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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS
LORENA DE OLIVEIRA FONSECA
A PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA
SALVADOR 2010
LORENA DE OLIVEIRA FONSECA
A PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA
Trabalho de conclusão de curso apresentado no curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas Orientador: Prof. Dr. Bouzid Izerrougene.
SALVADOR
2010
LORENA DE OLIVEIRA FONSECA
A PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA Aprovada em dezembro de 2010. Orientador: ______________________________________________________________ Prof. Dr. Bouzid Izerrougene Faculdade de Economia da UFBA _______________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Antônio Mattos Filgueiras Faculdade de Economia da UFBA ______________________________________________________________ Profª. Drª. Celeste Maria Pedreira Philigret Faculdade de Economia da UFBA
AGRADECIMENTOS
A minha fé incondicional, que permitiu que mesmo nos momentos mais adversos eu não
desistisse. A minha paixão pelos livros, desde criança, que trouxe boa parte do conhecimento
que levo comigo. Aos meus ideais, que ainda permitem que eu veja o mundo com olhos de
quem ainda acredita.
Aos meus pais, por ter sacrificado a maioria dos seus sonhos em nome dos meus. Sem eles eu
não seria metade do que sou. As palavras de minha mãe nas horas que eu perdia o fôlego e
desanimava foram essenciais na minha caminhada, ela me ensinou a nunca desistir. Meu pai
pela sua boa vontade inestimável. Ao meu irmão, Danilo, por ser aquele que sempre estará ao
meu lado.
A Universidade Federal da Bahia, por ter sido um sonho que carreguei desde o meu Ensino
Fundamental e que se concretizou, sendo motivo de orgulho na minha vida. Aos professores
da época de colégio, que sempre acreditaram em mim. Aos professores da UFBA que me
ajudaram a desenvolver meu senso crítico e sempre exigiram que eu oferecesse o melhor,
sendo a prova concreta que é necessário lutar para se chegar onde se quer.
À todos meus amigos, por terem tornado minha caminhada na Universidade muito mais
prazerosa e por terem me ajudado tanto, sem eles talvez eu não tivesse conseguido. Apesar de
correr o risco de ser injusta, não poderia deixar de citar alguns nomes: Ana Carolina, Itana,
Ainara, Marina e Yuri. Estes, sem dúvida, serão para sempre. A Evelin pelo incentivo ao
entrar na UFBA. E a Gabriel também, por sempre me tranqüilizar nos momentos de
preocupação.
E, por último, agradeço a Deus. A quem devo toda minha existência.
“Aquele que constrói a casa da felicidade futura edifica o cárcere do presente”.
Octávio Paz, poeta vencedor do Prêmio Nobel de literatura de 1990
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo central estudar o uso da Previdência Social como um possível mecanismo de redução da desigualdade de renda no Brasil, de forma a contribuir com a construção de um cenário menos injusto para a população brasileira. Para tal tarefa, é realizada uma análise da evolução da desigualdade de renda na segunda metade do século XX e a melhora nos indicadores na década de 2000. Uma vez exposta a trilha da desigualdade, parte-se para o âmbito da Previdência Social como uma possível amenizadora dessa realidade, colocando-se a controvérsia teórica em que está fundamentada essa questão.
Palavras-chave: Desigualdade de Renda. Previdência Social. Índice de Gini.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Distribuição de renda.................................................................. ........................22
Gráfico 2 – Evolução do índice de Gini nos anos 2000.........................................................23
Gráfico 3 – Evolução do índice de Theil nos anos 2000........................................................23
Gráfico 4 – Índice de Gini e redução percentual da desigualdade antes
e depois do pagamento de aposentadoria e pensões...........................................32
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição do rendimento da população economicamente ativa.
Brasil. 1960-1999........................................................................................ 17
Tabela 2 – Evolução temporal da pobreza no Brasil..................................................... 18
Tabela 3 – Evolução temporal dos indicadores de desigualdade de renda.................... 19
Tabela 4 – Parcelas do índice de Gini e o respectivo percentual, na
formação do índice de Gini global dos componentes do
rendimento domiciliar per capita.................................................................. 39
Tabela 5 – Razão de concentração na decomposição do índice de Gini no
rendimento domiciliar per capita. Brasil, de 1981 a 2001........................... 40
Tabela 6 – Decomposição do índice de Gini considerando apenas a parcela
do rendimento domiciliar proveniente de aposentadorias,
pensões e benefícios assistenciais – Brasil e regiões
demográficas – 2007..................................................................................... 48
Tabela 7 – Contribuição do rendimento de aposentadoria e pensão para o
rendimento familiar segundo situação do domicílio e
renda familiar per capita.............................................................................. 50
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................9
2 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA............................................................................11
2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................12
2.2 HISTÓRICO..........................................................................................................15
2.3 A DESIGUALDADE NA DÉCADA DE 2000 E O POSSÍVEL
INÍCIO DE UMA REVERSÃO............................................................................21
2.4 OS GASTOS REFERENTES A REDUÇÃO DA POBREZA
NO BRASIL.................................................................................................24
3 PREVIDÊNCIA SOCIAL ...................................................................................28
3.1 PREVIDÊNCIA SOCIAL: A CONSTITUIÇÃO DE 1988
E A SEGURIDADE SOCIAL.........................................................................28
3.2 CONTROVÉRSIA TEÓRICA........................................................................35
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................52
REFERÊNCIAS...................................................................................................54
9
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é traçar um cenário da desigualdade brasileira e a partir disso
discutir a possibilidade da Previdência Social ser instrumento de redução das disparidades de
renda no Brasil.
Após a introdução, discute-se no segundo capítulo o alto patamar estável da desigualdade de
renda no país. Inicia-se com uma apresentação da fundamentação teórica que alguns autores
elaboram para explicar essa desigualdade exacerbada no Brasil, seja no contexto de
crescimento do início da década de 70 ou no contexto instável da década de 80. Enfim,
independente das flutuações do período, a desigualdade se mantém com um vigor altivo.
Entre as contribuições de autores, apresentam-se brevemente as idéias de Fishlow, Langoni e
Bacha. Importante notar a escassez de estudos sobre as disparidades de renda para a década de
1980, dado o contexto de instabilidade do período e que resultou num desvio de atenção da
análise sobre a concentração de renda.
Ainda no segundo capítulo é exposto o histórico da desigualdade social na segunda metade do
século XX, herança de uma sociedade colonial, estratificada e escravocrata. Os fatores que
vão influenciar significativamente na amenização desse cenário são raros. A renda
concentrada na mão de poucos, dessa forma, torna-se um estigma da realidade social
brasileira e dá ao país o status internacional de uma nação conhecida por seu cenário de paz e
iniqüidade social. O presente trabalho concentra seu apanhado histórico na segunda metade
do século XX. Logo após, discute-se a mudança que ocorre na década de 2000. Depois de sua
ascensão durante a segunda metade do século XX, a desigualdade, no início do século XXI
vem sendo marcada por uma melhora dos índices, como o índice de Gini e o de Theil. Essa
melhora pode ser considerada uma nova trilha a ser construída na realidade social do Brasil.
Segundo dados do IPEADATA (2010), de 0,596 em 2000, o índice de Gini passa para 0,543
em 2009.
O terceiro capítulo expõe a noção de seguridade social na qual a Previdência está inclusa.
Inicialmente, apresenta-se um embasamento teórico e logo depois se expõe a controvérsia
teórica que envolve a utilização da Previdência para fins distributivos. São contrapostos
diversos estudos a respeito do uso da Previdência Social para fins de distribuição de renda,
tornando-a um mecanismo apaziguador do cenário desigual do Brasil. Entre os que defendem
10
o uso da mesma para tal fim argumenta-se que: a Previdência é uma forma de defesa contra as
relações de trabalho precárias; promove o crescimento econômico na medida em que garante
um consumo mínimo a uma parte considerável das famílias; reduz a pobreza ao considerar
que o beneficiado divide os recursos com o restante da família. Por outro lado, os teóricos que
são contra o uso da Previdência para tal fim, argumentam que: o intuito da Previdência Social
deve ser atuar como um seguro, em que o benefício deve ser proporcional à contribuição,
senão surgem fortes desequilíbrios das contas públicas; existem outras políticas as quais se os
recursos da Previdência fossem canalizados para as mesmas, surtiriam maior efeito no âmbito
da redução da desigualdade e pobreza.
11
2 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Neste capítulo o objetivo é discutir a extensão da desigualdade no Brasil como tendência
confirmada nas últimas décadas, e seus impactos sobre a população. Abordam-se aspectos da
situação social brasileira, para que a partir disso se discuta a adoção e a eficiência da política
redistributiva que utiliza a Previdência Social como instrumento.
Internacionalmente, o Brasil não é conhecido como um país pobre, considerando-se que mais
de 75% da população mundial sobrevive com uma renda per capita inferior a brasileira. No
entanto, seu perfil distributivo encontra-se entre os piores do mundo e compara-se a países
com PIB bem inferior ao brasileiro. Dessa forma, o Brasil não é um país pobre, mas um país
que possui uma parte considerável de sua população vivendo abaixo da linha de pobreza.
(BARROS; FOGUEL, 2000). Esse panorama brasileiro contraria a realidade de outros países,
em que a pobreza é determinada pela escassez de recursos. No Brasil, a desigualdade é um
dos maiores determinantes do nível de pobreza. Dado este cenário, se fazem necessárias
políticas de combate à pobreza, considerando-se que estas no Brasil são muito interligadas a
políticas de promoção do crescimento. No entanto, o que se constata é que a redução da
pobreza é muito mais sensível a políticas redistributivas do que a políticas de crescimento
econômico (BARROS et al, 2001). O crescimento econômico deve vir acompanhado de
benefícios sociais, como redução da desigualdade social, a fim de promover o
desenvolvimento de uma sociedade.
O significado de pobreza para Barros e outros (2001) é que “pobreza não pode ser definida de
forma única e universal, contudo, podemos afirmar que a pobreza refere-se a situações de
carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente
com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico.” Assim, a pobreza
brasileira advém das condições desiguais que prevalecem entre as classes, privando uma parte
considerável da população das condições mínimas de sobrevivência.
O enfoque, neste capítulo, é expor um histórico de injustiça social que exclui uma parte
significativa da população do acesso à dignidade e cidadania, mostrando a evolução desse
cenário durante as décadas e estabelecendo relações causais entres os fatores determinantes
que promovem a desigualdade social no país. Inicialmente, já se tem como certeza que o
Brasil não é um país pobre, associando-se a pobreza predominante no país às condições
12
desiguais de distribuição de renda. A forma mais eficiente de se combater a pobreza seria
através da promoção do crescimento econômico e de políticas sociais que visam
redistribuição de renda. O enfoque nesse trabalho seria a possível utilização da Previdência
como uma política social para tal fim.
2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O propósito é oferecer um embasamento teórico para as discussões relativas à desigualdade de
renda, expondo pontos de vistas distintos quanto à evolução da desigualdade no Brasil na
segunda metade do século XX. Considerando que diversas observações chegaram à mesma
conclusão – que houve um aumento considerável da desigualdade de renda – surgem diversas
interpretações sobre a origem da desigualdade de renda no Brasil.
O aumento da concentração de renda na década de 60 ocasionou o surgimento de diversas
explicações que fundamentassem essa realidade. Assim surge a chamada Controvérsia de 70,
em que três principais teses explicariam esse aumento: a de Fishlow que culpou a compressão
salarial ocorrida no Governo Castelo Branco entre 1964 e 1967; a de Langoni que mostrou
como o crescimento acelerado acabou causando uma defasagem da oferta de mão-de-obra
qualificada diante da sua demanda crescente; e a de Bacha que acusou a abertura do leque
salarial dos gerentes das firmas diante de lucros crescentes (GANDRA, 2004).
Fishlow atentou para o fato de que o crescimento não era uma medida de desempenho social e
econômico satisfatória, já que se deveria levar em conta a maneira pela qual o PIB é
distribuído pela população. A principal causa do aumento da desigualdade para Fishlow
concentrava-se nos efeitos nefastos que o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) 1 exerceu sobre o salário mínimo real e sobre o valor médio entre 1964 e 1967. As políticas
governamentais que restringiam o salário nominal e aplicavam a inflação corretiva fizeram o
salário mínimo declinar. Para ele, o principal responsável pela perda de participação relativa
dos trabalhadores na renda total era a subestimação da inflação prevista definida pela regra de
reajustes salariais o que corroía os salários. O não-repasse da produtividade integral dos
salários, depois de 1964, favorecia a participação da parcela mais rica da população na renda
total (GANDRA, 2004).
1 Para o PAEG a raiz do processo inflacionário estava na inconsistência distributiva da renda. (ALMEIDA, Niemeyer, 2001)
13
Outra explicação que concerne ao aumento da desigualdade de renda no Brasil é a abordagem
realizada por Langoni. O modelo de Langoni foi adotado pelo governo militar e neste modelo
o autor defendia que o aumento da desigualdade de renda entre 1960 e 1970 esteve associado
à rápida expansão da economia, de tal forma que o desenvolvimento econômico do Brasil
teria levado à maior concentração de renda através da complementaridade dos seguintes
mecanismos: o “Efeito Kuznets2 e a corrida tecnológica versus a defasagem na qualificação
da força de trabalho. Embora estes mecanismos fossem distintos, eles tinham o mesmo
gatilho: o processo de crescimento econômico acelerado disparado pelo processo estrutural de
industrialização (GANDRA, 2004).
Em relação ao aumento da desigualdade, Langoni considera que o desenvolvimento
econômico gera um processo de desequilíbrios, caracterizado por uma contínua transformação
dos setores tradicionais (de baixa produtividade) em setores modernos (de alta produtividade).
Esses desequilíbrios que se exacerbariam em fases de crescimento acelerado (decorrentes dos
altos investimentos do processo de desenvolvimento econômico), faziam com que a demanda
de novos fatores se deslocasse sobre uma oferta relativamente inelástica a curto e médio
prazo, cuja conseqüência é o aparecimento de quase-rendas, tanto para o capital humano
como para o capital físico. Ou seja, o fato da força de trabalho do setor primário migrar para o
setor moderno aumentaria a concentração de renda como um todo. Mas este efeito seria
temporário, pois uma vez que a renda média aumentasse e que a taxa de crescimento se
estabilizasse, a desigualdade cairia (GANDRA, 2004).
Langoni montou um modelo em que o aumento da concentração pessoal da renda estava
baseado numa corrida entre a expansão tecnológica dos novos setores modernos, que
acelerava a demanda por mão-de-obra qualificada, e o atraso do sistema educacional do país
que tornava inelástica a sua oferta no curto prazo. O modelo de Langoni se tornou o modelo
oficial, adotado pelo governo militar, para explicar a causa do aumento da desigualdade de
renda.
2 Langoni é influenciado pelo trabalho de Kuznets e dado que o Brasil estava passando por um processo de mudança estrutural e de elevado crescimento econômico, Langoni assume a hipótese de que a relação entre crescimento econômico e distribuição de renda assumiria um formato de U-invertido. A concentração aumentaria na fase inicial do desenvolvimento econômico, até o momento em que a população migraria para os setores mais produtivos. A desigualdade cairia no ponto em que a economia tivesse setores predominantemente de alta produtividade e um aumento da renda per capita. (GANDRA, 2004)
14
Outra abordagem é a de Bacha, que estabeleceu uma relação entre a posição gerencial
ocupada e o salário diferenciado que é oferecido. A atenção foi focada na distribuição
funcional e na distribuição pessoal da renda. O aumento da escala das firmas (impulsionado
pelo processo de desenvolvimento industrial) exigiu sistemas gerenciais mais amplos e
complexos, o que fez elevar relativamente o peso dos trabalhadores white-collars na
economia como um todo. Como, teoricamente, a remuneração deste tipo de trabalhadores é
vinculada aos lucros e como os capitalistas, nessa época, possuíam maior poder de barganha
frente aos outros trabalhadores (pouco qualificados), os donos do capital e os white-collars
foram os que mais ganharam relativamente na década de 60. Também, o aumento da
complexidade das firmas e das relações hierárquicas fez elevar o leque salarial dos white-
collars. De um modo geral, Bacha mostrou que a posição na ocupação interferia na
desigualdade de renda, algo que é inerente a lógica da acumulação capitalista.
Adicionalmente, ele aceitava a tese de Fishlow. Além do aumento da desigualdade ser lógico
ao sistema capitalista, o governo teve sua parcela de culpa no processo no que concerne ao
cenário econômico (BONELLI; RAMOS, 1993).
Dessa forma, o debate que tem lugar no Brasil nos anos 70 acerca das razões do aumento da
concentração de renda reproduziu dois conjuntos de idéias: a teoria do capital humano (TCH)
e os efeitos da política econômica.
A TCH assumiu a explicação do aumento na desigualdade de renda num contexto de
desenvolvimento industrial e oferta de trabalho inelástica. Quanto às explicações alternativas
à TCH, são enfatizados os efeitos da política econômica para o aumento observado na
desigualdade, em que se destacou: o papel da política salarial sob condições inflacionárias
como as dos anos 60 e a não-neutralidade da política econômica em geral no período; a
importância do lucro das empresas para os salários gerenciais; fatores relacionados à evolução
cíclica da atividade econômica; variáveis relacionadas ao funcionamento de mercados
imperfeitos (BONELLI; RAMOS, 1993).
Qualquer teoria que tenha deixado de considerar que a renda do indivíduo foi resultado de um
processo complexo e multifacetado, determinado pela sua dotação inicial de riqueza,
preferências, decisões de investimento e posição social levou a uma explicação parcial da
concentração de renda e sua evolução (BONELLI; RAMOS, 1993).
15
Diferentemente da década de 60, que teve sua desigualdade interpretada pela “Controvérsia de
70”, a explicação para a desigualdade na década de 90 foi marcada por apenas um grande
modelo estrutural.3 Proposto por Ricardo Paes de Barros, este modelo de entendimento da
desigualdade pessoal da renda do trabalho inseriu um cunho langoniano (com a educação
desempenhando um papel crucial na desigualdade de renda) e absorveu parte da
“Controvérsia de 70” ao tentar captar os efeitos de variáveis ocupacionais.
Autores como Barros e Mendonça são adeptos da TCH, no entanto eles consideram que esta
não explica totalmente as origens da desigualdade de renda no mercado de trabalho, em que
há variáveis como discriminação e segmentação, e dessa forma, amplia-se o modelo
langoniano. Nesse aspecto, destaca-se a preocupação com diversas variáveis que concernem e
influenciam na distribuição de renda e se tenta evitar limitações na explicação do cenário
desigual que até os dias atuais predomina no país
2.2 HISTÓRICO
Segundo Cacciamali (2002), o histórico da desigualdade social foi herança da sociedade
colonial, estratificada e escravocrata brasileira. A concentração da terra na mão de poucos,
desde a divisão em capitanias hereditárias, iniciou um processo de concentração da renda que
se tornou marcante na evolução social do país. Formou-se um Estado que concentra a renda e
o poder na mão de poucos e configurou um cenário de abismo social que se manteve durante
séculos, atravessando regimes militares, governos democraticamente eleitos, variadas
políticas econômicas, crises políticas, econômicas e internacionais (BARROS et al, 2001).
Outro aspecto que favoreceu a renda na mão de poucos foi a concentração de capital humano
e a limitação em termos de políticas sociais. O enfoque deste trabalho se concentrou nessa
limitação e buscou retratar o papel da Previdência como uma possível amenizadora, ou não,
desse cenário desigual.
O Brasil apresentou um crescimento acelerado a partir da década de 50 quando o seu setor
industrial desenvolveu-se de forma acentuada e seguiu essa tendência até a década de 80,
3 É chamada atenção para a possível ausência da década de 80 no que tange às explicações para a desigualdade do período, já que este foi marcado por um cenário acentuadamente desigual. Dadas as flutuações macroeconômicas do período, num cenário de crise, a explicação para a desigualdade ficou em segundo plano. A maior preocupação da época concentrou-se no esforço de conter os altos índices inflacionários e manter a estabilidade econômica.
16
quando o país é atingido pela crise da dívida externa e cessa sua capacidade de financiar-se
internacionalmente. No entanto, o crescimento econômico do período não é acompanhado por
uma evolução dos indicadores sociais. Esse quadro se manteve durante toda a segunda metade
do século XX, em que se alternaram períodos de estabilidade e variações nos indicadores
sociais. Segundo Cacciamali, “o país apresenta um perfil distributivo da renda extremamente
desigual, entre os piores do mundo, sendo notado no cenário internacional do último século
como um paradigma de simultaneidade entre paz política e iniqüidade”. (CACCIAMALI,
2002).
Apesar da crescente desigualdade na segunda metade do século XX, esse processo não teve a
mesma intensidade em todas as décadas, sendo mais intenso nas décadas de 60 e 80, mas
consideravelmente menor na década de 70. Outro aspecto importante ficou em torno da
diferença da natureza da desigualdade entre as décadas: Nos anos 60, os grupos mais
atingidos foram aqueles situados na parte central da distribuição de renda, enquanto nos anos
80 os grupos mais atingidos foram àqueles situados no extrato inferior da distribuição.
Enquanto o coeficiente de Gini varia mais nos anos 60 do que nos anos 80, a razão 10+/10-
varia mais nos anos 80 do que nos anos 60, confirmando que as mudanças no meio da
distribuição foram mais importantes durante a década de 60 e as mudanças no extrato inferior
da distribuição foram mais presentes na década de 80. Dessa forma, o aumento da
desigualdade causou maior impacto sobre a pobreza na década de 80. Enquanto a camada
mais pobre foi a que mais sofreu com o aumento da desigualdade nos anos 80, na década de
60 a classe média foi a mais atingida (BARROS; MENDONÇA, 1995).
A distribuição de renda no Brasil se agravou ao longo das décadas, tendo como determinantes
os fatores estruturais e a inexistência de políticas distributivas contínuas e consistentes
(CACCIAMALI, 2002). A tabela 1 diagnostica a evolução do perfil distributivo ao longo da
segunda metade do século XX. Observa-se um crescimento acentuado do índice de Gini até o
fim da década de 80, e uma queda durante a década de 90. Uma possível explicação para esta
queda foi a redução do índice inflacionário, o qual reduziu as perdas salariais através da
estabilização da economia. Na mesma década, houve também queda da renda apropriada
pelos 10% mais ricos da população.
17
Tabela 1 – Distribuição do Rendimento da População Economicamente Ativa. Brasil. 1960-19994
Percentis 1960 1970 1980 1985 1990 1995 1999 10% mais Pobres
1,9 1,2 1,2 0,9 0,8 1,1 1,2
30% mais Pobres
5,9 6,2 6,2 5,3 4,6 5,6 6,2
50% mais Pobres
17,4 15,1 14,1 13,1 11,2 13,0 13,9
30% mais Ricos
66,1 71,7 73,2 74,6 76,4 74,5 73,1
10% mais Ricos
39,6 46,5 47,9 47,7 49,7 48,2 46,8
1% mais Ricos
12,11 14,51 13,5 13,3 13,9 13,4 13,0
Índice de Gini
0,497 0,565 0,592 0,660 0,620 0,592 0,576
Fonte: CACCIAMALI, 2002, p.13
Da década de 70 para a de 80 ocorreu uma queda no ritmo da concentração de renda, em que
o índice de Gini passou de 0,565 para 0,592, ou seja, houve um aumento relativamente
reduzido do índice de Gini quando comparado ao dos outros anos. Essa queda se justificou
pelo crescimento econômico ocorrido na década de 70, no aumento nas taxas de emprego e na
reivindicação do movimento sindical por melhores salários. Apesar de tudo, os segmentos
ricos da sociedade se apropriaram de taxas de crescimento da renda superiores aos demais. No
final dessa década, o cenário brasileiro de estabilização, crescimento do emprego e eminência
de uma democratização política trazia perspectivas animadoras quanto à futura distribuição de
renda (CACCIAMALI, 2002).
No entanto, o cenário da década de 80 foi marcado pela crise da dívida externa, e a década
ficou conhecida como a década perdida. O índice de Gini aumentou de 0,592 para 0,660 e
reduziu-se apenas no primeiro ano da década de 90 para 0,620. O contexto socioeconômico
do período foi caracterizado pelas altas taxas de inflação, instabilidade das instituições e
aumento da dívida pública. Já a década de 90 foi marcada pela introdução dos ideais
neoliberais, êxito no controle da inflação e maior abertura ao mercado externo
(CACCIAMALI, 2002).
Ao longo das décadas de 70 e 80, a desigualdade permaneceu acentuada. Os distúrbios
macroeconômicos como a inflação, a indexação e a instabilidade institucional favoreceram
4 O valor do índice de Gini sofre variações de acordo com a fonte utilizada.
18
esse panorama, na medida em que se configuraram como mecanismos de transferência de
renda aos estratos superiores e corroboraram com a limitação para implantar políticas sociais
redistributivas que atingissem áreas estratégicas da concentração de renda, como a estrutura
fundiária, a educação e o acesso ao crédito e à tecnologia. A implantação do Plano Real, em
1994, trouxe estabilidade de preços à economia e propiciou uma amenização do cenário
desigual da sociedade brasileira, de forma que aumentou o poder de compra da população. A
iniciativa de abertura comercial que foi introduzida na década de 90, contrapondo-se à
substituição de importações das décadas anteriores, teve um papel importante no combate à
inflação. Por outro lado, essa abertura ocasionou invasão de produtos importados e falência de
várias empresas, o que caracterizou aumento do desemprego. A alta taxa de juros a fim de
manter o fluxo de capital internacional para o país também inibiu as atividades de empresas
brasileiras. Nesse contexto, percebeu-se uma redução da ocupação formal e aumento das
atividades informais, deteriorando o mercado de trabalho brasileiro.
Nas décadas de 1980 e 1990, os níveis de pobreza mantiveram um comportamento estável. Os
valores mais exacerbados da pobreza nesse período estiveram na década de 80, em que estes
estavam ancorados na recessão do período. As quedas nos indicadores da pobreza nessas duas
décadas foram pontuais e registradas através dos impactos do Plano Cruzado e do Plano Real,
nos anos de 1986 e 1994, respectivamente. A tabela 2 demonstra que ao longo das duas
décadas a pobreza reduziu-se, passando, em termos percentuais, de 39,6% para 34,1%
(BARROS et al, 2000). No entanto, com o aumento da população também houve aumento do
número de pobres no país. O novo patamar foi atribuído aos benefícios do pós Plano Real, a
partir de 1995.
Tabela 2 – Evolução Temporal da Pobreza no Brasil
Ano Percentual de Pobres
Número de Pobres (em milhões)
1977 39,6 40,7 1978 42,6 45,2 1979 38,8 42,0 1980 43,2 50,7 1982 43,2 52,0 1983 51,1 62,8 1984 50,5 63,6 1985 43,6 56,9 Continua
19
Conclusão Tabela 2 – Evolução Temporal da Pobreza no Brasil
1986 28,2 37,6 1987 40,9 55,4 1988 45,3 62,6 1989 42,9 60,7 1990 43,8 63,0 1992 40,8 57,3 1993 41,7 59,4 1995 33,9 50,2 1996 33,5 50,1 1997 33,9 51,5 1998 32,8 50,3 1999 34,1 53,1
Fonte: PNADs de 1977 a 1999 apud BARROS, HENRIQUES E MEDONÇA, 2001, p.3
A pobreza no Brasil não deve ser associada à ausência de recursos, dado que a renda per
capita do país é superior a de 2/3 do resto do mundo. Cerca de 64% dos países tem renda per
capita inferior à brasileira e cerca de 77% da população mundial vive nesses países. Pode-se
dizer que o Brasil é um dos países que tem melhores condições de enfrentar a pobreza, dado
que não possui escassez de recursos. A renda per capita brasileira é superior à linha de
pobreza nacional, sendo assim, a pobreza brasileira está associada à concentração de renda.
(BARROS et al, 2001). Quando se utiliza a razão entre a proporção da renda apropriada pelos
10% mas ricos e a proporção da renda apropriada pelos 40% mais pobres, comparando-se 55
países, constata-se que a razão para o Brasil fica em 30, ou seja, os 10% mais ricos no país
tem cerca de 30 vezes mais renda do que os 40% mais pobres. Dessa forma, o Brasil possui
uma posição de destaque, no cenário internacional, no que tange à desigualdade (BARROS;
MENDONÇA, 1995).
Tabela 3 – Evolução Temporal dos Indicadores de Desigualdade de Renda
Ano Coeficiente de Gini
Razão entre a Renda Média dos 20% mais Ricos e dos 20% mais
Pobres
Razão entre a Renda Média dos 10% mais Ricos e a dos
40% mais Pobres
1977 0,62 27,5 26,8 1978 0,60 31,3 25 1979 0,60 32,9 25,2 1981 0,59 24 21,8 1982 0.59 25,6 23 Continua
20
Conclusão Tabela 3 – Evolução Temporal dos Indicadores de Desigualdade de Renda
1983 0,60 25,7 23,5 1984 0,59 23,6 22,4 1985 0,60 25,5 23,6 1986 0,59 24 22,1 1987 0,60 27,6 24,4 1988 0,62 30,9 27,2 1989 0,64 34,3 30,4 1990 0,62 31,2 26,9 1992 0,58 26,7 21,8 1993 0,60 28,8 24,5 1995 0,60 28 24,1 1996 0,60 29,8 24,6 1997 0,60 29,2 24,5 1998 0,60 28,6 24,2 1999 0,60 27,2 23,3
Fonte: BARROS, HENRIQUES E MENDONÇA, 2001, p.16
Na Tabela 3 se constata a relativa estabilidade da desigualdade nas três décadas, em que o
índice de Gini se manteve constante – observou-se nos dados a constância dos indicadores em
um patamar elevado – apesar de todo o contexto macroeconômico instável do período
analisado. O período de 1977 até 1981 caracterizou-se pelo aumento da renda per capita,
redução da desigualdade e aceleração inflacionária no fim da década de 70. Os anos de 1981 a
1985 foram marcados basicamente pela recessão e elevação da desigualdade num contexto
inflacionário. Já o período 1985 a 1989 registrou um aumento adicional da concentração em
um meio alternado por momentos de crescimento e recessão, hiperinflação e congelamento de
preços e salários (BONELLI; RAMOS, 1993). Essa relativa estabilidade seria benéfica caso o
índice de Gini não demonstrasse que o patamar no qual se estabilizou foi reflexo de uma
sociedade extremamente desigual e que essa desigualdade, quando contraposta com políticas
econômicas, encontrava-se em segundo plano pelas autoridades.
O Brasil chega ao século XX ostentando um dos piores índices de desigualdade na
distribuição de rendimentos do mundo. A desigualdade parece ter aumentado
independentemente do contexto macroeconômico. Tanto os anos 60 como os anos 70 foram
períodos de crescimento acelerado da renda e do emprego. O contraste desses períodos com
os anos 80 é gritante. No entanto, o aumento da desigualdade conforme indica o índice de
Gini foi aproximadamente da mesma magnitude nas décadas de 70 e 80 (BONELLI;
21
RAMOS, 1993). Dessa forma, colocam-se os dois lados, representados pelo crescimento
econômico e distribuição de renda, que configuram fenômenos distintos.
No contexto da evolução da desigualdade, em que não há reversão da situação na segunda
metade do século XX, Cacciamali destaca:
Altos índices de desigualdade encontram-se associados a uma pior qualidade de vida, inclusive para os mais ricos. Caracterizam-se como sociedades mais violentas, restritas em suas possibilidades de constituir ambientes com elevada produtividade sistêmica e que apresentam multifacetados e elevados índices de desperdício no uso de recursos, seja na conservação do meio ambiente; na depredação urbana; na qualidade dos bens e serviços produzidos; na instabilidade dos contratos e negócios; nos valores oportunistas de conduta social etc. (CACCIAMALI, 2002, p.23).
Para a autora os principais elementos que se realimentavam e que impediam um quadro
redistributivo no país eram: 1) a elevada concentração de riquezas no país tanto em termos de
capital físico como em capital humano - nesse aspecto repensa-se Langoni -, a qual impedia
um sistema social melhor distribuído e com alta produtividade, dado a reprodução sistemática
da situação desigual; 2) o interesse das classes dominantes para que houvesse manutenção de
privilégios; 3) a ausência histórica de políticas públicas que visassem mudanças estruturais e
distributivas, e; 4) o baixo nível de educação formal brasileiro, que impossibilitava os
trabalhadores auferirem maiores ganhos e concomitantemente concentrava a renda na minoria
que possuía acesso a educação, desarticulando o sistema organizacional político e social
(CACCIAMALI, 2002).
2.3 A DESIGUALDADE NA DÉCADA DE 2000 E O POSSÍVEL INÍCIO DE UMA
REVERSÃO
Depois de sua ascensão durante a segunda metade do século XX, o início do século XXI foi
marcado por uma melhora significativa nos índices que retratavam a desigualdade no país.
Essa melhora não representou, num primeiro momento, grandes mudanças no panorama
social brasileiro. No entanto, dado o histórico brasileiro marcado pela concentração de renda,
visto desde a concentração de terras no início da colonização, essa mudança no índice de
desigualdade poderia estar construindo uma nova trilha para a evolução da sociedade
brasileira. Segundo Dedecca e outros (2008), a queda que aconteceu tem um caráter mais
longo e está inserida num contexto de recuperação econômica.
22
Os sinais de queda da desigualdade, que se manteve estagnada desde a década de 70,
começaram a se manifestar no começo do milênio, como exposto no Gráfico 1. A parcela dos
50% mais pobres quanto à apropriação da renda era de 12,5% em 2001, 13,9% em 2004 e
14,1% em 2005, como é demonstrado no gráfico abaixo. Enquanto a participação dos 50%
mais pobres cresceu no início do século XXI, os 10% mais ricos perderam participação nesse
período passando de 47,2% do total da renda apropriada em 2001 para 45,1% em 2005
(NERI, 2006).
Gráfico 1 – Distribuição de Renda Fonte: NERI, 2006, p.11
O índice de Gini apontou para uma queda da desigualdade a partir de 2001, passando de
0,596, neste ano, para 0,569 em 2005, chegando em 2009 a 0,543 (ver gráfico 2). Essa
evolução, apesar de importante, não retirou do Brasil a posição de destaque no cenário
internacional relacionado à desigualdade social, com o status de um dos países com maior
índice de desigualdade de renda do mundo. Segundo informações de Barros e outros (2007),
dos 74 países para os quais existiam informações sobre a evolução do coeficiente de Gini ao
longo da década de 90, menos de ¼ foram capazes de reduzir a desigualdade a uma
velocidade superior à alcançada pelo Brasil entre 2001-2005. No entanto, apesar desse
contexto, a desigualdade brasileira permaneceu elevada: A parcela apropriada pelo 1% mais
rico da população (que abrange a elite proprietária da renda no país) foi da mesma magnitude
que a apropriada pelos 50% mais pobres. Também, é interessante notar que 64% dos países
tinham, no momento da análise, renda per capita inferior à brasileira e 43% dos países tinham
a renda per capita dos 20% mais pobres menor que dos 20% mais pobres brasileiros
(BARROS et al, 2007).
23
Gráfico 2 – Evolução do Índice de Gini nos Anos 2000.
Índice de Gini - Anos 2000
0,5960,589
0,583
0,572 0,5690,563
0,5560,548
0,543
0,51
0,52
0,53
0,54
0,55
0,56
0,57
0,58
0,59
0,6
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Ano
Índi
ce d
e G
ini
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPEADATA
Gráfico 3 – Evolução do Índice de Theil nos Anos 2000.
Índice de Theil Anos 2000
0,727 0,710 0,686 0,665 0,659 0,644 0,624 0,608 0,597
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Ano
Índi
ce d
e T
heil
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPEADATA
Apesar dessa visível evolução, houve controvérsias teóricas no que se referem aos efeitos
dessa redução sobre o bem-estar social. As abordagens principais se resumiam a três: Barros
et al (2006) e Hoffmann (2006) que acreditavam que a queda da pobreza aconteceu de forma
intensa, resultado da redução da desigualdade social. Já Dedecca (2006) considerou que a
queda é significativa, mas não promoveu grandes mudanças na estrutura social do Brasil,
dado que o aumento do rendimento médio da população – indicador do bem-estar da
população - só recentemente acompanhou a queda da desigualdade. Salm (apud
24
CACCIAMALI, 2009) considerou que as reduções de pobreza e desigualdade que ocorreram
nos últimos anos não tem efeitos sobre o bem-estar social. Apesar de ter discordado dos dois
discursos extremistas – Barros e Hoffman; e Salm – Cacciamali, ao analisá-los, expôs a
seguinte visão:
A magnitude da queda da desigualdade de renda nacional e regional não foi capaz, como era de se esperar nesse curto prazo analisado, de alterar significativamente o padrão de bem-estar social brasileiro medido pelo consumo familiar. Políticas sociais com impactos no curto prazo sobre a distribuição podem ser combinadas com políticas macroeconômicas de longo prazo, tais como a expansão da produtividade do trabalho e o crescimento do rendimento médio dos mercados de trabalho nacional e regional. Naturalmente que essas políticas sociais e macroeconômicas se potencializam num ambiente de crescimento econômico mais acelerado. (CACCIAMALI; CAMILLO, 2009, p.18).
Mesmo com essa importante evolução nos últimos dez anos, como visto nos gráficos 1 e 2, é
essencial que o país mantenha o caminho e continue adotando estratégias de manutenção
dessa tendência. Essa evolução somente pode ser consolidada e constituir em reflexos visíveis
para a sociedade no longo prazo. Segundo Barros e outros (2007), cerca de 90% dos países
ainda apresentam distribuições menos concentradas que a do Brasil.
2.4 OS GASTOS REFERENTES A REDUÇÃO DA POBREZA NO BRASIL
Mesmo com as mudanças relativas que ocorreram nos índices de desigualdade no início do
século XXI, Neri (2006) constata que:
A alta desigualdade de renda talvez seja a nossa principal chaga e, ao mesmo tempo, essa mesma desigualdade abre espaço para a implementação de um espectro mais amplo de ações contra a miséria. Alta desigualdade significa que a pobreza pode ser reduzida por meio de transferências de renda. Por exemplo, na Índia, país muito pobre, mas razoavelmente igualitário (índice de Gini de 0,29, ou seja, metade do brasileiro) não há solução para a erradicação da miséria a não ser o crescimento. No caso brasileiro, políticas contra a desigualdade são um importante aliado na redução da pobreza. (NERI, 2006, p.14).
É nesse ambiente que o presente trabalho se propôs a analisar a política social referente à
Previdência Social como uma possível amenizadora desses distúrbios na medida em que tem
englobado em sua estrutura a possibilidade de canalizar recursos para as camadas pobres da
sociedade, podendo corroborar – ou não – para a mudança desse quadro.
25
A estratégia mais eficiente para redução da pobreza seria a combinação de políticas que
promovessem o crescimento econômico e políticas de redistribuição da renda. E sabe-se que a
redução da pobreza é mais sensível a variações na distribuição de renda. Haveria
possibilidade de sintonizar crescimento e distribuição de renda através do uso de políticas
sociais, em que se utilizaria o recurso proveniente do crescimento econômico e o dirigiria para
as camadas pobres da população, em que os resultados trariam redução da pobreza.
No Brasil, a proporção de miseráveis (indivíduos que vivem com menos de R$121,00 por mês – a preços da Grande São Paulo em Outubro de 2005 –, quantia necessária para suprir apenas as suas necessidades alimentares básicas) cairá dos 22,77%, de 2005, para 21,94% em 2006, uma queda de 3,62%, se a renda per capita nacional crescer 3% ao ano em termos per capita. A redução seria ainda maior caso esse crescimento viesse de mãos dadas com alguma redução da desigualdade. Se a expansão de 3% fosse combinada com uma queda de 0,007 ponto de porcentagem do índice de Gini (de 0,568 para 0,561), que, grosso modo, corresponde à queda observada entre 2002 e 2003, a miséria brasileira cairia cerca de 8,44%. A proporção de miseráveis passaria para 20,85%. Ou seja: os 41 milhões de pobres iniciais se reduziriam em 3,5 milhões. Vale assinalar que a queda mencionada apenas levaria a desigualdade brasileira, medida pelo índice de Gini, de 0,568 para o nível de 0,561 [...] Considerando-se um período mais longo, a pobreza poderia ainda recuar substantivamente mesmo que o País deixasse de crescer. Se, nos próximos quatro anos, a desigualdade brasileira repetir a trajetória do último triênio (queda de 0,02 no índice de Gini), a proporção de miseráveis cairá em 20,33% contra os 13,28% daquela obtida no cenário de crescimento de 3% ao ano puro (ou 4,5% de crescimento, ao ano, do PIB total). Reduzir a desigualdade num contexto de crescimento econômico parece mais factível em termos de economia política do que em períodos de recessão, quando perdas estão sendo repartidas. (NERI, 2006, p. 15-16).
Os gastos sociais são de extrema importância para reduzir a pobreza no país, a partir do
momento que o país possui recursos o suficiente para combater a pobreza nacional. O
problema da ineficiência no combate à pobreza pode estar atrelado ao mau uso das políticas
sociais.
No Brasil, existem quatro setores onde os gastos sociais mais se concentram: Previdência
Social, Benefícios a Servidores Públicos, Educação e Saúde. Dado que os servidores públicos
não constituem a parcela mais pobre da população, esse gasto não é considerado como uma
política social de assistência aos pobres. É importante ressaltar que a questão dos dispêndios
em políticas sociais está ancorada à duas magnitudes: acesso e gastos. Assim, os mais pobres
podem ter maior acesso aos programas, mas não receberem os maiores benefícios. É nesse
aspecto que se evidencia o caráter progressivo da Previdência, em que quem contribuiu mais,
26
receberá mais. Sendo assim, o uso da Previdência para com os mais pobres é questionada e
abre-se espaço para o debate entre diversos autores em que uns defendem o uso da mesma
para redução da pobreza, e outros questionam seu uso para tal fim.
É possível reduzir a pobreza sem aumentar qualquer nível de gastos na área social. O
redesenho de programas públicos adequados é uma tarefa complexa. Essa conclusão parece
auspiciosa na medida em que aponta para uma solução do problema da pobreza que depende
mais do aperfeiçoamento das políticas públicas do que da elevação dos gastos. Isso se torna
relevante em momentos de ajuste fiscal (BARROS; FOGUEL, 2000).
No dilema entre equidade e crescimento, observa-se que a adoção de políticas baseadas em
transferência de renda sem o devido controle pode levar a um aumento das despesas públicas,
que por sua vez leva ao incremento da carga tributária e da taxa de juros, contribuindo para o
aumento da dívida pública e travando o crescimento econômico, conseqüentemente
restringindo a possibilidade de redução da desigualdade (NERI, 2006).
Uma forma eficiente de constatar a contribuição de diferentes tipos de renda é não só medir
suas taxas de crescimento, mas também as suas ponderações na renda total e na renda dos
pobres. Seria medir a elasticidade da contribuição de uma transferência pública específica
para a melhora do bem-estar a respeito do seu custo fiscal, obtendo uma dimensão de sua
eficiência quanto a atingir as classes menos favorecidas e orientando as políticas sociais. É
com esse argumento que muitos defendem a efetividade de outras políticas sociais em
detrimento da seguridade social, dizendo que a Previdência não possui um efeito tão eficiente
na distribuição (NERI, 2006).
No próximo capítulo, discute-se o uso da Previdência Social como uma política que tem por
objetivo reduzir a pobreza na sociedade brasileira. Inserida no conceito de proteção social,
afirmando-se na Constituição de 1988, a Previdência assume um compromisso de
universalização de seus benefícios a fim de garantir bem-estar a parcela da população que
estaria desprotegida e a margem social caso a mesma não existisse. Ela estaria inserida num
contexto de política de combate a pobreza e promoção da redução da desigualdade. Mais a
frente discute-se o surgimento da Previdência Social, os princípios os quais ela se ancora e as
controvérsias teóricas que a envolvem.
27
3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL
3.1 PREVIDÊNCIA SOCIAL: A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A SEGURIDADE SOCIAL
Depois de exposto o quadro da desigualdade social brasileira no capítulo anterior, em que se
mostrou a necessidade de medidas que venham a solver esse cenário, neste capítulo colocam-
se em contraposição teórica autores que divergem entre si sobre a manutenção dos ideais
solidários e universais da Previdência e a racionalização dos seus gastos. Antes disso, é
exposta a essência da Previdência – enquadrada no contexto de seguridade social e
consolidada na Constituição de 1988 – como forma de esclarecer de que forma ela sofre as
variações de ordem teórica que a envolve.
Historicamente, a seguridade social começou a emergir com o advento da Revolução
Industrial, num momento em que houve aumento considerável dos infortúnios relacionados a
acidentes de trabalho, o que tornou a questão social mais complexa. Nesse contexto, na
maioria das vezes, a culpa era atribuída ao trabalhador e o ônus da perda da capacidade de
trabalho recaía sobre a família. No entanto, dado que a situação não estava atribuída a um
caso isolado e era observada no âmbito coletivo, passou a ser vista sob a ótica do direito
social5. A solução encontrada organizou-se em um sistema baseado na técnica do seguro, em
que todos contribuíam a fim de cobrir os segurados e constituiu um sistema de solidariedade
intra e intergeracional. A seguridade social estaria presente para todos aqueles que não
podiam ou não conseguiam encontrar meios de sustento pelo trabalho, o que a tornava um
meio de evitar que esses indivíduos tivessem um padrão de consumo abaixo do necessário à
sobrevivência. No Brasil, esse conceito foi inserido tardiamente, uma vez que a proteção
social já era uma visão bem conhecida no mundo. Ela se consolidou na Constituição de 1988,
apesar do contexto mundial de expansão do ideal neoliberal.
5 O direito à Previdência Social está dentre os Direitos Sociais estabelecidos na Constituição Federal, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo II, Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
28
Apesar do contexto tardio em que o Brasil se encaixou no sistema de proteção social6, este
não era um conceito recente. Após a crise de 1929, que veio a arrasar diversos segmentos
sociais, se fez necessária uma política que alavancasse o contexto econômico e social da
época. Foi nesse momento de fragilidade que surgiu a teoria keynesiana7, pregando a
intervenção estatal na economia como forma de estímulo aos diversos setores da sociedade.
Assim, segundo definição de Vianna apud Gentil (2006)
(...) a sociedade se solidariza com o indivíduo quando o mercado o coloca em dificuldades. Mais precisamente, o risco a que qualquer cidadão, em princípio está sujeito – de não conseguir prover seu próprio sustento e cair na miséria – deixa de ser problema meramente individual, dele cidadão, e passa a constituir uma responsabilidade social, pública. O Estado de bem-estar assume a proteção social como direito de todos os cidadãos porque a coletividade decidiu pela incompatibilidade entre destituição e desenvolvimento. (p.77).
A Previdência Social faz parte de um arranjo institucional que inclui também a saúde e a
assistência, em que a finalidade primordial é assegurar o trabalhador em momentos de
infortúnios relacionados à sua vida laboral e velhice. Esse arranjo institucional define-se
como seguridade social e tem por objetivo dar suporte aos cidadãos que estão fora do
mercado de trabalho por motivos alheios a sua vontade ou envelhecimento. No Brasil, a
Constituição de 1988 manifesta os preceitos referentes à proteção social, com fins de aumento
da cobertura previdenciária e vinculação do piso do benefício ao salário mínimo. Esses dois
aspectos configuram a tentativa, na Constituição de 1988, de trazer ampliação das garantias
sociais ao cidadão brasileiro.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) na Convenção nº 102, expressa que a
seguridade social é:
A proteção que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que, de outra forma, derivam do desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como conseqüência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou
6 A Constituição de 1988, onde se afirma a Seguridade Social, já surge num momento em que começavam a emergir movimentos de distanciamento do antigo Estado de bem-estar social. A década de 1990 já estava marcada por políticas de cunho neoliberal. (APOLLO, 2010, p.55) 7 A teoria keynesiana parte, em sua análise, da constatação de que o pleno emprego, em uma economia capitalista, não é uma situação permanente ou única de equilíbrio. Ao contrário, o desemprego involuntário não só pode existir como pode ser uma condição persistente, que se estenda ao longo do tempo, o que o caracterizaria como sendo de equilíbrio. Este fato implica que o livre mercado pode não levar automaticamente ao pleno emprego, pelo menos no curto prazo, e, portanto, justifica políticas econômicas contra o desemprego. (DATHEIN, 2000)
29
enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e também a proteção em forma de assistência médica e ajuda às famílias com filhos.
Por outro lado, a seguridade social é um ingrediente necessário, mas insuficiente para retirar
da base da escala social uma parcela numerosa da população. Restaria a injustiça social que
deriva da desigualdade de oportunidades e da sobrevida com desesperança – marcos de um
capitalismo construtor de exclusão política e econômica – mesmo que houvesse educação e
saúde gratuitas, salário-desemprego, Previdência Social e outras formas de amparo nas
proporções necessárias para atender a grande parte dos trabalhadores carentes espalhados pelo
país (GENTIL, 2006). Dessa forma, a seguridade social é importante na medida em que atua
como uma apaziguadora da realidade desigual.
A Previdência Social está inclusa no conceito de seguridade social, no entanto, é aquela se
diferencia por guardar consigo o aspecto contributivo – exceto em caso de Previdência Rural
– enquanto que a seguridade social está preocupada em suprir todos àqueles que se encontram
em necessidade. Dessa forma, como cita Vianna
O conceito de Seguridade Social, com efeito, tem um significado diverso do conceito de Previdência Social. Previdência é um sistema de cobertura dos efeitos de contingências associadas ao trabalho, resultante de imposição legal e lastreado nas contribuições dos afiliados para seu custeio; tem por objetivo ofertar benefícios aos contribuintes – previdentes – quando, em ocasião futura, ocorrer perda ou redução da capacidade laborativa dos mesmos. Já a Seguridade é um sistema de cobertura de contingências sociais destinado a todos os que se encontram em estado de necessidade, não restringindo os benefícios nem aos contribuintes nem à perda da capacidade laborativa; auxílios a famílias numerosas, pensões não-contributivas, complementações de renda, constituem benefícios de seguridade porque ou não resultam de perda/redução da capacidade laborativa ou dispensam a contribuição pretérita. (VIANNA, 2005, p.2-3).
A universalização da cobertura com uniformidade de tratamento dos trabalhadores somente se
consolida com a Constituição de 1988. Os que defendem as medidas estabelecidas na
Constituição consideram que seu alcance seria efetivo para redistribuir renda e reduzir as
desigualdades que sempre marcaram o Brasil (O PERÍODO... 2006). Na medida em que
associa as ações de Previdência, assistência, e saúde num corpo integrado e se estrutura com
base no princípio da universalidade da cobertura e atendimento, o sistema de proteção social
definido na Constituição Federal prevê garantias contra contingências sociais que ameacem a
sobrevivência do indivíduo. Na Seguridade prepondera o contrato social e os direitos sociais,
em que a necessidade do cidadão prima sobre suas eventuais contribuições para o sistema. A
30
Seguridade Social brasileira, conforme concebida é, portanto, promotora de uma distribuição
menos desigual de renda e acesso a bens (DIEESE, 2007).
Segundo a Constituição de 1988, artigo 193, “a ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Dessa forma, por estar inclusa no
contexto da seguridade social, entende-se a Previdência Social como uma responsabilidade
para com a sociedade, ou seja, uma responsabilidade que engloba aqueles indivíduos que de
alguma forma contribuíram para o desenvolvimento econômico8, cita-se:
É fundamental se reconhecer que a Previdência Social é uma conquista social essencial, que se consolidou após a 2ª Guerra Mundial com a constituição do Bem-Estar Social na Europa. É o reconhecimento de que o trabalho é um custo inevitável para a produção capitalista e a reprodução do capital. E é um custo tanto quando os trabalhadores estão na ativa tanto quando se aposentam. Portanto, a Previdência é um direito social, que juntamente com muitos outros, limitou a tendência, que é inerente a lógica de funcionamento do capitalismo, de exploração sem limites da força de trabalho. É um avanço extraordinário conquistado pela sociedade; é a defesa das condições de vida das pessoas quando elas não podem mais trabalhar, ou não têm a mesma capacidade de exercer a atividade produtiva. (FILGUEIRAS; LOBO, 2003, p.733).
Ao considerar que o sistema previdenciário brasileiro está consolidado na Constituição de
1988, em que esta se inspira nos ideais do welfare state9, sabe-se que um das suas metas é
abranger a maior parte da população do país, dado seu caráter de lei e direito social. O sistema
previdenciário brasileiro conta com aproximadamente 59,6% da população economicamente
ativa (PEA), na condição de segurado. Isto corresponde a 55,9 milhões de pessoas,
distribuídos entre aposentadorias e pensões do Regime Geral de Previdência Social (RPGS) e
os regimes próprios do funcionalismo público de todas as esferas do Governo, além dos
segurados especiais. A cobertura previdenciária brasileira é, atualmente, a segunda maior da
América Latina (IPEA, 2009 apud MIRANDA, p.52). Em 1970, havia 7,6 milhões de
segurados; em 1980, 23 milhões. Nesse aspecto, destaque para os segurados rurais, que
aumentou seu contingente entre 1991 e 1994, e chegou a 40% do total dos benefícios
8 Nesse aspecto, não se está referenciando a questão da contribuição do trabalhador para com a Previdência, mas somente sua contribuição socioeconômica. 9 O welfare state foi uma construção da sociedade européia do pós-Segunda Guerra Mundial e correspondeu ao estabelecimento de um pacto social que implicou na acentuada participação do Estado na promoção de benefícios sociais de forma a proporcionar padrões de vida mínimos à população. O Estado passou a promover a integração social, garantindo tipos mínimos de renda (seguro contra doença, velhice, invalidez, acidente de trabalho, desemprego e morte) e também subsídios alimentares, saúde, educação, habitação, que foram assegurados a todo cidadão não mais como caridade, mas como direito de cidadania (VIANNA, 1998).
31
emitidos. Nesse âmbito, destaque para a vinculação ao salário mínimo – “61% da quantidade
de aposentadorias e pensões e 31% do valor total pago estavam associados a pagamentos a
indivíduos que recebiam exatamente 1 SM em 2003.” O sistema previdenciário pode ser
utilizado como um poderoso instrumento de combate a pobreza, principalmente quando se
trata de sua vinculação ao salário mínimo – apesar de argumentos contrários, que dizem que
esse piso do beneficio não promove a redução da desigualdade e a camada mais pobre da
população não está localizada entre os idosos (Giambiagi et al., 2004). Em 2008, os gastos
previdenciários foram responsáveis por uma queda de 7,1% no índice de Gini. O percentual
de pobres aumentaria em quase 21 milhões, ou seja, de 11,38% para 29,18% da população
caso a Previdência não existisse. (MIRANDA, 2010, p.69-70).
Gráfico 4 – Índice de Gini e Redução Percentual da Desigualdade Antes e Depois do Pagamento de Aposentadorias e Pensões Fonte: Disoc/IPEA com base nos microdados das PNADS. Elaboração: IPEA (2009) apud MIRANDA, 2010, p.70
Estruturando-se em um sistema de repartição simples – em que a geração atual através de
contribuições garante a renda dos atuais aposentados –, de caráter universal e ancorado no
salário mínimo a Previdência Social brasileira se coloca como uma matriz de recursos a uma
parcela considerável da população brasileira. O caráter universalista garante uma possível
desvinculação do aspecto contributivo que um sistema de seguro tem intrínseco e a
vinculação com o salário mínimo coloca o indivíduo em um patamar mínimo de
sobrevivência. O cidadão deve receber benefícios conforme suas necessidades, em que o
caráter contributivo passa a ocupar uma posição secundária e a meta é a redução da pobreza.
É exatamente neste ponto que vários estudiosos do assunto entram em discordância.
Quanto a seu caráter contributivo, é estabelecido no Artigo 195 da Constituição Federal de
1988 que toda a sociedade é responsável pelo financiamento da Seguridade Social, de forma
32
direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais: I) dos empregadores,
da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei sobre a folha de salários,
faturamento ou lucro; II) trabalhadores e demais segurados da Previdência Social; III) receitas
de concursos, e; IV) importador de bens e serviços do exterior. Entre as contribuições que
financiam a seguridade, incluem-se a COFINS, PIS/PASEP, CPMF (até 2007), CSLL. Para o
subsistema previdenciário, foram criadas contribuições específicas, incidentes diretamente
sobre a remuneração ou a renda dos trabalhadores e sobre a folha de pagamentos, incidente,
neste caso, sobre o empregador (TAFNER, 2007).
A idéia subjacente ao orçamento da Seguridade Social encontra paralelo em uma proposta
feita por Myles (2002) apud Miranda (2010): todos os benefícios de caráter assistencialista
devem ser financiados não somente através de contribuições específicas sobre aqueles que
trabalham, mas através de general revenue – advinda de impostos sobre a renda, consumo e
outras taxas – ou seja, um financiamento compartilhado de maneira mais ampla entre a
sociedade – no caso da Previdência, recaindo sobre os trabalhadores e também sobre os
aposentados. Entretanto, Myles tem cuidado de explicar que tais receitas devem ser geradas
levando em consideração o princípio da capacidade de pagamento – o que, certamente,
excluiria os mais pobres de arcar com esse ônus.
O sistema de seguridade social brasileiro, ao garantir uma pensão mínima para os
beneficiários – através do salário mínimo e universalização no artigo 194, inciso I – tem efeito
muito poderoso como redutor da pobreza nas famílias brasileiras. Em síntese, a seguridade
social é considerada por muitos analistas como um programa social de transferência de renda
que impacta a vida familiar, reduzindo efetivamente o grau de pobreza no país, ainda que o
mesmo resultado pudesse ser obtido com custos menores, caso houvesse maior flexibilidade
na fixação do valor de benefícios e maior rigor na sua concessão. No entanto, devem-se
estabelecer limites à concessão de benefícios, sobretudo em um país caracterizado por elevado
grau de pobreza e desigualdade. Um país que conta com muitos pobres e tem um elevado grau
de desigualdade tem que ser seletivo com os recursos destinados às políticas sociais e
monitorá-las, sob pena de reforçar as iniqüidades existentes (O PERÍODO... 2006).
Considerando este último argumento, o ponto de vista defendido por alguns autores é que,
apesar da Constituição de 1988 ter iniciado um intenso processo de reformas na legislação, ao
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longo dos anos o que se tem visto é que a política de combate à desigualdade via sistema de
seguridade estaria com seus dias contados. Os argumentos utilizados são que sua potência
quanto redutor das desigualdades é limitada. Aumentos no valor dos benefícios são limitados
quanto aos aspectos de financiamento, por outro lado a cobertura é quase universal e a relação
de contribuintes seria restrita. Assim, apesar de ter estendido o sistema de proteção a
praticamente toda a população idosa e portadores de necessidade especiais que viviam com
renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, a proteção social teria apresentado sinais
de esgotamento fiscal. Este último argumento é discutido por vários autores, em que se
questiona o real esgotamento dos recursos concernentes a Previdência.
Partindo da controvérsia do uso da Previdência Social como possível instrumento redutor das
desigualdades, a partir de seus preceitos de renda mínima e universalização, é exposto o
debate da eficiência da mesma como tal. Sabe-se que a essência da Previdência Social se
ancora na assistência aos cidadãos. Segundo Miranda (2010, p.48):
Todo sistema previdenciário, independente da forma como é organizado, possui um importante objetivo: a suavização do consumo ao longo do tempo, de forma que o indivíduo, ao atingir o fim de sua vida laboral, possa continuar obtendo rendimentos que permitam a continuidade de seu consumo, de maneira a satisfazer suas necessidades.
No entanto, as diversas mudanças ocorridas durante a década de 90 – conhecida como de
cunho neoliberal – abriu o debate da Previdência quanto ao seu uso para fins de distribuição
de renda. Por sorte, ao contrário do outros países da América Latina, o Estado brasileiro
manteve sob sua custódia o sistema previdenciário, e dessa forma, preservou o aspecto
solidário da Previdência Social brasileira consolidado na Constituição de 1988. No entanto, o
debate é mantido: de um lado, colocaram-se os fiscalistas defendendo o equilíbrio das contas
previdenciárias; do outro, os universalistas que viam a Previdência como um meio de prover
recursos aos setores mais necessitados.
A Previdência “organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação
obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”, ao
impor rígidos critérios de equilíbrio, limitaria a finalidade redistributiva da seguridade social e
poderia vir a colocar em risco alguns tipos de aposentadorias, em especial aquelas cujos
valores de beneficio não guardam relação direta com contribuições acumuladas. A lógica de
equilíbrio financeiro e atuarial é muito mais adequada ao conceito de “seguro” previdenciário
34
como direito individual e, portanto, em última instância, está em contradição com a
concepção dos benefícios da Seguridade como direitos de cidadania (DIEESE, 2007). É nesse
aspecto que se sustenta a controvérsia teórica que envolve o sistema previdenciário e coloca
em debate a eficiência da mesma para fins distributivos e sua capacidade de sustentar-se
financeiramente.
3.2 CONTROVÉRSIA TEÓRICA
O tema Previdência Social oferece opiniões divergentes quanto ao seu uso para fins de
distribuição de renda e, possível redução das desigualdades. Neste capítulo essas divergências
são objetos de estudo, de forma que se procura ver diferentes pontos de vista de autores sobre
o tema. O propósito aqui não é chegar a uma verdade absoluta, mas compartilhar de opiniões
distintas dos autores e ver em que medida as suas opiniões se justificam. Dessa forma, coloca-
se a questão: a Previdência seria um instrumento eficiente da redução das desigualdades
sociais?
Existem vários argumentos que destacam o caráter redistributivo da Previdência, entre eles
citam-se: A Previdência como um instrumento de redução da pobreza e desigualdade social;
Sua atuação como forma de defesa contra as precarização das relações de trabalho, e; A
redução da desigualdade traz ganhos em termos de crescimento econômico. Observa-se que
só pelo fato de se enquadrar no conceito de seguridade social, a Previdência já tem um caráter
intrinsecamente social na medida em que garante uma renda mínima e tem caráter universal.
Sendo que, sistemas previdenciários que têm como característica mais relevante o
funcionamento como um seguro é considerado Bismarckiano10. Já um sistema que priorize as
funções distributivas, tendo como objetivo redução da desigualdade e da pobreza é
considerado como Beveridgiano11.
Segundo diversos autores, a Previdência é um instrumento poderoso de distribuição de renda,
de forma que, por estar inclusa no conceito de seguridade social, ela compartilha do aspecto
10 Por enfatizar o aspecto de seguro , pode-se dizer que a preocupação maior aqui é com o aspecto contributivo. Ou seja, de acordo com este princípio, só quem contribui financeiramente tem direito à cobertura dos riscos sociais como: doenças, invalidez, maternidade, velhice, morte e acidentes e doenças ligados ao trabalho. 11 Propunha aumento das despesas com proteção social e combate à pobreza, preconizando direito universal de todos os cidadãos. Pode-se dizer que foi o embasamento para a seguridade social no mundo. (APOLLO, 2010, p.44)
35
seguro e guarda em si a relação contribuição/beneficio, e o aspecto social em que é permitido
seu uso para fins de transferência de renda intra e intergeracional. Controversamente, para
outros autores, a Previdência é um meio ineficiente de distribuição de renda na medida em
que este não é o seu propósito e argumentam que existem outros mecanismos muito mais
eficientes para cumprir a meta de redução da desigualdade.
O conceito de seguridade que a OIT concebe pautou a Constituição Federal de 1988. Segundo
o conceito, a importância de se ter um aparato de assistência social, incluindo a Previdência
Social, está no entendimento que a seguridade social é instrumento de transformação e
progresso social, ao invés de constituir obstáculo ao progresso econômico. Vista por esse
aspecto, a Previdência, inserida no conceito de seguridade social, poderia ocupar o espaço de
uma política de distribuição de renda, dando razão aos argumentos daqueles que defendem a
Previdência para tal fim. No contexto socioeconômico, a “seguridade social significa a
proteção que a sociedade proporciona a seus membros [...] dando aos indivíduos e às famílias
a tranqüilidade de saber que o nível e a qualidade de sua vida não serão significativamente
diminuídos, até onde for possível evitá-lo, por nenhuma circunstância econômica ou social”.
ANFIP apud DEDECCA et al, 2006)
Quanto ao acesso, a Constituição de 1988 quando referencia o sistema de seguridade social
amplia o direito de acesso à Previdência mesmo àqueles que não contribuíram ao longo da
vida, e destaca o seu caráter distributivo e social sobre o caráter contributivo. Assim, o
Regime Geral da Previdência (RGPS) é estendido a todos os trabalhadores que aderem o
sistema. Dessa forma, apesar do princípio contributivo constar na Constituição de 1988, a
Previdência pode ser vista segundo Oliveira
Na prática, os sistemas de previdência social implantados, inclusive o brasileiro, raramente têm seus conceitos e objetivos claramente explicitados. São na realidade sistemas híbridos com os componentes da abordagem de seguro e os redistributivos-assistenciais mesclados de tal forma, que se torna extremamente difícil definir um único padrão. (1982, p.2).
O conceito de Oliveira relaciona-se com a idéia de que a Previdência guarda consigo um
aspecto redistributivo que está mesclado com seu aspecto contributivo (defendido pelo status
de seguro). Isso, de certa forma, acaba por gerar conflitos e opiniões divergentes quanto ao
uso da Previdência como instrumento redistributivo, já que para transferir para o mais
36
necessitado é necessário retirar daquele que contribuiu mais. Segundo Oliveira (1982), a
solução encontrada foi manter a aparência de um seguro, que com o status de tal beneficia
aqueles que contribuíram e distribui os riscos dessa forma, mas que, no entanto, faz
transferência intra e intergeracionais. Ou seja, tanto de uma geração para outra através do
regime de repartição quanto entre a mesma geração através do mais rico para o mais pobre. A
prevalência do aspecto distributivo também poderia retirar o incentivo daqueles que
contribuem, já que seus recursos estariam sendo direcionados àqueles que não contribuíram.
A Previdência Social no Brasil é formada pelo Regime Geral de Previdência Social, Regime
Próprio da Previdência Social e Previdência Complementar. O RGPS, analisado sob o aspecto
redistributivo, traz impactos quanto à redução da pobreza no país, sendo responsável pela
retirada de milhões de pessoas da condição de pobreza. Este impacto se concentra sobre a
população idosa e, através da divisão da renda entre familiares, traz benefícios a todas as
faixas etárias. Seu papel social está na melhoria da distribuição de renda e fomento ao
desenvolvimento econômico, principalmente na zona rural – manifestando-se através da
Previdência Rural. O RPPS, vinculado aos servidores públicos e militares, possui um regime
diferenciado do RGPS. A Previdência complementar atribui sua operacionalização à iniciativa
privada, baseando-se em regime de capitalização e não possuindo fins redistributivos.
Dessa forma, a partir deste conceito, se diz que a Previdência Social, através do RGPS, é uma
das formas de se garantir, aos cidadãos beneficiados pela mesma, equidade e acesso às
condições mínimas de sobrevivência e inclusão na sociedade, retirando da linha de pobreza
milhares de brasileiros. No entanto, há quem discorde desse conceito social da seguridade em
que a Previdência se encaixa, principalmente quando se trata do financiamento desses
recursos redistributivos e da eficiência na redução da pobreza. Essa discordância seria uma
visão limitada dado que existem outros fatores, como a rolagem da dívida pública e a
manutenção de altas taxas de juros, que reduzem os orçamentos dos programas sociais e das
políticas públicas (FILGUEIRAS; LOBO, 2003).
Diamond (1977) aponta a redistribuição de renda como uma das justificativas para a
existência de sistemas públicos de Previdência, em que a Previdência seria um mecanismo de
política pública de caráter distributivo. Para o autor, o imposto de renda seria imperfeito em
termos de redistribuição de renda, pois restringiria a mensuração da renda do indivíduo a um
instante do tempo, não conseguindo, assim, ser definida sua necessidade ou capacidade de
37
pagamento, que se alteraria ao longo do ciclo de trabalho. Já a Previdência pública, em alguns
países como o Brasil, define uma fórmula para o beneficio a ser concedido (após a
aposentadoria), a qual é baseada apenas em uma média dos anos nos quais os indivíduos
tiveram os seus maiores rendimentos, e não exatamente em uma função dos seus rendimentos
ao longo de todo o seu ciclo de trabalho. Assim, em termos intrageracionais, a Previdência
funcionaria como um mecanismo de redistribuição complementar ao imposto de renda. Em
termos intergeracionais, o aumento dos benefícios relativo a um fundo pequeno (típico de
sistemas de repartição) geraria uma redistribuição de gerações mais jovens para as gerações
mais velhas, visto que nesse tipo de sistema os mais jovens financiam os mais velhos. Esta
redistribuição seria apropriada se fosse esperado que gerações mais velhas fossem mais
pobres em média ou porque determinadas gerações passaram por períodos de maior recessão
(DIAMOND apud MOURA et al, 2008).
Quando o tema é seguridade social, o público recebe informações importantes e muitas vezes
contraditórias: de um lado, os que defendem o atual sistema postulam que seus efeitos sociais
são importantes e ajudam a reduzir a pobreza; do outro estão aqueles que, embora reconheçam
os efeitos positivos ocorridos no combate à pobreza, consideram que esses efeitos hoje são
inexistentes e indicam que os custos crescentes e as falhas das ações governamentais tendem
mesmo a comprometer a existência futura do sistema. O dissenso é a marca do debate. Não se
trata obviamente de resolver a questão ou eliminar o debate – até porque parte dele decorre de
posições político-ideológicas e não de aspectos técnicos ou factuais da questão -, mas é
necessário apresentar os principais argumentos e indicadores sociais disponíveis para,
posteriormente, detalhar as questões com vista à busca de novos caminhos (O PERÍODO...,
2006).
A partir desse debate, surgem diversos posicionamentos quanto ao uso da Previdência dentro
do contexto de seguro social. Entre as contribuições quanto ao uso da Previdência como um
mecanismo de redução da desigualdade da distribuição da renda no país, levando-se em conta
as que são a favor e contra, reproduz-se algumas.
A primeira é o estudo de Ferreira (2006), em que é avaliada a contribuição das aposentadorias
e pensões para a desigualdade da distribuição do rendimento domiciliar per capita no Brasil,
em que se conclui que as mesmas contribuem para o aumento da desigualdade da distribuição
de renda no país.
38
O estudo do autor apresenta resultados obtidos para a desigualdade de renda e a
decomposição do Índice de Gini de 1981 a 2001. Através da decomposição do índice de Gini,
observa-se a participação de cada componente na formação do Gini Global. A partir dos
dados obtidos através dessa decomposição, se enfatiza a participação das aposentadorias e
pensões nesse período, a fim de mostrar se a mesma aumenta ou reduz o índice de
desigualdade.
Tabela 4 – Parcelas do índice de Gini (G) e o respectivo percentual, na formação do índice de Gini global dos componentes do rendimento domiciliar per capita. Brasil de 1981 a 2001
Parcelas do Índice de Gini e as suas Respectivas Porcentagens
Trabalho Principal
Outros Trabalhos
Aposentadorias e Pensões
Aluguéis Doações Juros etc Total
Ano
G % G % G % G % G % G % G %
1981 0,468 80,4 0,02 3,5 0,054 9,3 0,023 3,9 - - 0,017 2,9 0,582 100
1983 0,471 79,3 0,024 4,1 0,063 10,5 0,02 3,4 - - 0,016 2,7 0,594 100
1984 0,467 79,4 0,025 4,3 0,06 10,3 0,019 3,2 - - 0,016 2,8 0,587 100
1985 0,479 80,5 0,025 4,2 0,061 10,3 0,015 2,5 - - 0,015 2,5 0,595 100
1986 0,48 81,9 0,026 4,5 0,05 8,5 0,019 3,2 - - 0,011 1,9 0,586 100
1988 0,512 83,3 0,025 4,1 0,047 7,6 0,016 2,6 - - 0,015 2,4 0,616 100
1989 0,511 80,6 0,028 4,4 0,06 9,5 0,021 3,3 - - 0,014 2,2 0,634 100
1990 0,486 79,4 0,029 4,7 0,068 11 0,019 3,2 - 0,01 1,2 0,612 100
1992 0,446 76,9 0,022 3,8 0,081 14 0,011 1,9 0,002 0,3 0,018 3,1 0,58 100
1993 0,461 76,5 0,025 4,2 0,082 13,6 0,009 1,5 0,002 0,3 0,023 3,9 0,602 100
1995 0,461 77 0,027 4,5 0,084 14 0,018 3 0,002 0,4 0,007 1,1 0,599 100
1996 0,461 76,8 0,027 4,5 0,084 14 0,019 3,2 0,002 0,3 0,007 1,2 0,6 100
1997 0,462 77 0,025 4,2 0,089 14,8 0,017 2,8 0,002 0,4 0,005 0,8 0,6 100
1998 0,446 74,5 0,024 4 0,1 16,7 0,019 3,2 0,003 0,5 0,006 1,1 0,598 100
1999 0,437 73,7 0,022 3,7 0,107 18,2 0,018 3 0,002 0,4 0,006 1 0,592 100
2001 0,434 73 0,025 4,3 0,112 18,8 0,015 2,6 0,003 0,4 0,005 0,8 0,594 100
Média 0,468 78,1 0,025 4,2 0,075 12,6 0,017 2,9 0,002 0,4 0,012 2 0,598 100
Fonte: IBGE – dados individuais das PNADs de 1981 a 2001 apud FERREIRA, 2006, p.257
A partir dos dados da tabela 4, traça-se um perfil da participação de cada componente na
renda domiciliar per capita através da decomposição do valor médio e a participação
percentual dos componentes do rendimento domiciliar per capita. Esse perfil é importante por
dar uma idéia da participação de aposentadorias e pensões na renda domiciliar per capita e
destaca a importância da mesma como uma política social de combate à desigualdade social
no país.
A decomposição aponta que as aposentadorias e pensões contribuem com a segunda maior
parcela nos rendimentos, e demonstra o aumento de sua participação no rendimento
39
domiciliar per capita, principalmente a partir de 1989, os valores mantêm esse ritmo até o
final da década de 90 e início da década de 2000. De acordo com os dados apresentados, o
índice de Gini se mantém elevado durante todo o período analisado, mostrando que a renda
domiciliar per capita é mal distribuída e, dessa forma, configura um panorama de
desigualdade de renda (FERREIRA, 2006). A partir do momento que o rendimento de
aposentadorias e pensões contribui como a segunda maior parcela da renda per capita, é
imprescindível analisar sua participação na concentração da renda e mensurar se a mesma age
como apaziguadora das desigualdades ou vem reforçar o fenômeno concentrador.
Tabela 5 – Razão de Concentração na Decomposição do Índice de Gini no rendimento domiciliar per capita. Brasil, de 1981 a 2001
Razão de Concentração do Rendimento (C) Componente do
Rendimento 1981 1983 1984 1985 1986 1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
0,566 0,577 0,572 0,582 0,574 0,608 0,620 0,595 0,565 0,589 0,587 0,588 0,591 0,585 0,579 0,581 0,768 0,759 0,797 0,804 0,808 0,787 0,808 0,796 0,758 0,765 0,766 0,784 0,767 0,748 0,745 0,785 0,569 0,609 0,588 0,597 0,564 0,573 0,615 0,632 0,576 0,579 0,586 0,580 0,585 0,599 0,603 0,603 0,778 0,797 0,812 0,812 0,833 0,801 0,882 0,820 0,802 0,784 0,813 0,802 0,796 0,803 0,803 0,797
- - - - - - - - 0,368 0,423 0,399 0,436 0,380 0,413 0,354 0,395
TP OT AP A D J
0,757 0,639 0,592 0,593 0,571 0,643 0,673 0,629 0,839 0,858 0,789 0,815 0,769 0,764 0,695 0,539
Gini Total 0,582 0,594 0,587 0,595 0,586 0,616 0,634 0,612 0,580 0,602 0,599 0,600 0,600 0,598 0,592 0,594
Fonte: IBGE – dados individuais das PNAD’s de 1981 a 2001 apud FERREIRA, 2006, p.256 TP: Trabalho Principal; OT: Outros Trabalhos; AP: Aposentadorias e Pensões; A: Aluguéis; D: Doações; J: Juros etc.
Na tabela 5 expõe-se a razão de concentração dos componentes do rendimento domiciliar per
capita, denotado na tabela como C, de 1981 a 2001. Ressalta-se que o período engloba
importantes mudanças políticas e econômicas no país, como a “década perdida”, o advento no
neoliberalismo e as eleições diretas.
Um componente da renda contribui para aumentar a desigualdade quando a razão de
concentração for maior que o índice de Gini. As aposentadorias e pensões crescem na
primeira metade dos anos 80, recuam em 1986, e voltam a crescer a partir de 1988. Nos anos
90, a razão de concentração cresce entre 1992 e 1995, recuam em 1996 e voltam a crescer no
final dos anos 90. Ela apresenta razão de concentração menor que o índice de Gini global em
9 dos 16 anos analisados. Observa-se que, no final da década de 1990 e início do século XXI,
as aposentadorias e pensões deram uma contribuição maior para a desigualdade da
distribuição do rendimento domiciliar per capita. Em todo o período analisado, a razão de
concentração para aposentadorias e pensões não apresenta recuos significativos, a tendência é
de crescimento (FERREIRA, 2006).
40
Dessa forma, a conclusão chegada por Ferreira (2006), através dos dados da PNAD
trabalhados é que a redução da desigualdade é praticamente desprezível no período. O
rendimento das aposentadorias e pensões, segundo maior entre todos os rendimentos,
corrobora com a situação na medida em que tende a reproduzir a distribuição de renda no
Brasil e age como determinante da desigualdade. Segundo Ferreira:
A razão de concentração das aposentadorias e pensões, particularmente a partir de 1998, é maior do que o índice de Gini e superior a razão de concentração do rendimento do trabalho principal. Esses resultados mostram que os rendimentos de aposentadorias e pensões, administradas pelo Governo Federal, estão contribuindo para aumentar a desigualdade da distribuição de renda no Brasil, mostrando que há necessidade de reforma do sistema previdenciário. È importante notar que um componente dos rendimentos que está diretamente sujeito a normas e leis, como as aposentadorias e pensões, esteja contribuindo para aumentar a desigualdade da distribuição de renda. (FERREIRA, 2006, p. 259).
A análise sob a ótica de Ferreira (2006) desperta a questão que a contribuição da Previdência
como reforço da desigualdade tem embasamento nas normas e regras que regem a Previdência
no Brasil, na medida em que estas configuram regimes especiais distintos para algumas
categorias, como o funcionalismo público e o privado. Constitui-se, assim, um fator de
diferenciação, o qual reduz a essência de equidade que a Previdência deve carregar e
configura uma âncora para a perda de eficiência da mesma. Quanto a outro aspecto que
normalmente atrai críticas é a não correspondência contribuição/benefício, no entanto, esse
aspecto é motivo de controvérsia já que ele próprio é uma forma de se reduzir a desigualdade
quando retira daquele que contribui mais – e provavelmente auferiu ganhos maiores durante a
vida – e transfere àqueles que contribuem menos ou não contribuem – caso da aposentadoria
rural. Sendo assim, este último aspecto deve ser analisado com maior cuidado.
Dessa forma, segundo Ferreira (2006), as causas de o sistema previdenciário brasileiro ser
regressivo estão relacionadas à aposentadoria mais precoce, expectativa de vida maior e
maiores salários no fim do ciclo de vida trabalhista dos beneficiários que possuem maior nível
de renda. Todos esses fatores aliados tornam a distribuição de renda pior. Outro aspecto que
viria a corroborar com a situação seriam os regimes especiais que formam o contexto
previdenciário brasileiro, que privilegia alguns setores e desafia os aspectos de solidariedade e
redistribuição, causando redistribuição invertida da renda. A solução estaria em rever os
critérios dos diferentes regimes previdenciários, privilegiando valores de equidade e
41
distribuição de renda, através da orientação das políticas para os mais pobres, que rondam a
essência do sistema previdenciário como um seguro social (FERREIRA, 2006).
Algumas medidas nos últimos vinte anos foram tomadas na tentativa de reverter o quadro, no
entanto, elas não atingiram os pontos cruciais. A Reforma Constitucional nº 20 teve
preocupações maiores com o ajuste fiscal, e não se preocupou com a concessão de benefícios
para os funcionários públicos. Não houve alterações na distribuição dos benefícios de
aposentadorias e pensões, manteve-se o perfil de distribuição de renda no país, em que se
concentra a maior parte do valor dos benefícios nos segmentos mais ricos da sociedade.
Ferreira defende a adoção de conceitos e fundamentos da Previdência Social que busque
reduzir as diferenças no valor dos benefícios dos trabalhadores, em que não se deve limitar à
atenção aos aspectos distributivos do sistema (FERREIRA, 2006).
Filgueiras e Lobo (2003) expõem outro ponto de vista, quanto a diferenciação do RGPS e
RPPS. A diferença que é concebida no valor das aposentadorias dos servidores e dos
trabalhadores do setor privado se deve a existência de distintas regras para ambos. As
diferenças de valor se devem à natureza heterogênea do mercado de trabalho brasileiro, no
qual cerca de 70% dos trabalhadores ocupados recebem até três salários mínimos. Dessa
forma, a maior parte das aposentadorias é muito baixa porque reflete o mercado de trabalho.
Portanto, a concentração de renda nas aposentadorias adviria da concentração de renda na
sociedade e no mercado de trabalho.
Também contrapondo Ferreira, a imposição de normas rígidas para o equilíbrio da
Previdência e o ajuste fiscal pode comprometer alguns tipos de aposentadorias, especialmente
aquelas que não guardam relação com o aspecto distributivo. Dessa forma, esse aspecto se
voltaria mais para o conceito de seguro da seguridade social, contrapondo-se ao conceito de
seguridade como direitos de cidadania (DIEESE, 2007).
Moura e outros compartilham da opinião de Ferreira, de forma que vêem a Previdência como
um instrumento ineficiente de distribuição de renda. Durante o XVI ENCONTRO
NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, ABEP, 2008, Caxambú, Mg, foi discutida,
pelos autores, a funcionalidade da Previdência Social:
(...) concluímos que as mudanças nas regras previdenciárias têm gerado uma melhora na desigualdade somente para os grupos mais idosos entre 1987 e 1996. Para os outros grupos a tendência é de estabilidade do sistema,
42
e na análise de 1996 e 2006, para todas as coortes o sistema também tem se mantido estável. Assim, ao contrário de parte da literatura, sistemas previdenciários não são bons mecanismos de distribuição de renda. (MOURA et al, 2008, p.1).
Moura e outros (2008) visam testar a propriedade distributiva da Previdência, em que
procuram responder quanto à progressividade ou regressividade da mesma, na medida em que
o Brasil é colocado como um país que possui um índice elevado de desigualdade social. Os
autores defendem que nos últimos anos houve um aumento substancial de beneficiários da
Previdência Social, dado o crescimento da população da base da pirâmide etária. Então, se a
Previdência realmente possui um caráter distributivo e progressivo, dever-se-ia esperar
redução na desigualdade de renda. No entanto, não é isso o que vem acontecendo, segundo
eles, com o índice de Gini mantendo-se estável por quase duas décadas. O sistema de
repartição, apesar de contribuir para a redução da pobreza, necessita de uma reforma nos
países que adotam esse modelo, entre eles o Brasil. Neste, parte dessa reforma foi realizada
em 2003. Dessa forma, “ao contrário de parte da literatura, sistemas previdenciários não são
bons mecanismos de distribuição de renda” (MOURA et al, 2008). Por outro lado, caso a
Previdência Social fosse retirada do âmbito de política social, sem dúvidas existiriam perdas
sociais.
Tafner (2006), no propósito de analisar o efeito dos benefícios de aposentadorias e pensões
sobre a desigualdade e a pobreza, faz um exercício de simulação que procura diagnosticar
esses efeitos. Segundo seu trabalho, o rendimento médio domiciliar per capita das pessoas que
recebem os benefícios de aposentadoria e pensão é maior do que aqueles que não recebem os
benefícios, principalmente entre os 10% mais ricos da população. Observa-se que a faixa de
aposentadorias acima de 10 salários mínimos é maior nas famílias com rendas maiores, cerca
de 15% dos domicílios mais ricos possuem aposentados com esse valor de beneficio.
No exercício de simulação realizado, o autor utiliza da mesma quantidade de recursos
financeiros disponíveis e verifica se há possibilidade de redução do caráter concentrador do
sistema através da implantação de outras regras previdenciárias. Para tal, ele considera que
todos que usufruem dos benefícios continuem a recebê-los, mas com redução do seu valor.
Sabe-se que as maiores aposentadorias se concentram nas camadas mais ricas e mais
escolarizadas da população e que, em sua maioria, se aposentam mais cedo, dessa forma, há
transferências de renda (TAFNER, 2006).
43
Os resultados obtidos por Tafner (2006) mostram que enquanto os grupos mais pobres tem
ganhos expressivos de renda, os segmentos de renda mais alta apresentam perdas
relativamente insignificantes. Na utilização do mesmo volume de recursos é possível recorrer
a mecanismos distributivos mais eficientes com a finalidade de reduzir a pobreza e a
desigualdade. A razão de renda média entre os 20+ e 20- reduziu-se de 21,9% para 18,9% e a
de 10+/40- de 19,5 para 17,9.
Dessa forma, a idéia defendida por alguns analistas de que a Previdência deve ser entendida
como um programa de renda mínima universal, com caráter assistencial e redistributivo, sem
correspondência contributiva, em que as contribuições devem ser pagas conforme a
disponibilidade de cada indivíduo, e os benefícios recebidos conforme a necessidade 12 é algo
que deve ser analisado com atenção dado que é motivo de embate entre diversos autores,
como é exposto.
Entre os argumentos mais utilizados para a defesa da Previdência como “renda mínima” ou
como um programa sem correspondência contributiva é o seu caráter de redução da pobreza e
da desigualdade social, tanto no âmbito individual quanto no familiar (TAFNER, 2006).
De acordo com alguns analistas, de fato a Previdência Social atua fortemente na redução da
pobreza individual e familiar e também na desigualdade e, realmente, após o pagamento das
aposentadorias a pobreza é reduzida. Essa redução, no entanto, não deve conduzir a um
pensamento equivocado em que por reduzir a pobreza, a Previdência seja um instrumento
correto e eficiente de ser utilizado para tal fim e que produza os melhores resultados. Para
defender tal idéia, Tafner (2006) coloca em análise a capacidade de a Previdência agir como
redutor da pobreza e sua eficiência nesse aspecto. Ao citar o artigo 201 da Constituição
Federal, em que “os planos de Previdência Social, mediante contribuição, atenderão, nos
termos da lei a: (...)”, o autor destaca as evidências contributivas que a Previdência Social
possui e sua condição contributiva estabelecida em termos de lei, e coloca em cheque a
Previdência que atua somente como mecanismo sem correspondência distributiva. O segundo
ponto que o autor questiona é a capacidade da Previdência de não somente atingir os pobres,
mas atingir aos mais pobres, de forma que sua capacidade de distribuição de renda fosse
12 (DELGADO; CARDOSO JR., 2000; DELGADO, 2005; LAVINAS, 2006, entre outros) apud TAFNER, 2006.
44
maximizada. O autor considera que a Previdência está muito aquém quanto à sua eficácia e
eficiência, caso fosse, de fato um programa de transferência de renda.
Um terceiro aspecto enfatizado por Tafner (2006) é quanto à capacidade da Previdência
reduzir a pobreza familiar. Ao contrário do que alguns autores defendem de que a renda
recebida pelo idoso é dividida com seu núcleo familiar, o autor diz que esse
compartilhamento está muito aquém do imaginado, devendo haver mais competição entre as
gerações pelos recursos. Ele mostra através de dados que a pobreza entre crianças e jovens
(até 18 anos) é mais de três vezes que a entre idosos (pessoas com 65 anos ou mais). Dada
essa situação, ele defende, ao mostrar por simulações13, que se parte dos recursos da
Previdência fossem deslocados para os mais pobres – jovens e crianças – poderia haver uma
maior redução do grau de pobreza da sociedade.
No entanto, o menor nível de pobreza atingido nos anos 90, em que entre os fatores que
corroboraram com essa realidade estariam os ganhos obtidos com a Previdência, não leva a
crer, apesar da sua eficiência comprovada através de dados, que ela seria a melhor forma de
política de redução da desigualdade de renda no país. Menor nível de pobreza não significa
que a atuação das políticas públicas sociais esteja atuando sobre a camada mais pobre da
população, isso seria uma falha na redução da pobreza. A Previdência se incluiria nessa falha
na medida em que prioriza o atendimento àqueles que possuem carteira assinada, deixando à
margem os trabalhadores informais ou desempregados e que, provavelmente, na velhice,
devem ser os mais necessitados de assistência social. Políticas como o Bolsa Escola, Bolsa
Família, seriam mais eficientes ao atingir as classes mais pobres da população, e abririam
possibilidade de um maior aproveitamento dos recursos públicos, concomitante, essas
políticas perderiam a eficiência perante as aposentadorias devido à vinculação desta o salário
mínimo. Por outro lado, ironicamente, a cobertura da Previdência, baseada em princípios
solidários, seria muito generosa e utilizaria recursos que em outras políticas, estariam surtindo
maior efeito para redução da desigualdade.
Por outra linha de raciocínio, pode-se dizer que há consenso que as aposentadorias e pensões
contribuiriam para reduzir a pobreza no país. Entre os fatos interessantes que acompanhariam
o caminho percorrido pela Previdência nos anos de 1990 e 2000, cita-se o aumento da
13 Para mais detalhes ver TAFNER (2006)
45
cobertura após sua consolidação na Constituição de 1988 e o aumento do valor real dos
benefícios dado a estabilidade econômica do pós Plano Real. Esses dois fatores foram
primordiais na atuação da Previdência como redutora da pobreza.
Contrariamente ao que defendem autores como Tafner e Ferreira, há a corrente dos autores
que defendem a Previdência como um instrumento de distribuição de renda e ressaltam os
benefícios que a mesma traz quanto à redução da pobreza e desigualdade social no país.
Entres estes autores está Dedecca e outros (2006) que voltam sua preocupação para a
importância dos benefícios da Previdência para atenuação da fragilidade de renda destas
famílias.14 A partir de um contexto econômico e social que dificulta a entrada no mercado de
trabalho dos que possuem idade ativa, a renda dos inativos se torna peça importante para
retirar famílias do limite da pobreza.
A partir dos dados da PNAD de 2004, traça-se um perfil das famílias mais carentes em que
estas são comparadas com o total das famílias e verificados os efeitos das rendas de
aposentadorias e pensões para a redução da pobreza e da desigualdade. Defende-se que as
mudanças ocorridas na década de 90 ocasionaram redução dos postos de trabalho e
favoreceram o empobrecimento da população. Dessa forma, os rendimentos provenientes da
aposentadoria vinculados ao valor do salário mínimo seriam importantes na medida em que
manteriam um padrão de vida mínimo as famílias beneficiadas. Os baixos rendimentos
obtidos por essas famílias seriam resultado da baixa inserção no mercado de trabalhado
formal e das atividades precárias em que essas famílias se envolvem. Lembra-se que além do
baixo rendimento que estes trabalhadores auferem, ao estarem inseridos na precariedade do
mercado de trabalho, eles também estão à margem da proteção trabalhista, tendo acesso à
mesma somente quando se aposentarem através do auxilio previdenciário de origem não
contributiva (DEDECCA et al, 2006).
Dessa forma, o exercício que os autores desenvolvem confirma que a Previdência Social vem
sendo um mecanismo relevante para a superação da precariedade da situação socioeconômica
das famílias de baixa renda e, portanto, da situação de pobreza extrema. A menor dependência
das famílias de baixa renda da política social depende do crescimento econômico e de seus
efeitos dinâmicos sobre o mercado de trabalho. Um crescimento econômico sustentável
14 Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú – MG – Brasil, de 18 a 22 de setembro de 2006.
46
diminuiria a dependência das famílias de baixa renda da política social e reduziria o papel da
Previdência Social para as famílias de baixa renda, sem incorrer em perda de proteção social
(DEDECCA et al, 2006).
Dada a importância da renda advinda das aposentadorias e pensões, e por ser o maior
orçamento individual dentre as políticas públicas do Estado brasileiro, em que atinge um
grande número de famílias, a Previdência adquire impactos em termos de distribuição de
renda. A partir deste contexto, Rangel e outros (2009) analisam o poder distributivo dos
benefícios da Previdência Social, em que o gasto previdenciário influencia sobre a
desigualdade de renda.
Os autores, dada a complexidade do sistema previdenciário brasileiro, resolvem fazer uma
análise segregada dos benefícios, analisando particularmente os efeitos da RGPS e da RPPS já
que os dois regimes possuem regras de acesso e valor de benefícios distintos. Alem da divisão
nos dois subsistemas previdenciários, há uma divisão do RGPS em dois subsistemas: para
segurados de fraca ou pouca capacidade contributiva e outro para segurados com maior
capacidade contributiva. No primeiro caso, há os benefícios da Previdência Rural e dos
segurados do meio urbano cuja posição é de baixa remuneração; No segundo caso, têm-se os
segurados das camadas urbanas com rendimentos superiores ao salário-mínimo, em que o
valor da aposentadoria guarda relação com suas contribuições ao longo de sua vida laborativa.
Quanto à distribuição de renda, para o primeiro caso seriam benefícios distributivos; para o
segundo caso seriam neutros (RANGEL et al, 2009).
Para prosseguir no objetivo de analisar a importância da renda familiar proveniente de
aposentadorias e pensões para a distribuição de renda, separa-se essa parcela da renda em
duas: as de valores até um salário mínimo e as de demais valores e calculam-se os
coeficientes de concentração dessas parcelas na renda domiciliar através da decomposição do
índice de Gini (RANGEL et al, 2009).
47
Tabela 6 – Decomposição do índice de Gini considerando apenas a parcela do rendimento
domiciliar proveniente de aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais – Brasil e regiões
geográficas – 2007
Participação (φ)
Razão de Concentração
(C)
Parcela de Gini
φ C %
Regiões
<=1SM >1SM <=1SM >1SM <=1SM >1SM <=1SM >1SM
Gini
Norte 4,50% 7,30% 0,236 0,7229 0,0107 0,0527 2,01 9,87 0,5337 Nordeste 9,50% 12,10% 0,2955 0,7656 0,0281 0,0925 4,98 16,4 0,5641 Sudeste 3,30% 15,00% -0,0728 0,5965 -0,0024 0,0895 -0,47 17,23 0,5198 Sul 4,00% 13,80% -0,0634 0,5711 -0,0025 0,079 -0,5 15,73 0,5023 Centro-Oeste
2,90% 9,40% 0,027 0,7255 0,0008 0,0679 0,14 11,89 0,5715
Brasil 4,50% 13,40% 0,0359 0,6589 0,0016 0,0883 0,29 15,95 0,5534 Fonte: RANGEL et al, 2009, p.6
Na tabela 6, os autores analisam os benefícios de valor até 1 salário mínimo e benefícios
superiores a 1 salário mínimo. Destaca-se a participação dos benefícios na renda total do país,
sendo de quase 18%. A região Nordeste é a que possui maior peso dos benefícios na renda
total. Nos benefícios que superam o salário mínimo, a razão de concentração é maior do que o
índice de Gini, contribuindo para elevar a desigualdade de renda. Controversamente, os
benefícios até um salário mínimo reduzem a concentração de renda. Dessa forma, fica
evidente a diferença, em termos de progressividade, entre os benefícios de até 1 salário
mínimo (em sua maioria os de Previdência Rural e Assistencial) e os demais. Quando se trata
do caráter concentrador dos benefícios acima de um salário mínimo, isto ocorre mais nos
benefícios concedidos pelo RPPS. Uma possível explicação para esse fato seria a
correspondência entre os valores de contribuição e recebimento para os benefícios da
Previdência no âmbito do RGPS, ao contrário da RPPS que é altamente regressiva em relação
ao índice de Gini. Assim, pode-se afirmar que as aposentadorias pagas pelo RGPS contribuem
para a redução das desigualdades (RANGEL et al, 2009).
Compartilhando desse ponto de vista, Maia e outros (2008) analisam os impactos da
aposentadoria sobre a redução da desigualdade e da pobreza, e enfatizam o efeito da mesma
sobre a pobreza rural. A hipótese central do trabalho dos autores é de que “as aposentadorias e
pensões cumprem importante papel no rendimento das famílias mais pobres e das áreas rurais,
contribuindo principalmente para a redução da pobreza nas regiões mais precárias do país”.
(MAIA et al, 2009).
48
Os autores analisam os impactos dos rendimentos das aposentadorias sobre a desigualdade de
renda e pobreza no Brasil. A partir da segregação das famílias entre rurais e urbanas, se vê a
influência das aposentadorias e pensões sobre as famílias mais pobres e localizadas em
regiões mais privadas de recursos. Possuindo como referência a ampliação dos benefícios
trazida pela Constituição de 1988, como a âncora dos benefícios no salário mínimo e o acesso
dos idosos com renda inferior a ½ salário mínimo aos benefícios previdenciários, a análise é
feita para os anos de 1995 e 2006 baseando-se nos dados da PNAD e a linha de pobreza nas
sugestões do Relatório do Desenvolvimento Mundial. Assim, há um diagnóstico do impacto
da parcela dos rendimentos de aposentadoria e pensão no total da renda das famílias e sua
responsabilidade em tirar famílias de condição de pobreza.
A metodologia utilizada divide as famílias em urbanas e rurais e são divididas novamente
quanto à sua renda per capita considerando todas as formas de rendimento. Após esse
procedimento, as famílias são divididas entre aquelas que possuem algum aposentado na
família e aquelas que não possuem. Segundo dados apresentados, sete de cada dez brasileiros
com rendimento proveniente de aposentadoria ou pensão dependiam exclusivamente desta
forma de renda, em que uma parcela considerável continua inserida no mercado de trabalho
como ocupados ou desempregados. Também, parcela predominante tem nos rendimentos
provenientes de aposentadoria ou pensão sua fonte exclusiva de renda pessoal. O trabalho
associado ao recebimento do beneficio previdenciário é menor entre os aposentados que
fazem parte de famílias com renda familiar per capita mais baixa, enquanto a maior incidência
do desemprego é entre os aposentados e pensionistas de baixa renda (MAIA et al, 2009).
Destaca-se a importância da renda proveniente de aposentadorias e pensões nas famílias de
baixa renda, em que essa renda corresponde a cerca de 2/3 da renda total familiar. Assim, caso
não houvesse esse rendimento a vida das famílias estaria comprometida. A desvinculação do
piso da aposentadoria e pensão do salário mínimo provavelmente também causaria impactos
negativos na vida dos beneficiários, principalmente os que se concentram nas camadas mais
baixas de rendimento, em que cerca de 50% dos aposentados e pensionistas urbanos auferiam
ate o salário mínimo, esse patamar ficando em 92% para os domicílios rurais (MAIA et al,
2009).
49
Tabela 7 – Contribuição do Rendimento de Aposentadoria ou Pensão para o Rendimento Familiar segundo Situação do Domicílio e Renda Familiar Per Capita
Menos de 1/2
De 1/2 a menos de
1
De 1 a menos de
2
De 2 a menos de
3
De 3 a menos de
5
De 5 a menos de
7
De 7 a menos de
10
De 10 ou mais
Total
Urbano 66,1 53,3 52,6 49,3 45,4 44,1 40,8 26,7 50,9 Rural 62,5 49,7 49,1 49,6 28,6 25,0 49,8 3,6 49,5 Total 65,2 52,5 52,0 49,3 44,6 43,6 41,0 24,8 50,7
Fonte: MAIA et AL, 2008, p.6
A tabela 7 mostra que quanto maior a renda familiar per capita, menor a contribuição das
aposentadorias e pensões para essa situação. Diferentemente, a contribuição das
aposentadorias e pensões na renda das famílias com rendas menores é proeminente. Observa-
se que a contribuição das aposentadorias na renda das famílias é maior na área urbana do que
na rural.
As famílias que possuem aposentados têm uma parcela maior da população acima da linha de
pobreza do que as famílias que não têm aposentados, assim, as aposentadorias contribuem
para eliminar um grande número de famílias das condições de pobreza. Observa-se que nas
áreas rurais esse impacto é mais intenso e que houve aumento da renda das aposentadorias e
pensões no total de renda das famílias (justificado pelo ganho do salário mínimo no período).
É realizada uma simulação para mensurar o impacto das aposentadorias e pensões para
reduzir a pobreza: considerando que em 2006, 21% da população urbana e 49,5% da
população rural se encontravam abaixo da linha de pobreza, caso não houvesse os
rendimentos previdenciários estas porcentagem passariam para 32% e 63%, respectivamente
(MAIA et al, 2008).
As aposentadorias e pensões cumprem importante papel na renda das famílias brasileiras, e a sua participação na renda das famílias brasileiras aumentou, em detrimento da renda proveniente do trabalho, correspondendo a cerca de 20% do total em 2006 [...] Aumentou principalmente a importância dos rendimentos de aposentadorias e pensão nas áreas rurais, onde houve uma substancial queda da renda proveniente do trabalho. (MAIA et al, 2008, p.7-10).
No início da década de 90, com a ascensão de Collor ao poder e os princípios neoliberais, há
uma tendência a desconstrução dos pilares da seguridade social, a proteção do indivíduo
perante a sociedade. No entanto, felizmente, o Brasil não adotou o mesmo caminho que países
latino-americanos, mantendo o sistema de proteção social público. Utilizando dados de 1997,
50
a ANFIP apud Vianna (2004), revelou que o salário mínimo da aposentadoria retira da
condição de pobreza milhões de municípios brasileiros, existindo municípios que tem sua
economia movimentada basicamente através desses recursos.
Dessa forma, segundo Vianna (2005),
A Previdência Social contribui, ademais, no combate à pobreza, promovendo inclusão social. Encontra-se numa publicação oficial a seguinte afirmação ‘a redução dos níveis de pobreza durante a década de 90 ocorreu, fundamentalmente, a partir da combinação da estabilização econômica com o aumento das transferências de recursos da Previdência Social’. Em 1999, 34% dos brasileiros vivam abaixo da linha de pobreza; se não fosse a Previdência seriam 45,3%. Ou seja, 18,1 milhões de pessoas deixariam de ser pobres por causa da Previdência Social.
A autora também destaca a importância dos benefícios de caráter não contributivo da
seguridade social, em que estes atuam sobre a pobreza e na redução das desigualdades.
Exemplo desse aspecto é o impacto da Previdência Rural quanto à redução da pobreza no
campo. Outro ponto, é que a pobreza no Brasil não é idosa, em que apresenta índices de
pobreza inferiores às demais idades, sendo justificado pela renda que fazem jus de
aposentadorias e pensões e dada a alta cobertura desse sistema. No entanto, em longo prazo, o
sistema previdenciário que beneficia segmentos da população idosa de baixa renda não tem
estado na agenda governamental, sendo substituído por políticas sociais como Bolsa Família,
com caráter de curto prazo (VIANNA, 2005).
O presente trabalho buscou as diferentes fundamentações teóricas que sustentam o objetivo da
Previdência Social e seu uso para fins distributivos. Por estar inclusa no conceito de
seguridade social, a Previdência abre possibilidades para ser utilizada para fins de
redistribuição de renda. O questionamento da efetividade da mesma para tal fim é que foi
exposto através do posicionamento de diversos autores, que se complementam ou mesmo se
contradizem. Há argumentos que defendem o uso da Previdência para tal fim, a partir do
momento que se constata através de dados que a mesma reduz a pobreza; outros argumentos
enfatizam que a Previdência Social reduz a pobreza, mas de forma ineficiente, em que outras
políticas sociais cumpririam esse objetivo atingindo melhores resultados. No entanto, o que se
observa é que nos últimos anos, a política previdenciária tem perdido espaço para as políticas
assistenciais desvinculadas do salário mínimo, reduzindo o papel da Previdência como
instrumento de distribuição de renda no país, principalmente entre os idosos.
51
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho foram abordados aspectos referentes à distribuição de riquezas no país,
expondo o período da segunda metade do século XX e a primeira década do século XXI.
Diagnosticou-se que, apesar de possuir uma desigualdade de renda acentuada a qual atravessa
séculos, o Brasil coloca-se como uma nação que possui recursos o suficiente para retirar da
pobreza parte considerável de sua população. Mesmo com o crescimento econômico
acentuado durante uma parte considerável da segunda metade do século XX, a partilha dos
ganhos com esse crescimento não foram realizadas de forma eficiente, como refletido na
estabilidade dos indicadores sociais do período.
Nos anos 60 o maior impacto da desigualdade foi sobre a classe média, nos anos 70 com o
crescimento econômico e a luta dos sindicatos por melhores salários, a concentração de renda
diminuiu o seu ritmo. Já nos anos 80 o contexto mudou consideravelmente, aconteceu a crise
da dívida externa, aumentaram os índices inflacionários e a dívida pública. Nos anos 80 a
instabilidade era algo inevitável, dado esse contexto. Nos anos 90 implanta-se o Plano Real, a
amenização da inflação suaviza a concentração de renda. Mesmo assim, o Brasil chegou ao
século XX com um dos piores índices de distribuição de renda do mundo.
Na primeira década do século XXI surgiram sinais de um novo caminho a ser trilhado. Houve
aumento da velocidade da queda do índice de Gini quando comparado a outros países, apesar
do índice ainda se encontrar em um patamar elevado. Políticas sociais associadas a políticas
econômicas de curto prazo foram importantes como contribuintes dessa nova perspectiva. É
imprescindível manter esse caminho, a fim de que haja evolução no quadro social marcado
pela injustiça e exclusão. Nesse contexto, é importante manter os recursos da Previdência e
reduzir a pobreza, concomitantemente tentando manter a harmonia com os princípios fiscais.
Assim, mesmo com a evolução benéfica que ocorre nesse período recente, é importante a ação
de políticas sociais. É nesse âmbito que a Previdência Social se encaixa como um possível
instrumento para tal. Como um conceito inserido no âmbito da seguridade social, a
Previdência teve seus princípios consolidados na Constituição de 1988 e consagrou-se como
universalista, vinculada ao salário mínimo e de caráter contributivo. Na seguridade social as
necessidades primam sobre as contribuições, dessa forma, a Previdência assumiu um
52
importante papel de provedora de recursos aos idosos e àqueles sem condições de inserção no
mercado de trabalho durante as últimas décadas.
Por outro lado, outros autores defendem que a potência da Previdência com redutora das
desigualdades é limitada, há limites quanto ao seu financiamento e cobertura universal dado
que seus contribuintes são restritos. Nesse contexto, é que se desenvolveram opiniões
divergentes no que tange ao uso da Previdência para tal fim, constituindo um debate que está
longe de finalizar-se.
Pode-se dizer, que muito mais que um simples seguro, para que a Previdência assuma um
caráter de política social, ela deve manter suas características: solidariedade inter e
intrageracional, universalista e piso atrelado ao salário mínimo. Caso algum desses elementos
sejam desconsiderados corre-se o risco de se perder o fim redistributivo da Previdência
Social. Levando-se em conta que nos últimos vinte anos houve uma progressiva redução da
desigualdade social brasileira, é possível afirmar que a Previdência desempenhou um
importante papel nesse contexto, dado que sua ampliação aconteceu basicamente a partir da
década de 90 e após sua consagração na Constituição de 1988. Dessa forma, considerar
apenas o princípio contributivo da Previdência e supervalorizar seu aspecto fiscal, deixando
de lado o universalismo e seu uso como uma política de distribuição de renda, é retroagir no
tempo, desperdiçar os avanços obtidos nos últimos anos, colocando os interesses do capital
acima dos interesses sociais.
53
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