguns teóricos da OCDE denominavam a “contestabilidade dos mercados”, quer dizer, a noção de que todos os mercados deveriam ser, em tese, acessíveis à concorrência de produ-tos ou serviços fornecidos por produtores estrangeiros por meio das importações, ou do estabelecimento desses produtores nos mercados locais mediante investi-mentos. Para isso, seria indispensável eliminar todas as restrições aos investimen-tos estrangeiros, em termos de setores ou indústrias reservadas aos nacionais dos Estados, porcentagens de associação com locais, de desempenho etc.

A negociação não foi adiante e teve afi nal de ser indefi nidamente suspensa no fi m da década de 1990, devido às próprias divergências entre os avançados, sobretudo em razão das difi culdades levantadas pela França e pelo Canadá. Te-miam estes países que suas indústrias culturais, e mesmo sua identidade cultural, pudessem ser ameaçadas pela passagem a mãos estrangeiras do controle sobre a imprensa, a TV, as editoras, cinema e outros setores.

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Ante a difi culdade de avançar em âmbito multilateral, os Estados Unidos, principais propugnadores do que defi nem como acordo de high standards, isto é, de elevado nível de exigência, com o mínimo de exceções possíveis, preferiram perseguir o objetivo em acordos regionais ou bilaterais, como os da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nesse contexto limitado e estreito, países pode-rosos têm encontrado relativa facilidade em afi rmar seu poder de mercado sobre economias mais frágeis e dependentes do acesso aos mercados dos poderosos. A proliferação de tais acordos vem contribuindo, assim, para agravar enorme-mente a assimetria e o desequilíbrio que caracterizam a economia mundial.

A imposição de restrições adicionais à liberdade de ação dos Estados em benefício de investidores de países centrais foi, primeiramente, testada com êxito nas negociações com o México na Associação de Livre Comércio da América do Norte (North American Free Trade Agreement – Nafta). Consagrou-se neste acordo até mesmo a possibilidade de que o investidor privado estrangeiro possa mover um processo de arbitragem internacional contra o Estado anfi trião e re-clamar pagamento de indenizações milionárias em casos de perdas alegadas em decorrência de ações governamentais.

Algo parecido sucedeu com o acordo sobre Aspectos Ligados ao Comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS). Certamente, o mais polêmico dos resultados da Rodada Uruguai foi o que resultou em maior limitação às po-líticas de desenvolvimento usadas anteriormente pelos países ora avançados, ao afetar negativamente um dos ingredientes vitais do processo de desenvolvimento: o acesso à tecnologia. No passado, nações retardatárias na industrialização adota-vam, invariavelmente, padrões mais frouxos de proteção à propriedade intelectual,que possibilitavam aos agentes econômicos apropriar-se de tecnologias inovado-ras por meio da cópia, da engenharia reversa e dos procedimentos semelhantes.

O acordo TRIPS estreita de maneira apreciável o acesso ao conhecimento, à tecnologia, aos medicamentos novos – como os de combate a AIDS –, pro-tegidos por patentes dispendiosas. Ademais, acentua o desequilíbrio das regras, concentrando o poder de decisão e os ganhos em mãos dos donos das patentes, e deixando os usuários em posição muito mais exposta e onerosa do que antes.

A desigualdade nessa área derivava já da concentração da quase totalidade dos direitos em apenas cinco países desenvolvidos (EUA, Reino Unido, Alema-nha, Japão e França), os quais monopolizam mais de 80% dos pedidos de paten-tes (83,6%, em 2001). A assimetria se repete no número de artigos e de trabalhos científi cos publicados: 82% provêm dos países desenvolvidos, e dois terços dos membros do G-7. Não é de surpreender, assim, que, após a entrada em vigor do acordo, o superávit da balança tecnológica dos países avançados saltasse de US$ 9,6 bilhões, em 1993, para US$ 30,4 bilhões, em 2003.

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Apesar desses ganhos extraordinários, a tendência nos industrializados de restringir o acesso à tecnologia e de transformar o patrimônio científi co, e até tradicional, em novas formas de propriedade, continua a impulsionar os Esta-dos Unidos e outros países a perseguirem a ampliação adicional das fronteiras da proteção além do incorporado pela Rodada Uruguai. São os chamados acordos OMC-plus, que vêm sendo impostos a nações em desenvolvimento nas negocia-ções de acordos bilaterais ou regionais.

Tal como sucedeu com as medidas de investimento ligadas ao comércio, tor-nou-se difícil acentuar ainda mais o desequilíbrio num fórum como o da OMC, em virtude da reação que se desencadeou contra o acordo TRIPS. A reação foi, em parte, alimentada pelo escândalo mundial do preço dos medicamentos de tratamento contra AIDS, e contou com a vigorosa participação de algumas das mais importantes organizações não governamentais (ONGs) e cientistas de países desenvolvidos.

Até advogados eminentes da mais ampla liberalização comercial, como o professor Jagdish Bhagwati, e o analista do Financial Times, Martin Wolf, reco-nheceram de público que o tema de propriedade intelectual tinha pouco ou nada que ver com o comércio. Sua inclusão na OMC devia-se apenas à política de utilizar o poder de mercado como ameaça de sanção aos recalcitrantes em ceder aos interesses dos detentores de patentes.

O problema criado pelo preço dos remédios e a reação ao acordo TRIPS da Rodada Uruguai tornaram cada vez mais problemático utilizar, num fórum mul-tilateral de 150 países, o diferencial de poder dos mais ricos. A solução encontrada por estes últimos foi fazer uso plenamente de sua superioridade em contexto mais restrito, de dois ou poucos parceiros. Daí a proliferação a que se assiste de acordos impropriamente batizados de livre comércio, mas cuja natureza é revelada com maior fi delidade pelo seu outro nome, acordos preferenciais. Preferir signifi ca escolher uns em detrimento de outros, dar a alguns um tratamento que se nega a outros. Quer dizer: os acordos preferenciais produzem discriminação e violam, destarte, o princípio fundamental do sistema multilateral de comércio.

Haveria ainda muito a dizer sobre outras restrições à anterior margem de liberdade dos governos em matéria comercial, tais como as relativas ao Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, que, praticamente, proibiu todos os subsídios industriais, deixando quase intactos os agrícolas, de interesse dos desen-volvidos. De igual maneira se poderia apontar para a ampliação das restrições em termos do uso seletivo de tarifas industriais. Ou a respeito do recurso a medidas temporárias de controle de importações em casos de deterioração grave do balan-ço de pagamentos (Artigo 18 do Acordo Geral) e a outras limitações da margem discricionária dos governos resultantes da Rodada Uruguai.

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O TDR da UNCTAD de 2006 examina em maior profundidade todas essas situações, com abundância de análises e números. O desejo, neste capítulo, é ape-nas realçar os acordos sobre investimentos e propriedade intelectual em razão de sua natureza sistêmica, e o signifi cado exemplar que encerram como indicativos de tendência à limitação de áreas tradicionais da jurisdição interna dos Estados. Como essa expansão contínua das disciplinas multilaterais se faz sob a invocação de um suposto determinismo resultante da globalização, convém olhar de perto também este argumento.

8 A GLOBALIZAÇÃO E SEUS EFEITOS SOBRE A MARGEM DE AÇÃO NACIONAL

Existe literatura crescente acerca dos desafi os que decorrem da globalização para certas funções tradicionais do Estado nacional. O poder de controle estatal se veria erodido não tanto por meio da intensifi cação sem precedentes das transa-ções econômico-comerciais across the border, de um lado a outro da fronteira, que continuariam sob a supervisão governamental. O fenômeno ocorreria, sobretudo, pelos contatos ou transações transborder, por cima ou além das fronteiras, como se estas se tivessem tornado irrelevantes.

É o que sucederia com a explosão das comunicações e contatos pela internet e as ondas eletrônicas, conduzindo à uniformização de padrões culturais e políti-cos. Ou por meio das transações do comércio eletrônico, nos exemplos de compra e venda de bens intangíveis, encomendados e downloaded por computador, pagos em paraísos fi scais, que escapam por completo à vigilância das autoridades nacio-nais. Não esquecendo o explosivo aumento, desvinculado da economia real, das operações fi nanceiras e cambiais por meio da internet.

A essas modalidades de transações novas se somaria a atividade multiforme das empresas transnacionais atuantes em dezenas de países, capazes de se deslo-calizarem em busca da vantagem de custos operacionais mais baixos, dotadas de recursos superiores à maioria das economias nacionais. A somatória de tais fatores acarretaria, por toda a parte, a exacerbação de impiedosa concorrência, com peri-gos para as conquistas e garantias do estado de bem-estar social.

Habermas é um dos autores que chamam atenção para o fato de que: “desde o fi nal dos anos 1970 (...) essa forma de institucionalização, baseada no Estado nacional, se encontra cada vez mais sob a pressão da globalização” (HABERMAS, 2001, p. 84). Para ele, a expressão “globalização” evoca “em contraposição ao lastro territorial do Estado nacional, a imagem de rios transbordando que minam os controles de fronteira e podem levar à destruição do ‘edifício’ nacional” (op. cit., p.85-86).

De modo sistemático, Habermas passa em revista como a globalização afeta: “a) a segurança jurídica e a efetividade do estado administrativo; b) a soberania

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do estado territorial; c) a identidade coletiva; e d) a legitimidade democrática do Estado nacional” (op. cit., p. 87-102).

A concorrência globalizada tornaria crescentemente inviável a defesa do es-tado social e democrático exclusivamente no âmbito do Estado Nacional. Diante dessa difi culdade, a resposta de Habermas favorece a construção de uma Europa de confi guração pós-nacional, fundamentada no “patriotismo constitucional” de uma Carta aprovada por base de legitimidade ampliada. Cita aprovadoramente Claus Offe: “Um fortalecimento da capacidade de governo das instituições eu-ropeias não é pensável sem o aumento de sua base de legitimação formalmente democrática” (OFFE, apud HABERMAS, 2001, p. 125).

Na introdução, por sua vez, declara, de modo lapidar: “Vejo uma alternativa normativamente satisfatória (...) apenas no aperfeiçoamento federalista de uma União Europeia capaz de agir em termos de política social e econômica, que en-tão poderá dirigir o olhar para o futuro de uma ordem (mundial) cosmopolita, sensível às diferenças e socialmente equilibrada” (op. cit., p. 2).

Não é esse o lugar para discutir os obstáculos que vêm encontrando, na prática, tanto a aprovação de uma constituição europeia por ampla base de le-gitimação quanto a determinação e a efi cácia da União Europeia para evitar o desmantelamento do Estado social. Não obstante, a posição de Habermas é a que melhor sintetiza o ideal de uma confi guração pós-nacional como única esperança de deter o ímpeto de globalização desumanizadora.

9 AS CRISES DA GLOBALIZAÇÃO

Ao mesmo tempo, cabe uma palavra de cautela. As advertências sobre os perigos da globalização tiveram sua voga no momento em que esta parecia onda avassa-ladora que levaria tudo de roldão. Na década de 1990, principalmente em sua primeira metade, era esta a impressão predominante. Estava fresco o impacto da queda do Muro de Berlim, do fi m do socialismo real, da desintegração da União Soviética. A convergência rumo à economia de mercado e à democracia represen-tativa inspirava anúncios prematuros, como o do “fi m da História”.

O ponto mais alto da maré foi em meados dos anos 1990, quando foi fun-dada a Organização Mundial do Comércio (OMC, 1994-1995), pouco antes do início das crises monetárias e fi nanceiras do México e da Argentina (1994-1995), da Ásia (1997), da Rússia e do Brasil (1998). Desde então, vários fatores contribu-íram para alterar a percepção: o contágio das crises, o estouro da “bolha eletrônica” (2000-2001), o movimento antiglobalização, e o impasse nas três grandes nego-ciações que completariam o quadro institucional de uma economia globalizada.

Esses três processos visavam fechar o círculo da unifi cação econômica plane-tária nos setores fundamentais da economia: fi nanças (a abertura plena da conta

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capital da balança de pagamentos pelo FMI); investimentos (o frustrado Acordo Multilateral de Investimentos, na OCDE); comércio (a abolição restante de todas as restrições ao comércio pela OMC).

Dessas três, as duas primeiras saíram da agenda (exceto os investimentos nos acordos bilaterais e regionais) e a última foi retomada pela OMC, sob a forma diluída da Rodada Doha.

O golpe mais sério veio, contudo, de direção inesperada: da periferia do sistema, do Afeganistão. O atentado terrorista de setembro de 2001 introduziu fase nova nas relações internacionais, trazendo de volta as preocupações obsessi-vas com a segurança. A imediata consequência foi a afi rmação do Estado sobre o mercado, a predominância do político e do militar sobre o econômico, a lógica do reforço, não da abolição, dos controles das fronteiras.

Sintoma revelador da mudança é que, em contraste com o ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, o presidente George W. Bush praticamente baniu do discurso a palavra globalização. O que é natural, pois um governo de cunho acen-tuadamente nacionalista e unilateral como o seu possui escassa afi nidade com o internacionalismo da globalização. Os problemas atuais – guerras intermináveis no Iraque e Afeganistão e crise econômica de proporções inquietantes no seio da economia-centro do mundo globalizado – difi cultam a volta de condições propí-cias a um novo auge da globalização.

10 AMBIGUIDADES DA GLOBALIZAÇÃO

Acresce que antes, quando se falava em globalização, entendia-se a variedade anglo-saxônica disseminada pelos governos Bill Clinton e Tony Blair, fontes prin-cipais das pressões para a liberalização de normas e regimes nas negociações mun-diais ou no interior da União Europeia.

Hoje, começa a afi rmar-se, cada vez com mais nitidez, variante de globaliza-ção com sotaque chinês, indiano, asiático, árabe, brasileiro. O primeiro impacto dessa transformação nos países desenvolvidos aparece no apetite pela abertura comercial, que esmorece diante do que seriam os medos dominantes no comércio mundial, de acordo com fórmula simplifi cadora: medo da indústria da China, dos serviços offshore da Índia, da agricultura do Brasil.

Além de produtos competitivos, os países emergentes passam também a ex-portar investimentos, seja diretamente pela ação de suas empresas internacionali-zadas, seja pelos fundos soberanos possibilitados pelo acúmulo de reservas. Contra isso já se manifestaram reações em setores sensíveis, como o dos investidores de Dubai, forçados a desistir do controle de empresa portuária nos EUA, e de estatal petrolífera chinesa, obrigada a recuar na compra de refi naria norte-americana.

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Mais recentemente, vem também suscitando início de preocupação o socor-ro proporcionado por fundos soberanos da China, de Cingapura, de países árabes às empresas fi nanceiras ianques fragilizadas pelas perdas no mercado de hipotecas, mediante aquisição de parte do capital destas fi rmas. Incipiente, a preocupação poderá crescer ou não se as operações se amiudarem ou chegarem a envolver transferência de controle.

É possível que, conforme ocorreu na Grã-Bretanha algum tempo atrás, tudo não passe de reação inicial, sem maiores desdobramentos, mas só o tempo dirá como a nova tendência irá afetar as pressões para a liberalização de normas.

De todo modo, a evolução atual serve para qualifi car os termos categóricos com que se afi rmava que o desmantelamento dos controles estatais era exigência irresistível da natureza da globalização. Vê-se agora que, ao menos em parte, este aparente determinismo não passava de disfarce ideológico para a ação de governos de Estados Nacionais poderosos como os dos EUA e da Inglaterra.

Dito isso, não se deseja negar que a redução dos controles seja parcialmente o resultado de profundas forças econômicas ou tecnológicas mais ou menos inde-pendentes da vontade dos governos. Tal é o caso das tendências impulsionadoras da globalização: a internacionalização do processo de produção, sua fragmentação por locais geografi camente distantes uns dos outros em razão da economia de custos, a transnacionalização das empresas que operam o processo e criam as redes de distribuição, os avanços em eletrônica, telecomunicações, transportes, que o tornam factível.

Essas forças continuam ativas e operantes. O que se alterou foi o contexto político, ideológico, de segurança dentro do qual se movem. Em suma, não é exagero sustentar que a globalização não sofreu retrocesso, mas perdeu, por en-quanto, o que os norte-americanos chamam de momentum, isto é, o ímpeto, o ritmo acelerado ostentado há doze ou quinze anos.

11 RUMO A UMA NOVA SÍNTESE EM FAVOR DO DESENVOLVIMENTO

Conforme tem mostrado a análise da UNCTAD, os acréscimos e as retifi cações introduzidos no Consenso de Washington e no pensamento e na prática das orga-nizações fi nanceiras internacionais não trouxeram uma alteração fundamental na agenda de reformas. Continuou-se a esperar que a melhoria na alocação de fatores por meio da liberalização dos mercados e da abertura ao comércio e às fi nanças internacionais acarretaria o desenvolvimento da capacidade produtiva dos países, elevaria a produtividade e aceleraria o aperfeiçoamento tecnológico.

Por conseguinte, permaneceu inalterada a fi losofi a subjacente, baseada em ganhos de efi ciência por meio da melhoria na alocação de fatores mediante meca-nismos de mercado. O que a análise da UNCTAD tem revelado, de modo persua-

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sivo, é que o recurso exclusivo a essas forças não é sufi ciente para alcançar o ritmo e a estrutura do investimento produtivo e do aperfeiçoamento tecnológico neces-sários para um processo sustentado de crescimento e de erradicação da pobreza.

Um dos principais elementos que têm faltado na estratégia convencional é a maior atenção a políticas governamentais ativas em favor da diversifi cação e de uma industrialização dinâmica, que levem em conta as especifi cidades de cada país. Mesmo a análise e os exemplos fornecidos pelo recente estudo do Banco Mundial anteriormente citado indicam que a integração de êxito na economia mundial requer políticas governamentais pró-ativas em apoio à acumulação de capital e à melhoria da produtividade.

As reformas puramente baseadas no mercado da década de 1980 não conse-guiram combinar maior estabilidade macroeconômica e equilíbrio externo com taxas de crescimento capazes de estreitar o abismo de distância entre as economias subdesenvolvidas e as industrializadas. Por um lado, o resultado insatisfatório deve-se, em parte, a defi ciências e a problemas presentes na realidade dos países em desenvolvimento. Por outro lado, porém, parte da explicação reside no estrei-tamento da margem de ação dos governos além do que seria razoável e desejável.

Torna-se, por isso, indispensável ampliar o escopo das políticas de desen-volvimento além do admitido pelo Consenso de Washington, levando em conta não só as experiências de sucesso na Ásia, mas também as práticas que, nos atuais desenvolvidos, ajudaram o fortalecimento do setor privado. Fundamentais para o êxito destas estratégias foram as políticas macroeconômicas propícias ao inves-timento, o recurso a amplo leque de instrumentos fi scais e regulatórios em favor da acumulação de capital, o aperfeiçoamento tecnológico e a mudança estrutural, bem como a existência de instituições efetivas para apoiar e coordenar atividades dos setores público e privado.

O extraordinário avanço da globalização não constitui razão para negar a possibilidade de políticas ativas, uma vez que este mesmo avanço não deixa de ser também o resultado de escolhas políticas, e não apenas de forças cegas que nos determinam. O efeito fi nal da globalização em matéria de desenvolvimento equilibrado e de distribuição dos benefícios vai depender de nossa capacidade de caminhar para uma melhor governança econômica global e de políticas nacionais. Uma estratégia orientada para aproveitar as condições criadas pela globalização terá de recorrer a políticas ativas de estímulo à diversifi cação produtiva e à indus-trialização efi ciente.2

A meta requer instrumentos adicionais em nível nacional, a fi m de apoiar a integração dos produtores internos no sistema comercial mundial, atingindo e

2. Ver, sobre o tema, Ricupero (2008).

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mantendo condições de competitividade. Serão necessárias medidas fi scais fl e-xíveis e estímulos à pesquisa e à inovação. Em última análise, o sucesso das po-líticas nacionais dependerá também do ambiente macroecômico resultante daspolíticas monetárias e do manejo da conta capital. A atual experiência brasileira mostra, por exemplo, que o custo de capital consequente a anos de elevadas taxas reais de juros, a par da taxa de câmbio cada vez mais adversa, anulam com fre-quência as vantagens comparativas de produção e tendem a gerar desequilíbrios perigosos nas contas externas.

A ampliação do escopo de instrumentos para além dos admitidos pelo pa-radigma ortodoxo possibilitará atingir objetivos adicionais, bem como aumentar o potencial de combinações de instrumentos. Sem embargo das difi culdades ine-rentes à harmonização entre políticas internas e regras internacionais, será preci-so um esforço contínuo para reconciliar o fortalecimento de regras multilaterais com as políticas nacionais em favor da acumulação de capital e da integração de êxito na economia internacional. E, fi nalmente, embora seja certo que as opções de políticas nacionais terão de ser circunscritas por políticas multilaterais, estas últimas devem ser desenhadas para permitir o máximo de efi cácia e fl exibilidade na aplicação dos instrumentos nacionais.

Na grande conferência da XI UNCTAD, realizada no Brasil em 2004, apro-vou-se documento intitulado Consenso de São Paulo (UNCTAD, 2004a), pelo qual se reconheceu explicitamente a necessidade de assegurar um espaço mínimo de liberdade na escolha das políticas de desenvolvimento como condição para a inserção internacional soberana. Reza o parágrafo correspondente:

É particularmente importante para os países em desenvolvimento, com vis-tas aos objetivos e às metas de desenvolvimento, que todos os países levem em conta a necessidade de um equilíbrio apropriado entre o espaço para políticas nacionais e as disciplinas e compromissos internacionais.

A culminação desse longo debate acerca da margem de discricionalidade que se deve deixar aos países mostrou, na ocasião, que a busca da estabilidade econômica e do equilíbrio não se traduz num falso dilema entre a impossível autarquia e a desastrosa capitulação da soberania nacional diante do poder intru-sivo dos mercados. A integração ou inserção numa economia global não requer, exclusivamente, o uso efi ciente de recursos, mas a contínua expansão e o fortale-cimento dos ganhos cumulativos dos setores produtivos nacionais por meio das exportações e dos fl uxos de capital.

Esse processo não é, contudo, destituído de riscos frequentes de choques, de perdas de emprego, de desorganização de áreas da economia doméstica mais vulneráveis à competição internacional. Por esse motivo, o desafi o não é tanto a respeito do grau ou da velocidade da abertura, mas sim o de encontrar o rit-

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mo mais aconselhável na sequência da liberalização. O que vai ditar, em última análise, o ritmo desejável será a combinação de condições e medidas nacionais e internacionais em cada caso específi co.

Em conclusão, um processo de inserção soberana capaz de produzir resulta-dos equitativos para todos os participantes na divisão internacional do trabalho terá de conciliar, de maneira virtuosa, o indispensável espaço para políticas nacionais, o dinamismo das forças de mercado, e uma ação internacional justa e esclarecida.

12 IMPLICAÇÕES PARA O BRASIL

O escopo deste estudo é desenhar, no contexto do atual cenário internacional da globalização, as condições gerais, válidas em relação a todos, para a inserção internacional soberana, entendida como a necessidade de assegurar um espaço mínimo para políticas nacionais de desenvolvimento. Foge a seu propósito exami-nar em profundidade o caso específi co do Brasil, o que demandaria, é óbvio, um trabalho com natureza e características inteiramente diferentes.

Entretanto, no curso da exposição, são feitas as alusões indispensáveis ao exemplo brasileiro, sempre que pertinente. A fi m de complementá-las, resta re-cordar algo da experiência particular do país, tanto em seus antecedentes históri-cos como no resumo do presente dilema no qual se encontra.

Do ponto de vista histórico, cabe realçar que, a rigor, o problema de escolher entre integrar-se ou não na economia mundial, que era, para nós, a do Ocidente eu-ropeu, jamais se colocou para o território que constituiria o futuro o Brasil. Pela sim-ples razão de que o achamento da terra e sua colonização foram, desde o princípio, subcapítulos da fase de expansão do capitalismo mercantil a partir do século XV.

Conforme descreveu com clareza Caio Prado Júnior, o sentido da coloniza-ção foi sempre fornecer produtos primários da agricultura tropical ou da mine-ração ao mercado externo europeu. Para isso, criaram os portugueses o primeiro exemplo bem-sucedido do que, em inglês, veio a se chamar o plantation system, sistema produtivo baseado no latifúndio das sesmarias, cultivado pelo trabalho do escravo africano. Como colônia de exploração, o futuro país já nasceu integrado, de maneira subalterna e não-autônoma, à economia mundial da época.

Não teria sentido, assim, falar, no caso do Brasil, em falta ou insufi ciência de inserção à economia internacional, o que somente se aplica a países como a China, a Índia ou a antiga Pérsia, antes de sua incorporação ao espaço econômico ocidental. O Brasil, ao contrário, jamais sofreu de carência de inserção, e sim de excesso de uma inserção perversa em senso duplo. Em primeiro lugar, porque, na inserção colonial, o grosso dos benefícios da atividade econômica concentrava-se na metrópole aparente, Portugal, ou na verdadeira, depois de meados do século

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XVII, a Inglaterra. Em segundo lugar, porque o mesmo processo que integrava o país ao mundo exterior contribuía para desintegrá-lo em termos sociais internos. Com efeito, nada é mais desintegrador, do ponto de vista social, do que a concen-tração excessiva da propriedade e a escravidão.

Por conseguinte, integrado à economia mundial o Brasil sempre esteve, uma vez que exportava o principal do que produzia de valor: açúcar, algodão, ouro, diamantes, café. Sua dependência do comércio exterior encontra expressão até na circunstância de ser o único país do mundo cujo próprio nome vem de uma com-modity, o pau-brasil. O problema brasileiro, portanto, nunca foi de quantidade, mas de qualidade da inserção.

A situação não se alterou em substância na Independência, posto que o Brasil herdou a limitação criada por um dos “tratados desiguais” – de 1810, com a Inglaterra, Tratado de Comércio e Navegação, que garantiu aos produtos ingle-ses a baixa tarifa de 15%. Estendida pelos acordos de reconhecimento da Inde-pendência e ampliada aos demais países avançados pela cláusula da nação mais favorecida, a tarifa consolidada internacionalmente representou um sério entrave às fi nanças nacionais num tempo em que o imposto de importação era a principal fonte da arrecadação.

A denúncia dos tratados, em 1842, sua expiração, em 1844, e a tarifa Alves Branco daquele ano tampouco foram sufi cientes para possibilitar a industrializa-ção e a modernização de um país ainda escravocrata até a medula. Não existiam, conforme observou Celso Furtado, as condições objetivas e subjetivas para um processo profundo de transformação. Um dos obstáculos mais graves foi, sempre segundo Furtado, a fraca expansão das exportações durante o século XIX, insufi -ciente para fi nanciar um processo de industrialização.

A malfadada experiência dos “tratados desiguais” levou a monarquia a abs-ter-se de assinar novos acordos comerciais com potências economicamente mais poderosas, comportamento prudente que veio apenas a ser abandonado pela re-pública. Este pano de fundo ajuda, talvez, a explicar a sensibilidade que se afi r-mou no país a propósito do risco de alienar parcela importante da soberania eco-nômica em acordos de tipo assimétrico. Tal sensibilidade voltou a se manifestar, na ocasião da assinatura do acordo comercial com os Estados Unidos dos meados da década de 1930. O mesmo ocorreu na divergência com Washington, em con-sequência da decisão de manter com a Alemanha nazista os chamados “marcos de compensação”, isto é, sobre comércio pago em moeda não conversível.

A busca de crescente autonomia e da modernização da base produtiva have-ria de caracterizar muitos episódios importantes das duas eras Vargas: a suspensão do pagamento da dívida externa, em 1937; a política de queima do café e de au-mento da liquidez interna, durante a Depressão; a implantação da siderúrgica de

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Volta Redonda e, mais tarde, a lei de remessa de lucros e dividendos; a criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletro-brás), nos anos 1950. Tanto no governo de Juscelino Kubitschek como na maior parte do período de 1945 a 1980, prevalece a linha estratégica da implantação da indústria, de substituição de importações sob o amparo de proteção comercial. O Programa das Metas e a ruptura com o Fundo Monetário Internacional são alguns dos marcos conhecidos da época.

Sem insistir na desnecessária rememoração da fase mais recente e melhor conhecida, pode-se afi rmar que, em decorrência dessa apreciável continuidade, o Brasil sofreu menos que seus vizinhos latino-americanos da desindustrialização e perda de autonomia consequentes à crise da dívida externa de 1982 e anos seguin-tes. Merece relevo, por exemplo, a fi rmeza brasileira em não aceitar as limitações que teriam decorrido da proposta da Alca, feita pelos norte-americanos. De ma-neira geral, o país logrou preservar de forma razoável seu espaço nacional de au-tonomia, ao menos em matéria de compromissos comerciais e de investimentos.

Nossa vulnerabilidade tem se concentrado nas áreas monetária e fi nanceira, nas quais esta se manifesta, de tempos em tempos, por meio de crises graves do setor externo e de uma dependência em relação aos fl uxos de capital estrangeiro, muitos deles voláteis, especulativos, de arbitragem ou outros tipos de duvidosa utilidade. O tema tem sido amplamente discutido e não é este o lugar de retomar uma discussão que teria de ser, inevitavelmente, superfi cial. Basta, porém, que se diga que este calcanhar de Aquiles do desenvolvimento brasileiro contrasta, vi-vamente, com a relativa autonomia que nesta matéria souberam defender outros grandes países em desenvolvimento, tais como a China e a Índia.

A experiência de maior êxito no desenvolvimento mediante a inserção inter-nacional, a dos países asiáticos em geral, e, mais recentemente, a da China, revela que o caminho do comércio exterior depende de três elementos principais. São eles, por ordem de essencialidade:

1. Taxa de câmbio propícia, em geral ligeiramente desvalorizada.

2. Capacidade de oferta de produtos com preços e qualidade competitivos, a supply capability, condicionada, por sua vez, pelo custo interno do capital, da estrutura tributária, e da infraestrutura de serviços.

3. As oportunidades de exportação criadas pelos acordos multilaterais ou regionais e pela liberalização do comércio mundial em geral.

Infelizmente, no momento em que escrevo este capítulo (fi ns de julho de 2008), a alarmante e célere deterioração das contas externas e a desmesurada apre-ciação do real tornam os dois primeiros e principais requisitos fora do alcance do país. A superação de tal entrave passa pela recuperação da liberdade de ação nas áreas monetária e fi nanceira.

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Para isso, seria salutar voltar às lições da conferência que Raul Prebisch fez na UNCTAD, em 6 de julho de 1982, na qual comentava:

Naqueles anos da Grande Depressão, iniciou-se na América Latina um fe-nômeno de emancipação intelectual, que consistia em contemplar com espírito crítico as teorias dos centros. E isso sem atitude de arrogância intelectual – essas teorias têm grande valor – mas partindo da necessidade de estudá-las com sentido crítico. Devo dizer (...) que as Nações Unidas desempenharam um grande papel nesse exame crítico que nos levou ao esforço de buscar nossas próprias vias de desenvolvimento – vias não-imitativas – a tratar de compreender essa realidade e de responder às exigências econômicas, sociais e morais do desenvolvimento – as vias da equidade.

Continuava Prebisch, evocando uma evolução estranhamente similar ao que se vive hoje, com a hegemonia do pensamento liberal:

Fomos avançando com enormes obstáculos, mas quando chegaram esses anos de grande prosperidade e nos deixamos deslumbrar pelos centros, esse esfor-ço de busca dos nossos próprios caminhos fi cou interrompido.

Não foi isso apenas, mas em boa parte da América Latina houve um retor-no às teorias neoclássicas sob cuja vigência nós havíamos desenvolvido antes da Grande Depressão para responder aos interesses hegemônicos dos centros e dos grupos hegemônicos da periferia. Deixando à margem, porém, a grande massa da população que não havia sido benefi ciada pela industrialização a não ser de forma incipiente.

Não creio que se possa dizer melhor. Nem que seja possível encontrar inspi-ração mais atual para reiniciar e levar, a uma feliz conclusão, o esforço de Prebisch e de Celso Furtado para completar a “construção interrompida”.

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NOTA BIBLIOGRÁFICA

Como fi cou claro na Introdução, este trabalho visa divulgar, sob forma resumida, o pensamento da UNCTAD a respeito do desenvolvimento, tal como manifesta-do na série dos Relatórios sobre Comércio e Desenvolvimento, ou TDRs, desde sua criação, no começo da década de 1980. A referência bibliográfi ca mais abran-gente seria, por isso, a série completa da publicação, cuja unidade, coerência e penetração analítica a transformaram numa verdadeira “enciclopédia” da teoria do desenvolvimento autônomo.

Em termos mais recentes, consultei, com mais frequência: o TDR, 2004, capítulo III-Openness, Integration and National Policy Space (UNCTAD, 2004b); o TDR, 2006, cap. II – Evolving Development Strategies – Beyond the Monterrey Con-sensus (UNCTAD, 2006a), cap. V – National Policies in Support of Productive Dy-namism (UNCTAD, 2006b), cap. VI – Institutional And Governance Arrangements Supportive of Economic Development (UNCTAD, 2006c); e o TDR, 2007, cap. III – The “New Regionalism” And North-South Trade Agreements (UNCTAD, 2007).

Cada um desses capítulos é complementado por numerosas notas elucidati-vas e uma rica bibliografi a especializada. O acesso aos relatórios, inclusive em es-panhol, pode ser feito por via eletrônica no site www.unctad.org. Remeto, assim, ao texto do relatório e à sua bibliografi a os interessados em aprofundar os temas aqui sintetizados.

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CAPÍTULO 2

MACROECONOMIA DO EMPREGO

João Paulo de Almeida Magalhães

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é defi nir, do ponto de vista da macroeconomia do emprego, os propósitos e perspectivas da economia brasileira. O pleno emprego, no enfoque adotado no país, signifi ca a plena ocupação da mão-de-obra nos mais altos níveis de produtividade proporcionados pela moderna tecnologia. O que signifi ca, em última análise, que a obtenção do pleno emprego da perspectiva de longo prazo, de fundamental importância em países subdesenvolvidos. depende da eliminação do atraso econômico. Assim, buscar-se-á, neste capítulo, apresentar a defi nição de uma política de desenvolvimento conforme a perspectiva de elimi-nação das diferentes modalidades de desemprego.

2 CONCEITUAÇÃO DE EMPREGO

O passo preliminar consiste em defi nir o desemprego, distorção a ser corrigida por meio e medidas específi cas de política econômica. Da perspectiva desta análise, existem três tipos de desemprego, a saber: conjuntural, incremental e qualitati-vo. O desemprego conjuntural é determinado por situações recessivas, problema tipicamente de curto prazo. Até os anos 1950, constituiu-se em uma das preocu-pações fundamentais da mainstream economics, com extensa literatura sobre ciclos Juglar, Kitchin da construção etc. Com a Teoria Geral de John Maynard Keynes, os estudos sobre o tema perderam importância. Este tipo de desemprego podia ser corrigido pelo governo por meio de medidas como injeções monetárias, redução de impostos, entre outras. O desemprego conjuntural manifesta-se tanto em países desenvolvidos quanto em subdesenvolvidos e, por isso, não foi considerado neste trabalho, cujo enfoque fundamental está no problema das economias retardatárias.

O desemprego incremental decorre da incapacidade da economia de absor-ver toda a mão-de-obra nova que se apresenta anualmente ao mercado. Sua solu-ção consiste na aceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, as estimativas da taxa de incremento do PIB necessária para absorver toda a mão-de-obra nova variam entre 4% (SABOIA, 2005) e 6% (ROCHA e ALBU-QUERQUE, 2006). Ora, nos últimos trinta anos, o aumento anual médio do

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PIB brasileiro fi cou abaixo de 3%. Quando esta taxa é inferior à necessária, o de-semprego incremental aumenta, gerando o setor informal na economia. Ou seja, a dimensão do desemprego incremental é dada pelo tamanho do setor informal.

O caso do desemprego qualitativo é mais complexo e exige considerações mais detalhadas. Ele existe quando o trabalhador está ocupado, mas com nível de produtividade inferior à possibilitada pela mais moderna tecnologia disponível.

A primeira percepção do desemprego qualitativo ocorreu nos anos 1950 e 1960, em debates na América Latina, sendo ele, na época, designado como de-semprego estrutural. Assim, a agricultura de país subdesenvolvido absorvia 70% da mão-de-obra nacional. Ora, o mesmo resultado poderia ser obtido com so-mente 10% dos trabalhadores do país, conforme comprovado pela experiência dos países desenvolvidos. A tese era a de que, em razão disso, poder-se-ia consi-derar estruturalmente desempregados 60% dos trabalhadores do país ocupados na agricultura.

Quem melhor equacionou o problema foi, contudo, a economia do desen-volvimento tradicional. Arthur Lewis defende a tese, laureada pelo Prêmio Nobel, de que o crescimento se faz, nas economias retardatárias, em condições de oferta ilimitada de mão-de-obra. Seus continuadores demonstraram que, em consequ-ência disso, o desenvolvimento nestas economias é dual ou dualista, determi-nando a convivência de um setor moderno e outro tradicional. Com o início do processo de desenvolvimento, surge, nas mesmas economias, o setor moderno operando com a mais moderna tecnologia disponível e níveis de produtividade iguais aos dos desenvolvidos. A totalidade das poupanças disponíveis, por mais elevada que seja a porcentagem destas sobre o PIB, só permite equipar parcela limitada dos trabalhadores, passando estes a constituir o setor moderno da eco-nomia. À medida do sucesso das políticas econômicas, os trabalhadores do setor tradicional vão sendo absorvidos pelo setor moderno, até que este último abranja toda a economia. Em situação de desemprego qualitativo, tal como aqui defi nido, acha-se a totalidade dos trabalhadores do setor tradicional.

Em economia subdesenvolvida pode inexistir desemprego incremental, me-dido pelas dimensões da economia informal, mas permanecer a situação de desem-prego qualitativo enquanto existir o setor tradicional, que somente desaparecerá com o pleno desenvolvimento. Para evitar-se o desemprego incremental é necessá-rio que o PIB cresça em ritmo sufi ciente para criar postos de trabalho para toda a mão-de-obra nova que se apresenta ao mercado. No caso do desemprego qualita-tivo, sua eliminação depende de incremento do PIB em velocidade superior à ob-servada nas economias maduras, de forma a ser eliminado o subdesenvolvimento.

Na prática, somente isso pode não ser sufi ciente para eliminar o desempre-go qualitativo, por dois motivos. O primeiro motivo é que, no mundo atual de

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fácil comunicação, os habitantes dos países subdesenvolvidos tomam conheci-mento dos padrões de vida dos países do primeiro mundo. Em consequência do chamado efeito de imitação ou de emulação, eles pressionam para alcançá-los. O resultado é a redução da margem de poupanças do país, o que põe em risco toda a política de desenvolvimento. No setor público, o resultado vai ser a me-nor capacidade de investimento, a elevação da carga fi scal e a grande e crescente dívida pública, tal como se observa hoje no Brasil. Para contornar o problema, a solução é elevar o PIB tão rapidamente quanto possível, de forma a poder atender parte signifi cativa dessas pressões, sem comprometer o desenvolvimento.

O segundo motivo pelo qual o crescimento mais acelerado em relação aos países desenvolvidos não é sufi ciente para a eliminação do desemprego qualitativo é de tipo estrutural. Para que os trabalhadores do país subdesenvolvido atinjam o nível de produtividade das economias maduras, é necessário que sua economia tenha parcela adequada de setores de alto valor adicionado por trabalhador – o que exclui, por exemplo, especialização em commodities.

O ponto fi nal a ser esclarecido é que o pleno emprego qualitativo exclui a possibilidade de existência de desemprego incremental. A ocupação de todos os trabalhadores do país com o mais elevado nível de produtividade permitido pela moderna tecnologia (ou seja, nível igual ao do primeiro mundo) é incompatível com a existência de setor informal na economia. Em sentido oposto, é possível eliminar o desemprego incremental sem que isso signifi que o desaparecimento do desemprego qualitativo. Isso acontece quando o país se especializa em setores de produtividade relativamente baixa.

Enquanto em termos do tempo necessário para atingir seu objetivo a políti-ca de eliminação do desemprego incremental é de prazo médio, a política destina-da a obter igual resultado no desemprego qualitativo é de longo prazo.

Em suma, embora existam pontos comuns entre as políticas a serem levadas adiante em ambos os casos, a separação entre os dois tipos de desemprego é im-portante porque o sucesso no caso de um pode ser acompanhado de fracasso no do outro. Tal como será visto aqui, ocorre na atual experiência brasileira.

Conforme mencionado anteriormente, na concepção adotada no presente trabalho, as políticas destinadas a eliminar o desemprego coincidem com as re-comendadas para eliminar o subdesenvolvimento. Parte delas é válida tanto para o desemprego incremental quanto para o qualitativo. Outras políticas, de caráter específi co, referem-se somente ao desemprego qualitativo. Para maior facilidade expositiva, concentrar-se-á adiante, na seção sobre o desemprego incremental, no exame das medidas de caráter geral, válidas para a correção dos dois tipos de desemprego, enquanto a seção tratará exclusivamente das medidas referentes ao desemprego qualitativo.

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3 DESEMPREGO INCREMENTAL

Esta seção começa por examinar o papel do mercado no desenvolvimento para, depois, abordar a contribuição do capital estrangeiro.

3.1 Papel do mercado

O desemprego incremental deve ser evitado ou reduzido por meio de medidas de aceleração do crescimento.

Quando se fala em aceleração do crescimento, a medida tida usualmente como fundamental é a elevação da margem de poupanças sobre o PIB. E, até mes-mo, por considerar-se insufi ciente a capacidade de poupança do país subdesen-volvido, concede-se vital importância básica ao capital estrangeiro. Isto se refl ete, por exemplo, na desproporcional satisfação com que foi recebido o investment grade recentemente concedido ao Brasil por empresas de classifi cação de risco.

A tese que se sustentará a seguir é a de que o determinante principal do sucesso de políticas de desenvolvimento não é a existência de margem adequada de poupança (interna e externa), mas a capacidade do país de garantir mercado de dimensão e de dinamismo adequados às suas atividades produtivas. Ou seja, o desemprego incremental só será posto sob controle em estratégia cujo enfoque básico seja o mercado.

Na economia do desenvolvimento tradicional, Hirschman (1959) teve a primeira percepção do fato ao mostrar a importância do mercado, sob a forma de ligações para trás (backward linkages) no desenvolvimento, e ao apontar que oportunidades de investimento eram, por si só, capazes de elevar as poupanças. Com o esvaziamento da economia do desenvolvimento, observado após os anos 1960, a percepção não foi aprofundada.

O que permitiu a compreensão da importância fundamental do mercado no desenvolvimento, com o consequente esvaziamento do papel das poupanças, não foram estudos teóricos, mas a percepção do que ocorreu em casos de sucesso em políticas de desenvolvimento.

A correta defi nição dos papéis da poupança e do mercado no desenvolvi-mento resultou de estudo sobre a bem-sucedida experiência dos países do Leste da Ásia, registrada no relatório do Banco Mundial intitulado The East Asian Mi-racle. Nele se mostra que, contrariamente ao unanimemente aceito na mainstream economics, não era a prévia elevação de poupanças que determinava a aceleração do crescimento, mas exatamente o oposto. Ou seja, a aceleração do crescimen-to antecedeu a elevação das poupanças. Os países do Leste da Ásia registravam níveis de poupança de 30% ou mais sobre o PIB sem que se pudesse identifi car neles quaisquer medidas preliminares destinadas a elevar a margem de poupanças.

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O que existia de comum era o reconhecimento, e imediata exploração, de sua competitividade nos grandes mercados mundiais de produtos manufaturados.

Essa surpreendente conclusão foi abundantemente registrada na literatura, conforme se tem a oportunidade de registrar em Magalhães (2005). Os autores que trataram do assunto explicaram o fato de, na experiência asiática, a acelera-ção do crescimento preceder a aceleração de poupanças, afi rmando que, na exis-tência de oportunidades de desenvolvimento ou de investimento, as poupanças elevavam-se endogenamente, no sentido de serem geradas pelo próprio processo de crescimento.

Ora, segundo interpretação aqui proposta, essas “oportunidades de cresci-mento ou de investimento” nada mais fazem do que sinalizar a existência de mer-cado, ganhando, portanto, o status de determinante principal do desenvolvimento.

Mercado deve, no caso, ser entendido como a parcela da demanda global em que o país é competitivo. Este será designado doravante neste capítulo como mercado disponível. A competitividade, que determina a dimensão do mercado disponível, pode resultar de vantagens comparativas naturais, pode ser criada com base em investimentos destinados a baixar custos e melhorar a qualidade do pro-duto nacional, ou pode decorrer de medidas protecionistas.

Se o mercado (no sentido de mercado disponível) é o determinante prin-cipal do desenvolvimento, perde relevância o esforço para o prévio aumento de poupanças, apontado como básico pela mainstream economics. A prioridade trans-fere-se para a abertura de mercados de dimensão e dinamismo adequados.

A experiência histórica brasileira também não foi muito diferente da que ocorreu nos países asiáticos. Os períodos de crescimento acelerado do modelo primário-exportador e do modelo de substituição de importações foram deter-minados por condições favoráveis de mercado. No primeiro caso, o país teve o aproveitamento do mercado internacional de commodities minerais e agrícolas e, muito particularmente, do mercado gerado pela explosão da demanda interna-cional de café. No segundo caso, a aceleração de crescimento resultou, de início, do fechamento do mercado interno decorrente da escassez cambial gerada pela Grande Depressão e, posteriormente, desta mesma escassez acompanhada de me-didas protecionistas de variado tipo. Ou seja, a disponibilidade de mercado, e não um esforço prévio para o aumento de poupanças, foi sempre a condicionante principal do rápido incremento do PIB no Brasil.

A experiência recente do Chile é igualmente signifi cativa a esse respeito. Sua taxa de poupanças (e ritmo de crescimento) superou largamente a dos demais pa-íses da América Latina. O que ocorreu foi, fundamentalmente, o aproveitamento do mercado norte-americano para produtos frutíferos, decorrente da diferença de

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estações entre os dois países. No que se refere às poupanças, durante algum tempo se supôs que o aumento se devesse ao fato de o Chile ter passado do sistema de re-partição para o de capitalização na previdência social. Porém, tal não foi o caso, até porque as maiores poupanças do sistema previdenciário são, total ou parcialmente, compensadas pela queda das poupanças voluntárias (OCAMPO, 1998). Os recur-sos para maiores investimentos provieram de diversas fontes, dependendo do setor considerado, e não de qualquer nova política fi nanceira do setor público.

Cabem aqui algumas observações complementares. A primeira refere-se à forma pela qual se deu esse aumento de poupanças nos subdesenvolvidos. Exa-minando a questão, Akiuz e Gore (1994) mostram que o aumento de poupanças nos países do Leste Asiático ocorreu nas empresas. Isto permite visualizar os me-canismos provavelmente envolvidos no caso do Chile.

Empresários do setor rural perceberam o promissor mercado norte-ameri-cano para o setor de frutas e conexos. A fi m de aproveitá-lo, as empresas rurais passaram a operar em regime de hora extra, a utilizar terras de qualidade infe-rior, e assim por diante. Algo parecido também acontece com os fornecedores de insumos. Os lucros aumentam e são retidos para aproveitar as oportunidades de investimento. Ou seja, as poupanças aumentam rapidamente no setor priva-do envolvido no processo dinâmico sem que sejam adotadas pelo poder público quaisquer medidas específi cas destinadas a obter tal resultado. E com a aceleração no crescimento do PIB, elevam-se, igualmente, as poupanças públicas.

Um aspecto fi nal deve ser assinalado. Nas políticas de desenvolvimento, o aspecto da oferta sempre foi priorizado. Apesar disso, os modelos de desenvolvi-mento foram sistematicamente designados pelo mercado em que se baseavam, o que constitui reconhecimento indireto da importância básica do mercado no crescimento econômico. Assim, ocorreram, no Brasil: o modelo primário-expor-tador, que explorava o mercado externo para bens agrícolas e minerais; o modelo de substituição de importações, baseado no mercado interno de produtos ma-nufaturados; e, atualmente, vem-se tentando a estratégia que recebeu o nome de integração competitiva no mercado mundial e que, se bem-sucedida, vai explorar o mercado internacional de manufaturas.

Não menos importante é o fato de esses modelos terem fracassado, ou te-rem sido abandonados, como resultado da insufi ciência de mercado. O modelo primário-exportador foi deixado de lado por se considerar que o lento cresci-mento do mercado externo para produtos agrícolas e minerais era incompatível com a necessidade de crescimento acelerado indispensável para eliminar o atraso econômico. O modelo de substituição de importações entrou em colapso ao se esgotar o mercado representado pelas importações substituíveis. O modelo de integração competitiva no mercado mundial fracassou pelo fato de o Brasil não

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ter conseguido, a exemplo dos países asiáticos, sucesso no mercado internacional de manufaturas.

3.2 Papel do capital estrangeiro

A análise anterior mostra que a obtenção da taxa de incremento do PIB necessária para evitar ou eliminar o desemprego incremental depende da disponibilidade de mercado e não da prévia elevação de poupanças. O erro consistente em dar primazia à poupança levou à excessiva valorização do capital estrangeiro. A mains-tream economics aponta como condição central das políticas de desenvolvimento o sucesso na disputa, com outros países subdesenvolvidos, do capital estrangeiro. Em razão disso, propugna-se irrestrita aceitação de seu ingresso, bem como rigo-roso cumprimento das regras do jogo por ele consideradas corretas (BRESSER-PEREIRA, 2007).

Diante da nova perspectiva que desautoriza a primazia concedida à pou-pança externa nas políticas de desenvolvimento, torna-se necessário defi nir seu verdadeiro papel nas políticas de eliminação do atraso econômico.

As vantagens alegadas para o capital estrangeiro são de três tipos: a elevação da disponibilidade de poupanças, fornecimento de divisas para importações e introdução de novas tecnologias. Estes três aspectos são analisados a seguir.

Quanto às poupanças, mostrou-se que, diante de estratégia correta de de-senvolvimento, ou seja, capaz de garantir ao país mercado de dimensão e de dina-mismo adequados, o aumento de poupanças ocorre endogenamente. Nos países asiáticos, elas chegaram ao nível de 30% a 40% do PIB. E estas são poupanças internas que, em termos estritos de desenvolvimento econômico, tornam menos relevante a contribuição de fonte externa.

Possivelmente mais signifi cativo para mostrar a importância básica do mer-cado é a experiência do Brasil e da América Latina em geral. Relatório da Co-missão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) registrou que as grandes entradas de capital estrangeiro na região não darem lugar ao aumento proporcional na porcentagem dos investimentos sobre o PIB. Ou seja, este in-gresso de recursos externos estaria sendo usado, segundo a Cepal, para consumo. Seu impacto, em termos de desenvolvimento, seria, assim, nulo ou insignifi cante. Este fenômeno revelou-se especialmente claro no Brasil, onde grandes ingressos de poupança externa não determinaram qualquer aumento na taxa média de in-vestimentos, que se mantiveram sempre em torno de 17% a 18% do PIB.

O processo é facilmente explicável nos termos do paradigma proposto para o crescimento retardatário. Não tendo a América Latina conseguido, após o es-gotamento do modelo de substituição de importações, defi nir nova estratégia de desenvolvimento baseada em mercado de dimensões e de dinamismos adequa-

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dos, as oportunidades de investimento permaneceram limitadas. Diante disso, o ingresso de capitais estrangeiros apenas substituiu (crowded out) o capital nacio-nal, sem qualquer acréscimo no volume de investimentos. Bresser-Pereira (2007) confi rma indiretamente esta explicação ao mostrar que toda vez que a entrada de poupança externa diminui, a poupança interna se eleva para substituí-la. A par disso, ele destaca que, como os países asiáticos estão obtendo superávit nas suas contas correntes, eles não estão importando, e sim exportando poupanças. Do ponto de vista da análise aqui proposta, está-se, com tais fatos, diante de mais uma comprovação de que, nas estratégias de desenvolvimento, a condicionante principal é a disponibilidade de mercado e não de poupanças.

No que se refere à garantia de divisas para importação, é fácil mostrar que a disponibilidade de mercado é também o fator relevante. Os dois modelos básicos de desenvolvimento são o baseado nas exportações (crescimento para fora) e o viabilizado pela substituição de importações (crescimento para dentro).

No primeiro deles, o crescimento é tanto mais acelerado quanto mais eleva-das as exportações. E a disponibilidade de divisas cresce, obviamente, no mesmo ritmo que as exportações. Assim, se existe mercado externo capaz de garantir o crescimento, surgirão, automaticamente, as divisas, ou moeda estrangeira, reque-ridas para sustentação do processo dinâmico. Problemas de divisas só ocorrem quando não houver mercado externo de dimensões adequadas à disposição dos exportadores. Ou seja, a paralisação do crescimento não resultou da falta de divi-sas, mas da insufi ciência de mercado.

O mesmo tipo de raciocínio vale no caso do crescimento para dentro: se não eleva a disponibilidade de divisas, o modelo de substituição de importações eco-nomiza as já existentes ao dispensar importações substituíveis diante da produção interna equivalente. Este tipo de crescimento só se manterá enquanto existirem importações substituíveis. E, enquanto isso ocorrer, serão economizadas divisas necessárias à política de desenvolvimento. A escassez destas só se manifestará ao esgotar-se o estoque de importações substituíveis. Nesse caso, a economia estag-nará não por falta de divisas, mas por insufi ciência de mercado.

Resta a questão da tecnologia. Nos processos de desenvolvimento, o essen-cial são as tecnologias maduras. Estas se acham largamente disponíveis no merca-do internacional e são facilmente obtidas mediante pagamento de royalties. Como nos dois modelos de crescimento as divisas são automaticamente geradas, haverá sempre moeda estrangeira sufi ciente para pagar os royalties. Portanto, a obtenção de tecnologia independe da entrada de capital estrangeiro.

Em fase mais avançada do desenvolvimento, tecnologias de ponta fazem-se necessárias para proporcionar competitividade à produção nacional, mas não se acham disponíveis no mercado externo. Nesse caso, a tecnologia deve, por

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defi nição, ser gerada internamente. Ninguém vende tecnologias de ponta a con-correntes. E, em estratégias efi cazes de desenvolvimento, os recursos necessários para pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias serão proporcionados pelo aumento endógeno das poupanças.

Existe, sem dúvida, a possibilidade de recusa arbitrária pelos desenvolvidos de fornecer tecnologia madura. A experiência concreta mostra que, também nes-se caso, não haverá problema. Isso porque estas tecnologias podem pura e sim-plesmente ser copiadas, independentemente da licença dos titulares das patentes. É justamente a facilidade da cópia que leva os países desenvolvidos a defenderem suas patentes, por meio de legislação internacional e de todo o tipo de pressão sobre as economias atrasadas, para que tal legislação seja respeitada. Ou seja, a escolha para eles é entre fornecer voluntariamente as tecnologias maduras e rece-berem royalties, ou vê-las simplesmente copiadas sem qualquer pagamento.

Para concluir, cabe observação importante. O objetivo da análise anterior não é negar o signifi cado do capital estrangeiro nas políticas de desenvolvimento. O que aqui se faz é recusar o papel central que se pretendeu lhe conceder, transferindo para ele o comando das políticas de desenvolvimento das economias retardatárias.

Para bem compreender a contribuição do capital estrangeiro para o desen-volvimento, pode-se recapitular a experiência chinesa. Este país, que constitui caso de maior sucesso em políticas de desenvolvimento, é importante exportador líquido de poupança, conforme atestam seus grandes superávits nas transações correntes. E é, ao mesmo tempo, importante receptor de capital estrangeiro. O que acontece na China pode ser explicado por meio de exemplo simples.

Considere-se que uma fi rma norte-americana decida investir US$ 100 mi-lhões na China para a criação de fi lial. O governo chinês recebe esta quantia dando, em troca, uma soma correspondente em moeda local. Em vez, porém, de utilizar os dólares recebidos para importações, eleva suas reservas cambiais em igual montante. Ou, na prática, devolve a poupança aos Estados Unidos por meio da compra de títulos da dívida pública do governo norte-americano.

A China aceita a empresa estrangeira porque ela pode colaborar para o de-senvolvimento do país por meio de investimento nos setores em que o empre-sariado local, por não ter experiência, hesita em entrar, nos quais há escassez de mão-de-obra local com o treinamento requerido e, fi nalmente, pelo fato de o setor usar tecnologia cuja utilização exige know how ainda inexistente no país. O investimento nestes setores poderia, sem dúvida, ser assumido pela iniciativa privada local, porém a prazo mais longo e com riscos maiores. A par disso, a ex-periência demonstra que a implantação de empresa estrangeira facilita e estimula a criação, no mesmo setor, de empresas nacionais. Em suma, posto que o capital estrangeiro não tenha a vital importância alegada pela mainstream economics, ele

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pode contribuir efi cazmente para o desenvolvimento ao facilitar e acelerar o in-gresso do país em novos setores.

4 DESEMPREGO QUALITATIVO

4.1 Equacionamento do problema

Logo após a Revolução Industrial, os países pioneiros do processo industrial pro-curaram reservar para si o monopólio do setor mediante a criação de obstáculos a medidas protecionistas, o que é considerado um passo inicial indispensável à industrialização retardatária. Até a Segunda Guerra Mundial não tiveram grandes problemas para alcançar este objetivo, dado que boa parte da Ásia e da África se achavam subjugadas pelo pacto colonial. Países como a China e o Japão, que mantiveram sua independência, viram-se forçados, por meio de pressão militar, a abrir suas economias. Na América Latina basta lembrar o caso do Brasil, com-pelido, durante praticamente toda primeira metade do século XIX, a aceitar ta-rifa aduaneira máxima de 15% sobre produtos ingleses importados. Em suma, somente conseguiram resistir à pressão e se industrializarem três países: Estados Unidos, China e Japão.

Após a Segunda Guerra, até mesmo em razão da independência das colônias e da disputa entre os blocos capitalista e socialista, desapareceram as condições para o tipo de pressão político-econômica do período anterior. Paralelamente, países como o Brasil, em função da difi culdade das importações decorrentes da Grande Depressão, haviam criado base industrial signifi cativa. O objetivo tor-nou-se, então, impedir que a industrialização desses países fosse além do setor de commodities industriais. Esta manobra, em muitos casos, foi facilitada pelas grandes reservas de recursos naturais existentes em alguns desses países, o que lhes conferia vantagens competitivas naturais neste segmento da economia. Acontece que a especialização em commodities agrícolas e industriais, setores de baixa pro-dutividade por trabalhador, signifi ca a perpetuação do desemprego qualitativo, cuja eliminação depende de se obterem níveis de produtividade não inferiores aos dos atuais países desenvolvidos.

Os instrumentos utilizados pelos desenvolvidos para alcançar tal objetivo foram de diversas naturezas. A seguir serão examinados os relevantes para a eco-nomia brasileira. São eles: o Consenso de Washington, a atuação da Organização Mundial do Comércio (OMC), a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o grande peso da China no comércio internacional, e a aceitação das consequências da doença holandesa e da sobrevalorização do real.

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Consenso de Washington

Como as pressões político-econômicas haviam se tornado inviáveis, o instrumen-to ideológico passou a ser utilizado. Tratava-se, em última análise, de convencer as economias retardatárias de que a melhor forma de eliminar seu atraso econômico seria a abstenção do Estado e a irrestrita abertura à entrada de capital e de mer-cadorias estrangeiros. Receituário sacramentado pelo Consenso de Washington, este preceito levaria inexoravelmente à especialização em commodities

A primeira tentativa não foi inteiramente bem-sucedida, visto que os países subdesenvolvidos hesitaram em renunciar aos setores de maior refi namento tec-nológico em que haviam ingressado após 1930. No Brasil, por exemplo, quando a ampla abertura comercial ameaçou tirar do mercado as montadoras de veículos instaladas no país, o governo reagiu difi cultando as importações. Foi o condicio-namento, em 1995, da importação de veículos a exportações correspondentes, e do estabelecimento, em 1996, de quotas para a importação de veículos oriundos de outros países, como Coreia do Sul, Japão e da União Europeia (LATINI, 2007).

Passou-se, então, a apelar para outros instrumentos consistentes na proposta de abertura do mercado dos países subdesenvolvidos em troca de abertura corres-pondente nos países desenvolvidos. Como em vários países, tal qual o Brasil – as vantagens comparativas naturais acham-se em recursos minerais e solos agricultá-veis era fácil prever sua inevitável especialização em commodities: o que não se con-seguiu por via ideológica, era esperado que se obtivesse por meio de negociações.

Organização Mundial do Comércio

No fi nal da Segunda Guerra Mundial, em uma reunião realizada em Bretton Woods, criou-se, na área econômica, uma série de instituições destinadas a assegurar o bom comportamento internacional dos países em termos comerciais e fi nancei-ros, e a promover o desenvolvimento econômico. Destas últimas instituições, ti-nha importância fundamental a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), cujo objetivo, segundo reivindicação dos sub-desenvolvidos, era promover, em favor deles, a abertura geral, não discriminatória e não recíproca, do mercado dos países desenvolvidos. Ela atendia à reivindicação das economias retardatárias que tinham, à época, como mote, a insígnia Trade not aid. Na prática, apesar das diversas tentativas de dar à entidade condições para atender a seu objetivo original, hoje ela consegue fazer pouco mais do que publi-car excelentes relatórios anuais sobre o comércio e o desenvolvimento no mundo.

No que concerne à regulação do comércio internacional, a entidade inicial-mente criada foi o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT – sigla em inglês para Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Seu objetivo não era promover o desenvolvimento econômico, mas regular as relações comerciais no mundo, e,

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muito especialmente, promover a abertura do comércio entre países. O GATT fora substituído pela OMC, entidade com poderes muito mais amplos.

A ação da OMC teve duas vertentes antidesenvolvimentistas. A primeira de-las, sob a alegação de que interferiam no livre comércio internacional, proibiu medidas que haviam, no passado, se revelado extremamente úteis às políticas de desenvolvimento, tais como obrigar os investidores estrangeiros a utilizar percenta-gens preestabelecidas de insumos nacionais, exigir a exportação de parcela determi-nada de sua produção, condicionar importações à prévia realização de exportações e assim por diante. Iniciativas desse tipo não podiam ser tomadas pelo GATT, que não tinha poderes para interferir nas políticas internas dos países membros.

A segunda vertente da atuação da OMC, mais signifi cativa do ponto de vista desta análise, foi promover negociações internacionais sobre a abertura de merca-dos, nas quais países desenvolvidos e subdesenvolvidos eram colocados em pé de igualdade. A consequência foi a criação, para os últimos, de incentivos para aceita-rem especialização em commodities, fato este ilustrado pelas negociações da Rodada Doha, em que se propõe que o Brasil troque a abertura de setores industriais e de serviços por liberação às suas exportações agrícolas, dos mercados dos Estados Unidos e da União Europeia. Ou seja, a OMC transformou-se em promotora da especialização em commodities dos subdesenvolvidos dotados de abundantes recursos naturais. Ou ainda, do ponto de vista desta análise, em instrumento de perpetuação, nestes mesmos países, do desemprego qualitativo.

Área de Livre Comércio das Américas (Alca)

De acordo com a literatura especializada, as integrações regionais devem abranger somente países com nível de desenvolvimento aproximadamente igual para que constituam instrumento adequado ao objetivo de eliminação do atraso econômico. Isto signifi ca que a diferença entre os participantes, em termos de produto per ca-pita, não deve superar a relação de um para dois ou um para três. Isso porque, no caso de países com nível muito diferente de desenvolvimento, o mercado aberto pela integração para os mais atrasados será o dos setores de tecnologia elementar e baixo valor adicionado por trabalhador. E, no caso de países menos desenvolvidos com abundância de recursos naturais, implicará especialização em commodities.

Ora, a relação em termos de produto por habitante entre o Brasil e os Es-tados Unidos supera em muito o máximo aceito de três, o que, por si só, desa-conselha o ingresso do país na Alca. Os defensores da medida alegam, no sentido oposto, que o Brasil não poderia perder a oportunidade de ter aberto para si o maior mercado mundial, o dos Estados Unidos. Os defensores desta tese não percebem ser relevante não o mercado legalmente disponível, mas o mercado eco-nomicamente disponível, isto é, aquele em que os produtos brasileiros gozam de efetiva competitividade. No caso dos Estados Unidos, o mercado disponível para

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o Brasil é, essencialmente, o de commodities agrícolas e industriais. E o mercado brasileiro, em que a concorrência norte-americana se revelaria irresistível, é o dos produtos de alta tecnologia e elevado valor adicionado por habitante.

A Alca levaria inexoravelmente à especialização em commodities. Isto não sig-nifi caria a total desindustrialização do país, mas apenas a destruição de todo o seu setor industrial em que não fossem de fundamental importância os recursos natu-rais. Seriam preservados apenas setores de commodities industriais, como produção de aço e alumínio, de papel e celulose, de derivados do petróleo e equivalentes.

Em suma, a única diferença entre a OMC e a Alca é que a primeira foi criada para promover os interesses de todos os países desenvolvidos, e a segunda, apenas os dos Estados Unidos.

China

O caso da China difere, de maneira fundamental, dos anteriormente analisados. Não se trata de pressão de países desenvolvidos para obterem a especialização dos subdesenvolvidos em commodities agrícolas e industriais. O problema decorre da aceitação da teoria das vantagens comparativas, com seu corolário de total aber-tura ao comércio internacional. No caso da China, a vantagem comparativa de-corre, essencialmente, de seus baixíssimos salários que lhe conferem excepcional competitividade, sobretudo em setores intensivos de trabalho.

A primeira tentativa de justifi car medidas protecionistas contra aquele país foi a de que estava praticando um dumping social. Argumento falso, porque a abundância de mão-de-obra constitui vantagem comparativa, tanto quanto, por exemplo, a grande disponibilidade de terras agricultáveis. Sucede apenas que, contrariamente a estas últimas, a vantagem competitiva proporcionada pelos sa-lários é estritamente provisória, e a abertura exigida pela teoria das vantagens comparativas só se aplica na existência de vantagens permanentes.

Um exemplo é o caso do Brasil: a total abertura do mercado brasileiro a produtos chineses levaria, provavelmente, ao desaparecimento de importantes setores, como o têxtil, o calçadista, de vestuário e outros intensivos de mão-de-obra. Com ganhos, sem dúvida, para o consumidor. Acontece que, à medida do sucesso na política de desenvolvimento daquele país, seus salários se elevarão até chegarem ao nível do dos brasileiros. Com isso, os preços dos produtos chineses se tornarão iguais aos praticados nos setores brasileiros destruídos por sua con-corrência. Ou seja, ganhos temporários para os consumidores teriam sido obtidos mediante perdas irreparáveis para o Brasil, tanto em termos de investimentos quanto em termos de empregos.

A solução do problema seria a que aqui se apresenta. Determinar-se-ia a quantidade direta e indireta (i. é, embutida nos insumos) de trabalho incorpo-

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rado aos produtos chineses. Calcular-se-ia, em seguida, qual seria o preço destes produtos se os salários pagos na China fossem dos níveis praticados no Brasil. Co-brar-se-ia, depois, sobre importações oriundas daquele país, tarifa aduaneira sufi -ciente para que o preço do seu produto se tornasse igual àquele que resultaria do pagamento de salários iguais aos dos brasileiros. Daí estas tarifas seriam reduzidas à medida que fossem desaparecendo as diferenças salariais entre os dois países, até serem totalmente eliminadas, tal como exige a teoria das vantagens comparativas.

Doença holandesa

Outro problema que poderá levar o Brasil a se especializar em commodities decor-re do grande aumento do preço destes produtos no mercado internacional. Em consequência disso, o Brasil está exportando quantidades crescentes de produtos agrícolas e minerais e outros em que os insumos naturais têm grande peso. Especi-fi camente no setor industrial, ocorre cada vez menos a exportação e cada vez mais importação de produtos de maior refi namento tecnológico.

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) denunciou esse fato como de desindustrialização relativa da economia brasileira. A objeção levantada foi a de que dados disponíveis mostram o ininterrupto aumento, em valor e quantidade, do setor manufatureiro nacional. Na verdade, denominar o processo de desindustrialização relativa não exprime corretamente o que está acontecendo. Melhor designação seria a de desindustrialização qualitativa, que sinaliza o fato de se estar evoluindo para o setor manufatureiro, no qual unidades produtivas de tecnologia refi nada e o alto valor adicionado por trabalhador estão reduzindo sua participação, relativamente a outras com as características opostas. A desindustrialização qualitativa é perfeitamente compatível com o crescimento quantitativo do conjunto do setor manufatureiro. Pode-se, até mesmo, alegar que o crescimento acelerado da atividade fabril sinaliza, nas condições presentes, o fato de a deterioração qualitativa do setor estar sendo levada rapidamente adiante.

O tipo de evolução observada no Brasil ocorreu igualmente na Holanda quando, em virtude da descoberta e da exploração de grandes jazidas de gás, deu-se, no país, o esvaziamento da atividade fabril. A literatura designou esta indesejável evolução como “doença holandesa”. O que está sucedendo no Brasil é algo semelhante. Diante do grande aumento das cotações internacionais das com-modities, o Brasil está se concentrando na produção destes bens, em detrimento de setores de tecnologia avançada.

Essa tese foi recentemente contestada em coletânea organizada por Barros e Giambiagi (2008). A primeira contribuição nesse sentido é de Barros e Pereira (2008). Estes autores alegam que existe simples reestruturação da indústria brasi-leira numa época de transformações globais. Como não negam que essa reestru-turação está sendo feita em favor de atividades largamente utilizadoras de recursos

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naturais, é lícito afi rmar que a modifi cação em curso, ao privilegiar setores de baixa tecnologia, constitui algo semelhante à doença holandesa. Será relevante o fato de que, na Holanda, a produção manufatureira foi substituída por atividade primária e, no Brasil, a mudança ocorre fundamentalmente no âmbito do setor industrial?

A segunda contribuição no sentido de negar a doença holandesa é de Jank et al. (2008). Os autores apresentam dados estatísticos, segundo os quais não estaria havendo mudança no setor manufatureiro decorrente do mais rápido crescimento nas atividades de tecnologia elementar e baixo valor adicionado por trabalhador. Ora, dados apresentados por Barros e Pereira (2008), na mesma coletânea, con-testam esta tese. Em suas palavras: “(...) percebe-se uma tendência de ganho rela-tivo das atividades com tecnologia baseada em recursos naturais em detrimento de todas as demais” (BARROS e PEREIRA, 2008, p. 322). E continuam: “As atividades com tecnologia intensiva em recursos naturais (...) tiveram o maior aumento na participação dos investimentos realizados pela indústria entre 1996 e 2004” (op. cit., p. 324).

O Iedi, ao dividir as exportações industriais brasileiras em setores de tec-nologia alta, média-alta, média-baixa e baixa, mostra ganhos nas exportações em termos de peso relativo dos dois setores de tecnologia menos refi nada. Nas im-portações sucede exatamente o oposto, com crescente predomínio dos setores de tecnologia mais avançada. Está-se, provavelmente, no caso das estatísticas citadas por Jank et al. (2008), diante de diferença na classifi cação dos diferentes segmentos industriais em termos de conteúdo tecnológico. É correta, sem dúvida, a afi rma-ção dos autores de que o avanço das atividades de baixa tecnologia ainda não teve impacto signifi cativo na estrutura industrial brasileira. Da perspectiva de políticas de desenvolvimento, todavia, o importante é o longo prazo. E se a tendência atual não for contida, o Brasil se transformará em grande produtor e exportador especia-lizado em commodities primárias e industriais. Ou, do ponto de vista do presente trabalho, estará condenado à situação permanente de desemprego qualitativo.

Jank et al. (2008) alegam que o Brasil não está diante da “doença holan-desa”, mas de uma “doença brasileira” que estaria afetando as exportações: falta de investimentos em infraestrutura, defi ciências no âmbito regulatório, impostos elevados, e assim por diante. Sem aprofundar a questão, observa-se apenas que esta suposta “doença brasileira” pode prejudicar as exportações em geral, mas não determina sua mudança qualitativa em favor de atividades de baixa tecnologia.

O que se deve igualmente levar em conta é que a doença holandesa tende a ser bem mais perniciosa em países subdesenvolvidos. Apesar de afetada por ela, a Holanda continua a ser um país desenvolvido. Isto porque, em economias maduras, o setor serviços tem maior peso e dinamismo, o que faz nelas menos sig-nifi cativas as perdas no setor fabril. Nas economias retardatárias, pelo contrário,

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por ainda dependerem da indústria para chegarem ao pleno desenvolvimento, a situação é bem mais grave.

Sobrevalorização cambial

O que realmente se pode discutir é até que ponto a evolução indesejável do setor industrial brasileiro se deve à doença holandesa ou resulta simplesmente da so-brevalorização do real. A sobrevalorização do real e a doença holandesa são dois fenômenos diferentes, podendo um existir independentemente do outro. Tal fato fi ca particularmente claro no caso brasileiro, em que a sobrevalorização do real resultou, pelo menos em boa parte, das grandes entradas de capital especulativo atraído pelos altíssimos juros praticados no país.

Moeda sobrevalorizada, na medida em que difi culta exportações, oferece condições para o predomínio, nas vendas externas, de setores em que o país tem vantagens comparativas naturais – nas quais, portanto, ele é normalmente com-petitivo. No Brasil, estes são os setores intensivos de recursos naturais. No caso dos demais setores em que a competitividade foi criada, e, sobretudo, quando ela resultou de políticas protecionistas, a sobrevalorização tem maior impacto negati-vo. Portanto, a sobrevalorização cambial é capaz de explicar, por si só, a evolução da economia brasileira no sentido da especialização em commodities. Na prática, a doença holandesa e a sobrevalorização cambial reforçam-se mutuamente diante da recusa do governo brasileiro em adotar medidas corretoras. No caso da sobre-valorização cambial, a omissão é justifi cada pelas vantagens da taxa de câmbio fl utuante. Ora, evidentemente ninguém está defendendo taxa de câmbio fi xa, tal como criada no contexto dos acordos de Bretton Woods. Flutuação controlada é, todavia, perfeitamente exequível, conforme atesta a experiência de países asiá-ticos, que, em razão dela, mantêm sua moeda permanentemente subvalorizada, com ganhos signifi cativos em termos de competitividade internacional.

Um aspecto fi nal ainda deve ser considerado. Pode acontecer que, em vir-tude da entrada no mercado internacional das economias emergentes asiáticas, de recursos naturais escassos, passe a ocorrer grande e permanente aumento no preço das commodities, com a consequente elevação no seu valor adicionado. A especialização neste setor se tornaria, em razão disso, aparentemente aceitável, ou até desejável, para países com abundância de recursos naturais. A especializa-ção em commodities é, de fato, usualmente rejeitada por se tratar de setor de baixo valor adicionado por trabalhador.

Contra essa interpretação existem, porém, objeções ponderáveis. A utili-zação de recursos naturais não-renováveis como base de políticas de desenvolvi-mento se defronta com a objeção de que, mais cedo ou mais tarde, suas reservas se esgotarão, levando o país a impasse econômico difícil de ser contornado. Quanto aos recursos naturais renováveis, tipicamente agrícolas, estes se defrontam com

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o problema de sua elasticidade-renda inferior a um, situação identifi cada pelas chamadas Leis de Engel. Ou seja, se o produto per capita dos países asiáticos for multiplicado por dez, nem por isso eles comerão dez vezes mais carne ou toma-rão dez vezes mais café. A especialização no setor proporcionará, assim, ganhos substanciais durante certo período, os quais serão drasticamente reduzidos em prazo mais longo.

Objeção mais importante é, contudo, a seguinte: não se está diante de opção necessária entre bens tecnologicamente refi nados e commodities. Como a dispo-nibilidade de mercado eleva endogenamente as poupanças, é possível investir ao mesmo tempo em commodities e produtos de tecnologia avançada. Isso porque, garantido o mercado para eles, a poupança necessária surgirá endogenamente, não havendo motivo para se optar entre um e outro.

Ao fazer isso, o país, não só evitará o problema da especialização em commodi-ties, como se candidatará ao superdesenvolvimento, porque, além de ter os mesmos produtos de alta tecnologia e elevado valor adicionado dos países desenvolvidos, produzirá, diferentemente destes, commodities de alto valor adicionado. Em suma, por meio de política adequada de desenvolvimento será possível para países abun-dantes em recursos naturais superar os excelentes resultados dos países asiáticos.

5 UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO COM BASE NO MERCADO

A forma de evitar o desemprego incremental é a elevação do PIB em ritmo sufi -ciente para proporcionar emprego a toda a mão-de-obra nova que se apresenta ao mercado. Para eliminar o desemprego qualitativo, o PIB per capita deve crescer pelo menos em ritmo superior ao registrado nas economias maduras. Ou seja, a política econômica requerida para o alcance do pleno emprego defi nido nos termos aqui propostos confunde-se com a política de desenvolvimento. É este o tema que será tratado a seguir. E como o sucesso desta política depende de se conseguir disponibilidade adequada de mercado, é deste ponto de vista que ela deve ser formulada.

Antes de se iniciar diretamente o assunto, dois pontos básicos devem ser esclarecidos. A análise anterior mostra que qualquer política de desenvolvimento deve ter como base a criação, ou o aproveitamento, da disponibilidade de mer-cado. Ora, no Brasil, houve importante divergência sobre se política de desen-volvimento deve basear-se fundamentalmente no mercado interno ou externo. O segundo ponto importante é que políticas de desenvolvimento, sobretudo em sua fase inicial, têm necessidade do instrumento protecionista. Ora, os defen-sores do neoliberalismo afi rmam que o protecionismo deve ser substituído pela eliminação do custo país (custo Brasil, no caso). Estes dois aspectos devem ser, portanto, preliminarmente examinados.

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5.1 Mercado interno e mercado externo

O primeiro ponto a ser decidido é se essa estratégia se apoiará no mercado interno ou externo. Este aspecto é importante porque, quando em 1980 se esgotou o mo-delo de substituição de importações, houve divergência no Brasil sobre a conve-niência de se insistir no crescimento para dentro, ou baseado no mercado interno, ou se seria o caso de se passar ao crescimento para fora, baseado nas exportações.

A primeira alternativa foi defendida por Celso Furtado. Segundo ele, o mo-delo de substituição de importações havia se esgotado por não existir em países subdesenvolvidos, diferentemente do que ocorre nas economias maduras, “anel de feedback” capaz de garantir a criação automática do mercado necessário à ma-nutenção do incremento do PIB.

Nos desenvolvidos, a mão-de-obra é escassa e o poder de negociação dos sindicatos, elevado. Em razão disso, o aumento do produto por trabalhador é acompanhado de elevação proporcional dos salários e, portanto, do mercado. É o “anel de feedback” que garante a demanda sufi ciente para manter a taxa de incremento do PIB.

Nos países subdesenvolvidos, pelo contrário, a mão-de-obra é abundante, o que, ligado ao uso de tecnologia labour saving importada, impede que a demanda de trabalho pressione sufi cientemente a oferta para o salário se elevar em ritmo igual ao do produto por trabalhador. Com isso, surge o problema da insufi ciência de mercado. Enquanto, no crescimento para dentro, existir reserva de mercado representada pelas importações substituíveis, não haverá problema. A ausência do “anel de feedback” em países subdesenvolvidos é compensada pelo aproveitamen-to do mercado representado pelo estoque de importações substituíveis. Esgotado este, surge o impasse que levou, no Brasil, ao colapso do modelo de substituição de importações.

Para Furtado, a solução do problema se acha em grande programa de re-distribuição de renda. Este daria aos trabalhadores brasileiros o poder aquisitivo que, nos países desenvolvidos, é proporcionado pelo “anel de feedback”, contor-nando-se, dessa forma, o problema representado pela insufi ciência de mercado. Em virtude disso, o crescimento para dentro, ou proporcionado pelo mercado in-terno, poderia prosseguir indefi nidamente. E este modelo seria preferível porque independe de decisões tomadas no exterior, tais como o fechamento do mercado agrícola dos Estados Unidos e União Europeia.

Este próprio autor, com base nas análises de Rosenstein-Rodan, propôs a tese de que o colapso do modelo de substituição de importações resultou do problema da indivisibilidade. A moderna tecnologia exige a criação de unida-des produtivas de grande porte. Enquanto existia mercado complementar repre-sentado pelo estoque de importações substituíveis, o modelo de substituição de

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importações pôde manter-se sem maiores tropeços. Esgotado o estoque, o cresci-mento do mercado proporcionado pelo crescimento vegetativo do PIB revelou-se insufi ciente para, contornando o problema da indivisibilidade, permitir a criação de unidades produtivas de grande porte, com o inevitável colapso do modelo de substituição de importações. A solução óbvia consiste em complementar o mer-cado interno com o externo por meio de exportações.

Em outros trabalhos foi demonstrado que a simples distribuição de renda não é sufi ciente para contornar o problema da indivisibilidade (MAGALHÃES, 2005). No presente texto, aceitou-se, sem maior aprofundamento, que o proble-ma é realmente de indivisibilidade, donde a necessidade, esgotadas as oportunida-des de substituir importações, de passar-se ao crescimento para fora.

5.2 Protecionismo e custo Brasil

A mainstream economics, não podendo condenar liminarmente o protecionismo, passou a declará-lo um second best relativamente à eliminação do custo país (custo Brasil, no caso em exposição). Sucede que os altos custos registrados nos países subdesenvolvidos (infraestrutura defi ciente, mão-de-obra de baixa qualifi cação, sistema fi nanceiro inadequado, inexistência de facilidades para pesquisa tecnoló-gica, sistema fi scal primitivo, burocracia de má qualidade etc.) constituem coro-lários normais do atraso econômico que, portanto, só desaparecerão com o pleno desenvolvimento.

Colocando a questão sob outro enfoque, dir-se-á que a eliminação do custo país exige grandes investimentos somente possíveis em países desenvolvidos. Fica-se, assim, diante do seguinte paradoxo: para chegar-se ao pleno desenvolvimento é necessário eliminar o custo país; para eliminar o custo país são indispensáveis grandes investimentos; e grandes investimentos só são possíveis em países desen-volvidos. Ou seja, o que se está dizendo, na questão do custo país, é que, para se desenvolver, o país tem de, preliminarmente, ser desenvolvido.

Contra essa objeção, os defensores da posição neoliberal poderiam alegar que os recursos para eliminação do custo país podem ser fornecidos pela poupan-ça externa, bastando, para tanto, que o país subdesenvolvido mantenha condições favoráveis a ela. Acontece, porém, que difi cilmente o capital estrangeiro estará interessado em criar as condições, até mesmo por meio de investimentos a fundos perdidos, para que o país subdesenvolvido se torne competitivo em setores de tecnologia refi nada e alto valor adicionado por trabalhador.

A eliminação do custo país com base no capital estrangeiro se concentraria, fundamentalmente, na preparação do país para aproveitar suas vantagens compa-rativas naturais, o que signifi ca, no caso do Brasil, a especialização em commodities agrícolas e industriais.

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No protecionismo, a simples reserva do mercado interno para produtores locais resultaria em aumento endógeno das poupanças, tanto privadas quanto públicas, que permitiriam ao país lançar mão dos meios e dos modos de criar competitividade da empresa nacional em setores de alta tecnologia e rápido cres-cimento. A eliminação do custo país constituiria, neste caso, simples subproduto de estratégia efi caz de desenvolvimento que, em sua primeira fase, depende do protecionismo.

Em suma, a tese do ataque prioritário ao custo país representa, ao lado de negociações conduzidas no âmbito da OMC e de propostas de integração regional, como a Alca, mais uma tentativa dos países desenvolvidos e de orga-nismos internacionais de levar os países subdesenvolvidos a se especializarem em commodities.

5.3 Linhas básicas da estratégia de desenvolvimento

Acha-se além do escopo do presente capítulo aprofundar as características de nova estratégia econômica para o Brasil. Diante, porém, da tese aqui defendida de a disponibilidade de mercado ser o determinante principal do processo de desen-volvimento, tornou-se importante mostrar as linhas básicas da política de merca-do em estratégia de desenvolvimento.

Antes de entrar diretamente no tema, convém recapitular sucintamente as políticas econômicas implementadas nas economias maduras, a fi m de sublinhar a diferença entre estas e o recomendável para economias retardatárias. Este aspec-to é relevante porque, a menos que exista ambiente favorável ao desenvolvimento, políticas corretas de mercado podem ter seus resultados comprometidos.

Nos países desenvolvidos, da perspectiva do longo prazo, a norma é a abs-tenção do governo. O crescimento econômico ocorre pela simples ação dos meca-nismos de mercado, o que dispensa a defi nição e a implementação de estratégias econômicas. Da perspectiva de curto prazo, o papel do governo não vai além de estabelecer as regras do jogo econômico e de garantir os equilíbrios fundamentais, cambial, fi scal e monetário.

Desses equilíbrios, o monetário é sempre considerado o mais suscetível a rompimento, pelo que se considera conveniente o estabelecimento de metas de infl ação. E o instrumento utilizado para alcançar estas metas é a elevação da taxa de juros – elevação esta a ser feita sempre que a situação ameace fugir de controle. Políticas econômicas com tais características são perfeitamente corretas em eco-nomias maduras. O problema acha-se no fato de a doutrina neoliberal, por não reconhecer a diferença entre economias maduras e retardatárias, pretender dar-lhes aplicação também no caso dos subdesenvolvidos.

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Nesses países, a simples existência de desempregos incremental e qualitativo denuncia a defi ciente operação dos mecanismos de mercado, tornando indispen-sável ação corretora do governo. Da perspectiva de longo prazo, esta deve tradu-zir-se em estratégia econômica, descrevendo os meios e os modos de se chegar ao pleno desenvolvimento.

Conforme mostrado anteriormente, o sucesso da estratégia depende de se garantir mercado disponível de dimensões e dinamismo adequados. Na primeira fase do desenvolvimento, o mercado que deverá comandar o processo é o interno, no âmbito do modelo de substituição de importações. Sua grande vantagem é que a competitividade, que proporciona a disponibilidade de mercado, pode ser obti-da por meio de medidas protecionistas. Estas isentam despesas do poder público para dar competitividade à produção nacional.

Essa fase foi vencida pelo Brasil, o que dispensa maior aprofundamento do tema. É importante, todavia, deixar claro o papel do capital estrangeiro. Este teve grande peso no modelo de substituição de importações no país, tendo sido sua contribuição, porém, do tipo anteriormente examinado no caso chinês, isto é, ele viabilizou o ingresso do Brasil em setores em que as empresas locais careciam de experiência, facilitando e acelerando o processo de industrialização. O papel signifi cativo do investimento estrangeiro não pode, entretanto, ser interpretado como desmentido à tese do papel central do mercado. Pelo contrário, o sucedido foi que, garantida a disponibilidade do mercado interno para o produtor local por meio de barreira às importações, não apenas houve elevação endógena da poupança interna, como também substancial aumento no ingresso da poupança externa. Ou seja, assegurada a disponibilidade de mercado, elevam-se espontane-amente, além da poupança interna, também a de origem externa, fi cando, assim, confi rmada a tese de que a disponibilidade de mercado é que comanda o processo.

A fase seguinte, a da estratégia de desenvolvimento, deve basear-se no mercado externo, i. é, nas exportações. Neste momento a competitividade ou o mercado dis-ponível depende fundamentalmente de investimentos destinados a baixar preços e a melhorar a qualidade do produto nacional. Tendo-se esgotado o estoque de importações substituíveis, o protecionismo torna-se, em princípio, dispensável, porque não cria, mas tão-somente mantém o mercado já conquistado. Confor-me se mostrará em seguida, a subvalorização da moeda nacional constitui o novo instrumento capaz de substituir o protecionismo ao conferir competitividade ao produto nacional no mercado externo.

Para melhor sublinhar a importância da subvalorização da moeda nacio-nal como substituto das barreiras às importações, será útil recapitular o debate ocorrido nos anos 1960. Por essa época, era tranquila a aceitação da tese de Frie-drich List de que a indústria nascente devia ser protegida, o que podia ser feito

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por meio de barreiras aduaneiras ou de subsídios. Estes últimos eram preferíveis porque, enquanto as barreiras aduaneiras garantem competitividade somente no mercado interno, o subsídio proporciona competitividade também no interna-cional. Chegou-se mesmo a argumentar que os subsídios eram mais indicados. Isto porque exigem despesa pública que os governos têm interesse em suspender ou reduzir tão cedo quanto possível. Em sentido oposto, as barreiras aduaneiras proporcionam receitas que eles têm interesse em manter. Em protecionismo estri-tamente provisório, no sentido defendido por Friedrich List, o subsídio é, assim, a opção ideal.

A proteção oferecida pelos subsídios, que chegou a ser chamada de protecio-nismo extenso, foi rejeitada pelas nações industrializadas. O debate suprarreferido alerta, contudo, sobre a possibilidade de tornar disponíveis mercados externos com base em medida unilateral de países subdesenvolvidos e que não implicam despesas para o governo, como acontece com o protecionismo em relação ao mercado interno.

A subvalorização da moeda dos subdesenvolvidos deve, assim, ser considera-da nova modalidade de protecionismo extenso, capaz de criar disponibilidade de mercado externo do qual depende o desenvolvimento econômico em sua segunda fase. Se, apesar de eventuais protestos, os países desenvolvidos têm aceitado a subvalorização das moedas das economias retardatárias, esta tornou-se efi caz ins-trumento de políticas de desenvolvimento baseadas no mercado externo.

Outro ponto importante é que, na segunda fase de uma nova estratégia de desenvolvimento, o processo dinâmico deve ser comandado pela empresa nacio-nal. Novamente aqui o problema é de mercado. As fi liais de empresas estrangeiras não têm acesso aos grandes mercados mundiais já atendidos pelas matrizes, res-trição essa inaceitável em estratégia cujo fulcro é a disponibilidade de mercado.

Observe-se que, na fase de substituição de importações, tal tipo de problema não existiu: as fi liais de empresas estrangeiras, ao instalarem-se no mercado inter-no de país protecionista, estavam, de fato, apenas recuperando mercado perdido pelas matrizes.

Na fase de crescimento para fora, o governo deve colaborar para que a em-presa nacional atinja competitividade internacional por meio do fi nanciamento a fundos perdidos da pesquisa e do desenvolvimento, da formação da mão-de-obra de alta qualifi cação, da criação de infra estrutura especializada, de isenções fi scais, crédito favorecido etc. E como a experiência demonstra que, no mundo globa-lizado, as empresas bem-sucedidas tendem a tornar-se multinacionais, o fi nan-ciamento de investimentos externos da empresa nacional constitui igualmente aspecto importante. Tudo isso da perspectiva de longo prazo.

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As condicionantes de curto prazo devem realmente ser atendidas sob pena de comprometer as mais bem concebidas estratégias de desenvolvimento. Tam-bém da perspectiva de curto prazo, as política econômicas destinadas a criar am-biente favorável ao desenvolvimento diferem de maneira fundamental da aconse-lhável para os desenvolvidos.

Regras do jogo favoráveis ao crescimento são, sem dúvida, importantes. Es-tas devem, no entanto, ser consideradas elemento de apoio à estratégia adotada, e não instrumento de fundamental importância, como afi rma o pensamento neoli-beral. Segundo este, o simples estabelecimento de regras do jogo (ou instituições) corretas é condição necessária e sufi ciente para se chegar ao pleno desenvolvimen-to, dispensando as estratégias e a ação do poder público.

A manutenção dos equilíbrios fundamentais é igualmente relevante, mas seu signifi cado difere do válido para as economias maduras. Isto porque qualquer crescimento acelerado indispensável para eliminar o atraso econômico provoca inevitáveis tensões dos tipos fi scal, cambial e monetário. Políticas de desenvol-vimento devem, portanto, além de adotar medidas para obter incremento acele-rado do PIB, defi nir instrumentos destinados a evitar que essas tensões escapem de controle. Nesse contexto, o desequilíbrio monetário é sempre o que causa as maiores preocupações.

Em políticas de desenvolvimento (ou de crescimento acelerado) pressões infl acionárias são inevitáveis. Elas devem ser colocadas sob controle com base em medidas que, diferentemente da elevação da taxa de juros, não se choquem com o objetivo prioritário do desenvolvimento, tais como políticas de rendimento e políticas fi scais – que não impliquem cortes de investimento –, ação sobre as causas específi cas da infl ação de custos, e assim por diante. Grave erro consiste em adotar, a exemplo do que se faz nas economias maduras, medidas destinadas não a manter as pressões infl acionárias sob controle, mas a eliminá-las. Como pressões infl acionárias são normais no desenvolvimento, a insistência na sua eliminação poderá levar à redução da taxa de crescimento. Ou, sinteticamente, dir-se-á que, se nos países desenvolvidos é correta a opção por metas de infl ação, nas econo-mias retardatárias recomendáveis são metas de desenvolvimento – conseguidas, tal como demonstra ser possível a experiência dos países asiáticos, com taxas anu-ais de infl ação não superiores a 5%.

Como observação fi nal, mostrar-se-á aqui que as linhas básicas de políti-ca de desenvolvimento anteriormente apresentadas coincidem substancialmente com o que se fez na bem-sucedida política de desenvolvimento dos países asiá-ticos. É comum afi rmar-se que a experiência de desenvolvimento da região obe-deceu a diferentes modelos, pelo que não seria lícito afi rmar que existem nela padrões a serem imitados, o que é, sem dúvida, correto. Observam-se, contudo,

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nos diferentes modelos implementados na área, pontos comuns que mostram o que deve ser feito em qualquer estratégia efi caz de desenvolvimento, os quais são mencionados a seguir.

Nos países do leste e do sul da Ásia, a estratégia de crescimento baseou-se em mercados tornados disponíveis por meio da criação de competitividade para seus produtos. Conforme demonstrou aquele relatório do Banco Mundial, isto pro-porcionou a eles elevadíssimas taxas de poupança. Não se identifi cou, na região, qualquer política de tipo fi nanceiro capaz de explicar taxas iguais ou superiores a 30% do PIB.

O Estado teve papel fundamental nos programas de desenvolvimento por meio do que o relatório do Banco Mundial chamou de market friendly interven-tion, expressão que, segundo alguns comentaristas, não faz justiça ao intenso e ao abrangente engajamento do governo no processo. A infl ação foi mantida sob con-trole sem elevação da taxa básica de juros. Estas são, nesses países, uniformemente baixas, e algumas vezes até mesmo negativas. As taxas de câmbio subvalorizam sistematicamente a moeda local. O capital estrangeiro é bem recebido, mas a ponta-de-lança do processo dinâmico é constituída pelo capital e pelas empresas nacionais. Em suma, existem grandes diferenças nas soluções específi cas adotadas em países como China, Taiwan e Hong Kong, mas as características mencionadas anteriormente predominaram em todos eles.

6 A POLÍTICA ECONÔMICA EM CURSO NO BRASIL

Durante todo período posterior a 1980, o Brasil obedeceu às receitas neolibe-rais do Consenso de Washington. Em última análise, esta atitude signifi cou a aceitação das mesmas linhas básicas da política econômica adotada em paí-ses desenvolvidos. Atualmente, surgem os primeiros sintomas de mudança, os quais passam a ser examinados a seguir. E, no do enfoque adotado neste capítu-lo, a indagação será sobre até que ponto o problema colocado pelo desemprego incremental e qualitativo está sendo adequadamente resolvido. Em virtude da política econômica neoliberal inspirada no Consenso de Washington, depois dos anos 1980 o PIB brasileiro cresceu abaixo da média anual de 3%, enquanto a estimativa da taxa necessária para evitar o acréscimo do desemprego incre-mental, tomando-se como base as estimativas de diversos analistas, situava-se em torno de 5%. A partir de 2007, diante dos maus resultados obtidos, deu-se o primeiro passo no sentido de restabelecer o papel do governo na economia, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Este não apenas pro-porcionou, no primeiro ano de sua vigência, PIB superior a 5%, como também criou expectativa de crescimento no mesmo ritmo para os anos seguintes. Com isso, o desemprego incremental foi colocado sob controle no sentido de evitar sua elevação, situação que só se modifi cará sob impacto de choques de origem

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externa, decorrentes da recessão internacional em curso. O mesmo não se pode dizer do desemprego qualitativo.

A eliminação desse último depende de taxa de crescimento superior à dos países desenvolvidos, e sufi ciente para colocar sob controle as consequências do efeito de imitação, o que signifi ca obter ritmo de desenvolvimento tão eleva-do quanto possível. A longa experiência passada do Brasil e os resultados atuais obtidos em alguns países vizinhos e na Ásia permitem colocar em 7% a taxa de incremento do PIB indispensável para garantir, a longo prazo, o pleno emprego qualitativo – ou, na prática, para eliminar o atraso econômico do país. Sérios obstáculos devem ser vencidos para que tal resultado seja conseguido.

O objetivo do PAC vai pouco além de garantir, ao atual governo, melhores resultados no seu segundo mandato. O PAC, sem negar que ele é importante como primeiro passo para o abandono do neoliberalsmo, fi ca bastante aquém do que o país necessita. Assim, ele não oferece qualquer nova estratégia econômica para o Brasil, como, no passado, os bem-sucedidos modelos primário-exportador e de substituição de importações. A visão de curto prazo do PAC manifesta-se, igualmente, no fato de enfatizar investimentos de infraestrutura. Conforme mos-tra Hirschman (1959), infraestrutura permite, mas não determina o desenvol-vimento. De pouco vale construir estradas se não há caminhões para utilizá-las, ou criar hidroelétricas se não existem empresas para aproveitá-las. A priorização de investimentos em infraestrutura justifi ca-se, na atual realidade brasileira, pela insufi ciência ou pela deterioração desta, decorrente de longo período de manu-tenção e de ampliação insufi cientes. Isto, contudo, apenas confi rma a visão de curto prazo dominante no PAC.

Possivelmente mais grave é o fato de a equipe técnica – instalada no Banco Central –, que comanda a economia brasileira, continuar a ter a disponibilidade de poupanças como fulcro das políticas de desenvolvimento, conferindo papel fundamental ao capital estrangeiro.

Se alguma visão de longo prazo pode ser atribuída a essa equipe é a convicção de que constitui boa opção para o país a especialização em commodities agrícolas e industriais. Pelo menos é o que indica sua passividade diante das consequências da doença holandesa e da sobrevalorização do real. Dada a opção neoliberal desta equipe econômica, é compreensível que resista à centralização do câmbio, medida radical para solucionar o problema da sobrevalorização. Por que, então, não pôr sob controle as entradas de capital especulativo estrangeiro, visto que é uma das causas básicas da sobrevalorização da taxa de câmbio? Este controle não só é per-mitido pelas regras do Fundo Monetário Internacional (FMI), como também está sendo adotado no Chile, país usualmente apontado como fi el seguidor da receita neoliberal. Da perspectiva de análise realizada neste trabalho, mesmo que o atual aumento de preço das commodities se mantenha, permitindo a elevação da taxa de

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incremento anual do PIB brasileiro para 7%, a situação continuará insatisfatória do ponto de vista do desemprego qualitativo, se isso for obtido com base na pro-dução de commodities.

Pior ainda são os efeitos de longo prazo de medidas de caráter conjuntural adotadas pelo Banco Central. Mostrou-se anteriormente que se a infl ação – ou pelo menos infl ação anual acima de 5% – não constitui acompanhamento obri-gatório, nem desejável, do desenvolvimento, pressões infl acionárias são sempre inevitáveis. Diante disso, a decisão correta consiste em colocar estas pressões sob controle por meio de medidas que não afetem o crescimento. Assim, exclui-se, de forma absoluta, a elevação da taxa de juros.

No Brasil, em vez disso, o Banco Central comporta-se como se estivesse em país desenvolvido. Nos Estados Unidos, quando a taxa anual de crescimento se aproxima de 4%, surgem pressões infl acionárias e o banco central norte-ameri-cano, Federal Reserve (FED), adota medidas para eliminá-las, as quais têm o ob-jetivo, em última análise, de reduzir a taxa de crescimento. Trata-se de iniciativa perfeitamente justifi cável em país que não tem atraso econômico a eliminar.

No Brasil, com a porcentagem de poupança sobre o PIB em torno de 18%, a taxa de crescimento que pode ser mantida, sem pressões infl acionárias, é de cerca de 5%. Seguindo o modelo norte-americano, quando o crescimento ameaça ultrapassar esta porcentagem, o Banco Central eleva a taxa de juros. A alegação é que se pretende apenas controlar a infl ação. Mas, na prática, isto é conseguido evitando-se o incremento do PIB brasileiro superior a 5%, porcentagem esta que se torna, dessa forma, o teto para o crescimento da economia brasileira, tendo por consequência a perpetuação do desemprego qualitativo ou, em última análise, do subdesenvolvimento.

7 CONCLUSÃO

A indagação fi nal é sobre o que o futuro reserva para a economia brasileira. Há que se começar com a observação preliminar de grande relevância. Em termos de desen-volvimento, as condições brasileiras são excepcionalmente favoráveis. O Brasil, jun-tamente com a Rússia, a Índia e a China, faz parte do BRIC, países que, segundo a literatura, dominarão, no futuro, a economia mundial. E o Brasil supera os outros três nas precondições usualmente consideradas favoráveis ao crescimento econômi-co, a saber: abundância de recursos naturais, igualdade de língua e traços culturais, inexistência de confl itos internos raciais ou religiosos, e bom relacionamento com os vizinhos. Apesar disso, nos últimos vinte anos, o Brasil não só registrou incre-mento do PIB substancialmente inferior ao dos demais países do grupo BRIC, como também frequentemente menor do que o dos próprios países desenvolvidos. Até que ponto este estado de coisas pode ser modifi cado?

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Mantidas as linhas atuais de política econômica, não existe qualquer pos-sibilidade de mudança nesse quadro negativo. O próprio PAC, que constituiu o primeiro rompimento com o neoliberalismo, não atende adequadamente à neces-sidade de novos rumos para a economia brasileira.

Recentemente, todavia, surgiu algo novo que poderá representar importante novo passo no sentido do redirecionamento da economia brasileira. É a política industrial recentemente anunciada. Esta se coloca da perspectiva de longo prazo, tem como base visão estratégica, e se propõe a romper com a inércia da taxa de investimentos sobre o PIB, congelada em 18%.

Para ser levado adiante, o programa industrial exige elevação da taxa de investimentos para 21%, o que, ao determinar a aceleração do PIB, vai gerar poupanças endógenas suplementares, que poderão elevar esta porcentagem ainda acima do previsto. O problema é que a passagem dos investimentos de 18% para 21% terá como inevitável consequência o surgimento de pressões infl acionárias, quando mais não seja pelo fato de que maiores investimentos determinam ele-vação imediata da demanda global, somente compensada por aumento da oferta após um ou dois anos.

O comportamento correto do Banco Central, que comanda a política eco-nômica do país, seria adotar medidas que, sem prejudicar o desenvolvimento, evitassem que as pressões infl acionárias se transformassem em infl ação aberta. A experiência passada indica, porém, que o banco elevará pura e simplesmente os juros, abortando o programa industrial.

Em suma, a previsão do comportamento da economia brasileira a longo prazo não cabe a economistas, mas a cientistas políticos, a sociólogos ou até mesmo a psicólogos. Caberá a eles avaliar a probabilidade de ser substituída a equipe neoliberal instalada no comando da economia. Ela tolera o PAC, mas difi cilmente aceitará o programa industrial cuja consequência será incremento do PIB além dos 5%, que considera a mais elevada taxa compatível com a esta-bilidade monetária.

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CAPÍTULO 3

INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA NO BRASIL

Carlos Lessa

Uma observação panorâmica da infraestrutura de energia e transporte no Brasil de hoje deve começar pela identifi cação dos principais traços de confi guração estrutural das matrizes nacionais cotejados com informação de outras econo-mias relevantes.

A matriz energética brasileira tem uma peculiar confi guração estrutural, quando comparada com a mundial. Em 2006, o Brasil produziu aproximada-mente 226 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP). A economia bra-sileira utilizou 2% da energia consumida pelo mundo. Seu traço mais marcante é o peso extremamente elevado de fontes energéticas renováveis, em comparação com as não-renováveis. O Brasil consome 44,9% de TEP renováveis, enquanto no mundo somente 10,6% são oriundos deste tipo de fonte. A principal fonte renovável brasileira é a energia hidráulica, com uma participação pouco superior à de produtos de cana-de-açúcar e de lenha. Neste particular, é necessário destacar o peso excessivo da lenha na matriz energética brasileira.

O peso elevado de lenha na matriz brasileira explica-se, em parte, pelo car-vão vegetal utilizado na siderurgia e na metalurgia de não-ferrosos. Na ausência de refl orestamento compensatório, a renovabilidade deste combustível não está sendo assegurada. Quanto às fontes não-renováveis, que totalizam 55,1% do total da TEP, tem peso dominante o petróleo (37,9%), pouco acima da média mundial.

É particularmente reduzida no Brasil a presença do gás natural (9,6%) e do carvão mineral (6%). Na matriz mundial, o gás natural contribui com quase 20%, e o carvão mineral, com 40%. O urânio participa do balanço energéti-co brasileiro com menos de 2%, reduzido em comparação aos 6,5% da matriz mundial. A geração de energia elétrica por fontes hidráulicas e não térmicas cer-tamente modifi ca o ambiente, porém preserva sua sustentabilidade como recurso energético no futuro. A termoeletricidade pode vir a elevar a participação dos não-renováveis no consumo energético brasileiro, o que deveria ser ponderado pelos “preocupados com o meio ambiente”, ao vetar usinas hidrelétricas.

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Observada em sua composição, a matriz energética brasileira tem uma confi guração de vanguarda conveniente, garante a autossufi ciência para o meio ambiente, e reforça o potencial de soberania da economia brasileira em seu de-senvolvimento futuro, desde que sua expansão seja planifi cada, tendo em vista estimular o crescimento da economia.

A dimensão inquietante de nossa matriz energética reside no consumo por habitante. Cada brasileiro utiliza, anualmente, 1,21 TEP, quando a média mun-dial é de 1,69 TEP, sendo 4,67 TEP nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, a “tropicalidade” hegemo-nicamente desfrutada pela maior parcela da população facilita o indicador médio brasileiro, mas é inquestionável a redução do consumo energético. Ainda hoje, 5% de lares brasileiros não estão ligados a redes de energia elétrica.

O Programa Luz para Todos anuncia que esse nível de conexão com a rede elétrica foi atingido em 2007. Aos lares em lugares mais dispersos e de difícil acesso, o Projeto Ribeirinhos irá ligar a luz mediante um leque de outras tecno-logias. Entretanto, o padrão de vida nos segmentos pobres da sociedade brasileira é parco utilizador de energia, e qualquer melhoria na integração social gerará respostas ampliadas de exigências energéticas. O desafi o para a evolução energé-tica do país, a longo prazo, consiste em ampliar e melhor distribuir a energia por habitante, sem perder a característica extremamente positiva da alta contribuição relativa dos renováveis.

A matriz de transporte de carga apresenta, no Brasil, por modalidade, uma confi guração peculiar e pouco efi ciente. Em 2004, foram utilizadas 863 bilhões de toneladas por quilômetro útil (TKU). A liderança absoluta é rodovi-ária, com 512 bilhões de TKU, seguida pela modalidade ferroviária, com 206 bilhões de TKU, e pela hidroviária, com 105 bilhões de TKU. No transporte de pessoas, o rodoviário é quase absoluto, tendo deslocado, em 1999, 92% dos passageiros por quilômetro.

É útil comparar o padrão brasileiro, quanto à modalidade ferroviária, entre os seis maiores territórios mundiais. O Brasil utiliza a menor fração ferroviária (24%), conforme a tabela 1.

Em contraste, o peso da modalidade rodoviária brasileira quase põe o país na “liderança”, ao deslocar quase 60% das cargas brasileiras. Para um país que dispõe de três caudalosas bacias fl uviais, uma extensa costa marítima e distância náutica expressiva dos principais pólos da economia mundial, é modesta a con-tribuição aquaviária.

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TABELA 1Divisão da matriz de transportes entre os principais modais –1 2003

PaísFerroviário

(%)Rodoviário

(%)Hidroviário

(%)Extensão territorial

(1.000 km2)

Rússia 81 8 11 17,0

Canadá 46 43 11 9,2

Austrália 43 53 4 7,6

EUA 43 32 25 9,2

China 37 50 13 9,6

Brasil 24 52 14 8,5

Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Análise Trevisan, 2003.Notas: 1 Não foram considerados os modais aéreo e dutoviário.Obs.: Não foram consideradas áreas cobertas por águas.

Toda informação disponível mostra que, com o desenvolvimento das forças produtivas e fenômenos como urbanização, metropolização e deslocamento de fronteiras agrícolas, há a tendência ao crescimento do percurso médio por tone-lada de mercadoria. Nas últimas décadas, no Brasil, o volume de TKU cresceu sem parar em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Por exemplo, entre 1971 e 1991, o índice TKU saltou de 100 para 448, enquanto o PIB alcançou o índice 288. Em simultâneo, houve o aumento da distância média percorrida por tonela-da de mercadoria. Estima-se que no Brasil, entre 1970 e 2004, o deslocamento de cada tonelada de mercadoria evoluiu de 267 km, em média, para 612 km.

A defi ciência estrutural da matriz de transporte brasileira fi ca explícita quando se consulta o custo médio por modalidade. A tabela 2 mostra os custos comparativos.

TABELA 2Custos comparativos entre modais de transporte

Modal US$ centavos / ton. km

Aéreo 14,0

Rodoviário 4,0 – 5,0

Ferroviário 0,3 – 1,0

Dutoviário 0,1 – 0,3

Balsa e rebocador 0,12 – 0,18

Navio cargueiro 0,06 – 0,24

Navio graneleiro 0,02 – 0,04

Fonte: Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ).

O transporte rodoviário é cinco vezes mais caro que o ferroviário. O custo do transporte aquaviário é signifi cativamente inferior ao ferroviário. A moda-lidade dutoviária, que contribui com 15% das cargas nos EUA, tem no Brasil uma participação reduzida a menos de 5%. Esta modalidade é assimilável, em custos, à aquaviária.

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O conforto resultante da observação estrutural da matriz energética é cance-lado pela observação da matriz de transporte brasileira. O Brasil tem uma matriz de transporte de carga excessivamente dependente da modalidade de mais alto custo. Há previsão de encarecimento mundial relativo de petróleo e derivados, o que atingirá, no futuro, o “baixo ventre” da matriz brasileira. Agrava o quadro o predomínio crescente da modalidade rodoviária no transporte intraurbano de cargas e de pessoas. Isto refl ete a preferência absoluta pelo transporte individual no veículo automotor. No transporte viário metropolitano, é reduzida a partici-pação dos modais sobre trilhos (ferrovia e metrô).

A logística que engloba as operações de planejamento, transporte, armaze-nagem, controle de custos, e distribuição de tecnologia de informação associada ao abastecimento é pouco efi ciente no Brasil. Há combinação perversa de: escasso armazenamento de grãos nas áreas produtoras; gargalos nas estradas de aproxi-mação aos portos (Santos e Paranaguá) em virtude da urbanização e do desenho de malhas de carga superpostas às redes viárias das cidades; submanutenção das rodovias (somente as federais exigiriam R$ 5 bilhões/ano); senilidade da frota de caminhões de estrada (idade média de 14 anos); ausência de procedimentos ágeis de transposições intermodais; e de subinvestimento crônico no apoio portuário – o Porto de Itaguaí, RJ, por exemplo, é subutilizado pela procrastinação de uma pequena rodovia de contorno. A comparação da logística do Brasil com a dos EUA ilustra a situação inferiorizada do país, conforme a tabela 3.

TABELA 3Custo de logística em 2004 (em % do PIB)

Brasil EUA

Transporte 7,5 5,0

Estoque 3,9 2,1

Armazenagem 0,7 0,7

Administração 0,5 0,3

TOTAL 12,6 8,1

Custo total em 1996 17,0 10,2

Fonte: Centro de Estudos Logísticos da COPPEAD/UFRJ.

Sob o ponto de vista estrutural, a matriz de transporte brasileira tem uma confi guração que deprime a macroprodutividade da economia nacional. São re-conhecidas as mazelas nas formas de transposição intermodal, o que reforça a tendência ao rodoviário, por sua fl exibilidade e agilidade. É inquietante deslocar a fronteira agrícola, assim como abastecer cidades e portos de exportação mediante a utilização do binômio caminhão-derivado de petróleo. A persistência desta ten-dência cobrará, a longo prazo, uma redução geral de produtividade macroeconô-mica, com efeitos sociais preocupantes por sua incidência no poder de compra da população.

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A hipertrofi a da modalidade rodoviária na circulação de pessoas e de cargas no espaço urbano tem como efeito dramático a degradação da qualidade de vida, ao ampliar o tempo de deslocamento residência-trabalho-residência, situado em mais de duas horas nas regiões metropolitanas (RMs) do Rio de Janeiro e de São Paulo, de acordo com as últimas estimativas. A densidade excessiva de habitações em locais precários no tecido urbano (favelização) é, em grande parte, resultante do péssimo padrão de transporte metropolitano, tanto em termos de custo tarifá-rio como de tempo de deslocamento.

A população de baixa renda das metrópoles brasileiras tende a optar por uma residência de pior qualidade, porém próxima ao lugar em que exerce as ativi-dades que lhe garantem renda monetária por assalariamento ou venda de serviços por conta própria. A pior qualidade está em terrenos de encosta ou alagadiços com ausência de infraestrutura – por vezes, sem solução de engenharia disponível –, deixados de lado pela expansão dos grupos de melhor renda. É racional, para a população integrada precariamente à economia urbana, reduzir os custos e o tem-po de deslocamento, em detrimento da qualidade da residência em si. A redução de custos e tempo de deslocamento residência-trabalho-residência ampliaria o leque de opções residenciais, reduzindo o custo do terreno e possibilitando uma melhor habitação popular.

É útil retroceder os ponteiros da história para evidenciar como as matri-zes energética e de transporte refl etem o anterior desenvolvimento das forças produtivas, e conservam seculares modifi cações antrópicas na natureza. Estas infraestruturas e a edifi cação da rede urbana são transformações feitas pelo esforço nacional para estruturar uma nova natureza a serviço de seus projetos de futuro.

Com algum exagero, é possível identifi car, dos tempos coloniais, e até mes-mo pré-cabralinos, marcas subjacentes às matrizes estruturais atuais. A forma de ocupação espacial do território brasileiro, desde a distribuição urbana na linha da costa até os principais eixos de penetração para interior, remontam a séculos passados. A principal macrointervenção recente foi a construção de Brasília e sua rede de transporte interligando a cidade a todas as regiões do país, aí incluídos o Centro-Oeste e a Amazônia Meridional. O desenho da malha ferroviária brasilei-ra, derivada do serviço de deslocamento de cargas exportáveis do interior para os portos costeiros – simultaneamente à criação de um padrão fundiário concentra-do –, provém do século XIX.

Nessa época, a organização da matriz de transporte fez da navegação costeira a principal conexão intermodal com a ferrovia. Houve despreocupação com a pa-dronização de bitolas, que ainda hoje são dissímiles e difi cultam as transposições interferroviárias. O carvão vegetal esteve associado ao modelo de infraestrutura de transporte e de energia plasmado no Brasil Imperial.

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Na vanguarda da Primeira Revolução Industrial, as economias europeia e es-tadunidense articularam a ferrovia com a integração de seus respectivos territórios nacionais. Os traçados ferroviários, voltados para o mercado interno de cargase de passageiros, harmonizaram-se com a rede histórica de cidades e estradas car-roçáveis anteriores. Na Europa também houve a superposição e a articulação das ferrovias com as antigas redes aquaviárias, de longa data implantadas em rios navegáveis e nos canais de passadas engenharias.

Nos Estados Unidos, as ferrovias interligaram Pacífi co e Atlântico e plasma-ram um modelo de expansões industrial e agropecuária simultâneas voltado para o mercado interno. Quando a Segunda Revolução Industrial se instala – com o motor à explosão, petróleo e derivados, e difusão de energia elétrica –, a matriz de transporte anterior é complementada pela instalação rodoviária. A rodovia europeia não aposentou nem a ferrovia nem a hidrovia: modifi cações energéticas na ferrovia e na hidrovia ajustaram-se à rodovia, em busca de uma elevação sis-têmica de produtividade. Os efeitos interativos e sinérgicos entre as matrizes de transporte e energia potencializaram o desenvolvimento das forças produtivas no primeiro mundo.

A história econômica brasileira é marcadamente diferente. Ainda hoje, nos-sa rede ferroviária não interarticula o território nacional. Ela cumpre um papel relevante para a exportação de minérios e de grãos em diversas regiões do país, mas sua participação no transporte de carga geral e de passageiros é extremamente reduzida. O continente sul-americano, até o presente, não tem ferrovias operando entre o Atlântico e o Pacífi co. Apesar da extensão da costa atlântica e das bacias fl uviais brasileiras, houve declínio relativo da modalidade hidroviária, que perdeu participação na carga geral.

O modal rodoviário estruturou as linhas-tronco da integração territorial brasileira. É singular o principal eixo rodoviário percorrer a costa, do extremo norte ao extremo sul do Brasil. Tal tendência foi reforçada com a instalação, no interior brasileiro, da nova capital federal. Embora tenha propiciado intenso di-namismo na ocupação territorial de novas regiões agrícolas, houve a reprodução da hipertrofi a rodoviária. Somente a produtividade agrícola, no interior dos es-tabelecimentos, explica a possibilidade de exportar grãos por mais de dois mil quilômetros de rodovias. Os projetos da Transamazônica e da Perimetral Norte evidenciam a “preferência irrestrita” pela rodovia.

O teste histórico brasileiro não condena a opção pela modalidade rodovi-ária. A inadequação da rede de transporte anterior é explicitada quando o Brasil se orienta para o desenvolvimento das forças produtivas, voltado para o mercado interno nacional como principal fronteira de expansão. Havia uma malha de ca-minhos adequados para a tração animal, fornecendo a capilaridade requerida para

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a economia de exportação. Um novo modelo de desenvolvimento, porém, impu-nha a integração das diversas regiões do país por linhas-tronco que praticassem fretes razoáveis, e que permitissem a disponibilização do mercado nacional, como um todo, para as nascentes indústrias nacionais.

Até então, as unidades industriais existentes, acopladas aos complexos ex-portadores, eram do tipo residencial, circunscritas a mercados sub-regionais. A urgência da questão foi tal que o ex-presidente Washington Luís, ao fi ndar os anos 1920, afi rmava que “governar é construir estradas”. Instalou-se, à época, prolongada discussão sobre a modalidade de transporte para o futuro. Melhorar o antigo caminho carroçável, ajustando-o ao veículo automotor, foi o pano de fun-do pedagógico da opção pelo “rodoviarismo”. A densidade de tráfego irá pressio-nar e justifi car progressivamente o aperfeiçoamento do “caminho”, em sua evolu-ção para a rodovia. A ferrovia, ao contrário, somente opera com escalas mínimas bem superiores às da rodovia, e tem um tempo de maturação maior. Construir uma ferrovia troncal norte–sul do país seria um projeto exigente de uma massa não mobilizável de recursos, e imporia um longo tempo de maturação.

O horizonte tecnológico da Segunda Revolução Industrial sinalizava em direção à rodovia. Após a Segunda Guerra Mundial, a discussão, no Brasil, foi encerrada com a defi nição do Plano Rodoviário Nacional e a instituição de fun-do tributário vinculado à modalidade. A ferrovia de então, desgastada pela não restauração durante os anos da Depressão Mundial e da Segunda Guerra Mun-dial, foi adquirida das empresas estrangeiras concessionárias. A frustração com a falta de apoio norte-americano no imediato pós-guerra reforçou a opção pela rodovia. Sem fi nanciamento internacional para a restauração ferroviária, o modal rodoviário foi solução exequível, naquele tempo, para as linhas-tronco. A partir da instalação da indústria automobilística, os pneus votam a favor das rodovias e condenam os trilhos ao esquecimento.

Um fi o condutor para entendimento da matriz energética é a evolução his-tórica na geração e na utilização de energia elétrica, assumida desde o fi nal do Império e durante a República Velha como a manifestação principal de moder-nidade urbana. Primeiras experiências de utilização de energia elétrica ocorreram nos domínios urbanos, quer como iluminação pública, quer como modalidade energética de transporte sobre trilhos. Nesta última modalidade, o emprego de energia elétrica tem início em 1879, com a inauguração do serviço permanente de iluminação elétrica interna da Estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Central do Brasil, no Rio de Janeiro. A iluminação pública com energia elétrica foi instalada, pela primeira vez, em Campos de Goytacases, na época principal pólo açucareiro do país.

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A substituição de muares pela tração elétrica em trilhos, logo após o pionei-rismo, em Detroit, foi seguida pelo Rio de Janeiro. A inspiração de Paris como “cidade luz” levou Pereira Passos, modernizador do Rio colonial, a denominá-lo “Paris tropical”, pois dispunha de mais iluminação pública do que a capital francesa. A modernidade no consumir fez do Brasil um espaço de assimilação de experiências elétricas. Foi notável a expansão da indústria têxtil brasileira, que nasceu com a autoprodução energética internalizada. Sintomaticamente, a pri-meira usina geradora de hidroeletricidade foi instalada em Juiz de Fora, a serviço das Indústrias Têxteis Mascarenhas. Rapidamente, generalizou-se sua distribui-ção nos perímetros urbanos de mais alta renda, nos quais a iluminação pública e a luz domiciliar foram consideradas imprescindíveis à qualidade de vida dos grupos sociais dominantes.

A energia para a produção continuou basicamente dependente da lenha e do carvão vegetal. Se for considerado o alto-forno da Usina de Monlevade, o marco industrial brasileiro (1922), foi com carvão vegetal que operou a primeira siderur-gia moderna. Somente com a Usina de Volta Redonda (1946) o Brasil completou o espectro característico da Primeira Revolução Industrial, mediante a siderurgia com carvão fóssil.

A difusão da eletricidade apontou, de maneira inequívoca, para o aprovei-tamento hídrico. Em São Paulo, a reversão do rio Pinheiros para a Baixada de Cubatão dispôs uma ampla oferta de energia, que facilitou a instalação de in-dústrias em pleno auge cafeeiro, conferindo à cidade condições de energia para converter-se no principal pólo industrial do país.

A exemplo do Império, que ofereceu concessões a empresas privadas para a instalação de infraestrutura ferroviária e portuária, a República Velha fez o mesmo em relação à geração e à distribuição de energia elétrica e outros serviços públicos urbanos. O grupo Light recebeu, em 1889, a concessão para o Rio de Janeiro e para São Paulo e, na década de 1930, controlava 40% da capacidade instalada no Brasil. Seu tipo de contrato permitia cobrar a tarifa pelo custo mar-ginal termoelétrico, o que lhe deu condições de desfrutar integralmente da renda hidráulica ricardiana.

O grupo Amforp1 se instalou no interior de São Paulo (principal fronteira agrícola de expansão) e nas restantes capitais do país. As concessões dos dois gru-pos eram de tipo monopólico e amparadas por regras de tarifação referenciadas aos preços internacionais. A postura liberal facilitou a presença estrangeira nes-ses setores, nos quais grupos não brasileiros absorveram concessionárias locais e ampliaram o escopo de sua atuação. Somente em 1933 veio a ser adotada a regra

1. American and Foreign Power Company (nota do editor).

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de tarifação pelo custo médio, mais uma remuneração sobre o capital investido. A magnitude deste capital gerou um contencioso entre o Estado e os dois grupos, que se arrastou até a década de 1970.

As infraestruturas ferroviária e portuária de sustentação da economia cafeeira paulista, contudo, foram predominantemente implantadas por grupos privados nacionais, que desfrutaram, além dos ganhos patrimoniais (apropriação de terra agrícola em acentuada valorização), de formas variadas de subsídios operacionais. Duas ferrovias paulistas de incorporação do planalto foram de capitais privados de bancos e de fazendeiros, e a terceira foi instalada por uma empresa pública estadu-al. A concessão ferroviária de Santos-Jundiaí foi para capital estrangeiro, porém as Docas de Santos surgiram com uma empresa brasileira que mobilizou capitais por emissões de ações na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Nas demais regiões do país, houve clara hegemonia estrangeira nos segmentos de infraestrutura.

Uma cláusula ouro conferiu rentabilidade por subsídio fi scal ao investidor estrangeiro durante o Império, e foi transmutada nas regras contratuais que be-nefi ciaram os dois grupos monopolistas do segmento de energia elétrica. Houve uma multiplicação de atritos quanto ao nível de tarifas e desenvolveu-se a anti-patia política em relação às concessionárias. Até o fi m dos anos 1920, porém, não houve, do ponto de vista do mercado, restrições de oferta de energia elétrica. Desde seus primórdios, o acesso à disponibilidade de energia elétrica consagrou-se como um desejo popular urbano. A partir da Grande Depressão e até o fi nal da Segunda Guerra Mundial, o problema do suprimento energético colocou-se como restrição ao desenvolvimento industrial e urbano. O Estado Novo abando-na, progressivamente, a postura liberal, e marca uma nova institucionalidade para o segmento de hidroeletricidade, ao promulgar o Código Nacional de Águas e passar a controlar, de maneira efetiva, as tarifas do setor.

O Brasil adotou o modelo desenvolvimentista, incitado pela Depressão de 1929, e cristalizou sua convicção ao sofrer difi culdades de abastecimento externo durante a Segunda Guerra Mundial. A confi rmação do modelo foi acicatada pela antevisão de uma provável terceira guerra mundial, no cenário da Guerra Fria. Duas percepções fortes brotaram e prosperaram na consciência política dos brasi-leiros. De um lado, a enorme vulnerabilidade de um país sem um sistema indus-trial integrado perante as difi culdades e os obstáculos de suprimento engendrados pelas guerras mundiais; de outro, a situação de atraso relativo de uma economia dependente de café e outros produtos primários, cujo nível de vendas e preços dependia dos humores da economia mundial.

O olhar desse projeto identifi cou gargalos na infraestrutura. Além do mais, era evidente que a modernização seria igual à eletrifi cação e à urbanização. Seriavulnerável o país que não dispusesse da produção de veículos com motor à

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explosão. A questão da soberania nacional foi percebida como diretamente de-pendente da industrialização. A crença liberal na efi cácia da produção pelo e para o mercado tinha sido abalada radicalmente pela Grande Depressão. O Estado, como mentor e condutor de um projeto nacional, exigiria um setor público ca-paz de fazer aquilo para o qual o setor privado se revelava incompetente. Esta orientação transferiu para o centro da pauta desenvolvimentista os problemas, os projetos e os programas de infraestrutura energética e de transporte.

O projeto nacional de desenvolvimento, via industrialização e urbanização, considera a oferta energética, em especial a elétrica – à frente dos sinais de merca-do – como decisiva para a criação da indústria e para o crescimento do consumo pessoal. A ideia de que o desenvolvimento brasileiro tinha pontos de estrangu-lamento na infraestrutura energética e de transporte se cristaliza, e consagra-se a ideia de ampliar os investimentos públicos em infraestrutura. Ao fi ndar a Segun-da Guerra Mundial, o governo federal projeta a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) e prioriza a Usina de Paulo Afonso como meio de abaste-cer a rede urbana nordestina com adequado suprimento de energia hidrelétrica. O Brasil estaria reproduzindo, em relação ao rio São Francisco, o que o governo Roosevelt havia feito com o New Deal, pelo Tenesee Valley Authority: um investi-mento público norte-americano, operado pela engenharia militar e voltado para uma região atrasada.

Os setores progressistas conheciam a frase de Lênin, atribuindo o desen-volvimento da Rússia à “combinação de energia elétrica e poder soviético”. À continuação da CHESF, os governos estaduais de Minas Gerais e de São Paulo organizam companhias estatais de geração e de distribuição de hidroeletricidade. O fi nanciamento do setor foi garantido pela combinação de novas regras de tari-fação. O Fundo Federal de Eletrifi cação é instalado, suprindo com recursos tribu-tários vinculados o crescimento do setor. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) constitui as condições de acesso a fi nanciamento externo para a importação de equipamentos elétricos.

No período entre 1952 e 1962, o setor público aumenta de 6,83% para 31,28% a participação na geração de energia elétrica. A inauguração, em 1963, da Usina Hidrelétrica de Furnas marca a implantação efetiva da interligação do siste-ma elétrico brasileiro, ao interconectar o suprimento de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Na década de 1960, é realizada a nacionalização das empresas estrangeiras do setor (Amforp e Light). O Estado cria a Eletrobrás, como holding das várias concessionárias nacionalizadas. No início dos anos 1970, é estabelecida a garantia de remuneração de 10% a 12% do capital investido, a serem computa-dos na tarifa. Em 1974 é instituída a equalização tarifária de energia elétrica em todo o território nacional, passando a ser operadas transferências intrarregionais.

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O PIB cresce a 10% ao ano e o planejamento do setor se aperfeiçoa, procurando prevenir obstáculos à continuidade do dinamismo.

Desde o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, o Brasil procurou de-senvolver a indústria de material elétrico pesado. A engenharia de grandes obras hidráulicas ganha maturidade tecnológica, e faz surgir um complexo de emprei-teiras nacionais de porte voltadas para o setor. Dispunha o Brasil do setor pro-dutor de bens e serviços especializados em ampliação e em capacidade produtiva no setor energético. Dadas as potencialidades hídricas do país, o aperfeiçoamento dos padrões de planejamento setorial e a operação num macrossistema hídrico integrado compuseram o quadro impulsionador deste vetor energético.

No pré-guerra amadureceu a convicção de ser secular o atraso no desenvol-vimento das forças produtivas brasileiras. Foi o sonho da industrialização e da modernização urbana, principalmente, que impulsionou a infraestrutura brasi-leira. O Brasil caminhou para a industrialização com atraso de mais de meio sé-culo no mundo da Segunda Revolução Industrial. Foi natural concentrar a aten-ção no complexo de petróleo e derivados, e na instalação da indústria mecânica e eletroeletrônica, como o passaporte para que a civilização brasileira penetrasse na modernidade.

O esforço nacional desenvolvimentista brasileiro, em busca de uma capaci-tação estrutural, situou como alvos setoriais relevantes a indústria do petróleo, a montagem de veículos automotores, e a multiplicação de eletroeletrônicos pro-duzidos internamente. A instalação subsequente do complexo metal-mecânico e a articulação da produção eletroeletrônica com a rede urbana foram percebidos como a semente de um sistema industrial. Posteriormente, o projeto nacional foi integrado com a instalação de indústrias produtoras de máquinas e equipa-mentos. A demanda do investimento público em infraestrutura criou o mercado para a integração de um sistema industrial. Foi instalada a indústria de material elétrico pesado e o complexo do petróleo engendrou mais de cinco mil empresas. A radical transformação produtiva brasileira foi bem-sucedida e, do ponto de vis-ta de organização produtiva, evoluiu de “um cafezal”, em 1930, para ser a oitava economia industrial do planeta, em 1980.

Como uma sombra maldita, porém, herdada de um passado escravagista, não houve uma radical melhoria da distribuição e renda e da riqueza, ainda que o intenso desenvolvimento tenha incorporado frações crescentes da população ao mercado interno moderno. Houve uma transumância rural para a cidade, o que não apenas aviltou o mercado de trabalho como também reproduziu, no períme-tro urbano, as antigas distâncias sociais do meio rural. A urbanização e metropoli-zação brasileira não cumpriram o sonho da integração com justiça social. O corpo social brasileiro manteve, na malha urbana, uma enorme população que deixou

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de ser camponesa e não se converteu em operariado urbano-industrial, apesar de o crescimento do emprego nos setores dinâmicos, sendo superior ao demográfi co, ter criado um cenário de possível incorporação para os migrantes rurais e seus fi lhos. É inquestionável o fato de, não obstante distâncias sociais expandidas, ter havido uma melhora nos padrões de vida da população.

No início dos anos 1950, a questão do petróleo começa a ser equacionada no Brasil com a constituição do monopólio estatal de petróleo e fundação da Pe-trobras. Walter Link é o geólogo autor de um famoso relatório sobre as potencia-lidades do território brasileiro em relação a campos deste combustível. Em 1954, ele afi rmou que as chances brasileiras de dispor de petróleo no território eram reduzidas, à exceção da plataforma continental. A conclusão foi considerada, na-quele tempo, extremamente pessimista, pois o petróleo offshore não dispunha de tecnologia e o baixo preço do combustível fóssil não estimulava qualquer esforço naquela direção. Pareceu uma profecia maliciosa e mal-intencionada em apoio àqueles que condenavam a Petrobras, considerando-a uma “aventura temerária” e avaliando a instalação da cadeia de petróleo como uma tarefa superior às forças e à competência da nação brasileira.

A campanha “O Petróleo é Nosso” encerrou a discussão, ao explicitar, ple-biscitariamente, o projeto nacional desenvolvimentista. Desde então, a Petrobras, maior empresa brasileira, progrediu, desfrutando da reserva do rentável mercado interno brasileiro para suas refi narias e demais produtos da cadeia do petróleo. Em sua evolução, dominou a tecnologia dos diversos elos e se orientou em dire-ção à plataforma marítima continental. Em 1966, a Petrobras explorou o campo de Guaricema (uma lâmina d’água de 30 metros de profundidade na costa de Sergipe); no início dos anos 1970, no Rio de Janeiro, a previsão de Link é confi r-mada com a descoberta de petróleo na Bacia de Campos. A profundidade dos po-ços nacionais desafi a a Petrobras e o sistema universitário brasileiro a desenvolver tecnologia de águas profundas. Um sistema fl utuante de extração de petróleo foi desenvolvido e, hoje, o Brasil está na vanguarda mundial da extração de petróleo em campos marítimos: um poço vence uma coluna d’água de 1.886 metros!

As reservas brasileiras vêm crescendo continuadamente desde os primeiros campos marítimos do Nordeste. Em 2006, as reservas provadas eram de 12,181 bilhões de barris. A Petrobras havia construído uma relação reserva-produção de aproximadamente 20 anos, e a empresa espera, em 2010, atingir a produção de 2,3 milhões de barris/dia. Entre 2009 e 2010 novos campos entrarão em produ-ção. Em dez anos, o Brasil mais do que duplicou a produção de petróleo e, em 2008, foi investido na cadeia o equivalente a seis vezes o investimento de 1997.

A estagnação, com um medíocre crescimento, é a novidade assustadora que surge, na economia brasileira, a partir dos anos 1980. A mídia batizou estes anos

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de “A década perdida”; a década subsequente não recupera dinamismo. Persis-te a perversidade de medíocre crescimento macroeconômico. No Novo Mundo, somente superou o crescimento do Haiti. É abismal a diferença do Brasil com o crescimento da China, da Coreia e da Rússia. O terceiro milênio projeta para o país um cenário de difícil prognóstico. Cresce, exponencialmente, a emigração de brasileiros para o exterior em busca de emprego e de mobilidade social. No último quarto de século, o Brasil rastejou, crescendo em média 2,5% ao ano (a.a.). Entre 2002 e 2006, o crescimento foi de 3,2% a.a., e é difícil acreditar na sustentação de um crescimento plurianual de 5% a.a., se não houver uma retomada fi rme dos investimentos em infraestrutura energética e de transporte e a explicitação de um projeto nacional que sirva de sinalizador dos esforços da sociedade brasileira.

As evidências macrossetoriais em energia e em transporte são, progressiva-mente, inquietantes. O país voltou a viver “apagões”; o elétrico – de 2001, 2002 – pode reaparecer em anos próximos, se houver uma combinação de crescimento, consumo interno e “mau humor de São Pedro”. Todos sabem do poder inibitório que tem a ausência ou a inadequação de suprimento energético para investimen-to industrial. A imprensa vem registrando queixas de setores, como o de papel e celulose, o químico, o cerâmico refratário: problemas de oferta insufi ciente de energia ameaçam interromper projetos de ampliação de capacidade produtiva. São depoimentos que sublinham a complementaridade entre investimento em infraestrutura e expansão produtiva. A degradação da iluminação pública nas ci-dades brasileiras impõe uma regressão na qualidade de vida e no uso da cidade. É natural o desejo de dispor de eletrodomésticos em nível residencial; a expansão creditícia ao consumidor é positiva na sustentação à atividade industrial, porém pressiona o nível de consumo energético.

O sistema de transporte de carga convive com uma qualidade degradada das rodovias. Evidências quanto à submanutenção das rodovias se acumulam. Estima-se a necessidade de aplicar o equivalente a 0,6% do PIB em restaura-ção e em manutenção da rede viária. No governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), houve dispêndio de 0,3% do PIB, e nos primeiros anos do atual governo houve aplicação de apenas 0,2%. A submanutenção continuada impulsiona a degradação exponencial da rodovia, impõe a elevação relativa e absoluta do frete, e antecipa a necessidade de restauração onerosa. Nos centros urbanos e nas me-trópoles, a hiperpopulação mecânica automotora individual e coletiva pressiona e congestiona as malhas viárias. Até mesmo cidades de porte médio, como Juiz de Fora (um veículo para cada três habitantes), já são “superpovoadas”. É cada vez maior o tempo de deslocamento residência-trabalho-residência, e a frequência de congestionamentos desorganiza os horários individuais.

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Pairam sobre o trânsito rodoviário rural e urbano os fantasmas da morte, da dor e da invalidez. No Brasil, têm-se índices de acidentes por veículos muito superiores aos dos países desenvolvidos – em relação ao Japão, são seis vezes mais, por veículo); o sem-número de acidentados pressiona as emergências e esgota o sistema hospitalar. Morre por causas externas “viárias”, todos os anos, montante superior às perdas do exército norte-americano em dez anos no confl ito do Vie-tnã. É paralela à degradação da rede rodoviária a produção de inválidos e outras sequelas, num “apagão” que não tem a visibilidade do “apagão” aeroviário, apesar de os riscos da utilização da rodovia serem superiores aos dos meios aeroviários.

A mediocridade do crescimento brasileiro não engendrou apenas a paralisia nas matrizes energética e logística. É visível que seu desempenho se atrofi ou e se degradou. A erosão da infraestrutura tem sua macroexplicação no percurso raste-jante da economia nacional e nas respostas político-econômicas setoriais adotadas durante o último quarto de século.

No início dos anos 1980, a especulação fi nanceira mundial dá origem à chamada “crise da dívida externa”. No Brasil, a crise acentua a aceleração infl a-cionária. A década de 1980 é orientada à reconstituição político-institucional, com a transição entre o regime militar autoritário e o novo Estado de Direito inscrito na Constituição de 1988. Apesar da estagnação da economia, do cenário externo asfi xiante e do processo infl acionário acelerado, houve relutância em abandonar o projeto nacional desenvolvimentista. A Constituição consagrou re-gras e conceitos que haviam impulsionado e protegido os programas setoriais de energia e de transporte.

Como é sabido, o centro hegemônico mundial pós-Guerra Fria procla-ma as teses de globalização e restaura a exaltação dos mecanismos de mercado. O comportamento da periferia mundial é referenciado pelo Consenso de Wa-shington, cuja tradução interna inaugura, para o Brasil dos anos 1990, um discur-so composto por três diretivas. A primeira afi rma que o modelo de crescimento nacional-desenvolvimentista estaria esgotado, tendo terminado o processo dito “de substituição de importações”. Entre suas principais falhas estariam a debilidade do sistema de ciência e tecnologia e o excessivo fechamento externo da economia.

A segunda diretiva preconiza a ideia de “integração competitiva”, propondo abrir a economia brasileira a uma participação maior nos fl uxos de comércio in-ternacional; exalta o potencial de uma exploração da demanda externa e deplora a excessiva proteção criada para a produção nacional. O presidente Fernando Collor sintetiza a posição ao denominar o anterior orgulho nacional – o carro feito no Brasil – como uma “carroça”, em relação ao veículo do primeiro mundo. A aber-tura chega ao paroxismo da alface vinda da França nos supermercados da elite.

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A terceira diretiva estabelece como prioridade absoluta da política econômi-ca a desmontagem da espiral preços-salários. Para a proteção da riqueza, o Brasil havia desenvolvido um sistema de defesa de ativos fi nanceiros que converteu o caixa das empresas em “poupança” fi nanceira. Com este sistema, a espiral reali-mentava-se automaticamente. O fracasso da terapia de choque do governo Collor e a “timidez” do Estado em reduzir a dívida externa consagraram o princípio de intocabilidade do jogo fi nanceiro e a maximização das articulações do Brasil com o sistema fi nanceiro internacional. O corolário foi a adoção do Consenso de Washington de corte de gasto público e de privatização do setor público-estatal.

Em seu primeiro movimento, o neoliberalismo promoveu a desmontagem das instituições nacional-desenvolvimentistas que haviam sido inscritas na Cons-tituição. Emendas constitucionais cancelaram os monopólios públicos – com ex-ceção do urânio e da energia atômica – e dissolveram vinculações tributárias dos programas de infraestrutura. Os traços dominantes deste primeiro movimento foram sua hostilidade às instituições herdadas do antigo projeto nacional e a im-provisação de novas regras.

A fi scalidade, submetida à prioridade absoluta suprarreferida, foi sendo comprimida, fosse pelas práticas internas, fosse pela sucessão de acordos com credores internacionais. O refl exo sobre o investimento público foi imediato, desde a paralisação de obras em curso até o congelamento de novos projetos. Simultaneamente e de forma acelerada, promoveu-se a abertura comercial, que teve efeito devastador sobre as cadeias produtivas, dissolvendo importantes elos. A construção naval entrou em hibernação; a fabricação de material ferroviário desapareceu (de locomotivas a trilhos e vagões); a indústria de material elétrico pesado recuou; e teve início a devastação do complexo empresarial da engenharia pesada e de projetos.

Sucessivas tentativas de desativar a espiral preços-salários conduziram o sis-tema fi nanceiro brasileiro a formas mais íntimas de articulação com o cenário in-ternacional. Adotou-se o modelo monetário de metas de infl ação, que hipertrofi a o papel da taxa de juros no combate à alta de preços. O Brasil passou a praticar o mais elevado espectro de taxas de juros do planeta, em substituição à espiral preços-salários, que defi nia a moeda das empresas como “poupança” fi nanceira. Com o medíocre crescimento e com a destruição maciça de empregos qualifi ca-dos, houve uma perda de capacidade de negociação dos sindicatos. O êxito na estabilização foi obtido à custa da estagnação econômica e de uma involução na repartição funcional de rendas. Em 1960, a participação dos salários na renda nacional era superior a 50%; hoje retrocedeu a 37%. O resultado não surpreen-de, pois a taxa de juros primária hiperelevada garante rendimentos fi nanceiros crescentes. O cenário de estagnação reduz o poder de negociação dos sindicatos

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e o mercado de trabalho desarticulado permite substituir a espiral preços-salários pela relação consolidada juro real-preço. O epicentro empresarial brasileiro se deslocou de uma articulação Estado-empreiteiros para Banco Central-instituições do mercado de capitais. No cenário de paralisação, há dinamismo em alguns segmentos agroexportadores, assim como nos lucros de bancos e demais interme-diários do mercado de capitais.

A liberalização progrediu, impondo a transferência de ativos produtivos públicos para as empresas privadas. Houve privatização, às claras e às escuras. Às claras, por exemplo, quando empresas distribuidoras e geradoras de energia elétrica foram transferidas para grupos privados, ou quando foi permitida a com-pra da Companhia Vale do Rio Doce por uma fração de seu valor potencial. Houve privatização, com hipocrisia e às escuras, quando as ações da Petrobras foram maciçamente vendidas para o mercado internacional, e houve a amputação de seu braço petroquímico, igualmente privatizado. Em 1983, a União detinha 84% do capital da Petrobras. O governo de FHC vendeu 180 milhões de ações da companhia, sendo 25% adquiridas no mercado interno, por 310 mil optantes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Três quartos destas ações foram para o exterior. Das rendas geradas pela Petrobras, são pagos dividendos a proprietários residentes no exterior em volume superior tanto aos salários quanto aos juros pagos pela companhia.

Uma aplicação prioritária para parte das reservas internacionais seria a re-compra dessas ações. É curioso como “os do petróleo é ‘vosso’” recentemente se arvoraram em defensores dos acionistas minoritários, mas não tiveram a mesma atitude quando a Petrobras foi forçada a se limitar nos leilões de blocos promisso-res. Hoje, os neodefensores da Petrobras argumentam que a “missão principal” da empresa é “defender seus acionistas”, e que os privados são maioria. A falácia resi-de em que a maioria dos donos da Petrobras é o povo brasileiro, e é perfeitamente possível defender os acionistas tupiniquins minoritários recomprando ações em mãos de operadores na bolsas.

No “modelo brasileiro“, a privatização foi amparada pelo Estado liberal. Os adquirentes desfrutaram de formas “convenientes”, desde quitações com mo-edas podres até fi nanciamentos generosos de bancos ofi ciais. Houve a desregula-mentação e a transferência de poderes do Estado para agências reguladoras, em continuidade à ideia de fazer surgir um “terceiro setor” entre o Estado e a sociedade.

Houve sucesso em sepultar o projeto nacional desenvolvimentista. O “pro-jeto nacional do neoliberalismo” considerou reformar sinônimo de demolir. A aquisição e a operação dos segmentos de infraestrutura energética e de trans-porte pelo setor privado apareceram como uma nova “frente de negócios”. Simul-taneamente com a acumulação fi nanceira, que preservou a remuneração positiva

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com juros elevados até para saldos de caixa, constituiu-se em uma “nova avenida” para a riqueza. É fácil compreender que a fruição de juros elevados e a atuação no espaço de ganhos puramente fi nanceiros tenham maior poder de sedução do que investir na esfera produtiva. Adquirir infraestrutura já existente é atraente para os “negócios” privados, se acompanhada de generosas regras de tarifação. A infraestrutura, com sua característica de longa maturação, não é primeira opção para investimento privado.

A visão neoliberal fragmentou o sistema integrado de geração, de transmis-são e de distribuição de energia elétrica que possibilitava a fi xação de uma tarifa única em todas as regiões do país. É possível, em um sistema unifi cado, operar redistribuições da renda hidráulica. A opinião pública é desatenta em relação aos subsídios dados, em última instância, pelos consumidores residenciais às indús-trias eletrointensivas. O problema institucional é operar subsídios por tarifas cru-zadas, maquiando, por operações no chamado “mercado livre“, uma caixa-preta de ganhos diferenciados nas operações “atacadistas” de energia.

A “integração competitiva”, acompanhada de uma desmontagem das salva-guardas antes desfrutadas pelo sistema industrial brasileiro, reorganizou a pauta de exportações do país. Novas commodities se apresentaram (soja, proteínas etc.) e um cenário internacional favorável a estas matérias-primas re-situa o Brasil na sua antiga posição primário-exportadora. Não é, contudo, uma réplica da Velha Re-pública na organização social. Naqueles tempos, o complexo cafeeiro era nacio-nal. A tecnologia do café era balizada pelo Instituto Agronômico de Campinas. Os exportadores e fi nanciadores do café eram nacionais. No atual complexo de soja, apenas o estabelecimento agrícola e o caminhoneiro são nacionais: equipa-mentos, fertilizantes, sementes são controlados por fi liais estrangeiras; o grosso das exportações é feito por empresas transnacionais. Por este caminho, tendem a singrar a agroindústria açucareira e o complexo produtor de proteínas.

Esse quadro faz contraponto a um país que, potencialmente, desfruta de uma situação excepcional. Em matéria de hidroeletricidade, o país dispõe de re-cursos hídricos que permitem triplicar a atual capacidade instalada. O Brasil é a sexta reserva mundial de urânio e não há pesquisa em 60% do território nacional quanto a este minério. Carvão é escasso, mas a extensão territorial agriculturável e as disponibilidades de água e de energia solar possibilitam multiplicar biomassa como complemento da matriz energética. O Brasil domina a tecnologia de gera-ção, de transmissão e de distribuição de energia elétrica e é um dos três países do mundo que detêm tecnologia própria de enriquecimento de urânio.

Em matéria de petróleo, o pré-sal projeta o país para uma situação de abun-dância do combustível. Nesse domínio, dispõe-se do conhecimento geológico, tecnológico, de exploração e, apesar das lacunas industriais criadas pelo projeto

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neoliberal, o Brasil pode, com relativa rapidez, reposicionar os setores produtivos de equipamento e de serviços em apoio à exploração do pré-sal.

Em 2006, foi identifi cada uma grande reserva submarina de petróleo, abai-xo da camada de sal fóssil. O pré-sal estende-se no fundo do Oceano Atlântico por uma faixa que vai do Espírito Santo até Santa Catarina. Esta faixa está a 300 km do litoral e seu perímetro é de 800 km por 200 km de largura. O pré-sal, em uma perspectiva cautelosa, teria 40 bilhões prováveis de barris nos blocos de Ca-rioca, Tupi e Júpiter. Muitos estimam que as reservas – a partir de outros blocos – são superiores a 70 bilhões de barris, o que situaria o Brasil em nono lugar no ranking mundial de reservas de petróleo. Eufóricos, alguns chegam a imaginar a faixa como um único bloco.

De longa data autores exaltam a Amazônia como um Eldorado potencial. Com o pré-sal, o Brasil passa a dispor de uma “Amazônia Azul”. Enquanto a primeira é uma reserva de recursos, áreas agriculturáveis, água e um amplo uni-verso para pesquisa das potencialidades da biodiversidade, a “Amazônia Azul” é a autossufi ciência de “ouro negro”, com acessibilidade pronta. A “Amazônia Verde” é uma reserva para um futuro diferido, enquanto a “Amazônia Azul” está próxi-ma da principal concentração demográfi ca e econômica da nação brasileira e está disponível em poucos anos. Desde os tempos coloniais, a “Amazônia Verde” foi, nas palavras de Arthur César Ferreira Reis,2 “objeto de cobiça internacional”. Há fortes razões e um cenário geopolítico que fazem da “Amazônia Azul” um “objeto de cobiça” em letras maiúsculas.

O petróleo e o gás natural participaram com cerca de 43% do total da ener-gia consumida no mundo, em 2005. Projeções do International Energy Outlook (EIA, 2004) apontam que esta predominância deverá se sustentar nas próximas décadas: suas projeções até 2025 sugerem que o crescimento do consumo de pe-tróleo e de gás fi cará entre 1,9% e 2,16% ao ano. As reservas mundiais de petróleo permitem inferir que, mantidos os níveis atuais de produção e de consumo, terão uma vida útil de 41 anos. Nos últimos vinte anos, o crescimento das reservas tem se dado, predominantemente, por reavaliação dos campos petrolíferos já existen-tes. Tudo indica que os custos de extração do petróleo serão crescentes, pela utili-zação de óleos pesados, areias betuminosas e extração, com maior profundidade e cada vez em zonas de mais difícil acesso.

O pré-sal brasileiro não é de fácil acesso, pois está sob uma lâmina de água de dois mil metros, abaixo de uma camada de cinco mil metros de rochas e sal fós-sil. Seu óleo, porém, é leve e permite uma adequada combinação com o petróleo

2. O autor faz referência ao livro “A Amazônia e a cobiça internacional”, de Arthur César Ferreira Reis, publicado em São Paulo pela Cia Editora Nacional, em 1960 (nota do editor).

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pesado atualmente extraído. O custo de cada poço será de US$ 60 milhões. O pré-sal exigirá um signifi cativo esforço de investimento para a economia brasilei-ra. Dado que o país deve optar por não ser um exportador de óleo cru, é possível projetar por um período longo o aproveitamento dos campos já identifi cados. Se a produtividade do poço típico do pré-sal for de 20 mil barris/dia, o custo unitá-rio de produção será inferior a US$ 30 o barril.

A distribuição das reservas de petróleo do mundo é concentrada no Oriente Médio, que tem aumentado sua participação nos últimos vinte anos. Em 2006, eram 61,5% do total mundial (54,1%, em 1980). Os onze países da Organization of the Petroleum Exporting Countries (OPEC; em português: Organização dos Paí-ses Exportadores de Petróleo – OPEP) controlam 75% das reservas, tendência que tem sido acompanhada pela queda das reservas de economias importantes, como a dos EUA e a do Reino Unido. Alguns países exportadores vêm perdendo posição nas reservas, sendo notável o péssimo desempenho da Indonésia e do México.

A complicada equação geopolítica completa-se tendo presente o fato de o continente norte-americano consumir 28,9% do petróleo do mundo, produzir 16,55%, e dispor de apenas 5% das reservas mundiais – importa 70% do petróleo que utiliza. Em 2006, se a economia norte-americana dispusesse, na sua pleni-tude, de toda a produção do Novo Mundo, permaneceria em défi cit. As reservas europeias – sem computar a da Rússia – são 2% das do mundo, enquanto seu consumo é de 22,9%. China e Japão consomem 15% do petróleo do mundo, e suas reservas não chegam a 5%.

É fácil compreender que o descasamento entre os grandes bebedores de pe-tróleo e os países detentores de reservas forme o pano de fundo de renascidas e recorrentes tensões mundiais. O Eldorado da “Amazônia Azul” tem, dentro de si, possibilidades magnífi cas associadas a novos riscos geopolíticos como contrapeso.

O discurso ambientalista cerca, com exageros, a “Amazônia Verde”. Um projeto nacional brasileiro pode, perfeitamente, compatibilizar o uso da Ama-zônia com razoável cuidado ambiental. A geopolítica do petróleo é muito mais direta e contundente; soberanias nacionais são canceladas e riscos de difícil avalia-ção estão superpostos às grandes reservas deste combustível. Não é difícil, para as potências dominantes, ávidas por combustível, recrutar apoio político nos países periféricos, alinhado a seus interesses.

Esse é um momento que exige opções defi nidas quanto ao tema do petróleo, que terão peso signifi cativo na futura evolução da sociedade brasileira. Não é desejá-vel imitar a Indonésia, membro da OPEP que exportou petróleo a um preço insigni-fi cante e suas reservas vêm se esgotando; o mesmo fenômeno tem sido uma sombra nas experiências do México; o Reino Unido, extraindo petróleo do Mar do Norte,tem sofrido uma redução absoluta de reservas e, hoje, não poderá se sustentar

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com a receita de exportação. É fácil projetar, para estes países, a evolução de pro-dutores para importadores de petróleo a preços crescentes. Mesmo para os EUA, suprir sua imensa demanda de petróleo com importações cada vez mais caras é estagnar ou mesmo retroceder o padrão de vida atual de sua população. A Noruega é um país que teve êxito na extração de petróleo de plataforma marítima, mantém suas reservas, implantou um projeto nacional de diversifi cação de base produtiva e um fundo que adquire ativos no mundo para servir, no futuro, ao povo norueguês. O Iraque, que tem 9,5% das reservas mundiais, é o contraponto à Noruega.

Não é nenhuma profecia prognosticar que o Brasil, nos próximos anos, fará esforços no capítulo de infraestrutura de transporte e de energia. O atual governo tem ensaiado diversos movimentos nessa direção. Situou em pauta de discussão nacional o duplo tema do etanol e do biodiesel, combustíveis renováveis que têm potencial para reduzir a pressão sobre os derivados fósseis. Lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que encaderna diversos projetos, alguns já envelhecidos na prateleira, procrastinados que foram pelo superávit fi scal e pelos juros primários hiperelevados. Algum andamento tem sido dado aos projetos do PAC, mas sua execução orçamentária está atrasada em 2008. As barreiras am-bientalistas parecem ter sido superadas no caso das duas usinas do Rio Madeira, porém persistem para mais de uma dezena de projetos hidrelétricos, até mesmo para o gigantesco Belo Monte, no Rio Xingu. Igualmente, a conversão do Rio Araguaia em uma rota aquaviária tem sido bloqueada.

Como ensaio introdutório ao tema da infraestrutura, o que foi feito pelo atual governo é meritório, porém insufi ciente. Para o Brasil retornar a uma traje-tória fi rme de expansão, acima de 5% de PIB ao ano, é necessário re-situar a taxa de investimento macroeconômica brasileira no patamar de 25% do PIB e persis-tir no esforço por elevar esta taxa (no segundo semestre de 2008, deve estar em torno de 20% ao ano). O Banco Central, com a justifi cativa de cancelar aragens infl acionárias, já empurrou a taxa de juros para mais além da taxa da Turquia, resgatando para o Brasil o podium de país praticante da mais alta taxa de juros primários do planeta.

A esta altura, cabe perguntar: qual é o projeto nacional brasileiro? Persiste o neoliberal? O PAC é introdutório a um futuro projeto nacional? Há uma sur-da saturação brasileira com a mediocridade da economia e a precariedade nos serviços públicos essenciais: saúde, educação e segurança. A questão do emprego domina as ansiedades do jovem brasileiro, para o qual a fuga para o exterior é cada vez mais considerada atraente. A tolerância a “apagões” tende a diminuir.

O neoliberalismo começa a recuar ao compasso das difi culdades crescen-tes do sistema fi nanceiro internacional. O governo persegue, com o PAC, a sus-tentabilidade do crescimento econômico do último biênio. Contudo, um plano

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somente se sustenta quando é sancionado pelos desejos de importantes frações da vida nacional. Ainda não houve nenhum questionamento relevante ao ideal liberal de “integração competitiva”. A âncora cambial persiste, sustentando uma política de atração de capitais a qualquer preço (juro real). O modesto PAC, anunciado com fanfarras, é silenciado, em parte, pelo discurso de advertência de uma “neorressurgência infl acionária”. Torna-se difícil, para o empresariado, assu-mir o PAC como uma realidade concreta e previsível. O pré-sal tem o mérito de clarifi car a questão. O Eldorado é nosso ou deles? Entre a Noruega e o Iraque, não podem subsistir dúvidas: o petróleo pode ser a bênção ou a maldição de um povo.

Diretivas relevantes para a construção de um futuro projeto nacional têm sido antecipadas pelo atual governo. Assim, por exemplo, em termos de infra-estrutura, é extremamente meritória a preocupação de integrar, consistente e equitativamente, o Nordeste ao conjunto da economia nacional. O empenho na transposição do rio São Francisco é altamente meritório, mas deveria estar acompanhado do anúncio inequívoco de instalação da Usina de Belo Monte, no Xingu. Propor termoeletricidade a gás natural e acenar com energia eólica não materializam o Nordeste como importante frente nacional de desenvolvi-mento. A Ferrovia Norte-Sul e a Transnordestina, combinadas com a energia elétrica de Belo Monte e boa água transposta do São Francisco (uma preliminar à futura contribuição do Tocantins) produziriam no Nordeste transformação equivalente à que Brasília e sua rede logística estimularam no Centro-Oeste e na Amazônia Meridional.

Produzir comida para exportação – neoliberais falam do Brasil como “ce-leiro do mundo” – quando nossa linha de miséria cobre situações generalizadas de fome em frações signifi cativas do corpo social brasileiro não parece ser projeto que acelere a justiça social. Permitir que os preços internacionais de alimentos deem a pauta dos preços para nosso povo comer é um dramático erro social que pode ser evitado pela reconstrução de salvaguardas tributárias e pelo manejo de estoques regulatórios públicos. A submissão à onda neoliberal é inibidora da ins-talação destas salvaguardas.

O tema do pré-sal transporta o Brasil à discussão de seu futuro. O governo fi xou diretivas sobre a matéria que, mantidas, respeitadas e ampliadas, farão a diferença para os brasileiros. Em primeiro lugar, afi rmou que o Brasil não será ex-portador de óleo bruto. O petróleo da “Amazônia Azul” somente será exportado sob a forma de derivados e de produtos químicos. Em segundo lugar, garantiu que as encomendas de plataformas, equipamentos e embarcações serão preferen-cialmente orientadas para indústrias instaladas no Brasil. Em terceiro lugar, de-clarou que parte expressiva dos lucros com o petróleo será reservada para ampliar e para elevar a qualidade do sistema educacional brasileiro. Dada a forma das

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atuais concessões, seu desdobramento tende a levar o Brasil a exportador de óleo bruto. Foi levantada a hipótese de o governo desapropriar concessões, leiloadas em blocos, do pré-sal.

O atual governo parece procurar uma síntese entre o projeto neoliberal – circunscrito ao domínio da moeda, dos juros e do sistema fi nanceiro – e um neoprojeto nacional desenvolvimentista em matéria de infraestrutura, cuja ponta de lança é a equação institucional ensaiada para o pré-sal.

Os entusiastas pela integração competitiva neoliberal no mundo globalizado têm praticado, publicitariamente, a ideia de que o Brasil tem vocação para ser o “celeiro do mundo”. Não é exatamente uma réplica atualizada do Brasil que, exportando café e açúcar na República Velha, foi denominado “o país da sobre-mesa mundial”. Hoje, é hegemônica a presença estrangeira em diversos complexos agroindustriais. É similar quanto à vulnerabilidade às vicissitudes do mundo e situa o país na ponta do comércio internacional com menor dinamismo tecnológico.

Na hierarquia das commodities, há uma sequência de agregação de valor. Por exemplo, é melhor exportar carne do que ração de gado; é certamente mais efi ciente e conveniente, do ponto de vista ambiental, alimentar o gado com rações derivadas da agricultura intensiva em vez do capim que, em uma pecuária exten-siva, obtém-se pela devastação de fl orestas e de matas nativas. Esta agricultura intensiva deve ser suprida com insumos e com equipamentos produzidos interna-mente. É preferível exportar carnes processadas em vez de couro verde, e reservar esta mercadoria para a indústria nacional de calçados. É fácil inferir que a maior complexidade de cadeias produtivas desse tipo assimila e agrega valor aos insumos energéticos e prestadores de serviço no país.

O Brasil não pode pretender ser autarquia econômica, porém deve esforçar-se para ampliar, nas exportações, as vendas de mercadorias com alto valor agrega-do. A redefi nição de “integração competitiva” subordina-a a um projeto nacional de desenvolvimento, voltado para o benefício direto e tangível do povo brasileiro. Não há substituição da ideia de exportar. Contudo, a primeira diretiva está, cor-retamente, orientada a maximizar o valor agregado e estimular o desenvolvimento industrial, científi co e tecnológico. O modelo proposto para o pré-sal resgatará, defi nitivamente, a indústria de construção naval, e fará o Brasil exportador de equipamentos para explorações submarinas, aí incluídas embarcações offshore, com alta especialização.

Uma matriz energética que forneça energia elétrica em abundância e com-bustíveis mais baratos que em outros países faculta ao Brasil pensar na exportação com maior valor agregado.

É possível transferir essa diretiva para outros itens de exportação. Por que exportar couro verde, em vez de sapatos? É sempre preferível exportar gado do

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que sua ração; melhor ainda exportar carnes processadas. Proteína escassa sugere que é preferível exportar frango em vez de milho. Impostos sobre a exportação de commodities permitiriam abastecer a mesa do brasileiro a custo mais baixo.

Reservas de petróleo provadas e acessíveis são um ativo fi nanceiro de qua-lidade excepcional para seu proprietário. O Estado brasileiro, dono do pré-sal, terá o equivalente às reservas internacionais do Banco Central. A diferença entre o ativo petróleo e os itens do portfólio do Banco Central é a fi rme tendência à valorização do barril do petróleo, enquanto títulos de dívida do Tesouro norte-americano estão sujeitos às oscilações e às intempéries do sistema fi nanceiro in-ternacional. O Eldorado do pré-sal aponta para a urgência de uma política de aplicações nacionais fi nanceiras. O pré-sal exigirá um esforço fi nanceiro nacional para torná-lo efetivo. A Petrobras é, certamente, o principal agente. É importante re-nacionalizar a companhia. Um fundo soberano deveria ser criado com parte das reservas internacionais brasileiras e seria comprador das ações da Petrobras.

Uma redefi nição da dívida pública líquida (DPL) deveria ser realizada. A DPL é contabilmente defi nida pelo somatório da dívida pública interna mais a dívida externa, deduzidas as reservas internacionais. A DPL tem-se reduzido, nos últimos anos, em virtude da valorização cambial do real, que se ancora na amplia-ção das reservas internacionais. Reservas mais robustas foram possíveis em razão do mercado internacional conjunturalmente favorável a commodities brasileiras e à política de sustentação de juros reais primários elevados, que é frenatória do crescimento, porém atrativa de capitais de curto prazo do exterior e de brasileiros “internacionalizados” em busca da arbitragem de juros. Na contramão do supe-rávit comercial, o real valorizado estimula importações, e a administração fi nan-ceira das reservas brasileiras estratégicas produz perdas patrimoniais signifi cativas, pela diferença da taxa de remuneração pelo Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) e a taxa de sua aplicação concentrada em papéis do Tesouro norte-americano.

A incorporação à DPL do patrimônio constituído por ações de estatais lu-crativas permitiria diversifi car a carteira de aplicações das reservas brasileiras inter-nacionais. Em vez de lastro à dívida de outro país, estar-se-ia elevando o investi-mento em segmentos estratégicos que reforçariam a economia nacional. Para uma trajetória de crescimento autossustentado é indispensável uma macrodinâmica com taxa de investimento crescente. Programas plurianuais com investimentos crescentes em infraestrutura de energia e de transporte são um dos componentes mais efetivos para elevar a taxa de investimento. O pré-sal prenuncia-se como a continuação do modesto PAC.

Um modelo de expansão de demanda sustentada por crédito a juro alto e prazos longos pode ser útil para romper a estagnação, mas é um estimulante de

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alto risco para as famílias que se endividam e para a saúde fi nanceira do mercado de capitais. É temerário expandir crédito a pessoas físicas com taxas de juros de 40% ao ano, quase três vezes a taxa SELIC. Uma família que se endivide ao nível de 20% de sua renda familiar a esta taxa, paga de juros 8% sobre sua renda.

Somente com a multiplicação de empregos de qualidade será possível garan-tir a solvabilidade de uma eventual “bolha de crédito” em formação na sociedade brasileira. Para o deslocamento do eixo central de uma estagnação em uma traje-tória de crescimento fi rme e autossustentada é indispensável a reserva do mercado interno para os investimentos ampliados em energia elétrica, em petróleo, em re-des de transporte ferroviário e na modernização do sistema viário metropolitano.

Tanto a “Amazônia Verde” quanto a “Azul” exigem e impõem prioridade à recuperação operacional das Forças Armadas Brasileiras. Navios e aviões militares são indispensáveis à preservação de campos nacionais de petróleo e territórios amazônicos. Soberania em um mundo de atritos multiplicados e estimulados pela geopolítica do petróleo impõe esta salvaguarda.

O futuro projeto nacional brasileiro tem de assumir o sonho da integra-ção do continente sul-americano. No âmbito setorial, as matrizes brasileiras de transporte e de energia devem ser pensadas em suas inter-relações com os países vizinhos. Em termos de modalidade rodoviária e ferroviária, é decisivo um esfor-ço para ligar, pelo interior, o Atlântico ao Pacífi co. Pela aquaviária, deveria ser pactuado um sistema de navegação de cabotagem pelo continente, com portos no Atlântico e no Pacífi co articulados de forma intercontinental. O Brasil teria de priorizar, desde logo, o Porto de Sepetiba, e o desenvolvimento do Nordeste comportaria, pelo menos, outro porto intercontinental em sua costa. Em matéria de energia, o Brasil já importa combustíveis e eletricidade de países irmãos. O de-senvolvimento de projetos energéticos bi ou plurinacionais concretiza o desenho de integração de matrizes energéticas no continente.

Hidrelétricas binacionais com quatro vizinhos estão em projeto; as usinas do rio Madeira combinam-se com a instalação de uma malha hidroviária que servirá ao Brasil, à Bolívia e ao Peru. O gasoduto ligando Venezuela e Argentina, via Brasil, será uma coluna vertebral de integração energética, e poderia ser símbolo do pro-jeto nacional brasileiro em parceria com o continente sul-americano.

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CAPÍTULO 4

VISÃO MODERNA DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTALJoão Paulo dos Reis Velloso

1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, AGORA

A colocação normalmente feita pelos defensores da sustentabilidade ambiental é ser ela necessária para que, segundo colocou o Relatório Bruntland (VEIGA, 2005, p. 196), a humanidade possa “garantir as necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de gerações futuras também o fazerem”. Ou seja, o desenvolvimento ecologicamente (ou ambientalmente) sustentável é um benefí-cio para as gerações futuras.

Pode-se, hoje, ter uma visão mais moderna: o desenvolvimento sustentável é necessário para atender às necessidades da nossa geração.

Em síntese, desenvolvimento sustentável é uma conciliação necessária para que, de um lado, não continue havendo os problemas de poluição do ar e da água (com danos para a saúde de todos nós), de degradação de terras (com prejuízo para a produção agrícola) e dos morros (com consequências pagas, principalmente, pe-los habitantes de favelas), de desmatamento em inúmeros ecossistemas (com efeitos imediatos, principalmente, para os que vivem da agricultura em pequena escala).

E, de outro lado, não se desperdicem algumas das melhores oportunidades de um país que se caracteriza pela enorme riqueza de recursos naturais – e, em ge-ral, de recursos naturais renováveis. Oportunidades que, segundo Roger Cohen, colunista do New York Times, signifi cam: o futuro do Brasil é agora.

2 OPORTUNIDADES

Já é hora de o Brasil deixar de ser, com frequência, o país das oportunidades perdi-das. Conciliação signifi ca pagar um preço. Preço que pode ser minimizado, como diz o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, se tivermos um licenciamento ambiental ágil. Burocratizar o licenciamento ambiental é esquecer que existe um custo de oportunidade: deixar de realizar o projeto, e, com isso, retardar o desen-volvimento e aumentar o risco de “apagões”. Com prejuízo para todos.

Necessário lembrar que o desenvolvimento tem de ser global. Ou seja, de-senvolvimento economicamente sustentado (ao longo do tempo), socialmente includente, politicamente moderno e ambientalmente sustentável. Do contrário,

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não há desenvolvimento – as cinco dimensões são indispensáveis e, frequente-mente, há sinergias. A razão é: só assim ele será, realmente, desenvolvimento humano. Ou humanista, se preferirem.

3 ESTRATÉGIA DE PAÍS ALTAMENTE DOTADO DE RECURSOS NATURAIS

A questão a ser pensada é: que tipo de estratégia é mais adequado a países como o Brasil, altamente dotados em recursos naturais?

Estudo do Banco Mundial (2001) destaca as lições da experiência de países ricos em recursos naturais, e que hoje são desenvolvidos, a exemplo de Austrália, Canadá, Finlândia, Suécia e, certamente, Estados Unidos.

Particularmente importante é o caso dos países escandinavos, de tal modo que se considera haver um modelo escandinavo.

Assinala o estudo:

Os países escandinavos que produzem aviões, carros de luxo, mobília de design especial e, mais recentemente, produtos avançados de telecomunicações, também construíram (sua competitividade atual), gradualmente, à base de seus trunfos em recursos naturais.

E cita o caso da Volvo e da SAAB, que emergiram parcialmente da sua ori-gem na indústria fl orestal

(...) Mas talvez mais interessante é como a Nokia, originalmente um produtor de ce-lulose, se tornou um major player (concorrente de vanguarda) na indústria mundial de celulares.

E a conclusão:

Os elementos-chave foram estruturas organizacionais, redes de conhecimento (knowled-ge networks) e agressivas políticas de capital humano que, embora desenvolvidas para realizar o processamento de recursos naturais, eram transferíveis para indústrias de altas tecnologias. Em síntese, a lição histórica é clara: quando bem geridos e colocados no contexto institucional certo, os recursos naturais podem ser vitais para o desenvolvimento (grifo nosso).

3.1 Dois pontos a salientar

O primeiro: como se obtém essa transformação? Por meio do desenvolvimento de “aptidões modernas”, como conhecimento e tecnologia – particularmente as tecnologias de informação e comunicações (TICs) –, capital humano, instituições econômicas e instituições públicas de qualidade. Tais aptidões se superpõem à ideia estática de “dotações de fatores”, e signifi cam vantagens comparativas cria-das, muito mais poderosas e dinâmicas.

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No quadro atual, os autores destacam como “aptidões modernas”:

• clusters industriais: aglomerados produtivos industriais, hoje generaliza-dos nos Estados Unidos; principalmente, clusters de inovação;

• logística: getting the right goods to the right location at the right time, ou seja, entregando os produtos certos na localização certa, no tempo certo;

• TICs; e

• conhecimento (sob todas as formas).

O segundo ponto é: como o Brasil já conhece essa experiência histórica, pode queimar etapas, dar um salto de competitividade, fazendo creative catching-up (chegando à vanguarda de forma criativa, e não pela simples cópia).

Dessa forma, pode-se, simultaneamente, dotar de médio e alto conteúdo tecnológico os setores intensivos em recursos naturais e criar vantagens compara-tivas em segmentos de áreas de tecnologias avançadas.

Para dar ideia da estratégia, que é denominada de “economia criativa” – à base da inovação e da economia do conhecimento –, este capítulo será concentrado nas áreas mais diretamente ligadas à sustentabilidade ambiental, com dois focos:

• biodesenvolvimento – em sentido amplo, incluindo o agronegócio ecolo-gicamente sustentável; e

• desenvolvimento de nova matriz energética.

4 OPORTUNIDADES ESTRATÉGICAS EM BIODESENVOLVIMENTO

4.1 Oportunidade: transformação dos setores intensivos em recursos naturais em áreas de médio e alto conteúdo tecnológico

Tais setores incluem: agronegócio/indústria, insumos industriais básicos (siderur-gia, celulose/papel, indústria petroquímica, metalurgia de não-ferrosos, minerais não-metálicos). E, hors concours, bioenergia (sobretudo, etanol), bioquímica.

Em geral, deve haver, nesse campo, duas preocupações principais.

De um lado, um novo salto tecnológico, pois tais setores não são mais áreas de baixa tecnologia, no Brasil. O agronegócio brasileiro é, provavelmente, o melhor exemplo de tecnologia tropical no mundo. E as oportunidades são enormes, porque já está emergindo uma “crise da produção de alimentos”, com a demanda, principalmente a insaciável demanda da China, tendendo a exceder a oferta. E também porque o Brasil ainda tem uma área agricultável a explorar

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(fora da Amazônia) muito superior à área agricultada: 90 milhões de hectares e 60 milhões, respectivamente (RODRIGUES, 2005).

Por isso, “(...) o agronegócio tem sido a grande alavanca de crescimento do saldo comercial do Brasil”. Saldo que, infelizmente, está tendendo a exaurir-se.

De outro lado, existe a preocupação com a criação de noncommodities, tanto no agronegócio/agroindústria como em insumos industriais básicos, a fi m de se ter, nestas áreas, produtos novos e produtos diferenciados. É importante não se satisfazer com o maná caído do céu, representado pela enorme demanda mundial por commodities, que deverá continuar mesmo com os efeitos da atual crise internacional.

Como exemplo, o Brasil já dispõe de um tipo de café naturalmente descafeina-do, descoberto por pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP): “Uma mutação ocorrida em plantas silvestres da espécie coffea arabica resultou em um café naturalmente descafeinado, com aroma e sabor preservados”. Como o descafeinado representa cerca de 10% do mercado mundial de café, trata-se de descoberta de valor econômico relevante.1 Mas há obstáculos a superar, e o principal é que os cafeeiros descafeinados têm produtividade muito baixa em relação às variedades comerciais de café arábica. “Por isso o IAC está recorrendo a experiências de clonagem e de produ-ção de híbridos para alcançar produtividade normal”.

Ainda um exemplo seria o fato de que o Brasil está produzindo biojóias, campo que pode vir a ter razoável signifi cação econômica.

Outra área em que se pode criar noncommodities, talvez pela globalização de empresas, é a de certos produtos petroquímicos, cujos custos de matérias-primas são excessivamente elevados no país. E em química fi na.

Ainda uma forma de criação de noncommodities é a possibilidade, exis-tente no Brasil, de utilização de novos materiais, por exemplo, para o setor de construção, à base de recursos naturais. Na Feira Internacional da Constru-ção, realizada em 8 de abril de 2008, em São Paulo, mais de dois mil novos produtos para construção foram apresentados – aí incluída a casca de ovo em paredes, chão e móveis).2

Pode-se ainda falar nos plásticos para automóveis não produzidos com ma-térias-primas petroquímicas.

1. Ver Revista Pesquisa FAPESP, edição 101, julho/2004, p. 79, Editorial Tecnologia, Naturalmente descafeinado.

2. Ver jornal O Globo, 30/03/08, caderno Morar bem, p. 3.

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4.2 Oportunidade: “O futuro é agora”: desenvolvimento da bioenergia – e nova matriz energética – e da bioquímica (biodesenvolvimento)

Na série de artigos que escreveu no New York Times, com o título “O futuro do Brasil é agora”, Roger Cohen destaca dois trunfos principais do Brasil: energia e, em especial, biocombustíveis.

Para discutir o assunto de biocombustíveis, é importante situá-lo dentro do quadro de uma nova matriz energética para o país. O Brasil já tem uma boa matriz energética: a participação das energias renováveis é da ordem de 45% do total da oferta (em comparação com cerca de 6%, em média, nos países da Orga-nização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE; em inglês, Organisation for Economic Co-operation and Development – OECD) – dados de 2006.

Sem embargo, pode-se melhorá-la ainda mais.

Uma forma importante de fazê-lo é pelo desenvolvimento da área de bio-combustíveis, em que o Brasil tem hoje a liderança e está na vanguarda tecnológi-ca. Entretanto, para manter estas liderança e vanguarda é necessário defi nir uma estratégia de bioenergia para o país, como disse o ex-ministro Roberto Rodrigues no XIX Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae).

Observem-se alguns pontos básicos dessa estratégia.

Em primeiro lugar, entender de que meta se está tratando. O objetivo defi -nido pelo Projeto Etanol, do Grupo de Energia da UNICAMP, é o de que o Brasil possa prover etanol para substituição de 5% a 10% da demanda mundial, como ordem de grandeza. Talvez o mesmo possa ser feito em relação ao biocombustível.

O grupo observa não ser muito grande o avanço que ainda se pode fazer na produção de etanol com base na cana-de-açúcar. Talvez melhorias tecnológicas: biologia molecular no melhoramento genético da cana-de-açúcar; uso em larga escala da mecanização; e agricultura de precisão, com desenvolvimento nas áreas de gerenciamento agrícola (métodos modernos de management) e uso de imagens de satélites e da tecnologia da informação.

No tocante a tecnologias futuras (tecnologias de biocombustíveis de segun-da geração), a de uso comercial mais provável está ligada à área de celulose – resí-duos agrofl orestais e, até, “fl orestas energéticas” (ou “fl orestas multiuso”).

A esse propósito, faz-se importante recordar que os Estados Unidos, uma vez que perderam a corrida para a primeira geração de tecnologias de biocom-bustível, já estão engajados nas pesquisas para viabilizar a produção de etanol de celulose. Em verdade, estão na liderança, com o Brasil vindo logo atrás. Para que o país chegue à vanguarda, será necessário conceder incentivos, pelo fato de

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as grandes empresas de produção de celulose/papel no Brasil terem a questão do etanol como objetivo de médio prazo (talvez cinco anos), mesmo sob a forma de fl orestas multiuso.

O segundo ponto a destacar é de natureza geopolítica. O fato de países como os Estados Unidos concederem maciços subsídios à produção de etanol de milho, prejudicando a oferta de milho como alimento, tem levado a manifesta-ções políticas contra a produção de biocombustíveis.

Diante da polêmica existente, nascida de um equívoco óbvio, Abdolreza Abbassanian, secretário do Grupo Intergovernamental sobre Grãos da Organiza-ção das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), foi taxativo: “Não há nada contra o etanol do Brasil”. E é importante o recente estudo sobre biocombustíveis da OECD, que “isenta o etanol brasileiro dos principais ataques e condena os biocombustíveis norte-americano, europeu e canadense”.

Como diz o diretor do Banco Mundial no Brasil, John Briscoe, “O Brasil é parte da solução”3 tanto na crise dos alimentos – enquanto grande exportador – como na crise do petróleo, com seu programa de biocombustível.

Bioquímica é outra área em que o país tem grande potencial e na qual já está mostrando os primeiros resultados. Existem empresas com projetos de fabricação de produtos químicos a partir da cana-de-açúcar, e também de “plástico com gli-cerina de soja”.4 Ou seja, é uma indústria química que emerge, mas não a partir do petróleo (petroquímica), e sim de produtos vegetais (bioquímica).

Têm-se, dessa forma, bioenergia e bioquímica – é o biodesenvolvimento.

5 TRANSFORMANDO POTENCIAL EM OPORTUNIDADE: ESTRATÉGIA DE BIOTECNOLOGIA PARA O BRASIL, COM BASE NA NOSSA BIODIVERSIDADE

Fala-se, neste trabalho, em oportunidade estratégica do Brasil em bioenergia e bioquímica. Mas talvez a principal oportunidade do país esteja em biotecnologia, isto porque a tecnologia do século XXI não é apenas eletrônica (ou seja, TICs). É, também, biotecnologia, que, pela sua capacidade transformadora, tende a consti-tuir uma das forças vitais da Revolução do Conhecimento. Recordando: a biotec-nologia é o conjunto de tecnologias baseadas no uso de células ou de moléculas biológicas (e de princípios ativos) – novas formas de vida –, para aplicação na produção de bens e serviços.

3. Ver jornal O Globo, 24/04/08, p. 7, artigo de John Briscoe, O Brasil é parte da solução na crise.

4. Ver jornal Gazeta Mercantil, 07-09/03/08, p. C1.

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No caso do Brasil, atualmente, têm maior importância a biotecnologia far-macêutica5 e de cosméticos, e a biotecnologia agrícola. O caminho que melhor convém ao país é o do desenvolvimento da biotecnologia baseada na biodiversi-dade brasileira, uma das maiores do mundo. Possivelmente a maior.

Sabidamente, é muito rica a biodiversidade amazônica. E, igualmente, a da Mata Atlântica. Mas é rica, também, a biodiversidade dos outros ecossistemas. A biodiversidade dos cerrados mostra-se bem maior do que havia sido estimado pelo Ministério do Meio Ambiente, segundo estudo recém-concluído,6 e que foi feito ao longo de vinte anos por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Instituto Brasi-leiro de Geografi a e Estatística (IBGE). Grande é, ainda – não se surpreendam –, a biodiversidade da caatinga, no semi-árido do Nordeste.

Recentemente, começou-se a verifi car ser muito rica a biodiversidade da pla-taforma continental brasileira, que está sendo pesquisada por várias universidades.

Entretanto, isso tudo é potencial de riqueza apenas. E aí entra o drama: cor-remos o risco de só lentamente irmos transformando este enorme potencial em oportunidade estratégica. A razão principal talvez possa ser encontrada na falta de integração entre governo, universidade e empresa.

O desafi o a enfrentar é, portanto, ter uma estratégia para competir na ponta da biotecnologia e do uso racional da biodiversidade, segundo a proposta feita pelo professor Antônio Paes de Carvalho (2007), presidente da Extracta, proposta esta que se baseia em uma aliança estratégica entre governo, universidade (ciên-cia) e indústria (grandes empresas e pequenas empresas tecnológicas).

Tal aliança signifi caria, em primeiro lugar, “mais ciência”, e, para isso, seria necessário um programa especial que permitisse, em oito a dez anos, ter uma comunidade científi ca capaz de estabelecer relações entre ciência e sociedade que refl itam uma “autoconfi ança na capacidade de trabalhar de forma integrada a ciência, a técnica, a indústria e o governo, mirando alvos estrategicamente defi ni-dos de comum acordo” (CARVALHO, 2007). Isto se faria por meio da expansão de base científi ca brasileira, com muita pós-graduação de excelência e boa infra-estrutura de pesquisa.

O segundo elemento seria “o papel essencial da indústria”, orientando a ação “ao longo de linhas claras de mercado”, de modo que “a busca da competi-

5. Convém lembrar que a moderna biotecnologia farmacêutica tem como objetivo fi nal produzir “drogas inteligentes”. Ou seja, drogas que sejam tão específi cas para um alvo como uma chave para a fechadura, evitando o problema das drogas com sérios efeitos colaterais.

6. O autor refere-se aos Inventários da Biodiversidade do Bioma Cerrado, publicados pelo IBGE em 2007, disponíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/levantamento/inventario.shtm (nota do editor).

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tividade pela qualidade em C&T&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) fosse um diferencial nacional”.

No caso da biotecnologia farmacêutica, isso signifi ca liderança do processo por grandes empresas inovadoras – com seus centros de pesquisa e desenvolvi-mento (CPDs), associados a pequenas empresas tecnológicas de alta especializa-ção. E a centros de pesquisa em universidades. É este o modelo norte-americano na área da indústria farmacêutica (liderança das grandes farmas).

Para que o mesmo aconteça no Brasil, seria indispensável promover o fo-mento à inovação tecnológica na grande indústria farmacêutica (grandes farmas), por meio de fi nanciamento subvencionado da inovação, subvenção a projetos inovadores e à contratação de pequenas empresas tecnológicas. E também promo-ver o fomento da pequena empresa tecnológica, mediante subvenção da fi xação de cientistas nos parques tecnológicos, contratação de projetos criativos, subven-ção ao venture capital, incentivo à grande indústria farmacêutica para encomen-das e absorção de tecnologias geradas.

O terceiro elemento corresponde ao “papel essencial do governo”. Seria ir-realista pensar que o Brasil pudesse ter esse tipo de estratégia, numa tecnologia nova para o país, como a biotecnologia, sem que ela estivesse em caráter de prio-ridade na política industrial e apoiada num sistema de incentivos fi nanceiros e fi scais (incluídas aí “subvenções”), na área do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mesmo em países desenvolvidos a participação do fi nanciamento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para biotecnologia é preponderante.

Ao lado disso, existem, na área governamental, obstáculos a superar.

Antes de tudo, a questão da propriedade intelectual, ou seja, patentes. A legislação pertinente (Lei no 9.279/96) estabelece:

Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qual-quer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

Ora, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) tem interpreta-do esse dispositivo legal enquanto uma proibição de conceder patentes não ape-nas a seres vivos e suas partes, mas também a todo e qualquer processo químico decorrente do metabolismo deste ser vivo.

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Tal interpretação simplesmente inviabiliza o desenvolvimento da biopros-pecção e, em geral, da biotecnologia baseada na biodiversidade. Isto porque todo o trabalho de pesquisa e desenvolvimento, nas suas diferentes etapas, nesta área, fi ca sem proteção da propriedade intelectual. E o fato de os países desenvolvidos concederem a patente não resolve o problema: os produtos (células e princípios ativos) oferecidos no mercado brasileiro – ou mesmo as importações provenientes de empresas no exterior que tenham recebido tais células e principais ativos para usar em seus produtos farmacêuticos ou cosméticos – fi cam desprovidos de cober-tura para a propriedade industrial.

Em geral, todo o problema do marco regulatório para a biotecnologia pro-duzida no Brasil está por equacionar devidamente. E sem isso qualquer estratégia para o desenvolvimento do setor carece de base sólida.

6 OPORTUNIDADE: DESENVOLVIMENTO DE NOVA MATRIZ ENERGÉTICA

Conforme assinalado, o Brasil tem uma boa matriz energética e pode melhorá-la substancialmente.

As bases para a criação de uma nova matriz energética poderiam ser:

• dinamização da construção de novas hidroelétricas, viabilizando o subs-tancial aumento da participação da energia elétrica;

• expansão da participação da bioenergia para transformá-la, em médio prazo, em commodity internacional, na forma já apresentada;

• Programa Especial de Conservação, “entendida esta como a soma das ações voltadas para o controle do desperdício de energia e materiais, operação racional de máquinas e utensílios, efi ciência dos projetos e da construção dos equipamentos de produção e transformação de energia e efi ciência das próprias máquinas, instalações e equipamentos em que a energia é utilizada” (LEITE, 2007);

• nova logística de transporte de massa nas grandes cidades brasileiras; e

• programa especial para acelerar a viabilidade de uso em grande escala de outras energias alternativas – principalmente célula de combustível de hidrogênio e carro elétrico.

No tocante à hidroeletricidade, a participação atual é de 76% do total da oferta de energia elétrica. Importa reconhecer tratar-se de grande oportunidade para o país. O Brasil representa 12% do total da energia hidroelétrica mundial. Estados Unidos e Canadá têm o mesmo nível de capacidade instalada, mas prati-camente já esgotaram o seu potencial hídrico.

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O Plano Decenal de Expansão de Energia de 2008, elaborado pela Em-presa de Pesquisa Energética (EPE) e em fase de encaminhamento ao Ministé-rio de Minas e Energia (MME), prevê a expansão da capacidade de geração de energia elétrica de 4 a 5 mil megawatt (MW) por ano, entre 2008 e 2017. Em 2008 já houve a licitação das hidroelétricas do rio Madeira.

A solução para Belo Monte foi encontrada por meio de acordo entre vá-rios ministérios, particularmente, o MME e o Ministério do Meio Ambiente, pelo qual esta será a única usina no rio Xingu – sua capacidade de geração é muito grande: 11,2 mil MW. Com isso, a licitação poderá ocorrer em 2009, com a usina de Teles Pires, entre os estados de Mato Grosso e do Pará.

Para 2010, a EPE prevê as licitações das usinas de Marabá (rio Tocantins) e São Manuel, na mesma região. O plano também inclui a construção da Hidro-elétrica de São Luiz, no rio Tapajós (Pará), a qual, por tratar-se de megaprojeto, será dividida em duas usinas de 4 a 5 mil MW cada, para facilitar a viabilização do ponto de vista ambiental. A licitação destas usinas seria feita em 2001, com o projeto de Serra Quebrada, no rio Tocantins (cerca de 1 330 MW).

Ao lado disso, existem as oportunidades representadas por um conjunto, atualmente, de 230 Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCH),7 perfazendo um total de cerca de 3,7 mil MW – o equivalente a uma usina do rio Madeira. Deste total, 1,4 mil MW acham-se em construção e 2,3 mil MW em fase de outorga pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Claro, a vantagem destas PCHs é o prazo curto de construção (dois anos no máximo).

Existem, na área de hidroelétricas, os problemas conhecidos e, em parti-cular, a questão da licença ambiental, lenta e baseada simplesmente no princí-pio da precaução, quando deveria ser “relativizada pelo Princípio do Custo de Oportunidade”, ou seja, a consideração dos custos de oportunidade de não realizar o empreendimento, até mesmo e particularmente o maior uso de fon-tes poluentes, não-renováveis e economicamente mais caras e menos efi cientes.

Felizmente, o governo melhorou muito a coordenação do processo de tramitação da licença ambiental, no caso das hidroelétricas do rio Madeira, enquanto se aguarda a solução defi nitiva, que deve ser a regulamentação do Art. 23 da Constituição Federal, estabelecendo um adequado marco regulató-rio para o assunto.

7. Ver jornal Valor Econômico, 18-20 de julho, 2008, p. 1.

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Além disso, o ministro Carlos Minc aprovou um conjunto de atos, sob o título de Programa Destrava Ibama,8 para agilizar os processos de licenciamento ambiental, que hoje duram até 37 meses. O objetivo é ter o licenciamento “no prazo médio de 13 meses”.

A ideia da nova logística de transporte de massa (com inclusão social) nasce da seguinte questão: as grandes cidades brasileiras caminham para o caos urbano, com recuo do processo civilizatório – que sempre esteve ligado à urbanização? Segundo notícias recentes, “São Paulo vai parar em 2012” (ou seja, daqui a quatro anos), e “o Rio está a cinco anos do caos do trânsito”.

Consoante o Ministério das Cidades, 32% da população brasileira usa trans-porte coletivo; deste contingente, 90% são servidos por ônibus, e apenas 10%, por transporte sobre trilhos. E outra novidade: 30% da população usa carro (isto é, transporte individual). Não é de estranhar que, para os cinco modelos mais procurados de carros novos, a fi la de espera vai de quinze a 120 dias.9

A questão que se coloca é: foi encontrada a receita ideal para o caos urbano?

O Brasil, nesse assunto, parece haver realizado uma inovação excepcional: ônibus e vans como base da logística de transporte de massa. A consequência é outra forma de exclusão social: morar em subúrbios, ou na periferia das grandes cidades. Pobre não dorme; quando chega em casa, após tomar três ou quatro conduções, já está na hora de acordar, de volta ao trabalho.

Nas grandes cidades do mundo civilizado, desde o início do século XX, quando houve a reurbanização do Rio e de São Paulo, a base de transporte de massa são as redes sobre trilhos – trens, metrôs, tramways (bondes modernos), de forma integrada. E, em certa medida, vias expressas.

Tomando-se um exemplo conhecido: o caminho de saída para o Rio, salvo a saída para outra cidade, é uma nova logística de transporte de massa, até mesmo com o objetivo de integrar a Barra da Tijuca, hoje um lugar longínquo, “bem pra lá do fi m do mundo”.10 Tal logística compreenderia, a saber:

• metrô: construção das linhas prioritárias, em médio prazo,11 como, por exemplo, Barra-Centro, Barra-aeroportos, Centro-São Gonçalo;

• bondes modernos para Recreio e Santa Cruz, por exemplo;

8. Ver Jornal do Comércio, 18-20 de julho 2008, e vários outros jornais.

9. Ver jornal O Globo, 18 de junho de 2008.

10. O autor faz referência a trecho da música No Rancho Fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo, composta em 1931.

11. Pelos meus cálculos, quando o metrô do Rio chegar ao Jardim de Alah – para que eu possa vir de metrô para o trabalho –, estarei com mais de 90 anos.

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• trens modernos para subúrbios da Central e da Leopoldina; e

• transporte por água (barcas, vaporeto), quando seguro e competitivo.

É uma questão de prioridade para os governos estadual e municipal.12

7 AMAZÔNIA – OPORTUNIDADE PARA DESENVOLVER

Os jornais de l6 de julho de 2008 trazem a confi rmação de que o problema do desmatamento na Amazônia continua muito grave. Segundo divulgou o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento no mês de maio de 2008 foi de cerca de 1.100 km2 – aproximadamente a área da cidade do Rio de Janeiro (1.180 km2). Só em maio.

Outro ponto: em 2008, o estado de Mato Grosso respondeu por 69% do total do desmatamento (Roraima, em segundo lugar, 12%; Pará, em terceiro lu-gar, 10%). Fora de dúvida, Mato Grosso é o campeão, e isto mostra a importância de o governo e a sociedade estarem atentos às “relações perigosas” entre líderes do desmatamento e certos líderes políticos da região.

Como elemento de comparação, a destruição da fl oresta nos oito meses de agosto de 2007 a abril de 2008 foi de 5.850km2 – média mensal de 731 km2. Acumulado nos doze meses anteriores (agosto de 2006 a julho de 2007), 4.974 km2 (ou seja, média mensal de 435 km2).13

Comparações são difíceis, por várias razões, mas uma coisa é certa: a devas-tação continua terrível. E Mato Grosso lidera.

Projeto de instituição internacional, de fi nanciamento de apoio à defesa ambiental no Brasil, acrescenta um elemento: “Criação de gado de média e gran-de escala já está identifi cada como a força mais poderosa de devastação fl orestal (podendo a segunda mais importante serem os assentamentos de reforma agrária fi nanciadas pelo governo)”.

Diante das informações antes citadas, a reação do governo se deu em dois sentidos. Em primeiro lugar, vai ser assinado decreto conferindo poder ao Insti-tuto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para dispor imediatamente dos bens apreendidos de criminosos ambientais, como veículos, terras, gado, e a madeira cortada ilegalmente. Segundo, em breve deverá ser assinado protocolo entre os cinco principais bancos governa-

12. Na altura de 1976, ofereci ao governador do estado do Rio de Janeiro, em nome do governo federal, recursos ou fi nanciamentos para a construção de várias ligações para a Barra da Tijuca, que estava começando a desenvolver. Ele agradeceu e disse: “Tenho outras prioridades”.

13. Ver “jornal O Estado de São Paulo, 16/07/08, p. A2c.

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mentais e quatro bancos privados, vedando a concessão de crédito a empresas não-sustentáveis ambientalmente, e concedendo melhores condições a empre-sas com projetos sustentáveis.

Tudo isso confi rma a posição que o Fórum Nacional do Inae tem mantido há vários anos em relação à Amazônia.

Em termos de oportunidades de desenvolvimento, deve-se citar, antes de mais nada, a grande oportunidade: a biotecnologia baseada na biodiversidade (a “mais rica do planeta”). É a única estratégia que realmente dará densidade econômica à região e não destruirá a fl oresta. Qualquer outra fará exatamente o contrário. O país tem esta riquíssima biodiversidade. E daí? É um potencial. É preciso transformá-la em riqueza efetiva, em bens e serviços.

A biotecnologia na Amazônia tem oportunidade de desenvolver-se, antes de tudo, nas áreas de:

• cosmética farmacêutica: óleos fi nos de castanha-do-pará e de polpas de frutos diversos; sabonetes fi nos; óleos essenciais e perfumes; pilocarpina (extraída de jaborandi);

• inseticidas, insetífugos e assemelhados, derivados da raiz do timbó, da ma-deira de quina, das sementes de andiroba, das folhas de pimenta longa; e

• produção de alimentos: óleos vegetais (buriti, tucumã e pupunha), aro-mas e sabores (de plantas e frutos da região), corantes naturais, nutrientes especiais, derivados de frutos e peixes.

Isso sem falar no seu, talvez, principal produto: a venda de moléculas e princípios ativos para a indústria farmacêutica. Nesse sentido, já houve um iní-cio: a construção, na Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), do Centro de Biotecnologia da Amazônia. Foram construídos os laboratórios e existem parcerias com as universidades da região. Mas falta atrair as empresas. Muitas empresas.

Existem também, na Amazônia, duas oportunidades especiais. Uma delas é o grande potencial hidroelétrico da região. O assunto já foi discutido.

A outra oportunidade especial reside em projetos como o da Ilha Digital que está sendo criada na ilha de Parintins, pela Intel. Por meio dela vai ser possível comunicar-se, do coração da Amazônia, com qualquer ponto do globo. Dessa forma, as tecnologias de informação – e a economia do conhecimento – chegam em grande estilo à região.

Cabe mencionar, igualmente, duas prioridades complementares. A primeira já tem relevância, que é a mineração controlada. A outra, obviamente, consiste no turismo ecológico, grande potencial, ainda pouco explorado.

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Algo a pensar, ainda, em relação à Amazônia, é transformar a Zona Fran-ca de Manaus em Zona Franca de Exportação. Durante décadas, ela funcionou como Zona Franca de Importações. Na fase recente, passou a exportar, mas ainda tem uma balança comercial bastante negativa. No novo modelo, segundo pro-posta apresentada há alguns anos pelo Fórum Nacional do Inae, ela passaria a ter saldo altamente positivo. E seria também instrumento de integração econômica com os países vizinhos, ou, pelo menos, a base de apoio para tal objetivo.

8 CONCLUSÃO

Sustentabilidade ambiental é importante demais para ser deixada apenas com os membros do clube de ambientalistas. Quem quer que se preocupe com o desen-volvimento deve pensar em desenvolvimento sustentável (ecologicamente). Há uma conciliação a ser realizada. Mais do que isso, uma aliança a ser solidamente construída: membros do clube e sonhadores do desenvolvimento (o sonho brasi-leiro, à semelhança do american dream) têm de trabalhar juntos. É isso.

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CAPÍTULO 5

OBSTÁCULOS AMBIENTAIS E NÃO AMBIENTAIS AO DESENVOLVIMENTODércio Garcia Munhoz

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento econômico tem sido um tema constante ao longo dos tem-pos no rol de preocupações tanto da Academia como de áreas governamentais em diferentes países. Nas nações industrializadas, tradicionalmente, têm sido for-muladas as teorizações sobre as razões do subdesenvolvimento que marca um número infi nito de países – independentemente das dimensões do território ou do tamanho da população. Nas regiões não desenvolvidas tem predominado algo que se defi niria entre a impotência e a inércia na busca de caminhos alternati-vos.1 Se para as nações mais pobres, submetidas por vários séculos a um estilo de colonialismo economicamente predatório e politicamente asfi xiante, sob rígido domínio militar, as alternativas têm sido restritas, nos países em desenvolvimen-to dotados de estruturas econômicas mais complexas, e daí “promovidos”, des-de algumas décadas, à categoria de “economias emergentes”, as oportunidades têm sido pouco aproveitadas. E o não-rompimento da barreira entre “economia primário-exportadora” e a condição de “exportador predominante de produtos transformados” (indicador preciso de um novo estágio de economia industrial) somente seria explicável pelo ambiente de constrangimento à discussão de novas propostas, derivado da assimilação passiva, pelas elites, dos modelos teóricos de gestão econômica gerados nos centros colonizadores.

Importou-se, de forma dócil, a concepção de que os défi cits de balanço de pagamento são sempre bem-vindos, porque, assim, países nos quais o capital é considerado fator escasso estariam criando canais de ingresso de capitais oriundos de nações industrializadas, de capital abundante. Este argumento foi utilizado in-tensamente por setores governamentais das áreas econômico-fi nanceiras, nos anos 1970, por ocasião da quadruplicação dos preços do petróleo, não se tendo dado importância ao fato de, na ocasião, os países ricos – os grandes consumidores do

1. Poder-se-ia apontar os casos da China e da Índia como exceções, pois, aparentemente, teriam descoberto meios de superar rapidamente o subdesenvolvimento cinquenta anos após libertos do jugo colonial. Mas trata-se de casos restritos, ainda que países continentais e com população acima de um bilhão de habitantes, surgindo mais como exceções que confi rmam a regra.

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produto –, por meio de políticas macroeconômicas coordenadas que levaram à redução do mercado e dos preços das exportações agrícolas e minerais (exceto petróleo), terem atuado de forma objetiva e efi caz para transferir a terceiros países a “conta do petróleo” – a qual, naturalmente, deveria onerar as economias im-portadoras. Assim, os exportadores de petróleo acumularam mais de US$ 360,0 bilhões de saldos em contas correntes entre 1974 e 1981, enquanto os défi cits dos países industrializados no mesmo período fi caram abaixo de US$ 140,0 bilhões, fi cando a conta maior com os países em desenvolvimento não exportadores de pe-tróleo – em torno de US$ 360,0 bilhões de défi cits em contas correntes, também com o reforço das despesas de juros transferidas para o centro desenvolvido, o que provocou o explosivo endividamento externo dos anos 1970.2

Nos anos 1980, parte então infl uente da intelligentsia econômica tupini-quim, por razões pouco claras, difundia, com uma ponta de malícia, a tese de que o endividamento externo do país decorria dos empréstimos externos feitos pelas empresas estatais na década anterior, “confundindo”, de modo que aparentasse ingenuidade, as possíveis “origens de um défi cit externo com os mecanismos de fi nanciamento utilizados para evitar que o acúmulo de défi cits levasse o país à condição de inadimplente”. Esta mesma elite procurava desconhecer que o fi nan-ciamento foi viabilizado pelas estatais “majoritariamente por meio de emprésti-mos em moeda”, contratados em operações sindicalizadas com bancos privados no mercado do euromoedas, com o que as estatais supriam o mercado de divisas dos dólares avidamente demandados para o pagamento de juros internacionais e outros dispêndios com “serviços” (transportes, lucros e dividendos, despesas governamentais, turismo etc.).

Na década de 1990, por sua vez, quando a valorização cambial foi acionada como mecanismo de sustentação do plano de estabilização, os défi cits do balanço de pagamentos decorrentes passaram a ser novamente defendidos como estraté-gicos, porque levavam à absorção de capitais supostamente escassos.3 Afi nal, até que se consiga inverter a lógica das coisas, a valorização da moeda tem o efeito de subsidiar os produtos importados – introduzindo, paralelamente, um redutor

2. Análises dos refl exos da crise do petróleo sobre diferentes grupos de nações (impactos sobre a infl ação, o balanço de pagamentos e a dívida externa) e do modelo de ajustamento foram feitas pelo autor em Munhoz, (1985). Em Munhoz (1988) examinam-se como se deu a transferência da conta do petróleo das nações ricas para países em desenvolvimento não exportadores de petróleo, e a postura de instituições fi nanceiras internacionais buscando jogar a responsabilidade do endividamento externo sobre os países-vítimas.

3. Todo país que não possua reservas internacionais líquidas (reservas menos dívida externa) pode ser considerado como “escasso em capital” quando o balanço de pagamentos no conceito de transações correntes seja defi citário. Isto porque, em tais circunstâncias, a única alternativa para o reequilíbrio do balanço de pagamentos seria o ingresso de capitais pertencentes a não residentes – quer na forma de investimentos, quer como empréstimos/fi nanciamentos. Não tem sentido, portanto, estimular importações por meio de valorização cambial (em mudança consciente nos preços relativos do país com o resto do mundo), e depois justifi car a racionalidade dos défi cits de balanço de pagamentos decorrentes, como se fora uma situação estrutural de economias em desenvolvimento.

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de custos e de preços na economia do país –, ao mesmo tempo em que difi cul-ta as exportações de todos os produtos que não estejam sendo benefi ciados por eventual melhora nos preços em dólares no mercado internacional. Donde parece ser pouco sensato criar défi cits externos – e uma situação de suposta escassez de capital – a partir de artifícios cambiais.

As medidas de gestão da economia brasileira, tanto na fase de rápida ex-pansão (1967-1973) como após a crise do petróleo de 1973, sempre foram alvo de questionamentos. E a trava da economia, durante os anos 1990 e na primeira metade dos 2000, tinha relações estreitas com as opções da política econômica. Isto apenas confi rma que as decisões governamentais que envolvem o econômico decorrem de escolhas entre alternativas disponíveis, motivo pelo qual sempre ten-dem a criar confl itos de interesses.

A política ambiental não foge à regra. Como se trata do disciplinamento governamental em relação à preservação e ao uso de recursos naturais, suas regras comportam inevitavelmente limitações ao acesso a bens públicos e à liberdade de dispor de bens privados, o que esbarra em resistências e, muitas vezes, são aponta-das como empecilhos ao desenvolvimento. Esta tese, caso prevalecesse, inibindo a ação do governo e de setores da sociedade na busca de convivência harmoniosa homem-natureza, reforçaria o argumento de outros países, que, vez por outra, recorrem a razões de natureza ecológica para justifi carem a criação de novas bar-reiras não-tarifárias sobre exportações brasileiras.

O objetivo do presente capítulo é examinar até que ponto políticas ambien-tais, ou a ausência de diretrizes voltadas para a preservação do meio ambiente, po-dem representar fatores favoráveis ou desfavoráveis ao desenvolvimento sustentável.

Complementarmente, buscar-se-á analisar quais problemas de natureza não ambiental poderiam estar impedindo o país a retornar ao caminho do desen-volvimento sustentado que marcou a economia brasileira desde o pós-guerra – interrompido, inicialmente, com o descontrole infl acionário provocado pela refor-ma cambial de março de 1961, modelada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), e, posteriormente, quando dos programas de ajuste externo da primeira metade dos anos 1980, no ápice da crise do endividamento.

2 A BUSCA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O desenvolvimento sustentável é entendido como um processo de desenvolvi-mento que não provoque exaustão dos recursos naturais, comprometendo o fu-turo. Ou seja, a adoção de um modelo de gestão de recursos que, atendendo às necessidades do presente, preserve fatores naturais que possam garantir o atendi-

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mento das necessidades humanas.4 O pressuposto é o de que o “estoque” de recur-sos naturais é fi nito e, portanto, se não preservados, ou reproduzidos tempestiva-mente e de forma racional, quando isto é possível, estar-se-ia comprometendo a sobrevivência das gerações futuras.

O desenvolvimento sustentável nunca foi motivo de preocupação para os países industrializados, até a segunda metade do século XX. Implícita sempre es-teve a percepção de que, como uns poucos países classifi cados como industrializa-dos5 respondiam pela quase totalidade do consumo mundial de matérias-primas – como minérios e produtos da indústria extrativa –, as colônias podiam desem-penhar o papel de supridoras inesgotáveis de insumos demandados pela indus-trialização, que constituía um processo ainda incipiente num contexto universal.

A posse, por descobrimento ou conquista militar, de territórios coloniais, e o espírito do “Pacto Colonial” que norteava as relações das metrópoles europeias com suas colônias nas Américas, não constituíram, portanto, meros acidentes geopolíticos. Consistiriam, sim, em fruto natural da clara noção de que a desi-gual distribuição de recursos naturais em diferentes regiões da Terra recomendava ações voltadas para garantir fontes de suprimento que atendessem às necessidades dos centros de poder. Isto num mundo onde já se comprovara que a produção, ainda predominantemente artesanal, requeria, para a obtenção de bens que satis-fi zessem as demandas de consumo e as necessidades militares, diferentes matérias-primas – nem sempre existentes no território da metrópole – e em proporções desiguais. Estes princípios viriam a representar a base conceitual do comércio internacional no início do século XX, mas, no período mercantilista, entre os séculos XVI e XVIII – mesmo antes da Revolução Industrial inglesa –, inspiraram as políticas comerciais e a estratégia militar das poucas nações constituídas como tal – dispondo, portanto, de unidade política e geográfi ca – e militarmente capa-zes de conquistar e preservar territórios além-mar.

A independência dos Estados Unidos no século XVIII, enfraquecendo o Império Britânico; a perda das colônias americanas da Espanha e de Portugal na primeira metade do século XIX; e a longa luta que permitiu à China a re-cuperação da independência no fi m da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), após séculos de espoliação imperialista pelas potências europeias e países como o Japão, a União Soviética e os Estados Unidos constituíram etapas de um movi-

4. As origens da expressão “desenvolvimento sustentável” são apontadas para a publicação World Conservation Strategy: living resource conservation for sustainable development (1980), elaborada pela International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN), com a cooperação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), World Wildlife Fund (WWF), Food and Agriculture Organization (FAO) e United Nations Educacional, Scientifi c and Cultural Organization (Unesco). Ver IBGE, 2008, p. 9.

5. Até o fi m dos anos 1970 era reconhecido como países industrializados apenas um grupo restrito de 14 nações (Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão, Noruega, Suécia e Suíça). Ver IMF, 1979.

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mento universal de descolonização, o qual atingiria sua fase derradeira logo no pós-guerra, com a independência da Índia – até então sob domínio inglês – no ano de 1947, e a perda total das colônias francesas no sudeste da Ásia, em 1954, com derrota militar no Vietnã. Ressalva-se o fato de que, a despeito da indepen-dência conquistada por um grande número de países ainda nos séculos XVIII e XIX – como ocorreu, em especial, com as antigas colônias de Portugal e Espanha nas Américas –, no mínimo até o fi nal da Segunda Grande Guerra as potências industriais ainda procuraram manter controle e garantir o acesso às matérias-primas de suas antigas colônias.6

A industrialização intensiva de um grande número de países da América do Norte, Europa e Ásia na segunda metade do século XX, modelando um sistema produtivo fundado na dependência crescente de energia barata,7 e um “modo de vida” segundo o qual o transporte individual passou a imperar na mesma velo-cidade em que avançava o processo de urbanização, colocaram novas questões no centro dos debates sobre a economia e a sociedade – especialmente questões ligadas ao meio ambiente, às pressões sobre os recursos naturais.

O amplamente reconhecido pioneirismo da bióloga norte-americana Rachel Carson, com sua obra clássica Silent Spring –8 abordando os efeitos dos agrotóxi-cos na lavoura, e, assim, desencadeando discussões sobre a preservação de recursos naturais – é lembrado por Pedroso e Silva (2000, p. 6). Os autores assinalam que as ações que se seguiram, por meio do Clube de Roma, desaguaram na I Confe-rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, em 1972, que produziu uma lista de perto de três dezenas de princípios que deveriam nortear o trato dos recursos naturais.

Desde a Conferência de Estocolmo, a questão ambiental vem sendo discuti-da com amplitude crescente e de forma vasta e recorrente nos fóruns internacio-nais. São exemplos a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Toronto, Canadá, em 1988, que deu origem ao Protocolo de Kyoto – voltado para a redução de gases poluentes),9 e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, na

6. Os processos utilizados para garantir o acesso às matérias-primas das antigas colônias de Espanha e de Portugal nas Américas, no geral, foram menos belicosos – salvo nas ações para conquista territorial – do que os métodos adotados para garantir a espoliação imperialista da China e dos países do Oriente Médio.

7. Até 1970, vésperas da revolução líbia e da constituição da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), os preços do petróleo situavam-se abaixo de dois dólares o barril (159 litros). E mesmo com o acordo de indexação anual de 1971 – na fase pós-OPEP –, o petróleo era cotado a menos de três dólares em outubro de 1973, quando da quadruplicação dos preços do produto. Ver a evolução das cotações do produto nos anuários e nos números mensais da publicação International Financial Statistics, do Fundo Monetário Internacional.

8. Ver Carson (2002).

9. O Protocolo de Kyoto foi subscrito e já ratifi cado por mais de 180 países, mas ainda rejeitado pelos Estados Unidos.

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qual foi aprovada por 156 nações uma convenção sobre biodiversidade, e criada a Agenda 21, um roteiro de ações visando à busca de um padrão de desenvolvi-mento sustentável.

A despeito dos avanços registrados na tentativa de não só ampliar a regula-ção em nível internacional das relações do homem com a natureza, mas, funda-mentalmente, também buscar a implementação de fato de medidas efetivas de controle da poluição e de outras formas de degradação ambiental, têm sido persis-tentes as reações de países industrializados, especialmente em aceitar cronogramas de redução de lançamento de poluentes na atmosfera. Tal circunstância dá origem às crescentes apreensões sobre as implicações que os danos ambientais decorrentes do atual estágio civilizatório terão sobre o futuro da humanidade.

O Brasil tem desempenhado um papel atuante nos fóruns internacionais sobre meio ambiente, tanto ao demonstrar sensibilidade às propostas e aos com-promissos até agora conquistados, quanto ao ocupar espaço nas discussões e nas convenções desde o primeiro momento, dado que o país tem longa tradição na regulação das relações do homem com a natureza.

3 O PARADOXO BRASILEIRO NA QUESTÃO AMBIENTAL

O Brasil constitui exemplo de preocupação antiga na defesa do meio ambiente e dos recursos naturais, pois no primeiro século da colonização portuguesa a metró-pole já procurara regular a extração de madeira (pau-brasil) com argumentos de natureza ambiental.10 E há cerca de um século, em 1923, a República, ainda que aparentemente mais preocupada com a saúde pública do que com danos ambien-tais, regulamentava a fi scalização da venda de inseticidas e de fungicidas (Decreto no 16.271, de 19/12/1923), por meio de um já existente Instituto Biológico de Defesa Agrícola (quadro 1).

Ainda nas primeiras décadas do século XX, com o desaparecimento da Ve-lha República, o governo Vargas produziu uma vasta legislação voltada para a preservação ambiental e para a defesa de recursos naturais: o Código Florestal, o Regulamento da Defesa Sanitária Vegetal, o Regulamento do Serviço de Defesa Sanitária Animal, e o Código de Águas, todos em 1934, assim como o Código de Pesca, de 1938, e o Código de Caça, de 1939.

10. Citadas por diversos autores, várias obras discorrem a respeito dos antecedentes históricos da legislação ambiental brasileira: Magalhães (1998); Pereira (1950); Acot (1990); e Wainer (1991).

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QUADRO 1Brasil – Legislação ambiental – primeira metade do século XX

Ano Finalidade Legislação Nº Data

1923 Inseticidas e pesticidas – regulamento para a fi scalização da venda Decreto 16.271 19/12/1923

1934 Código Florestal – aprovação Decreto 23.793 23/01/1934

1934 Defesa sanitária vegetal – aprova o regulamento Decreto 24.114 12/04/1934

1934 Serviço de Defesa Sanitária Animal – regulamento Decreto 24.548 03/07/1934

1934 Código de Águas – criação Decreto 24.643 10/07/1934

1938 Código de Pesca – criação Decreto Lei 00794 19/10/1938

1939 Código de Caça – criação Decreto Lei 01.210 12/04/1939

Fonte: Elaboração própria.

As preocupações ambientais e com vistas à preservação de recursos naturais do governo brasileiro na primeira metade dos anos 1930 fi cam patentes tanto pelo conjunto de instrumentos legais de regulação então baixados – que se com-pletaria no fi m da década – quanto pela acuidade com que se tratou o particular. O Código Florestal de janeiro de 1934, por exemplo, estabeleceu um sistema de classifi cação das fl orestas em que as quatro categorias foram defi nidas segundo diferentes graus de “proteção” demandados: as fl orestas protetoras e as fl ores-tas remanescentes – de conservação perene, e inalienável como regra; as fl orestas modelos (artifi ciais que se pretenda disseminar); e as fl orestas de rendimento (as demais). Defi nia ainda, o Código Florestal, o que se considerava como produtos fl orestais e impunha limitações ao uso da propriedade, com restrições ao recurso ao fogo, ao abate de árvores, a cortes nas áreas de preservação de faixas laterais das estradas e cursos d’água e, entre uma infi nidade de outras questões, estabelecia regras para exploração (econômica) das fl orestas.

Pode-se afi rmar que a grande lacuna no Código Florestal de 1934 seria o fato de ter desconhecido totalmente a fl oresta amazônica e a importância de re-gras específi cas para a sua preservação. A omissão é explicável, visto que, à época, a região ainda estava a salvo da ação predatória do homem, daí nenhuma das grandes questões ambientais que a têm envolvido a região nas últimas décadas ser alvo de preocupações. E, de qualquer modo, o novo Código Florestal, de 1965 (Lei no 4.771), já revelava o interesse na preservação da fl oresta amazônica, ao prescrever, em seu Art. 15, que:

Fica proibida a exploração sob forma empírica das fl orestas primitivas da bacia ama-zônica, que só poderão ser utilizadas em observância a planos técnicos de condução e manejo a serem estabelecidos por ato do Poder Público (...).

E, em 2001, quando a medida provisória (MP no 2.166) introduzia altera-ções e complementações no novo Código Florestal de 1965, mencionando as áreas que constituíam a Amazônia Legal (criada pela Lei no 1.806, de 06/01/1953), era estabelecida a obrigatoriedade de preservação, nas propriedades rurais, de reserva

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legal mínima de 80,0% “(...) na propriedade rural situada em área fl orestal loca-lizada na Amazônia Legal” (Art. 16).

Posteriormente, além da atualização dos códigos, o país passou a dispor de uma ampla rede de “políticas nacionais”, defi nidas por meio de legislações es-pecífi cas voltadas para: meio ambiente (1981), proteção das fl orestas nacionais (1985), recursos hídricos (1997), educação ambiental (1999), e, entre outras, o Programa Nacional de Florestas (2000). Isto a par da criação de um grande nú-mero de áreas de proteção ambiental e de proteção fl orestal.11

O paradoxo é que, a despeito da tradição de medidas dirigidas à proteção dos recursos naturais, e da vasta legislação com a qual se procura regulamentar o acesso e o uso de recursos não-renováveis, o país tem-se mostrado impotente para conter a degradação ambiental – como a poluição das águas dos rios e o desfl orestamento.

A difi culdade do Estado brasileiro em atuar de forma mais efetiva na pre-servação dos recursos naturais – matéria recorrente, em especial, na discussão sobre o desmatamento nas regiões de fronteira agrícola em toda a Amazônia Legal (Amazonas, Rondônia, Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) – tem sido evi-denciada em estudos de especialistas, com base em monitoramento via satélites e em relatórios e publicações ofi ciais.

Embora os dados mais recentes fornecidos a partir dos levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) sobre desmatamento na Ama-zônia Legal e relativos aos dois últimos anos revelem um sensível recuo nas áreas desfl orestadas, com queda da ordem de 50,0% entre os números médios anuais de 2003-2004 e 2006-2007 (quadro 2), os registros pretéritos são preocupantes. Isso porque o total de áreas devastadas na região quase triplicou entre 1977 e 1991.

Posteriormente, no decorrer dos anos 1990, a velocidade do aumento das áreas desmatadas na área da Amazônia Legal foi contida (aproximadamente 41,5% em oito anos), tendo o total do desmatamento passado de 426,4 mil km2, em 1991, para 587,7 mil km2, em 2000, ou 3,5% de crescimento geométrico anual no total das áreas devastadas. Mas o desmatamento voltou a revelar acelera-ção entre 2000 e 2005, ainda que moderada, com expansão 19,6% no acumulado das áreas desfl orestadas, e 3,7% de expansão média anual.

11. Uma centena de decisões de política econômica voltadas para questões ambientais, incluindo a criação de áreas de proteção ambiental, de reservas extrativistas, reservas biológicas, reservas fl orestais, expressas em leis e decretos federais editados a partir de 1980, fi guram em arquivos quinquenais, no tópico ecologia, meio ambiente, recursos na-turais, nos arquivos Legislação Econômica da Infobase IBBE – Índice Brasileiro de Bibliografi a de Economia do Sistema Orientador (www.orientador.com.br).

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QUADRO 2Brasil – Amazônia Legal – desfl orestamento bruto – 1977 a 2007 (Em 1 mil km2)

1977 11,2

2007 728,2

Fonte: INPE. Disponível em: <http:www.obt.inpe.br/prodes>. Acesso em 25/07/2008; e IBGE (2008, p. 78-79).

No balanço geral de 30 anos decorridos entre 1977 e 2007, constata-se que o total das áreas desmatadas na Amazônia Legal praticamente quintuplicou. E o aumento nas áreas atingidas, perto de 580,0 mil km2 no período, equivale ao ter-ritório do estado de Minas Gerais – um pouco superior ao conjunto dos estados da região Sul do país (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).

É interessante a comparação do total de desmatamentos com os territórios de diferentes estados brasileiros. Entretanto, deve-se ter em conta que, ao abstrair o fato de que a fl oresta amazônica é parte, e não o global, da Amazônia Legal, existe o risco de que se imagine que qualquer avanço da fronteira agrícola em estados como Maranhão, Tocantins, Mato Grosso, Pará, Rondônia, e outros da região, necessariamente tenha caráter predatório e, por isso, deva ser impedido.

A sabedoria de uma política ambiental certamente agregaria a uma rigorosa ação voltada para a preservação da fl oresta amazônica, até mesmo com refl oresta-mento de áreas em que o limite legal para o desmatamento não tenha sido obe-decido, também a permissão para uso controlado de outras terras da Amazônia Legal, fora das áreas de fl orestas e propícias para a agropecuária, e que possam ser exploradas, observadas as restrições previstas na legislação em relação a limites do desmatamento, proteção de nascentes, preservação de matas ciliares etc. A partir do princípio da obediência às limitações conservacionistas, poder-se-ia chegar à conclusão de que o país já dispõe de uma política ambiental, e, de certa forma, de instrumentos legais de regulação ambiental,12 mas revela difi culdades para dar efi cácia às normas existentes. Problemas recorrentes, tais como o desmatamento e a poluição de rios, evidenciam a necessidade de aperfeiçoamentos da legislação em questões específi cas.

De qualquer modo, não se pode minimizar uma coincidência, mais preocu-pante que curiosa, observada nos registros sobre o desfl orestamento na Amazônia Legal, que é o aumento excepcional das áreas desmatadas em períodos de transi-ção administrativa, ou seja, nos anos de mudança de governo. Isto constitui indí-

12. A política ambiental deve ser vista em seu conjunto e levando-se em conta como suas particularidades constituem componentes essenciais para o alcance do objetivo fi nal de preservação de recursos naturais. Assim, caberia ao gover-no da União impedir medidas isoladas, e, por isso mesmo, fragmentadoras, como a triplicação da área das proprieda-des passíveis de regularização na Amazônia Legal, prevista na Medida Provisória (MP) no 422, de 25/03/2008. Com o agravante de que, embora a justifi cativa básica da medida seja a obrigação legal de preservação fl orestal equivalente a 80,0% da área da propriedade na Amazônia Legal, deixa de excluir do benefício da regularização propriedades que não atendam àquele requisito mínimo.

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cio de fragilidade institucional dos setores da administração federal, responsáveis pela aplicação das políticas de defesa do meio ambiente e recursos naturais, o que termina por facilitar o avanço dos predadores.

As queimadas, por outra parte, também representam fonte das preocupações ambientais, dado seu grande crescimento na primeira metade da década atual, visto que saltaram de pouco mais de 100,0 mil os focos de calor detectados no global do país, no fi m dos anos 1990, para 236,0 mil, em 2004 (quadro 3), mais do que duplicando-os.13 Em 2006, a queda no número de focos foi signifi cativa (aproximadamente 50,0%), retornando aos níveis observados no início da década. Fenômeno quase idêntico foi registrado com os focos de calor detectados na região Norte (duplicação até meados da década, e sensível recuo em 2006), observando-se, todavia, que a redução do número de queimadas na região foi proporcional-mente menor do que o global do Brasil – o que se explicaria pelo fato de ali estarem localizadas as áreas sob maior pressão na expansão da fronteira agrícola.

QUADRO 3Brasil – Focos de calor – global e região Norte – 1998 a 2006 (Em 1 mil ha)

Ano Brasil Região Norte Outras regiões

1998 107,0 36,2 70,8

2000 104,1 32,3 71,8

2002 232,5 78,0 154,5

2004 236,0 75,4 160,6

2005 226,3 87,7 138,6

2006 117,5 47,4 70,1

Fonte: IBGE (2008, p. 78-79).

Mas haveria ainda uma explicação adicional para o fenômeno observado (re-dução em ritmo diferenciado do número de focos de calor), que é a substituição da queimada por outros métodos de preparação da terra, em regiões de agricultu-ra mais moderna, como no caso da cultura da cana-de-açúcar na região Sudeste.

3.1 O desmatamento e a expansão da pecuária na região Norte

O desmatamento no Brasil – uma das questões ambientais que mais preocupa-ções têm provocado – está associado à expansão das fronteiras da agropecuária, mas, especialmente, à expansão das áreas de pastagens na região denominada de

13. O texto refere-se a número de queimadas, mas, efetivamente, trata-se de focos de calor, que, captados via satélite, não necessariamente signifi cam a existência de fogo. E se as queimadas constituem um meio para abertura de novas áreas para o plantio agrícola, também constituem um método, ainda que arcaico, utilizado no preparo de terras roti-neiramente usadas na agricultura.

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Amazônia Legal, que engloba mais de 60,0% do território brasileiro. O avanço das áreas desfl orestadas naquela região foi examinado em tópico precedente. Aqui se pretende analisar o aumento das áreas utilizadas para atividades agropecuárias, entre 1996 e 2006, nas diferentes regiões do país, com destaque para a Amazônia Legal, dadas as implicações ambientais.

Nos dez anos transcorridos entre 1996 e 2006, o Brasil pouco expandiu a área total dos estabelecimentos voltados para as atividades agropecuárias, segundo os dados do Censo Agropecuário (quadro 4). De fato, ao passar de 244,2 milhões de hectares, em 1996, para 249,0 milhões, em 2006, o aumento observado no período teria sido de apenas 2,0%, com crescimento nas áreas de lavouras (10,2 milhões de hectares) e redução das áreas de pastagens (5,4 milhões de hectares).

QUADRO 4Utilização de terras – agropecuária – 1996 e 2006 (Em milhões ha)

Destinação 1996 2006Variação

Milhões ha %

Lavouras 66,5 76,7 10,2 15,4

Pastagens 177,7 172,3 (-)5,4 (3,0)

Total 244,2 249,0 5,2 2,0

Fonte: Censo Agropecuário/IBGE. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em 30/07/2008.

Em relação apenas às áreas ocupadas por lavouras, a expansão registrada foi de 15,4%. Resultado surpreendente, uma vez que, nos dez anos considerados, a produção brasileira de grãos cresceu muito mais (perto de 59,0%), especialmen-te de soja e milho, e que a produção de cana-de-açúcar cresceu 37,0%.14 Mas a aparente incoerência é explicada não só pelo aumento da produtividade, mas igualmente pelo fato de nas regiões do país que se destacam como maiores pro-dutoras de grãos, e nas quais a produtividade agrícola também é mais elevada, o crescimento das áreas de lavouras em termos relativos entre 1996 e 2006 ter sido praticamente o dobro da média brasileira.

As áreas das lavouras, no global do país, incorporaram 10,2 milhões de hec-tares entre 1996 e 2006, o que representa a mencionada expansão de 15,4%. E, nas principais regiões agrícolas (Sudeste, Sul e Centro-Oeste), que respondiam por perto de 56,0% das áreas plantadas e concentravam aproximadamente 90,0% das novas terras incorporadas às lavouras, a expansão das áreas foi substancial-mente maior do que a média brasileira – respectivamente, de 22,6%, 29,8% e 30,5% (quadro 5). Observou-se ainda um forte movimento de substituição

14. Dados levantados pelo IBGE. Ver Banco Central (2000) e Banco Central (2008, Quadro I.8).

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de áreas da pecuária por lavouras no centro-sul, uma vez que, paralelamente ao avanço destas, as áreas ocupadas pela pecuária tiveram redução da ordem de 14,2 milhões de hectares, recuando aproximadamente 12,0%.

QUADRO 5Utilização de terras – lavouras e pastagens – 1996 e 2006 (Em 1 mil ha)

Espécie/ano Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

I - Lavouras1

1996 66.464,5 6.470,3 23.060,6 12.963,6 14.111,1 9.858,8

2006 76.697,3 7.406,8 22.214,7 15.896,7 18.313,6 12.865,9

Var.-1000 ha 10.232,8 936,5 (-)845,9 2.932,7 4.202,5 3.007,1

(%) 15,4 14,5 (3,7) 22,6 29,8 30,5

II – Pastagens

1996 177.700,5 24.386,6 32.076,3 37.777,0 20.696,6 62.763,9

2006 172.333,1 32.630,5 32.648,5 32.071,5 18.145,6 56.836,9

Var.-1000 ha (-)5.367,4 8.243,9 572,2 (-)5.705,5 (-)2.551,0 (-)5.927,0

(%) (3,0) 33,8 1,7 (15,1) (12,3) (9,4)

Fonte: Censo Agropecuário/IBGE. Disponível em:<http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em 30/07/2008Nota: 1 Lavouras = temporárias e permanentes.

No global, os estabelecimentos agropecuários ocupavam 28,6% do territó-rio brasileiro em 1996, sendo 7,8% pelas lavouras e 20,8% por pastagens. Com o aumento das terras utilizadas, a área total passara para 29,2% do território em 2006, sendo 9,0% utilizado pelas lavouras, revelando expansão, e 20,2% em pas-tagens – com redução no total de áreas ocupadas. A incorporação de novas áreas de lavouras, que se deu a partir de 2003, coincidiu com o rápido crescimento da demanda de commodities agrícolas (e minerais) no mercado internacional, num movimento puxado pela locomotiva chinesa. Com isso, aliás, desde então mais que dobraram as exportações brasileiras dos chamados agronegócios.

Esse comportamento da agricultura brasileira na década atual, normalmen-te, não traria maiores preocupações internas de natureza ambiental, além daquelas ligadas ao preparo da terra e aos processos de produção da cana-de-açúcar, ao uso de inseticidas e à preservação dos recursos hídricos. Ocorre, todavia, que mesmo com o recuo no global das áreas utilizadas pela pecuária assinalado anteriormente, quando se analisa o setor agropecuário por regiões, constata-se que, enquanto diminuíam as áreas de pastagens no centro-sul, registrava-se grande expansão da pecuária na região Norte – ou, mais especifi camente, na Amazônia Legal. Seus des-dobramentos ensejam o acirramento das preocupações não só do governo, como de toda a sociedade, em face dos riscos ambientais decorrentes de aceleração de desmatamentos, queimadas clandestinas, extração ilegal de madeiras etc.

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Os cuidados ambientais, na busca do desenvolvimento sustentável, não pre-cisam comprometer o desenvolvimento econômico. Mesmo porque os dados dis-poníveis antes mencionados revelam ainda ser possível o crescimento da produ-ção da agropecuária sem maiores pressões sobre as terras disponíveis, com novas liberações futuras de terras de pastagens, como se infere de:

• a pecuária registrou um aumento de aproximadamente 30,0% no reba-nho bovino entre 1996 e 2006, enquanto a área utilizada era reduzida em 5,4 milhões ha (3,0%);

• a lavoura incorporou, no mesmo período, em torno de 10,2 milhões de hectares novos (aumento de 15,4%), metade dos quais liberada pela pe-cuária, registrando um aumento de 59,0% na produção de grãos; e

• o conjunto de lavouras mais pastagens ampliou em 2,0% o total das ter-ras utilizadas, entre 1996 e 2006, tendo obtido como contrapartida um aumento de produção (PIB real) próximo de 47,0%.

O ponto essencial é que as lavouras ainda ocupam parcela pequena do ter-ritório em quase todas as regiões (entre 7,0% e 13,0%), com exceção da Sul (32,9%, em 2006),15 e que a população bovina16 em relação às terras ocupadas pelos estabelecimentos agropecuários ainda é pequena em alguns estados com grandes dimensões territoriais. Isto faz supor um uso mais racional na pecuária de terras subaproveitadas, com liberação de novas áreas para as lavouras.

Preocupa, no entanto, o fato de ter havido no período um aumento próxi-mo de 34,0% nas áreas ocupadas por pastagens na região Norte, com incorpora-ção de 8,2 milhões de hectares à atividade pecuária, provocando, com a expansão da fronteira, agravamento no quadro de desfl orestamento.17

Como quase a totalidade das novas terras de pastagens está na região Norte (quadro 6), fez-se uma análise detalhada do crescimento da pecuária, entre 1996 e 2006, considerando os diferentes territórios que constituem a Amazônia Legal.18 Registrou-se um aumento de 20,9% (ou 9,6 milhões de hectares) nas áreas de pastagens no decênio aqui contemplado.

15. IBGE (2008, p. 64).

16. Pesquisa Pecuária Municipal/IBGE. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br. Acesso em 06/08/2008.

17. Não é demais lembrar estudos mencionados por Oliveira e Pôrto Jr. (2007, p. 112), que demonstram não se bene-fi ciarem disso países relativamente ricos em recursos naturais, “(...) apresentando padrão de crescimento de explosão e quebra”.

18. Os dados, em verdade, referem-se aos sete estados da região Norte, mais o Tocantins, não incluída aí a parcela do Maranhão que faz parte da Amazônia Legal.

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QUADRO 6Amazônia Legal – utilização da terra – pastagens –1 1996 e 2006 (Em 1 mil ha)

Estados 1996 2006Variação

1 mil ha (%)Acre 614,2 1.032,4 418,2 68,1Amapá 245,0 432,0 187,0 76,3Amazonas 528,9 1.836,5 1.307,6 247,2Mato Grosso 21.452,1 22.809,0 1.356,9 6,3Pará 7.455,7 13.167,9 5.712,2 76,6Rondônia 2.922,1 5.064,3 2.142,2 73,3Roraima 1.542,6 806,6 (-)736,0 (47,7)Tocantins 11.078,2 10.290,9 (-)787,3 (7,1)Total 1 45.838,8 55.439,6 9.600,8 20,9

Fonte: Censo Agropecuário/IBGE. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br. Acesso em 30/07/2008.Nota: 1 Não incluída a área do Maranhão pertencente à Amazônia Legal.

Em 1996, a Amazônia Legal registrava um total de 45,8 milhões de hectares com pastagens, o que representava um quarto das áreas ocupadas pela pecuária no global do país. Deste total, aproximadamente 90,0% estavam concentrados em ape-nas três estados: Mato Grosso, que respondia com quase a metade da região (21,5 milhões ha), seguido do Tocantins (11,1 milhões ha) e do Pará (7,5 milhões ha).

Do aumento de 9,6 milhões de hectares nas áreas de pastagens da região no decênio, mais de 80% das novas terras estavam localizadas em apenas dois estados: Pará, com 5,7 milhões de hectares e aumento de 76,6%, e Rondônia, com 2,1 milhões de hectares e expansão de 73,3%. Outros estados com grande participação nas novas áreas ocupadas pela pecuária na Amazônia Legal foram Amazonas e Mato Grosso, com pouco mais de 1,3 milhão de hectares de novas áreas de pastagens em cada um. E apenas Roraima e Tocantins registraram recuo no total de áreas com atividades da pecuária, e em montantes muito próximos: pouco mais de 700,0 mil hectares.

Em termos relativos, a exceção é Mato Grosso, onde o crescimento das pas-tagens foi de apenas 6,3%. Em todos os demais, o aumento das áreas de pastagens foi próximo ou pouco acima de 70,0%, destacando-se o estado do Amazonas, com expansão de quase 250,0%, o que signifi ca uma multiplicação por 3,5 vezes da quantidade de terras utilizadas na pecuária em apenas dez anos. Um avanço que se pode dizer desordenado – dadas as proporções – numa região onde difi -cilmente se poderá agregar novas áreas a atividades agropecuárias sem um efeito devastador sobre os recursos fl orestais.

O país atravessa um momento em que se tornam agudos os confl itos de interesse entre, por um lado, aqueles que pressionam na busca de facilidades para a expansão agropecuária em terras da Amazônia Legal, e, por outro, os que argu-mentam pelo aprimoramento de mecanismos de preservação da fl oresta amazôni-ca e de outros tipos de vegetação que garantem o equilíbrio ambiental. Ou, como ressalta o Relatório do IBGE (2008, p. 57):

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Ultimamente tem-se verifi cado duas fortes pressões antagônicas pelo uso da terra no Brasil. Por um lado, há uma forte pressão para a expansão da fronteira agrícola, espe-cialmente nas áreas de cerrado e do sul e leste da Amazônia (...). A outra pressão (...) é pelo aumento das áreas legalmente protegidas, inclusive pela recuperação e incorpora-ção de áreas degradadas (...) destinadas à preservação da fauna, da fl ora e dos outros recursos naturais (...). (grifo nosso)

Existem muitos motivos para a defesa da preservação da fl oresta ama-zônica e de outras regiões do país com recursos naturais muito especiais, e nas quais o avanço da degradação provocaria danos ambientais quase sempre irreparáveis. E não é por outra razão que a fl oresta amazônica, a serra do Mar, o pantanal mato-grossense e a zona costeira foram reconhecidos como patri-mônio nacional na Constituição de 1988 (Art. 225, § 4o)

. A não contenção

do avanço predatório sobre a fl oresta amazônica e outros recursos naturais considerados áreas de preservação ambiental signifi caria abrir espaço para um modelo insustentável de desenvolvimento.

3. 2 O grau de comprometimento dos recursos hídricos

O desenvolvimento sustentável depende de uma ação gerencial efi caz da admi-nistração pública para prevenir contra a extinção ou contra o uso predatório de recursos naturais que possuam funções mais amplas e complexas – muitas delas talvez ainda não plenamente conhecidas –, como é o caso das reservas fl orestais e, em especial, da fl oresta amazônica.

Mas essa não é a única razão para as preocupações voltadas para a preser-vação ambiental, pois a poluição atmosférica decorrente da liberação de resíduos industriais gasosos, que afetam o clima do planeta, constitui, por exemplo, uma das maiores fontes de confl itos no seio de diferentes nações e também entre elas.19 Especialmente porque, enquanto alguns poucos países de industrialização intensa são responsáveis maiores pelos danos à qualidade do ar, os efeitos, em longo pra-zo, tendem a afetar todo o universo.

Outro problema ambiental que até há poucas décadas não vinha mere-cendo a atenção devida é o da poluição dos rios. Certamente porque, originada da precariedade das redes coletoras de esgotamento sanitário e de componentes químicos utilizados na agricultura e na transformação industrial, o comprome-timento das águas era um processo silencioso, amenizado pelos sistemas estatais de tratamento e de distribuição de água potável, e eternizado pelo descaso das autoridades em relação à importância dos serviços de saneamento, e por sua

19. Essa é a questão específi ca visada no Protocolo de Kyoto e um dos três focos da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, de 1992, no Rio de Janeiro, já mencionada. Os outros dois focos foram biodiversidade e uma declaração sobre fl orestas.

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pouca disposição para enfrentar desgastes com setores responsáveis por ativida-des predadoras do meio ambiente.

Essa passividade governamental em relação à poluição dos cursos d’água – até poucas décadas observada, de forma generalizada, em diferentes países e continentes – fez com que, ainda nos anos 1990, as maiores capitais da Europa exibissem rios famosos, mas irreconhecíveis, dadas as águas escuras, engrossadas, oleosas, como era possível constatar sem muita difi culdade no Tâmisa, que banha Londres; no Sena, em Paris; no Danúbio, em Viena; e, entre muitos outros, até mesmo no rio Moscou, cujos contornos embelezam a capital russa.

No Brasil não tem sido diferente: grandes e importantes rios são fortemente poluídos, quer por defi ciências na coleta e tratamento de esgotos, quer por des-pejos industriais com tratamento inadequado, ou, vez por outra, por desastres ecológicos provocados pela liberação, pelas empresas industriais, de componentes químicos altamente tóxicos. A situação – fruto de algo entre o descaso e a impo-tência – é confi rmada no mais recente relatório do IBGE contendo indicadores sobre desenvolvimento sustentável (IBGE, 2008, p. 99-100), aí incluídas men-ções a diferentes índices de qualidade da água.20

A falta de saneamento básico é um dos maiores problemas ambientais e sociais do país. O baixo percentual de tratamento dos esgotos coletados e lançados em corpos d’água se refl ete no alto valor de DBO e baixo IQA observado nos trechos dos rios que cortam grandes áreas urbanas, atravessam zonas industrializadas, ou passam por muitas cidades de médio e grande portes (...).

Registra o documento, por outra parte, uma avaliação das medidas de con-trole da poluição:

A contaminação de rios por efl uentes domésticos e industriais encarece o tratamen-to de água para abastecimento público e começa a gerar situações de escassez de (...) água de qualidade em áreas com abundantes recursos hídricos (op. cit, p. 100).

O relatório do IBGE conclui, reportando-se às condições das águas de inú-meros grandes rios estudados, e a partir da observação de índices de poluição – “(...) oscilantes ou crescentes ao longo do tempo para a maioria dos rios selecio-nados” –, quanto à falta de resultados das ações voltadas para o controle e redução da poluição hídrica.

Não é simples avaliar as causas determinantes da lentidão que se evidencia na execução de programas de redução da poluição de importantes rios brasileiros que cortam extensas áreas metropolitanas e zonas de concentração industrial.

20. Segundo o IBGE (2008, p. 98), o índice DBO (demanda bioquímica de oxigênio) mede o lançamento de esgotos domésticos na água, e o IQA (índice de qualidade da água) é um indicador mais genérico, acrescentando que “(...) as-sociados a outras informações ambientais e socioeconômicas são bons indicadores de desenvolvimento sustentável”.

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Uma das questões passíveis de avaliação seria em relação aos resultados, e possíveis difi culdades, decorrentes dos processos de integração das ações, nor-mativas e operacionais, dos governos federal, estaduais e municipais, em relação às questões ambientais, que os Art. 23 e 24 da Constituição defi nem como de competência comum (as responsabilidades) ou concorrente (o poder de legislar) dos três níveis da administração.

A propósito, parece oportuno examinar-se até onde a existência de áreas co-muns de atuação de diferentes níveis de governo não envolve o risco de criação e sustentação de “espaços vazios” em relação a problemas ambientais, tais como no caso da poluição de rios: talvez pela falta de instrumentos impositivos por meio dos quais a União possa obrigar estados e municípios a implantar programas e cro-nogramas de saneamento básico.21 E a despoluição de cursos d’água constitui um dos pontos essenciais para que se possa alcançar o desenvolvimento sustentável.

Programas como a redução da poluição do rio Paraíba do Sul, de grande importância no suprimento de água para uma dezena de cidades de porte médio do Vale do Paraíba – uma das regiões mais extensas de concentração industrial no Brasil –, constituem exemplos de ações de preservação ambiental altamente prioritárias, e que avançam lentamente.

O rio Paraíba é um dos cursos d’água mais importantes do país, visto que, com pouco mais de 1.100 km de extensão, nasce na Serra da Bocaina, no estado de São Paulo, e tem seu curso em uma região densamente povoada e intensamen-te industrializada – em três dos maiores estados da Federação: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em São Paulo, o rio Paraíba do Sul atravessa 34 municípios, com população de dois milhões de habitantes, e, no Rio de Janeiro, onde tem 500 km de exten-são, percorre 37 municípios, sendo a única fonte de suprimento de água para um contingente populacional de 12,0 milhões de pessoas. Tem importante papel na geração de energia (reservatório do Funil) e na transposição de água para a bacia do rio, que abastece a cidade do Rio de Janeiro.22

A despeito de tudo – e ainda levando-se em conta que a região do Vale do Paraíba, por ele cortado, não constitui área de industrialização recente –, 23 o rio

21. É evidente que, nesses casos, ter-se-ia de partir de uma avaliação prévia da capacidade fi nanceira das administra-ções responsáveis, a fi m de enquadrar em projetos fi nanciáveis, total ou parcialmente, a fundo perdido, pelo conjunto União e estados.

22. Apesar de sua importância para o Rio de Janeiro, o rio Paraíba do Sul também o é para uma vasta, industrializada e rica região paulista (Vale do Rio Paraíba), tendo jurisdição federal, visto que se estende por três estados. Desde os anos 1990 sua gestão ambiental, segundo a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema-RJ), é feita pelo Comitê Executivo de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfi ca do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP) (Decreto no 87.561/82), norma convalidada pela Lei no 9.433/97, da Política Nacional de Recursos Hídricos (FEEMA, 2008).

23. A Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, é dos anos 1940, a Embraer surgiu em meados dos anos 1960, e todo o complexo industrial da região se consolidou nos anos 1970 e 1980.

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Paraíba do Sul foi vítima da inércia governamental que predominou até recen-temente e, além disso, de forma paradoxal, porque a consciência ecológica da sociedade brasileira é expressa por medidas de controle ambiental com quase cem anos de existência, conforme assinalado na introdução deste capítulo.

Assim, dada a morosidade nos trabalhos de despoluição das águas do rio – o que dependeria da ampliação das redes coletoras de esgoto sanitário, da busca da universalização dos sistemas de tratamento (no que tange aos efl uentes domi-ciliares), e do tratamento pelas empresas dos resíduos industriais –, até agora não se conseguiu reduzir seus índices de poluição para níveis compatíveis com a sua importância enquanto fonte de suprimento de água para um grande contingente populacional, um amplo parque industrial, e vastas áreas rurais que utilizam o processo de irrigação.24

No trecho paulista, segundo dados do Plano Estadual de Recursos Hí-dricos 2004-2007 citados em relatório da Companhia de Tecnologia de Sa-neamento Ambiental (CETESB, 2008), a coleta de esgotos abrangia 89,0% do total produzido, enquanto o tratamento restringia-se apenas a um terço do total, do que decorre o comprometimento da qualidade das águas em diversos trechos do rio. O quadro é mais grave no trecho Tremembé a Guaratinguetá, afetado pelas descargas de esgotos sanitários dos municípios de Jacareí, São José dos Campos e Taubaté, bem como pelos despejos sem tratamento dos esgotos de Aparecida e Guaratinguetá.

O esgotamento sanitário nos municípios da região é tão defi ciente que o programa de ampliação dos trabalhos de tratamento, mencionados pela CETESB, preveem, para o ano de 2009, um aumento de 25,0% para 60,0% nos índices de tratamento dos efl uentes domésticos. Uma signifi cativa expansão, alcançando, porém, um nível de tratamento bastante insatisfatório. Estas questões ambien-tais ainda pendentes no “Paraíba paulista” vão afetar a qualidade das águas no trecho fl uminense, amenizado pelo efeito despoluidor das águas do Reservatório de Funil, que, segundo a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), do Rio de Janeiro, funcionam como um meio natural de decantação do material orgânico.

O Programa de Despoluição do Rio Tietê é outro exemplo preocupante da lentidão em relação a questões ambientais. Iniciado em 1992 e a cargo da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) – em-presa mista, de saneamento, controlada pelo governo do Estado de São Paulo –,

24. De acordo com a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), no trecho paulista, pouco mais de 27,0% do total da água consumida tinha utilização urbana, o equivalente a 28,0% destinava-se à irrigação, e aproximadamente 45,0% eram demandados pela indústria. Ver CETESB (2008, p. 81).

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seu surgimento, segundo informações da SABESP, foi resposta a um movimento reivindicatório popular.25 O projeto surgiu com grandes responsabilidades, tais como eliminar a poluição decorrente dos despejos de esgoto na região metropo-litana da capital paulista, controlar a poluição industrial e dos resíduos sólidos, promover a abertura e urbanização dos fundos de vale, e conferir atenção especial para o avanço da educação ambiental.

O Projeto Tietê foi concebido para execução em duas etapas. Na primeira, iniciada em 1992 e concluída em 1998, o trabalho foi concentrado na ampliação dos sistemas de coleta e de tratamento de esgotos na região metropolitana. Como resultado, segundo a SABESP:

(...) os índices de coleta passaram de 63,0%, em 1992, para 80,0%, em 1998, e o tratamento (...) saltou de 20,0% para 62,0%. A mancha de poluição no interior do estado recuou 120 quilômetros (...).26

Outras fontes mencionam – naquilo que pode ser considerado um resultado alentador – que ainda nessa etapa mais de 1.200 empresas, responsáveis por 90% dos despejos industriais no rio Tietê, “(...) aderiram ao Projeto e deixaram de lançar resíduos e toda espécie de contaminantes no curso d’água”.27

A segunda etapa do Projeto Tietê, em fase de execução, prevê a construção de extensas redes de interceptores, coletores-tronco, redes coletoras e ligações de domicílios, ampliando em quatro pontos percentuais (de 80,0% para 84,0%) o coefi ciente de coleta de esgotos e, em oito pontos percentuais (de 62,0% para 70,0%) o percentual de tratamento de esgotos na RM de São Paulo (RMSP), o que terá um grande impacto na despoluição do Tietê.

O Projeto Tietê, embora a lentidão na execução – em parte em razão da complexidade e das dimensões dos problemas ambientais a serem sanados –, pode vir a representar a primeira experiência brasileira de despoluição de grandes rios condenados por esgotos sanitários e industriais em regiões metropolitanas.

A dúvida natural é: se um rio da importância do Tietê, no estado mais rico e mais industrializado do país, tem, na RMSP, índices de poluição das águas até dez vezes acima de muitos outros grandes rios do país (IBGE, 2008, p. 97), quais seriam os níveis de precariedade existentes, ainda hoje, nos serviços de coleta e de tratamento de esgotos domésticos de centenas de cidades brasileiras de porte médio? Afi nal, não se trata apenas de uma questão de indicadores, e sim das im-plicações sanitárias, e de saúde pública, sobre a população afetada – geralmente de

25. “Concebido em decorrência de um grande movimento da sociedade em 1992, que resultou em mais de um milhão de assinaturas coletadas, o Projeto Tietê, considerado um dos maiores projetos ambientais do mundo (...)”. SABESP. Disponível em: http://www.sabesp.com.br. Acesso em 31/07/2008.

26. Ver nota de rodapé anterior (nota do editor).

27. Organização Redes das Águas. Disponível em: http://www.rededasaguas.org.br. Acesso em 31/07/2008.

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baixo nível de renda, morando em favelas, grande parte em áreas metropolitanas, em habitações rústicas e convivendo com esgotos a céu aberto.

Para o enfrentamento da questão do esgotamento sanitário e do tratamento de efl uentes domésticos e industriais, possivelmente será necessário defi nir um novo modelo de política urbana, abandonando a ação fragmentada que, por dé-cadas, tem marcado a atuação dos diferentes níveis da administração publica bra-sileira. E, certamente, uma sucessão de programas governamentais quinquenais encadeados, de caráter abrangente – uma hipótese de modelagem – teria de com-portar, como passo inicial, a constituição de bancos de terras públicas, cronogra-mas de construção de núcleos populares dotados de infraestrutura básica e com habitações parcialmente subsidiadas, sistemas de transporte integrados etc. A úni-ca alegação improcedente seria a insufi ciência de recursos. Basta indagar-se como a dívida pública mobiliária federal saltou de aproximadamente 10,0% do PIB, em 1993, para o nível atual, próximo de 50,0% – com um aumento da ordem de R$ 1,0 trilhão, em valores atuais (crescimento equivalente a US$ 650,0 bilhões).28

4 AS DIFICULDADES DE OPERAR A GESTÃO AMBIENTAL NO BRASIL

A gestão ambiental no Brasil enfrenta muitos problemas. Um deles decorre do fato de os órgãos executores viverem permanentemente “entre o mar e o roche-do”, trabalhando num contexto de confl itos, de interesses antagônicos. Atuam em favor de um contingente imenso de benefi ciários potenciais dos ganhos ad-vindos da preservação do meio ambiente e dos recursos naturais – o conjunto da população –, sem que, em contrapartida, funcionem canais naturais para que possam contar com o apoio maciço dos seus representados.

Outra aparente fonte de difi culdades provém do fato de o país ter uma capa-cidade imensa de produzir normas legais na área do meio ambiente, nos três níveis da administração pública – embora o predomínio absoluto da área federal –, sem que tenha havido, em décadas mais recentes, preocupação em consolidar os textos, permitindo assim uma visão integrada do arsenal regulatório.

Finalmente, deve-se assinalar a difi culdade operacional que órgãos acome-tidos de múltiplas responsabilidades – tais como a vigilância quanto ao cumpri-mento da lei, e, paralelamente, a de aplicar sanções e exigir o cumprimento das punições – tendem a encontrar para analisar recursos, suspender ou reforçar san-ções, e, ainda, para responder pelas obrigações de zelar pelas áreas de preservação, coletar e avaliar informações envolvendo balanços ambientais, propor diretrizes e ações com vistas ao controle e à redução de fontes poluidoras. E muito mais.

28. Nenhum recurso vinculado ao aumento da dívida foi destinado a cobrir despesas fi scais da União, a não ser en-cargos fi nanceiros da própria divida e ainda a cobertura de prejuízos do Banco Central. Também não se pode jogar a responsabilidade sobre o refi nanciamento da dívida de estados e municípios, que foi compensado por recursos obtidos da privatização; e nem sobre as operações de suporte a bancos estaduais na segunda metade dos anos 1990, pois os aportes fi nanceiros foram integralmente assumidos pelos respectivos governos regionais.

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Várias medidas poderiam ser lembradas, visando à maior racionalidade da atu-ação do Estado em questões ambientais. Entre elas, selecionam-se algumas a seguir.

• Atualização dos códigos – e, eventualmente, a consolidação do marco regulatório num único Código do Meio Ambiente e Recursos Naturais –,de forma que se proporcionem a integração e a compatibilização da le-gislação existente sobre a matéria, bem como a defi nição e o uso de uma técnica legislativa comum nos vários códigos, para a sequência dos dispo-sitivos regulatórios.

• Revisão da fi losofi a que orienta as sanções contra danos ambientais, de modo a se priorizar a exigência de reparação dos danos pelo faltoso, com a aplicação subsidiária de multas em dinheiro para indenizar o Estado pelas despesas que a administração incorre na vigilância do meio ambiente e recursos naturais. A multa pecuniária seria aplicada isoladamente apenas em relação a situações específi cas, como nos casos de danos não passíveis de reparação, e quando não fosse possível substituir a pena por ações ambientais compensatórias.

• Criação de um atestado de danos ambientais avalizado pela Justiça (nos moldes da vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam), a ser produzido logo após lavrado o auto de infração e com a assistência da promotoria e/ou da controladoria (se criada), a fi m de “fotografar” os danos, para as re-parações a serem exigidas, evitando longas e procrastinatórias discussões judiciais sobre a extensão da responsabilidade do faltoso.

• Separação, no nível administrativo, entre órgãos que vigiam o cumpri-mento das leis e aplicam as sanções por danos ambientais daqueles que apreciam em grau de recurso as contestações apresentadas pela parte fal-tosa, e, ainda, dos que sejam responsáveis pelo acompanhamento e pela aceitação fi nal de trabalhos de reparo ou de recomposição ambiental pela entidade faltosa.

• Criação de uma Controladoria do Meio Ambiente e Recursos Naturais, de caráter não fi nanceiro, que exerceria supervisão quanto ao cumpri-mento, pelos faltosos, de reparações por danos ao meio ambiente, depois de informados da conclusão dos trabalhos de recomposição pelo órgão responsável pelo acompanhamento e aceitação fi nal das áreas reparadas. Uma segunda tarefa da controladoria, para impedir o descaso ou a len-tidão na execução, seria a avaliação periódica da execução de programas obrigatórios de despoluição ambiental – como redes coletoras e estações de tratamento de esgotos sanitários, e tratamento de despejos industriais –,

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a cargo de governos estaduais e municipais ou de empresas notifi cadas para a eliminação de focos de poluição.

O objetivo visado com a criação de instâncias voltadas para atestar, ex post, o cumprimento de ações reparadoras de danos ambientais seria o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e de suas autarquias, tirando-o da situação de alvo único das pressões provocadas quando da aplicação dos dispositivos legais de regulação da defesa do meio ambiente.

A preocupação com o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente de-riva da constatação de sua fragilidade institucional, perceptível por um aparente isolamento no complexo da administração federal. Esta fragilidade não se supera a partir do apoio explícito do presidente da República ao órgão, e nem dos novos e recentes ordenamentos legais em prol do aperfeiçoamento e da ampliação de objetivos, metas e processos da política de meio ambiente. O único instrumento de caráter coercitivo de que dispõe o ministério para conter a ação predatória do meio ambiente e dos recursos naturais (aplicação de multas pecuniárias) tem tido efi cácia nula,29 o que pode ser comprovado nos dados do quadro 7, sobre multas aplicadas e recebidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no período de 2002 a 2007.

QUADRO 7Ibama: multas aplicadas e multas recebidas – 2002 a 2007

AnoAutos de infração Multas recebidas

Rec./autos(%)

No (A) R$ milhões (B) R$ milhões (C) (D) = (C/B)

2002 – – 15,6 –

2003 5.652 274,3 16,0 5,8

2004 5.384 516,8 20,2 3,9

2005 7.204 1.097,7 16,6 1,5

2006 6.640 1.112,3 24,1 2,2

2007 5.745 1.458,5 35,2 2,4

Fonte: IBAMA. IBAMA em números. Disponível em: http://www.ibama.gov.br. Acesso em 22/07/2008. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal (SRF). Disponível em: http://www.fazenda.gov.br

O número de multas (pouco mais de 5,6 mil em 2003) chegou a elevar-se em 2005 e 2006, mas recuou em 2007 para níveis muito próximos aos anteriores. O valor das multas dobrou de 2003 para 2004 e de 2004 para 2005, depois se estabilizou em cerca de R$ 1,1 bilhão, aumentando em aproximadamente 30,0%, em 2007, quando se situou em pouco mais de R$ 1,4 bilhão. Mas o valor das multas efetivamente recebidas foi sempre irrisório, tendo chegado ao valor máximo em 2007 (R$ 35,2 milhões) e, percentualmente, ainda decrescente: 5,8% do total

29. O Decreto no 6.514, de 23/07/2008, defi ne crimes ambientais, estabelece as sanções e fi xa valores atualizados para as multas pecuniárias aplicadas nos diferentes casos.

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das multas aplicadas em 2003, e entre 1,5% e 2,4% nos anos de 2005 a 2007. Isto signifi ca que o governo não vem conseguindo fazer das multas um instrumento de sanção efetiva aos predadores do meio ambiente, que fi cam impunes, dada a ausên-cia de mecanismos alternativos de reparo a danos provocados ao meio ambiente.

Se a administração pública não dispõe de instrumentos legais que possam atuar de modo coercitivo no afã de conter os crimes ambientais, também não conta com recursos fi nanceiros e recursos humanos para desempenhar com maior efi ciência responsabilidades gigantescas de um país continental.

Os recursos orçamentários liberados para o Ministério do Meio Ambiente – em verdade, englobando todas as Despesas Realizadas classifi cadas como “função meio ambiente” – têm sido extremamente reduzidos, e, além disso, oscilantes, desde o início da década: pouco mais de R$ 1,1 bilhão, em 2000, e perto de R$ 1,5 bilhão, em 2006 (quadro 8) – com aumento nominal de 31,5% e uma queda real (defl ator implícito do PIB) da ordem de 8,3%.

Em termos relativos, os recursos chegaram a representar o equivalente a 0,48% do montante das Receitas do Tesouro no ano de 2000, recuando para apenas 0,17% em 2004 e 2006, e na execução orçamentária de janeiro a maio de 2008 as verbas li-beradas para a função meio ambiente representaram tão-somente 0,11% do volume das receitas fi scais arrecadadas pelo Tesouro no mesmo período. Ou seja, gastos com o meio ambiente constituem item de despesa que, dada a inexpressividade relativa, corre o risco de desaparecer dos registros do Ministério da Fazenda que individuali-zam os gastos realizados pela administração segundo órgãos e funções.

QUADRO 8Ministério do Meio Ambiente: orçamento e número de servidores

Ano

Orçamento executado1 R$ milhões No de

servidoresR$ milhões % s/Rec. fi scal

1996 – – 9.1641998 – – 8.3222000 1.139,0 0,48 5.6442002 1.264,9 0,38 7.1152004 1.193,4 0,27 7.8942006 1.497,9 0,27 8.4692008 297,3 2 0,11 7.675 3

Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)/Ministério da Fazenda. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/conta-bilidade_governamental/execucao_orcamentaria_do_GF/Despesa_Funcao.xls. Ministério da Fazenda. STN. Resultado do Tesouro Nacional, maio 2008. Miniplan. Boletim Estatístico do Pessoal. (145). Maio/2008. FGV. Conjuntura Econô-mica, Julho/2008, p. X e XIX.

Notas: 1 Despesas realizadas – Função Gestão Ambiental. 2 Ref. período janeiro - maio. 3 Posição: abril/2008.

A responsabilidade governamental em relação às questões ambientais ocupa posição prioritária, isto porque a administração deve garantir efi cácia à política de governo de gestão dos recursos naturais, que visa assegurar que o mau uso no

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presente não comprometa o atendimento às necessidades das gerações futuras. Mas, para o desempenho de tais funções, é necessário não apenas um ordenamen-to jurídico adequado e uma estrutura administrativa sufi cientemente abrangente, pois estas pré-condições tornam-se nulas na ausência de provimento de recursos orçamentários sufi cientes para o custeio das atividades acometidas aos órgãos res-ponsáveis pela gestão ambiental.

O que estaria ocorrendo seria um divórcio entre o confessado desejo político de tornar efi caz a gestão ambiental para assegurar o desenvolvimento sustentado, com vistas ao futuro do país, e a míngua de recursos orçamentários alocados para garantir o funcionamento dos órgãos e dos serviços responsáveis pela preservação dos recursos naturais. E nem se trata de escassez de recursos, como se pode con-cluir quando se verifi ca que, no ano de 2007, enquanto as despesas efetivadas sob a Função Meio Ambiente foram de R$ 1,5 bilhão, o governo transferia para empresa pública federal um montante 30 vezes maior para cobrir perdas inexplicáveis.30

A outra face da mesma moeda que refl ete a fragilidade institucional dos se-tores governamentais responsáveis pela gestão do meio ambiente é ilustrada pelo número de funcionários do Ministério do Meio Ambiente e suas autarquias e fundações, também indicado no quadro 8. Além disso, como pode ser observado ali, a par de um contingente relativamente pequeno para o gigantismo das atri-buições – 7.675 servidores, em abril de 2008,31 em um país com 8,5 milhões de km2, com mais de cinco mil municípios e uma grande área especial de preservação ambiental –, a Amazônia brasileira, com 4,5 milhões de km e l,7 milhão de km2 de áreas protegidas,32 conta com apenas 1.300 servidores para as tarefas de fi scali-zação, apuração e avaliação de crimes e danos ambientais, autuação, apreensão e destinação de recursos naturais apropriados de forma ilícita, entre outras.

Se o número de servidores nos órgãos responsáveis pela execução da política brasileira de meio ambiente aparenta ser extremamente pequeno, mais preocu-pante ainda é que o total de funcionários vem sofrendo redução ano a ano: eram 9.164 servidores ativos em 1996, e 8.322 em 1998, com os números de 2008 revelando uma perda aproximada de 20,0%.

O apoio de que carecem os órgãos da administração que tratam das questões ambientais e dos recursos naturais, e em caráter de urgência, é o reforço de dois

30. Repasses da ordem de R$ 48,0 bilhões do Tesouro Nacional ao Banco Central, em 2007, para cobrir prejuízos decorrentes da política cambial, da política monetária e da política em relação a capitais externos de curto prazo. Estes são prejuízos que decorrem de opções de política econômica, e não de questões imperativas.

31. Dos quais em torno de 30,0% servindo em setores da administração central do ministério, autarquias e fundações, e na agência regional de Brasília.

32. Áreas protegidas, segundo ensina o Ministério de Meio Ambiente, “(...) são áreas de terra e/ou mar especialmente dedicadas à proteção e manutenção da diversidade biológica, e de seus recursos naturais e culturais associados, manejadas por meio de instrumentos legais ou outros meios efetivos”. Disponível em http//:www.mma.gov.br. Acesso em 30/07/2008.

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pilares para o sucesso da gestão: recursos humanos e recursos fi nanceiros. Sem es-tes difi cilmente os novos programas governamentais poderão avançar, a despeito do esforço extraordinário do governo federal, liberando recursos para saneamento básico por meio da Caixa Econômica Federal, pois mesmo este programa, que acertadamente tem recebido tratamento prioritário, terá de incorporar recursos a fundo perdido – supridos pela União e pelos estados – para viabilizar o alcance de índices mínimos de esgotamento sanitário e de tratamento de efl uentes urbanos nos municípios mais carentes de meios orçamentários próprios.

5 OBSTÁCULOS NÃO AMBIENTAIS AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO

O desenvolvimento sustentável constitui uma meta desejável de convívio do ho-mem com a natureza, que a humanidade vem procurando impor a si mesma, a fi m de que o uso dos recursos naturais no presente não comprometa a disponibi-lidade futura das riquezas com as quais a natureza privilegiou o homem. É fruto da plena consciência do homem, amadurecida no século passado, de que só com o uso racional dos recursos naturais, com sua preservação, será possível permitir que as futuras gerações possam atender às suas necessidades, possam manter um processo contínuo de desenvolvimento sustentado.

A preocupação ecológica tem um fi m em si mesma, que é o uso não preda-tório dos recursos da natureza a fi m de não comprometer o objetivo do desen-volvimento sustentado. Mas para que se consiga manter a condição de sustenta-bilidade futura do desenvolvimento a partir da preservação dos recursos naturais, é essencial, antes de tudo, que haja desenvolvimento, e que o futuro não esteja comprometido por obstáculos de natureza não ambientais. E obstáculos não am-bientais são localizados não na relação homem-natureza, e sim nas relações entre os homens, no contexto da sociedade. Estão ligados, portanto, à forma como os homens disciplinam a participação dos seus pares nos resultados econômicos da união do homem, como força de trabalho, com o homem como conhecimento acumulado (saber), com os recursos da natureza, para a obtenção de bens e de serviços que satisfaçam às necessidades do ser humano.

Então o que se está mencionando são modelos de organização da sociedade. Ou de processos políticos que dão a alguém, a um grupo, a um segmento da sociedade, o poder político de defi nir um modelo de relacionamento social, um modelo de relacionamento entre os agentes participantes do processo econômico. Um núcleo que, em decorrência, detém a capacidade de tomar decisões que ma-terializem, em termos de esforço produtivo e da forma de distribuição dos seus resultados, o ideário fi losófi co que incorpora e procura dar aparência de raciona-lidade na defesa dos interesses do grupo hegemônico.

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O gerenciamento da economia – que pode ter características distintas em cada país – constitui, portanto, um instrumento de poder. E da direção dos ins-trumentos de regulação utilizados – conformados pelo jogo de pressões das socie-dades democráticas – pode resultar um modelo de produção/geração de rendas/apropriação de rendas equilibrado, garantindo o desenvolvimento econômico e social em médio e longo prazos. Ou seja, o homem é que pode produzir condi-ções para sustentação de um processo de desenvolvimento econômico e social equilibrado. E nessas circunstâncias a preocupação ambiental tem o sentido de que o uso dos recursos naturais não comprometa a meta de desenvolvimento econômico e social ambientalmente equilibrado.

No caso brasileiro o desenvolvimento econômico tem enfrentado obstácu-los desde o fi m dos anos 1970, com implicações de natureza social. Mas pode-se dizer que até certo ponto as difi culdades decorriam de condicionamentos da eco-nomia internacional, com os desequilíbrios pós-crise do petróleo de outubro de 1973 – o que se pode aceitar como meia verdade.

Os problemas afetando a economia brasileira se tornaram mais difíceis em 1979, e, depois, ao longo dos anos 1980, quando imperou a ilusão de que seria possível recompor as rendas salariais depreciadas num quadro infl acionário sim-plesmente pela redução da periodicidade legal da correção das rendas contratuais. E, posteriormente, no fi m da década de 1980, quando, logo após o Plano Verão de estabilização de janeiro de 1989, a opção do Ministério da Fazenda/Banco Central foi a desmedida elevação das taxas de juros em fevereiro/março daquele ano, sob a justifi cativa esotérica de que era “(...) para evitar reversão de expectati-vas infl acionárias” (BANCO CENTRAL, 1989, p. 38) – ou seja, juros altíssimos (30,0% reais em apenas dois meses) para garantir que os preços não voltassem a subir! Enquanto, em realidade, ofi cializava-se a especulação fi nanceira na eco-nomia do país, com juros altos pressionando os custos e a infl ação, e correções mensais nas rendas contratuais, num coquetel que teria necessariamente de jogar a infl ação gregoriana a níveis estratosféricos.

Entretanto, a partir de 1994 as opções de política econômica que orienta-ram rigidamente o programa de estabilização começaram a provocar graves de-sarranjos estruturais na economia brasileira, travando o desenvolvimento econô-mico do país por mais de uma década – o que constitui, ainda, passados quinze anos da implementação do Plano Real, a essência dos obstáculos estruturais para o desenvolvimento da economia brasileira. Estes devem ser discutidos a fi m de que se possa, restabelecidas as pilastras do equilíbrio econômico e social, ter algo concreto para ser sustentável. Afi nal, não teria sentido a discussão da necessidade de preservação ambiental para garantir um futuro, se não se procura remover os entraves estruturais no presente.

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5.1 Os desarranjos estruturais da economia brasileira nos anos 1990

Depois do fracasso de sucessivos planos de estabilização econômica durante os anos 1980 e princípios dos anos 1990,33 o país fi nalmente se defrontou com um programa de estabilização em que a condição sine qua non foi atendida: a eleição de perdedores defi nitivos de rendas reais, sobre os quais pesaria o ônus da interrupção do ciclo de aumentos de custos/aumentos de preços/aumentos de salários/au-mentos de preços. A estabilização requer que alguém – algum ou alguns grupos –deixe de repassar para os preços os aumentos de custos enfrentados.

A opção dos formuladores do programa de estabilização de 1994 foi dividir o ônus da estabilização sobre os exportadores e sobre os trabalhadores, que en-frentaram perdas de rendas reais por meio de diferentes mecanismos: os expor-tadores, com a valorização cambial que reduzia os preços reais das importações (e os custos do sistema produtivo); e os trabalhadores, com a correção primeira, e também única, dos salários, num horizonte de muitos anos, em percentual subs-tancialmente inferior à infl ação observada.34 Os agricultores em geral surgiriam posteriormente como atores coadjuvantes, também enfrentando perdas de rendas em face do aumento das importações de produtos agropecuários subsidiadas pelo câmbio valorizado, e da paralela aplicação de correção monetária nos fi nancia-mentos da safra do verão de 1994-1995.

As importações facilitadas pelo câmbio (e também por redução tarifária) ajudaram na estabilização; a redução dos salários reais internamente impediu que a indústria brasileira entrasse em colapso em virtude da concorrência predatória dos estrangeiros. Mas a consequência inevitável da mudança dos preços relativos do Brasil com o exterior foram desequilíbrios crescentes no Balanço de Pagamen-tos em Contas Correntes. De fato, saindo de uma situação de relativo equilíbrio nas Transações Correntes, mantida desde 1987 – quando dos défi cits provocados pela valorização cambial de 1986 –, o país passou a conhecer crescentes défi cits no global de Bens/Serviços/Transferências Unilaterais, que totalizaram perto de US$ 190,0 bilhões em oito anos, de 1995 a 2002.

33. Plano Cruzado, de 1986; Plano Bresser, de 1987; Plano Verão, de 1989; Plano Collor I, de março de 1990; e Plano Collor II, de janeiro de 1991. O fracasso de tantas tentativas seria explicado pelo fato de que em todas as oportuni-dades se buscou eliminar a infl ação, para chegar à estabilidade, sem que algum grupo entre os agentes que atuam no sistema econômico viesse a assumir as perdas defi nitivas de rendas reais, condição sem a qual seria impossível se chegar à estabilização.

34. A variação de preços acumulada no trimestre junho-agosto de 1994 registrada pelo INPC* (IBGE) foi de 60,6%; o IPC* Brasil (FGV)* apurou 97,5%, e o IPC (Fipe/USP)*, 100,8%. A aplicação do índice do IBGE na derradeira recom-posição salarial ofi cial nos primeiros meses após o Plano Real provocou uma perda de salário real da ordem de 20,0% vis-à-vis a média dos índices da FGV e Fipe (MUNHOZ, 2005, p. 28-31).

* INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor; IPC: Índice de Preços ao Consumidor; FGV: Fundação Getulio Vargas; Fipe/USP: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo.

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O fato de não se ter procurado formas alternativas de garantir a estabilização pós-1994 provocou, portanto, desequilíbrios externos (e perdas salariais) crescen-tes e extremamente graves – 1,5 bilhão de dólares de défi cits para cada bilhão de dólares de crescimento do produto real. E a opção pelo fi nanciamento dos défi cits externos por meio de capitais de curto prazo, estimulados para tanto por taxas de juros extremamente atraentes para os títulos públicos federais, provocaria aumen-to incontrolável da dívida pública – situação que daria um suposto embasamento de falsa lógica ao continuado aumento da carga tributária e à privatização de setores estratégicos da economia brasileira.

Foi nesse contexto que a economia brasileira passou a enfrentar inúmeros desarranjos estruturais em setores vitais – a serem mais descritos que explicados nos limites deste texto –, que conformam os obstáculos não ambientais à recu-peração de um desenvolvimento econômico e social sustentável perdido no fi m da década de 1970. E nem o milagre chinês, funcionando a partir de 2002 como poderosa locomotiva, puxando a economia mundial com vigor e capacidade de difusão nunca antes alcançados, foi capaz de reviver.

5.2 A desorganização das fi nanças públicas e o aumento da carga tributária

A política de juros elevados para atrair capitais de curto prazo como opção para o fi nanciamento dos défi cits provocou um explosivo aumento da dívida mobiliária pública federal entre 1994 e 2002, que passou de R$ 59,4 bilhões para R$ 838,8 bilhões, e um crescimento mais moderado nos anos de 2003 a 2007 (quadro 9). Considerando, porém, que parte das emissões dos títulos públicos federais decor-reu apenas do interesse dos gestores da dívida em aumentar o volume de recursos livres depositados no Banco Central (BACEN), decidiu-se deduzir do total da dívida (global dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional) o montante dos depó-sitos do Tesouro Nacional no BACEN, trabalhando-se então com um conceito mais restrito de “dívida liquida”,35 após o qual se apura uma Dívida Mobiliária Federal Interna Líquida de R$ 44,4 bilhões, em 1994, em valores nominais; em 2002, já havia saltado para R$ 750,3 bilhões, alcançando pouco mais de R$ 1,3 trilhão no fi m de 2007.

35. Recusa-se validade, portanto, ao critério de calcular a dívida liquida da União deduzindo valores,tais como redu-ção de obrigações de empresas estatais, ou recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em poder do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bem como haveres não líquidos da União, como créditos nos estados e municípios.

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QUADRO 9Dívida Federal Mobiliária Interna – dezembro de 1994, 1998, 2002, 2006 e 2007

Ano

Dívida Mobiliária InternaR$ bilhões correntes Defl ator IGP-

DI (D)

Total – R$ bilhões de dez. de 2007

Dív. líquida E=c/d.100) PIB (F)Div./PIB-%(G=e/f.100)Títulos (A) Encaixe (B)

Dív. líquida(C=A+B)

1994 59,4 4,0 55,4 29,0 191,0 1.841,6 10,41998 343,8 50,4 293,4 39,7 739,0 2.030,0 36,42002 838,8 88,5 750,3 73,1 1.026,4 2.205,1 46,52006 1.390,7 226,5 1.164,2 92,7 1.255,9 2.518,2 49,92007 1.583,9 276,3 1.307,6 100,00 1.307,6 2.653,6 49,3

Fontes: Banco Central. Balanço Anual e Boletins, mar. 2000; mar. 2004; e fev. 2008. FGV. Conjuntura Econômica, julho 1996, 2000, 2004, 2006 e 2008 (IGP-DI ref. dez.).

Obs.: 1. Dívida mobiliária – saldos em fi nal de período. 2. Encaixe: disponibilidades do Tesouro depositadas no Banco Central. 3. PIB em valores de dez.2007 – cf. apêndice 3 deste capítulo.

Analisada a evolução da Dívida Mobiliária Federal Interna Líquida, a partir de 1994 representada em valores constantes de dezembro de 2007 (ou seja, eli-minados os efeitos da infl ação sobre séries representativas de valores), verifi ca-se que o endividamento passou de R$ 191,0 bilhões, no fi m de 1994, para R$ 1,0 trilhão, em 2002 – aparecendo multiplicada por 5,4 vezes, aproximadamente; chegando a R$ 1,3 trilhão, em fi ns de dezembro de 2007 (quadro 9).

Comparativamente ao PIB anual é que se pode constatar o descontrole da dívida federal até 2002,36 pois, enquanto a dívida líquida representava apenas 10,4% do PIB em 1994, a proporção já salta para 36,4% em 1998, e 46,5% em 2002 (seis vezes maior), tendo aumentado em perto de R$ 840,0 bilhões, em oito anos, enquanto o PIB cresceu apenas R$ 350,0 bilhões no mesmo período.

Após 2002, o crescimento da dívida federal interna foi contido, com au-mento de apenas 27,4% em cinco anos, até 2007. Porém, assim mesmo, em velocidade impossível de ser administrada, dado que, no período, o aumento do PIB (produto real) fi cou em 20,3%. Com isto a Dívida Mobiliária Federal In-terna Líquida passou por si só a representar o equivalente a praticamente 50,0% do montante do PIB, o que evidencia as difi culdades para gerenciar o endivida-mento interno, mesmo com o grande aumento da carga tributária e dos saldos do Tesouro (superávits primários) voltados para o pagamento de parte dos encargos fi nanceiros da dívida (juros, descontos, deságios etc.).

Adicionalmente, o Tesouro tem compromissos em moeda estrangeira (US$ 59,0 milhões em dezembro de 2007): a Dívida Pública Federal Externa, representada por títulos de emissão do governo federal (bônus) colocados no

36. Para evitar as armadilhas da questão valor a preços médios e valor a preços de dezembro, quando se trabalha com variáveis como o PIB, aumento da dívida ou saldo da dívida no fi m do ano, mais as distorções ligadas à valorização cambial, optou-se pela comparação dos valores da dívida em moeda de dezembro de 2007, com a série de valores do PIB também em moeda de dezembro de 2007. Ver Apêndice 3.

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exterior, e por dívida contratual vinculada, especialmente, a importações fi nan-ciadas por instituições tais como o Banco Mundial (BIRD), o Banco Interame-ricano de Desenvolvimento (BID), e bancos governamentais de exportação e importação. Em fi ns de 1998 e de 2002 representavam, no equivalente à moeda nacional, aproximadamente 12,0% do PIB (quadro 10), enquanto nos demais anos indicados (1998, 2006 e 2007) os percentuais eram substancialmente infe-riores – restringindo-se a apenas 4,1% do PIB em dezembro de 2007.

QUADRO 10Dívida Pública Federal Externa – 1994, 1998, 2002, 2006 e 2007 (Em R$ bilhões)

AnoR$ bilhões(em 31.12)

(A)

Defl atorIGP-DI

(B)

R$ bilhões dedez./2007

(C=A/B.100)

PIB dez./2007

(D)

Div./PIB - %(E=C/D.100)

1994 63,5 29,0 219,0 1.841,6 11,9

1998 59,0 39,7 148,6 2.030,0 7,3

2002 200,7 73,1 274,6 2.205,1 12,5

2006 143,2 92,7 154,5 2.518,2 6,1

2007 108,6 100,0 108,6 2.653,6 4,1

Fontes: STN/Ministério da Fazenda: Resultado do Tesouro Nacional. Dez.98, dez. 2002, dez. 2006, dez. 2007. Banco Central: Relatório 1994. Boletim dez.1999, fev. 2008. FGV. Conjuntura Econômica. Julho de 2008. PIB em valores de Dez.2007 – cf. apêndice 3 deste capítulo.

Houve redução pouco superior a 20,0% no endividamento externo do Tesouro, em moeda estrangeira: de US$ 75,2 milhões, no fi m de 2002, para US$ 59,00 milhões, em fi ns de dezembro de 2007. A queda da dívida externa no equivalente em moeda nacional, todavia, foi muito maior: da ordem de 60,0%, tendo recuado de R$ 274,6 bilhões, em 2002, para R$ 108,6 milhões, em 2007, por força da acentuada valorização do real frente ao dólar norte-americano. Na posição mais recente, em dezembro de 2007, com a dívida externa em moeda na-cional igualando 4,l% do PIB de 2007 em moeda do mesmo mês, conclui-se que a Dívida Pública Líquida Federal interna e externa – com o conceito restrito de dívida líquida aqui adotado e já mencionado – alcançava o equivalente a 53,4%. Percentual sujeito a oscilações acompanhando fases de valorização ou desvaloriza-ção real da moeda brasileira frente ao dólar e outras moedas – como evidenciam os dados do quadro –, o que depende da política cambial seguida em diferentes momentos pelo governo brasileiro.

5.2.1 O aumento dos encargos fi nanceiros do Tesouro

Dívida elevada, taxa de juros alta, base de remuneração da dívida pública atre-lada à taxa de juros de curto prazo (SELIC),37 contaminando, assim, o estoque da dívida pública – um somatório de ingredientes que vem provocando gastos

37. Selic: Sistema Especial de Liquidação e de Custódia.

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extraordinários e crescentes do Tesouro, a título de encargos fi nanceiros da dívida pública (quadro 11).

QUADRO 11Juros e outros encargos fi nanceiros da dívida federal – 1995 a 2007

Ano R$ bilhõesJuros/PIB

(%)Ano R$ bilhões

Juros/PIB (%)

1995 16,8 2,4 2004 74,4 3,8

1998 30,8 3,1 2005 89,8 4,2

2000 38,8 3,3 2006 151,2 6,5

2002 55,3 3,7 2007 140,1 5,5

Fontes: STN/Ministério da Fazenda. Disponível em: http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/execução-orçamentaria-do-GF/despesa_grupo. Acesso em 04/08/2008. Banco Central. Boletim de Fevereiro de 2008 (PIB).

Os dispêndios informados pelo Ministério da Fazenda (R$ 16,8 bilhões, ou 2,4% do PIB em 1995) nos anos seguintes já superavam três pontos percentuais em relação ao PIB – R$ 38,8 bilhões em 2000, situando-se posteriormente, até 2005, em torno de 4% do PIB. E, dada a política de juros nos anos de 2006 e 2007, tornou-se ainda mais evidente a incapacidade do Tesouro em cobrir os en-cargos fi nanceiros com recursos fi scais. Por conseguinte, mesmo com a reversão da infl ação, o montante dos juros fi cou entre R$ 140,0 bilhões e R$ 150,0 bilhões em 2006 e 2007, com os dispêndios passando a representar, em média, em torno de 6,0% do PIB.

Para que se possa avaliar o impacto do crescimento das despesas fi nanceiras sobre a execução orçamentária, e as difi culdades daí decorrentes, é útil a compa-ração com o montante de recursos destinados à saúde ou à educação. Enquanto em 1998 os gastos com as três destinações eram praticamente iguais, em 2007 os juros já representavam 3,5 vezes os valores liberados para a saúde e sete vezes as verbas destinadas à função educação.

Acresce notar que o montante dos juros e outros encargos fi nanceiros da União com a dívida federal é, todavia, superior aos valores informados pela Se-cretaria do Tesouro, pois estes, no conceito de caixa, abrangem tão-somente as parcelas efetivamente pagas, não incorporando, portanto, a correção monetária agregada ao valor dos títulos indexados ainda vincendos, dentro do critério de competência, em cada exercício. Apenas a Dívida Mobiliária Federal interna – perto de R$ 1,4 trilhão, em fi ns de 2006 – teve um custo fi nanceiro estimado em torno de R$ 180,0 bilhões em 2007, valor a ser acrescido das despesas fi nanceiras com a dívida externa do Tesouro Nacional.38 Diante do volume dos compro-

38. É considerado o valor total dos títulos emitidos, inclusive aqueles em carteira do Banco Central, pois o TN é res-ponsável e liquida os encargos do total da dívida, independentemente de quem seja o detentor dos papéis. Os juros pagos pelo TN ao BACEN sobre os títulos federais em poder deste, posteriormente aparecem compensados, ainda que parcialmente, pelas receitas do Tesouro provenientes dos juros recebidos do BACEN, calculados sobre os depósitos que o Tesouro mantém no banco.

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missos anuais da União com encargos da dívida federal, que vem alcançando o equivalente a 40,0% do total das receitas fi scais, percebe-se que um superávit primário igual a 12,0% das receitas fi scais (ou R$ 57,8 bilhões), como registrado pelo Tesouro no fi m do exercício de 2007 (BRASIL, 2007), não tem condições de impedir o crescimento da dívida (emissão de novos títulos para pagamento de juros) – ainda que aos recursos disponíveis de origem fi scal (superávit primário) sejam agregadas as receitas de juros de duas origens: do Banco Central (juros sobre os depósitos do Tesouro ali mantidos); e de estados e municípios, sobre os créditos da União relativos à dívidas renegociadas.

O modelo de relacionamento Tesouro-Banco Central é o que vem contri-buindo adicionalmente para a desorganização das fi nanças da União. De fato, tal modelo sofre um processo de seguidas deformações desde que, em 1985, os recursos da antiga Conta de Movimento (valor das emissões de papel moeda) passaram a ser apropriados de forma espúria pelo Banco Central. Só em 2007, o Tesouro teve de repassar ao Banco Central R$ 48,0 bilhões para a cobertura de perdas acumuladas, e, em maio de 2008, já se registrava a necessidade de um aporte de outros R$ 50,0 bilhões (R$ 19 bilhões de prejuízos acusados no balanço de dezembro/2007, e outros R$ 31 bilhões das perdas de janeiro a maio de 2008).

O recurso a que recorreu o governo diante do agravamento das despesas fi nanceiras foi o de aumentar sucessivamente a carga tributária, apropriando-se de parcela, a cada ano maior, da renda gerada na economia.

5.2.2 O aumento da carga tributária

A renda gerada na economia em um determinado período está vinculada ao vo-lume de bens e serviços produzidos. Com isso, qualquer movimento de agentes que atuam no sistema econômico a fi m de ampliar sua faixa de participação no global da renda gerada sempre provoca um confl ito distributivo. Isto porque o acréscimo da participação de algum grupo, ou do governo, só pode se efetivar concomitante com a redução da parcela de renda de outros grupos.

Quando o governo decidiu, em meados dos anos 1990, ampliar a política de privatizações, pensava-se que seria possível conter o crescimento da dívida pública com os recursos da venda das empresas estatais. Por inúmeras razões os recursos obtidos pela União mal puderam dar lastro à renegociação das dívidas dos estados e municípios – agravadas pela política de juros do Plano Real – com a administração federal.

As evidências indicam que a elevação da carga tributária no Brasil pós-Plano Real teria sido o caminho escolhido pelo governo, na tentativa de, disputando a apropriação da renda gerada, vir a ter condições de cobrir os encargos fi nanceiros da dívida pública. Com o que a carga tributária, que era o equivalente a 25,3%

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do PIB em 1973, passou a apresentar sucessivos aumentos, situando-se em torno de 28,5% no triênio 1995-1997, 31,0% em 1999-2000, já superando 34,0% em 2002-2003 (quadro 12).39

QUADRO 12Carga tributária e PIB – 1993 a 2003

AnoCarga tributária/

PIB (%)

AnoCarga tributária/

PIB (%)

1993 25,3 1999 31,1

1995 28,4 2000 31,6

1996 28,6 2001 33,4

1997 28,6 2002 34,9

1998 29,3 2003 34,0

Fonte: Sistema de Contas Nacionais/IBGE, 1990-1995, 1995-1999, 2000-2002, 2003.

Um aumento de nove pontos percentuais (p.p.) na carga tributária provoca necessariamente um grave confl ito distributivo na economia, visto que obriga o sistema econômico a “eleger” aqueles que vão assumir perdas correspondentes. E a infl ação encontrará, de forma “harmoniosa”, os perdedores, pois aumentos de impostos – ou de juros, ou da taxa de câmbio etc. – tendem a provocar aumentos de custos, de preços, da infl ação. Como as rendas do trabalho têm a natureza contratual, só sofrendo revisão com um lapso de tempo, a infl ação fará com que as perdas reais de salários entre dois reajustes aloquem na renda dos trabalhadores depreciações compensatórias ao aumento da carga tributária (MUNHOZ, 1979; 1985). Esta situação – se não houver reversão dos novos componentes de custos (tributos, juros etc.) – só pode ser amenizada por uma economia em crescimento, que proporcionaria ao sistema econômico formas alternativas de compensação, por meio de redução de custos com os ganhos de produtividade.

Se não existe a preocupação nos gestores da economia quanto às implica-ções macroeconômicas derivadas de sobrecargas, tais como o aumento da carta tributária ou o aumento das taxas de juros, o ajuste distributivo terá implicações no nível da demanda interna, no nível da produção e do emprego, e no ritmo de crescimento econômico.

5. 3 A redução das rendas do trabalho

Diante de um aumento da carga tributária e na ausência de mecanismos correti-vos ou compensadores por parte do governo, o sistema econômico, por meio dos aumentos de custos e dos aumentos de preços, provocará perdas correspondentes

39. As análises com dados desde 1993 (antes do Plano Real) têm por base as Contas Nacionais referência 1985 – publicadas até 2003 – porque as novas estimativas ainda não disponibilizam séries longas, retrospectivas, que compatibilizem as diferentes metodologias.

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nos grupos de rendas fi xas – incluindo autônomos, pequenos empresários, apo-sentados e pensionistas –, o que tende a se manifestar em três diferentes etapas, conforme resumido aqui.

1. Inicialmente, os aumentos de impostos – ou de juros ou da taxa de câm-bio –, provocarão aumentos de custos e de preços, com os assalariados enfrentando perda de poder de compra entre dois reajustes. A infl ação faz o acerto redistributivo.

2. Os trabalhadores poderão recompor suas rendas periodicamente – anual-mente, por exemplo –, mas sempre estarão perdendo rendas reais no inter-regno entre dois reajustes. A equivalência de valores (em proporção ao PIB) entre ganhadores de rendas (no caso, o governo) e perdedores de rendas fi ca garantida pelo mecanismo da infl ação, mas isto requer que esta permaneça indefi nidamente num patamar de equilíbrio das rendas.

3. A redução da demanda, a estagnação da economia e o desemprego tendem a forçar os trabalhadores a aceitar perdas defi nitivas de rendas reais – incapacidade de recompor as perdas infl acionárias. Isto signifi ca eliminar a infl ação, consolidando o novo quadro distributivo de rendas, a favor do governo (ou de rentistas, ou de grandes empresas que aumenta-ram seus lucros, ou de exportadores benefi ciados por desvalorizações reais da moeda), e contra o fator trabalho.

Esse foi o desdobramento dos efeitos distributivos na economia brasileira com os aumentos de carga tributária que se seguiram ao Plano Real, como pode ser constatado no quadro 13 e no gráfi co 1.

QUADRO 13PIB – Carga tributária e rendas do trabalho – 1993-2003

AnoCarga tributária/

PIB - % (A)Salários

(B)Rend. autônomos/

PIB-% (C)Salários + rend. autôn./PIB-%

(D=B+C)

1993 25,3 35,9 6,3 42,2

1994 27,9 32,0 5,7 37,7

1995 28,4 29,6 5,9 35,5

1996 28,6 28,8 5,7 34,5

1997 28,6 27,8 5,6 33,4

1998 29,3 28,1 5,6 33,7

1999 31,1 27,4 5,7 33,1

2000 31,6 26,8 5,3 32,1

2001 33,4 26,4 5,0 31,4

2002 34,9 26,1 4,6 30,7

2003 34,0 25,8 4,4 30,2

Fonte: Sistemas de Contas Nacionais/IBGE, 1990-1995 e 1995-1999, 2000-2002 e 2003.

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GRÁFICO 1Carga tributária e salários + rendas de autônomos (% do PIB) – 1993 a 2003.

Fonte: Sistemas de Contas Nacionais/IBGE, 1990-1995 e 1995-1999, 2000-2002 e 2003.

À mesma medida que a carga tributária ampliava sua participação no PIB pós-1993, a relação salários-PIB recuava, tendo passado de 35,9% do PIB, em 1993 para apenas 27,4% em 2003.

Observa-se, por outra parte, que na mesma proporção em que a carga tri-butária crescia, as rendas de autônomos (renda mista de capital e trabalho) caíam – na mesma intensidade da queda dos salários. Isto revela que o enfraquecimento do poder de compra das rendas salariais, ao refl etir no dinamismo do mercado, fragiliza também aqueles que desempenham atividades como autônomos, que se tornam incapazes de recompor seus ganhos reais por meio de repasses de aumen-tos de custos para os preços.

Em síntese, observou-se um aumento da carga tributária em montante equi-valente a onze p.p. do PIB, de um lado, e, de outro, um recuo da somatória salários-rendas de autônomos da ordem de doze p.p. do PIB entre 1993 e 2003 – de 42,2% para 30,2%.

Seria inevitável daí que desarranjos estruturais de tal magnitude na economia brasileira refl etissem sobre o nível de atividades, dado o enfraquecimento da de-manda, comprometida pelas perdas das rendas das famílias, afetando a componen-te mais importante, mais estável, e, portanto, mais dinâmica das fontes de deman-da que condicionam o nível da produção na economia e as decisões de investir.

6 CONCLUSÕES

Importante, vital, é o aperfeiçoamento dos instrumentos de preservação do meio ambiente, única alternativa ao comprometimento de recursos naturais es-senciais ao homem. Mas não se pode desconsiderar a importância das estruturas

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que presidem o funcionamento do sistema econômico. Mesmo porque, nor-malmente, tais estruturas são amoldadas pelo sistema político ou condicionadas pelo poder que emerge de sistemas de alianças políticas que dão sustentação à estrutura de poder.

Se as alianças políticas são sufi cientemente amplas para comportar a parti-cipação dos diferentes segmentos da sociedade, e inclusive de representações da classe trabalhadora, há a esperança de que o sistema de poder não concentre seus objetivos em torno dos interesses de segmentos restritos da sociedade que detêm o controle dos meios de produção e a intermediação fi nanceira.

Ao mesmo tempo, o sistema político baliza o funcionamento do sistema econômico, por meio da regulação, determinando a forma de apropriação da renda gerada no processo produtivo, o controle do processo de acumulação, e condicionando assim os padrões de consumo e de bem-estar. E é da harmonia no funcionamento das peças constituídas pelo complexo produção/distribui-ção/consumo que se pode garantir aos homens meios de sobrevivência material, e, à sociedade, componentes que preservem a harmonia da vida social e a esta-bilidade das instituições.

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APÊNDICES

APÊNDICE 1Utilização de Terras – Lavoura – 1996 e 2006 (Em 1 mil ha)

Ano/espécie Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

1996- Permanente 7.541,6 727,8 2.649,5 3.270,5 646,9 246,8- Temporária 58.922,9 5.742,5 20.411,1 9.693,1 13.464,2 9.612,0

- Total 66.464,5 6.470,3 23.060,6 12.963,6 14.111,1 9.858,82006

- Permanente 18.805,6 3.690,6 5.236,7 5.652,3 2.541,0 1.684,9- Temporária 57.891,7 3.716,2 16,978,0 10.244,0 15.772,6 11.181,0

- Total 76.697,3 7.406,8 22.214,7 15.896,7 18.313,6 12.865,9Aumento

-1000 ha 10.232,8 936,5 845,9 2.932,7 4.202,5 3.007,1-Percentual 15,4 14,5 3,7 22,6 29,8 30,5

Fonte: Censo Agropecuário/IBGE.

APÊNDICE 2Agropecuária – Utilização de terras – 1996 e 2006 (Em1 mil ha)

Espécie/ano Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

I – Lavoura1996 66.464,5 6.470,3 23.060,6 12.963,6 14.111,1 9.858,82006 76.697,3 7.406,8 22.214,7 15.896,7 18.313,6 12.865,9

Var.-1000 ha 10.232,8 936,5 (-)845,9 2.932,7 4.202,5 3.007,1- ( % ) 15,4 14,5 (3,7) 22,6 29,8 30,5

II – Pecuária1996 177.700,4 24.386,6 32.076,3 37.777,0 20.696,6 62.763,92006 172.333,0 32.630,5 32.648,5 32.071,5 18.145,6 56.836,9

Var.-1000 ha (-)5.367,4 8.243,9 572,2 (-)5.705,5 (-)2.551,0 (-)5.927,0- (%) (3,0) 33,8 1,7 (15,1) (12,3) (9,4)Fonte: Censo Agropecuário/IBGE.

APÊNDICE 3Transformação do PIB em valores de dezembro de 2007

AnoPIB - R$ bilhões (valores

correntes)Produto real índice PIB-R$ bilhões de 2007

PIB - R$ bilhões de dez. de 2007

Taxa de câmbio R$/US$

1994 349,2 69,4 1.775,8 1.841,6 0,841998 979,3 76,5 1.957,5 2.030,0 1,212002 1.477,8 83,1 2.126,4 2.205,1 3,532006 2.322,8 94,9 2.428,3 2.518,2 2,142007 2.558,9 100,0 2.558,9 2.653,6 1,77

Fontes: Banco Central: Boletim Mensal (fevereiro 1997, 2000, 2003, 2008); FGV (2008).Obs.: 1 PIB de 2007 a preços de dezembro de 2007 = (PIB de 2007)x(1,037). Correção de preços entre média de 2007 e

dezembro de 2007 em 3,7%. 2 Calculado o valor do PIB ano a ano em valores de dezembro de 2007, a partir do PIB de 2007 a preços de dezembro

de 2007 e do índice do produto real. 3 Taxa de câmbio de compra no fi nal do período.

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CAPÍTULO 6

PROTEÇÃO SOCIAL E GERAÇÃO DE OPORTUNIDADESRoberto Cavalcanti de Albuquerque

1 DEMOCRACIA, DIREITOS SOCIAIS, OPORTUNIDADES

A ideia moderna de democracia assenta-se em três princípios fundamentais.

O primeiro é o da soberania popular, pelo qual, já dizia Montesquieu, “o corpo em conjunto tem o poder soberano”.1 A Constituição da República Federativa do Brasil consagra este princípio, já contido na palavra democracia,2 ao estabelecer que “todo poder emana do povo”.3

Para melhor esclarecer esse primeiro princípio, cabe explicitar o que se entende por povo e como o poder é exercido. Em Do espírito das leis (texto de 1748), Montesquieu vê no povo a comunidade política. Para a Constituição brasileira, o poder do povo (“a soberania popular”) pode exercer-se diretamen-te pelo “sufrágio universal e pelo voto secreto, com valor igual para todos”.4 A Constituição e outras leis defi nem como, quando, sobre o quê essa vontade se expressa, importando que seu exercício seja legalmente instituído e pratica-do pelo povo em sua grande maioria.

O segundo princípio, o da representação, origina-se na outorga pelo povo (o eleitorado), mediante processo de escolha regulado (as eleições), de parcela do poder político a “representantes eleitos” para mandatos de duração defi nida. O exercício do poder por estes mandatários deve ser rigorosamente instituciona-lizado, sendo assegurados ao povo os direitos inerentes à cidadania (os direitos políticos). Os autores de O federalista (1787-1788), Alexander Hamilton, Ja-mes Madison e John Jay, chamam este sistema “governo popular” ou “governo republicano”.5 John Stuart Mill denomina-o “governo representativo” e o consi-dera, “idealmente, a melhor forma de governar” (MILL, 1952, p. 341).

1. “Lorsque, dans la république, le peuple en corps a la souveraine puissance, c’est une démocratie”. (MONTESQUIEU, 1995, parte I, livro II, capítulo 2, p. 39).

2. Em grego democratía, de demos, povo + kratía, poder (governo do povo).

3. Artigo 1o, parágrafo único (trata-se aqui, evidentemente, do poder político). Cf. BRASIL (1988).

4. Artigo 14, caput. Cf. BRASIL (1988).

5. Ver Hamilton, Madison, Jay (1952): n. 10 (Madison), p. 51; n. 9 (Hamilton), p. 48. Note-se que os autores de O federalista esposaram o governo representativo entre outras razões pelo temor à “doença mortal” (mortal desease) da democracia: a violência de um partido majoritário (violence of faction), levando a decisões injustas e que desrespeitam os direitos do partido minoritário. Cf. Hamilton, Madison, Jay, 1952, n. 10 (Madison), p. 49.

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Pelo terceiro princípio da democracia moderna, o poder político, sobre ser exercido direta ou indiretamente pelo povo, deve ser empregado em seu benefí-cio. Este postulado foi enunciado por Péricles no século V a.C. quando afi rmou que Atenas era uma democracia porque seu governo benefi ciava os muitos e não os poucos.6 Uma democracia direta, a ateniense, é certo, mas na qual o povo era constituído apenas pelos homens com mais de 20 anos – excluídos as mulheres, os escravos, os estrangeiros. Um povo integrado por algo como 30 mil cidadãos, 12% entre os 250 mil habitantes da Ática daquele tempo.7

No século XVIII, um mínimo de sufi ciência econômica pareceu condição essencial ao exercício do voto. Hamilton afi rma que “um poder sobre a subsistên-cia de um homem equivale a um poder sobre sua vontade”.8 E Immanuel Kant (1952) considerou que o voto “pressupõe a independência ou autossufi ciência do indivíduo”.9 Por isto a propriedade tornou-se qualifi cação necessária ao voto, que continuou a ser negado aos escravos e às mulheres, considerados “cidadãos passivos” por oposição aos “cidadãos ativos”.10

O pensamento político evoluiu no século XIX para considerar que a demo-cracia deve realizar-se também em termos econômicos e sociais – de modo a evitar que abrigasse, ou mesmo viesse a estimular, desigualdades e injustiças, assim im-pedindo ou viciando a liberdade política.11 Para Mill (1952) a liberdade e a igual-dade signifi cam – de modo diverso do que pensaram os antigos e os republicanos do século XVIII – liberdade e igualdade para todos os homens: sob o império da lei e independentemente de berço, título ou fortuna. “Não deve haver párias em uma nação civilizada e madura”, diz ele, antecipando-se aos direitos sociais contemporâneos. “Nem pessoas desqualifi cadas, salvo por sua própria culpa”.12

6. Disse Péricles na famosa oração fúnebre em homenagem aos atenienses mortos na Guerra do Peloponeso, tal como reconstituída pelo contemporâneo Tucídides: “Nossa constituição não copia as leis dos estados vizinhos; somos na verdade um modelo para os outros e não seus imitadores. O governo [de Atenas] favorece os muitos e não os poucos: por isso é uma democracia. Nas disputas entre particulares, justiça igual é assegurada, de acordo com as leis. O prestígio na vida pública decorre da reputação obtida pela capacidade, não se tolerando que privilégios de classe interfi ram nos julgamentos de mérito. E se alguém estiver apto a servir ao governo, será por suas virtudes, nem a pobreza nem a obscuridade tornando-se a tanto obstáculo”. Tradução livre do autor. Cf. Tucídides (1952, livro 2, p. 396).

7. Dados estimados. Sobre o assunto, ver Hignett (1967).

8. Hamilton, Madison, Jay (1952, n. 79 [Hamilton], p. 233).

9. Kant (1952, p. 436 [Doutrina, p. 153)].

10. Essa distinção é feita por Kant, que admite que possa a expressão “cidadão passivo” parecer paradoxal – além de corresponder a uma cidadania de segunda classe. Cf. Kant (1952, p. 437 [Doutrina... p. 153-154)]. Note-se que a Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Embora considerada “moderna” pelos padrões de seu tempo, adotou eleições indiretas para a escolha, pelos chamados “cidadãos ativos”, de deputados, senadores e membros dos conselhos gerais das províncias – excluindo do voto os menores de 25 anos, os que não tinham renda mensal superior a certo valor, além das mulheres, escravos, libertos e “criados servir” (artigos 90-94).

11. Cf. Adler e Gorman (1952, v. 1).

12. Mill, 1952, p. 382.

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Foi sob os signos da liberdade e da igualdade que as democracias mais avançadas e estáveis superaram, ao longo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, barreiras à inclusão política e social, tais como credo, raça, patrimônio, gênero.13

Nesse caldo de cultura prosperou o socialismo, radicalizado pela postura re-volucionária de Karl Marx, de extremado igualitarismo, traduzido no conhecido lema “de cada um segundo sua capacidade a cada um segundo suas necessidades”.14

Como desdobramento dessa evolução conceitual, passou-se a postular do Estado um sistema de ensino tão universal quanto o direito do voto, além de capaz de assegurar um padrão mínimo de escolaridade a todos. Na visão ilustrada de então, somente a “educação liberal” – liberal porque voltada para formar o bom julgamento e a consciência crítica, ou seja, a inteligência do homem livre – é capaz de capacitar o indivíduo ao exercício da cidadania,15 sendo necessário que o Estado se habilite para prover a todos igualdade de oportunidades educacionais (MILL, 1952, p. 338).

Esse terceiro princípio da democracia moderna não está explícito na vintaneira Constituição brasileira vigente.16 Esta, porém, atende-o amplamente no correr de seu generoso texto – tão generoso nos fi ns que comina quanto desatento em prover os meios para alcançá-los. Atende-o tanto assegurando rede de proteção social quan-to ampliando as oportunidades de inserção econômica e inclusão social – até mesmo por sobre as barreiras, ainda resistentes, do gênero, da cor, da pobreza.17

Essa dimensão econômico-social da democracia é tratada logo no artigo 3o da Carta Magna, que estabelece como objetivos fundamentais da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a mar-ginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, bem como “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

13. Note-se que a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, considera eleitores apenas os cidadãos do sexo masculino maiores de 21 anos, excluídos os mendigos, os analfabetos (dois terços da população), “as praças de pré” e os religiosos sujeitos a voto de obediência. Estas exclusões foram mantidas no texto constitucional emendado em 1926. Cf. Almeida (1954,, p. 137, art. 70; p. 201-202, art. 70).

14. Marx (1875, I, 3). Esse lema é a expressão acabada da ideologia igualitária, de inspiração judaico-cristã, que fl oresce há mais de dois mil anos e remonta a Samuel, o primeiro dos profetas (circa 1095 a.C.). Seu arauto, entre os apóstolos, foi Lucas: “Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um.” (Cf. BIBLIA SAGRADA, 1985, Atos dos apóstolos, 2: 44; 4: 34-35). Ver ainda Benoist (1978).

15. Cf. Adler e Gorman (1952, v. 1).

16. Poderia ter sido incluído – houve proposta nesse sentido – no parágrafo único do artigo 1o, convertido, por tecnicamente recomendável, no artigo 2o da Constituição, com a seguinte redação: “Todo o poder político emana do povo e será exercido em seu benefício”.

17. Sobre gênero, lembre-se que o voto feminino no Brasil foi instituído por Getúlio Vargas, em 1932, apenas para as mulheres casadas (com autorização do marido) e viúvas ou solteiras com renda própria. Estas restrições foram abandonadas no Código Eleitoral de 1934.

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outras formas de discriminação”. No artigo 170, ao fundar a ordem econômica na “valorização do trabalho humano”, dá-lhe por fi nalidade “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, e elege a “busca do pleno emprego” como um dos princípios a ser por ela observado.18

No que respeita à educação, considera-a “direito de todos e dever do Estado e da família”, além de assegurar “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, “gratuidade do ensino público” e “garantia de padrão de qualidade”.19

Note-se ainda que a Constituição também afi rma ser a saúde “direito de todos e dever do Estado” (artigo 196) e consagra o objetivo de “universalidade da cobertura e do atendimento” da seguridade social, nela incluídas a própria saúde, a previdência e a assistência social.20

A discussão da fi losofi a política contemporânea sobre democracia, direitos sociais e oportunidade enfatiza o exame de sua legitimidade e permanência na sociedade “pós-metafísica”, que rejeita o direito natural e vivência profunda cri-se da razão. O advento em governos populares, republicanos e representativos do nazismo, fascismo e outras formas de autoritarismo demonstrara o quanto equivocadas podem ser as escolhas eleitorais e os acordos políticos, e quão frá-geis são as democracias.

Dois destacados pensadores, John Rawls e Jürgen Habermas, têm se dedica-do, isoladamente ou em parceria, a esse tema.21 Suas ideias convergem. Para eles, o direito e a justiça fundamentam-se na autonomia moral dos cidadãos, nascem da cooperação e interação entre eles, e estabilizam-se em clima de liberdade e igualdade em que o uso da razão se orienta para o bem público. Esta autono-mia moral gera-se e nutre-se no seio do próprio processo político democrático. Cidadãos autônomos, agindo coletivamente, tornam-se intersubjetivamente res-ponsáveis pelos princípios e normas a que eles, individualmente, submetem-se. Devem movê-los a visão de seu próprio bem (do que é bom para eles) e o senti-mento de justiça (sendo diferente do bom, o justo deve ser prioritário).

Para fortalecer as democracias não basta a vigência plena do Estado de direi-to. Uma cultura política democrática e uma sociedade civil ativa e emancipada do Estado são igualmente necessárias. Elas são o espaço público da justifi cação que valida e legitima a moral, as leis e a justiça.

18. BRASIL, 1988, artigo 3o, itens I, III e IV; artigo 170, caput e item VIII.

19. BRASIL, 1988, artigos 205 e 206, itens I, IV e VII.

20. BRASIL, 1988, artigo 194, caput e parágrafo único, item I.

21. Ver Rawls e Habermas. Para resenha do debate entre Rawls e Habermas sobre o assunto, ver Audard (2005).

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Rawls e Habermas não veem na democracia mero governo popular, republi-cano ou representativo. Veem-na como proposta de vida ética visando à realização do potencial de cada um em clima de dignidade e segurança. A Constituição deve ser projeto, expressando os fi ns políticos de um Estado de direito radicalizado pela democracia. A comunidade de princípios que assim se forma não se baseia em identidade compartilhada, mas na diversidade e pluralidade de modos de ser, de ver, de sentir e de pensar que fl orescem com a liberdade. As liberdades fun-damentais devem ser vistas em seu conjunto, colocando num mesmo plano os direitos políticos, os direitos civis e os direitos sociais.

2 OS TRÊS PRINCÍPIOS DA DEMOCRACIA NO BRASIL

A instituição e a prática da democracia progrediram muito no Brasil durante o século XX, a despeito de dois longos períodos de governo autoritário: o “Estado Novo” de Vargas (1937-1945) e o regime militar de Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo (1964-1985). Avançou, porém, de forma de-sigual, no que respeita à efetividade dos três princípios anteriormente analisados.

Atende-se hoje muito bem no país ao primeiro dos princípios democráticos: o corpo eleitoral (o povo) tornou-se amplamente inclusivo, com pleitos limpos ocorrendo regularmente, assegurado o sufrágio universal e o voto livre; os direi-tos civis vêm sendo garantidos; e ampliaram-se as formas do uso que a opinião pública faz da razão tanto para exercitar suas escolhas políticas quanto para se manifestar sobre as grandes questões nacionais.

Note-se, em particular, no que respeita à participação no processo eleitoral, a importante evolução ocorrida de meados do século passado a esta parte, tal como apresentada na tabela 1 e no gráfi co 1.

Nas primeiras eleições pós-redemocratização – ocorridas em 1945, quando Eurico Gaspar Dutra foi escolhido presidente –, o eleitorado, de 7,5 milhões, correspondia a apenas 16,1% da população.22 Estes números elevaram-se siste-maticamente ao longo dos anos, alcançando, em 2008, 130,5 milhões e 70,9%.23 No período, o crescimento médio anual do eleitorado foi 4,6%, mais do dobro daquele alcançado pela população (2,2%).

22. Note-se que não tinham então direito a voto os analfabetos e os menores de 18 e maiores de 16 anos.

23. Com o direito de voto assegurado aos analfabetos e maiores de 16 anos. Em julho de 2008, eleitorado de 130,5 milhões correspondia a 98,9% da população com mais de 16 anos (132 milhões); 2,9 milhões (2,2% dos eleitores) tinham menos de 18 anos e 28,5 milhões (21,8%) eram analfabetos ou apenas sabiam ler e escrever. Fontes: Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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TABELA 1 Eleitorado e população – 1945-2008 (anos selecionados)

AnosEleitorado (mil) População (mil) (A) / (B) Variação média anual (%)

(A) (B) % (A) (B)

1945 7.460 46.215 16,1 ... ...

1950 11.455 51.456 22,3 9,0 2,2

1960 15.543 70.191 22,1 3,1 3,2

1989 82.074 142.306 57,7 5,9 2,5

2000 109.877 169.873 64,7 2,7 1,6

2008 130.469 186.195 70,9 2,2 1,2

Fontes: IBGE (www.ibge.gov.br); e TSE (www.tse.gov.br).

GRÁFICO 1Brasil: participação do eleitorado na população – 1945-2008

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

Quanto ao segundo princípio, o da representação, pode-se dizer que o “Estado Democrático de Direito”, pelo qual, nos termos da Constituição, a República Federativa do Brasil se constitui,24 atende-o razoavelmente bem, seja na própria Constituição, seja na legislação político-eleitoral subsequente. Apenas razoavelmente bem porque se pode questionar o caráter plebiscitário das eleições majoritárias (para presidente, senadores, governadores, prefeitos); a essencialida-de do critério da maioria absoluta, o qual é aplicável às escolhas do presidente, governadores e prefeitos dos maiores municípios (segundo o tamanho da popu-lação), mas não às menores comunas. Como também se pode argumentar que se falseia o voto ao se valer, nas eleições proporcionais (deputados, vereadores), do quociente eleitoral por partidos políticos quase sempre desprovidos de legitimi-dade e sem quaisquer compromissos programáticos. Ou reclamar a ausência ou a insufi ciência de mecanismos de acompanhamento e controle, pelo eleitorado, daqueles que exercem, em seu nome, poderes públicos.

24. Ver artigo 1o, caput.

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São essas, entre outras questões, que a reforma política (eleitoral, dos par-tidos) bem conduzida poderá certamente remediar, assim contribuindo para o aperfeiçoamento, no país, do governo representativo.

Mais grave, e de maior impacto sobre o funcionamento da democracia, é a constatação de que o Brasil ainda está longe de cumprir a missão, que se autoim-pôs constitucionalmente, de garantir a todos (ou à grande maioria) os benefícios do terceiro princípio da democracia.

Para tanto, será preciso avançar além do apenas político, estendendo aos necessitados a proteção social assegurada constitucional e legalmente, bem como a rede de serviços em saúde e educação, e os benefícios – relevantes, mas em sua natureza, transitórios – de iniciativas como o Programa Bolsa Família.25 E asse-gurando a todos, efetivamente, oportunidades de inserção econômica e inclusão social mínimas – em especial pelo acesso à educação de qualidade e a emprego gerador de renda sufi ciente –, contrapartes necessárias à fruição das liberdades e ao próprio exercício da cidadania, já formalmente contemplados pela Constitui-ção e demais leis do país.

O projeto democrático brasileiro depende crucialmente desse avanço. Sen-do a esse propósito mais do que oportuno lembrar os limites que Montesquieu sabiamente estabeleceu: “A democracia tem dois excessos a evitar: o espírito de desigualdade, que a leva ao governo de um só; e o espírito de igualdade extrema, que a conduz ao despotismo de um só” (Montesquieu, 1995, parte 1, livro VIII, capítulo 2, p. 150).

3 CRESCIMENTO ECONÔMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Há boa evidência empírica das inter-relações entre crescimento econômico e desenvolvimento social no Brasil.

Tome-se, por exemplo a tabela 2. Comparam-se nela as variações médias anuais do Produto Interno Bruto (PIB), do PIB per capita e do Índice de Desen-volvimento Social (IDS), e seus componentes no período 1970-2006 e subperío-dos 1970-1980, 1980-2000 e 2000-2006.26 No primeiro subperíodo, de elevado crescimento do PIB (8,6% ao ano) e do PIB per capita (5,9%), o IDS cresceu 4,0% anuais. No subperíodo seguinte, de baixo crescimento do PIB (1,8% anuais) e do PIB per capita (0,3% ao ano), foi medíocre o desempenho do IDS (1,2% ao ano).

25. Essas ações e programas tornam-se plausíveis e aceitáveis a partir do “princípio da diferença” de Rawls, segundo o qual “as únicas desigualdades justifi cadas são aquelas que benefi ciam os mais fracos do ponto de vista social”. Esta “fraqueza” é avaliada por cada cidadão se supondo no lugar do outro e julgando justo remediá-la de um ponto de vista imparcial (Cf. Rawls, 1999, p. 53-67).

26. O IDS é um indicador sintético de desenvolvimento social integrado por cinco componentes e 12 variáveis (relacionadas na tabela 2 e respectivas notas). Cf., para a metodologia de sua construção, Albuquerque, 2008b.

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Aferidos os coefi cientes de correlação, R, entre o PIB e o IDS e entre o PIB per capita e o IDS, verifi ca-se que eles têm sido sempre superiores a 0,800.27

TABELA 2 PIB, PIB per capita, IDS e componentes – 1970-2006

DiscriminaçãoVariação média anual (%)

1970-1980 1980-2000 2000-2006 1970-2006PIB 8,63 1,76 2,95 3,99PIB per capita 5,93 0,29 1,77 2,07IDS 3,99 1,19 2,00 2,10Componentes do IDSSaúde1 4,22 1,97 1,61 2,53Educação2 3,98 2,17 1,52 2,56Trabalho3 3,52 -0,58 5,28 1,51Rendimento4 2,83 -0,02 1,00 0,93Habitação5 5,90 2,27 1,08 3,06

Fonte: Albuquerque, 2008b.

Notas: 1 Expectativa de vida e taxa de sobrevivência infantil (1 menos taxa de mortalidade infantil).

2 Taxa de alfabetização e média de anos de estudo.

3 taxa de atividade e taxa de ocupação.

4 Pib per capita e coefi ciente de igualdade (1 menos coefi ciente de gini).

5 Disponibilidade domiciliar de água, energia, geladeira e televisão.

Observe-se ainda que, em confronto ao período como um todo (1970-2006), o crescimento do PIB da década de 1970 foi 2,2 vezes maior, o do PIB per capita, 2,9 vezes, e o do IDS, 1,9 vez. Para 1980-2000, estas mesmas relações foram, respectivamente, 0,44, 014 e 0,57. Os dados confi rmam as correlações re-feridas anteriormente, mas permitem especular se a alegada pouca ênfase conferi-da nos anos 1970 às políticas sociais teria resultado em crescimento relativamente menor do IDS em relação ao PIB e ao PIB per capita. E se a prioridade maior supostamente conferida às políticas sociais nos anos 1980-2000 teria determina-do crescimento relativamente maior do IDS.28

Nos primeiros seis anos deste século, a recuperação do crescimento da eco-nomia (crescimento do PIB em quase 3,0% ao ano e do PIB per capita em 1,8%) refl etiu-se em crescimento do IDS de 2,0%, equivalente a 95% daquele obser-vado para o mesmo índice em 1970-2006: de novo relativamente mais expres-sivo do que o do PIB, que cresceu 74%, e do PIB per capita, que cresceu 85%. O gráfi co 2 ilustra estas relações.

27. Cf. Albuquerque (2008a e 2008b).

28. Resta saber qual a situação melhor: aquela em que o desenvolvimento social avança mais rapidamente embora em ritmo inferior ao do PIB, ou aquela outra em que o avanço social, embora muito mais lento, supera o do PIB.

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GRÁFICO 2 Crescimento do PIB, PIB per capita e IDS, 1970-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

Todos os componentes do IDS tiveram melhor desempenho relativo em 1970-1980 do que em 1980-2000, com destaque para trabalho (atividade e ocu-pação), rendimento (PIB per capita e coefi ciente de igualdade) e habitação. É de mencionar a expressiva expansão ocorrida no componente trabalho em 2000-2006 em relação à involução de 1980-2000 (tabela 2 e gráfi co 3).

GRÁFICO 3Crescimento dos componentes do IDS, 1970-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

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4 PROTEÇÃO SOCIAL

Criado em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MSD) comanda no Brasil a formulação e a execução das políticas públicas de assistência social, segurança alimentar e transferência de renda às famílias em si-tuação de pobreza. Tece densa rede de proteção social à população carente, inte-grando a União, os estados e os municípios, além de organizações da sociedade.29

4.1 Assistência social e segurança alimentar

A assistência social vem sendo prestada, desde 2003, pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas), que integra o MSD.

Sua principal missão é administrar, de modo descentralizado e participativo, o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC). Este consiste no pagamen-to de um salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos ou mais e a pessoas com defi ciência incapacitadora para o trabalho e a vida independente – nos dois casos, as respectivas rendas familiares per capita devem ser inferiores a um quarto do salário mínimo).30 Outros programas assistenciais incluem a atenção à criança, ao idoso, à família, aos jovens desprotegidos, bem como à população de rua.

Ao longo dos últimos anos, ampliaram-se muito tanto a população benefi -ciada quanto os dispêndios desses programas. Estima-se em 14,2 milhões o nú-mero dos benefi ciários em 2008, com 42,5% deles no Nordeste e 27,7%, no Sudeste (tabela 3). Os dispêndios em 2008 estão estimados em R$ 16,3 bilhões, sendo 36,5% deste montante gastos no Nordeste e 34,7% no Sudeste. O gráfi co 4 ilustra estes dados para as cinco regiões brasileiras.

TABELA 3Brasil e regiões: assistência social e segurança alimentar – 2008

Discriminação

Assistência social Segurança alimentar Total Dispêndios totais per capita/anoBenefi ciários Dispêndios Benefi ciários Dispêndios Benefi ciários Dispêndios

(mil) (R$ milhões) (mil) (R$ milhões) (mil) (R$ milhões) R$

Brasil 14.247 16.305 13.990 1.336 28.237 17.641 625

Norte 1.497 1.525 415 58 1.912 1.583 828

Nordeste 6.052 5.959 7.357 818 13.409 6.777 505

Sudeste 3.951 5.664 2.558 294 6.509 5.958 915

Sul 1.647 1.728 2.540 122 4.187 1.851 442

Centro-Oeste 1.100 1.430 1.120 43 2.220 1.473 663

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

29. A assistência social como missão governamental foi inaugurada no país em 1937 com o Conselho Nacional do Serviço Social, seguido pela criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA). O Ministério da Previdência e Assistência Social foi instituído em 1977. Antecessor do MDS, o Ministério do Bem-Estar Social foi criado em 1989 após a Constituição de 1988 haver estabelecido que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” (artigo 203, caput. Cf. BRASIL, 1988).

30. O BPC é, portanto, um mecanismo público de transferência de renda.

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GRÁFICO 4Regiões: assistência social, 2008

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

Os programas de segurança alimentar e nutricional também são regidos pelo MDS, que faz, assim, jus à expressão “combate à fome”, que compõe seu nome.31 Sua ação mais importante é a de distribuição de cestas de alimentos. Outras iniciati-vas incluem compras diretas e locais de alimentos, banco de alimentos, restaurantes populares (nas maiores cidades) e educação alimentar e nutricional.

O número estimado de benefi ciários (2008) desses programas também é expressivo: 14,0 milhões, sendo 52,6% deles do Nordeste e 18,3%, do Sudeste. Os recursos projetados para gasto em 2008 chegam a R$ 1,3 bilhão, sendo 61,3% despendidos no Nordeste, e 22,0%, no Sudeste.

Juntos, os programas de assistência social e de segurança alimentar benefi -ciaram, no ano de 2008, 28,2 milhões de pessoas, equivalentes a 15% da popu-lação brasileira. O Nordeste, com 13,4 milhões de benefi ciários, responde por 47,5% do total do país e cerca de 26% da população regional. Note-se que a dis-tribuição regional dos benefi ciários está alta e positivamente correlacionada com a da pobreza (coefi ciente de correlação, R, 0,975, e coefi ciente de determinação, R2, igual a 0,950). Dos dispêndios projetados para 2008, no valor de R$ 17,6 bilhões, 38,4% destinam-se ao Nordeste, e 33,8%, ao Sudeste.

Os dispêndios per capita ao ano equivalem a R$ 625,00 para o país, sendo R$ 505,00 no caso do Nordeste, R$ 442,00 no Sul, R$ 915,00 no Sudeste, e R$ 828,00 no Norte.

31. Na verdade, a expressão lembra o Programa Fome Zero, hoje uma caixa vazia. O linguajar do MSD alude ao “conjunto de estratégias Fome Zero” no intento de conferir permanência a essa inegável ideia-força.

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4.2 O Programa Bolsa Família: saída para os pobres?

O Programa Bolsa Família foi criado em outubro 2003 e formalizado pela Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Ao longo deste último ano, todo um elenco de programas federais de transferências de renda em curso no Brasil foi sendo por ele incorporado, ao tempo em que se ampliava com grande rapidez sua abrangência nacional.

Em setembro do ano de 2004, o IBGE, utilizando-se da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), investigou o acesso dos domicílios de todo país a quaisquer programas contemplando transferências públicas de renda mo-netária – fossem federais, estaduais ou municipais –, surpreendendo o Programa Bolsa Família em seu momento de maior e por vezes desordenada expansão.

Os resultados desse inquérito confi rmaram o grande avanço, convencendo a muitos que a vez dos pobres chegara, afi nal, no Brasil. Eles evidenciaram, con-tudo, algumas distorções.

Segundo o IBGE, naquele mesmo mês e ano, 8.059,6 mil domicílios parti-culares brasileiros, ou seja, 15,6% do total deles, recebiam dinheiro de programa social de governo, benefi ciando cerca de 38,7 milhões de pessoas.

As transferências de renda alcançavam 50,3% do total dos domicílios par-ticulares do país com rendimento mensal domiciliar per capita até um quarto do salário mínimo (R$ 65,00), sendo, portanto, reconhecidamente pobres.32 Bene-fi ciava cerca de 9,6 milhões de pessoas, distribuídas por 2.006,2 mil domicílios – isto é, 25,3% dos atendidos que haviam declarado suas rendas.33 Como nos rendimentos destes domicílios estavam incluídas estas transferências públicas de renda, de quaisquer fontes, a conclusão é de que nenhum deles havia logrado, com estes recursos, superar a condição de pobres.

Estavam ademais sendo favorecidos 37,8% dos domicílios com rendimento de mais de um quarto até um meio do salário mínimo (R$ 130,00), somando 3.004,8 mil domicílios e algo como 14,4 milhões de pessoas. Esta classe de ren-dimento afi gurava-se ambígua. De uma parte, deveria conter muitos domicílios que, a despeito das transferências públicas de renda recebidas, continuavam po-bres pelos critérios do Programa Bolsa Família. De outra parte, deveria incluir nú-mero menor de domicílios que haviam superado a linha de pobreza então adotada pelo programa (R$ 100,00) graças ao dinheiro percebido.

32. Note-se que o público-alvo do Programa Bolsa Família era, então, constituído pelas famílias com rendimento mensal per capita de até R$ 100,00 – este valor, tido como a linha de pobreza do programa, é hoje R$ 120,00. Em setembro de 2004, o salário mínimo era R$260,00.

33. Não declararam seus rendimentos 122,3 mil domicílios favorecidos (1,52% do total de 8.059,6 mil domicílios benefi ciados). Ver IBGE, 2006, Tabela 2.1.1, p. 70.

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Numa terceira classe de domicílios, os com rendimento per capita de mais de um meio salário mínimo, estavam sendo benefi ciados mais 2.926,3 mil domi-cílios (cerca de 14,0 milhões de pessoas), correspondentes a 36,9% dos atendidos e com declaração de rendimento. Mais um segmento heterogêneo: provavelmente com parcela, menor, de domicílios que haviam superado (em mais de R$ 30,00) a linha de pobreza do Programa Bolsa Família em virtude de transferências de renda; e outra parcela, maior, de domicílios não pobres, cuja renda domiciliar per capita superava R$ 130,00 antes de quaisquer transferências.

A despeito desses números tão expressivos (7.937,3 mil domicílios com de-claração de rendimento e 38,2 milhões de pessoas atendidos), 1.898,0 mil do-micílios reconhecidamente pobres, isto é, com rendimento domiciliar per capita até um quarto do salário mínimo ainda não haviam sido assistidos por nenhum dos programas de transferência de renda. Encontravam-se também desatendidos 62,8% (4.952,7 mil) dos domicílios com mais de um quarto até um meio salá-rio mínimo, entre os quais uma grande parcela devia ser constituída de pobres. Nestas duas classes de baixos rendimentos, o número de domicílios desatendidos, 6.850,7 mil, superava o total dos domicílios atendidos (5.011,0 mil).

Não restavam dúvidas, portanto, que, em 2004, de um lado, havia ampla margem para melhor focalização, nos pobres, das ações públicas antipobreza ca-racterizadas por transferências públicas de renda. Prevalecia, de outro lado, a prá-tica de transferências de renda insufi cientes para permitir que se alcançasse o nível de rendimento que, pelos critérios Programa Bolsa Família, separava os pobres (o público-alvo do programa) dos não-pobres.

Desde então, o Bolsa Família cresceu muito. Aperfeiçoou seus cadastros, depurando-os sempre que possível. E consolidou-se como programa de trans-ferência de renda de grande dimensão, responsável, em parte, pela considerável melhoria ocorrida no perfi l da distribuição de renda do país nos últimos anos e nos níveis de rendimento da população mais pobre do país.

A tabela 4 apresenta os dados recentes (relativos a maio de 2008) dos bene-fi ciados pelo Programa Bolsa Família.

TABELA 4 Brasil e regiões: o Programa Bolsa Família em 2008

DiscriminaçãoFamílias (mil) População benefi ciada1 Pobres2 (A) / (B)

Cadastradas Benefi ciadas (mil) (A) Brasil=100 (mil) (B) (%)Brasil 13.373 11.086 41.712 100,0 41.670 100,1Norte 1.350 1.101 4.700 11,3 4.627 101,6Nordeste 6.618 5.622 22.519 54,0 22.027 102,2Sudeste 3.441 2.846 9.517 22,8 10.019 95,0Sul 1.252 935 3.040 7,3 3.016 100,8Centro-Oeste 712 583 1.936 4,6 1.982 97,7

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Notas: 1 Estimativa do autor feita a partir do número de famílias benefi ciadas. 2 Estimativa do autor com base no conceito de famílias pobres do Programa Bolsa Família.

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No Brasil estão cadastradas 13,4 milhões de famílias, das quais 11,1 mi-lhões estão sendo efetivamente benefi ciadas, equivalentes à população estimada em 41,7 milhões de pessoas (22,5% da população brasileira). No Nordeste, a população assistida, 22,5 milhões, corresponde a 54,0% do total dos benefi cia-dos do país e a 42,9% da população regional. O segundo maior contingente de benefi ciados se encontra no Sudeste, somando 9,5 milhões, correspondentes a 22,8% dos benefi ciados. O gráfi co 5 ilustra a distribuição da população assistida, por regiões.

GRÁFICO 5Bolsa família: população benefi ciada, segundo as regiões, 2008

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

É interessante salientar que o total de famílias benefi ciadas em 2008 (11.086 mil) está muito próximo da estimativa do número das famílias pobres do país adotada pelo Programa Bolsa Família e relativo ao ano de 2004 (11.103 mil): a diferença entre os dois valores é de apenas 17 mil famílias. O fato, deveras curio-so, refl ete-se na virtual identidade entre a estimativa da população benefi ciada pelo Programa Bolsa Família, em 2008, e o número de pessoas pobres (2004) constantes da tabela 4: 41.712 mil e 41.670 mil, respectivamente.34

A tabela 5 apresenta projeção para 2008 das transferências de renda pelo Programa Bolsa Família para o Brasil e regiões.

34. Note-se, ademais, que documento inspirador do Programa Bolsa Família,elaborado pelo Instituto Cidadania e intitulado Projeto Fome Zero: uma política de segurança alimentar, estima em 44 milhões a “pobreza extrema” no Brasil em 1999.

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TABELA 5 Programa Bolsa Família: transferências de renda – 2008 (projeção)

DiscriminaçãoTransferências anuais

Transferências totais (Brasil=100)Totais

(R$ milhões)Por família (R$) Per capita (R$)

Brasil 10.307,6 930 247 100,0

Norte 1.128,3 1.025 240 10,9

Nordeste 5.522,7 982 245 53,6

Sudeste 2.384,8 838 251 23,1

Sul 778,6 833 256 7,6

Centro-Oeste 493,2 846 255 4,8

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Para o país como um todo, esses dispêndios montam a R$ 10,3 bilhões, correspondentes a R$ 930,00 por família/ano, e R$ 247,00, per capita/ano. Vão para o Nordeste 54% destes recursos, 23% para o Sudeste, 11% para o Norte, 7% para o Sul, e 5% para o Centro-Oeste.

Os valores da tabela 5 não incorporam a correção, de cerca de 8%, nas trans-ferências à conta Programa Bolsa Família em vigor desde julho de 2008. Estas fo-ram elevadas, em seu valor mínimo mensal, de R$ 18,00 para R$ 20,00 – caso de família com renda per capita superior a R$ 60,00 e igual ou inferior a R$ 120,00 e com apenas um dependente de 15 anos e menos. E foram corrigidas em seu valor máximo de R$ 172,00 para R$ 182,00 – família com renda per capita igual ou menor do que R$ 60,00 e com pelo menos três dependentes com 15 anos e menos e dois dependentes com mais de 15 e menos de 17 anos.

Algumas observações de natureza mais qualitativa sobre o Programa Bolsa Família se impõem por sua relevância.

A primeira delas diz respeito à sufi ciência, para o atendimento das necessi-dades básicas, das rendas das famílias benefi ciadas, nelas incluídas as transferên-cias à conta do programa. Segundo estudo recente do Instituto Brasileiro de Aná-lises Sociais e Econômicas (Ibase), embora 87% destas famílias tenham declarado que gastam o dinheiro recebido principalmente com alimentação, 55%, delas (ou seja, 6,1 milhões) ainda se encontram em situação de insegurança alimentar: quer moderada (34%, 3,8 milhões), quer grave (21%, cerca de 2,3 milhões).35

A segunda observação diz respeito à focalização do Programa Bolsa Família nos mais pobres. Relembre-se que o inquérito feito em 2004 sobre as transferên-cias públicas de renda revelou um grande número de famílias muito pobres ainda

35. Cf. IBASE (2008), consideram-se em situação de insegurança alimentar moderada as famílias com restrição na quantidade de alimentos; em situação grave, aquelas que têm fome entre adultos ou crianças. Segundo o estudo mencionado, 55% (R$ 200,00) da renda familiar média total (R$ 360,00) das famílias benefi ciadas pelo Programa Bolsa Família são despendidos com alimentação.

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168 Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro

delas excluídas.36 Alguns estudos um pouco mais recentes, porém, veem, já a partir de 2005, focalização elevada,37 indício de que a expansão posterior a 2004 teria remediado grande parte daquela exclusão.

A terceira observação refere-se aos impactos das transferências resultantes na queda da desigualdade de renda. Registre-se, por um lado, que a redução do coefi ciente de Gini (renda domiciliar per capita) de 0,596, em 1998, para 0,566, em 2005, é explicada em 24% pelas transferências públicas de renda.38 E, por outro, que 12% da queda na desigualdade ocorrida entre 2001 e 2005 se devem às transferências operadas pelo Programa Bolsa Família.39

A última e mais importante consideração diz respeito às chamadas condicio-nalidades. Sabe-se que as famílias atendidas se comprometem a cumprir, sob pena de desligamento, certas condições no que respeita à educação e à saúde: manter as crianças e os adolescentes na escola; cumprir os cuidados básicos em saúde (vaci-nação, agendas pré-natal e pós-natal para gestantes e nutrizes). Se, por um lado, o Ministério da Educação está monitorando adequadamente a frequência à escola (e produzindo resultados alentadores), pouco ou nada se sabe com respeito aos cuidados com a saúde de mais de metade das famílias benefi ciadas.

As condicionalidades constituem característica essencial do Programa Bolsa Fa-mília. Além de aliviar a pobreza e reduzir a desigualdade via suplementação de renda, ele visa interromper a transmissão geracional de pobreza tornando os mais jovens ca-pazes de superar, de forma mais autônoma e autossustentada, a condição de pobres.

Esse é objetivo que deve sempre merecer detida atenção. Ninguém, por cer-to, deseja que programas dessa natureza se tornem permanentes, na ampla escala alcançada no país. Uma redução do público-alvo do Programa Bolsa Família em decorrência da superação da pobreza extrema por parcela crescente de seus bene-fi ciários será a melhor prova de seu êxito.

Para ser efetivo, o combate à da pobreza envolve um conjunto articulado e consistente de ações focalizadas cujo objetivo-fi m é capacitar os pobres a obter, es-sencialmente por meio de ocupação produtiva geradora de renda sufi ciente, inser-ção econômica e inclusão social duradouras. Nesse contexto, as transferências de renda devem ser vistas como objetivos-meios – legítimos, mas transitórios. Elas não visam condenar os pobres à inutilidade e à dependência. Visam promover-lhes inserção econômica ativa, além de inclusão socialmente integradora. Disso decorre a importância de condicionalidades que tenham por fulcro tal objetivo.

36. Rocha (2007) insiste nesse ponto.

37. Cf., por exemplo, Barros, Carvalho, Franco (2007).

38. Ver Hoffmann (2007).

39. Cf. Barros, Carvalho, Franco (2007). Segundo os autores, 26% dessa redução na desigualdade de renda se explicam pelas aposentadorias e pensões (INSS), 11% pelos Benefícios de Prestação Continuada (BPCs).

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Entre todas, ressalte-se a educação-qualifi cação que, por ser formadora de capacidade de trabalho efi caz, reveste-se de alta relevância. Esta deveria ser a pri-meira prioridade, podendo ser ampliada de modo que possa contemplar, a par da educação básica de crianças e adolescentes, a educação-qualifi cação supletiva para os adultos jovens, visto que será com maior capacitação produtiva que os mais pobres poderão disputar, com melhores chances, as ocupações geradoras de renda sufi ciente que forem sendo criadas pelo crescimento econômico.

4.3 Proteção social: visão de síntese

A tabela 6 agrega o número de benefi ciários e os valores projetados para os dis-pêndios dos três programas anteriormente examinados: os de assistência social, segurança alimentar e Bolsa Família, compondo síntese da atuação da União na proteção social.

O número total de benefi ciários (2008) no Brasil monta a 69,9 milhões, equivalentes a 37,6% da população do país. Entre as regiões, o Nordeste é o principal cliente, com 35,9 milhões de assistidos, 51,4% do total do país e 69% da população regional, seguido pelo Sudeste (16,0 milhões, 22,9% e 20,4%, res-pectivamente), Sul (7,2 milhões, 10,3% e 26,8%), Norte (6,6 milhões, 9,5% e 44,8%), e Centro-Oeste (4,2 milhões, 5,9% e 31,1%).

TABELA 6 Brasil e regiões: assistência social, segurança alimentar e Bolsa Família (síntese, 2008)

DiscriminaçãoBenefi ciários Dispêndios, R$ milhões Dispêndios per capita

Número (mil) Brasil=100 (R$ milhões) Brasil=100 (R$) Brasil=100

Brasil 69.949 100,0 27.949 100,0 400 100,0

Norte 6.612 9,5 2.711 9,7 410 102,6

Nordeste 35.928 51,4 12.299 44,0 342 85,7

Sudeste 16.026 22,9 8.343 29,9 521 130,3

Sul 7.227 10,3 2.629 9,4 364 91,0

Centro-Oeste 4.156 5,9 1.966 7,0 473 118,4

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2008)

Os dispêndios totais alcançam 27,9 bilhões, algo como 5% dos dispêndios públicos federais. O Nordeste recebe 44,0% deste valor; o Sudeste, 29,9%; o Norte, 9,7%; o Sul, 9,4%; e o Centro-Oeste, 7,0%. A despesa per capita-ano é R$ 400 para o país, variando, entre as regiões, de R$ 521,00 (Sudeste) a R$ 342,00 (Nordeste). O gráfi co 6 apresenta o número de benefi ciados e os dispêndios reais projetados (2008), para o Brasil e regiões.

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GRÁFICO 6Brasil e regiões: proteção social, 2008

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

5 GERAÇÃO DE OPORTUNIDADES

Se a proteção social é necessária em sociedade ainda tão desigual e com pro-porção de pobres elevada, a geração de oportunidades de inserção econômica e inclusão social é uma das chaves para a superação tanto da desigualdade quanto da pobreza extrema.

Já se observou que o desenvolvimento social e a decorrente melhoria das con-dições de vida e bem-estar estão intimamente associados ao crescimento econômico.

Examinam-se a seguir, de um lado, a ampliação de oportunidades que re-sultou da experiência de desenvolvimento do país e regiões nos últimos anos e, de outro lado, os obstáculos que se antepuseram – ainda se antepõem, embora atenuados – à geração e à igualação de oportunidades.

5.1 Ampliação de oportunidades

A tabela 7 apresenta, para o Brasil e regiões, indicadores que se associam dire-tamente à ampliação de oportunidades econômico-sociais ocorrida no período 1970-2006.

O primeiro desses indicadores (tabela 7, I) diz respeito à esperança de vida ao nascer (em anos), ou seja, à ampliação dos horizontes da vida.40 No Brasil evoluiu de 52,7 anos em 1970 para 72,4 anos em 2006, avançando 19,7 anos.

40. A elevação da esperança de vida, refl etindo uma vida média mais longa (presumivelmente mais sadia), associa-se a maiores oportunidades de melhoria das condições de vida e bem-estar das pessoas.

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Este progresso foi maior no Nordeste (de 44,4 para 69,4 anos no mesmo período, com avanço de 25 anos), com a diferença entre o Nordeste e o Brasil reduzindo-se de 8,3 anos, em 1970, para apenas 3 anos, em 2006. Entre as regiões em geral, a tendência foi de convergência deste indicador, com o coefi ciente de variação, V, diminuindo de 11,0%, em 1970, para 2,9%, em 2006. O gráfi co 7 ilustra esta trajetória confl uente.

A década de 1970 lidera o crescimento da esperança de vida. Para o país este foi de 1,3% ao ano, comparado com 0,7% em 1980-2000, e 0,9% em 2000-2006, tendo sido semelhante nas regiões o comportamento observado nos três períodos.

O segundo indicador (tabela 7, II) é a taxa de analfabetismo.41 Ela decresceu no Brasil de 33,8% da população de 15 anos e mais, em 1970, para 10,4%, em 2006, reduzindo-se em média 3,2% ao ano.42 Por regiões, as maiores reduções ocorreram no Sudeste (4,04% ao ano), Centro-Oeste (4,01%) e Sul (3,77%); as menores no Nordeste (2,65%) e Norte (2,96%).

Não surpreende, portanto, que V tenha se elevado no período: de 35,7%, em 1970, para 46,3%, em 1980, 56,0%, em 2000, e 59,7%, em 2006, com a taxa de analfabetismo no Nordeste correspondendo ao dobro da brasileira neste último ano.

O gráfi co 9 retrata a evolução do analfabetismo entre 1970 e 2006 no país e regiões.

O último indicador (tabela 7, III) é a média de anos de estudo da população de 15 anos e mais. Esta progrediu de 4,6 anos em 1970 para 7,5 anos em 2006, com crescimento médio anual de 1,41%, maior, em 1970 (1,85%), do que nos subperíodos seguintes (1,31%, em 1980-2000, e 1,01%, em 2000-2006).

Regionalmente, foram mais expressivos os crescimentos do Centro-Oeste (1,89% ao ano em 1970-2006), Norte (1,69%) e Sul (1,62%), e menos signi-fi cativos os do Sudeste (1,33%) e Nordeste (1,47%). As disparidades regionais reduziram-se entre 1970 e 1980 (com V caindo de 10,8% para 8,1%), mas seelevaram nos anos de baixo crescimento (para 10,0% em 2000, novamentese reduzindo em 2006 – para 6,9%).

41. A alfabetização, como a educação em geral, é chave para muitas oportunidades (de ampliação do conhecimento, de trabalho, de inserção econômica, de inclusão social).

42. Em 2006, ainda eram 14,4 milhões os analfabetos no país, com 55,4% deles na faixa etária de 15 a 39 anos. No Nordeste encontravam-se 53% dos analfabetos brasileiros.

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172 Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro

TABELA 7 Brasil e regiões: ampliação de oportunidades (I) – 1970-2006

I – Esperança de vida ao nascer (anos)

Discriminação 1970 1980 2000 2006Variação média anual (%)

1970-1980 1980-2000 2000-2006 1970-2006

Brasil 52,7 60,1 68,6 72,4 1,33 0,66 0,91 0,89

Norte 54,1 64,2 68,5 71,3 1,73 0,32 0,68 0,77

Nordeste 44,4 51,6 65,8 69,4 1,51 1,22 0,90 1,25

Sudeste 56,9 63,6 69,6 73,8 1,12 0,45 0,99 0,73

Sul 60,3 67,0 71,0 74,4 1,06 0,29 0,78 0,59

Centro-Oeste 56,0 64,7 69,4 73,5 1,46 0,35 0,96 0,76

II – Taxa de analfabetismo (%, população de 15 anos ou mais)

Discriminação 1970 1980 2000 2006Variação média anual (%)

1970-1980 1980-2000 2000-2006 1970-2006

Brasil 33,8 25,3 13,6 10,4 -2,85 -3,04 -4,43 -3,22

Norte 33,3 29,3 16,3 11,3 -1,26 -2,88 -5,96 -2,96

Nordeste 54,5 46,0 26,2 20,7 -1,69 -2,77 -3,82 -2,65

Sudeste 23,9 15,9 8,1 6,0 -3,98 -3,30 -4,98 -3,77

Sul 25,0 16,3 7,7 5,7 -4,19 -3,70 -4,91 -4,04

Centro-Oeste 36,1 25,3 10,8 8,3 -3,49 -4,19 -4,29 -4,01

III – Média de anos de estudo (população de 15 anos ou mais)

Discriminação 1970 1980 2000 2006Variação média anual (%)

1970-1980 1980-2000 2000-2006 1970-2006

Brasil 4,6 5,5 7,1 7,5 1,85 1,31 1,01 1,41

Norte 3,8 4,7 6,3 7,0 2,13 1,41 1,89 1,69

Nordeste 4,0 4,9 6,1 6,8 2,02 1,12 1,74 1,47

Sudeste 5,0 5,8 7,6 8,0 1,61 1,38 0,68 1,33

Sul 4,3 5,4 7,3 7,7 2,25 1,59 0,68 1,62

Centro-Oeste 3,9 5,2 7,2 7,7 2,92 1,60 1,16 1,89

Fontes: Albuquerque, 2008a; IBGE (Censos, PNADs, sínteses de indicadores sociais).

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173Proteção Social e Geração de Oportunidades

GRÁFICO 7Brasil e regiões: esperança de vida, 1970-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

GRÁFICO 8Brasil e regiões: mortalidade infantil, 1970-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

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174 Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro

GRÁFICO 9Brasil e regiões: taxa de analfabetismo, 1970-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

O gráfi co 10 traça as trajetórias das médias nacional e regionais de anos de estudo.

GRÁFICO 10Brasil e regiões: média de anos de estudo, 1970-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

A tabela 8 apresenta indicadores relativos à disponibilidade domiciliar de bens e serviços. Estes estão fortemente associados à ampliação de oportunidades de saúde e bem-estar, educação, trabalho e lazer.

O primeiro grupo deles (tabela 8, I) diz respeito à disponibilidade de água pela rede geral (com canalização interna), energia elétrica e geladeira. Sua principal

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175Proteção Social e Geração de Oportunidades

característica está na massifi cação destas comodidades nos domicílios ao longo dos anos 1970-2006.

TABELA 8 Brasil e regiões: ampliação de oportunidades (II) – 1970-2006, 1996-2006

I – Disponibilidade domiciliar de bens e serviços, 1970-2006 (% dos domicílios)

DiscriminaçãoÁgua (rede geral) Energia elétrica Geladeira Variação anual, 1970-2006 (%)

1970 2006 1970 2006 1970 2006 Água Energia GeladeiraBrasil 32,8 83,2 47,6 97,7 26,1 89,2 2,62 2,02 3,48Norte 19,5 56,1 27,3 92,0 14,9 78,2 2,98 3,43 4,71Nordeste 12,4 75,1 23,3 94,7 9,2 74,3 5,14 3,97 5,97Sudeste 51,6 92,0 68,7 99,6 39,9 96,1 1,62 1,03 2,47Sul 25,3 84,8 43,1 99,3 24,6 96,6 3,42 2,34 3,87Centro-Oeste 19,7 79,6 28,6 98,5 13,5 92,7 3,95 3,50 5,50

II – Disponibilidade domiciliar de bens e serviços, 1996-2006 (% dos domicílios urbanos)

DiscriminaçãoTelevisão (cores) Telefone fi xo Máquina de lavar Variação anual, 1996-2006 (%)

1966 2006 1966 2006 1996 2006 Televisão Telefone MáquinaBrasil 78,0 94,8 30,4 53,4 35,4 42,2 1,97 5,80 1,77Norte 63,2 91,9 22,3 31,6 23,4 22,7 3,81 3,55 -0,30Nordeste 60,5 91,0 20,0 32,2 10,3 15,6 4,17 4,88 4,24Sudeste 86,8 96,7 34,9 64,9 44,0 52,6 1,09 6,40 1,80Sul 79,4 95,5 30,4 58,2 48,8 59,2 1,86 6,71 1,95Centro-Oeste 74,0 94,0 34,0 48,1 26,0 33,8 2,42 3,53 2,66

III – Disponibilidade domiciliar de bens e serviços, 2002-2006 (% dos domicílios urbanos)

DiscriminaçãoComputador Internet Variação anual, 2002-2006 (%)

2002 2006 2002 2006 Computador InternetBrasil 16,3 25,5 12,0 19,6 4,58 5,03Norte 7,8 12,4 4,8 7,7 4,74 4,84Nordeste 7,8 12,9 5,7 9,3 5,16 5,02Sudeste 20,5 31,1 15,4 24,7 4,26 4,84Sul 19,0 31,9 13,1 24,2 5,32 6,33Centro-Oeste 14,6 23,1 10,7 16,7 4,69 4,55

Fontes: Albuquerque, 2008a; IBGE (PNADs e sínteses de indicadores sociais)

No caso do abastecimento d’água, atendia-se, em 1970, a 32,8% dos do-micílios do país e, em 2006, a 83,2% (crescimento médio anual de 2,6%). No Sudeste, este percentual atingiu 92,0% dos domicílios em 2006, e no Sul, 85%. Houve expressiva redução das disparidades regionais, com V reduzindo-se de 59,1%, em 1970, para 17,5%, em 2006.

A disponibilidade de energia avançou de 47,6% dos domicílios brasileiros, em 1970, para 97,7%, em 2006, com aumento de 2,0% anuais. Este percentual chegou a 99,6% no Sudeste e 99,3% no Sul, com o menor valor, o do Norte, alcançando 92%. A queda nas desigualdades regionais foi ainda mais expressiva, com V despencando de 48,8% para 3,5% entre 1970 e 2006.

A presença de geladeira nos domicílios do país evoluiu nesse mesmo período de 26,1% para 89,2%, crescendo em média 3,5% ao ano. O maior crescimento ocorreu no Nordeste (6,0%), seguido pelo Centro-Oeste (5,5%) e Norte (4,7%); o menor, no Sudeste (2,5%), seguido pelo Sul (3,9%). Houve também grande convergência

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176 Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro

entre as regiões, com V descambando de 60,0%, em 1970, para 12,1%, em 2006. O gráfi co 11 traça o desempenho do indicador em 1970 e em 2006.

GRÁFICO 11Brasil e regiões: disponibilidade de geladeira

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

O segundo grupo de indicadores (tabela 8, II) retrata a disponibilidade de televisão em cores, telefone fi xo e máquina de lavar nos domicílios urbanos do país e regiões em 1996 e 2006.

Nesta década, o percentual de televisões em cores progrediu de 78% para 94,8% (crescimento anual de 2,0%), o de telefones fi xos, de 30,4% para 53,4% (crescimento de 5,8%), e o de máquinas de lavar, de 35,4% para 42,3% (cresci-mento de 1,8%). 43

Na ampliação dos domicílios com televisão em cores – que em muitos casos substituiu a televisão em preto e branco –, houve grande redução das já baixas desigualdades regionais, com V variando de 15,1%, em 1970, para 2,5%, em 2006. No caso da telefonia fi xa, no entanto, houve agravamento das disparidades, com V elevando-se de 24% para 32%. Para a máquina de lavar, um V elevado manteve-se virtualmente estável, sendo 51,7%, em 1970, e 51,0%, em 2006. O gráfi co 12 retrata a disponibilidade domiciliar de telefones fi xos, na década, para o país e regiões.

43. A performance dos telefones fi xos, já expressiva, foi, contudo, abafada pelo advento dos telefones móveis (celulares). Em 2006, 68,8% dos domicílios brasileiros tinham pelo menos um morador com posse deste aparelho.

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177Proteção Social e Geração de Oportunidades

GRÁFICO 12Brasil e regiões: disponibilidade de telefone fi xo

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

Os dados sobre a disponibilidade de computador e acesso à internet con-formam o terceiro grupo de indicadores (tabela 8, III). Eles revelam vigorosa expansão, de 4,6% ao ano na década 1996-2006 no primeiro caso e de 5% no segundo. Neste último ano, o número de domicílios urbanos com computador alcançou no Brasil 25,5% (31,9% no Sul e 31,1% no Sudeste). As moradias com acesso à internet eram 19,6%, sendo 24,7% no Sudeste e 24,2% no Sul. Como costuma ocorrer com os bens de maior valor e mais recente introdução no país, os coefi cientes de variação, V, para computadores, eram altos e relativamente está-veis (43,1% e 42,4%, respectivamente, em 1996 e 2006), e altos, mas levemente crescentes, no caso da internet (46,3% e 48,4%).

Possuir um computador e acessar de casa a internet são sonhos de consumo da grande maioria dos brasileiros ainda excluídos dessas benesses contemporâneas. Desejo que, a par da redução que vem ocorrendo nos preços e custos de fi nancia-mento, antecipa rápida e abrangente massifi cação domiciliar da informatização.

Cabe, contudo, salientar que, embora essenciais à inclusão digital, as ha-bilidades requeridas para o uso efi caz dessas duas ferramentas, mormente a na-vegação pela internet, supõe educação básica de qualidade – além de domínio ao menos razoável da língua inglesa, hoje código comunicativo indispensável à sociedade do conhecimento.

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178 Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro

O gráfi co 13 apresenta os dados sobre o acesso à internet.

GRÁFICO 13Brasil e regiões: acesso à internet

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

5.2 Obstáculos à geração de oportunidades

A tabela 9 apresenta um conjunto de dados sobre desemprego, tema que tem se mantido no centro dos debates sobre a questão social no país, em particular por vir difi cultando o acesso da população economicamente ativa a empregos gerado-res de renda sufi ciente.

A evolução da taxa de desocupação no Brasil e regiões em 1970-2006 consta da primeira parte (tabela 9, I).

Para o Brasil, esse indicador decresceu de 9,7% em 1970 para 2,2% em 1980 – nível de desemprego possivelmente de natureza apenas friccional. Contudo,numa espécie de viagem redonda, elevou-se para 5,4% em 1991 e para 15,3% em 2000, recuando desde então para 9,3% em 2005 e para 8,4%, em 2006. Neste último ano os desempregados ainda somavam 8,2 milhões de pessoas.44

Por regiões, houve, em 1970, situações de considerável heterogeneidade, com o Nordeste em um extremo (desemprego de 15,9%, associado à grande in-sufi ciência de base econômica que a região apresentava, além do impacto das secas ocorridas naquele ano), e o Sudeste no outro (com 6,6%).45

44. Os desocupados eram (em milhares) 2.856, em 1970, caindo para 964, em 1980 (queda de 10,3% ao ano), elevando-se para 3.117 em 1991 (aumento anual de 11,3%), 11.838 em 2000 (aumento de 16% anuais), e caindo para 8.953 em 2005 (queda média por ano de 5,4%) e 8.210 em 2006 (queda de 8,3%). Cf. Albuquerque, 2008a.

45. Observe-se que o Centro-Oeste, anteriormente à revolução agroindustrial ocorrida nos cerrados, apresentou, em 1970, taxa de desemprego de 11,5%.

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179Proteção Social e Geração de Oportunidades

Dez anos depois (1980), graças ao ritmo acelerado com que evoluiu a eco-nomia, chegou-se, virtualmente, ao pleno emprego, com taxas de desocupação de 2,2% no Brasil; 1,6%, no Sul; 2,1%, no Sudeste e Centro-Oeste; 2,2%, no Nor-te; e 2,9%, no Nordeste – novamente experimentando a crise cíclica das secas.

Em 2000, foi o Sudeste, à frente da crise de crescimento, que liderou a de-socupação, com taxa de 16,4%, seguido de perto pelo Nordeste (15,9%). Era o desemprego marcando a questão social do país do fi m do século XX.46

Embora tenha decrescido em 2005, a desocupação persistia elevada (9,3% no Brasil; 10,9% no Sudeste), não obstante a atenuação do crescimento da pro-cura por trabalho, decorrência do rápido desacelerar da expansão demográfi ca. Os números do desemprego para 2006 foram: Brasil, 8,4%; Sudeste, 9,6%; Nordeste e Centro-Oeste, 8,3%; Norte, 7,1%; e Sul, 6%.

TABELA 9 Brasil e regiões: obstáculos à geração de oportunidades (I) – 1970-2006

I – Taxa de desocupação (%) – 1970-2006

Discriminação 1970 1980 1991 2000 2005 2006

Brasil1 9,7 2,2 5,4 15,3 9,3 8,4

Norte2 10,5 2,2 6,9 14,8 7,9 7,1

Nordeste 15,9 2,9 6,5 15,9 9,0 8,3

Sudeste 6,6 2,1 5,5 16,4 10,9 9,6

Sul 6,8 1,6 3,6 12,0 6,1 6,0

Centro-Oeste 11,5 2,1 4,2 13,7 9,6 8,3

II – Outros dados relativos a trabalho – 2006

DiscriminaçãoTaxa de desocupação (%) Pessoas ocupadas (%)

(18-24 anos) Homens Mulheres Sem CTPS Sem INSS Sem sindicato

Brasil1 16,7 11,0 6,4 31,6 51,2 81,4

Norte2 18,9 10,2 5,0 43,1 65,2 86,5

Nordeste 15,8 10,8 6,5 46,6 69,5 80,1

Sudeste 19,3 12,6 7,2 25,8 40,2 82,6

Sul 12,3 7,5 4,7 24,2 44,8 77,0

Centro-Oeste 15,3 11,0 6,4 32,0 50,0 83,7

Fonte: Albuquerque, 2008b.Notas: 1 Exclusive a população rural do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. 2 Exclusive a população rural.

O gráfi co 14 registra essa trajetória para o Brasil e regiões, traçando evolução que, afi nal, aponta para redução do desemprego. Esta tendência deverá persistir mesmo que a economia continue crescendo apenas moderadamente (na ordem de 4% a 5% anuais), uma vez que, esgotada a reserva de desemprego que se acumulou

46. Note-se, porém, que, mesmo em 1995, em meio à euforia econômica suscitada pelo Plano Real, o desemprego já era elevado, alcançando 6,1% da população economicamente ativa (PEA) do país e 6,8% da PEA do Sudeste, onde o problema se tornou desde então cada vez mais grave. Cf. Albuquerque, 2007, p. 267.

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180 Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro

nas décadas de 1980 e 1990, o aumento da demanda por trabalho, comandado apenas por fatores demográfi cos, deverá apresentar tendência decrescente.

GRÁFICO 14Brasil e regiões: taxa de desocupação, 1970-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

Outros dados relativos ao trabalho em 2006 são apresentados na tabela 9, II.

O primeiro conjunto deles ainda diz respeito à taxa de desocupação. Na faixa etária de 18 a 24 anos, esta ainda era muito elevada (16,7% no país; 19,3% no Sudeste; e 18,9% no Norte urbano), forte barreira de desempregados ainda bloqueando a entrada de jovens no mercado de trabalho.

Por sexo, a desocupação revelava-se muito maior entre os homens: 11%, comparados com 6,4% para as mulheres, ou seja, 71% maior – chegando ao dobro no Norte urbano e sendo apenas 60% no Sul.

O segundo conjunto de dados refere-se à natureza das relações de trabalho das pessoas ocupadas. Em 2006, 31,6% delas não tinham carteira de trabalho – o percentual chegava a 46,6% no Nordeste –, 51,2% não dispunham da proteção do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS – 69,5% no Nordeste), e 81,4% não pertenciam a sindicato (86,5% no Norte urbano).

A tabela 10 apresenta, para o Brasil e regiões, o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas ao longo da década 1996-2006 (preços deste último ano).

Seus valores decresceram no Brasil à média anual de 0,55%, caindo a 3% entre 1996 e 2003, para recuperar-se com avanços de 4,3% anuais entre 2003 e 2006. Esta oscilação ampliou-se no Nordeste e no Norte, que apresentaram que-das de rendimentos reais de 4,6% e 3% ao ano, em 1996-2003, mas elevações de 6,3% e 7,1%, em 2003-2006.

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181Proteção Social e Geração de Oportunidades

No período como um todo, o melhor desempenho regional foi alcançado pelo Centro-Oeste (0,45% ao ano), e o pior, pelo Sudeste (-1,1%). O Sul se reve-lou estável, com variação de 0,02% na década.

Tendências regionais peculiares determinaram uma redução dos rendimen-tos médios do Norte urbano e Sudeste em relação ao brasileiro: de 94%, em 1996, para 90%, em 2006, no primeiro caso; e de 129% para 122%, no segundo. Houve elevação relativa dos rendimentos das demais regiões: de 53% para 58% no Nordeste; 106% para 117%, no Centro-Oeste; e de 100% para 106%, no Sul.

Refl etindo a apatia generalizada de crescimento que adentrou o presente século, esse pobre desempenho dos rendimentos das pessoas ocupadas deve ter atuado, mais acentuadamente até 2003, como obstáculo à ampliação de oportu-nidades de inserção econômica e inclusão social mais compensadoras.

TABELA 10 Brasil e regiões: obstáculos à geração de oportunidades (II) – 1996-2006

Rendimento médio mensal das pessoas ocupadas – 1996-2006 (R$ de 2006)

Discriminação Brasil* Norte1* Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

1996 840 790 448 1.087 844 890

1997 831 757 426 1.092 842 910

1998 823 734 432 1.083 834 904

1999 761 682 406 987 794 829

2001 774 700 418 990 784 869

2002 755 675 407 960 766 894

2003 700 594 374 886 746 820

2004 706 635 391 870 771 843

2005 737 651 404 910 799 883

2006 795 714 460 973 846 931

Variação média anual – 1996-2006 (%)

Discriminação Brasil* Norte** Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

-0,55 -1,01 0,26 -1,10 0,02 0,45

Brasil = 100

Discriminação Brasil* Norte2 Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

1996 100,0 94,0 53,3 129,4 100,5 106,0

1997 100,0 91,1 51,3 131,4 101,3 109,5

1998 100,0 89,2 52,5 131,6 101,3 109,8

1999 100,0 89,6 53,4 129,7 104,3 108,9

2001 100,0 90,4 54,0 127,9 101,3 112,3

2002 100,0 89,4 53,9 127,2 101,5 118,4

2003 100,0 84,9 53,4 126,6 106,6 117,1

2004 100,0 89,9 55,4 123,2 109,2 119,4

2005 100,0 88,3 54,8 123,5 108,4 119,8

2006 100,0 89,8 57,9 122,4 106,4 117,1

Fonte: PNAD/IBGE (2006).Notas: 1 Exclusive áreas rurais do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. 2 Exclusive áreas rurais.

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182 Desafi os ao Desenvolvimento Brasileiro

O gráfi co 15 traça a evolução desse indicador monetário. Salientem-se os pi-cos de rendimento ocorridos em 1996 para o Brasil e o Norte urbano (os picos do Nordeste, Sul e Centro-Oeste somente ocorreram em 2006, e o do Sudeste, em 1997), bem como os vales de 2003 (Brasil, Norte urbano, Nordeste, Sul e Centro-Oeste) e 2004 (Sudeste). Ocorreu discreta convergência no tempo dos rendimentos entre as regiões, com V reduzindo-se de 26,1%, em 1996, para 22,2%, em 2006.

GRÁFICO 15Brasil e regiões: rendimentos mensal das pessoas ocupadas, 1996-2006

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

5.3 Obstáculos à igualação de oportunidades

Um outro conjunto de fatores, atuando como barreiras ao objetivo de igualação de oportunidades, vem retardando no país os processos de inserção econômica e de inclusão social. Sua infl uência, contudo, decresce ao longo do tempo, sinali-zando crescente aceitação e tolerância sociais no que respeita a diferenças entre as pessoas, a par da atenuação de preconceitos arraigados.

O primeiro desses fatores envolve questões de cor ou de raça, barreiras estas menos vinculadas ao fraco desempenho da economia, embora seu combate possa ter sido por ele difi cultado.

A tabela 11, I apresenta a média de anos de estudo das pessoas de 15 anos e mais por cor ou raça nos anos de 1996 e 2006. Para o país, estes indicadores eram, em 1996, de 6,5 anos para as pessoas que se declararam brancas, 4,5 anos para as que se disseram pardas,47 e 4,3 anos para as que se consideraram pretas. Uma década depois (2006), eles haviam evoluído para 8,1 anos, 6,2 anos e 6,5

47. Mulatas, caboclas, cafuzas, mamelucas ou mestiças de preto com pessoa de outra cor ou raça. Cf. IBGE, Síntese de indicadores sociais, 2006, p. 310.

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anos, respectivamente, com variações médias anuais, no período, de 2,2%, 3,3% e 4,1%. Houve, portanto, na década, redução signifi cativa das disparidades inter-raciais no país, quando aferidas pelo nível médio de escolaridade.

TABELA 11 Brasil e regiões: obstáculos à igualação de oportunidades (I) – 1996-2006

I – Média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais, por cor ou raça

Discriminação1996 2006 Variação média anual (%)

Branca Parda Preta Branca Parda Preta Branca Parda Preta

Brasil1 6,5 4,5 4,3 8,1 6,2 6,4 2,23 3,26 4,06

Norte2 6,9 5,4 4,8 7,6 6,4 6,0 0,97 1,71 2,26

Nordeste 5,2 3,9 3,1 6,7 5,4 5,7 2,57 3,31 6,28

Sudeste 7,0 5,2 4,8 8,5 6,8 6,8 1,96 2,72 3,54

Sul 6,3 4,4 4,8 7,9 6,2 6,6 2,29 3,49 3,24

Centro-Oeste 6,7 5,1 4,4 8,3 6,8 6,5 2,16 2,92 3,98

II – Rendimento médio mensal das pessoas ocupadas, por sexo (R$ de setembro de 2006)

Discriminação1996 2006 (B) / (A), % Variação média anual (%)

Homens (A)

Mulheres (B)

Homens (A)

Mulheres (B)

1996 2006 Homens Mulheres

Brasil1 1.004 589 932 611 58,7 65,6 -0,74 0,37

Norte2 890 632 809 574 71,0 71,0 -0,95 -0,96

Nordeste 529 323 519 377 61,1 72,6 -0,19 1,56

Sudeste 1.288 774 1.153 739 60,1 64,1 -1,10 -0,46

Sul 1.056 539 1.035 608 51,0 58,7 -0,20 1,21

Centro-Oeste 1.053 630 1.077 724 59,8 67,2 0,23 1,40

Fontes: IBGE, Síntese de indicadores sociais e PNAD (2006).Notas: 1 Exclusive a população rural do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. 2 Exclusive a população rural.

Inter-regionalmente, as maiores disparidades de anos de estudo ocorreram em 1996 entre os pretos, com V sendo 16,8% – comparados a 13,1% para os pardos e 11,4% para os brancos. Os pretos do Nordeste apresentaram média de apenas 3,1 anos de estudo, 72% da brasileira. Em 2006, V para os pretos caiu para 7,2%, tendo sido 9,1% tanto para os pardos quanto brancos, apontando, portanto, para menor desigualdade. Os pretos do Nordeste exibiram em 2006 média de 5,7 anos de estudo, 88% daquela dos pretos brasileiros (6,4 anos).

Por sobre essa evolução positiva, prossegue (estimulado por propostas apres-sadas, entre elas a fi xação de cotas para os negros nas universidades) o debate sobre o preconceito de cor ou raça no Brasil, alimentando, em particular, a discus-são sobre a origem das diferenças inter-raciais de escolaridade: se são fruto apenas do preconceito; se resultam da condição econômico-social inferior das famílias de cor preta e parda (ainda a pesada herança da escravidão); ou se decorrem da conjunção dos dois fatores – além de outros.

O gráfi co 16 retrata os diferenciais de anos de estudo entre pessoas bran-cas, pardas e pretas em 1996 e 2006. Note-se que em 1996 o número médio de

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anos de estudo das pessoas de cor preta supera as de cor parda no Sul, o mesmo ocorrendo, em 2006, no Brasil, Nordeste e – mais uma vez, embora com menor intensidade do que em 1996 – no Sul.

GRÁFICO 16Brasil e regiões: média de anos de estudo, por cor ou raça, 1996 e 2006(média para o total das pessoas por ano=100)

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

O segundo conjunto de fatores centra-se nos obstáculos relativos a gênero. Estes estão ilustrados na tabela 11, II, e no gráfi co 17, que apresentam, para o Brasil e regiões, dados sobre o rendimento do trabalho das pessoas ocupadas por sexo em 1996 e 2006.

GRÁFICO 17Brasil e regiões: rendimentos de trabalho, por sexo(feminino/masculino, %, 1996 e 2005)

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

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No Brasil, a renda média feminina em 1996 correspondeu a 58,7% da mas-culina, evoluindo para 65,6% em 2006. Em termos reais, a renda dos homens de-cresceu, no período, 0,74% ao ano, enquanto a das mulheres cresceu 0,37% anuais.

Entre as regiões, a maior valorização relativa no rendimento das mulheres ocorreu no Nordeste, onde alcançou, em 2006, 72,6%, do masculino – a menor verifi cou-se no Sul: 58,7%. Na década, o rendimento médio das mulheres de-cresceu em termos reais apenas no Norte urbano (0,96% ao ano) e no Sudeste (0,46%). Cresceu 1,56% anuais no Nordeste, 1,40% no Centro-Oeste e 1,21% no Sul. A renda dos homens perdeu poder de compra em todas as regiões, exceto no Centro-Oeste, onde cresceu apenas 0,23% anuais.

Por baixo do véu de discriminação de rendimentos por gênero com clara tendência à atenuação no Brasil como um todo, despontam alguns comporta-mentos surpreendentes. Por um lado, a conjugação de desocupação menor das mulheres, seguida de rendimentos masculinos sistematicamente superiores e cres-cimento real relativamente maior da renda feminina, sugere que estaria havendo no mercado de trabalho brasileiro substituição de trabalho masculino por femini-no. Por outro, em 2006, na região de menor nível de renda (Nordeste) as rendas médias masculina e feminina correspondiam a 55,7% e 61,7%, respectivamente, da brasileira, sendo as mulheres relativamente mais bem remuneradas do que os homens. O contrário ocorria no mesmo ano nas duas regiões mais desenvolvidas do país: no Sudeste (renda média masculina 23,7% maior que a brasileira; renda feminina, 20,9% maior) e no Sul (11% e -0,5%, respectivamente).

O último conjunto de barreiras à igualação de oportunidades examinado diz respeito às desigualdades de renda e à pobreza extrema.

A tabela 15, I apresenta, para o Brasil e regiões, os rendimentos médios dos 40% mais pobres e 10% mais ricos da população ocupada, a preços constantes, para 1996 e 2006. Note-se que, no país, o rendimento dos 10% mais ricos, em 1996, era 23,1 vezes o rendimento dos 40% mais pobres – em 2006, 18,2 vezes.

Como reduções semelhantes ocorreram em todas as regiões (gráfi co 18), pode-se afi rmar que, por esse critério, houve ampla e signifi cativa melhoria na distribuição de renda. 48

48. Nada assegura que essa melhoria – como visto, em grande medida associada a transferências públicas de renda aos mais pobres que estariam se abeirando de seus limites – tenha ocorrido com a mesma intensidade em 2007 e continue acontecendo neste e nos próximos anos..

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TABELA 15 Brasil e regiões: obstáculos à igualação de oportunidades (II) – 1996/5-2006/5

I – Rendimento médio mensal familiar per capita dos 40% mais pobres e 10% mais ricos (R$ de setembro de 2006)

Discriminação

1996 2006(B)/(A)

Variação média anual, 1996-2006 (%)

40% maispobres

(A)

10% maisricos(B)

40% maispobres

(A)

10% maisricos(B) 1996 2006 (A) (B)

Brasil1 116,8 2.702,8 146,9 2.678,4 23,1 18,2 2,32 -0,09

Norte2 100,7 2.115,2 113,6 1.714,5 21,0 15,1 1,21 -2,08

Nordeste 64,3 1.586,4 85,0 1.712,5 24,7 20,1 2,83 0,77

Sudeste 167,0 3.192,3 201,4 3.101,5 19,1 15,4 1,89 -0,29

Sul 149,8 2.745,9 208,9 2.803,3 18,3 13,4 3,38 0,21

Centro-Oeste 123,6 2.785,6 168,9 3.132,8 22,5 18,6 3,17 1,18

II – Brasil e regiões: pobreza extrema, número e proporção, 1995 e 2005

DiscriminaçãoNúmero (mil) Participação (%) Proporção (%)

1995 2005 1995 2005 1995 2005

Brasil1 15.355 11.995 100,00 100,00 10,40 6,76

Norte2 833 786 5,42 6,56 12,26 7,01

Nordeste 8.836 6.535 57,54 54,48 20,59 12,99

Sudeste 3.861 3.326 25,15 27,73 5,95 4,35

Sul 1.163 768 7,57 6,40 5,08 2,89

Centro-Oeste 663 580 4,31 4,83 6,53 4,49

Fontes: Sínteses de indicadores sociais/IBGE (1996; 2006); Rocha (2006, PNADS – tabulações especiais).

Observe-se, porém, que tal fato ocorreu numa década de estagnação dos rendimentos das pessoas (tabela 10), estagnação que se espelha no gráfi co 15. No caso do Brasil, houve, na década, crescimento médio anual de 2,3% nos rendi-mentos dos 40% mais pobres, mas declínio de 0,1% ao ano na renda dos 10% mais ricos. Houve também aumentos nos rendimentos dos 40% mais pobres em todas as regiões, porém decréscimos importantes na renda dos 10% mais ricos no Norte urbano (2,1% ao ano) e no Sudeste (0,29%), além de aumentos, muito menores do que os ocorridos com os rendimentos dos 40% mais pobres, no Sul (0,21%) e no Nordeste (0,77%). O Centro-Oeste, cuja economia, im-pulsionada pelo agronegócio, cresceu mais (crescimento do PIB de 6,5% ao ano, no período)49 foi a honrosa exceção, exibindo avanço médio de 1,18% ao ano na renda dos 10% mais ricos e 3,2% na dos 40% mais pobres.

Vistos em conjunto, os dados apresentados estariam a dizer que o baixo crescimento da década 1996-2006 não gerou espaço de manobra sufi ciente a

49. Cf. Albuquerque, 2008b..

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um processo de redução da desigualdade que fosse concomitante a aumento das rendas de todos os grupos de rendimento: aumentos maiores no caso das rendas mais baixas, menores no caso dos rendimentos mais altos.

Esse processo de redistribuição dinâmica de renda somente ocorrerá, com a ra-pidez desejada, mediante crescimento mais elevado e continuado do PIB. Ele poderá contribuir para amainar o potencial de tensão e de confl ito de tecido social já esgar-çado pelo desemprego, pela pobreza e pela violência, além de ser capaz de injetar dinamismo à economia, engendrando círculo socialmente virtuoso de crescimento.

GRÁFICO 18Brasil e regiões: relação entre as rendas dos 40% mais pobres (A) e 10% mais ricos (B)

Fonte: IBGE. Elaboração própria.

A tabela 15, II apresenta os dados de pobreza extrema (pessoas com renda familiar per capita insufi ciente ao atendimento das necessidades alimentares).

De um modo geral, a evolução, na década, desse quadro de pobreza, é favo-rável. Reduziu-se o número de extremamente pobres: de 15,4 milhões em 1995, para 12,0 milhões em 2005, com declínio médio anual de 2,4% na década. Que-das signifi cativas ocorreram em todas as regiões, principalmente no Nordeste. Diminuiu a proporção de extremamente pobres: de 10,4% da população em 1995 para 6,8% em 2005. Caíram as participações do Nordeste e Sul na pobreza extrema do país (de 57,5% e 7,6% em 1995 para 54,5% e 6,4% em 2005, respec-tivamente), embora tenham se elevado no Norte urbano (de 5,4% para 6,6%), Sudeste (de 25,2% para 27,7%) e Centro-Oeste (de 4,3% para 4,8%).

Resta assegurar, porém, que esse indiscutível progresso tenha continuidade e permanência. Na ausência de mais crescimento econômico, a par de mais edu-cação e qualifi cação, será muito mais difícil encontrar com rapidez saídas para

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os pobres que os liberte da dependência de transferências públicas de renda e da decorrente sensação de inutilidade e marginalização: saídas que os tornem sujei-tos ativos de sua inserção econômica (pela ocupação) e inclusão social (mediante renda sufi ciente gerada por trabalho produtivo).

Esse é, hoje, o grande desafi o brasileiro. Interessa à economia e à sociedade. É essencial ao aperfeiçoamento da democracia e à participação política congruente ao exercício pleno da cidadania.

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CAPÍTULO 7

DESAFIO DE GERAR OPORTUNIDADESPedro Demo

1 INTRODUÇÃO

Nas sociedades conhecidas, em especial nas liberais, parece ser regra o fato de ao surgirem novas oportunidades, outras, por sua vez, desaparecerem. Não é que novos tempos sejam apenas novos. Nem que nada possa ser feito ou que tudo possa ser feito. No reino das relatividades, muito se pode fazer, desde que se saiba gerar e gerir oportunidades, nas circunstâncias dadas. Por isso mesmo, alguns pa-íses avançaram muito, enquanto outros andam devagar, tornando-se a pergunta sobre o porquê disso uma obsessão constante, em especial por parte das agências de desenvolvimento ou similares.

Agências de desenvolvimento ou similares têm buscado, de maneira ob-sessiva, respostas para uma intrigante questão: por que enquanto alguns países avançaram muito, outros andaram ao devagar?

No Relatório Anual de 2005, o Banco Mundial (THE WORLD BANK, 2005) dedica muitas páginas ao questionamento sobre os motivos pelos quais alguns países “funcionam” e outros tantos, não, nos vários cenários do desenvol-vimento global.

Desde logo, é preciso discriminar o que se entende por desenvolvimen-to, havendo aí grandes divergências entre os conceitos percebidos pelo Banco Mundial – que, mesmo dizendo o contrário, entende o desenvolvimento qua-se que apenas como “crescimento” ou geração de renda –, e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas (ONU) (UNDP, 1990-2007), que, introduzindo o Relatório do Desen-volvimento Humano, anual desde 1990, notabilizou-se por alargar a noção de desenvolvimento expressivamente, muito além do mero crescimento (UNITED NATIONS, 2005).

Ao usar no Relatório de 2005 a noção de inequality predicament, que pode-ria ser traduzida, com alguma picardia, como “maldição/sina da desigualdade”, a ONU já insinuava distância considerável da visão do Banco Mundial, este ainda fortemente postado como apologia liberal ortodoxa (CAUFIELD, 1998).

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Entre nós, essa apologia tardia pode ser vista no livro de Ioschpe (2004), sobre educação e desenvolvimento, que reduz a importância da educação/desen-volvimento à geração/melhoria de renda (numa análise primária de regressão), e afi rma que mais de 80% da renda é explicada por anos de estudo. Tomar educa-ção por anos de estudo é, por sua vez, muito temerário – facilmente alguém, entre nós, tem oito ou nove anos de estudo e aprendeu muito pouco ou mesmo quase nada –, ainda que útil/fútil metodologicamente. Por esta razão quantitativista, Souza (2004) não teve pudor de qualifi car seus oito anos de ministro da Educação como “revolução gerenciada”, sem ter ocorrido melhoria qualitativa da educação básica, segundo dados do próprio ministério, conforme adiante (Sistema de Ava-liação da Educação Básica – SAEB).

Pretende-se, neste trabalho, abordar alguns desafi os da geração de oportuni-dades, partindo do questionamento da noção de oportunidades, hoje turbinada pela expectativa das “novas habilidades do século XXI” e “novas alfabetizações”, todas inseridas no sistema educacional – ou muito próximas dele. Privilegio aqui a perspectiva educacional, não por ser única, nem necessariamente superior, mas por estar na berlinda mais do que outras, também no discurso liberal, ainda que neste último, na prática, assistência seja, de longe, preferida. Também por isso é importante inquirir que tipo de oportunidade é gerado pela assistência, visto que esta, aos poucos, vai tomando conta da cena da assim dita política social, deixando outras, uma vez tidas como mais estratégicas (educação, emprego, saú-de, cidadania etc.), na sombra e na sobra. Apesar de todos os gargalos vigentes e, em especial, da difi culdade de produzir políticas autônomas de desenvolvimento no seio da globalização compulsória (OLIVEIRA e RIZEK, 2007), vale afi rmar que é bem possível avançar na rota do desenvolvimento, dependendo este fei-to, complexíssimo, de composições híbridas de condições objetivas (situação e potencialidade econômica, população, geopolítica, recursos naturais, parques e plantas industriais etc.) e subjetivas (cidadania, qualidade política da população, qualidade da democracia, produção própria de ciência e tecnologia etc.). Como as ditas condições objetivas são mais fáceis de manipular metodologicamente, e mais próximas sensivelmente, acabam tornando-se mais bem tratadas e mesmo preferidas. Sob tal ótica, garantir uma renda mensal ao pobre parece mais efetivo, visível, palpável do que lhe contar uma estória sobre a importância da qualidade da educação e da cidadania...

2 OPORTUNIDADE

Como todo conceito mais complexo, não se vai dar conta dele formalmente. Bastaria lembrar a discussão do PNUD sobre “desenvolvimento como oportuni-dade”, cujo mérito não se poderia negar, mas que, por outra parte, não alcançou desvincular de maneira mais nítida e acreditada do economicismo. As virtudes

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políticas do desenvolvimento, que acenam para a relevância da cidadania em espe-cial, cedem à pressão compulsória globalizada do crescimento. O Brasil não deixa de ser exemplo típico. Advindo este atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha, entre outras promessas, um tom de desenvolvimento à esquerda, en-controu seu maior êxito, de longe, na condução ortodoxa da política econômica à direita, pragmática ao extremo no concerto globalizado, deixando para trás outros horizontes, em especial algo mais próximo do que seria “redistribuição de renda”, não apenas “distribuição” (DEMO, 2003; 2007). Mesmo sob o reconhecimento cada vez mais altissonante dos riscos ambientais do crescimento, crescer, como diria o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, é a única saída, mesmo que isso implique destruir toda a fl oresta. Destarte, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não poderia ser ministério de primeira linha, assim como o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que preside o Bolsa Família, tem muito maior visibilidade política do que o da Educação. Uma das perguntas nesta discussão é precisamente esta: por que propostas assistenciais ganham tanta prevalência, à revelia de discursos anteriores voltados para a cidadania?

Olhando bem, o Bolsa Família é programa nitidamente tecnocrático, for-jado nos gabinetes de Brasília por técnicos “iluminados e soberanos”, que nun-ca preveem qualquer tipo de participação da população atendida, a não ser ir à escola, frequentar posto de saúde e votar no governo. A população é apenas “benefi ciária”. Ainda que se procure ir além disso no programa, nomeadamen-te vinculando-o a outras políticas mais “estruturais” como educação e saúde, o acesso à educação fundamental e a postos de saúde/hospitais públicos é de tal modo precário que seu efeito pode ser até mesmo nulo. Não se questiona aqui o “valor assistencial” do programa, pois corresponde ao direito de sobrevivência que qualquer democracia deve reconhecer. Este tipo de “inclusão”, ainda que dema-siado insufi ciente, já detém valor muito expressivo, que seria pernóstico depreciar. Na prática, porém, o programa “contratou” os pobres por remuneração irrisória como seus funcionários públicos, num gesto de tutela e acomodação precária, mesmo que assim não se veja formalmente. Esta assistência, que, na tendência co-mum, seria provisória, tem tudo para se tornar “permanente”, uma vez que, não desbordando o valor assistencial, nele se esgota e se perverte. Oferece-se aí uma oportunidade, indubitavelmente, mas é oportunidade “oferecida”, não conquista-da ou construída pelo próprio interessado. Por isso, a inclusão que ocorre é margi-nal. Como diriam Rizek (2007), Bello (2007) e Telles (2007), o programa, longe de dar conta da pobreza, faz apenas “gestão da pobreza”, algo que O’Connor (2001), analisando a “pesquisa da pobreza”, já assinalava, quando propunha que os pobres persistem em ser apenas “objeto de estudo”, muito interessante para pesquisadores, mas algo inócuo para o confronto com a pobreza que tenha o pobre como protagonista central (GOHN, 2005). Sem banalizar esta invectiva – difi cilmente o pobre será um dia “pesquisador” da pobreza –, cabe reconhecer

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a tendência crescente de mantê-lo como objeto de cuidados, não de protagonista de sua emancipação. A revolução, por isso, será aquela “gerenciada”, não aquela gerada e gerida pelos próprios interessados, sob apoio e controle democrático do Estado. Estudando o “orçamento participativo”, Rizek (2007) e Bello (2007) acentuam seu “caráter limitado”, não só porque apenas parcela mínima era dis-cutida na esfera pública, mas, principalmente, porque tal prática não conseguia superar as velhas políticas clientelistas e paternalistas.

A educação poderia construir perspectiva mais sólida de oportunidade, por duas razões mais visíveis, a saber: i) porque se reconhece, em geral, que é um dos acessos mais sensíveis à renda no mercado de trabalho – em especial para quem é, na origem, muito destituído dela, poder frequentar uma escola pública de qua-lidade é, no fundo, sua única chance na vida; e ii) porque permite que a pessoa se produza, ela mesma, como fonte de suas oportunidades, não dependendo ou dependendo menos de circunstâncias alheias (DEMO, 1997). Esse segundo pon-to é o mais ressaltado pelo PNUD, pelo menos nas versões originais do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), tanto assim que, a partir de 1997, entrou no ar a noção de “pobreza humana” como sensor da democracia dos países, um conceito muito próximo do que tenho denominado “pobreza política” (DEMO, 2007). Embora de muito difícil manipulação metodológica – é uma briga perdida defi nir o que seria qualidade da democracia, porque até mesmo a noção de “di-reitos humanos” não consegue ser aceita como referência “universal” (SANTOS, 2004; 2007) –, o RDH insinua que a dimensão política da pobreza pode ser muito mais comprometedora do que a econômica. A qualidade da cidadania do pobre é fator imprescindível para a emancipação dele, se há a pretensão de não so-mente lhe dar oportunidade, mas, acima de tudo, de ensiná-lo a construí-la com suas próprias mãos. Assim, a noção de oportunidade volta-se precipuamente para a habilidade de saber pensar, com qualidade formal (saber analisar criticamente sua condição sócio-histórica) e política (saber confrontar-se como protagonista do projeto de emancipação). Do ponto de vista metodológico, pobreza política não é de fácil trato, a começar pelo fato de que a correlação com renda é claramente ambígua: há pessoas muito ricas, mas muito pobres politicamente, bem como seria possí-vel uma pessoa destituída de posses se confrontar adequadamente como cidadã (HOLLOWAY, 2003). Na prática, porém, isto não altera sua relevância, pois é preciso tentar analisar a realidade, não apenas o que certos métodos permitem. Essa “ditadura do método”, na linguagem de Morin (1996; 2002), tem levado analistas a encurtarem pobreza à sua face econômica, reduzindo oportunidade, na outra ponta, a mero acesso à renda assistencial. Perdeu-se pelo caminho todo apreço a perspectivas de “redistribuição” de renda, o que implica, com certeza, crescimento. Mas, mais do que isso, perdeu-se capacidade cidadã de confronto contra tendências poderosas de concentração de renda.

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De difícil percepção é também a noção de “politicidade” (DEMO, 2002) da renda, tendo em vista que a crença generalizada economicista em “evidências empíricas” reduz a complexidade considerável da pobreza a expressões empíricas (mensuráveis, de preferência linearmente) (GOODE e MASKOVSKY, 2001). Em razão disso, fala-se alegremente em “transferência de renda”, como se renda fosse coisa facilmente disponível e transferível, em especial para os mais pobres. Esta visão espalhou-se de tal modo que, entre assistentes sociais, em particular, tornou-se padrão da “política social brasileira”, como consta da análise de Yazbek et al.(2004). Mal se percebe que, aí, economicismo e assistencialismo se abraçam num festim neoliberal, ignorando a luta surda e profunda que o sistema produti-vo alimenta na esfera da inclusão marginal.

Em primeiro lugar, desconhece-se que a renda transferida é sempre tenden-cialmente marginal – algo palatável no orçamento público, sem comprometer a lógica liberal. Poder-se-ia, por exemplo, discutir se não seria mais efetivo, so-bretudo transparente, em vez do Bolsa Família, alargar a renda dos aposentados idosos expressivamente acima do salário mínimo, não só por questão de justiça, mas igualmente porque seria investimento na qualidade de vida local – ocorre isso na aposentadoria rural, um programa redistributivo, ainda que inventado tecnocraticamente e um pouco sem querer. Tais aposentados já estão “certifi ca-dos”, evitando-se a máquina tão dúbia de certifi cação (os mais pobres difi cilmen-te entram de maneira adequada, quem deveria sair não sai mais, outros entram indevidamente), tornando-se situação pouco tratável decidir quem entra e quem não entra. Tratando-se de pessoas idosas, certamente vão gastar o que recebem, e, naturalmente, em sua família, para além de si mesmos. A elevação da renda, neste caso, não traria as contrariedades que aparecem no Bolsa Família, como a de ter de se manter baixa para não se aproximar demais do salário mínimo, incentivar a informalidade e o aumento dos fi lhos do casal, estabilizar uma situação que deveria ser nitidamente provisória.

No entanto, para tal programa seria necessário elevar substancialmente o montante de recursos, também para incidir em efeito redistributivo, não apenas distributivo. A diferença entre distribuição e redistribuição compareceria, então, com clareza: trata-se de mera distribuição, quando se distribuem somas orça-mentariamente marginais, ainda que, em termos absolutos, possam ser elevadas, comparando-se com transferências anteriores extremamente residuais; trata-se de redistribuição quando recursos signifi cativos são dirigidos a uma população mar-ginalizada, facultando-lhe modos mais visíveis de autossustentação inserida na própria estrutura econômica. Como se trata de pessoas aposentadas, pode-se su-por que, tendo trabalhado uma vida toda, “merecem” desfrutar de renda compa-tível com a dignidade construída. O importante, porém, é que não se trata apenas de “transferência de renda”, mas já de redistribuição. Enquanto o Bolsa Família

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é programa que não faz parte da estrutura econômica – qualquer governante po-deria futuramente suprimi-lo –, o alargamento das aposentadorias mínimas dos idosos passaria a fazer parte da Previdência naturalmente.

Em segundo lugar, ignora-se a luta política feroz que cerca a produção e, principalmente, a apropriação da renda disponível, em especial no contexto li-beral. Bastaria lembrar que a renda de cidadania – bandeira eterna do senador Eduardo Suplicy (SUPLICY, 2002) – foi uma vez calculada em mais de dois sa-lários mínimos. No governo Cristovam Buarque, no Distrito Federal, esta trans-ferência fi cou em um salário mínimo, valor considerado, à época, muito elevado. No entanto, quando o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) instituiu o programa de transferência de renda para as famílias mais pobres, o patamar inicial foi de R$ 15,00, podendo-se elevar a R$ 45,00 no caso de mais de três fi lhos. Aparece aí, drasticamente, a luta política nos bastidores da apropriação da renda. Foi, por isso, notável o esforço do atual governo de fazer subir signifi cativamente tais valores, tornando o programa de alcance generalizado e detendo nisso ine-gáveis virtudes assistenciais. Há que se levar em conta que não existe renda pro-priamente disponível. Está integralmente “apropriada” na própria estruturação do sistema produtivo e na sua vinculação visceral com o Estado. Destinar valores signifi cativos para as populações marginalizadas é confronto declarado, não só porque é iniciativa peregrina em nossa história – uma das mais marcadas por processos lancinantes de concentração de renda –, mas, principalmente, porque é extremamente desigual. Este reconhecimento curva-se, em parte, ao Programa Bolsa Família, porque, se esperássemos pelo protagonismo dos pobres, não acon-teceria. Seria mister a intervenção de um governo mais claramente comprometido com os marginalizados. Este mérito inegável, porém, é limitado, porque tende a se reduzir à face assistencial e, assim procedendo, resvala rapidamente para o assistencialismo.

Em terceiro lugar, ignora-se o contexto neoliberal dessa política social, não apenas porque se trata de sociedade capitalista periférica, mas, principalmente, porque distribuir renda é gesto perfeitamente digerível, tendo em vista que se trata de acomodar confl itos sociais com custos pequenos, e não propriamente de resolvê-los (OLIVEIRA e RIZEK, 2007). De um lado, aparece a euforia as-sistencial à sombra da expectativa muito ingênua de que o Estado é garantidor da cidadania – logo em um Estado capitalista periférico! De outro, a esperteza neoliberal de decantar capacidade de distribuir renda, desde que seja marginal. É esta a inclusão de que o sistema liberal é capaz: incluir na margem, nunca no centro do sistema. De fato, os pobres incluídos no Bolsa Família desfrutam de certa inclu-são, em especial, de poder alimentar-se melhor, algo de suma relevância e estrita-mente um direito democrático. Mas estão na margem, já dentro, mas quase fora. Ademais, torna-se cada vez mais comum o discurso liberal/assistencial de que,

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não sendo viável inserir adequadamente a população trabalhadora no mercado cada vez mais seletivo e exigente, assistir grandes populações torna-se inevitável e “normal”. Há, porém, diferença astronômica entre sociedades desenvolvidas, nas quais pobres tendem a ser grupos minoritários, e sociedades do capitalismo periférico, em que os pobres podem facilmente ser muito numerosos ou mesmo maiorias. A consequência é fatal: as transferências de renda tendem a ser inver-samente proporcionais às demandas sociais. Isto não ocorreu no atual governo, tendo-se tornado mérito notável. Mas a tendência histórica é, com certeza, a contrária, e não haveria como garantir isso para o futuro, tendo em vista o fato de todo programa assistencial não ser propriamente estrutural, muito embora se dirija à pobreza estrutural. A assistência facilmente revela aí sua tradicional ambi-guidade: serve comumente para acomodar, não para resolver a pobreza.

O desafi o de oferecer oportunidade, assim, foi mais bem tratado na quadra atual dos governos, o que, aliás, pode ser visto no boom econômico atual, que não só atinge camadas mais ricas, mas, igualmente, as menos bem aquinhoadas. O consumo popular cresceu signifi cativamente e isso é fundamental para a quali-dade de vida das pessoas e das famílias. No entanto, a noção de oportunidade im-plica muito mais do que apenas consumir, sobretudo apenas sobreviver. Para além da quantidade de vida, é fundamental atingir qualidade de vida, um horizonte que as populações marginalizadas ainda desconhecem em grande parte. Nesta qualidade de vida não emerge apenas o desafi o de viver condignamente, via consumo, em especial, mas, igualmente, a oportunidade de o pobre constituir-se protagonista de sua história, tomando, em parte, o destino em suas mãos. O gesto mais relevante é saber se confrontar com seus problemas, buscando soluções que dependem não só de outrem, mas também, principalmente, de si mesmo. Aí aparece o valor educa-cional, para além do assistencial. Faz parte da noção de oportunidade o desafi o de o pobre “fazer-se” oportunidade, tendo em vista não se acomodar na condição de objeto de assistência e implicando a habilidade de reivindicar direitos sociais ina-lienáveis, individual e coletivamente. Por mais que o pobre precise de apoio, em especial do Estado, este suporte torna-se tanto mais adequado e consistente quan-to mais se transforma na capacidade cidadã de o pobre saber se apoiar a si mesmo, não para dispensar o Estado, mas para saber controlá-lo democraticamente.

3 EDUCAÇÃO

A relação entre educação e desenvolvimento é complexíssima, nunca mecânica e automática, razão pela qual metodologias rasteiras de análise empirista não po-dem produzir interpretações satisfatórias, como a de Ioschpe (2004). Como suge-re Benkler (2006), muitas são as motivações humanas perante as circunstâncias e os desafi os da vida, ao contrário da tendência economicista de as reduzir ao con-texto darwiniano da seleção/sobrevivência das espécies. A redução darwiniana, na

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verdade, serve à ideologia sub-reptícia de pretender transformá-la em condição “natural”, como se fora dela não houvesse qualquer outra chance de organizar a sociedade e o mercado (POLANYI, 2000; BRAUDEL, 1993). Ao fazer uma análise econômica da “riqueza das redes” e seus modos de produção de bens e consumo, Benkler (2006) sugere o surgimento de um novo modo de produção tipicamente solidário, voltado para parcerias produtivas e, nem por isso, menos produtivas. Refere-se aos modos de produção coletiva e colaborativa no mundo virtual, com destaque para as plataformas wiki, blog, software livre, iPod, iMing etc., destacando-se, mais que outras, a Wikipedia, uma enciclopédia de mais de quatro milhões de textos elaborados com participação livre de muitas pessoas e, em geral, sem compensação fi nanceira e com qualidade científi ca primorosa/aceitável. O que motiva os colaboradores não é a competição individualista, mas a vontade de contribuir, dentro de regras de jogo coletivamente acordadas e de uma ética da igualdade entre pares. Esta visão de Benkler (2006) não é, certa-mente, pacífi ca. Alguns analistas reconhecem que a internet está sendo crescente e imperceptivelmente privatizada (LESSIG, 2004; GALLOWAY, 2004; FABOS, 2008), também por causa da “netocracia” (BARD e SÖDERQVIST, 2002), em ambiente de disputa feroz capitalista. Na verdade, não é diferente esta desconfi an-ça daquela frente à assim dita “economia solidária” (SINGER e SOUZA, 2001; DEMO, 2003) ou de outros modos menos agressivos de organizar o mercado (GODBOUT, 1999; GODELIER, 2001). De um lado, as experiências são ainda muito pequenas para fazerem o capitalismo tremer nas bases. De outro, mesmo assim, são fl orações de importância enorme (SANTOS, 2002), em particular por-que atingem populações muito expressivas no mundo todo.

É nesse sentido que seria útil não atrelar educação tão fortemente ao mercado, ainda que na história da sociedade eurocêntrica sempre tivesse sido o caso, à revelia do discurso pedagógico (DEMO, 1999; 2004). Não cabe negar que a educação é pro-curada pelas famílias, em particular, por sua utilidade de mercado. Outros valores são, em geral, secundários, por mais que sempre compareçam (CARNOY, 1992). No entanto, assim como reduzir educação a seu papel de reprodução das estru-turas sociais não prospera mais (BOURDIEU e PASSERON, 1975; DEMO, 2004), por causa de sua tessitura complexa não linear, não cabe igualmente fa-lar apenas de seu valor econômico. Ioschpe (2004) tem razão quando critica o discurso pedagógico como tendencialmente aéreo, perdido, alheio ao mercado, no fundo, ideológico, porque é da tradição educacional a produção de textos apelativos, com exceção dos educadores pesquisadores, que procuram se ater a contextos da argumentação científi ca. É comum a declamação patética e poética, excessivamente fi losofante, revidando em parte o tom apologético da sala de aula disciplinar. Mas este abuso não suprime o fato de que em educação há muitas motivações, diferenciadas e por vezes confl itantes, não sendo o caso descartar

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visões que sabem realçar faces aparentemente menos úteis, como dimensões da arte, da poesia, da literatura, da ética etc. Existe reconhecimento espraiado de que o ensino fundamental, por exemplo, não tem como norte o mercado, mas apenas uma propedêutica para a vida, ainda que inclua naturalmente o mercado.

A relação com o mercado aguçou-se recentemente com a nova fase produ-tiva do capitalismo, na qual se ressalta a mais-valia relativa com base em ciência e tecnologia. Conhecimento como capital penetrou profundamente nas dinâ-micas produtivas, ultrapassando o contexto da revolução industrial para privi-legiar maneiras imateriais de produção, em especial a qualidade dos serviços e do consumo (GORZ, 2005; RIFKIN, 2000). Tecnologias da Informação e Co-municação (TICs) dominam esta cena, colocando na berlinda habilidades mais exigentes e elevadas, intelectualmente falando, numa evolução tão rápida quanto sempre incompleta (PINK, 2005). No começo da década dos 1990, celebrou-se o compadrio entre educação e conhecimento, de um lado, e transformação pro-dutiva, de outro lado (CEPAL, 1992; CEPAL e OREALC, 1992), embora logo se tornasse clara a tendência subserviente da educação e do conhecimento. São motores principais, mas não a razão de ser. Ainda assim, esta recíproca implicação foi fenômeno notável, por mais que o realce permanecesse apenas na qualidade formal, evitando-se a qualidade política. Ou seja, as novas dinâmicas produtivas apreciam trabalhadores que sabem pensar formalmente bem, desde que evitem pensar politicamente bem, desvelando que o abuso da ideologia no discurso pedagógico não é muito diferente daquele da ortodoxia neoliberal. Tornou-se, então, fato geralmente admitido que qualidade da educação faz parte da qualidade da produção. Este discurso exprime, com clareza meridiana, o papel funcional da educação, como sempre, mas, o que era antes muitas vezes enfeite desejável, agora é condição produtiva. Mesmo procurando obscurecer a qualidade política, a produtividade neoliberal acaba deixando-a passar pela porta da qualidade formal, porquanto é impraticável compartimentar dessa forma a cabeça do trabalhador que sabe pen-sar. Consequência disso é que as empresas mais avançadas exigem de seus traba-lhadores aprendizagem permanente, vista como capital intelectual imprescindível à produtividade e à competitividade.

Isso posto, torna-se ainda mais difícil compreender a irrelevância prática com que é tratada a educação em nosso meio. Ainda que se cuide de progressos quanti-tativos – por exemplo, da escolaridade quase plena, do acesso ampliado ao ensino médio e ao ensino superior –, não se tem qualquer apreço à qualidade educacio-nal. Isto começa com a educação infantil, ainda relegada a segundo plano, quan-do seria o melhor arranque, por mais que se contem avanços consideráveis. A elite sempre a teve, porque sabe, entre outras coisas, de sua incidência na progressão es-colar posterior, do que em geral segue a obrigatoriedade prática de alfabetizar no pré-escolar. O indicador mais nítido desta irrelevância está ainda na distinção, em si

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superada na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), entre creche e pré-escola, cujos patronos são distintos e muitas vezes beligerantes: assistência social para creche, educação para pré-escolar. À revelia desta querela inglória, não padece dúvida de que o maior e o melhor investimento educacional é a educação infantil, pela razão simples de que todo começo é estratégico. Não é o caso desconhecer que educação infantil é vista, por muitos pais, como oportunidade de “guarda dos fi lhos” enquanto eles trabalham, e, por muitos professores, como mera prévia do ensino fundamental; mas isto, olhando bem, só a enaltece ainda mais.

Faz parte desse imbróglio já tradicional o discurso da prioridade da educa-ção para o desenvolvimento, conhecido pelo menos desde Ruy Barbosa, cujos discursos parecem feitos para hoje. Não passa, porém, de prioridade verbal, na ponta da língua de todo político. A própria reserva constitucional de 18% do orçamento federal (25% nos estados e municípios) é também retórica, porque, todo ano, aprova-se a emenda que permite ao governo usar com liberdade certa parte. Embora também tenham ocorrido avanços importantes – por exemplo, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), que virou Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profi ssionais da Educação (FUNDEB) –, persiste um marasmo asfi xiante, que se pode apreender também em diatribes acadêmicas marcadas por futilidade gritante, como a teoria dos ciclos e da alfabetização em três anos, tal qual aparece no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), obtido na relação entre o que se teria “aprendido” e o tempo gasto para tanto, lançado em abril de 2007. A teoria dos ciclos, de sabor esquerdista inconfundível, maneja sugestões relevantes, como saber partir do aluno, respeitar sua cultura e ritmo, não reprovar – toda pesquisa mostra que reprovar não contribui para a apren-dizagem (PARO, 2001) –, mas, tomando pobreza como ponto de partida e de chegada, tornou-se “teoria pobre para o pobre”, à medida que rebaixa a oferta ao tamanho da pobreza. Não existe, a rigor, nenhuma teoria que afi rme serem neces-sários até três anos para uma criança se alfabetizar, mesmo muito pobre. Embora este tempo seja objeto natural de polêmica – por exemplo, Grossi (2004) sugere apenas três meses –, não haveria razão para ultrapassar um ano, como ocorre com qualquer criança não pobre (IRIZAGA, 2002). O aluno pobre não precisa de compaixão, mas da mesma oportunidade, sem falar que consegue aprender na-turalmente, visto que dotado está do mesmo equipamento mental. A progressão continuada, estabelecida na LDB, torna-se progressão automática, redundando no disparate reiteradamente colocado a público: nossos alunos que chegam ao fi m do ensino fundamental conseguem ler, mas não sabem o que leem. Num sentido bem estrito, continuam analfabetos. A teoria dos ciclos é o tipo de teoria que vitimiza seu teorizados, carecendo de revisão urgente e radical (MAINARDES, 2007). Como não se trata mais de reprovar, há que ocorrer à progressão continuada, por obra da qualidade da aprendizagem, não da fraude docente.

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No entanto, entre nós, aprender coincide com ter aula, e assim está exarado na LDB, quando se estatuíram os duzentos dias letivos.1 Confundiu-se, apressada-mente, aula com aprendizagem, reproduzindo um dos estereótipos mais triviais da organização escolar e universitária, não só no professor, mas igualmente nos pais: estes medem a aprendizagem de seus fi lhos pelas aulas e se irritam quando, por alguma razão, não há aula. Está-se agora introduzindo o nono ano no ensino funda-mental, sob a mesma alegação: se os alunos tiverem mais aulas, vão aprender mais. Quando se faz greve na escola ou na universidade, suspendem-se as aulas, como se aula fosse o cerne da escola e da universidade. Quando a greve termina, repõem-se as aulas, mesmo que isso seja efetivado de modo sempre canhestro. A noção de escola de tempo integral está, em geral, atrelada à expectativa de maior tempo de aula ou, pelo menos, de maior tempo de permanência na escola. Estudar, aprender não é o sentido central, mas ter aula.

Pode, porém, não ocorrer que aumentar aula signifi que melhor aproveita-mento, e isso insinuam dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-cacionais Anísio Teixeira (INEP) (SAEB), surpreendente e ironicamente, como se observa na tabela 1.

TABELA 1Média de profi ciência em língua portuguesa e matemática: Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) – 1995-2005

Anos 1995 1997 1999 2001 2003 2005

4a série EF1 188,3 -1.8 -15.8 -5.6 4.3 2.9 (172,3)

LP2 8a série EF 256,1 -6.1 -17.1 2.3 -3.2 -0.1 (231,9)

3a série EM1 290,0 -6.1 -17.3 -4.3 4.4 -9.1 (257,6)

4a série EF 190,6 0.2 -9.8 -4.7 0.8 5.3 (182,4)

M2 8a série EF 253,2 -3.2 -3.6 -3.0 1.6 -5.5 (239,5)

3a série EM 281,9 6.8 -8.4 -3.6 2.0 -7.4 (271,3)

Fonte: INEP/MECNotas: 1 EF: ensino fundamental; EM: ensino médio.

2 LP: língua portuguesa; M: matemática.Obs.: Média esperada para a quarta série: 200 pontos; para a oitava série: 300 pontos; para a terceira série do ensino médio:

350 pontos.

Essa série histórica de seis pontos no tempo indica que o rendimento escolar está decaindo desde 1995, tendo ocorrido uma recuperação tímida e ambígua em 2003. Advindo os dados de 2005, soaram como ducha de água fria: em especial na terceira série do ensino médio e na oitava série do ensino fundamental ocorreram quedas acentuadas. Em 1997, foram introduzidos os duzentos dias letivos e, no lapso entre 1997 e 1999, nota-se a maior queda, particularmente com referência à língua portuguesa: na quarta série, a queda foi de 15,8 pontos; na oitava série,

1. A LDB dá conta de “duzentos dias de efetivo trabalho escolar” (Art. 24, I), um termo que admitiria outras interpre-tações para além de apenas “aula”. Mas, nos conselhos de Educação (Nacional, estaduais e municipais), a tendência é sempre entender como aula.

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de 17,1 pontos; e na terceira série do ensino médio, de 17,3. Em matemática, a queda foi bem menor: de 9,8 pontos, na quarta série; de 3,6 pontos, na oitava série; e de 8,4 pontos, na terceira série do ensino médio. Embora não se possa atribuir a queda pura e simplesmente ao aumento de aulas, dado que pode ter ocorrido também por outros fatores, é no mínimo curioso que a introdução dos duzentos dias letivos não tenha acarretado qualquer efeito benéfi co à aprendi-zagem. A tabela 1 instila pelo menos duas mensagens ostensivas: i) aumentar aula não implica, de modo algum, aumento de aprendizagem, podendo ocorrer o contrário; ii) continuando a fazer o que se faz hoje na sala de aula – e que é dar aula substancialmente – vai-se ladeira abaixo. Estudar, aprender não é ter aula.

Essa mesma insinuação se apresenta quando se consideram os estágios de desempenho para 2003, conforme a tabela 2. Rendimento “adequado” era da ordem da exceção, tão diminutas eram as respectivas cifras, sem falar na mais baixa: apenas 3,3% dos alunos brasileiros teriam tido desempenho adequado em matemática na oitava série. Por volta de 20% dos alunos estavam na quarta série em língua portuguesa e não sabiam quase nada (estágio “muito crítico”), sendo que esta cifra ia a 30% no Nordeste. Quase dois terços dos alunos em mate-mática na terceira série do ensino médio tiveram desempenho “crítico”. É de se perguntar: como pode um aluno chegar à quarta série e não saber quase nada? Aulas não faltam, são agora duzentos dias letivos. Falta, da maneira mais perple-xa, aprendizagem. A aprendizagem pode ser obstaculizada por inúmeros fatores, também de fora da escola, em especial a condição de pobreza extrema de muitos alunos, desinteresse da família, políticas educacionais ineptas. Mesmo assim, na maior pobreza, o aluno não poderia estar na quarta série e não saber quase nada, tendo duzentos dias de aula. Os dados insinuam que as aulas não produzem aprendizagem. É difícil convencer o professor disso, visto que ele se identifi ca com suas aulas e ainda acredita piamente que o aluno precisa delas como oxigênio para sua vida. É equívoco porque nenhuma teoria e nenhuma prática razoavel-mente fundamentadas e experimentadas acolhem tal expectativa. Aprender não advém necessariamente de ensinar, porque é dinâmica de dentro para fora, tendo o aprendiz na condição de sujeito, não de ouvinte. Relembrando Sócrates, hoje tão apreciado também em ambientes virtuais de aprendizagem, nunca ensinou, nunca deu aula, nunca passou prova, e é considerado o educador dos educadores. Aprender pode encontrar em aulas algum suporte, mas nada além disso. Aula só faz sentido se o aluno aprender bem. É o que não ocorre.

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TABELA 2Estudantes em estágios de construção de competências em língua portuguesa e em matemática – 2003 (Em %)

Estágios Muito crítico Crítico Intermediário Adequado

4ª série EF1 – LP2 18,7 36,7 39,7 4,84ª série EF – M 11,5 40,1 41,9 6,48ª série EF – LP 4,8 22,0 63,8 9,38ª série EF – M2 7,3 49,8 39,7 3,33ª série EM1 – LP 3,9 34,7 55,2 6,23ª série EM – M 6,5 62,3 24,3 6,9

Fonte: INEP/MEC.Notas: 1 EF: ensino fundamental; EM: ensino médio.

2 LP: língua portuguesa; M: matemática.

A mensagem maior, entretanto, dessas duas tabelas (em especial a da tabela 1),é que, pelo andar da carruagem, mantendo-se a atual didática instrucionista na escola, o resultado persistirá em queda. Impressiona o diálogo de surdos que se instalou: enquanto, de um lado, a escola tende a reprovar menos, do que seguiria que o aluno estaria aprendendo melhor, de outro, os dados do Ministério da Educação (MEC) asseguram que o aluno estaria, persistentemente, aprendendo menos. O IDEB, por isso, não usa dados da escola, mas da Prova-Brasil, con-trolados pelo MEC. A progressão automática tornou-se regra, também porque permite evitar a avaliação, algo que, em geral, os professores detestam (DEMO, 2004; UNESCO, 2004). Ainda que se devam tomar os dados com cautela – pois são modos de interpretar, reconstruir, não simplesmente de retratar a realidade (BESSON, 1995; DEMO, 2006) –, no seu conjunto nos induzem a sacar várias consequências fundamentais, entre elas as resumidas a seguir.

1. A proposta vigente escolar está falida porque é instrucionista visceralmente; não se interessa pela aprendizagem do aluno, baseando-se em transmissão de conteúdos em geral arcaicos, reproduzidos, repassados como cópia e para serem copiados; não faria sentido “aprimorar” esst modelo; urge superá-lo.

2. Não cabe investir na aula instrucionista porque não recebe qualquer apoio de teorias mais atualizadas de aprendizagem; aumentar aula é equívoco notório; é urgente aumentar a aprendizagem e esta orienta-se por parâme-tros muito diversos, de teor autorreferente, reconstrutivo, interpretativo.

3. É impróprio o ambiente de vestibular que ainda predomina nas escolas e universidades, focado no domínio repassado de conteúdos, sempre en-curtados, facilitados, exigindo o mínimo de esforço de pesquisa e elabo-ração por parte do aluno; no mesmo tom, é preciso afastar a cultura da apostila, pois, vindo pronta, sugere ao professor apenas repassá-la e, ao aluno, engoli-la; apostila só pode ser material de estudo, pesquisa, elabo-ração, não de cópia.

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4. Não faz sentido introduzir na didática escolar tratamento discente com base na compaixão piegas, própria da teoria dos ciclos e da alfabetização em até três anos, porque ignora a capacidade de aprender de todos os alu-nos, incluindo aí os mais pobres; quem está precisando deste tempo para alfabetizar não é o aluno, mas a escola que não está à altura dos alunos.

5. O país, a rigor, está encalhado na primeira série, do que segue ser este um dos desafi os mais prementes; construir a expertise da primeira série está na ordem do dia, tendo como objetivo alfabetizar todos os alunos bem, no período de um ano no máximo, facultando a progressão continuada sem fraude. Em geral, todos os problemas posteriores que abarrotam a escola, em especial de má aprendizagem persistente, vinculam-se ao de-sempenho péssimo da primeira série; no fundo, o aluno, por inépcia da escola, é transformado em repetente logo de partida, ao fi car retido por três anos no mesmo lugar.

6. Se aumentar aula não leva a nada, ou, pior ainda, provoca queda no de-sempenho, torna-se patente que existe uma questão docente de enorme gravidade e relevância; a precariedade da aprendizagem tem múltiplas origens, também fora da escola e sobre as quais os docentes possuem pouca ou nenhuma infl uência – segue que não faz sentido “culpar” a es-cola/docente –, mas parte do problema está vinculado ao desempenho da escola/docente; não decorre disso apenas a crítica, mas o cuidado que se precisa ter com os professores (UNESCO, 2004; DEMO, 2007a).

7. Tema relevante hoje é a postura abstrata, distanciada da escola perante a vida dos alunos; estes não conseguem perceber onde em suas vidas entra a escola, porque o que lá veem lhes parece estranho, fora de foco, atrasado, em especial quando os alunos possuem alfabetização digital mínima; parte da desmotivação/indisciplina pode ter aí sua origem (TIBA, 2007; 2007a).

8. Particular atenção volta-se para a escola pública, em especial porque no ensino fundamental apenas 10% são alunos privados; nela, joga-se carta-da decisiva em torno da qualifi cação da democracia do país, o que a torna referência estratégica na construção de oportunidades.

A crise, no entanto, está longe de comparecer apenas nas escolas públicas. Os dados de 2005 em especial indicam que há igualmente uma crise no siste-ma particular. Observando as tabelas 3 e 4, que apresentam apenas dados da terceira série do ensino médio, na qual sempre a queda é maior por causa da acumulação de problemas anteriores, percebe-se que a superioridade da escola particular é fl agrante.

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TABELA 3Médias de profi ciência em língua portuguesa, terceira série do ensino médio, escolas urbanas estaduais e municipais (públicas) e particulares

Regiões 1995 1997 1999 2001 2003 2005

Brasil – público 284,0 -12,4 -15,0 -3,6 -3,8 -8,3 (248,7)Brasil – particular 307,5 10,4 -12,1 3,8 4,6 -7,3 (306,9)Norte – público 263,1 -5,0 -18,0 2,2 2,7 -8,9 (236,1)Norte – particular 316,7 -8,8 -9,2 5,3 -4,0 -1,5 (298,5)Nordeste – público 256,6 -3,7 -10,5 -3,1 6,0 -8,2 (237,1)Nordeste – particular 287,9 20,6 -20,9 3,0 11,7 -3,2 (299,1)Sudeste – público 294,8 -22,9 -10,7 -3,8 4,3 -8,3 (253,4)Sudeste – particular 309,0 12,8 -10,4 7,0 1,3 -9,3 (310,4)Sul – público 290,3 -2,5 -19,7 -4,2 5,1 -4,1 (264,9)Sul – particular 318,7 5,2 -9,1 2,1 8,3 -10,5 (310,6)Centro-Oeste – público 285,0 -5,1 -19,1 -0,6 -0,1 -8,6 (251,5)Centro-Oeste – particular 334,4 -14,8 3,8 1,2 1,2 -8,3 (309,9)

Fonte: INEP/MEC.

No caso de língua portuguesa (tabela 3), para o país como um todo, a série histórica sugere que a escola pública caiu de 284,0 pontos em profi ciência em 1995 e para 248,7 pontos em 2005, enquanto a particular se manteve no mesmo pata-mar aproximado. Ainda assim, como trabalha com a elite do país, o desempenho da escola particular também é muito insatisfatório. Nas regiões, a escola pública sempre mostra tendência de queda ao longo do tempo, mas há quedas notáveis no sistema particular, em especial no Centro-Oeste: em 1995, a profi ciência atin-gia 334,4 pontos, mas, em 2005, apenas 309,9 pontos. Notavelmente, o Nordeste apresentava a melhor evolução: de 287,9 pontos em 1995 para 299,1 em 2005.

TABELA 4 Médias de profi ciência em matemática, terceira série do ensino médio, escolas urbanas estaduais e municipais (públicas) e particulares

Regiões 1995 1997 1999 2001 2003 2005

Brasil – público 272,1 -1,0 -3,2 -3,2 1,2 -5,9 (260,0)Brasil – particular 307,2 30,4 -7,8 8,8 1,9 -7,2 (333,3)Norte – público 250,8 9,8 -13,1 1,0 1,9 -6,8 (243,6)Norte – particular 308,7 -5,1 2,3 15,6 -1,9 -6,4 (313,3)Nordeste – público 251,1 7,7 -6,5 0,2 0,2 -5,1 (247,6)Nordeste – particular 288,2 46,5 -26,1 6,8 9,1 -5,2 (319,3)Sudeste – público 280,5 -12,9 3,8 -4,3 3,8 -6,4 (264,5)Sudeste – particular 306,1 29,7 0,7 12,4 -2,3 -7,0 (339,6)Sul – público 279,5 15,0 -10,3 -1,8 3,6 -3,3 (282,7)Sul – particular 324,3 29,5 -7,9 0,2 7,9 -11,8 (342,2)Centro-Oeste – público 270,3 11,8 -5,8 -4,0 -7,6 -3,5 (261,2)Centro-Oeste – particular 346,2 -2,4 -8,7 14,5 -0,9 -10,2 (338,5)

Fonte: INEP/MEC.

No caso de matemática (tabela 4), a crise da escola particular se agrava: para o país como um todo, a queda na escola pública foi de 5,9 pontos e, na particular,

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de 7,2 pontos, em 2005. Enquanto a escola pública caiu, no Sudeste, em 2005, 3,3 pontos, a particular caiu 11,8 pontos; no Centro-Oeste, em 2005, a escola pública caiu 3,5 pontos, e a particular, 10,2 pontos. Mesmo assim, na série histó-rica o sistema particular acaba chegando a 2005 com pontos superiores a 1995, com exceção do Centro-Oeste. Pode-se concluir daí que se aprende muito mal em qualquer sistema. A vantagem da escola particular é gerencial, não pedagógica.

3.1 Professor

Reconhece-se, hoje, que a referência mais promissora de mudança da escola é o professor (OWENS, 2004; DEMO, 2007a), tendo como argumento princi-pal o fato de a mudança profunda provir de dentro (MATURANA, 2001). Não pode propriamente ser “gerenciada” (SOUZA, 2004) de fora, de cima. Estamos habituados a questionar o professor, em geral, por causa dos maus resultados renitentes no desempenho discente, não sem razão. No entanto, é impróprio pôr na berlinda apenas o professor, não só porque está no mesmo barco, do qual não é dono, mas, sobretudo, porque é resultado de processos de (de)formação original e continuada obsoletos. Os cursos de preparação docente (pedagogias e licenciatu-ras) passam por tendências mercantilistas de encurtamento e simplifi cação, de tal ordem que não conseguem produzir profi ssionais minimamente adequados. Por exemplo, não aparecem no mercado alfabetizadores capazes de garantir seu mé-tier, sendo esta uma das razões da alfabetização em até três anos. É uso nas redes escolares que os professores evitem a primeira série porque a consideram apenas porta de entrada no sistema, resultando daí a impossibilidade de construção da indispensável expertise. Acresce que o mundo muda, os alunos também, o que co-loca sobre a escola outras expectativas que complicam por demais a vida docente, por exemplo, na perspectiva disciplinar e motivacional. Espera-se do professor um lote extenso de habilidades que vão muito além de apenas dar aula – sem falar que esta função é decadente –, não lhe garantindo sequer suporte mínimo.

Questionar o professor é necessário, também por coerência metodológica – não se pode eximir da crítica o crítico (DEMO, 2005) –, mas nada se pode fazer de importante na escola sem sua participação ativa. Cabe lembrar que os professores das universidades federais (algumas estaduais também) cuidaram de processos formativos mais qualitativos desde sempre: exige-se titulação adequada e crescente; propõe-se que se tenha no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq) um projeto de pesquisa e participe de grupos de pesquisa; recomenda-se participar de associações por área voltadas para o cultivo da produção acadêmica (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS; Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED; Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia – ANPEC – etc.); insere-se na carreira a oportunidade de estudo

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(sabático ou outros procedimentos), exigindo-se produção sistemática; inventou-se, no MEC, uma instituição que cuida da qualifi cação docente, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); pede-se dedicação ex-clusiva a uma única instituição; espera-se que o docente se torne autor, porque só autores poderiam dar aula; e assim por diante. Nesse sentido, sempre exis-tiu uma política de formação docente superior, ainda que se possam apontar aí muitos problemas de inefi ciência, sinecura, isolamento e também instrucionismo (DEMO, 2004b). Nunca existiu, porém, este tipo de política com respeito à formação docente básica. O docente básico ainda se orienta por meios-tempos de atividade, acumulando, por vezes, três meios-tempos ao dia, gastando-se em dar aula instrucionista, sem se manter atualizado. Marcantemente, como os pro-fessores não aprenderam a estudar na faculdade, não estudam, não leem, nem se renovam, exaurindo-se na rotina escolar.

Parte desse problema pode ser visualizada na tabela 5, que se refere ao salário médio dos professores de educação básica – padronizado para 40 horas semanais.

TABELA 5Salário médio – professores de educação básica(Em R$)

Unidade da Federação 2006 2006=100 Unidade da Federação 2006 2006=100

Distrito Federal 3.371 100 Santa Catarina 1.274 37Rio de Janeiro 2.108 63 Goiás 1.165 35Sergipe 2.012 60 Minas Gerais 1.119 33Roraima 1.790 53 Espírito Santo 1.068 32São Paulo 1.767 52 Pará 1.046 31Amapá 1.747 52 Rio Grande do Norte 1.018 30Acre 1.597 47 Maranhão 1.013 30Mato Grosso do Sul 1.508 45 Piauí 1.008 30Paraná 1.483 44 Tocantins 986 29Rio Grande do Sul 1.415 42 Bahia 957 28Rondônia 1.395 41 Alagoas 955 28BRASIL 1.369 41 Paraíba 906 27Mato Grosso 1.291 38 Ceará 866 25Amazonas 1.274 37 Pernambuco 831 24Fonte: PNAD/IBGE. Tabulação: INEP/MEC.Obs.: Renda do trabalho principal padronizada para 40 horas semanais.

Em primeiro lugar, é estranha a disparidade regional, que vai desde o pico de R$ 3.371,00, no Distrito Federal (DF), até R$ 831,00, em Pernambuco (apenas 24% daquele do DF), insinuando não se tratar do mesmo país.

Em segundo, chamam atenção os valores do Distrito Federal: o segundo sa-lário médio (do Rio de Janeiro) é apenas 63% daquele do DF, indicando que esta unidade da Federação se desgarrou. No entanto, olhando bem, a média salarial de R$ 3.371,00 mensais não é algo que poderia impressionar, não só porque o custo

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de vida no DF é sabidamente muito elevado, mas também porque, levando-se em conta que o “salário mínimo” adequado para uma vida condigna estaria por volta de dois mil reais pelo menos, esta cifra não é muito expressiva. Ainda assim, os professores do DF percebem salários muito discrepantes na comparação nacional.

Em terceiro lugar, é notável a média salarial de Sergipe (R$ 2.012,00), a tercei-ra maior, ainda que fosse apenas 60% daquela do Distrito Federal, por tratar-se de estado nordestino, em geral, com maus salários. Se for observado o fi nal da tabela 5, os estados com médias inferiores a mil reais são todos nordestinos, com exceção de Tocantins. O destaque de Sergipe indicaria que médias salariais baixas vinculam-se também a políticas locais e, provavelmente, mais ainda a políticas sindicais, terreno em que os docentes frequentemente não se desempenham bem (tabela 6).

Em quarto lugar, a média nacional fi cou em R$ 1.369,00, visivelmente muito baixa para garantir vida digna aos docentes, sem falar que representava apenas 41% daquela do DF. Tais dados insinuam que não se tem ainda à mão uma política docente minimamente adequada, que combine qualidade educacio-nal com dignidade socioeconômica. Ambas são imprescindíveis, até porque facil-mente andam em separado. Temos até hoje muita difi culdade de vincular melhoria salarial docente com melhoria da aprendizagem do aluno, tamanha é a precariedade educacional docente. É certo também que esta vinculação não é mecânica, tornan-do-se esdrúxulo interpor ilações automáticas. Mas isto incomoda ao docente, em especial porque é sempre pretexto para rebaixar as remunerações, como aparece, com forte sarcasmo e não menos forte contradição, na análise de Ioschpe (2004). Se educação tem impacto tão decisivo na renda, seus artífi ces (os docentes) não poderiam ser tratados como profi ssionais quaisquer. Quem está tanto na base da melhoria de renda na população, teria de poder participar melhor deste efeito tão fundamental. Por isso, análises cruas de oferta e de demanda só servem à ortodoxia neoliberal, não à causa da educação, que precisa de professores bem remunerados por causa da dignidade e do caráter estratégico da profi ssão. Marca-da pela seleção negativa até hoje, incorpora uma das contradições mais dolorosas do cenário nacional: quando um professor pernambucano entra em sala de aula, sugere aos alunos que ser professor é mau negócio ou que educação, ao contrário do discurso da prioridade, não é relevante na vida das pessoas, a começar pelo professor. Portanto, mesmo que o professor detenha enorme difi culdade de, ao ganhar melhor, melhorar a aprendizagem do aluno, é preciso defender sua dig-nidade socioeconômica para que tenha condições mínimas de investir em sua qualifi cação permanente.

Contudo, como indica a tabela 6, a cidadania docente nem sempre é primo-rosa, como seria de esperar dos artífi ces centrais (não únicos) da cidadania popular.

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TABELA 6Proporção de professores, segundo frequência da participação em associações – 2002

Tipo de associação

Frequência da participação

Habitualmente OcasionalmenteAlguma vez no

passadoNunca

Associação ou clube esportivo 13.4 23.9 19.7 43.0Paróquia ou associação religiosa 40.8 25.6 13.8 19.8Associação de bairro (vizinhança, fomento) 5.5 18.9 15.5 60.1Centro cultural (musical, cineclube) 7.2 26.0 19.3 47.4Sindicato 16.0 21.8 12.6 49.6Partido político 6.6 14.0 11.9 67.5Associação ecológica/direitos humanos 3.8 18.2 12.4 65.6Associação de consumidores 1.1 8.0 8.2 82.8Cooperativa 3.5 8.5 11.1 76.9Entidade fi lantrópica 11.2 18.1 12.8 57.9

Fonte: UNESCO, 2004, p.106.

Esses dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2004) sugerem que a participação habitual em sindi-catos seria de apenas 16%, uma cifra alarmantemente baixa, sobretudo quando se contrasta com a participação em associações religiosas, que vai a 40,8%, de longe a cifra mais elevada da tabela 6. Nas associações de bairro, a participação era de somente 5,5%, indicando que o professor é um grande ausente nos de-safi os coletivos locais. Não se questiona aqui que os docentes apreciem cultivar sua espiritualidade, até porque a vinculação religiosa é fenômeno de força muito relevante no país (DEMO, 2001). Questiona-se o baixo interesse em associações mais próximas da cidadania popular, o que nos faz entender melhor, por exemplo, a inocuidade das greves docentes. Quando a greve se torna “curricular”, perde o sentido, virando um piquenique esticado, que em geral acaba em nada. Os gover-nos não tomam conhecimento, deixando a greve esvair-se por inanição, enquanto se prejudica cada vez mais a imagem já arruinada da escola pública.

Visivelmente, o docente não sabe fazer greve, perícia que deveria domi-nar como ninguém, por ofício. Ao fi nal da greve, repõe as aulas, precisamente, aquilo que é menos relevante para a aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, o professor encarna uma das lacunas mais preocupantes da história do país: não apreciamos estudar. Friedman (2005), em seu best-seller intitulado O mundo é plano (deixando-se de lado aqui passagens neoliberais dúbias, entre elas a defesa da política antiterror do governo George W. Bush), aponta países que gostam e não gostam de estudar. Ainda que seja arriscado, para dizer o mínimo, compa-rar culturas – elas são propriamente diferentes, não inferiores ou superiores –, enquanto a Índia mantia nos Estados Unidos por volta de trezentos mil estudan-tes, o México comparecia com apenas dez mil, morando ao lado. Insinua-se aí que culturas como a mexicana – e aí entramos nós também – orientam-se por

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outros valores pouco vinculados aos desafi os científi cos e educacionais. Somos uma cultura que lê pouco, em consequência, questiona pouco (MANGUEL, 1996; DEMO, 2005a).2 Segundo o Índice Nacional de Analfabetismo Funcio-nal (INAF), instituído pelo Instituto Paulo Montenegro/Ibope3 e voltado para a condição de letramento da população adulta (na prática, refere-se ao que resta da escola para a vida), por volta de 25% da população manejam língua portuguesa adequadamente (RIBEIRO, 2003), e 20%, matemática (FONSECA, 2004), in-dicando despreparo clamoroso.

Torna-se premente, assim, reconhecer que, para introduzir qualquer melho-ria qualitativa na educação básica, é imprescindível arquitetar uma política do-cente marcada pela qualidade do desempenho e pela valorização socioeconômica. Nada frutifi ca na escola sem a qualidade docente, por mais que docente seja parte do todo. Esta questão retorna, naturalmente, nos novos desafi os tecnológicos que rondam a escola.

4 NOVAS ALFABETIZAÇÕES

Entre as novidades do século XXI – por mais que a virada do milênio seja apenas metáfora útil e, em geral, fútil –, contam-se agora as novas alfabetizações, por condicionarem profundamente as oportunidades das pessoas e sociedades. Não basta saber ler, escrever e contar. Isso é mero pressuposto, também porque a crian-ça lida com o computador antes de ler. Como diz Prensky (2001; 2006), criança é “nativa”; nós somos “imigrantes”. A nova geração é “digital” (TAPSCOTT, 1998) e vive na “galáxia da internet” (CASTELLS, 2003). O que mais tem chamado atenção dos analistas que pretendem manter o senso crítico é o estilo de mudan-ça capitaneado por uma infraestrutura tecnológica, tornando-a tanto mais com-pulsória. Ainda que buscando evitar o determinismo tecnológico (DIJK, 2005; WARSCHAUER, 2003), não se escapa de reconhecer que novas alfabetizações se impõem, empurrando a escola para um canto ultrapassado da história presente. Se, no futuro, todas as crianças terão de usar computador em suas vidas, não só no mercado, faria pouco sentido não alfabetizá-las com computador, até porque elas mesmas o fazem, fora da escola.

Surgem, ao mesmo tempo, novas linguagens (DEMO, 2007), que desbor-dam os padrões tradicionais do texto impresso, incluindo, fortemente, a dinâmica da imagem (KRESS e LEEUWEN, 2001; GEE, 2003; 2004), a exemplo dos “bons” jogos eletrônicos (GEE, 2007). Nessa discussão, diz-se do texto impresso tradicional ser peça pretensamente completa e rigidamente ordenada (de cima

2. Ver pesquisa anunciada no jornal O Estado de São Paulo (28/05/2008, p. A18): “aluno lê 1,7 livro ao ano por von-tade própria; do total dos alunos, 46% afi rmaram que não frequentam biblioteca”.

3. Cf. www.ipm.org.br

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para baixo, da esquerda para a direita, palavra por palavra, linha por linha, pará-grafo por parágrafo, página por página), lembrando a crítica de Foucault (2000) sobre a “ordem do discurso”. Por outra parte, o texto, no qual predomina a ima-gem, torna-se fl uido, dinâmico, não hierárquico, sem centro e sem ordem pre-determinada, “multimodal”, permitindo manipulação de autorias diferenciadas e, muitas vezes, indeterminadas. A própria noção de autoria torna-se ainda mais ambígua com os textos colaborativos da plataforma wiki, por exemplo, entrando em cena a noção de “remix” que os internautas usam para designar seus produtos virtuais (WEINBERGER, 2007). A rigor, não existe ideia original, tendo em vis-ta que não somos estritamente originais na natureza. Somos tipicamente produto do processo evolucionário, o que nos coloca como simples elo de uma cadeia que nos precede e sucede, tão descartável quanto qualquer elo. De um lado, possuí-mos alguma originalidade, naquilo em que somos dinâmica individual, subjetiva, nisso irrepetível. De outro, somos dinâmica comum, coletiva, dentro da biodi-versidade. Estudando a ambiguidade da representação humana que se repete e se recria incessantemente, Cope e Kalantzis (2000, p. 205) assim se expressam: “A amplitude e complexidade dos recursos representacionais à disposição de uma pessoa são tais que toda representação é invariavelmente única e híbrida”.

Preparar a criança para a vida, muito além do mercado, exige bem mais do que aquilo que a escola atual propõe. Entre as novas alfabetizações apare-cem a “fl uência digital”, um termo que assinala que se trata de novas linguagens (tecnologia como linguagem), implicando saber lidar com o computador, não apenas fi sicamente como máquina manipulável, mas, acima de tudo, saber sacar dele oportunidades renovadas de aprendizagem. Em que pese o risco do plágio e do uso inconsequente, inclusive da informação excessiva que desinforma, vai se consolidando a expectativa de que “aprendizagem virtual” será modo expressivo do mundo da aprendizagem, impondo à escola e a seus professores transforma-ções radicais. Certamente, as novas tecnologias são ambíguas: servem para o bem e para o mal, sem falar no contexto neoliberal de sua produção e ideologia de consumo. Entretanto, como alguns analistas sugerem, esta ambiguidade foi mais exacerbada nas primeiras fases, naquelas em que as pessoas eram meros usuários, consumidores, aplicadores, em posição relativamente passiva. Advindo a web 2.0, tem-se à disposição uma infraestrutura tecnológica que faculta autoria, tendo em vista o fato de seu manuseio não poder mais ser feito apenas passivamente. Para lidar com blog ou wiki, é imprescindível fazer texto individual e/ou coleti-vo (SOLOMON e SCHRUM, 2007; STAUFFER, 2008; VOSSEN e HAGE-MANN, 2007). Crianças tornam-se autoras de textos multimodais rapidamente,4 tornando-se a escola, para elas, referência tendencialmente caduca (WARLICK,

4. Consta que milhares delas, nos Estados Unidos, criam fi cção de Harry Potter em blogs já com sete anos de idade, sem falar que discutem numa espécie de peer university seus textos online.

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2007; GIBSON et al., 2007; SHAFFER, 2006). Ao mesmo tempo, a discussão sobre “web semântica” (para alguns a web 3.0) procura elucidar novos motores de busca de informação, com a pretensão semântica de desvendar ambiguidades e variedades de interpretação (TANIAR e RAHAYU, 2006; DAVIES et al., 2006; MIKA, 2007), com o objetivo de saber lidar com a desinformação do excesso de informação. Sem questionar aqui se esta pretensão cabe – alguns diriam que no mundo digital a percepção semântica está fora de lugar, porque ele é apenas sintático, algorítmico, nisso rígido e sequencial –, o que existe de pertinente é a preocupação em sair da mera absorção de informação para tornar o usuário da internet um produtor de informação.

Essa pretensão pode ser visualizada mais proximamente nos “bons” jogos eletrônicos, a exemplo de Gee (2007). Em primeiro lugar, o jogo pede do jogador a construção do avatar (seu personagem no jogo), atividade na qual pode exercer relativa criatividade, dependendo da fl uência tecnológica individual. Em segun-do, para criar no jogar a sensação de liberdade participativa, as regras de jogo podem ser mudadas em parte. Pode-se sempre alegar que essa liberdade é mínima porque jamais colocaria em xeque o copyright comercial, mas permite ao jogador imaginar que, em parte, conduz o jogo. Em terceiro, as simulações em 3D po-dem ser moduladas até certo ponto, dando a sensação de que o jogador constrói ambientes lúdicos virtuais. Em quarto, os jogos promovem “aprendizagem situ-ada” (GEE, 2004), porque simulam situações da vida dos jogadores que podem tocá-los vivamente, envolvendo-os em tramas que chegam a provocar dependên-cia. Em quinto, na peer university online, os jogadores discutem, animada e siste-maticamente, o jogo, transformando a atividade em dinâmica de aprendizagem relevante, à medida que, não valendo o argumento de autoridade, é forçoso saber lidar com a autoridade do argumento. A condição facultada por infraestruturas tecnológicas orientadas para autoria abre horizontes por vezes inesperados, em que pesem a sua ambiguidade e os seus riscos notórios – por exemplo, a promoção da capacidade de autoria individual e coletiva sob pressão crítica e autocrítica. Quem põe seu texto no blog, a par de tornar-se alvo transparente de outros blogs e usuários, expõe-se à crítica, não adiantando nada se zangar. Se quiser continuar com o blog, terá de responder de maneira adequada, procurando entender-se ou encontrar alguma acomodação. Por causa das regras de jogo da produção coletiva, também possivelmente éticas, a boa argumentação pode ser preferível, porque é a única que, por não ser autoritária, detém alguma autoridade, ecoando a pers-pectiva de Habermas (1989) da força sem força do melhor argumento. Torna-se decisivo convencer sem vencer (DEMO, 2005).

Embora possam ser fantasiosas a “ideagora” (TAPSCOTT e WILLIAMS, 2007) ou a “infotopia” (SUNSTEIN, 2006) da internet, o que importa realçar é a potencialidade inerente de uma possível cidadania que sabe pensar, à medida que, coletivamente, questiona a sociedade e a economia, mantendo a junção in-

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dispensável entre questionar e questionar-se. Não se pode ignorar que há riscos, aliás, motivo de preocupação crescente entre os professores que, a cada dia mais, defrontam-se com textos dos alunos meramente copiados na internet, valendo isso também para dissertações e teses. Há muitos outros riscos ainda, como acesso a conteúdos agressivos/deseducativos – pornografi a, por exemplo (STERNHEI-MER, 2003) –, bullying (TROLLEY et al., 2006), dependência virtual, distração excessiva em navegações inconsequentes, consumismo avassalador etc. (COIRO et al., 2008). Mas o abuso não tolhe o uso. Pode também ser fantasiosa a expec-tativa lançada sobre “educação à distância”, em particular em virtude do mercan-tilismo que a cerca, resultando facilmente em cursos encurtados, banalizados, superfi ciais, atrelados a diplomas ultrapassados. No entanto, esta modalidade de aprendizagem veio para fi car, e, por ironia, avaliações indicam que alunos à dis-tância se desempenham melhor (PALLOFF e PRATT, 2001; 2003; 2005). Além da batalha de mercado à cata de novos alunos, existem outros confl itos por trás, especialmente o questionamento do papel do professor, que, em vez de dar aula, deveria cuidar para que o aluno aprenda (DEMO, 2004a). A insistência em cur-sos ditos “presenciais” deve-se também ao receio docente de perder o controle sobre o aluno, como se este somente aprendesse ouvindo aula. Na prática, quem estuda está presente, ou fi sicamente ou virtualmente ou fl exivelmente, também porque o órgão central de aprendizagem não é o ouvido, mas o cérebro, cujo funcionamento é “autopoiético” (MATURANA, 2001; DEMO, 2002a). O pro-fessor não corre o risco de ser dispensado – a não ser aquele instrucionista –, porque é referência crucial da qualidade da aprendizagem do aluno como fi gura maiêutica (coach, na linguagem de hoje) (DUDERSTADT, 2003).

As novas alfabetizações, sempre múltiplas ou multimodais, assinalam a im-portância da aprendizagem permanente, vista, atualmente, como condição crucial da gestão e da gestação de oportunidades. Não havendo mais emprego estável, a não ser na esfera pública por meio de concursos, é forçoso permanecer aberto a novos desafi os, ainda que essa expectativa detenha visível impiedade neoliberal, porque, enquanto se exige fl exibilidade a toda prova do empregado, o mercado não é fl exível. É nesse contexto de dureza extrema que se discutem montantes astronômicos de “vidas desperdiçadas” (BAUMAN, 2005), ou a “experiência humana desperdiçada” (SANTOS, 2004; 2005), ou as vidas “indeterminadas” das periferias urbanas (OLIVEIRA e RIZEK, 2007). Dentro da ambiguidade da história humana e, em especial, do mercado liberal, novas oportunidades sempre sobrevêm com outras tantas perdidas (DEMO, 2007b), visto que o mercado não está em função da sociedade, mas o contrário. Assim, para que se tenha chance ge-nerosa na vida e também no mercado, é preciso hoje haver preparação muito mais detida, sistemática e multimodal, incluindo, por exemplo, fl uência tecnológica, domínio de inglês, atualização tecnológica permanente e quase obsessiva, traba-lho colaborativo, e assim por diante. A escola, como está hoje, é uma instituição

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obsoleta, não porque isto seria sina, mas porque não consegue se renovar. A escola continuará a ser referência fundamental em nossa sociedade, mas, para recuperar sua relevância alfabetizadora, precisa compor-se com os desafi os da nova mídia (BARBOSA FILHO et al., 2005).

Entre tais desafi os, contam-se perspectivas como as que são resumidas a seguir.

• Refazer a pedagogia e a licenciatura para corresponder às habilidades do século XXI. Pedagogia é, na verdade, o curso mais importante da uni-versidade hoje porque lida com o desafi o da aprendizagem e é o coração de todo curso. Na prática, costuma ser o curso mais fraco, marcado pela seleção negativa, com tendência de queda constante. Nesse tipo de sociedade da aprendizagem permanente, pedagogo (professor) é fi gura estratégica, cuja dignidade vai coincidir com a dignidade da própria sociedade. Não é possível mais imaginar a cidadania popular fora do mundo das TICs, sendo seu artífi ce principal o professor alfabetizador. Ao mesmo tempo, os estilos de formação precisam ser multimodais e cada vez mais exigentes em termos de qualidade, incluindo-se aí tam-bém instituições virtuais (uma universidade virtual, por exemplo), de-dicada à formação docente (também com referência à licenciatura). Um objetivo crucial é garantir alfabetização adequada na primeira série do ensino fundamental, impreterivelmente, para plantar a chance de bom aproveitamento sucessivo.

• Institucionalizar a escola de tempo integral, tendo como argumento central a oportunidade de aprendizagem adequada e tecnologicamente correta (computador um-a-um), porquanto seria esdrúxulo manter o aluno oito horas na escola para fazer a mesma didática inepta de hoje. O objetivo central é a aprendizagem do aluno, não aumentar aula ou encher a escola de inúmeras atividades paralelas – por vezes, usa-se o conceito de “escola integrada”. Se o manuseio das novas tecnologias vai ser peremptório no futuro das crianças, torna-se inapropriado e mes-mo injusto manter os mesmos ambientes de alfabetização tradicionais. O desafi o maior, entretanto, é a preparação dos docentes para que o uso das máquinas resulte em aprendizagem aprimorada, não em atividades dispersas e que facilmente se reduzam à cópia eletrônica.

• Abrir chances de fl uência tecnológica para jovens da periferia por meio de ofertas públicas de acesso à banda larga, com dupla fi nalidade:

a. construir atividades de recuperação escolar (em especial em língua portuguesa e em matemática), com apoio de docentes preparados, não instrucionistas; e

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b. dar acesso a entretenimento eletrônico em jogos considerados “bons” para, em seguida, promover a construção de software livre, e, mais adiante, construção de software próprio, com uso de programas mais pesados de autoria de software.

• Contemplar grupos populacionais considerados relevantes na estrutura-ção populacional atual, como idosos, portadores de defi ciência, alunos de educação infantil, mulheres, sempre tendo em vista promover a formação de autoria nos interessados. Não se trata mais de eventos virtuais, inter-mitentes, cursos pequenos, mas de processos formativos com qualidade conveniente. Esta perspectiva pode ser visualizada por meio de iniciativas como “cidades virtuais”, que podem oferecer acesso público à internet de banda larga.

• Como se trata também de acesso a um tipo de infraestrutura tecnológica, será sempre de extrema relevância instituir programas de aquisição de computadores e internet, bem como de outras tecnologias – como ce-lular, por exemplo – para populações mais pobres. Tais programas serão decisivos para professores, pois todos deveriam já deter est tipo de tec-nologia em suas casas e de maneira sempre atualizada (upgrading). Ainda que as novas tecnologias sofram barateamento rápido, a questão de seus custos pode sempre ser impeditiva, agravando a marginalização digital (DEMO, 2007c).

Nesse contexto, educação permanente e onipresente toma importância decisi-va, sugerindo que é urgente transformar o país numa plataforma ampla e irrestrita de aprendizagem, tendo em vista que o capital intelectual vai se tornando a real “infraestrutura” produtiva. Do ponto de vista da cidadania, a questão produtiva é fundamental, mas não a primeira. A primeira é a conformação de um tipo de sociedade mais igualitária, construída também com apoio de novas tecnologias em debate público transparente. Nesse sentido, o atraso brasileiro é lancinante, porque nem sequer consegue alfabetizar a contento em termos tradicionais. As evoluções mais recentes indicam um tipo de progresso dúbio por meio da proliferação de uni-versidades encurtadas e de mero ensino, de cursos breves e banais, de manutenção a ferro e fogo de procedimentos instrucionistas nas escolas e nas universidades, da formação de professores sem dotação profi ssional mínima, de aprimoramento de procedimentos velhos com novas tecnologias, ignorando que os novos tempos exi-gem, acima de tudo, qualidade permanentemente melhorada. Este mesmo gesto de encurtamento e de simplifi cação vige na política social, à medida que se restringe a assistências que eternizam a eventualidade. Dir-se-ia que a própria difi culdade que se está experimentando de crescer mais rápida e solidamente também tem a ver com o despreparo da população em termos educacionais. Não se sabe ainda estudar. Milagres de expedientes simplifi cadores são esperados, como vestibular e apostilas.

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5 CONCLUINDO

O desafi o de inventar oportunidades pode ser visto hoje como uma das funções mais cruciais das políticas públicas e do planejamento estratégico. Em parte, as oportunidades sofrem a síndrome de gargalos crescentes, provocados pela própria globalização frontalmente seletiva. Em parte, porém, como dependem em alguma medida de iniciativas educacionais e tecnológicas, não dependem apenas de condi-ções objetivas, mas igualmente de subjetivas. É interessante que se dispõe agora de algumas tecnologias que favorecem o aprimoramento de tais condições subjetivas (web 2.0 e subsequentes), desde que as saibam usar. “Inventar” oportunidades é termo forte. Mas tem seu lado muito concreto, porque, não as tendo em dimensão satisfatória, é preciso correr atrás, ativando todas as energias possíveis no mercado e nos trabalhadores. Nunca alfabetização teve tamanha relevância. Em primeiro lugar, não se reduz a decodifi car letras e números, até porque textos com predomi-nância da imagem, em geral, são “lidos” antes de se saber ler e contar. Em segundo, não se restringe também ao texto impresso. Em terceiro, abarca, de modo crescen-te e compulsório, textos multimodais, mais exigentes certamente, mas igualmente mais condizentes com pretensões de autoria aberta e sempre em aprimoramento.

Está-se muito para trás. O sistema educacional corresponde a este atraso. Na prática, encaixa as pessoas neste atraso. Somos diplomados para trabalhar no século passado. Não se atinou ainda com o desafi o de novas habilidades que unem máquina (um tipo de infraestrutura) (BENKLER, 2006) e competência imaterial (GORZ, 2005), resultando em capital intelectual que a tudo renova e vive de renovação. Nesse sentido, o desafi o das oportunidades aponta claramente para a pretensão do PNUD (UNDP,1990-2007) de focar na ideia de “fazer-se oportunidade”, por meio de formação da autoria que sabe pensar. Oportunidade que se preza é aquela feita com as próprias mãos e guardada, aprimorada, reno-vada com as próprias mãos. Pode surpreender que o mundo das tecnologias vir-tuais, tão disputado em termos de mercado liberal e plantado em procedimentos digitais tão rígidos (HOFSTADTER, 2001), reservasse ambientes que facultam o desenvolvimento de autoria crítica e criativa, apontando para novos horizontes de cidadania que sabe convencer, sem vencer. Assistência continua referência impor-tante da dignidade humana, mas não gera oportunidade que se faz oportunidade.

Segundo notícia do MEC, apenas 53,8% dos alunos que entraram em 2005 no ensino fundamental irão completar este percurso, enquanto esta cifra foi de 65,8%, em 1997.5 Assim, pouco mais da metade dos alunos terá êxito escolar adequado, signifi cando esta situação um inacreditável desperdício humano e fi -nanceiro. Dois problemas contundentes se entrelaçam aí: quase metade da po-pulação estudantil não completa o ensino fundamental; os que o completam,

5. Ver Correio Braziliense, 01/06/2008, p. 14.

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não possuem habilidades satisfatórias de autoria mínima. Está desacreditada esta escola, bem como estão desacreditadas as políticas educacionais ofi ciais. Enquan-to todas as teorias de aprendizagem asseguram que aprender é normal, na escola continua sendo um problema...

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CAPÍTULO 8

ESTADO, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIAWanderley Guilherme dos Santos

A biografi a do Estado brasileiro está visivelmente associada a sua história polí-tica até recentemente. Não havendo correspondência automática entre os fatos políticos relevantes e a organização operacional do Estado, é natural que existam desajustes entre as necessidades decorrentes das decisões de governo e as estrutu-ras burocráticas disponíveis para executá-las. Excessivo hiato, entretanto, pode ser responsável pela pouca efi cácia, ainda mais do que simples inefi ciência, na implantação destas mesmas políticas. Nas democracias, é costume confundirem-se as defi ciências operacionais do Estado com percalços que seriam produzidos pela agitação própria da competição democrática. Sem desconsiderar que, efeti-vamente, o tempo de governo está em grande parte subordinado à velocidade dos desenlaces dos confl itos partidários e parlamentares, é igualmente correto supor que, não muito raramente, é a morosidade das estruturas estatais a principal res-ponsável por desempenhos governamentais aquém do desejável. Cumpre, por conseguinte, entender o percurso do Estado brasileiro até seu formato atual, a fi m de que sugestões oferecidas, tendo em vista o aprimoramento do seu desem-penho, não se arrisquem a pairar nos céus da pura imaginação.

Recuar ao início da vida política independente seria atribuir ao século XIX brasileiro um poder de causalidade, sob a forma de histérisis, que ele de fato não possuiu. Mas as mudanças republicanas merecem atenção singularizada, pois vá-rias das transformações ocorridas no século XX ainda repercutem nos graus de liberdade dos governos contemporâneos. A implantação da República, em 1889, aboliu as instituições monárquicas, entre elas a do Poder Moderador; ratifi cou a mobilidade relativa do fator trabalho, instituída pela Abolição da Escravatura do ano anterior; extinguiu completamente o requisito de renda para a participação eleitoral – à frente de todos os países em que existiam eleições, até mesmo da Austrália e da Nova Zelândia, os primeiros a implantar o voto feminino –, mas manteve os vetos à participação das mulheres, só superado na década de 1930, e dos analfabetos, que podem votar hoje, embora ainda não possam ser candi-datos. Instalava-se por inteiro o sistema representativo oligárquico com todas as peculiaridades institucionais: confl ito altamente regulado entre as elites e extensa exclusão nos direitos à participação. Não deixou, entretanto, de ser caracterizada por aspectos bastante singulares, em comparação com outros países da América Latina, nem sempre percebida pelos estudiosos.

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A literatura internacional tem curiosa perversão de ótica sobre a história brasileira. Dá-se por assentado que a instabilidade comparada de alguns países do continente sul-americano, ou a que é atribuída ao agregado “América do Sul”, pode ser creditado a cada um dos Estados em particular. Falácia ecológica, naturalmente, posto que se a Bolívia, por exemplo, exibe um cadastro de golpes de Estado superior ao da Argentina, não cometeu, ao contrário desta última, um prático genocídio de suas populações indígenas. O mesmo critério compa-rativo pode ser aplicado ao par Equador versus Chile. No caso do Brasil, é pa-tentemente falso afi rmar que sua história republicana tenha sido testemunha de vários golpes de Estado, militares ou civis, assertiva trivial em todos os tratados internacionais sobre o país. Mais irregular ainda é verifi car que a literatura na-cional repete a proposição sem que, tanto em um caso quanto em outro, algum autor se dê ao trabalho de listar, comprovando-os, os episódios contabilizados. Talvez seja esta uma das consequências do fato de que a principal fonte dos estudos sobre a Primeira República, por longo período, tenha sido aquela pro-duzida justamente por analistas favoráveis à Revolução de 1930, os quais foram responsáveis até mesmo pela designação de República Velha ao que havia sido simplesmente República brasileira.

Não obstante a má reputação, a verdade é que os primeiros trinta anos da re-pública oligárquica brasileira transcorreram sem qualquer transtorno na obediên-cia às normas políticas. Não houve interrupção nas eleições legislativas, não hou-ve deposição de presidentes, nem houve manifestações militares bem-sucedidas. Algumas tentativas de revolução na década de 1920, sim, mas todas fracassadas. Violência na política local, sim, como é usual na política de sistemas oligárquicos, mas golpe de Estado bem-sucedido, não. Ao contrário, todas as eleições presi-denciais, seguidas da posse dos eleitos, foram pacífi cas. As regras de competição intraoligárquicas foram efi cazes nacionalmente, enquanto localmente prevalecia a disputa com base no voto, na violência e na corrupção – esta última ausente, por desnecessária, das eleições presidenciais. Na verdade, com a República e o fe-deralismo, ofi cializa-se um processo de transferência de grande parte dos poderes dos coronéis municipais para as oligarquias estaduais com o consequente controle dos votos. A gradativa urbanização e a criação de emprego urbano sabotavam a mais importante base do poder coronelístico localizado: o monopólio da oferta de emprego. A partir de então, as disputas municipais tinham o objetivo de con-trolar os canais entre o município e o governo estadual, instância que passou a ser indispensável na obtenção de favores do governo central. A história política referendará e registrará o fenômeno.

A partir de 1902, as eleições presidenciais eram decididas por um colégio informal do qual faziam parte os representantes dos estados federados e a lideran-ça governista. Na mesma eleição de 1902, o indicado Rodrigues Alves obteve, na

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oportunidade, 37 dos 38 votos deste colégio. O dissidente, Quintino Bocayuva, insistiu no lançamento de sua candidatura nas eleições formais, e o resultado apontou 592.039 votos para Alves e 52.359 para Quintino Bocayuva. À exceção das eleições de 1922, de Artur Bernardes, todos os resultados exibiram a mesma e enorme vantagem em benefício do candidato governista – isso quando havia competição pela Presidência da República. Com efeito, das dez sucessões pós-Floriano Peixoto, e até Washington Luís, cinco não foram disputadas senão por um candidato, depois de obtido o consenso entre os “eleitores” privilegiados. A elevada coesão e integração dos oligarcas, cujas diferenças se manifestavam ape-nas durante as tratativas para escolha do prometido sucessor, garantiam a aceitação do nome do vitorioso, afastando qualquer ameaça de golpe de Estado. O sistema oligárquico brasileiro propiciou trinta anos de exemplar estabilidade institucio-nal, sem prejuízo de ocasionais solavancos governamentais. O consenso prévio às disputas presidenciais garantia a estabilidade governativa das administrações, que transcorriam sem as grandes ameaças características das reformas ministeriais. Tomando estas mudanças ministeriais como indicador de instabilidade, a taxa média de estabilidade governamental, medida pela rotatividade de ministros, al-cançou o elevado valor de 0,68. O valor indica a probabilidade estatística de que um ministro, uma vez no cargo, continue nele até o fi m do mandato presidencial.

Ao longo desses trinta anos, tendo a engenharia por estado de espírito e o ilusionismo como astúcia da expansão material, esquivou-se o Brasil republicano dos eternos retornos militaristas próprios da América subequatorial. Magnífi co exemplo de efi ciente sistema oligárquico, sucederam-se aqui eleições legislativas e presidenciais ornamentadas pelos episódios que a tradição sancionava: violência e intimidação locais; empastelamento de meios de comunicação; fraudes antes, du-rante e depois dos pleitos; corrupção; posse negociada dos eleitos (para a Câmara e o Senado), em transcendente manobra sobre os resultados das urnas. Nenhuma interrupção do calendário eleitoral, contudo, ou extemporâneas substituições de presidentes por generais ou coronéis no comando de batalhões. Ensandecidos no cargo (Delfi m Moreira) ou mortos súbitos (Afonso Pena e Rodrigues Alves), que os houve, cederam lugar aos vivos e sóbrios, tal como registrado na linha sucessória e conforme acordos previamente entretidos, rigorosamente acatados. Desempenho oligárquico impecável até 1930, nunca ameaçado a sério pelos in-consequentes surtos tenentistas do período. Estes, juvenis rebentos de heterogêneo estamento, espremidos entre afetados fazendeiros capitalistas, que os ignoravam, e os peregrinos do trabalho, que os desprezavam, não dispunham senão de rala percepção do real torvelinho em que nunca superaram a condição de marionetes. Por certo, o consenso característico da sucessão presidencial não se reproduzia nas disputas locais, em que famílias competiam pelo privilégio de nomear o delegado, o juiz de direito, o diretor da escola pública e o arrecadador de impostos. À cen-tralização federal correspondiam feudos paroquiais, sufi cientemente radicalizados

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como para substituir em grande parte a representação do estado na Câmara dos Deputados a cada eleição. A quadro 1 registra a taxa de renovação bruta de cada legislatura, com a taxa média do período igual a 41,52.

QUADRO 1Evolução da taxa de renovação bruta – Câmara dos Deputados (1889-1930)Primeira República

Legislatura Período Taxa de renovação bruta

L22 1891–1893 17,30

L23 1894–1896 63,36

L24 1897–1896 43,81

L25 1900–1902 45,61

L26 1903–1905 40,34

L27 1906–1909 42,29

L28 1909–1912 39,74

L29 1912–1915 47,79

L30 1915–1918 45,74

L31 1918–1921 40,60

L32 1921–1924 41,10

L33 1924–1927 42,67

L34 1927–1930 40,68

L35 1930–1930 30,29

Fonte: Dados fornecidos pela Câmara dos Deputados.Elaboração: Laboratório de Estudos Experimentais (LEEX)/Faculdades Integradas Cândido Mendes.

A média não refl ete a trajetória de cada uma das Unidades da Federação, cla-ro, sendo esta uma das questões a enfrentar para melhor entendimento da opera-ção real do sistema. Em números de elite, foram 1.305 deputados que ocuparam cadeiras da 21ª à 35ª legislatura, a maioria dos quais só dispôs de um mandato (40%). A quadro 2 revela o número de deputados que cumpriram quantos man-datos durante o período considerado.

QUADRO 2Total de mandatos de deputados – Primeira República – Câmara dos Deputados

No de vezes eleito(s) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

No de deputados eleito(s)

526 314 163 133 60 44 33 16 10 4 0 1 1

Fonte: Dados fornecidos pela Câmara dos Deputados.Elaboração: Laboratório de Estudos Experimentais (LEEX)/Faculdades Integradas Cândido Mendes.

Acrescentando ao número de pessoas que só desfrutaram de um mandato o número daqueles que exerceram dois (16%), obtém-se que a maioria da elite parlamentar da Primeira República (57%) não permaneceu na Câmara mais do que seis anos – era de três anos a extensão do mandato –, equivalente a 20% do

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total do período. Com realismo, é possível entender que os 30 personagens que usufruíram oito, nove e dez mandatos, somados aos dois que estiveram presentes na Câmara durante doze e treze legislaturas, compõem a elite parlamentar do período, posto que os senhores locais destituíam de poder qualquer representan-te, quando eles assim supunham necessário, tal como poderiam atestar os 840 deputados, dos 1.305 que passaram pela Câmara e que lá estiveram não mais do que por um ou dois mandatos. É como rebeldia contra a sucessão de Washington Luís, em 1930, que se inaugura outra etapa no século republicano brasileiro.

Os quinze anos transcorridos entre o fi m do domínio exclusivo da oli-garquia clássica e a instauração de uma democracia constitucional incompleta (1930–1945) correspondem à demolição quase integral das bases econômicas da oligarquia tradicional, encerrada pelo período de ditadura militar, iniciado em 1964. Em números agregados, foram 104 anos de incontrastável supremacia oli-gárquica na vida civil e parlamentar (1826–1930), parte dela fundada em regime econômico escravista (até 1888), e 34 anos de transição para superar uma econo-mia agrária pouco diferenciada e instável (1930–1964). No total, a transformação da sociedade brasileira de oligárquica e escravista em democrática e capitalista ocupou 164 dos 182 anos de vida nacional independente.

Embora relativamente clássica, a periodização sugerida é bastante contro-versa para fi ns de análises econômicas e políticas mais complexas. Mesmo com a exclusão do período imperial e escravista, não existe consenso sobre o fi m do predomínio político oligárquico nem se dá por completada a transformação capi-talista do país. O rompimento com a prática política oligárquica assinala o início da complexa trajetória da política modernizante no Brasil, empenhada que estava a parcela da elite recém-chegada ao poder em reorganizar de alto a baixo o Estado, inaugurar pontes diversifi cadas com a sociedade e deixar defi nitivamente para trás as competições políticas cujos vencedores eram antecipadamente conhecidos. A incógnita era como levar a termo uma tarefa caracteristicamente urbana, em seu impulso inicial, tendo por retaguarda uma população majoritariamente rural, com folgas, e analfabeta – o censo de 1940, dez anos depois da revolução, ainda registrava um número de nacionais analfabetos de 56% da população. Como convidar os trabalhadores urbanos à participação institucionalizada na ausência de sólidas e rotineiras organizações? De que maneira instaurar políticas de âmbito nacional sem contar com o fundamental recurso de um mercado igualmente na-cional e de uma burocracia pública competente?

A resposta do regime de Getúlio Vargas às difi culdades da hora consistiu em lançar mão de mecanismos de inclusão controlada, próprios de sociedades de baixa institucionalização política. A Itália respondia com o fascismo a desa-fi os semelhantes, não tendo ultrapassado o meio século de unifi cação nacional,

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inaugurando a participação política, social e econômica sob fórmula coopera-tivista, ao mesmo tempo mais estatizante e menos totalitária do que o nazismo alemão. No Brasil, a fórmula cooperativista foi abrandada em relação aos seg-mentos econômico-empresariais, tendo sido abandonada também a tese musso-liniana de que tudo deveria se passar dentro e nada fora do Estado. De qualquer modo, o reconhecimento da legítima identidade operária se fez ao preço de extensa amputação da autonomia dos trabalhadores. E foi uma política social de grande impacto, em comparação com o passado nacional, que veio a servir de ponte entre a intenção e a necessidade de recrutar os trabalhadores para o mundo da negociação, dosando com sovinice, ao mesmo tempo, os recursos de que disporiam nos conciliábulos administrativos.1

Em 1945, depois de o verem expelido do poder, os olhos democráticos per-ceberam que Vargas revolucionara de fato o país, comparando-o, é claro, aos governos que o antecederam. Iniciou e avançou na fundação e integração ma-terial da nação pela criação e expansão de vias férreas e a implantação de redes de comunicação. Removeu obstáculos institucionais à integração via mercado ao extinguir os impostos interestaduais. Promoveu enorme diferenciação organiza-cional do Estado, dotando-o de agências e pessoal qualifi cado — o Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) foi organizado em 1938, com a incumbência de produzir quadros administrativos competentes e introduzir o critério do mérito no ingresso e carreira do funcionalismo. A esta nova geração de burocratas seria entregue a responsabilidade de zelar pela vasta legislação regula-tória produzida e pela gestão do setor produtivo estatal.2

Com efeito, o Estado industrial intervencionista, regulador e frequentemen-te produtor de bens e serviços, tendo seu embrião lançado no primeiro quartel do século XX, ao sabor das crises cíclicas que acompanharam a transição de uma economia de base agrícola para uma economia industrial madura, somente foi reconhecido como algo não antecipado pela doutrina liberal clássica após a pri-meira década da Segunda Grande Guerra (1939-1945) (SHOENFIELD, 1965). Praticamente ao mesmo tempo em que se registrava a novidade de que os grandes e poderosos interlocutores do Estado não eram cidadãos isolados, mas associações e sindicatos representativos de interesses segmentados. Em breve se descobriria que os legisladores não eram os únicos intermediários entre os eleitores, a popula-ção em geral e os executivos governamentais. Havia agora uma burocracia inter-posta não só entre os eleitores e os governantes, mas também entre os legisladores e os poderes executivos. Preservada em seu poder pela ausência de competição, à diferença dos políticos, e isenta da necessidade de prestação de contas ao grande

1. Ver Santos (1998).

2. Essa parte está fortemente apoiada em pesquisa anterior, exposta em obra também do autor. Ver Santos (2006).

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público, a burocracia gradativamente adquiria maior importância estratégica à medida que a operação da máquina do Estado, de complexidade crescente, pre-miava em prestígio e poder, além de renda, aqueles com ela familiarizados. Era um fenômeno novo a ser acrescentado aos grupos de interesse de militância visível e agressiva, aos partidos de massa e a uma elite política nascida da quase universa-lização do voto, heterogênea em sua origem de classe, e em elevado débito junto às populações urbanas instaladas no setor secundário-industrial da economia, a cujo favor devia o mandato. O quadro de referência, aqui, são as sociedades in-dustriais modernas.

De 1930 a meados dos anos 1950, a diferenciação organizacional do Estado e o desenvolvimento de sua ação regulatória adquirem elevada velocidade, encon-trando-se também, no fi m do período, o início de maior envolvimento estatal em atividades diretamente produtivas. Os dois processos são simultâneos e, ano após ano, observam-se a criação e a diferenciação institucionais acompanhadas de intensa intervenção regulatória. Em contraste com as décadas anteriores da República, a atividade governamental é enorme e em várias frentes. Criam-se ministérios e outros músculos do aparelho de Estado, começa a interferência do governo nas relações sociais, o apetite regulatório se manifesta. A criação dos Correios e Telégrafos e o enquadramento jurídico da radiocomunicação em todo o território nacional são exemplos da edifi cação material do Estado, em 1931. A legislação regulatória sobre recursos naturais e atividades econômicas é visível desde o início, com a criação do Conselho Nacional do Café, no mesmo ano de 1931, ao qual se segue, em 1933, o Instituto do Açúcar e do Álcool, e os códigos de Águas, de Minas, mais o Plano de Viação Nacional, em 1934, e o Colégio Bra-sileiro do Ar, o Instituto Nacional do Mate e o Conselho Nacional de Petróleo, em 1938. O Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica é de 1939, mesmo ano em que um Plano de Obras Públicas e de Defesa Nacional complementa o Plano Nacional de Viação, duas medidas inaugurais da intervenção não apenas regulatória, mas também produtiva, do Estado, justamente em áreas estratégicas para a construção material deste último. A eles segue-se, ainda na linha produtiva, o Plano Siderúrgico Nacional, em 1940.

A regulação e a interferência na vida social desdobram-se, a partir de 1931, com a nova lei de importação de similar nacional, em circulação desde 1890, e reformada em 1911 com igual inefi cácia.3 Mas é a partir de 1932 que se sucedem ininterruptamente as leis sociais, com o aparecimento, nesse ano, do certifi cado de batismo cívico do trabalhador — a carteira de trabalho, com a qual o empre-gado tinha assegurado todos os direitos trabalhistas, ainda por vir, e sem a qual, por outra parte, deles não poderia se benefi ciar. No mesmo ano é regulado o

3. Cf. Leopoldi (2000, p.120).

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trabalho feminino e de menores, fi xada em oito horas a jornada de trabalho de adultos, e atenção à higiene do trabalho. No ano seguinte seria a lei de férias. Retrospectivamente, verifi ca-se que, em três anos, o governo revolucionário de Vargas atendeu a praticamente todas as demandas reiteradas pelos sindicatos em congressos anteriores. Para formar os operadores do Estado que se expandia, im-planta-se, em 1938, o Departamento de Assessoria e Serviço de Pessoal (DASP). Este departamento de formação e controle do serviço público lançará as bases de um sistema de mérito, reivindicando a atenção da classe política para a relevância dos operadores da máquina estatal, particularmente de um Estado que se tornava mais complexo a cada ano. A espécie de nepotismo que, sem sombra de dúvida, prevaleceu durante os primeiros trinta anos da República, mantendo a tradição do burocratismo imperial — objeto de ácidas críticas de dois autores, Joaquim Nabuco e José de Alencar, inteiramente discordantes em tudo mais —, encontrou no DASP seu incansável perseguidor.

A partir de 1940, e até 1954, descontado o intermediário período de Eu-rico Gaspar Dutra, ocorre crescente participação da atividade produtiva estatal, acompanhando a contínua emissão de leis regulatórias e o crescimento e a dife-renciação organizacional do Estado. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), marco de longa fase histórica, iniciada com sua criação, em 1941, é seguida pela Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942, e pela Companhia Na-cional do Álcalis e Companhia Ferro e Aço de Vitória, em 1943. Paralelamente, estrutura-se o setor bancário com a Carteira de Exportação e Importação do Ban-co do Brasil, em 1941, expedindo o primeiro diploma sobre licenças prévias para exportação. É de 1942 o Banco da Amazônia e, de 1943, a Comissão de Financia-mento da Produção, mesmo ano em que o Instituto do Açúcar e do Álcool, criado na década anterior, em 1933, passa a administrar o preço do açúcar. Às vésperas do fi m da Segunda Guerra Mundial, em 1944, surge outra instituição regulató-ria, o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial que, ao propor um Plano Rodoviário Nacional, propiciou a oportunidade para o debate sobre pla-nejamento versus lógica do mercado entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin.4 Não obstante os debates, continuam a sucessão de regulamentos e a organização de unidades produtivas, com a Aços Especiais (Acesita) e a Companhia Hidro-elétrica do Vale do São Francisco, estabelecidas em 1945, como entidades de produção, bem como o Fundo Ferroviário e a Superintendência da Moeda e do Crédito, do Banco do Brasil, pelo lado fi nanceiro. Neste último ano da ditadura de Vargas são criados o Departamento de Estradas de Rodagem e o Departamen-to de Obras Contra a Seca, seguidos, em 1946, pela Comissão Central de Preços. Todos, além do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, vindo de 1940,

4. O polêmico debate foi editado pelo Ipea em 1977, sob o título A Controvérsia do planejamento na democracia brasileira (série Pensamento Econômico Brasileiro,3) (Nota do Editor)

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vieram a tornar-se, em menos de uma década, claros testemunhos precisamente do caráter inefi ciente e predatório da burocracia brasileira, em sua segunda fase de patronagem e clientelismo.

Em contracorrente à completa e veloz revolução institucional, organizacio-nal e legal da primeira época varguista narrada até aqui, o período presidencial de Eurico Gaspar Dutra revela drástica interrupção nas atividades do Estado, mas que são imediatamente retomadas com a volta de Vargas ao poder (1950), e a criação, em 1952, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq). Também em 1952 se estruturam a Rede Ferroviária Federal, o Banco do Nordeste e o Instituto Brasileiro do Café, sendo de 1953 o Plano Nacional de Telecomu-nicações, a Carteira de Comércio Exterior (CACEX) do Banco do Brasil S. A., a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPEVEA), a criação do Ministério da Saúde, e a aprovação, em três de outubro, da Lei no 2.004, criando a Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras). Finalmente, funda-se, em 1954, a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Entre agências fi nanciadoras, reguladoras e produtoras, encontram-se, nesta última lista, exemplos suplemen-tares de intervenções bem-sucedidas (BNDE e Petrobras), ao lado de iniciativas que viriam a se somar ao catálogo de perversões burocráticas (Rede Ferroviária Federal, SPEVEA). Pelo lado dos créditos e dos débitos, dos sucessos e dos fracas-sos, percebe-se, de maneira incontroversa, a extraordinária velocidade com que Getúlio Vargas, em seus dois estágios no poder (cerca de vinte anos, aproximada-mente), assentou a estrutura material do Estado-Nação em solo brasileiro. Sujeito aos sequestros de grupos de interesse, sem dúvida, tal como a literatura pertinente assinala, mas propiciando as oportunidades para os lances de desenvolvimento que se seguiram.

A evolução da atividade produtiva e regulatória estatal de Juscelino Kubits-chek, a essa data, é bem mais conhecida e começa a ser estudada em profundi-dade. É importante acentuar, de todo modo, algumas tendências que se fi zeram presentes posteriormente durante o governo João Goulart, afi rmando-se com for-ça, após 1964, as quais diferenciam de forma clara o estatismo do primeiro e do segundo governos Vargas, e, em parte, o de JK, do padrão intervencionista que se manifesta nos militarizados vinte anos subsequentes.

Considerando o Estado como agente produtivo direto, observa-se que, entre 1930 e 1945, primeiro, e, depois, entre 1951 e 1964, a expansão do setor produ-tivo se faz pelo acréscimo de empresas novas, juridicamente independentes umas das outras e, com frequência, em segmentos industriais distintos. Se, durante o primeiro e o segundo governos Vargas, o de Juscelino Kubitschek e o de João Goulart, testemunha-se persistente esforço de investimento siderúrgico – CSN,

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Ferro e Aço de Vitória, Acesita, Cosipa, Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A (Usiminas), Aços Finos Piratini —, percebe-se também que tais empresas são autônomas, umas em relação às outras, assim como são autônomas as centrais elétricas — por exemplo, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (primeiro governo Vargas) e Furnas (governo JK).5 A diferenciação da atividade empresarial processa-se também mediante a criação de unidades independentes —Álcalis, diversos bancos de fomento, Petrobras, Companhia Pernambucana de Borracha. Já durante o governo Goulart, todavia, tem início um segundo processo expan-sionista, caracterizado, fundamentalmente, pela consolidação de segmentos de ati-vidades, por meio da criação de holdings – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Ele-trobrás) e Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. (Embratel), por exemplo – e pela diversifi cação das atividades dos grandes complexos industriais mediante a proliferação de subsidiárias operando nos mais diversos setores da economia – Navegação Vale do Rio Doce S/A (Docenave) e Opalma, entre outras, ambas da Companhia do Vale do Rio Doce, ainda durante o governo Goulart.

É esse duplo processo de consolidação e de proliferação diversifi cada que ad-quire enorme velocidade entre 1964 e 1974, com a integração dos setores de te-lecomunicações, de siderurgia, de energia e petroquímico, ao lado de simultâneo desdobramento das grandes empresas em inúmeras subsidiárias e outras formas de participação. Os quadros 3 e 4 sumariam, o primeiro, a tríplice atividade do Estado por período governamental, e o segundo, a intensidade do processo de proliferação diversifi cada no estágio que tal processo alcançara em 1985, fi m do governo João Figueiredo e, com esse, o período de discricionarismo militar.6

5. A evolução das decisões de governo sobre produção de ação como resultado do confl ito entre grupos de interesse, de um lado, e burocracia estatal, de outro, encontra-se minuciosamente estudada no trabalho de Lourenço Neto (2001).

6. Ao examinar a lista de unidades incluídas e excluídas no cadastro da Secretaria de Controle de Empresas Estatais do Ministério do Planejamento (SEST) relativo a 1985, pode-se estar seguro de que o perfi l agregado do setor produtivo estatal não se alterou em anos posteriores, senão marginalmente, em relação aos dados do quadro. Completa revira-volta virá a ocorrer na década de 1990 com a privatização do setor produtivo estatal.

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QUADRO 3Empresas estatais, segundo ano de criação/constituição, por períodos presidenciais,até o último governo militar

Setor produtivo estatal

Bancos ofi ciais federais

Entidades típicas de governo

SINPAS1 Total

Anterior a 31/1/1946 16 2 31 1 50

Dutra – 31/1/1946-31/1/1951 1 - 4 - 5

Getúlio – 31/1/1951-24/8/1954 5 3 2 - 10

Café Filho – 24/8/1954-31/1/1956 4 - 3 - 7

JK – 31/1/1956-31/1/1961 10 - 18 - 28

Jânio – 31/1/1961-25/8/1961 1 - 1 - 2

Jango – 7/9/1961-31/3/1964 12 - 11 - 23

Governo Prov. – 4/4/1964-15/4/1964 1 - - - 1

Castelo – 15/4/1964-15/3/1967 16 3 14 1 34

Costa e Silva – 15/3/1967-30/10/1969 14 2 16 - 32

Médici – 30/10/1969-15/3/1974 52 1 12 - 65

Geisel – 15/3/1974-15/3/1979 45 1 12 4 62

Figueiredo – 15/3/1979-15/3/1985 15 3 18 - 36

Total 192 15 142 6 355Fonte: BRASIL (1985).Nota: 1 Sistema Integrado de Previdência e Assistência Social.Obs.: Não inclui 44 empresas-papel do setor produtivo estatal.

QUADRO 4Empresas estatais e subsidiárias por ministério(cerca de 1977)

MinistériosNº de empresas sem

suas subsidiáriasNº de empresas e subsidiárias

e coligadas1

Secretaria de Planejamento (Seplan) 5 15

Ministério da Aeronáutica (MAER) 4 5

Ministério da Agricultura (MA) 10 10

Ministério das Comunicações (MC) 3 4

Ministério da Educação e Cultura (MEC) 10 10

Ministério do Exército (MEx) 1 1

Ministério da Fazenda (MF) 5 10

Ministério da Indústria e Comércio (MIC) 21 37

Ministério do Interior (Minter) 20 20

Ministério da Marinha (MM) 1 1

Ministério das Minas e Energia (MME) 15 67

Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) 9 9

Ministério das Relações Exteriores (MRE) 1 1

Ministério da Saúde (MS) 4 4

Ministério do Trabalho (MTb) 1 1

Ministério dos Transportes (MT) 13 17

Total 123 212

Fonte: Santos e IUPERJ (1979). Relatório de pesquisa (IUPERJ) – disponível ao público na biblioteca da instituição desde de janeiro de 1979.

Nota: 1 Não se incluem: 21 seções estaduais da Companhia Brasileira de Alimentos do Ministério da Agricultura (Cobal); 26 seções estaduais da Telecomunicações Brasileiras S/A do Ministério das Comunicações (Telebrás); e sete empresas estaduais subordinadas à Empresa Brasileira de Portos S.A. (Portobrás).

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Diante do padrão revelado pela expansão estatal, é razoável supor que o debate sobre os benefícios últimos do intervencionismo, intenso dos anos 1960 até o fi m dos anos 1980, se tenha devido, em parte, a qual aspecto desse duplo processo se atribua mais ênfase. Isto é, enquanto alguns críticos apontavam para a dinâmica da concentração como tendo sido favorável basicamente ao segmen-to privado, por meio da oferta de insumos intermediários e demanda por bens intermediários (e fi nais) ao setor, outros acentuavam a dinâmica da proliferação diversifi cada como invasão indébita em esferas que deveriam ser cativas da inicia-tiva particular. Tanto em um caso quanto em outro, a dinâmica da intervenção regulatória do Estado apresenta diferenças fl agrantes em momentos diversos no tempo, sendo oportuno considerá-las mais detidamente, pois, outra vez, similari-dades e dessemelhanças são detectáveis aqui.

O primeiro governo Vargas foi extraordinariamente prolífi co em regulação econômica, social e política, promulgando códigos, criando conselhos, institutos, superintendências, carteiras bancárias, fundos e comissões. Já após 1946 e até o go-verno de Juscelino Kubitschek, exclusive, mas passando pelo segundo governo Vargas, a atividade regulatória do Estado, aquela que se materializa sob a forma de conse-lhos superiores e de fi xação de políticas, é praticamente nula. A partir de Juscelino Kubitschek, ainda timidamente, e descontando-se a breve administração de Jânio Quadros, a ação supervisora, administrativa e regulatória do Estado é crescente e de larga abrangência, servindo o quadro 5 de indicador não exaustivo do fenômeno.

QUADRO 5Conselhos (por período presidencial)

Kubitschek – jan./1956 a jan./ 1961 Conselho de Política Aduaneira (CPA) – MF Conselho Nacional de Petróleo (CNP) – MMEJoão Goulart –out./ 1961 a mar./ 1964 Conselho Nacional de Política Salarial (CNPS) – MTb

Comissão de Programação Financeira (CPF) – MF Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – MJ Castello Branco – abr./ 1964 a mar./ 1967 Comissão de Cartografi a – Seplan

Conselho Monetário Nacional (CMN) – MF Comitê Brasileiro de Nomenclatura – MF Comissão Executiva do Sal (CES) – MIC Conselho Nacional da Borracha (CNB) – MIC Conselho Nacional de Comércio Exterior (Concex) – MIC Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) – MIC Conselho Nacional de Turismo (CNTur) – MICConselho Nacional de Transportes (CNT) – MIC Conselho de Segurança Nacional (CSN) – PR

Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) – PR Costa e Silva – mar./1967 a ago./ 1969 Comissão Nacional para Facilitação do Transporte Aéreo Internacional – MAER

Comissão de Coordenação do Transporte Aéreo Civil – MAERConselho Nacional de Desenvolvimento da Pecuária (Condepe) – MA Conselho Interministerial de Preços (CIP) – MF Comissão de Coordenação das Inspetorias Gerais de Finanças (IGF) (Ingecor) – MF Conselho de Planejamento e Coordenação de Combate ao Contrabando (Coplan) – MF Conselho de Desenvolvimento Comercial (CDC) – MIC

(continua)

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Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) – MIC Conselho Superior de Censura (CSC) – MJ

Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia – MME Junta Militar – set./ 1969 a out./ 1969 Comissão Brasileira de Intercâmbio (CBI) – MF Médici – out./ 1969 a mar./ 1974 Conselho de Prevenção Antitóxico – MS

Comissão de Coordenação de Atividades de Processamento Eletrônico (Capre) – SEPLAN (desativada)Conselho Nacional de Comunicação (CNC) – MC Conselho Nacional de Direito Autoral – MEC Comissão de Fusão e Incorporação de Empresas (Cofi e) – MF Conselho para Concessão de Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação (Befi ex) – MIC Conselho Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Conmetro) – MIC Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm) – MM Conselho de Não-Ferrosos e de Siderurgia (Consider) – MIC

Comissão de Coordenação do Sistema do Pessoal Civil – Dasp Geisel – mar./ 1974 a mar./ 1979 Comissão Coordenadora da Política de Compra de Locomotiva (CCPCL) – MT

Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) – PR (desativado)Conselho de Desenvolvimento Social (CDS) – PR (desativado)Conselho Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) – SEPLAN Conselho Nacional de Abastecimento (Conab) – MA Conselho Coordenador da Política Nacional de Crédito Rural (Comcred) – MA Comissão Nacional da Indústria de Construção Civil (CNICC) – MIC

Comissão Brasileira do Programa Internacional de Correlação Geológica – MME João Figueiredo – mar./1979 a mar./1984 Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU) – MI

Comissão Interministerial de Estudos para Controle das Enchentes do Rio São Francisco – MI Comissão Nacional de Energia – PR Comissão Permanente de Catalogação de Material de Uso Comum das Forças Armadas (CPCM) – EMFA Comissão Brasileira para o Programa Hidrológico Internacional (PHI) – MREComissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Defi cientes – MECComissão Executiva do Programa Especial de Apoio às Populações Pobres das Zonas Canavieiras do Nordeste – MI Comissão Especial para Propor a Atualização da Legislação sobre Microfi lmagem – MJ Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (Conasp) – MPAS Conselho Nacional de Imigração – MREComissão Nacional para Assuntos Antárticos (Comantar) – MREComissão Nacional para Coordenar e Apresentar Sugestões sobre a Problemática dos Idosos – MPAS.Comissão Interministerial com Vistas à Recuperação, Controle e Preservação da Qualidade Ambiental em Cubatão – MI Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho – MJComissão Marítima Nacional (Comana) – MJComissão Interministerial Destinada a Estudar e Propor Medidas para a Criação da Guarda Costeira – MM Conselho Superior de Corregedoria Geral – MJ

Conselho Nacional de Turismo – MIC

É conveniente não esquecer que a evolução do Estado brasileiro, em qual-quer um de seus aspectos, não resultou de programa coerentemente pré-elabo-rado. Assemelhou-se, antes, à experiência de crescimento do aparato estatal em outros países. E, em outros países, a racionalidade da intervenção foi uma racio-nalidade de conjuntura, pragmática, eminentemente política, antes que corolário de ajustadas hipóteses econômicas e precisas inferências de políticas públicas. Ra-zões de natureza estratégico-militar, por exemplo, segundo Gerschenkron (1976),

(continuação)

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aparecem com grande poder explicativo do papel do Estado na transformação econômica da Alemanha e do Japão, ainda no século XIX e princípios do XX. Em outro exemplo, a iminência de crise econômica generalizada, e o potencial de rebeldia política por parte do operariado industrial nela implícita, estão na origem do que contemporaneamente se denomina “políticas de bem-estar social”. Isto na primeira metade do século XX. Independentemente do sucesso ou do in-sucesso dos modelos propostos para explicar a lógica da ação coletiva, a evidência histórica brasileira corrobora as indicações de outras experiências nacionais, isto é, também aqui a motivação para maior presença do Estado no universo econômico foi múltipla e circunstancial. Como se lerá, é plausível identifi car pelo menos seis ordens distintas de considerações que conduziram, sob variadas formas, à inter-venção anteriormente esboçada, e que revelam a lógica puramente circunstancial da diferenciação, da proliferação e da consolidação das estruturas estatais.

Em um primeiro grupo, poderiam ser agregadas as medidas visando ao con-tingenciamento da produção a fi m de ajustar oferta e demanda de bens primários, em particular daqueles dependentes de fl uxos do comércio internacional, às medi-das destinadas a garantir preços mínimos aos produtores. Simultâneo a estes mo-tivos de natureza imediatamente econômica, surgia um problema jurídico-cons-titucional, posto que a produção que se queria regular se distribuía por diversas Unidades da Federação. O contingenciamento da produção de café, açúcar, pinho, mate e borracha, todos estes produtos com os respectivos institutos e conselhos regulatórios criados ou em vias de criação, devia atender não apenas ao cálculo econômico do ajuste entre oferta e demanda, dado o refl uxo do comércio exterior na primeira metade da década de 1930, mas também ao cálculo político de decidir que estados produziriam quanto de cada item da lista. Licença de produtos e licen-ça de exportação descolaram-se do mercado, submetendo-se à adjudicação estatal. É sob tais pressões e com tais objetivos que se criam o Instituto Brasileiro do Café, o Instituto do Açúcar e do Álcool, os Institutos Nacionais do Mate e do Pinho e a Comissão de Financiamento da Produção. Estes formatos organizacionais e eco-nômicos tipifi cam a resposta do Estado brasileiro a uma situação de emergência econômica cuja fonte principal era externa, e em um contexto político no qual o peso específi co de algumas Unidades da Federação, em face do poder central, era considerável. Nenhuma surpresa, pois, encontrarem-se aqueles grupos de interesse comprometidos com a matéria operando e infl uindo nos bastidores. Em algumas das áreas, porém, só mais tarde é que as agências viriam a se transformar em es-pólio político a ser negociado, exauridas suas primitivas funções reguladoras, e oferecendo superfi cial comprovação de generalizada prática de clientelismo.

Outra ordem de considerações se refere ao aproveitamento de recursos na-turais e estratégicos – por exemplo, fontes hidráulicas, recursos minerais e energé-ticos (ferro, petróleo). Ao lado de razões de natureza econômica, aparecem aqui

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as motivações estratégico-militares apontadas por Gerschenkron (1976), as quais se fazem patentes na promulgação dos Códigos de Águas e de Minas, bem como na criação de empresas como a Petrobras, e a atualmente privatizada Companhia Siderúrgica Nacional. Tratava-se, ao mesmo tempo, de “nacionalizar” os recursos naturais do país e de promover a implantação de setores indispensáveis à cons-tituição de uma economia industrial moderna. O formato estatal de produção de aço e de petróleo decorreu, por um lado, da inexistência de um empresariado nacional capaz de assumir os riscos e o vulto do empreendimento (caso do aço) e, por outro, da decisão político-militar de evitar a competição com os oligopó-lios internacionais (caso do petróleo).7 A terceira linha de determinações tem por origem a bem estabelecida tradição mercantil-protecionista brasileira, não obstante a retórica ricardiana das vantagens comparativas dos formuladores de políticas. É a ela que se devem as regulamentações de emergência, mas de efeitos duradouros. Como exemplos típicos e antigos desta forma de intervenção gover-namental, deve-se mencionar a Lei do Similar Nacional, de 1938, cujo fi m era a reserva de mercado para o capital nativo, e a Lei dos Dois Terços, de 1930, para garantia de emprego à força de trabalho nacional. A extensão da atividade regula-tória estatal e a proliferação do número de agências incumbidas de exercê-las, no Brasil moderno, podem ser aferidas pela consulta às monografi as existentes sobre setores econômicos específi cos.

Os problemas crônicos no balanço de pagamentos constituíram outra cir-cunstância histórica estimuladora do aparecimento e da expansão da iniciativa governamental. Os controles cambiais inicialmente justifi cados pela política mo-netária, pouco depois do término da Segunda Grande Guerra, terminaram por servir de instrumento auxiliar da política econômica de substituição de impor-tações a partir de meados da década de 1950. Com a reforma tarifária de 1957 (Lei no 3.244), o Conselho de Política Aduaneira, composto por representantes da burocracia estatal, das entidades convencionais das classes produtoras e dos sindicatos de trabalhadores, transforma-se em mais uma agência extensamente regulatória, objeto da posterior suspeita de que tenha sido vulnerável a desvios de corrupção. O reconhecimento de que a expansão econômica brasileira se proces-sava desequilibradamente, ameaçando a continuidade do progresso pela via do estrangulamento de setores indispensáveis à cadeia produtiva, conduziu a novo tipo de intervenção estatal: o da criação de incentivos para implantação e de-senvolvimento de seletos segmentos do sistema econômico. A criação de grupos executivos durante o período Kubitschek, encarregados de administrar privilégios concedidos e monitorar resultados alcançados, instrumentalizou organizacional-mente a intenção de recuperar o atraso de diversos setores da economia.

7. Para o caso do aço, contudo, ver as qualifi cações descritas em Lourenço Neto (2001).

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Por fi m, a meta de corrigir desequilíbrios não mais entre setores, mas entre regiões, defi ne a última matriz de motivações para a intervenção estatal no Brasil. É por conta de diminuir as disparidades regionais, por um lado, e de obter maior racionalidade na alocação dos recursos da economia, por outro, que se criam, inicialmente, a pioneira Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Su-dene) e, na sequência, todas as superintendências regionais, que se acrescentam às antigas Comissão do Vale do São Francisco e Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPEVEA). O futuro mostraria que este segmento do Estado sucumbiria à política de distribuição de espólios, perdendo racionalidade econômica e adquirindo valor no mercado de políticas distribu-tivas, i. é, aquelas que clássica e criticamente são denominadas políticas clien-telistas.8 A indiscutível deterioração no trato da coisa pública descoberta nestas organizações veio a dar credibilidade à suposição de que todo o Estado brasileiro operava segundo as mesmas contravenções.

O somatório de todas essas motivações moldou o Estado brasileiro, que re-gulou ou tentou fazê-lo, produtos, recursos, setores econômicos, estados e regiões; a produção e o consumo; o preço das matérias-primas, do capital e do trabalho, tornando a arquitetura social brasileira delicada e complexa. Nada indica ser im-possível encontrar uma lógica capaz de reduzir a multiplicidade de motivos das diversas modalidades de intervenção estatal a um modelo analítico consistente, algo que não se pretende realizar aqui. De outro ângulo, convém ter presente que os determinantes da intervenção do Estado não são necessariamente os mesmos que explicam a expansão da atividade estatal, ali no local em que ela já se iniciou. A expansão da atividade estatal, movida fundamentalmente por razões de conjun-tura, terminou por suscitar a cobrança de efi ciência e de produtividade. Protegi-das contra os azares do mercado, as empresas estatais viram-se alvo permanente de críticas quanto à efi ciência de seu desempenho, medida esta pelo padrão conven-cional de lucros operacionais. Uma vez criada a empresa pública, particularmente a empresa produtora de bens e serviços, esmaecem as razões originais para a sua criação – razões, como se descreveu, de natureza mais “política” que de “mercado” – e defl agra-se uma pressão por desempenho de acordo com as regras gerais do sis-tema econômico, ou seja, a maximização do lucro. A sobrevivência organizacional de uma empresa do Estado depende, em consequência, menos de uma avaliação de médio e longo prazos, e conforme as razões que impuseram sua criação – por exemplo, manutenção da soberania interna sobre recursos naturais estratégicos ou acréscimo nos graus de liberdade nas negociações internacionais – do que de seu

8. Simplifi cadamente, políticas distributivas, discretas – por exemplo, construção de um posto de saúde, ou escola, instalação de iluminação pública etc. –, aprovadas por cada parlamentar não impedem que outros também se utilizem delas. Todos ganham. Políticas redistributivas, entretanto, implicam a retirada de algum segmento de renda de alguns grupos em benefício de outros. Por políticas clientelistas entende-se, sobretudo, o primeiro tipo.

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sucesso operacional de curto prazo. Provoca-se, assim, importante fratura entre o nascimento “político” e a sobrevivência “econômica” da organização.

A diferenciação, a expansão e a efi ciência do Estado brasileiro, já maduro e sob o leque de demandas de uma sociedade urbanizada e plural, estão subordina-das à dupla lógica: a dos imperativos de racionalidade endógena e a derivada do mercado político. Comparativamente, portanto, está o aparato estatal brasileiro dotado da mesma dinâmica característica dos Estados modernos. Não é de sur-preender, por conseguinte, que surjam os processos típicos das administrações desses Estados: o ciclo político-eleitoral, a tentativa de captura dos conselhos re-gulatórios por parte de grupos de interesse, a fragmentação das demandas públi-cas com a correspondente demanda por fragmentação dos círculos decisórios, e as pressões por autonomia da burocracia setorial do Estado. Com o fi m da ditadura militar e o restabelecimento da competição democrática, tornou-se claro que a emergência, sem coerção, dos confl itos distributivos próprios de uma economia de escassez e, no caso brasileiro, de acentuada desigualdade na distribuição de valores e de oportunidades, não encontrava como interlocutor um Estado moder-nizado em suas estruturas e em seus processos decisórios. Ainda mais: à integração territorial e material do país, por via da extensão do mercado, incorporando o Norte e o Centro-Oeste, seguiu-se, por assim dizer, uma diminuição da soberania do Estado brasileiro, incapaz, operacionalmente, de assegurar a execução das leis do país nas regiões recém-absorvidas.

Bem mais do que pontuais e sintomáticos desvios de ação governamental, padece o país de grave deterioração da capacidade operacional do governo em de-corrência de sensível decadência ou desajuste de seus instrumentos de ação. O pe-ríodo caracteriza-se por algo mais ou menos recorrente na vida das nações, a saber, um descompasso estrutural que leva o Estado a se tornar menor do que a socieda-de. Precisamente o oposto do que imaginam a opinião pública e os comentaristas da imprensa, um dos principais obstáculos à ação efi ciente do Estado consiste em seu subdesenvolvimento, antes que em seu gigantismo. Evidentemente, existem irracionalidades de alocação de recursos humanos, herdados de fases anteriores de empreguismo público como política social. Mas é indispensável atentar para o fato mais importante de que tal política é, hoje, residual como exemplo de po-lítica social ou como fonte de problema para a melhor administração do Estado.

O aumento da efi ciência do Estado brasileiro há de resultar, antes de tudo, de extensa engenharia em sua capacidade operacional. Isto implicará medidas que, do ponto de vista da opinião pública, signifi cará precisamente o oposto, a saber: aumento da inefi ciência em razão de desmesurado incremento no gasto público com pessoal, instalações e instrumentos da produção. Decisões altamente racionais tomadas nas instâncias apropriadas, até mesmo aquelas relativas à efi ci-ência estatal, arriscam-se a permanecer inócuas como resultado da enfermidade

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que desejavam atender: a própria inefi ciência. Sem sério comprometimento com a substituição desta premissa, grande parte da ação produtiva do Estado continu-ará incorporando custos de desperdício por ausência de implantação.

Os indicadores de inefi ciência não são homogêneos em todas as áreas de ação estatal. Consequentemente, cabe avaliação prévia, ainda que preliminar, do perfi l da inefi ciência governamental. Desde logo, medidas semelhantes a gasto de pessoal per capita por programa são totalmente desaconselháveis, na ausência de infor-mações precisas sobre o tipo de pessoal requerido por políticas específi cas, ou, em outras palavras, convém atentar para a heterogeneidade do capital humano exigido como insumo dos programas. A cautela vale para os programas de prestação de serviços tanto quanto para as iniciativas de caráter regulatório.

O valor fundamental na análise de políticas públicas é o de efi cácia, o qual pode ser heuristicamente operacionalizado como o percentual de sucesso dos pro-gramas sobre o total pretendido. Sucesso, no caso, signifi ca não apenas a execução efetiva dos programas – o que já constitui, entretanto, importante indicador –, mas a verifi cação das consequências esperadas de sua implantação. Que uma rodada de vacinas na população infantil alcance os números pretendidos é boa notícia, mas a efi cácia do programa depende das taxas pretendidas de redução de morbidez – avaliação que pode demandar um hiato de tempo a ser devidamente incorporado às análises.

Sem dúvida, quanto maior a efi ciência na formulação e na execução dos programas governamentais, maior a probabilidade de que aumente a efi cácia do programa. O reverso não é verdadeiro: a efi cácia de um programa, no sentido antes defi nido, pode ser consideravelmente aumentada com simultâneo aumento na taxa de inefi ciência. Aliás, historicamente, a estratégia do denominado “clien-telismo” tem consistido precisamente na busca por melhoria na efi cácia dos pro-gramas, tal como defi nida, como justifi cativa para substanciais acréscimos nas taxas de inefi ciência via aumento de gastos redundantes de pessoal, tráfi co de in-fl uência etc. Não obstante, permanece relevante a consideração de que a métrica para ajuizamento das medidas para aumentar a efi ciência da ação estatal deve ser, essencialmente, aquela que tem por objetivo aumentar a efi cácia da ação – o que implica a comparação do estado de bem-estar da população alvo, antes e depois das medidas de efi ciência –, antes que limitá-la a uma contabilidade desligada dos objetivos substantivos dos programas. Um aumento de efi ciência ao preço de redução no estado de bem-estar da população alvo não tem amparo em visão política estratégica.

É relevante ter presente que a reação popular a iniciativas de tal natureza (aumento de efi ciência), mesmo quando orientadas pela métrica de reforço da efi cácia, constitui uma variável indeterminada ex ante, tal como ocorre em relação a todas as políticas de governo. Embora seja certo que determinados programas

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extraem reações positivas quase imediatas da população, este não é um estado asseguradamente constante, nem mesmo em relação ao programa bem recebi-do, ainda que permaneça efi ciente e efi caz. Dois estudos recentes, nos Estados Unidos, concluíram, como é costume, por lições mais ou menos contraditórias. Um deles registrou que a denunciada apatia do eleitorado norte-americano en-cobre, na realidade, elevada dose de confi ança nos governos, qualquer um deles, desde que se comportem com fairness.9 É bem verdade que o grau de dependência da sociedade norte-americana em relação às políticas do governo é bem menor do que o grau de dependência da população brasileira em relação às suas políticas go-vernamentais. Em todo caso, é inegável que as populações têm reserva de critérios de avaliação que os instrumentos rotineiros de pesquisa podem não captar. Já o outro estudo10 demonstra que o público, normalmente, não exatamente apático, mas não vigilante em tempo integral, é capaz de interpretar consequências de segunda e de terceira ordens de maneira bastante acurada, identifi cando as polí-ticas que lhes deram origem e pressionando as instâncias apropriadas para as pro-vidências cabíveis. Outra vez é indispensável ter presente o fato de as condições brasileiras que constituem a ecologia da ação coletiva serem bastante distintas das norte-americanas. Isto signifi ca dizer que políticas governamentais altamente desastrosas podem se justifi car pelo argumento do silêncio da opinião pública, quando esta, na realidade, antes que satisfeita, vive temerosa de que, caso reclame, suas condições de vida venham a piorar ainda mais.

O risco de iniciar uma política de aumento de efi ciência estatal consiste na reduzida taxa de accountability que a nossa elite decisória possui, impedindo que eventuais consequências danosas para a efi cácia dos programas sejam identifi cadas oportunamente. Recomenda-se, por conseguinte, que o critério de acompanha-mento do grau de efi cácia dos programas seja incorporado como integrante das medidas das políticas de efi ciência estatal, iniciando-se a avaliação pela inspeção do grau de adequação dos instrumentos da ação governamental aos objetivos pretendidos pela política. Tal avaliação preliminar proporcionará em vários casos o aparecimento de sugestões localizadas de reforma do Estado, bem mais viáveis de serem aproveitadas, e mais realistas em seus alvos, do que as mirabolantes propostas de reforma geral da administração pública. É crucial admitir que o res-tabelecimento da operacionalidade do Estado brasileiro depende muito menos da aplicação de modelos gerenciais de volumes acadêmicos do que do ajustamento das estruturas públicas à complexidade especial do país.

9. Cf. Hibbing; Theiss-Morse (2002).

10. Cf. Nardulli (2005).

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CAPÍTULO 9

PODER E MODELO POLÍTICOCândido Mendes

PADRÕES DE PODER E SISTEMA SOCIAL

No quadro prospectivo do desenvolvimento brasileiro, importa analisar os pa-drões do comportamento político no país e seu aperfeiçoamento, na dinâmica das instituições e, especialmente, do Estado, e perante a sociedade subjacente. Tal enfoque é indissociável, pois, dos modelos de poder e de como se responde à democracia contemporânea. É, portanto, ao mesmo tempo, confronto histo-ricamente referido, no âmbito da Constituição, e, nela, do pressuposto, como vigência, do Estado democrático de direito, dos valores que o regem previamente, tal como as cláusulas pétreas de sua disciplina.

Entende-se a democracia como o regime de poder que responde à dinâmica da complexidade social contemporânea, nesse processo social característico da modernidade. É o contraponto ao que, no plano econômico, corresponde à plena dinâmica do mercado e da mobilidade social na vida coletiva. Ou, em síntese, ao que Habermas (2000) defi niu como a realização da história enquanto advento pleno das liberdades ou, no dizer de Anthony Downs (1957), no nível das in-terações de poder, que assegure nos seus reenvios e condicionantes o limite de autodeterminação da vida de grupo.

Essa democracia confi gura o desempenho político diante de uma estrutura social total, cuja funcionalidade responde ao desatar de um regime de desenvolvi-mento e sua crescente sustentabilidade. No jogo macrossocial o que está em causa é o avanço sistêmico que assegure a organização da complexidade da vida coletiva.

INTERAÇÃO E REENVIOS COLETIVOS

O estudo dos padrões de poder encontrou elaborações recentes da ciência política perante os confrontos entre autoritarismo e mudança social na América Latina na exploração de conceito de democratic accountability (O’DONNELL, 1993). Esta dinâmica compreende uma interação dita vertical, referida aos condicionamentos eleitorais da decisão política, e horizontal, concernente aos reenvios interpoderes, ou institucionais.

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Refl etem essas abordagens as contribuições, entre outros, de Scott Mainwa-ring e Christopher Welna (2003); Guillermo O’Donnel (1993); Erika Moreno et al. (2000); Scott Morgenstern e Luigi Manzetti (2003); Catalina Smulovitz e Enrique Peruzzotti (2000); Charles Kenney (2003); Angelina Cheibub Figueire-do (2003); Maria Tereza Sadek (1997); Maria Tereza Sadek e Rosangela Batista Cavalcanti (2003); Beatriz Magaloni (2003); Michael Dodson e Donald Jackson (2003). O dito aprofundamento democrático corresponde ao que, aqui, defi ne-se como o perfi l da estrutura de poder decorrente do fenômeno macrossocial limite da complexidade do processo de mudança contemporâneo.

A accountability, nesse sentido, tem como parâmetro o contraponto da in-vestidura eleitoral, do oversight ou da regulação (MAINWARING e WELNA, 2003), e o da sanctioning ou penalização (MORENO et al., 2000). Toda esta funcionalidade crescente do exercício social da decisão incondicionada enfrenta, necessariamente, a visão da efetividade do Executivo ou de sua realpolitik e a cons-tante aferição dos custos da transição que implica todo avanço daquela mesma complexidade (MONCRIEFFE, 1998).

Na verdade, a perspectiva da accountability fi caria ainda aquém da propos-ta ampla em que a dinâmica da complexidade envolve a do desenvolvimento, tanto no seu avanço quanto no seu retrocesso. Incorpora o cenário da entropia (BOULDING, 1965), bem como pela necessidade de atentar para a amplitude das retroações para além de uma funcionalidade ainda subsistêmica, como a que sobrevive no contraponto entre accountability e effectiveness e o regime político (MAINWARING e WELNA, 2003).

A MUDANÇA À PROVA DA COMPLEXIDADE

A nova dimensão da complexidade contemporânea está ainda apenas no seu mar-co epistemológico a se dar conta de como a mudança pode, a partir de determi-nado momento, desgarrar-se da linearidade (SÈVE, 2005), em circuitos regressi-vos ou de verdadeira retroação (GUESPIN-MICHEL, 2005 e RIPOLL, 2005); confrontar-se ao que seja, de fato, um núcleo invariante da mudança diante de todo bloqueio de seu aperfeiçoamento (GAYOSO, 2005).

Está-se apenas nesse ponto de partida em que toda a discussão da sustenta-bilidade no processo de desenvolvimento não foi além do sistema econômico para dar vazão a sua continuidade ou fora da expectativa linear original. Sobretudo, mantém-se ainda num patamar múltiplo para a construção desses cenários em que a dinâmica da mudança se funde à da complexidade da organização do processo social contemporâneo e condiciona exponencialmente o seu comportamento.

Não se sabe, de princípio, como o sistema de poder, no seu plus de controles sociais, pode retroagir sobre a autoorganização dada como premissa de seu aperfei-

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çoamento, se aqueles exponenciais de interação se perdem no aleatório (RIPOLL, 2005), numa agenda de avanços. A própria noção de reforma política vive dessa ambiguidade que pode confrontá-la ideologicamente com a democracia, tal como esta se expõe a contradições objetivas emergentes no avanço desta funcionalidade.

Falar de sistemas e de modelos nesse momento do desenvolvimento lati-no-americano – e, nele, do brasileiro –, é dar-se conta, também, dos degraus de entropia que são o próprio correlato da historicidade do processo, e dos impasses sobrevindos à cumulação ou ao excesso dos seus dinamismos ou da reifi cação trazida pelas suas rotinas. Mas, sobretudo, o que importa para uma hermenêutica voltada à modelística de poder hoje, à dimensão da sustentabi-lidade conquistada do desenvolvimento, é logo verifi car que a complexidadese regenera fora da visão linear de seu dinamismo. E uma neguentropia (NOTTALE, 2001) logra também reorientar a mudança a esses vetores abertos em que progride a autodeterminação de um sistema, e emerge uma retroação ao que se pense ser o seu confronto ou desenlace.

INSTITUIÇÃO, ESPONTANEIDADE E REIFICAÇÃO SOCIAL

A análise dessa complexidade, no plano das instituições, envolve, respectivamen-te, o aparelho de poder, o reenvio entre este e a sociedade subjacente e, nesta, a plena interação entre o grupo e a dinâmica de interesse dos seus membros, ex-pressa pelo exercício dos direitos humanos e sociais e, pois, da provisão do bem comum dessa mesma coletividade.

Subsequentemente, essa refl exão aborda o Estado, dentro de sua interação com o estrato econômico e social em que se erige; ante o desenvolvimento da pessoa, para além dos pressupostos da ordem social como estrita estabilidade e garantia da ordem jurídica.

A visão contemporânea do comportamento do poder diante do avanço da complexidade social abrange também, e cada vez mais, essa dialética interna da própria funcionalidade a que remetem Sève (2005) e Nottale (2001). É quando atentam para o problema crescente da reifi cação desses desempenhos, ao trans-formarem-se relações de condutas em objetos dessa dinâmica, reduzindo-as e em-botando-as. Mais ainda, e subsequentemente, transformando-as (NIELSBERG e SPIRE, 2004).

O estudo, pois, da otimização do sistema do poder no Brasil reclama, ao mes-mo tempo, o estudo da entropia crescente de seus desempenhos, impondo a bus-ca, imediatamente, de meta-controles para vencer a habituação ou inércia em que se perde e, sobretudo, se racionaliza o passo adiante, ou a verdadeira trama dessa complexidade. É o que exigiria a aparição, sempre a bem da visão aberta daquele multicenário de causação, da retroação à própria entropia, ou seja, da neguentropia.

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Um feedback rigorosamente coextensivo ao desempenho e às entorses im-plícitas das instituições – advindas de sua complexidade – exigiria a adoção, por exemplo, como controle exemplar e, por defi nição, desinstitucionalizado, de uma conduta como a do ombudsman. Caracteriza a ação at large e por inteiro desim-pedida como dimensão da democracia, que põe à prova os desgarres do poder reifi cado como um todo, tal como o acolheram as legislações escandinavas.

O ESTADO BRASILEIRO

O sistema político brasileiro acolhe a caracterização de um Estado, nas suas fun-ções específi cas de exercício do poder normativo – o da legiferação –, bem como de regulador de condutas, econômicas ou sociais específi cas, objeto da mesma lei.

O teor dessa competência, na defi nição da Carta de 1988, é o das atividades de fi scalização, subsídio e planifi cação. Esta última, constitutiva, na área da ativi-dade pública e indicativa no setor privado.

Refl etindo o compromisso contemporâneo com o desenvolvimento da complexidade social, a Lei Magna conferiu ao poder público a realização das “funções essenciais” à justiça, independentemente da mera garantia à velha esta-bilidade coletiva. Impôs-lhe, nesses termos, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Estes, por sua vez, identifi cam-se à proteção do patrimônio público e social, bem como ao meio ambiente e a “outros interesses difusos e coletivos”.

Na Constituição não se explicita a defi nição do Estado brasileiro, de logo predicado ao sistema federativo e à República. Seus enunciados remetem-se à soberania, como exercício da nacionalidade, à cidadania, como imperativo da sociedade civil, e à garantia da pessoa, como sinônimo da sua dignidade.

A Carta, no modelo brasileiro, reserva uma intervenção excepcional do Es-tado na atividade econômica. E o faz dentro de paradigmas de um condicionante a que responde o próprio Estado democrático de direito. Esta ação pública se fará sempre pontualmente, a partir dos imperativos de segurança nacional ou relevan-te interesse coletivo, “conforme defi nidos em lei”.

A exceção se reporta aos monopólios de exploração do petróleo, em todas as etapas, e dos minerais nucleares e seus derivados. Abrange também as atividades primariamente reservadas ao Estado no plano dos serviços públicos, no elenco das suas prestações diretas ou delegáveis, mediante autorização, concessão ou permis-são, consoante o Art. 21 e seus incisos da Carta Magna.

ESTADO, EMPRESA PÚBLICA E MERCADO

Signifi cativamente, nos casos do desempenho do Estado na ordem econômica, a Constituição o confi gura num regime de empresa pública, idêntica à privada,

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como se a entrada do Estado no mercado se subordinasse às determinantes consti-tutivas da ordem econômico-fi nanceira. Na mesma dimensão, este agente público pode ser réu de abuso de poder ou de atentado à economia popular.

Há a carência ainda da ampla disciplina prevista pelo parágrafo 3o do Art. 173 da Carta, que dispõe sobre a exigência de norma para regular as relações entre a empresa pública, o Estado e a sociedade. Lei matriz, exaurindo esta disciplina – até o nível, até mesmo para muitos, de legislação complementar, ou disciplina específi ca, como autoriza o texto, in fi ne, do artigo mencionado.

A Carta intenta, também, estimular a atividade privada em regime asso-ciativo e de forma alternativa à fi nalidade de lucro estrito, fomentando a sua organização cooperativa. Consagra-a na atividade garimpeira, na qual releva, sobre as características estritas de empresa, a promoção econômico-social destes trabalhadores. No âmbito dessa longa manu do Estado nesses empreendimentos privados de interesse social registra-se, hoje, a enorme expansão das organizações “não governamentais”, em que se caracterizou o interesse público na vida pro-dutiva do país.

A tensão latente entre desenvolvimento e reclamo ambiental, ou a explo-ração dos direitos difusos, está a exigir um estatuto geral dessas organizações, conjugando o direito associativo a uma efetiva política de licitação de recursos públicos, capazes de enfrentar as contradições emergentes na sustentabilidade da mudança, buscando, entre outras, a conciliação entre o pleno emprego, a livre concorrência e a efetiva redução das desigualdades sociais e regionais. Não é outro o texto multidialético do Art. 170 da Carta de 1988.

DESBUROCRATIZAÇÃO E INFLEXÃO MACROECONÔMICA

A reserva de monopólio realizada pela Constituição, na área de petróleo e de minerais nucleares, viria a ser alterada, em toda a dinâmica iniciada à última dé-cada do século passado e em refl exo ao modelo global, neoliberal, na vigência da economia de mercado, a que se remete fundamentalmente a Carta, protegendo a livre iniciativa. Foi o que avançou o Programa Federal de Desregulamentação (Decreto no 99.179, de 16/03/1990), que atravessou os governos Collor, Sarney e Fernando Henrique Cardoso, envolvendo as necessárias emendas constitucionais. O empenho voltou-se à exploração do petróleo em todas as suas etapas, à energia elétrica e às telecomunicações, alternando entre um primeiro ímpeto de privatiza-ção confessa e a retomada relativa de controles, por meio do regime das agênciasreguladoras, para cada uma destas áreas dentro do entendimento da legislação ad hoc, permitido pelo Art. 173 da Carta. Resultaram, nesse contexto, com marcas institucionais distintas, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),no âmbito da energia elétrica; a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e

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Biocombustíveis (ANP), no petróleo; e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no plano das telecomunicações.

No horizonte da unifi cação sistêmica, reclamada pelo aprofundamento do modelo democrático, a atual regulação dessas agências comporta as seguintes in-terrogações: i) autonomia efetiva das agências, diante dos ministérios a que se re-ferem, no exercício do seu poder de concessão e de fi scalização, ou na latitude da visão de desempenho dos serviços e a eventual terceirização das respectivas ativida-des; ii) mediação entre o Estado e as agências, de conselhos responsáveis das polí-ticas públicas, no resguardo do risco de sua “setorialização”; e iii) reformulação dos padrões de desempenho atual, dos órgãos reguladores, amarrados no seu “proce-dimentalismo” (NUNES, 2007) e com vista a padrões estabilizadores de conduta, tanto com a administração direta como diante dos poderes Legislativo e Judiciário.

UMA PROSPECÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

O desempenho prospectivo de nosso Estado defronta a exigência do desenvolvi-mento sustentável, de par com os novos reptos que lhe impõem a economia de mercado, transposta à globalização. A Carta impõe o respeito à concorrência, tal como a livre iniciativa. Infl ecte, pois, a conduta política ao modelo econômico abrangente e já pressentido na Constituição de 1988. O Estado, como empresa pública, obedecerá às suas regras, mas, ao mesmo tempo, e para assegurá-las, ao imperativo da segurança nacional, do controle dos riscos de eliminação da con-corrência, de dominação de mercados e de aumento arbitrário de lucros.

Extrema-se, por aí mesmo, um contraditório entre o que seja o Estado como agente normativo regulador, vinculado a esses princípios, e o Estado empresário, obrigado à mesma dinâmica da iniciativa privada, e, portanto, ao quadro desses múltiplos abusos a que se refere o Parágrafo 4o do Art. 173.

Não é outro o problema, por exemplo, das empresas públicas que, mesmo fora de uma condição de monopólio, caracterizam um efeito de dominação de mercados tal como delineado do exponencial de expansão hoje da Petrobras no país. A criação de competidora, especialmente após as dimensões dos novos apro-veitamentos do pré-sal, obedece a esta extensão que marca a presença do Estado no campo empresarial.

E é dentro da absoluta fi delidade à Carta Magna que a contenção da em-presa pública se faz pela garantia do modelo – a da livre concorrência – em que o Estado se subordina, sem renúncia a seus poderes próprios de controle, ao modelo econômico envolvente.

Atente-se também a que a exigência da sustentabilidade do desenvolvimento implicará a superação de modelos institucionais, desatentos na estrutura política

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brasileira, a todas as consequências da dependência da mudança à funcionalidade trazida ao processo social.

O padrão federativo envolve, por exemplo, determinações residuais de sobe-rania que podem ainda colidir com essa ação desimpedida e transparente da deci-são política para a otimização do nosso desempenho. O imperativo do melhor uso de recursos não suportará outra ótica, ou emperro, a essa última consonância, em que a política pública reúne os estratos econômico, social e político desse sistema.

A perspectiva, em longo prazo, de um Estado de desenvolvimento enfrenta-rá o problema das autonomias dos espaços de decisão pública, deixados, inercial-mente, a uma visão de freios e contrapesos que, geralmente, nem sequer, no caso do Brasil, refl etiram a construção, degrau por degrau, de um poder nacional. Ao exprimir o utopismo da elite de poder republicana acolhe-se, no Brasil, o modelo federal inteiramente por fora da dinâmica e da realpolitik em que a monarquia administrou os espaços vazios do país e os subordinou à regra do controle direto, consoante a dinâmica da ocupação da distribuição dos recursos e dos primeiros contrapontos regionais.

No quadro hoje e já da sustentabilidade indefi nida da mudança, o peculiar interesse do município, por exemplo, não pode mais ser acolhido senão como um desperdício ou um desencontro, em visão das prioridades daquela otimização, e de que é dentro da mudança e da sua conquista prévia que se adensa o verdadei-ro pluralismo de interesses do Estado nacional. O desperdício hoje dos royalties municipais, em virtude da regra do seu específi co interesse, diz bem do caráter obsoleto desse modelo federativo diante do paradigma funcional sem concessões que a dinâmica da estrutura de mudança reclama.

Mas, sobretudo, esse futuro em médio e longo prazos vai defrontar a con-tradição entre o poder normativo e o regulador, nas distintas intervenções do Estado-empresa nas atividades econômicas e nos serviços defi nidos pela Carta Magna. Este confronto se dá no abuso tanto normativo e regulatório do Estado quanto, sobretudo, no que nas suas prestações caracterizam uma conduta des-conforme tanto positiva, no seu excesso, quanto negativa, pela recusa ou pela ausência da conduta prescrita.

Não se dispõe ainda da larga perspectiva em que o Estado brasileiro e em virtude desses obrigatórios feedbacks do Estado democrático (accountability hori-zontal) depara a confi guração do Ministério Público. Há carência de maior ex-plicitação do parágrafo 2o do art. 129 da Carta, perante a tendência inercial a aceitar-se essa desconformidade da sua conduta, ante a obrigação de “zelar pelo respeito dos poderes públicos” não só quanto aos seus serviços, mas também e já perante a sociedade subjacente aos direitos assegurados pela Carta Magna, “pro-movendo as medidas necessárias a sua garantia”.

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Esse imperativo diz respeito não só à ordem jurídica e ao regime democráti-co, mas também aos interesses sociais individuais e indisponíveis. Abrange por aí mesmo o imperativo do desenvolvimento e de sua sustentabilidade, num volume crescente de prestações públicas, ao contrário do mero quietismo na mantença da ordem pública e de transferência de toda conduta de produção ao plano da vida privada do país. É o que se torna sinônimo da garantia da dignidade da pessoa, do desenvolvimento desse “mais ser” do homem e de todos os homens.

Um Estado assim confi gurado nas suas prestações primárias não pode deixar também de exigir, a bem da democracia profunda, a explicitação que, como ativi-dade econômica, e dentro das suas regras empresariais, venha a posicionar-se pe-rante a vontade legiferante e o condicionamento do poder normativo e regulador. Falta ao Brasil ainda a disciplina do “lobby” e em que termos a pressão democrá-tica e o abuso de poder não podem correr a vala comum dos condicionamentos unilaterais e da corrupção da ratio legis.

CONDUTA POLÍTICA E COMPLEXIDADE SOCIAL – OS REENVIOS SISTÊMICOS

No âmbito constitutivo da atividade política, por sua vez, importa atentar para seu avanço de desempenho, diante da crescente complexidade da organização social contemporânea. É o que especifi camente envolve a garantia de todos os feedbacks – ou reenvios sistêmicos – em que, justamente, a democracia se realiza e a garantia da funcionalidade limite proveja a seus três parâmetros indispensáveis. Ou seja, o da sua constituição como vontade geral (accountability vertical), do de-sempenho como instituição, no previsto exercício de sua harmonia e interdepen-dência (accountability horizontal), no permeio efetivo, pelo aparelho, à dinâmica de interesses da sociedade subjacente.

Atentar-se-ia, ainda, a que, sempre a bem do evitar a entropia dessa institu-cionalização, há que reconhecer o quanto o sistema brasileiro já acata disposições, em bem da complexidade aberta, de avanço de uma ordem promocional da mu-dança, por sobre a ordem jurídica stricto sensu da democracia clássica.

O FEEDBACK VERTICAL – A DINÂMICA DA VONTADE GERAL

A Carta de 1988 reiterou, na composição das vontades gerais de como o princípio da representação se condicionava, ao mesmo tempo, o exercício direto da decisão coletiva garantida pelos plebiscitos e referendos.

A política global do desenvolvimento sustentado, ao responder a uma so-ciedade em mudança, trabalha cada vez mais num quadro de abate da exclusão social e de avanço da consciência popular direta, por sobre o da representação. É de prever, nesse sentido, o quanto os possíveis impasses das reformas de base, na sua repetida frustração desde a época do janguismo, impõem-se, ao lado dos

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bloqueios repetidos dos Congressos, um recurso crescente aos plebiscitos (SAN-TOS, 2007). A atual legislação é sufi cientemente ampla para só lhe expor, como freio, à irrepetibilidade durante o mesmo mandato governamental. Fora as cláu-sulas pétreas, não há matéria de decisão política em que o princípio da consulta popular não prevaleça sobre o dictum da representação. Mas o recurso ao plebisci-to fi ca na dependência da vontade do próprio Congresso, sem quórum específi co, entretanto, para autorizá-la.

O único plebiscito experimentado pelo Brasil foi determinado, na própria matriz da Carta, para a defi nição da manutenção da República e da forma de governo na escolha entre o parlamentarismo e o presidencialismo.

À busca do aperfeiçoamento democrático, perguntar-se-ia se a aprovação dessa medida prescindirá, ou não, dos quóruns reclamados para as emendas cons-titucionais, ou se a amplitude com que a acolhe a Constituição de 1988 só refor-çará esse enlace cada vez mais profundo entre sociedade em mudança e vontade popular para além das instituições que a exprimam.

A modernidade, por outra parte, vem registrando a adoção da mecânica do recall nas economias mais amadurecidas, dentro do suposto de que a opinião pú-blica se adense no seu julgamento em questões críticas da mudança, num timing distinto da perspectiva dos mandatos originalmente outorgados.

O recall visa, normalmente, em período de meio para fi m de mandato, submeter os governantes à ratifi cação de seu placet político em consulta direta à coletividade. É, pois, instrumento de refi no dessas sintonias, tal como acolhido nos países escandinavos, nos cantões suíços ou em diversos estados da federação norte-americana. Foi longamente objeto de exame pela Comissão Afonso Arinos, na Carta de 1988, e a seguir na Comissão de Sistematização do Congresso.

Deixada de lado pelo texto fi nal, o instituto só reforça a sua atualidade, numa sociedade, hoje, como a brasileira, pela aceleração intrínseca de suas ex-pectativas perante a mera mantença sonâmbula da legitimidade formal e inerte de um governo. Geralmente, o recall implica, quando em manifestação negativa dos votantes, a remoção dos eleitos, acelerando-se novo pleito para substituí-los. Mas pode também, como indicam os cantões suíços, valer como sinalização e como correção de rumo dos mandatários, mantendo-se as vigências originais do exercício do poder.

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OS FEEDBACKS HORIZONTAIS: HARMONIA, INDEPENDÊNCIA E INTERCONDICIONAMENTOS

No âmbito já das dinâmicas intrassistêmicas das instituições e do aparelho de poder, o regime articulou os seus condicionamentos num elenco amplo de con-troles recíprocos. Estes controles defi nem a sensibilidade desses feedbacks e dessa tessitura, que responde pela coadjuvação da independência e da harmonia do desempenho conjunto da potestas pública nacional, ou seja, da vontade coletiva expressa no Legislativo; da decisão dos confl itos trazidos pela sua aplicação e do desempenho da tarefa concreta do Estado, em razão do bem comum e da disci-plina e melhoria da sociedade civil suporte.

Depara-se no modelo brasileiro todo o repertório ostensivo de condiciona-mentos e de reenvios, de nomeações e sua ratifi cação; dos atores do poder, bem como do julgamento de suas condutas. No plano do conteúdo decisório exposto à supervisão permanente, manifesta-se a competência do Tribunal de Contas, no controle da aplicação da lei orçamentária, como via do desempenho, pelos Exe-cutivos, da materialização da ação de Estado.

A todo esse elenco de remissões corresponde esta presunção do exercício harmônico do Estado em seus poderes, na normalidade de seu desempenho. O aprofundamento da ideia democrática contemporânea, entretanto, já vai – e o Brasil de hoje o demonstrou em alguns dos seus novos institutos – a formas supervenientes desses controles, nascidos do mencionado risco da habituação da tarefa do poder público, quando objeto de um exercício continuado, à margem da renovação eleitoral e a bem de sua independência intrínseca, pelas garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, tal como se caracteriza o desempenho tradicional do Poder Judiciário.

ROTINIZAÇÃO E ENTROPIA DE CONTROLES

A dinâmica da nova complexidade de toda organização coletiva e, em especial, do aparelho de poder, enfrenta o conteúdo crescentemente reiterativo desse desem-penho, à míngua de uma reciprocidade de perspectivas ou reenvio de visão, de par com os conhecidos efeitos de uma rotinização de controles, no qual, na visão ha-bermasiana, termina por reifi car-se a produção do poder. Uma entropia marcaria este desgarre da funcionalidade sistêmica, a que se somariam, ainda, num círculo vicioso, os princípios da estandardização e impunidade de produção assegurados, de princípio, ao Judiciário.

A visão contemporânea da democracia aclamou a iniciativa brasileira, nesse domínio, pela criação de um Conselho Nacional de Justiça, para obviar esses riscos, marcado por uma composição interpoderes nas suas vozes, e competente para apreciação da conduta do Judiciário, não só pela sua própria hierarquia, mas também pelos representantes de outros poderes, assim como da sociedade civil.

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Os primeiros resultados do novo órgão evidenciaram as condições daquela reifi cação ou desvio inercial, marcado pelo nepotismo da composição dos qua-dros, baixa produtividade de seu desempenho, falta da autorrenovação de seu dictum, e descarte do timing de mudança a que, como fenômeno global total, volta-se o desenvolvimento, na agenda nacional de sua sustentabilidade.

Identicamente, o Estado brasileiro se deu conta, a partir da Carta, do risco – sempre dentro da mesma entropia – da inércia geral em que poderia se manter diante da política de mudança, aguilhoado à tarefa de garantir as “funções” da Justiça, ao lado das tradicionais da dita ordem pública, por meio da qual começou o Estado moderno.

Ao Ministério Público comete-se todo esse condicionamento coercitivo, não só à prestação explícita positiva do Estado, mas ao seu abuso (SADEK e CAVALCANTI, 2003), a que associa também a falta de zelo na realização dos direitos humanos e dos interesses indisponíveis da sociedade e dos direitos difu-sos – da defesa do patrimônio público, das populações indígenas e do patrimônio ecológico do país.

Acolheu-se o perfi l de um Estado obrigatoriamente em moção, a que, como indiscutível “quarto poder”, o empenho público chega a esse novo feedback sistê-mico de prever a inércia do regime e não só corrigi-lo, mas o fazer, ex novo, por “as medidas necessárias à sua garantia”.

IMUNIDADE E IMPUNIDADE DOS PODERES

Ao mesmo tempo, faz-se mister ao lado dos institutos dessa accountability hori-zontal, dentro do sistema de poder brasileiro, atentar ao quanto todo regime vive ainda de um desbalanço tópico no quadro de seu controle, e não de sua iniciativa conjunta. À conta ainda da independência dos poderes a nossa democracia sofre de um contraefeito entrópico, assinalado pelas impunidades ou pelos privilégios no seu seio.

Nessa mesma medida, atenuam-se, se não desaparecem, a capacidade e a interveniência de retroação essencial, qual o de polícia, para assegurar a adequa-ção da conduta dos poderes aos marcos da lei e, por aí, à garantia da legalidade, ínsita ao Estado de Direito. O avanço democrático supõe, por esta via, a elimina-ção das prerrogativas de foro e privilégio de julgamento dos titulares das funções legislativa e executiva. Tal quando já, de princípio, estas tarefas de controle não se interiorizam nos próprios poderes, na amplitude com que as inadequações de conduta do Legislativo vão à gama do decoro parlamentar, e às pautas laxas da avaliação rigorosamente subjetiva, no esprit de corps e da sociabilidade ad intra dos atores do subsistema em causa (FIGUEIREDO, 2003).

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A resistência à perda da imunidade mostra a transposição para o aparelho na dinâmica direta, clássica, dos grupos de poder da sociedade civil, e do clima de vingança, forra e abate que caracterizaria o ciclo de suas passagens por um regime marcado, ainda, dominantemente, pela política de clientela.

Aceleraram-se, nos últimos anos, em benefício da vigência efetiva do Estado de Direito brasileiro, essas novas franquias dos poderes de polícia, assegurando a responsabilização efetiva do cidadão diante do código penal. Mas os seus pro-gressos empurram o país ao crux de um ethos social, e do que, nele, represente o avanço de um consenso, em favor da despatrimonialização efetiva da vida públi-ca, largando a tradição semicolonial de exercício de poder brasileiro.

APERFEIÇOAMENTO SISTÊMICO E INCONSCIENTE COLETIVO

É o que se faz mais por um reclamo abstrato dos valores do Estado de Direito que pela percepção efetiva em que a complexidade de sistemas e de interesses da socie-dade já se dissociem da dinâmica do statu quo e de seu aparelho. Não são outros os marcadores irreversíveis de uma tomada de consciência da sociedade civil, e os níveis efetivos em que a justiça se reclame coram populo, como uma função social garantida pelo Estado como a avançou, premonitoriamente, a Carta-cidadã.

Não é outro o limite em que se consensualizam, ou não, a partir do incons-ciente coletivo (NEYRAUT, 1974), os níveis de conformismo com a corrupção constitutiva do sistema e, pois, os avanços emergentes em que a organização co-letiva rompe com a posse da coisa pública como sinônimo do exercício do poder.

É toda a síndrome que se constela nesse quadro do statu quo, pela política de clientela na provisão dos cargos públicos, consequentes às rotações de poder; na apropriação quase que clausurada dos recursos públicos nos vieses orçamentários ou no benefício direto de seus promotores; na perenização dessas mesmas vanta-gens a só se refi nar no favorecimento dos lobbies, na destinação da verba pública, em toda mecânica da economia eleitoral.

Nesse mesmo limite, a dimensão política identifi ca-se à condição de apoio ou de resistência em que uma política de desenvolvimento vingada traz o repto da nova complexidade, do advento de novos interesses e sua dinâmica funcional, redistributiva e descentralizada.

MUDANÇA E OBSOLESCÊNCIA POLÍTICA

Está-se aí diante do primeiro patamar da conduta na sociedade de mudança, que se perfi la em constantes comportamentos característicos da vida política pretérita (O’DONNELL, 1993). Isto é, da negociabilidade aberta da representação do mandatário, a qualquer tempo e à margem das disciplinas partidárias; da presta-

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ção de contas nominais dos gastos eleitorais, numa conduta refratária, contuma-zes a fi nanciamentos públicos de campanha, em bem dos doadores particulares no comando de “seus” deputados e senadores.

A democracia compreende o avanço por etapa dessas diversas conquistas da desprivatização do poder político. Em suma, a diversifi cação desses novos interes-ses evidenciará progressivamente a obsolescência das mecânicas clássicas, diante do impulso adveniente e das diversas marcas em que o desenvolvimento marque a mudança. Ou seja, os movimentos sociais e sindicatos; a presença dessas forças na reorganização partidária; o avanço de um pluralismo na sua constituição; e, sobretudo, o recurso às formas de democracia direta nessa sua dinâmica, em que a opção por conteúdos concretos da sociedade em mudança prevaleça sobre as articulações de um statu quo, seu entrincheiramento dominante nas resistências do regime político.

REFORMA POLÍTICA E DEMOCRACIA PROFUNDA

Na verdade, e pelo próprio ritmo da tomada de consciência do outro Brasil, não é pela reforma que se chegará à melhoria da funcionalidade da dinâmica de poder, mas pela alteração mais profunda do estatuto mesmo da representação (SAN-TOS, 2007), reptado pelas novas formações de maiorias eleitorais, de organização das coalizões e do avanço político direto da cidadania a que, aliás, a Carta de 1988 deu já ferramentas nítidas.

Desde a iniciativa de emenda constitucional até a amplitude com que a ação popular pode intervir nas iniciativas públicas desponta um cenário emergente de funcionalidade política em bem de sua sistemática de mudança. Este avanço implica a ação direta de inconstitucionalidade, nova disciplina das medidas pro-visórias, a eventual adoção do recall, ou a ampla reformulação da mecânica da iniciativa cidadã à legiferação.

É, entretanto, no campo das relações já do poder com a sociedade subjacen-te que a democracia encontra o seu maior desafi o. Ou seja, o do reconhecimento crescente dos direitos humanos, no que o reforço da sua dignidade não se exaure e não se vincula a uma explicitação defi nitiva de expectativas de prestação pelo Estado. Este empenho é sempre inacabado numa contabilidade maior, em que as novas demandas podem refl etir limitações sobrevindas a esses direitos, pelos controles sociais, ou por aquela mesma entropia na reifi cação de tais proteções.

É o que resulta também de que, na sua dimensão tecnológica, a comple-xidade social tanto amplia como expropria tais direitos e, geralmente, o faz na própria elisão dessa consciência pela cidadania. Ou os transforma em direitos perdidos a sofi sticação do avanço dos controles coletivos? Como subsiste o direito à intimidade, por exemplo, no mundo de monitoramento-limite das escutas tele-

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fônicas no grau alcançado, como salienta o ministro da Justiça, Tarso Genro, pela aparelhagem científi co-eletrônica? Ou o que é do direito à imagem nas sociedades midiáticas de atentado na TV, irrepetível e incorrigível, a verdade de um compor-tamento ou de uma informação? Mas, sobretudo, diante de um contexto de ma-nipulatório limite da informação, até onde a nossa subjetividade se vê transposta ao virtual, perante o universo objetivo? (BAUDRILLARD, 2007).

POR UM SUBVERSIVO ESTADO DE DIREITO

Outras vezes, ainda, as próprias dimensões efetivas do contraponto entre o apare-lho, a sociedade midiática e o cidadão inviabilizam direitos que a Carta – à vista desses riscos – assegurou ao patrimônio da pessoa. Tornou-se praticamente letra morta o direito de resposta diante do crime midiático, exigindo a sua correção “na rapidez e na intensidade do agravo”. Tal como diante da agressão da manchete, ou da telinha, somente fi ca de pé a contenção preventiva, expressa no aceno ao vulto das multas pela perpetração dos atentados à imagem.

Dava-se conta, a Carta do Dr. Ulysses Guimarães, da violência com que a informação do aparelho reconstituiria a pessoa aos olhos do Estado consoante os arquivos secretos de sua segurança. O habeas data tornou-se praticamente inútil ou natimorto nas sociedades democráticas. A afronta do informe refeito e de-negado sobrepõe-se hoje à trama de um universo de representações diretamente plantado no inconsciente coletivo. Não é outra hoje a dita “opinião pública”, constituída desses simulacros, consoante o teor da normalização coletiva e a em-purrar para as suas bordas toda opção de dissenso. Mais ainda, no peso objetivo do aparelho da nova complexidade social é o próprio protesto que se bane, de vez, ou pior, vai também ao requinte da sua contrafação.

A sociedade eletrônica acelerou, com a invasão da internet e seu coloquial avassalador, a dissolução da praça como espaço social do protesto e do confronto da cidadania nua.

O aperfeiçoamento da democracia, nessa dimensão de defesa de novos direi-tos humanos, a evitar a sua captura pelo universo virtual, põe em causa a prática da contrainformação no âmbito do aparelho público (HEIMONET, 2002). Não se trata, nesse papel emergente das agências governamentais, de defesa do Estado, mas da garantia da neutralidade da comunicação, buscando o seu engolfar pelo mundo midiático e sua ordem de simulacros.

É nesse plano que se descerra a correlação entre o avanço do desenvolvimen-to, na verdadeira sociedade em mudança, e a funcionalidade crescente da demo-cracia profunda. Marcam-na o regime de reenvios entre a mobilidade social, a redistribuição de renda e a incorporação da componente tecnológica como vetor generalizado de inovação, reclamado pelo intrínseco progresso da modernidade.

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Nesse mesmo quadro, a melhoria do sistema político exprime uma conta-bilidade múltipla de ganhos e travames, no embate em que o aparelho formal do poder depara a sociedade subjacente. São gamas distintas, em que se defi ne um padrão de resistência do statu quo expresso, por exemplo, na conexão emergente de alianças para defendê-lo diante de um governo de mudança e da percepção de suas metas; ou na intensidade da mobilização política, e da complexidade de suas frentes, ou do quanto ainda se exporiam a uma visão ambígua da superação do establishment e das vantagens de meio caminho para a sua negociação.

O “MOTO-PERPÉTUO” DA REFORMA POLÍTICA

Na dimensão do poder, o desenvolvimento tem como indicador inevitável essa reforma política sempre in faciendo. O anúncio da mudança sistêmica torna-se global como álibi do próprio conservadorismo confi ante na sua inviabilidade, tanto mais repelido, sem consenso, o propósito original.

Nesse jogo de retóricas consentidas pende a própria balança do poder, no que os interesses econômicos subjacentes permeiem o aparelho político e a von-tade legislativa. Pode-se defi nir, grosso modo, o perfi l da linha de forças desse con-fronto, diante de fatores, como a transparência ainda do poder às formações da dependência tradicional; a autonomização, já, do estado político, ou da inversão desses condicionamentos, quando a conduta partidária torna-se, por sua vez, me-diadora do Estado à dinâmica dos interesses, até mesmo permeados por uma estrutura de desenvolvimento.

Dentro desses supostos, pode-se apontar para a distinta aceleração ou bloqueio de itens da dita reforma política, a exprimir o estado geral do regime de mudança.

O fi nanciamento partidário público é o indicador clássico da última rejeição como o eixo decisivo à dependência das bancadas emergentes à dinâmica econô-mica que perduraria. A garantia da fi delidade à legenda, por outra parte, sinaliza o grau de consistência em que o estrato político lograria, de fato, atuar como variável independente, no sistema de decisões nacionais.

No efetivo e novo desempenho “funcional”, frente à sociedade econômica, o partido se depara com um contraponto, por sua vez, entre uma visão programá-tica efetiva da ação do Estado, e das políticas públicas – e a apropriação de seus benefícios como facção de um grupo, ainda intransitivo, de exercício de poder conquistado com a eleição.

O velho clientelismo orçamentário, por outro lado, pode renascer no pro-curement partidário em que a persistência dos condicionantes dos provedores de campanha assegure um plus de fi nanciamento público aos seus interesses na or-dem econômica emergente.

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POLÍTICA, CONSCIÊNCIA CÍVICA E “VIRADA DE PÁGINA”

No vaticínio da dinâmica do sistema político perante o desenvolvimento, a mar-cação contemporânea do nosso regime de poder já pode considerar como vencido o permeio por uma estrutura social total de mudança e, dentro dele, por uma aceleração resultante da especial tomada de consciência que o atual regime de maiorias políticas outorga ao governo.

Os avanços dos feedbacks, tanto verticais como horizontais, tornam-se ir-reversíveis enquanto se assentarem em novo inconsciente coletivo (NEYRAUT, 1974), e na mecânica de freios e contrapesos crescente entre os poderes do Esta-do. É o que se exprime pela nova desenvoltura, por exemplo, do poder de polícia no quadro da interação entre o Executivo e os demais poderes. Mas é o que ao mesmo tempo abre nova escaramuça, no atentado pelas suas averiguações da dig-nidade da pessoa. O apregoado cientifi cismo das escutas, com senhas universais, pode destruir de vez o direito à intimidade individual.

De outra parte, as conquistas objetivas e a melhoria do bem-estar social – apoiado na desconcentração da riqueza, mas, sobretudo, no acesso aos serviços de educação e de saúde – podem conduzir o despertar da nova consciência cidadã para a priorização, na sua escalada, dessas expectativas de igualdade de acesso coletivo sobre o refi no de seu respeito individual.

O novo passo nessa melhoria do sistema político se desprende das compen-sações do utopismo abstrato e da perspectiva moralista da correção de conduta coletiva tradicional do país. Seu verdadeiro avanço dependerá, entretanto, do re-curso, pelo governo, à consciência cidadã direta mais que aos legislativos, por meio de mudanças como a do plebiscito. Da mesma forma, este reclamo enfrenta o imperativo da segurança contra a violência sobrevinda de novos enlaces da cor-rupção brotada da complexidade do Estado de desenvolvimento.

Derrubam-se também, de vez, as presunções do velho regime de elite de poder, expresso pelo privilégio de foro transformado de fato em impunidade.

Os impasses de toda reforma política emergente defi nirão, ao mesmo tem-po, as linhas de força precisas em que o statu quo, de toda forma, saiu da inércia, e negociarão estratos estanques de sobrevivência. Entretanto, tanto um governo de mudança recorrer à vontade popular direta, tanto encontrará a perda de terreno acelerada de seus opositores.

O recurso ao plebiscito, na história recentíssima da América Latina, trans-formou-se em um instrumento para o desbloqueio do velho statu quo encaste-lado na reifi cação da própria democracia formal. No caso brasileiro, e diante da experiência única de mobilização empreendida pelo petismo, o apelo crescente à vontade popular é trunfo imediato ao advento íntegro de um Estado de desen-volvimento, de par com a democracia profunda exigida pela mudança sem volta.

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CAPÍTULO 10

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ESCOLHA POLÍTICA, E NÃO TÉCNICARaphael de Almeida Magalhães

Neste capítulo, parte-se de algumas premissas, a saber: i) a hegemonia incontras-tável da economia desregulada, sob a égide absoluta das forças do mercado, parece condenada e em processo de revisão; ii) a profundidade da crise norte-americana atingiu o dólar como reserva de valor e unidade de troca internacional, suge-rindo a necessidade urgente de um provável realinhamento do poder mundial, reservando aos países emergentes papel muito mais saliente na construção desta nova ordem – um novo acordo de Bretton Woods; iii) os Estados nacionais, muito provavelmente, terão papel mais relevante no redesenho da economia mundial até mesmo para se habilitarem a exercer maior controle sobre o fl uxo fi nanceiro internacional; e iv) a livre circulação de dinheiro deve ser submetida a restrições por parte dos Estados nacionais, atuando em ação coordenada entre si, como condição de sobrevivência da própria economia de mercado, para que os ativos reais e produtivos recuperem importância diante da exuberância do capitalismo fi nanceiro, convertida a moeda, afi nal, ela própria, em commodities.

Essa reacomodação, em pleno processo de discussão, determinará um novo formato na ordem internacional, com efeitos benéfi cos para os países emergentes que não devem e não podem se omitir, mas se fazerem protagonistas, de verda-de, numa discussão extremamente promissora para o futuro da humanidade, às voltas, ainda, com a crise de energia, tudo sob pressão do problema ambiental.

Nessa perspectiva e na proximidade do segundo século de independência do Brasil – em 2022 o país comemorará 200 anos de autonomia política –, é mais que oportuno que o Brasil volte a discutir, para valer, um projeto nacional de desenvolvimento, único instrumento capaz de rasgar caminhos para a resolução defi nitiva da questão social, pesadelo que nos constrange a todos diante do abis-mo social que separa ricos e pobres – uma ameaça concreta à paz social, em que a violência nos espaços metropolitanos é a face mais visível.

A clara opção brasileira, nos últimos anos, pela economia de mercado, e a consequente redução do papel do Estado na condução dos negócios públicos, tudo apresentado como mero efeito do fenômeno da globalização, relegou a pla-no secundário qualquer veleidade de uma discussão, a sério, da construção de

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um projeto nacional mobilizador, capaz de combinar, efetivamente, crescimento econômico com superação das desigualdades sociais. Nesse sentido, o país aban-donou, sem dúvida, uma atitude incorporada, historicamente, a sua práxis polí-tica de acreditar em um destino manifesto de se converter em potência mundial.

Afi nal, havia, em pouco mais de vinte anos, transformado, radicalmente, a paisagem econômica e social do país. Estado de base agrícola, dependente, para sobreviver, do preço internacional do café, importador de bens industrializados para satisfação de uma pequena elite ligada ao setor agrícola-exportador, com cer-ca de 70% da sua população vivendo no campo, neste reduzido tempo histórico, o Brasil foi convertido em um país de diversifi cada base industrial, com mais de 70% de sua população urbanizada, registrando taxas de crescimento econômico, em alguns momentos, superior a 10%, desempenho só igualado, na época, pelo Japão, no auge do então denominado “milagre japonês”.

Então, como agora, tratava-se de uma acirrada disputa política. De um lado, os desenvolvimentistas industriais, cujas ideias estavam expressas no plano de me-tas do presidente Juscelino Kubitschek: Cinquenta Anos em Cinco. E, de outro lado, a partir da aceitação acrítica da divisão internacional do trabalho, os que pregavam que a economia brasileira deveria se dedicar, exclusivamente, a ativida-des primárias exportadoras, uma vez que eram estas as vantagens comparativas do país, e cuja produtividade garantia condições competitivas no mercado.

Os desenvolvimentistas venceram a queda de braço. E desde os anos 1950 até meados de 1970, tanto em regime democrático como em pleno regime militar, a nação, com razão, pelo seu desempenho, via-se predestinada a alcançar status internacional de potência, pois, nesse período, o Brasil era o país com a maior taxa de crescimento econômico do mundo, superior, em média, a 7% ao ano, próxima da que, em nossos dias, para admiração universal, a China vem alcançando.

Os liberais, derrotados no debate no período desenvolvimentista, voltaram com força a partir dos anos 1980. E a desconstrução do Estado, como único ator com capacidade de liderar o processo desenvolvimentista, foi central nessa vito-riosa trajetória, pois, somente a partir da vontade política engajada da nação, só mobilizável por intermédio de políticas públicas, é possível muscular as mudan-ças necessárias para a implementação de decisões essenciais para que o país cresça a taxas que permitam combinar, com a urgência requerida, desenvolvimento e eliminação das desigualdades sociais.

Por que, o Brasil, no limiar deste novo século e nas vésperas do seu segundo centenário, não retoma o rumo perdido para se lançar na busca de um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social, inspirado na sua própria história, e que tenha como meta taxas anuais de 10% ao ano que o próprio país já logrou, miran-do no tempo atual, no desempenho da China, e até mesmo no da Índia, países em relação aos quais, sem falsa exuberância, temos evidentes vantagens comparativas?

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A clara opção brasileira, nos últimos anos, pela economia de mercado, como epifenômeno da globalização, relegou a plano secundário qualquer discussão mais consistente sobre a relevância de um projeto nacional de desenvolvimento como elemento aglutinador da vontade política dos brasileiros. Na lacuna, a agenda política deslocou-se para outros temas, como infl ação, gastança pública, privati-zação. E, sobretudo, engendrou uma agenda negativa de desmoralização dos go-vernos, como as entidades a serem desconstruídas, quando são as únicas capazes de lastrear as mudanças necessárias para a implementação de decisões essenciais para que o país cresça a taxas que permitam combinar, com a urgência requerida, desenvolvimento e justiça social.

Cabe, nesse passo, uma refl exão, ainda que sumária, sobre os motivos deter-minantes dessa regressão histórica com relação a projetos nacionais de desenvol-vimento econômico e social, cujo último exemplar conhecido é o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), do presidente Ernesto Geisel. Elabo-rado sob a inspiração de seguir construindo o Brasil potência, é apresentado, criticamente, como um projeto megalomaníaco, inviável diante dos instrumentos efetivos de poder de que dispõe o Brasil. Mas, sobretudo, é desqualifi cado por sua associação com a ideia de planejamento estratégico de responsabilidade do Estado, forma abusiva de interferência do poder público na liberdade de decisão dos agentes econômicos privados.

A pretensão megalomaníaca do II PND teria aberto o caminho para a infl a-ção dos anos 1980, subproduto de um inefi ciente intervencionismo estatal na eco-nomia. Para não mencionar a imprudente exposição do Brasil em face dos bancos privados internacionais, fi nanciadores, em grande parte, dos investimentos reali-zados com base no II PND e que estaria na raiz da crise da dívida dos anos 1980. E, fi nalmente, pela relação umbilical estabelecida entre regime político autoritário, de base militar, e o II PND, o ataque à ordem militar acabou por atingir a própria ideia de planejamento nacional e de projeto de desenvolvimento, como se fossem conceitos imanentes ao militarismo e não função normal, como indispensável, em qualquer Estado nacional moderno em processo de desenvolvimento.

Nem o planejamento estatal, nem muito menos planos nacionais de desen-volvimento são instrumentos apenas de governos autoritários. No pós-guerra eu-ropeu, todos os países, mesmo os ferozmente conservadores, adotaram-nos como técnica moderna de gestão pública, servindo-se deles, sobretudo, os governos de compromisso social-democrata. E o desempenho dos países europeus após a de-vastação da guerra, no qual o planejamento estatal e os planos de desenvolvi-mento foram instrumentos decisivos, constituem-se em exemplo conspícuo da excelência deles na construção de sociedades que efetivamente conjuguem cresci-mento e justiça, a marca de fábrica da reconstrução europeia.

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Não foi a natureza do PND do presidente Geisel o fator determinante do desempenho precário da economia brasileira na segunda metade dos anos 1970. A crise brasileira foi mero efeito de duas crises que abalaram a economia mundial com impactos brutais sobre os países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil. A primeira foi consequência do abandono da paridade dólar-ouro, estabelecida ainda em plena 2a Guerra Mundial, no tratado de Bretton Woods, descasamento promovido, unilateralmente, pelo ex-presidente Richard Nixon, dos EUA, força-do por um virtual debacle (queda) da economia norte-americana. E a segunda, em parte decorrente da primeira, foi a elevação súbita do preço do petróleo, pro-movida pelo cartel dos países produtores, com impactos severos sobre as contas externas dos países que, como era o caso do Brasil, importavam petróleo. Para não abrir mão da meta de desenvolvimento defi nida no II PND, e em vista da abundante liquidez internacional resultante do enorme superávit acumulado pe-los países membros da Organization of the Petroleum Exporting Countries (OPEC; em português: Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP), o Bra-sil fi nanciou suas contas externas e o seu desenvolvimento interno por meio de empréstimos contraídos junto aos bancos privados norte-americanos, na função de recicladores do excesso de caixa pelos países integrantes do cartel de petróleo. E fi nanciou-se, em condições de mercado, a taxa Libor mais um spread de 3,5% ao ano, bastante razoável em vista da taxa histórica Libor se situar, também, em torno de 3% ao ano. A escolha parecia acertada, tanto que durante o governo do ex-presidente Geisel a economia brasileira ainda conseguiu crescer a uma taxa razoável – cerca de 4,5% ao ano –, caracterizando o que o governo defi niu, na época, o Brasil como uma ilha de prosperidade em meio a um mundo em crise.

A crise, em sua intensidade, somente se abateu dramaticamente sobre o Bra-sil a partir de 1980. E não só sobre o Brasil, mas também sobre quase todos os países em desenvolvimento atingidos pela moratória mexicana, forçada essa por um dos mais insidiosos atos de força da história: contrariando prática secular do Federal Reserve (FED), George Shultz elevou a libor para 22% ao ano, criando, da noite para o dia, um passivo inadministrável para todos os países devedores, com efeitos devastadores sobre as respectivas economias, entre as quais a brasileira, tor-nando impagável a nossa dívida externa, questão que se arrasta até hoje, mesmo depois da negociação internacional dos países devedores com os bancos norte-americanos, intermediada pelo Tesouro norte-americano e pelo Fundo Monetá-rio Internacional (FMI), com base no chamado “Plano Brady”.

Essa é a verdadeira gênese das duas décadas perdidas que se seguiram à crise da dívida que se perpetuou bem além da redemocratização e atingiu de frente o governo José Sarney a ponto de levá-lo a decretar, em 1987, uma moratória. Desde então, o Brasil perdeu o rumo do desenvolvimento econômico como peça organizadora do debate político nacional, em contraste chocante com a retoma-

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da do processo democrático, consagrado, afi nal, pela edição da Constituição de l988, na qual, inclusive, os planos nacionais e os orçamentos plurianuais de in-vestimentos foram erigidos, em instrumentos básicos para a gestão do Estado redemocratizado. Porém, desde a eleição do ex-presidente Fernando Collor, em 1989, tais instrumentos jamais foram efetivamente usados como elementos fun-damentais da política nacional, reduzidos à condição de excrescência histórica nos tempos de avassalador domínio da racionalidade neoliberal.

Tudo se passou como se projetos de desenvolvimento econômico, com base em planos nacionais plurianuais, fossem próprios de regimes autoritários, sendo o intervencionismo estatal o verdadeiro responsável pela crise da dívida e pela in-fl ação galopante que se abateram sobre o país, fruto desse projeto megalômano de Brasil potência. E, ao mesmo tempo em que se desmoralizava a ideia de projeto nacional, atingia-se, simultaneamente, o conceito de planejamento como função imanente do Estado moderno, ataque favorecido pelo desaparecimento da União Soviética, cujo crescimento econômico insufi ciente era atribuído à existência de planos estratégicos sob condução do Estado como elemento organizador.

Essa sucessão de eventos, característicos do fi m dos anos 1980, abriu o ca-minho para a ressurgência, com força, do liberalismo econômico como ideia do-minante na organização das sociedades humanas. Ressurgia das cinzas um dogma que parecia sepultado nos escombros da guerra e pelo longo período de prosperi-dade que a ela se seguiu, basicamente, de inspiração keynesiana, caracterizando o tempo dourado do capitalismo regulado na história da humanidade.

Os efeitos da crise da dívida, do esfacelamento da União Soviética e da emergência do thactherismo e do reaguianismo, forneceram o pano de fundo para uma nova ordem internacional, baseada na hegemonia absoluta do mercado como a única forma efi caz de garantir o regime democrático e a efi ciente gestão da economia, convertido o mercado no deus ex machina. Tudo como corolário da globalização, apresentada como panacéia universal com a qual estariam assegura-dos para todos crescimento econômico e justa distribuição de renda, um jogo de ganha-ganha no qual os atores estavam condenados à vitória, desde que se ajus-tassem, sem reservas, aos postulados estabelecidos no Consenso de Washington, cujas implementação e supervisão, em virtude da crise da dívida externa dos paí-ses emergentes, como era o caso do Brasil, foram confi adas ao FMI, o qual tinha o papel institucional fundamental, então, como agora, de assegurar que os países credores dos países devedores recebessem os seus créditos.

Essa nova forma de imperialismo impôs a hegemonia das regras do mer-cado como forma de explorar a efi ciência e a racionalidade dos agentes privados na alocação de recursos para promoção do bem-estar dos povos. E isto a partir, exatamente, do exame da capacidade de competição, na arena internacional de

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cada país, lógica que, por si mesma, garantiria que cada país participasse, racio-nalmente, do banquete coletivo, cada qual explorando os setores em que tivessem maior produtividade em confronto com os demais. Esta abordagem repunha, entre nós, o debate dos primórdios de nossa industrialização, convertido o Estado no inimigo a ser contido em nome da racionalidade inerente ao comportamento dos agentes privados. E que tomou, entre nós, o pomposo nome do sepultamento da “era Vargas” que abrira ao país o circuito de sua industrialização.

A equalização das condições de competitividade no mercado global exigia, em cada país, idênticas reformas estruturais de modo que garantissem aos atores priva-dos encontrar, sempre, regras uniformes que lhes permitissem arbitrar, com absolu-ta racionalidade e objetividade, sem interferências externas, abusivas ou extemporâ-neas, a melhor localização para os seus investimentos, considerando-se o universo, não obstante sua diversidade, uma totalidade homogênea possível pela existência de regras do jogo convergentes, defi nidas por diferentes Estados nacionais.

Essa premissa básica do Consenso de Washington converteu o Estado na-cional no vilão da história, responsável real pela crise dos anos 1980, cujo papel, na nova economia globalizada, deveria consistir, apenas, no dever de garantir a consistência e a solidez dos denominados fundamentos macroeconômicos, como condição para que o mercado, na sua racionalidade, produzisse os bens e os ser-viços para consumo da população. As reformas, em sua essência, visavam tirar a mão do Estado do processo econômico, afastando-o como produtor de bens e serviços. E, depois, reduzindo até mesmo o seu poder de regulamentador do jogo econômico, sintetizado na bíblica pregação de bancos centrais independentes do poder político.

Os governos brasileiros nunca mais, com graus distintos de vocalização, fa-laram em planos nacionais de desenvolvimento. Ensaiaram, alguns, com muita prudência, orçamentos plurianuais de investimento. Muito mais como mera obe-diência formal à Constituição do que como elemento integrante de um projeto estratégico. E que se resumia em indicar o valor dos investimentos em obras que o governo devesse promover para enfrentar gargalos da infraestrutura e de logís-tica, sempre com o cuidado de esclarecer que tais iniciativas eram necessárias na omissão dos empreendedores privados. A aceitação generalizada – em nossos dias praticamente sem oposição – do dogma neoliberal de que o Estado era o problema a resolver está na raiz da sua desqualifi cação como agente do desenvolvimento. Mesmo governos legitimados pelo voto popular, que lhe assegurassem capacidade política para exprimir a vontade coletiva, de apresentar à nação um projeto de desenvolvimento, seja nos moldes do plano de metas do ex-presidente Juscelino Kubitschek, seja no formato do II PND do ex-presidente Ernesto Geisel, eram desqualifi cados. A orquestrada vociferação dos interesses do mercado inibiu, sem-pre, os governantes de assumirem a posição que lhes incumbiria de oferecer à

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nação uma visão estratégica de futuro, assumindo, com coragem e determinação, a responsabilidade de mobilizar a vontade nacional para construir, antes de o Brasil completar dois séculos de independência, um modelo civilizatório que o colocaria, se forem acrescidos a 10% ao ano até 2022, como a quarta economia do mundo, atrás, apenas, dos Estados Unidos, da China e do Japão, com uma renda per capita superior a R$ 40 mil a preços atuais.

A opção por um plano nacional de desenvolvimento é um imperativo cate-górico diante do qual a nação, se convocada, não terá escolha senão se mobilizar. O essencial na convocatória é converter, de novo, o problema do desenvolvi-mento em uma questão política e não técnica, sem economicismos paralisantes. Pois estes são construídos por meio de slogans simplifi cadores, brandidos com estrépitos e sob falsa capa técnica diante de uma opinião trabalhada pela imagem de um Estado corrupto, gastador e inefi ciente, peças fundamentais na construção dos pilares do neoliberalismo, montados a partir da desmoralização do Estado, apresentado como incapaz de estruturar um projeto nacional de crescimento com justiça social – que são conceitos da política, e não da economia.

Modelos econométricos sucederam-se nesses últimos anos. O acessório – a técnica do economista para vestir as decisões políticas – transformou-se na peça essencial do processo. Planilhas econométricas sofi sticadas sucederam-se. E ainda agora, diante da crise norte-americana e da emergência de uma ameaça de repique infl acionário claramente importado, as planilhas multiplicaram-se para explicar que, com os fundamentos atuais e sem o aprofundamento das reformas estruturais ainda a meio do caminho, 5% ao ano é a maior taxa de crescimento que se pode alcançar. E que a subida dos juros, para satisfação dos aplicadores e ruína das contas públicas, era a rota da salvação.

Esse estado de espírito sob aparente roupagem técnica é que precisa ser en-frentado, em luta aberta de índole política, colocando em confronto os que pre-gam a essencialidade de um projeto de desenvolvimento sob a égide do governo e os que defendem o aprofundamento do projeto neoliberal, que desde a sua implantação, no início dos anos 1990, não garantiu ao país senão taxas pífi as de desenvolvimento econômico, contribuindo para o agravamento das condições de vida de grande parte da população, cuja situação não está ainda mais grave pelo efeito amortecedor provocado pelos programas sociais de natureza compensatória que o governo vem executando.

Essa queda de braço é de natureza política sob disfarce de assunto técnico, que se alimenta de preconceitos arraigados que impregnaram nos últimos tempos o psiquismo social alimentado sempre por uma profunda desconfi ança na inte-gridade dos homens públicos.

O sonho de potência, despertado na década dos 1950, não se realizou. Nem

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os sonhos renascidos no período militar se consumaram. O Brasil fi cou apenas nas expectativas não realizadas. E todos os sonhos frustrados segregam uma atmosfera social de descrença, matéria-prima propícia, em algum momento futuro, para rea-ções coletivas incontroláveis diante de decepções acumuladas ao longo da história.

Está na hora – mesmo porque as condições atuais são propícias – para o relan-çamento de um projeto de desenvolvimento nacional inspirado até mesmo no pa-radigma chinês, tendo como alvo a mesma taxa de crescimento proposta por Deng Xiao Ping aos chineses em 1978 – crescimento de 10% ao ano durante seguidos 50 anos, meta esta que vem sendo rigorosamente perseguida com êxito inegável.

A proposta de apostar em um crescimento de 10% ao ano até o segundo século da nossa independência, sob a égide condutora do Estado como elemento estruturante, não só é possível como também necessária. Não que o Estado deva se converter em Estado-empresário. Nem que deva substituir o empresário na função de produtor da riqueza nacional. Cabe-lhe o papel fundamental de mobi-lizar as energias nacionais como catalisador e formulador de um projeto nacional que desperte no inconsciente coletivo o desafi o de participar de um esforço con-junto de transformar a realidade brasileira. Para que cada um se sinta integrante do mutirão coletivo, a partir de um projeto nacional que irmane o povo e o gover-no, usando o Estado os seus instrumentos de poder para a efetiva implementação do projeto, pois não se tem exemplo na história dos povos de qualquer país que tenha chegado à condição de país plenamente desenvolvido sem que o Estado tenha sido o elemento organizador do esforço coletivo.

O Estado, em qualquer recanto do mundo, abstraída a ideologia de cada qual, sempre liderou os projetos transformadores da realidade socioeconômica. A realidade da China, da Índia e da Rússia, nossos companheiros de BRIC, é hoje a melhor e objetiva demonstração do magnífi co sucesso dos projetos de desen-volvimento logrados sob liderança de Estados nacionais. Todos estes, ao contrário do Brasil, resistiram ao canto de sereia do Consenso de Washington. Recusaram o neoliberalismo e arrancaram suas nações do atraso histórico em que se encontra-vam para transformá-las em sociedades avançadas da qual dependem, em grande parte, os países de economia madura.

Neles, em vez dos fundamentos macroeconômicos privilegiarem as forças cegas do mercado, como foi feito no Brasil e se continua a fazer, tais instrumentos foram mobilizados para fazer a economia, sob liderança regulatória do Estado nacional, crescer às maiores taxas possíveis.

A política fi scal, em lugar de preocupar-se com o superávit primário, tem por propósito alavancar o crescimento econômico. Da mesma maneira que a po-lítica monetária tem como meta não apenas a preocupação com a infl ação, como acontece com os bancos centrais sob a hegemonia neoliberal, mas também com o

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desemprego e o nível de atividade econômica. A política cambial não tem o pro-pósito, apenas, de garantir o equilíbrio das contas externas pela atração de capitais voláteis e pelo combate à infl ação. Sua função é, também, atuar para que o país se converta em exportador de produtos industriais e não apenas, como agora, de commodities. E o gasto público não deve ser contido, mas revisto como elemento fundamental na execução do projeto de desenvolvimento, funcionando, se for o caso, como estimulador de uma política de pleno emprego.

Não importa a natureza do agente econômico produtor da riqueza. É indife-rente que seja público ou privado, nacional ou estrangeiro. O fundamental é que o seu desempenho se encaixe no projeto de referência: atingir uma determinada taxa de crescimento socialmente sancionado.

Por isso, na alocação do gasto público serão privilegiados os gastos asso-ciados a programas socialmente necessários e os vinculados ao desenvolvimento econômico. Mas nunca privilegiar os gastos com juros para remuneração dos pa-rasitas dos títulos públicos.

Em vez do mais regressivo sistema fi scal do planeta, um sistema tributário progressivo que libere os assalariados de menor renda e tribute os contribuintes de maior renda, pois, corrigida a regressividade do sistema tributário brasileiro – um dos mais injustos do mundo –, a renda dos assalariados se elevará e, consequente-mente, sua capacidade de comprar bens e serviços, ampliando o mercado interno, base para o sucesso de um programa de desenvolvimento com inclusão social e atendimento dos produtores privados de bens e serviços.

Pois, sem dúvida, um dos trunfos nacionais, diante da histórica e desigual estrutura social brasileira, é o descasamento entre o mercado interno potencial e o mercado real, uma vez que grande parte da população continua a penar com baixos índices de consumo. É a correção desta injusta distribuição de ren-dimento o elemento fundador de um pacto abrangendo uma ampla gama de atores sociais, fundamental para garantir o lastro político para o grande salto desenvolvimentista do país.

A mudança na estrutura fi scal, aliada a uma política interna de juros não escorchantes, asseguraria, por si, uma explosão no mercado consumidor interno, como elemento decisivo na criação de emprego e de renda, fundamentais para que o país possa atingir a meta dos 10% de crescimento econômico, tornando o modelo atraente para a iniciativa privada. E, ao mesmo tempo, mobilizando os seus poderosos instrumentos fi nanceiros (o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES –, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia) como alavanca para forçar a redução de taxas de juros, devolvendo a estes bancos a função pública que deveria caracterizá-los.

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É claro que o Estado deve ser reformado para que se torne mais efi ciente como alavanca indutora do desenvolvimento. Mas que seja uma reforma que não tenha como alvo a simples redução de seu tamanho. Mesmo porque em qualquer comparação internacional que se faça, o Estado brasileiro não é grande.

Os obstáculos para a elaboração de um projeto nacional desenvolvimentista talvez exijam amplo pacto político, que só se viabilizará a partir de um fecundo e amplo debate nacional que coloque no centro das preocupações não os funda-mentos macroeconômicos em si, mas a necessidade de moldá-los para que asse-gurem uma taxa de crescimento de 10% ao ano.

De instrumentos de poder e fatores produtivos o país deles dispõe. Resta alinhá-los e mobilizá-los com o objetivo nacional de crescer. E enfrentar a ques-tão com pragmatismo ideológico, sem o aferamento a dogmas inibidores que paralisam o debate e distorcem a realidade, em geral, com o disfarçado propósito de proteger a trama dos interesses estabelecidos de curto prazo – os verdadeiros óbices às mudanças no padrão de crescimento da economia que, no estágio atual, privilegia os rentistas em detrimento dos interesses de produção – que, na visão desenvolvimentista, serão os grandes vitoriosos na lógica de um projeto de desen-volvimento.

Uma política de desenvolvimento e de pleno emprego deve ser o elemento organizador do projeto nacional para que um novo Brasil festeje, no segundo centenário da Independência, a existência de um país que seja orgulho para os brasileiros e exemplo para o mundo, tudo isso alcançado, em regime democrático, com pluralismo partidário e respeito às liberdades republicanas.

O panorama externo, com os capitais forçados a buscar investimentos pro-dutivos em lugar das aplicações especulativas, torna o projeto nacional de desen-volvimento uma possibilidade concreta que deve ser o eixo, a partir de agora, do debate nacional. Mesmo porque não há lugar melhor para acolher os capitais à procura de um porto seguro para ancoragem do que o Brasil, sobretudo por ser auto-sufi ciente em insumos energéticos, principalmente depois da descoberta do petróleo no pré-sal, presente de Deus que os brasileiros não podem desperdiçar.

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NOTAS BIOGRÁFICAS

Rubens Ricupero

Presidente do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e diretor da Fa-culdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, seguiu carreira diplomática iniciada no Instituto Rio Branco, tendo sido recentemente secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Publicou, entre outras obras, O Brasil e o dilema da globalização (2001) e Esperança e Ação (2002). É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

João Paulo de Almeida Magalhães

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris (Pantheon-Sorbon-ne), e livre-docente em Economia pela Universidade de São Paulo. É autor, en-tre outros, dos livros Infl ação e desenvolvimento (1964), Paradigmas econômicos e desenvolvimento: a experiência brasileira (1996) e Estratégia de longo prazo para o Brasil: uma alternativa ao modelo neoliberal (1999). É também, atualmente, mem-bro do Conselho de Orientação do Ipea.

Carlos Lessa

Professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduado em Ciên-cias Econômicas pela Universidade do Brasil, mestre em Análise Econômica pelo Conselho Nacional de Economia, e doutor em Ciências Humanas pela Universi-dade Estadual de Campinas. Publicou, entre outras obras, Quinze anos de política econômica (1983) e A Estratégia do desenvolvimento 1974-1976: sonho e fracasso (1998). É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

João Paulo dos Reis Velloso

Coordenador-geral do Fórum Nacional (Instituto Nacional de Altos Estudos – Inae), presidente do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV). Foi ministro do Planejamento no período 1969-1979. Publicou, entre outras obras, A promoção do desenvolvimento (2003), Brasil, país do futuro? (2006), e Projetos de Brasil (2006). É também, atu-almente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

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Dércio Garcia Munhoz

Economista, professor titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) – até 1996. Foi presidente do Conselho Federal de Economia e do Conselho Superior da Previdência Social. É autor, entre outras obras, de Economia agrícola: agricultura, uma defesa dos subsídios (1982) e Dívida externa: a crise rediscu-tida (1988). É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

Roberto Cavalcanti

Membro do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfi co Pernambucano des-de 1999, e, desde 1991, diretor técnico do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae – Fórum Nacional) do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, pós-graduado em Economia pela Universidade de Colúm-bia (Nova York), fez especializações nas Universidades de Washington (St. Louis, Missouri) e Boulder (Colorado). Escreveu, entre outras obras, os livros e Coronel, coronéis (1965) e Coronel, coronéis: apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste (2003). É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

Pedro Demo

Professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasí-lia (UnB). Graduado em Filosofi a, é doutor em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken (Alemanha), pós-doutor em Sociologia do Conhecimento pela Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha), e em Sociologia da Educação pela University of Califórnia at Los Angeles (Estados Unidos). Publicou, entre ou-tras obras, Desenvolvimento e política social no Brasil (1978), Professor do futuro e reconstrução do conhecimento (2004), e Pobreza política a pobreza mais intensa da pobreza brasileira (2006). É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

Wanderley Guilherme dos Santos

Professor pesquisador da Universidade Cândido Mendes. Graduado em Filosofi a pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutor em Ciência Política pela Stanford University, e pós-doutor em Teoria Antropológica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou, entre outras obras, O Cálculo do confl ito – estabilidade e crise na política brasileira (2003). É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

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265Notas Biográfi cas

Cândido Mendes

Membro da Academia Brasileira de Letras, secretário-geral da Comissão Brasileira Justiça e Paz, presidente do Conselho Superior de Ciências Sociais da Organiza-ção das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), membro do Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e reitor da Universidade Candido Mendes. Bacharel em Direito e Filosofi a pela Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor em Direito pela Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). Escreveu, entre ou-tras obras, A Inconfi dência Brasileira (1988), A Democracia desperdiçada: poder e imaginário social (1992), e A Interpelação limite (1997). É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

Raphael de Almeida Magalhães

Advogado e político, é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Foi governador do antigo estado da Guanabara – fundido com o estado do Rio de Janeiro a partir de 1975 –, assim como deputado federal e ministro da Previdência Social. É também, atualmente, membro do Conselho de Orientação do Ipea.

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Editoração EletrônicaRenato Rodrigues BuenoBernar José VieiraCláudia M. CordeiroElidiane Bezerra BorgesJeovah Herculano Szervinsk Junior

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