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i mapaus V mapaus master in programmazione di ambienti urbani sostenibili Università degli Studi di Ferrara (Italia) Università della Calabria (Italia) Università degli Studi di Trento (Italia) Pontificia Università Cattolica del Paranà (Brasil) Universidad de la Repubblica (Uruguai) Experiência de Planejamento e Projetação em Caia - Moçambique Renata Satiko Akiyama Ferrara-FE, Dezembro de 2007

ma paus - Master EcoPolis · instrumentos de gerenciamento do ambiente urbano. O segundo capítulo é dedicado à descrição e à análise do Distrito e da Vila de Caia. Uma região

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mapaus master in programmazione di ambienti urbani sostenibili Università degli Studi di Ferrara (Italia) Università della Calabria (Italia) Università degli Studi di Trento (Italia) Pontificia Università Cattolica del Paranà (Brasil) Universidad de la Repubblica (Uruguai)

Experiência de Planejamento e Projetação em Caia -Moçambique

Renata Satiko Akiyama Ferrara-FE, Dezembro de 2007

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mapaus master in programmazione di ambienti urbani sostenibili Università degli Studi di Ferrara (Italia) Università della Calabria (Italia) Università degli Studi di Trento (Italia) Pontificia Università Cattolica del Paranà (Brasil) Universidad de la Repubblica (Uruguai)

Experiência de Planejamento e Projetação em Caia -Moçambique

Tese de post-laurea do Master Internacional em Programazione di Ambienti Urbani Sostenibili, coordenado pelo professor Geanfranco Franz, do Departamento de Economia da Universidade de Ferrara.

Renata Satiko Akiyama Ferrara-FE, Dezembro de 2007

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“Rapid urbanization, especially in the less developed countries, requires careful analysis, bearing in mind that the definition of ‘urban’ and ‘urbanization’ are often inadequate to describe the generally spontaneous expansion of urban settlements. (…) The dominant trend in Mozambique is the ‘ruralization’ of cities and towns.”

Maria dos Anjos Rosário, Presidente da Associação Moçambicana

para o Desenvolvimento Urbano

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SUMARIO

INTRODUÇAO ..................................................................................................... 1

1 CONTEXTO URBANO DE MOÇAMBIQUE........................................................... 2 1.1 Diferenças entre urbano e rural .................................................................... 3 1.2 A estrutura urbana e o processo de urbanização de Moçambique ...................... 6 1.3 Os movimentos migratórios e a distribuição da população na área urbana.......... 8 1.4 Gerenciamento do Ambiente Urbano ............................................................. 9

2 O DISTRITO DE CAIA................................................................................... 11 2.1 Características Gerais ................................................................................ 12 2.2 Organização espacial da Vila de Caia ........................................................... 19 2.3 Oportunidades e desafios do Distrito de Caia ................................................ 22

3 EXPERIENCIA DE PLANEJAMENTO E PROJETAÇAO NA VILA DE CAIA........... 26 3.1 A área de interesse ................................................................................... 26 3.2 As recomendações do Plano de Ordenamento Territorial ................................ 28 3.3 A requalificação urbana e o projeto do mercado............................................ 30 3.4 O processo participativo............................................................................. 40

CONCLUSAO...................................................................................................... 41

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 42

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INDICE DE FIGURAS

Figura 1 Divisão administrativa de Moçambique .................................................. 2 Figura 2 Cidade de Maputo ..................................................................................... 4 Figura 3 Vilas na Província de Sofala ........................................................................ 4 Figura 4 Área de transição da Cidade de Beira........................................................... 5 Figura 5 Esquema representativo da estrutura urbana no período colonial .................... 6 Figura 6 Esquema representativo da estrutura urbana nos dias de hoje........................ 8 Figura 7 Localização da Vila de Caia – mapa de distritos, imagem satélite, hipsometria .11 Figura 8 Hidrogeologia do Distrito de Caia ...............................................................12 Figura 9 Áreas úmidas, rios e lagos da Vila de Caia...................................................13 Figura 10 Desflorestamento na Vila de Caia entre 1999 e 2004 ..................................14 Figura 11 Comércio e Pesca ...................................................................................15 Figura 12 Escolas e Postos de Saúde da Vila de Caia.................................................17 Figura 13 Vias de Comunicação da Vila de Caia ........................................................18 Figura 14 Abastecimento de Água da Vila de Caia.....................................................19 Figura 15 Resíduos Sólidos ....................................................................................19 Figura 16 Núcleo Urbano Português no centro de Caia...............................................20 Figura 17 Bairros e Regulados da Vila de Caia ..........................................................21 Figura 18 Estação Ferroviária da Vila de Caia no início do século XX............................26 Figura 19 Esquema representativo da nova centralidade e integração da Vila de Caia ...27 Figura 20 Zonas de expansão residencial POTU 2006 ................................................27 Figura 21 Mapa de Propostas do Plano de Ordenamento Territorial Urbano 2006 e a

localização da área do projeto..........................................................................29 Figura 22 Mercado do Centro – vista da fachada externa e interna .............................30 Figura 23 Mercado do Centro – vista interna do mercado...........................................31 Figura 24 Mercado do Centro – vista dos corredores laterais ......................................31 Figura 25 Mercado das Calamidades – vista geral .....................................................31 Figura 26 mercado de Cima – vista das barracas de exposição ...................................32 Figura 27 Imagens dos mercados de Caia – Central, Calamidades e de Cima ...............32 Figura 28 Mercado do Rio Pungue...........................................................................33 Figura 29 Mercado de Sena....................................................................................33 Figura 30 Mercado de Marromeu ............................................................................34 Figura 31 Projeto de Expansao A1/1 antes e depois modificação dos limites da escola...37 Figura 32 Mapa da Proposta Urbana........................................................................38 Figura 33 Implantação do novo Mercado .................................................................39 Figura 34 Modelos de barracas do novo Mercado ......................................................39 Figura 35 Reunião com Conselho Consultivo – Comentários administrador e conselheiros

....................................................................................................................40

INDICE DE TABELAS

Tabela 1 Taxa de Crescimento em Moçambique......................................................... 8 Tabela 2 População por gênero da Província de Sofala - 2007 ....................................15 Tabela 3 População do Distrito de Caia por Posto Administrativo e gênero - 1997 .........16 Tabela 4 Oportunidades e Desafios da Vila de Caia ...................................................23 Tabela 5 Modelo para a pesquisa de edificações .......................................................35 Tabela 6 Pesquisa de Campo..................................................................................36 Tabela 7 Tabela de Usos do novo Mercado ...............................................................38

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INTRODUÇAO

Em junho de 2001 as províncias de Trento-Itália e Sofala-Moçambique assinaram um acordo de cooperação para desenvolver os laços de amizade entre os dois territórios, iniciado desde a presença de numerosos missionários italianos no país africano. Conjuntamente, propunham individualizar um modelo de desenvolvimento que valorizasse os princípios familiares e solidários e privilegiasse uma economia na qual o horizonte do bem-estar (dimensão unicamente quantitativa) fosse medido pelo estar-bem (dimensão qualitativa).

Dentro os diversos projetos de cooperação, coordenados pelo Consórcio Associações com Moçambique – CAM, está o projeto de desenvolvimento territorial e planejamento urbanístico, que aprovou em novembro de 2006 o Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização da Vila de Caia – POTU e enviou em agosto de 2007 uma missão para a Vila de Caia, no âmbito do programa de cooperação descentralizada denominado ‘Il Trentino in Mozambico’1.

A missão de agosto 2007 foi coordenada pelo professor titular da Universidade de Trento – Itália, arquiteto Corrado Diamantini, supervisionada pela coordenadora do programa em Moçambique, Franscesca Luchi, e a coordenadora do programa na Itália, Maddalena Parolin, e acompanhada pelo engenheiro do CAM, Massimiliano Zandomeneghi. Colaboraram com a missão a arquiteta Cristina Mattiucci, doutoranda da Universidade de Trento e, a arquiteta Renata Satiko Akiyama, especializanda do Master Internacional Programação do Ambientes Urbanos Sustentáveis da Universidade de Ferrara.

A missão tinha como objetivos a realização de uma proposta de reurbanização da nova área central da Vila de Caia, de acordo com o Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização, e a condivisão de uma proposta arquitetônica do novo Mercado Público. O período de realização das atividades em Moçambique foi de 14 de agosto de 2007 a 24 de agosto de 2007. Este trabalho apresenta as experiências de planejamento e projetação realizadas na Vila de Caia neste período.

A fim de possibilitar a compreensão global da realidade socioeconômica e urbana da Vila de Caia, o primeiro capítulo introduz o contexto urbano de Moçambique, caracterizando as diferenças entre o urbano e o rural, a estrutura urbana e seu processo de formação, a influência particular dos processos migratórios na dinâmica urbana e analisando os instrumentos de gerenciamento do ambiente urbano.

O segundo capítulo é dedicado à descrição e à análise do Distrito e da Vila de Caia. Uma região que sofre forte influência das cheias do rio Zambeze e que, contemporaneamente, recebe grandes infra-estruturas de transporte que transformarão a realidade local e nacional. Finalmente, o terceiro capítulo relata as atividades e metodologias realizadas na Vila de Caia para o projeto de reurbanização da nova área central e do novo Mercado Municipal.

1 O Trentino em Moçambique.

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1 CONTEXTO URBANO DE MOÇAMBIQUE

Localizado a sudeste do continente africano, Moçambique faz fronteira com Tanzânia, Malawi, Zâmbia, Zimbábue, Swaziland, República da África do Sul e Oceano Índico. Administrativamente, seu território é dividido em 11 províncias: Niassa, Cabo Delgado, Nampula, Zambésia, Tete, Manica, Sofala, Gaza, Chimoio, Inhambane e Maputo. A capital Maputo localiza-se no extremo sul do país, na província de mesmo nome.

Moçambique é favorecido por sua posição geográfica que lhe confere 2470 Km de costa. Seu território de 799.509 Km2 de área apresenta médias altitudes e é percorrido por 9 rios principais, dos quais se destaca o rio Zambeze, terceiro maior rio africano que atravessa o país de oeste a leste.

Figura 1 Divisão administrativa de Moçambique

No período colonial a Vila de Caia era denominada Vila Fontes.

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Ex-colônia de Portugal, tem como língua oficial o português, porém convive com idiomas e culturas de 60 grupos éticos. Estimativas do Censo Demográfico de 2007 indicam uma população de 20 milhões de habitantes, dos quais 7 milhões (36% da população total) vivem em áreas urbanas. Nas áreas urbanas, 75% da população vive em assentamentos informais (UN-HABITAT 2008, p.07) e 45% vive em níveis absolutos de pobreza (ROSARIO 2006, p.186).

Moçambique tornou-se independente em 1975 e depois de 16 anos de conflito civil armado entre FRELIMO (Frente de Libertação Nacional) e RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) assinou o acordo de paz em Roma. Desde então, tem presenciado um crescimento anual superior aos 8% (IDA 2007, p.1), o maior índice registrado entre os países africanos importadores de petróleo. O governo tem promovido a liberalização da economia, a descentralização de tomada de decisões e o investimento em infra-estruturas. Mesmo assim, Moçambique é um dos países mais pobres do mundo, há graves deficiências na prestação de serviços e no fornecimento de infra-estruturas, dificuldades na redução das desigualdades sociais e no combate a disseminação do vírus HIV/AIDS. Moçambique está em 172º lugar de 177 paises no ranking do IDH mundial e tem mais de um terço da sua população vivendo com menos de 1 USD por dia (PNUD 2007, p.186).

Com a independência e o fim da guerra civil, as cidades moçambicanas passaram a receber grandes levas de migrantes das áreas rurais em busca de empregos e acesso à educação e à saúde. O maciço movimento da população, entretanto, não foi acompanhado por investimentos em infra-estruturas e serviços urbanos. Nas cidades, as estruturas existentes se deterioraram, proliferaram-se as atividades informais e os assentamentos espontâneos. As rápidas mudanças dificultam o planejamento e as condições de vida da população pioram.

A propriedade de terras pertence unicamente ao Estado. O acesso da população a elas é garantido pela constituição de 1990 e pela Lei de Terras de 1997, que asseguram o direito de todo o individuo a permanecer em um terreno no qual habite por mais de 10 anos. Se por um lado a política de acesso a terras demonstra-se humana e democrática, por outro favorece aos assentamentos informais. A informalidade dos assentamentos dificulta o planejamento e o gerenciamento do solo, refletindo perigosamente sobre a população, vulnerável a enchentes e desprovida de infra-estruturas e serviços, bem como sobre o meio ambiente por meio da erosão do solo, corte da vegetação, falta de gerenciamento de resíduos e recursos naturais.

As grandes cidades estão localizadas próximas à costa: Maputo, Beira, Nampula, Quilimane, Nacala. A maioria dos demais centros urbanos é de pequena e média dimensão, sendo que poucos apresentam influência além de seus limites imediatos. As províncias pertencentes aos corredores de exportação internacional formados antes da independência – Corredor de Maputo ao sul, Corredor de Beira ao centro e Corredor de Nacala a norte – apresentaram um desenvolvimento industrial e de transportes. Por outro lado, os demais centros urbanos basearam suas economias no comércio e na agricultura.

1.1 Diferenças entre urbano e rural

As diferenças entre o urbano e o rural em Moçambique, como em toda a África, são facilmente percebidas. Formam dois espaços que representam realidades opostas e que mesmo mantendo uma certa relação, caminham a velocidades desiguais decorrentes, entre outras razões, do processo de globalização e inserção acelerada de culturas e hábitos diferentes, e da incapacidade econômica, técnica e gerencial de acompanhar as bruscas alterações promovidas pelo intenso movimento migratório campo-cidade.

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A presença portuguesa nos centros urbanos, desde o período colonial, acabou por influenciar com maior amplitude estas áreas que, destinadas ao controle administrativo, político e econômico, foram providas de infra-estruturas, serviços e atividades severamente diversos daqueles das áreas rurais. Embora as diferenças entre o urbano e o rural sejam notadas em todo o mundo, em Moçambique estes antagonismos são fortemente elevados e acabam por produzir espaços incompatíveis e realidades perversas.

Figura 2 Cidade de Maputo

Autor: Gonfio - Google Earth 2007

Os centros das grandes cidades refletem o modelo de urbanização colonial português. As ruas possuem uma implantação ortogonal, são largas e arborizadas. A setorização dos espaços é bem definida e tende a facilitar o escoamento da produção. As construções são em alvenaria e refletem as influências dos períodos da arquitetura européia. A infra-estrutura é centralizada e aqui se encontram com maior intensidade as atividades de comercio, prestação de serviços e indústria.

Figura 3 Vilas na Província de Sofala

Autor: Akiyama 2007

As áreas rurais e pequenas vilas são formadas por casas tradicionais de caniço (capim), barro e palha. Poucas são as construções que diferem deste padrão. Os assentamentos possuem uma disposição orgânica, mas com limites facilmente identificáveis por seus moradores. Pequenas construções ao redor do terreno voltadas para o centro, formam os ‘cômodos’ da casa e refletem a importância da convivência familiar. A infra-estrutura é praticamente inexistente e há o predomínio da agricultura de subsistência.

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Quando comparamos os espaços urbanos e os rurais de forma tradicional, ou seja, espaço urbano como aquele compreendido por uma determinada área administrativa, que concentra população, serviços e produção, e espaço rural como o espaço restante, as afirmações apresentadas são facilmente visíveis. Entretanto, tendo em vista o aumento considerável dos fluxos migratórios (campo-cidade) ocorridos nas últimas décadas em Moçambique, pode-se observar essas diferenças dentro do próprio espaço urbano. Este fenômeno tem sido classificado como ‘ruralização das cidades’. Sobre o tema, o Diretor do Centro de Estudos de População da Universidade Eduardo Mondlane em Moçambique, Manuel Mendes de ARAÚJO (2003, p.167), discorre:

“Quando em uma situação de espaços urbanos já criados, se assiste a um aumento considerável de fluxos humanos oriundos do meio rural, como aconteceu nos últimos anos em Moçambique e em muitos outros países de África subsahariana, a transferência cultural vem provocar situações de relações conflituosas e desiguais, provocando o surgimento de espaços segregados onde prevalecem, por bastante tempo, atitudes, hábitos e comportamentos rurais, dando origem a um fenômeno que, apesar de transitório, “ruraliza” os espaços urbanos, por muito polêmico que seja o termo.”

A população rural imigrada se instala nas ‘bordas’ das cidades, ou seja, nos limites externos da ocupação colonial, criando uma ‘zona de transição’ entre o meio rural e o meio urbano. Este espaço intermediário é caracterizado por uma ocupação informal do solo, desprovida de planejamento, infra-estrutura ou serviços. A população permanece com costumes rurais, praticando a agricultura e habitando em casas tradicionais, mas ao mesmo tempo estabelece relações econômicas e sociais com a cidade. A arquiteta e presidente da Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Urbano, Maria ROSÁRIO (2006, p.187), ressalta a informalidade das ocupações e das atividades econômicas desta população, além de denunciar a ausência de um planejamento para estas áreas.

“There are no plans to stablish new urban centers, nor to extend services in the current areas so as to widen the urban perimeter. The majority of city dwellers today continue to have rural habits. Without jobs in the formal sector, they maintain a traditional lifestyle and engage in all sorts of informal activity, avoinding all attempts at regulation. Hence the reality is the “ruralization” of the urban environment.”

Figura 4 Área de transição da Cidade de Beira

Fonte: Google Earth 2008

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Na busca de melhores condições de vida e possibilidades de trabalho, a população rural vem à cidade e acaba por deparar-se com situações tão precárias quanto àquelas do meio de origem. As diferenças entre a população imigrada e aquela residente nas zonas centrais são ainda maiores, alimentando a segregação imposta nos tempos coloniais. Sobre o mesmo tema, a professora da Universidade Técnica de Lisboa Isabel RAPOSO e a arquiteta Isabel SALVADOR (2003, p.36) acrescentam:

“A cidade urbanizada não cresceu, deteriorou-se, suburbanizou-se, depois pouco a pouco, mais cedo em Maputo foi-se reabilitando, assumindo a sua feição de cidade ocidentalizada. Os subúrbios esses cresceram sem parar, densificaram-se, de novas e muitas gentes vindas de muitas partes e de construções sem fim, estenderam-se devorando os campos adjacentes, encheram-se de muita azáfama, muitas relações, intenso tráfego, uma vida efervescente. Os padrões de vida dos seus habitantes afastam-se das referências rurais mas também não seguem as citadinas dos bairros centrais. As infra-estruturas urbanas e sociais são sobreutilizadas e muito desgastadas, os investimentos públicos são cada vez mais insuficientes e os recursos ínfimos da maioria da população mal lhes permite sobreviver. As poucas poupanças são investidas na casa, que constroem pouco a pouco, bloco a bloco.”

1.2 A estrutura urbana e o processo de urbanização de Moçambique

Em decorrência do processo de ocupação das cidades, a estrutura urbana alterou dos tempos coloniais aos tempos de hoje. Convivem no espaço urbano não apenas a ‘cidade de cimento’ e a ‘cidade de caniço’ dos tempos coloniais, mas surge uma nova zona, intermediária a estas duas.

Nos tempos coloniais as áreas urbanas eram marcadas pela dualidade entre a ‘cidade de cimento’: planificada, com infra-estruturas e serviços, composta por edifícios altos de materiais resistentes e ocupados por europeus; e a ‘cidade de caniço’: espontânea, desprovida de infra-estruturas e serviços, composta por casas baixas de materiais precários (palha, capim, barro, estacas) e ocupadas pela população negra. O desenho a seguir ilustra esquematicamente a disposição destas duas áreas.

Figura 5 Esquema representativo da estrutura urbana no período colonial

Com a independência de Moçambique as diferenças em termos de organização espacial, condições econômicas e sociais permaneceram dentro da área urbana. Contudo, uma

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terceira área se formou ao redor da antiga ‘cidade de caniço’, resultado do aumento dos limites administrativos das cidades2 e do recebimento da grande maioria dos imigrantes das áreas rurais. Pode-se então estabelecer a atual morfologia urbana como composta por uma área urbana (antiga ‘cidade de cimento’), por uma área suburbana (antiga ‘cidade de caniço’) e por uma área peri-urbana (novo anel de ampliação da cidade). (ARAUJO 2003, p.170)

A antiga ‘cidade de cimento’ deixou de ser ocupada somente pela população branca e sua infra-estrutura, sem manutenção ou ampliação, degradou-se. A implantação permanece ortogonal, a rede viária apresenta pavimentação deteriorada. Possui saneamento básico, energia elétrica, água potável e rede de comunicações. As construções coloniais alternam-se com novas construções e a atividade predominante é o comércio, serviços e poucas indústrias.

Na antiga ‘cidade de caniço’ as construções tradicionais passaram a serem substituídas por construções de materiais mais resistentes (blocos de argila queimados ou secos ao sol, zinco nos telhados). A ocupação do solo permaneceu com características informais, agravadas pelo aumento da densidade que dificulta a circulação e a implantação de infra-estruturas e serviços. É uma área destinada à habitação, normalmente de trabalhadores de baixa renda, mas que pode apresentar unidades industriais.

O novo anel de ocupação é o espaço de expansão da cidade, responsável por receber novos loteamentos e migrantes das áreas rurais e da própria área central da cidade3. As construções tradicionais se alternam com construções de material mais durável. Há deficiência no fornecimento de energia elétrica e saneamento básico. A circulação é dificultada pelas ocupações informais, que se alternam com a rede viária ortogonal dos loteamentos. Nesta área são presentes a atividade agrícola familiar e a criação de animais. “Encontra-se a maior percentagem de analfabetismo, os mais baixos níveis de escolaridade, de formação profissional, ou de nutrição e é aí que os rendimentos familiares e per capita são mais baixos e que as taxas de desemprego e de subemprego são maiores.” (RAPOSO E SALVADOR 2003, p. 38)

De maneira geral esta configuração pode ser aplicada para as grandes cidades e em menor intensidade para pequenas vilas. O desenho a seguir ilustra esquematicamente a disposição destas três áreas.

2 O aumento administrativo das cidades é decorrente da alteração, em termos legais, da classificação de áreas próximas aos limites urbanos que antes eram definidas como rurais. Por lei, engloba-se determinada porção de terra aos limites administrativos urbanos, podendo estas receberem loteamentos, infra-estruturas e serviços urbanos, assim como taxas e impostos. Em 1986 uma grande reestruturação administrativa nos limites urbanos foi realizada em Moçambique.

3 Residentes privilegiados do centro urbano constroem a segunda ou terceira residência, sem problemas de espaço ou conflitos para ocupar o território. Em uma hierarquia de costumes, o imigrante urbano tem preferências sobre os imigrantes das áreas rurais. (ARAUJO 2003, p.168)

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Figura 6 Esquema representativo da estrutura urbana nos dias de hoje

Ressalta-se que além da expansão territorial promovida nas áreas peri-urbanas, observa-se a densificação das áreas já existentes. Nos últimos anos, novas construções penetram nos interstícios da antiga ‘cidade de cimento’ e preenchem os espaços livres, ocupando zonas verdes e terrenos reservados para equipamentos sociais. A densificação da zona central, porém não ultrapassa aquela verificada nas zonas mais externas, onde o crescimento populacional é mais intenso.

1.3 Os movimentos migratórios e a distribuição da população na área urbana

O estudo do fenômeno urbano em Moçambique é baseado nos dados do Censo Demográfico de 1970, 1980, 1991 e 19974. Deve-se porém especificar que a comparação entre os dados dos censos fornece apenas uma visão aproximada dos movimentos migratórios, tendo em vista as modificações administrativas nos territórios, principalmente no que se refere ao ano de 1986, quando foi realizada uma grande redefinição dos limites urbanos.

Tabela 1 Taxa de Crescimento em Moçambique

ANOS TAXAS DE CRESC. ANUAL CIDADES

1970 1980 1991 1997 70-80 80-91 91-97 Pemba 3.629 41.166 66.352 84.897 27,5 4,4 4,2 Nampula 23.072 145.772 232.670 303.346 20,2 4,3 4,5 Nacala 4.601 75.038 125.208 158.248 32,2 4,8 4,0 Quelimane 10.522 60.151 145.398 150.116 19,1 8,4 0,5 Beira 46.293 214.613 294.197 397.368 16,6 2,9 5,1 Inhambane 4.975 56.439 70.892 52.370 27,5 2,1 12,8 Matola/ Maputo 101.754 755.300 1.209.015 1.391.499 22,3 4,4 2,4

Fonte: Censos Demográficos – Instituto Nacional de Estatísticas INE

4 Em 2007 foi realizado um novo Censo Demográfico em Moçambique, este porém não se encontra completamente disponível.

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Entre os anos de 1970 e 1997, podem-se estabelecer três períodos de grande mobilidade da população vinculados a fatores históricos e políticos: período de pós-independência; período de guerra; e período de pós-guerra civil.

Em 1975 ocorreu a independência nacional e com a desocupação das áreas urbanas por parte dos colonos, um grande fluxo migratório de moçambicanos dirigiu-se para as cidades. A população colona, estimada em 40% do total urbano, ocupou a ‘cidade de cimento’ e os eixos rodoviários de saída das cidades. Estas áreas passaram a receber moçambicanos vindos da ‘cidade de caniço’ ou da área rural. Entre 1970 e 1980 a população urbana aumentou rapidamente e a taxa de crescimento médio anual ultrapassou os 20% na maioria das grandes cidades. ARAÚJO (2003, p.175) complementa:

“Durante este período não houve ampliação das infra-estruturas existentes, nem construção de novas. Ao contrario, a pressão sobre elas exercida por um numero tão grande de pessoas, levou à sua rápida degradação. (...) A ‘cidade de caniço’, na área suburbana, cresceu muito e densificou de tal forma a ocupação do solo que a circulação viária deixou de ser possível, assim como dificultou ou impossibilitou a construção de infra-estruturas básicas. A ‘cidade de cimento’, ocupada por uma população muito superior àquela que as suas infra-estruturas e tipo de residências permitiam, entrou, rapidamente, num acelerado processo de degradação residencial e infra-estrutural.”

Entre os anos de 1980 e 1991 ocorreu a fase mais intensa da guerra civil. A população deslocou-se para as áreas urbanas em busca de refúgio seguro. Foi neste período que se evidenciou o fenômeno de ‘ruralização’ das áreas mais periféricas das cidades e a ocupação dos espaços vazios das áreas centrais urbanas. O taxa de crescimento anual observada neste período, embora muito inferior àquela dos anos de 70 a 80, ainda abrangiam a presença dos fluxos migratórios. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas o crescimento natural da população não ultrapassou os 2,2%, enquanto as taxas médias de crescimento da população para o mesmo período eram de 4,6%. Os maiores fluxos migratórios eram destinados às cidades mais próximas aos conflitos armados. Sobre o período ROSÁRIO (2006, p.1879 relata:

“Urban development (em Moçambique) is caracterized by an increase in residential density in both the inner cities and the periphery, with the result that the basic service infrastructure is vastly overloaded. The unplanner growth of the peri-urban areas is complicated by the absence of land-use planning mechanisms and tools. Consequently, the majority of the urban population live in areas without access to social infrastructure and facilities and in precarious houses with no security of land tenure. In 1980, these areas represented approximately 60% of the total urban residential area and their population was 50% of the total urban population.”

O período de pós-guerra civil, entre 1991 e 1997, foi afetado por catástrofes naturais relacionadas principalmente a enchentes, mas de maneira geral, o crescimento demográfico urbano parece retomar o ritmo natural. Muitas cidades apresentaram a mesma taxa de crescimento médio anual do período anterior, como è o caso de Maputo/Matola. Algumas cidades que no período anterior receberam poucos imigrantes, apresentaram, entre 1991 e 1997, as maiores taxas de crescimento. Neste período as áreas peri-urbanas sofrem as maiores transformações.

1.4 Gerenciamento do Ambiente Urbano

As novas ocupações no ambiente urbano, devido a sua informalidade e a sua recente implantação, não são previstas nos Planos Urbanos Coloniais. A ausência de um controle ou planejamento já estabelecido para estas áreas delega-as sobre a responsabilidade do

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governo municipal. Os municípios porém, apresentam pouca ou nenhuma capacidade administrativa ou técnica para lidar com estas áreas.

A falta de técnicos qualificados é uma das principais dificuldades para a elaboração e implantação de políticas (entre outras) urbanas. O relatório do perfil urbano de Moçambique, produzido pelas Nações Unidas em 2008, complementa “Inadequate training, low salaries and huge workloads continue to make some of these institutions understaffed and underqualified”.

A arrecadação municipal é pouco expressiva, o que determina a baixa qualidade dos serviços prestados, a falta de planejamento e a carência técnica. Embora os municípios tenham a responsabilidade de fornecer serviços urbanos, pouco arrecada por eles. As taxas sobre o uso da terra e serviços dificilmente alcançam mais de 40% dos recursos necessários previstos no orçamento anual do município (UN-HABITAT 2008, p. 7).

Somado à forte dependência dos municípios ao governo nacional e a sua baixa capacidade financeira e técnica, o processo de acesso legal à terra é longo e pouco claro. A terra é propriedade do governo, que concede o direito de uso por meio de um processo de 103 etapas (UN-HABITAT 2008, p. 14). A burocracia e a falta de transparência facilitam a ocorrência de informalidades e de um mercado paralelo de terras. Segundo ROSÁRIO (2006, p.190) a questão do gerenciamento do ambiente urbano nas cidades moçambicanas é particularmente difícil devido à existência paralela de dois sistemas socioeconômicos que às vezes apresentam necessidades e interesses contraditórios. Em uma visão ainda mais pessimista, complementa (ROSARIO 2006 p. 187):

“There is a lack of criteria for urban planning and spread of urban settlements. No rules exist for urbanization and for arranging human settelments in a hierarchy. There is no clear idea of how to deal with areas of spontaneous occupation.”

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2 O DISTRITO DE CAIA

O Distrito de Caia localizado na província de Sofala, região central de Moçambique, possui uma superfície plana de 3.477Km2, e faz divisa a Nordeste com o rio Zambeze, ao Sul com o rio Zangue, o distrito de Marromeu e o distrito de Cheringoma, e a Oeste com os distritos de Chemba e Maringué.

O distrito é composto por três unidades administrativas: Sena, Caia Sede e Muraça, com um total de 115.455 habitantes e uma densidade de 33,2 hab/Km2, de acordo com o Censo Demográfico de 2007. A Vila de Caia, na qual o projeto foi realizado, pertence à localidade administrativa de Caia Sede, e possui 11.335 habitantes5.

Figura 7 Localização da Vila de Caia – mapa de distritos, imagem satélite, hipsometria

Fonte Base: Wikipedia 2008 (adaptado)

5 Resultado final não oficial divulgado pelo responsável do Censo no Distrito de Caia em agosto de 2007.

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2.1 Características Gerais 2.1.1 Administração e Organização Social

A Vila de Caia é a unidade administrativa do Distrito de Caia com a maior dimensão territorial, nela se encontra a sede administrativa de todo o distrito. Por sua posição estratégica, ao longo do corredor de transportes Beira-Malawi (EN1- Estada Nacional 1) e às margens do rio Zambeze, Caia era destinada a ser capital do país. A intensa guerra pós-independência, sobretudo na província de Sofala, fez com que fosse escolhida Maputo, antiga Lourenço Marques (MOÇAMBIQUE 2006, p.4).

O governo distrital é denominado Administrador do Distrito e sob sua coordenação estão as Direções Distritais da Agricultura e desenvolvimento rural; de Obras públicas e habitação; da Saúde; da Educação; da Indústria; do Comercio e turismo; das Finanças; da Mulher e coordenação da ação social; da Cultura e juventude; da Cultura e esporte. Aliados ao poder público estão os responsáveis de zona, que representam os poderes tradicionais locais e são denominados “sapandas”, “Nfumos” e chefes de vilas.

Além do poder tradicional existe, a organização da comunidade em Caia é baseada na União Distrital dos Agricultores de Caia, em 21 entidades religiosas das quais predomina a católica, e na presença várias de organizações internacionais.

2.1.2 Ambiente

O clima da região é de tipo subtropical, caracterizado pela presença de uma estação chuvosa e com temperaturas elevadas (novembro a abril) e uma estação seca e relativamente fresca (maio a outubro). A temperatura média máxima é de 37°C e a temperatura média mínima é de 19°C. As precipitações anuais médias oscilam entre 800 mm e 1200 mm.

Devida a sua localização na Bacia do rio Zambeze apresenta um relevo de planície, com a presença de aqüíferos produtivos e solo de origem fluvial de alta fertilidade. No território ainda se encontram solos do tipo arenoso e solos argilosos. A figura a seguir localiza os solos e as águas superficiais nas três unidades administrativas do distrito.

Figura 8 Hidrogeologia do Distrito de Caia

Fonte: MOÇAMBIQUE 2006 adaptado

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A presença das sub-bacias do rio Zangue, Mapuze e Nehangue, proporcionam a presença de diversos corpos hídricos, como meandros, lagoas e zonas pantanosas. A dimensão desses elementos varia constantemente em função da precipitação, do nível higrométrico e das estações do ano.

A maior parte da área urbana da Vila de Caia assenta-se em um ponto de cota superior, o que lhe confere uma proteção contra as grandes cheias do rio Zambeze. Entretanto, estão espalhadas na área urbana diversas zonas úmidas perenes e intermitentes, influenciadas principalmente pelo rio Zangue e pelo lençol freático de tipo superficial. Estas zonas impedem a construção de novas residências, mas criam pequenos ecossistemas que proporcionam a atividade de agricultura.

As inundações provocadas pela cheia do rio Zambeze são freqüentes e afetam muitos habitantes da bacia hidrográfica. A fragilidade das construções tradicionais e a falta de planejamento nos assentamentos favorecem grandes calamidades. Na Vila de Caia foi realizado um estudo das áreas de risco para os períodos de 25, 30 e 35 anos. Por meio deste estudo apresentado na figura a seguir, observa-se a fragilidade de algumas construções presentes na área de maior risco (enchentes a cada 25 anos).6

Figura 9 Áreas úmidas, rios e lagos da Vila de Caia

Fonte: MOÇAMBIQUE 2006 (adaptado)

Com relação à vegetação, na Vila de Caia encontramos poucas áreas remanescentes localizadas principalmente a nordeste, nas proximidades da ER1, e no limite oeste da vila. Observando a figura a seguir, que apresenta o desflorestamento ocorrido entre 1991 e

6 Destaca-se contudo, a ausência de dados e mapeamentos anteriores a 1990.

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2004, nota-se um rápido consumo das áreas verdes. O desflorestamento acelerado pode ser explicado pela criação de novos loteamentos em áreas afastadas do centro (DAF e Amílcar Cabral); pelo uso da madeira para usos domésticos; pela ampliação das áreas de cultivo (machambas); e pela a cultura local de ‘limpar’ o terreno de qualquer tipo de vegetação para evitar a presença de animais e insetos perigosos. Esta prática levou ao corte de várias árvores, que segundo os moradores atraem cobras venenosas. No terreno é possível encontrar apenas poucos exemplares de árvores frutíferas para uso familiar ou para o comercio.

Figura 10 Desflorestamento na Vila de Caia entre 1999 e 2004

Fonte: MOÇAMBIQUE 2006 (adaptado)

2.1.3 Economia

Caia è um distrito fundamentalmente agrícola, com cerca de 90% da produção proveniente de cultura familiar. Indústrias como a Companhia Nacional do Algodão e a Textafrica dedicam-se apenas à cultura do algodão. As maiores produções são: algodão, girassol, milho, arroz, feijão, amendoim e hortaliças. A precariedade das técnicas de cultivo (agricultura de queimada e rotação), a ausência de instrumentos adequados (tratores, irrigadores, utensílios agrícolas entre outros), a dificuldade de escoamento e comercialização do excedente agrícola e a falta de grãos e capital, dificultam o desenvolvimento do setor. Associado a estas barreiras, ainda nota-se a presença de animais predadores (como o hipopótamo) e as queimadas não controladas.

A pesca artesanal è uma importante fonte de renda familiar, sendo realizada nos rios Zambese e Zangue. Uma das dificuldades enfrentadas pelos pescadores é a presença de um grande numero de crocodilos, que destroem as redes e atacam os pescadores. Devido aos altos custos da criação de bovinos, é expressivo o pastoreio de cabras com custos mais acessíveis à tradição familiar. O distrito apresenta ainda a criação de ovinos.

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A atividade comercial é pouco expressiva devido às dificuldades de estocagem, circulação dos produtos e a ausência de uma rede de comercialização organizada. O transporte das mercadorias ocorre com freqüência sobre bicicletas e em cestos sobre a cabeça. A venda é informal e ocorre com freqüência ao longo das rodovias e em mercados de precárias barracas. A Vila de Caia possui quatro mercados, sendo dois regulares (Mercado Central, Mercado das Calamidades) e dois informais (Mercado de Chirimba e Mercado do Rio Zambese).

Figura 11 Comércio e Pesca

Autor: Akiyama 2007 – Mercado Central de Caia / Rio Zambeze

2.1.4 Sociedade

De acordo com o Censo Demográfico 2007, Caia é o sétimo distrito de Sofala em termos de números de habitantes, representando 6,98% da população distrital. Possuía em 2007, 115.455 habitantes, dos quais 54.488 são homens e 60.967 são mulheres.

Tabela 2 População por gênero da Província de Sofala - 2007

POPULAÇÃO DISTRITO OU CIDADE TOTAL % da Prov. HOMENS % MULHERES %

Buzi 159.614 9,65% 74.819 46,9 84.795 53,1 Caia 115.455 6,98% 54.488 47,2 60.967 52,8 Chemba 65.107 3,94% 30.385 46,7 34.722 53,3 Cheringoma 34.133 2,06% 16.709 49,0 17.424 51,0 Chibabava 101.667 6,15% 44.847 44,1 56.820 55,9 Dondo 142.387 8,61% 71.580 50,3 70.807 49,7 Gorongosa 116.912 7,07% 55.668 47,6 61.244 52,4 Machanga 51.855 3,13% 23.741 45,8 28.114 54,2 Maringue 75.089 4,54% 34.454 45,9 40.635 54,1 Marromeu 119.718 7,24% 59.433 49,6 60.285 50,4 Muanza 25.229 1,53% 12.270 48,6 12.959 51,4 Nhamatanda 210.757 12,74% 102.134 48,5 108.623 51,5 Cidade da Beira 436.240 26,37% 220.889 50,6 215.351 49,4 Total 1.654.163 100,00% 801.417 48,4 852.746 51,6 Fonte: INE - Censo Demográfico 2007

Estão disponíveis apenas os resultados gerais do Censo Demográfico realizado em 2007, em função disso os dados relativos aos postos administrativos dos distritos são

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disponíveis apenas para o ano de 1997. Neste ano, a população do Distrito de Caia era de 86.001 habitantes, que comparados com os 115.455 habitantes registrados em 2007, confere uma taxa de crescimento anual de 2,99%. Superior àquela apresentada entre 1980 e 1997 (0,34%) e inferior àquela entre os anos de 1970 e 1980 (4,10%). Em 1970 a população era de 54.320 habitantes e em 1980 a população era de 81.169 habitantes. Estas taxas de crescimento oscilantes são resultado do processo migratório ocorrido em todo o país, marcados pelos eventos de independência (1975) e final da guerra civil (1992). (ver item 1.3)

A tabela a seguir apresenta a população residente no Distrito de Caia em 1997, em relação aos postos administrativos e gênero. A Vila de Caia, entre o período de 1997 e 2007 apresentou uma taxa de crescimento anual de 0,79%7, muito inferior a taxa de crescimento natural médio do país de 2,2% (ARAUJO 2003). Estes números representam características de zona repulsora da população.

Tabela 3 População do Distrito de Caia por Posto Administrativo e gênero - 1997

LOCAL POPULAÇÃO MASCULINA

POPULAÇÃO FEMININA TOTAL

Distrito de Caia 40.483 45.518 86.001 P.A. De Caia 18.637 20.516 39.153

Vila de Caia 5.059 5.414 10.473 Localidade de Caia 13.578 15.102 28.680

P.A. De Muraça 8.467 9.668 18.135 P.A. De Sena 13.379 15.334 28.713 Fonte: INE – Censo Demográfico 1997

O Distrito de Caia, com 22.404 agregados familiares apresenta uma média de 5,15 pessoas por família, superior aos 4,75 pessoas por família registrado para a Província de Sofala em 2007.

A população do distrito é predominante de crianças e adolescentes, que representam 52% do total. A esperança de vida não supera os 35 anos pelos homens e 40 pelas mulheres. Não há planejamento familiar, pratica-se a poligamia e os casamentos são prematuros. A proximidade com a guerrilha armada provocou a destruição das infra-estruturas de educação e saúde, elevando a taxas de analfabetismo e piorando o atendimento sanitário da população.

A renda média de 60% das famílias do Distrito è inferior aos 800 meticais (25 euros), que são complementados com a produção agrícola de subsistência. Há uma situação de pobreza difusa em todo o distrito, mas que mantém uma certa superioridade comparada a situação do país. As piores condições são presenciadas nos períodos de escassez de alimento em virtude das secas.

Em relação à distribuição da população no território, a população concentra-se nas zonas ao longo do rio Zambeze e ao longo das vias de comunicação, em busca de áreas férteis para o cultivo e pontos de venda de produtos.

7 Em agosto de 2007, o responsável pela contagem da população no Distrito de Caia divulgou o resultado não oficial da Vila de Caia, que possuía 11.335 habitantes.

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2.1.5 Serviços e Infra-estrutura

O período de guerra civil destruiu todas as 48 escolas do Distrito de Caia. Somente com o termine do conflito armado em 1992, iniciou-se o processo de reconstrução. Em 1994 já existiam 5 escolas com 1034 alunos, em 2000 o numero elevou-se para 39 escolas de ensino primário e 4 escolas de ensino secundário, com um total de 10722 alunos. A Vila de Caia possui 53 salas de aula e receber á uma Escola Agrária.

Existem no distrito 2 centros de saúde, um localizado em Caia e outro em Sena. Ainda fazem parte da infra-estrutura sanitária os postos de serviços de saúde localizados em Muraça, N’Tapa-Caia, Amilcar Caloral, Deve e Murena.

Figura 12 Escolas e Postos de Saúde da Vila de Caia

Autor: Gabinete do Plano – Escola Agrária em construção / Centro de Saúde de Caia

O distrito é servido por uma estrada nacional principal (EN1), duas estradas secundárias (ER213 e ER577) e três da terceira categoria (Deve-Nhaserussero, Sena-Licoma e N’doro-Mangane), sendo apenas a EN1 asfaltada. São 256km de estradas, dos quais 100km pertencentes à estrada regional ER213 em direção a Sena ao Norte. Nos trechos de terra, a velocidade média em períodos de seca é de 50 a 60km/h.

Dentro da área da Vila a comunicação é garantida através de estradas, que na grande maioria não são asfaltadas, e por caminhos que raramente permitem o percurso de carros. O arruamento português no bairro central é bastante acessível embora com problemas de erosão, com ruas largas e arborizadas. Nos novos bairros, implantados por programas de habitacionais, as vias são ortogonais, enquanto nos bairros tradicionais, a estrutura viária é imperceptível constituindo-se de caminhos entre terrenos.

A nível regional destaca-se a linha férrea que conecta a capital da província (Beira) com a área de Moatize, na província de Tete e com Malawi. A ferrovia representa um grande elo de conexão nacional e internacional, principalmente utilizada para a exportação de produtos. A infra-estrutura danificada severamente no período de guerra civil esta sendo restaurada para o transporte de carga e passageiros pela Companhia Rails, sob a administração da CFM – Empresa Nacional dos Portos e Caminhos de Ferro Moçambique.

Outra importante estrutura de comunicação nacional e internacional que esta em fase de construção é a ponte sobre o rio Zambeze, que possibilitara o transporte de passageiros e a circulação de mercadorias entre o Sul e o Norte do país. O trajeto é hoje realizado por meio de balsa. Estima-se que em 2009, as obras da ponte de aproximadamente 3 km já estejam concluídas.

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Caia possui também um pequeno aeroporto no centro da Vila, cuja intensidade de uso associa-se aos períodos de cheias.

A realização dessas grandes obras de infra-estruturas, fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico do país, transforma o Distrito de Caia, e principalmente a Vila de Caia, em um importante eixo modal, aumentando o seu potencial econômico. Os benefícios proporcionados pela presença dessas estruturas, porém deve ser acompanhado por planejamento e investimentos em toda a rede de serviços e infra-estruturas, em função da atração de pessoas e mercadoria.

Figura 13 Vias de Comunicação da Vila de Caia

Autor: Mattiucci 2007 – barca de travessia do rio Zambeze / Estação Ferroviária

Com relação ao sistema de abastecimento hídrico, a Vila de Caia apresenta um sistema de captação de água superficial (rios e lagoas) e de água caudal (subterrâneo). As fontes superficiais são: os rios Zambese, Nhanzacaia, Zangue, Zanguamuana; e as lagoas Nhamomba, Nhausica, Pimbe e Taui. A captação subterrânea é realizada por meio de poços e furos alimentados pelas águas do lençol freático existente. “As potencialidades deste lençol são grandes, o nível piezométrico respeito ao terreno è pouco profundo e não dispõe da protecção de níveis superiores de baixa permeabilidade.” (MOÇAMBIQUE 2006, p. 106)

A maioria dos furos de água equipados com bombas manuais foi construída geralmente por organizações humanitárias no período após a guerra. Na Vila de Caia atualmente existem 41 furos de água em funcionamento. Os poços tradicionais são constituídos por escavações simples que não superam os 6m e, freqüentemente, secam rapidamente e estão sujeitos à contaminação pela falta de proteção. O poço tradicional melhorado è a prática mais difundida em função do baixo custo e envolvimento dos usuários, sendo as melhorias promovidas referentes ao material (filtro, blocos, cobertura), à profundidade (Maximo 3m), à estrutura (diâmetro igual de 1,2m a 1,5m) e ao posicionamento (raio de 30 de latrinas).

Existe ainda uma fonte de captação do Pequeno Sistema de Abastecimento Hídrico de Vila de Caia, situada no bairro de Nhampunga. O sistema de captação é constituído por três furos equipados com bomba elétrica submersível a profundidade variável entre 30 e 44 metros. O tanque de distribuição, situado no bairro da Vila, esta a uma distância de 2,45 km da captação. A estação de tratamento de água não é utilizada, só o dosador de cloro esta em função. A capacidade de bombeamento, o armazenamento e a distribuição são precários.

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Figura 14 Abastecimento de Água da Vila de Caia

Fonte: Gabinete do Plano 2006 – caixa d’água de distribuição / poços manuais

O serviço de energia elétrica é fornecido por um gerador de 32,5Kw de potência, pertencente ao Governo Distrital. O serviço é prestado das 18 horas às 22 horas diariamente. Existem geradores individuais em hospitais e instituições. A comunicação telefônica é rara, sendo realizada por poucos, através de celulares da operadora nacional Mcel.

Os resíduos sólidos não possuem destino definido, sendo queimados ou jogados em áreas vazias nas proximidades da própria residência. No bairro da Vila, onde se concentra a maioria das atividades econômicas, comerciais e institucionais da Vila, concentra-se também a maioria da produção de resíduos sólidos. As atividades comerciais que mais influenciam a produção de lixo são geralmente: os bares, as lojas, o mercado e o hospital. Os resíduos orgânicos e a madeira são os resíduos que a população mais produz. O lixo hospitalar é armazenado e eliminado em fossas independentes, que porém localizam-se próximo às dependências do hospital.

Figura 15 Resíduos Sólidos

Fonte: Gabiente do Plano – lixo sendo eliminado / MOÇAMBIQUE 2006- fossas do centro de saúde

2.2 Organização espacial da Vila de Caia 2.2.1 Evolução da Ocupação

A ocupação por colonos, nos arredores da Vila de Caia, se deu no inicio do século XX com a construção de uma indústria açucareira realizada por um empreendedor inglês. A antiga Vila Fontes porém, concretizou-se apenas nos anos 50, composta pela indústria de

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açúcar, a estação ferroviária e algumas residências portuguesas dispersas pelo território, além de edifícios administrativos. Assim como nas demais localidades ‘urbanas’ de Moçambique, a população que desenvolvia atividades em Caia habitava em vilarejos próximos a rios, para o cultivo de alimentos.

A área escolhida para a instalação de Caia, afastada cerca de 8 km do rio Zambeze em um relevo ligeiramente mais elevado, deve-se a medidas de precaução contra as cheias. A sede portanto, distanciou-se da indústria de açúcar e de outras atividades que se localizavam ao longo do rio.

A vila foi crescendo no decorrer dos anos e novas construções foram surgindo: edifícios públicos, edifícios residenciais, um mercado e um pequeno aeroporto. Ainda faziam parte do pequeno núcleo urbano duas praças e largas vias arborizadas. O esquema de implantação português não foi completado devido à presença do aeroporto e do acampamento da empresa Caeta, uma das primeiras responsáveis pela construção da ponte do rio Zambeze. Estas duas construções, somadas a outras ações urbanas, interromperam o traçado português.

Figura 16 Núcleo Urbano Português no centro de Caia

Fonte: Imagem Satélite 2006 – Google Earth 2008

Com a independência e o início da guerra civil a fábrica de açúcar foi destruída, a atividade comercial e o tráfego ferroviário cessaram, longos trechos de linhas e as estruturas da estação foram arrasados, as construções coloniais do centro foram abandonadas. A vila mantém-se em função das novas características administrativas de sede do distrito.

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No início dos anos 70 um período de enchentes abate as famílias próximas ao Zambeze, que em busca de áreas mais seguras estas famílias dirigiram-se para a porção leste de Caia, ao longo da linha de trem. Começaram a surgir assim, os primeiros bairros de ocupações espontâneas: Bairro Amilcar Cabral em 1978, seguido pelos bairros de Nhamomba, Nhampunga e Malocoteira. Chirimba 1 e Chirimba 2 localizados na zona noroeste da vila, completam os bairros irregulares. Daf é o último bairro a ser implantado na vila, que diferente dos demais, é fruto de uma operação de relocação da população que sofreu com as cheias de 2001. É caracterizado pelas vias ortogonais e residências idênticas dispostas no centro do terreno.

A disposição dos terrenos no bairro e a disposição das edificações nos terrenos, especialmente aqueles espontâneos, obedecem a uma dinâmica circular. Ou seja, as construções são dispostas ao redor de um elemento central formando um círculo, como relatado em MOÇAMBIQUE (2006, p.72 e p.73)

“A dinâmica tradicional de ocupação de solo é principalmente de forma circular: a população normalmente identifica um ponto central de referência num dado assentamento, uma igreja, uma escola, um furo de água, uma árvore importante o a casa da Autoridade Comunitária, e dispõe as próprias habitações em circulo, na direcção deste ponto que orienta a organização do assentamento.”

“Esta disposição, não casual, mas também não planificada, constitui a morfologia urbana típica de Vila de Caia, especialmente nos bairros informais que cresceram aos lados do bairro da Vila. Também em situações de assentamentos ordenados e planificados, como o caso dos campos de reassentamento das cheias de 2001, o modelo “circular” foi se desenvolvendo ao redor da casa construída no centro do talhão, como è possível notar na Figura abaixo, que representa uma porção do campo de reassentamento do Daf.”

Anteriormente aos bairros, a vila era organizada em quatro regulados: Sombreiro, Zimbawe, Tanga-Tanga e Sacatucua. Cada regulado possui um líder comunitário, o regulo, que controla o uso e as atividades do local. Para a população a sobreposição entre os bairros e os regulados não é clara, ocorrendo freqüentemente confusão.

Figura 17 Bairros e Regulados da Vila de Caia

Fonte: MOÇAMBIQUE 2006, p.27

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2.2.2 Usos do Solo

Apresentam-se a seguir os usos do solo da Vila de Caia identificados pelo Plano de Ordenamento Territorial de 2006.

Uso Residencial: Foram identificadas cinco diferentes zonas residenciais a partir da densidade e características de implantação:

1. Zona Residencial da Vila: área planificada nos anos 50, com alinhamentos precisos, praças e vias arborizadas de acácias. Também estão presentes nesta zona outros usos como: institucional e comercial. Somado a ocupação portuguesa estão novas construções provenientes de ocupações irregulares e os acampamentos da empresa construtora da ponte sobre o rio Zambeze;

2. Zona Residencial Informal de alta densidade: composta pelos bairros informais mais antigos (Malocotera, Chirimba1, Nhampunga e Nhamomba), que possuem algumas infra-estruturas e serviços básicos;

3. Zona Residencial Informal de média densidade: composto pelo bairro Chirimba 2, que devido à distância da área central possui densidade inferior aos demais e terrenos mais amplos;

4. Zona Residencial de baixa densidade: relativa à localidade de Sombreiro, localizado ao sul da vila. Apresenta um modelo de ocupação tradicional típico de área rural;

5. Zona Residencial Mista: representada pelos bairros decorrentes de programas de reassentamentos como Daf e Amílcar Cabral, caracterizados pela presença de uma malha ortogonal associada a uma disposição tradicional (circular) das construções no terreno.

Uso Comercial Produtivo: Caracterizado por elementos pontuais distribuídos de forma espontânea. Pode-se identificar o mercado da Vila, o mercado de cima, pequenos mercados de bairros e pontos de parada do transporte público como áreas de maior destaque. As atividades produtivas na Vila de Caia são principalmente de pequena escala, em maioria de tipo artesanal (carpintarias, moagens, serralharias, marcenarias...) As zonas produtivas dentro da Vila cresceram de maneira desorganizada, espalhando-se de maneira pontual nos bairros.

Uso de Serviços: Atividades presentes principalmente no bairro da Vila, onde se encontram todas as sedes de instituições públicas.

Uso Desportivo e Recreativo: Presentes no bairro da Vila nas instalações do acampamento Ceta. As demais áreas pertencem a escolas.

Uso Agrícola: Grande parte das famílias possui uma ‘machamba’ (zona de cultivo próximo a áreas úmidas) de aproximadamente 2 hectares, localizados ao redor da vila.

2.3 Oportunidades e desafios do Distrito de Caia

Apresenta-se a seguir a síntese da análise das oportunidades e desafios do Distrito de Caia no que se referem às questões institucionais, de meio ambiente, infra-estrutura, aspectos sociais e econômicos e organização espacial.

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Tabela 4 Oportunidades e Desafios da Vila de Caia

Oportunidades Ameaças

Institucionais

� Existência de instrumentos legais para o gerenciamento do uso do solo na Vila de Caia;

� Participação dos técnicos do Gabinete do Plano / Serviço Distrital Planificação e Infra-estruturas em todo o processo de elaboração do POTU;

� Realização de treinamentos para aprimorar as técnicas de planejamento e de implantação de políticas urbanas durante a elaboração do POTU;

� Presença de diversos institutos e organizações internacionais na Vila de Caia, auxiliando o poder público em diversas áreas;

� A política federal que deu inicio a um processo de descentralização de poder e maior autonomia às províncias;

� Participação da população nas decisões locais com a presença do Conselho Consultivo.

� A aprovação o POTU ocorreu durante a troca de mandato distrital;

� No final de 2007 o administrador Lucas Renço afastou-se do cargo, o que exigiu do Gabinete do Plano / Serviço Distrital Planificação e Infra-estruturas um esforço redobrado para a apresentação do POTU ao novo administrador;

� Os técnicos que hoje compõem o Gabinete do Plano e que participaram de elaboração do POTU e receberam treinamento para a sua implantação, não foram assumidos pela administração distrital, continuando sob responsabilidade do CAM;

� Assim como ocorre em todas as administrações públicas de Moçambique, Caia passa por restrições administrativas e financeiras, o que lhe restringe os investimentos em infra-estruturas, serviços e corpo técnico.

Ambiente

� Presença de zonas úmidas, meandros, lagos e rios proporciona a Caia um ambiente agradável e menos árido;

� Política de replantio de árvores do governo federal e distrital;

� Localização da vila no vale aluvionar do rio Zambeze somada as características geológicas da vila favorece a agricultura e o pastoreio;

� A reabertura de parques naturais como o ‘Parque Nacional da Gorongosa’ esta aumentando a população de animais na região, reduzida drasticamente durante o período de guerra;

� O rio Zambeze é um dos maiores rios africanos, enriquece a região e embeleza a paisagem natural.

� Contaminação do solo e da água em função da ausência de saneamento básico;

� Derrubada de árvores e queimadas para limpar o terreno ou iniciar uma nova plantação;

� Falta de informação e receio da população leva à morte diversos animais;

� Erosão do solo nas ruas da vila, agravado pela ausência de manutenção;

� A passagem constante de produtos e mercadorias pode trazer para a região espécies vegetais e animais exógenos, além de produzir resíduos muito superior a capacidade natural da vila.

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24 mapaus V

Oportunidades Ameaças Infra-estrutura e Serviços

� Novas possibilidades de transporte de mercadorias e de pessoas com a reabertura do sistema ferroviário;

� Construção da ponte sobre o rio Zambeze que permitirá a ligação direta entre a província de Sofala e a província do Zambezia, favorecendo assim o transporte de mercadorias no sentido norte-sul de todo o país;

� O asfaltamento da rodovia ER 231 que percorre paralelamente a linha férrea, permitirá um maior inter-relacionamento entre as sedes administrativas de Caia (Sena, Caia e Muraça);

� Abertura de novas vias locais com a implantação das propostas do POTU;

� Grande potencial para a capitação de água superficial e freática;

� Pouca produção de resíduos sólidos não biodegradáveis;

� Construção de uma nova Escola Técnica Agrária na Vila de Caia.

� Ausência de abastecimento de água e saneamento;

� Precariedade das vias locais e conseqüente aumento da erosão do solo;

� Ausência de energia elétrica constante;

� Afluxo de mercadorias e pessoas sem as devidas precauções pode favorecer a poluição do ambiente;

� Aumenta gradativamente a presença de produtos industrializados na vila, o que favorece o aumento da produção de resíduos não biodegradáveis e sugere um cenário preocupante tendo em vista a ausência de um sistema de coleta e depósito;

� A presença de redes de transporte de alta velocidade em meio à vila exigirá medidas de segurança.

Sociedade e Econom

ia

� Reativação da estação ferroviária entre o porto exportador de Beira e o país do Malawi possibilitará a retomada do processo de exportação (principalmente de carvão), impulsionando a economia local e nacional;

� Com a construção das grandes infra-estruturas de transporte, Caia exercerá uma importante função nodal no corredor de exportação norte-sul de Moçambique;

� As características ambientais de Caia favorecem a atividade de agricultura, atividade tradicional em todo o país;

� Aumento da demanda no setor de prestação de serviços de média e alta qualificação para atender o novo mercado proporcionado pelo aumento do fluxo nas rodovias e ferrovia.

� A ausência de saneamento básico e de fornecimento de água para toda a população é um dos grandes responsáveis pela alta presença de doenças de vinculação hídrica;

� Baixa educação sanitária entre todos os moradores da vila;

� Concentração da economia local apenas no setor primário restringe as possibilidades de crescimento;

� Permanência de técnicas de cultivo notadamente pouco produtivas e ambientalmente perigosas (plantio por rotação e queimadas);

� Baixa qualificação da população pode deixá-la à margem do crescimento econômico previsto para a vila.

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Oportunidades Ameaças Organizaçao Espacial e Uso do Solo

� Existência do Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização que orienta as políticas de ocupação do solo;

� Localização das ocupações da vila em zonas mais altas, protege a população das cheias do Zambeze;

� A implantação do novo mercado de Caia possibilitará a conexão física entre os bairros;

� Disponibilidade de áreas altas para novos assentamentos.

� Ocorrência de cheias anuais freqüentes em áreas ainda ocupadas pela população;

� A presença da rodovia e da ferrovia dentro da vila de Caia poderá acarretar em uma maior disparidade e separação entre seus bairros;

� Necessidade de adequação das ocupações irregulares ao longo das rodovias e da ferrovia;

� Dispersão do modelo funcionalista de ocupação do território privilegiando questões econômicas e desconsiderando aspectos da cultura e identidade local;

� Espraiamento da ocupação ao longo das vias de transporte rodoviário e ferroviário.

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26 mapaus V

3 EXPERIENCIA DE PLANEJAMENTO E PROJETAÇAO NA VILA DE CAIA

Este capítulo é dedicado à experiência de planejamento urbano da área central da Vila de Caia e de projetação arquitetônica do novo Mercado, realizada em agosto de 2007 na Vila de Caia, a partir das orientações do Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização de 2006 – POTU, sob a coordenação do professor da Universidade de Trento, Corrado Diamantini, e supervisão do agente promotor e financiador, Consórcio Associações com Moçambique – CAM.

Inicia-se com a apresentação da área do projeto, as indicações presentes no POTU para o local, e na seqüência a descrição das atividades realizadas, dando ênfase ao processo participativo presente dentro da metodologia. Os mapas, as figuras e os dados apresentados neste capítulo foram extraídos e adaptados da apresentação final das atividades de agosto de 2007.

3.1 A área de interesse

Figura 18 Estação Ferroviária da Vila de Caia no início do século XX

Fonte: RUFINO (1929, p. 72)

A área do projeto localiza-se no centro da ocupação da Vila de Caia, onde se encontra a antiga estação ferroviária. É uma área de baixa densidade, com residências do tipo tradicional, poucas vias de circulação inter-bairros, ausência de infra-estruturas de saneamento e presença de áreas de alagamento nos períodos de chuva. Nesta área está prevista a construção do novo Mercado e a requalificação do entorno ferroviário.

As dinâmicas de ocupação do solo e as políticas de relocação na Vila de Caia (ver 2.2.1), provocaram o espraiamento da população ao longo das rodovias EN1 e ER213, com a produção de grandes espaços vazios intermediários. A área da estação ferroviária e seu entorno representam um desses espaços, que divide a ocupação colonial do restante da cidade tradicional, segregando a cidade de cimento da cidade de caniço (ver item 1.2). Neste sentido, os objetivos da realização do projeto nesta área são (i) produzir uma nova centralidade compatível com as tradições e culturas locais, e (ii) o de promover a integração dos bairros da Vila de Caia (especialmente entre Daf e Vila).

Espera-se que a nova centralidade produzida por meio da construção do Mercado e da requalificação do entorno da estação ferroviária, com a presença de um grande fluxo de pessoas e mercadorias, seja aquela comercial. Enquanto a centralidade administrativa permaneceria ligada ao bairro da Vila, que atualmente exerce essas duas funções (comercial – administrativo).

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Figura 19 Esquema representativo da nova centralidade e integração da Vila de Caia

Além da construção do Mercado de Caia, a integração da Vila de Caia seria possível ainda pela ocupação das novas áreas residenciais definidas pelo MOÇAMBIQUE (2006, p.165), produzindo assim uma forma continua de ocupação.

“Atrás da área da estação de CFM existe uma óptima potencialidade de terrenos para expansão, que vão permitir ligar as áreas do Bairro da Vila e do Daf, completando assim a faixa de áreas urbanas ao lado esquerdo da linha férrea.”

Figura 20 Zonas de expansão residencial POTU 2006

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3.2 As recomendações do Plano de Ordenamento Territorial

O Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização da Vila de Caia teve como principal objetivo responder à demanda habitacional, considerando a validade de dez anos do plano e a preocupação com a melhoria das condições dos assentamentos existentes. Considerou também áreas de reserva para serviços e infra-estruturas, as áreas comerciais e produtivas e as áreas de agricultura urbana.

A área do projeto foi definida pelo POTU como um (i) espaço de “âmbito de desenvolvimento comercial”, destinado a receber a construção de um novo mercado, e (ii) “área de desenvolvimento da CFM – Empresa Nacional dos Portos e Caminhos de Ferro Moçambique”.

Para a “área de âmbito de desenvolvimento comercial” o plano estabelece MOÇAMBIQUE (2006, p.182):

“previsão de uma área para construção de um novo mercado, ao lado da estação da CFM, dentro da área de expansão tipo A, com uma superfície de 1,5 ha. A colocação de um novo mercado vai servir de elo de ligação entre a parte formal e informal da cidade através das áreas de nova expansão, aproveitando duma posição privilegiada, entre o mercado central e o mercado de baixo, na proximidade da estação (e de seu relativo movimento de mercadorias e pessoas).”

A “área de desenvolvimento da CFM” é reconhecida como a maior área de desenvolvimento econômico da Vila, em função da presença e potencialização de serviços e infra-estruturas a nível local e regional. Para tanto, prevê o estabelecimento de áreas produtivas comerciais ao redor da estação, um espaço de movimentação e armazenagem de produtos e, complementarmente a estrutura rodoviária e ferroviária, uma parada de transporte público. MOÇAMBIQUE (2006, p.168):

“A reactivação da estação da CFM de Caia vai constituir grande potencialidade de desenvolvimento para o sector Comercial e da Indústria (sic), constituindo um pólo (sic) de intercâmbio importante a nível regional entre o transporte rodoviário e o transporte de roda.”

Ao redor da área do projeto estão áreas residenciais do tipo: (i) reordenamento prioritário 1, (ii) reordenamento prioritário 3 e (iii) área de expansão do tipo A. As áreas de reordenamento são aquelas já ocupadas de maneira informal que serão reorganizadas de acordo com a prioridade estabelecida que varia de 1 a 4. A área de expansão do tipo A é aquela destinada à produção de áreas formais, com títulos urbanos e concessão de uso prioritariamente residencial mas com parcelas de áreas para comércio, serviços, lazer e áreas públicas. Nesta área os lotes variam entre 900m2 a 1200m2.

Apresenta-se a seguir o mapa de propostas do Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização da Vila de Caia, elaborado em 2006 pela Secretaria Distrital de Caia - Gabinete do Plano.

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Figura 21 Mapa de Propostas do Plano de Ordenamento Territorial Urbano 2006 e a localização da área do projeto

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3.3 A requalificação urbana e o projeto do mercado

Com o escopo de realizar o planejamento da área central da Vila de Caia e o projeto arquitetônico do novo mercado, iniciou-se, a partir das orientações do Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização, o levantamento dos mercados existentes na vila e nos distritos vizinhos e a avaliação da área destinada ao novo mercado.

3.3.1 Mercados existentes

O levantamento dos mercados de Caia e dos distritos vizinhos teve como objetivos:

� Conhecer os produtos e os serviços ofertados dentro e ao redor das estruturas dos mercados;

� Avaliar os espaços destinados para vendedores, compradores e mercadorias em termos de dimensão e disposição;

� Observar os fluxos resultantes do armazenamento, distribuição e venda de produtos;

� Identificar os materiais utilizados nas construções tradicionais e nas novas construções;

� Avaliar a potencialidade para novos produtos e serviços; � Colher opiniões de usuários.

A Vila de Caia possui três mercados principais: os mercados formais do Centro e das Calamidades no bairro da Vila, e o mercado informal no bairro da Chirimba; além de atividades de comércio próximas aos pontos de parada de ônibus. Foram analisados apenas os três mercados devido à sua maior representatividade.

O mercado do Centro possui ainda parte das paredes externas do mercado colonial português. Sua planta quadrada preservou as entradas da frente e dos fundos compondo um grande corredor central que conduz a outros corredores de barracas. Internamente, a estrutura é de alvenaria com mesas para a exposição de produtos. Os produtos ainda são expostos em barracas centrais de madeira ou no chão.

A parte dos fundos do mercado possui um grande corredor onde barracas e pequenos negócios expõem seus produtos no fachada. Deste corredor partem dois outros que retornam à frente do edifício colonial. Os produtos vendidos neste mercado são: verduras, frutas, carne, peixe, mercadorias de uso cotidiano em pequenas quantidades, e em menor escala tecidos.

Figura 22 Mercado do Centro – vista da fachada externa e interna

Autor: Akiyama 2007

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Figura 23 Mercado do Centro – vista interna do mercado

Autor: Akiyama 2007

Figura 24 Mercado do Centro – vista dos corredores laterais

Autor: Akiyama 2007

Em frente ao mercado do Centro, localiza-se o mercado das Calamidades. Resultado da expansão do mercado do Centro, é um único corredor de cerca 100 m, com barracas feitas em madeira e palha, dispostas uma ao lado da outra. A maior disponibilidade de espaço permite que as barracas tenham aproximadamente 7 m de largura e 3 m de profundidade, além de uma área frontal para a exposição de produtos. Neste mercado são vendidas vestimentas e artigos relacionados, e se oferece alguns serviços de costura.

Figura 25 Mercado das Calamidades – vista geral

Autor: Akiyama 2007

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32 mapaus V

O mercado de Cima, localizado no bairro Chirimbas, é composto por barracas de diversas dimensões, que se instalaram espontaneamente a céu-aberto, sem seguir uma pré-orientação. Os corredores são em sua maioria estreitos e dispostos aleatoriamente. Embora este mercado seja informal, apresenta a maior variedade de produtos, que vão desde industrializados à produtos artesanais. Sem limites definidos, cresce rapidamente com a adesão de novas barracas construídas em madeira e barro.

Figura 26 mercado de Cima – vista das barracas de exposição

Autor: Akiyama 2007

Estima-se que a vila de Caia possua no bairro da Vila cerca de 100 vendedores e no bairro de Chirimbas outros 150. O responsável pelo Gabinete do Plano, senhor Plínio Pinto, acredita que a demanda por postos de venda tende a crescer a partir da construção do novo mercado, que atrairia vendedores de outras regiões.

Figura 27 Imagens dos mercados de Caia – Central, Calamidades e de Cima

Fonte: Imagem satélite 2004

Outros três mercados foram estudados tendo em vista a proximidade com a Vila de Caia, a recente reestruturação ou construção, e a diversidade de materiais e formas utilizados.

CALAMIDADES

CENTRAL

DE CIMA

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33 mapaus V

O mercado do Rio Pungue localiza-se ao longo da EN1, aproximadamente a 150 Km da Vila de Caia em direção à cidade de Beira, nas proximidades do Parque Nacional da Gorongosa. Em 2006, o antigo mercado, formado por barracas de madeira, barro e palha, foi substituído por uma construção em bambu, cimento e telha de zinco. A obra é de autoria e financiamento de uma organização sem fins lucrativos alemã.

O mercado projetado previa apenas cinco espaços fechados para a venda de produtos industrializados e dois grandes espaços para a exposição de peixes e verduras. Provavelmente, no período em que foi realizado, comportaria todos os vendedores do local. Entretanto, com o afluxo de novos vendedores ao local o novo mercado não consegue atender as exigências atuais. Devido à sua forma e aos materiais utilizados, a ampliação da estrutura não é viável e novas barracas estão sendo construídas ao seu redor. Os usuários apreciam a sombra e o frescor produzido pela estrutura alta e aberta, porém reclamam que nos dias de chuva a água entra com o vento forte.

Figura 28 Mercado do Rio Pungue

Autor: Akiyama 2007

O Mercado de Sena está localizado no distrito de Caia a cerca de 50 Km da Vila de Caia, em direção ao Malawi pela ER 231. Inicialmente localizava-se no centro de Sena, próximo à rodovia, mas recentemente foi deslocado 500m para o interior, em uma grande área capaz de atender as demandas atuais e futuras. Apenas 50% do seu espaço é hoje utilizado por 200 barracas do mesmo tamanho (6m x 6m), dispostas lado a lado, formando longos corredores paralelos de aproximadamente 100m cada. O mercado é um exemplo de uma solução em auto construção, no qual foram utilizados materiais e mão de obra locais.

Figura 29 Mercado de Sena

Autor: Mattiucci 2007

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O mercado de Marromeu localiza-se aproximadamente a 80Km da Vila de Caia em direção à foz do rio Zambeze. Projetado e financiado por uma organização não governamental austríaca, que o está sendo construído desde 2005.

O mercado é formado por duas grandes construções octogonais em alvenaria, cobertas com telhado de zinco pintado de verde. Estas estruturas comportam cada uma 114 lugares de aproximadamente 2m x 2m. A disposição e forma dos postos de venda, entretanto, não são adequados à venda de todos os tipos de mercadorias. Em função disso, várias barracas, principalmente de roupas, se estendem pelas ruas que conduzem à sede do Mercado.

Além das duas grandes construções octogonais, existem duas construções retangulares que abrigam espaços maiores para a prestação de serviços, matadouro e sanitários. As duas estruturas octogonais são divididas por função, sendo a primeira destinada à venda de alimentos e a segunda destinada à venda de mercadorias várias. Para evitar o roubo e atender adequadamente aos clientes, os vendedores se posicionam de frente às mercadorias no espaço destinado à circulação dos compradores.

Figura 30 Mercado de Marromeu

Autor: Mattiucci 2007

3.3.2 Pesquisa de campo

Em primeira visita à área, notou-se a rápida densificação das unidades habitacionais comparadas àquelas registradas pelo POTU no período de sua elaboração. A presença de cartazes advertindo a reserva da área para o uso do mercado não impediu que a ocupação por parte de moradores se efetivasse.

Em reunião com o administrador do Distrito de Caia ressaltou-se a necessidade de fiscalização na área, a importância do local para a construção do novo mercado e as dificuldades de implantação caso a ocupação pela população continuasse a aumentar. Compreendendo o posicionamento estratégico do novo mercado e a dificuldade posterior de relocação de muitas famílias, o administrador Lucas Renzo propôs a realização do levantamento das construções existentes para que, a partir do registro daqueles imóveis, não se permitisse nenhuma nova construção. Foi assim definido, que o projeto do mercado procurasse conservar as edificações existentes o máximo possível. Ainda, para estabelecer um pacto com a comunidade, estabeleceu-se que o levantamento realizado e a proposta preliminar do mercado fossem apresentados para o Conselho Local no prazo de sete dias, tempo restante da missão na Vila.

Avaliando as recomendações do administrador de Caia e sendo conscientes da concentração de casas na área destinada ao mercado, foram consideradas para a

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pesquisa outras duas áreas próximas ao local. Para se diferenciar estas áreas foram estabelecidas as seguintes denominações:

� Área POTU: àquela definida pelo plano, localizada do lado oeste da estação ferroviária e na margem norte da estrada que vai para a localidade de Phaza;

� Alternativa 1: localizada no lado oeste da estação e na margem sul da estrada que vai para a localidade de Phaza;

� Alternativa 2: localizada no lado oeste da estação ferroviária e nos dois lados da estada que vai para a localidade de Phaza.

A pesquisa foi realizada em dois dias, entre elaboração, sistematização, aplicação e tabulação. Participaram das atividades o engenheiro do Consórcio Associações com Moçambique, os técnicos do Gabinete do Plano, o arquiteto Corrado Diamantini e as arquitetas Cristina Mattiucci e Renata Akiyama.

A planilha aplicada em cada núcleo familiar continha as seguintes informações: o uso da edificação, o número da foto de referência, as coordenadas geográficas, a dimensão da edificação, o material da parede e o material da cobertura. Estes dados tinham como objetivo identificar e localizar as antigas e novas edificações nas áreas selecionadas, bem como avaliar a viabilidade de implantação do mercado e os custos eventuais de relocação e/ou indenização de famílias. Esclarece-se que cada núcleo familiar é composto por diferentes edificações que se dispõem ao redor do centro do terreno, tendo cada uma usos diferentes. Foram levantados 48 núcleos familiares, em um total de 85 construções.

Tabela 5 Modelo para a pesquisa de edificações

MAT. PAREDE COBER-TURA

USO FOTO PONTO DIMENSAO

CANIÇO

PAU-A-

PIQUE

TIJOLO

CRU

TIJOLO

QUEIMADO

OUTROS

CAPIM

CHAPA

CASA MACHESSA DEPOSITO LATRINA OUTROS

A análise apresentada a seguir levou em consideração o aumento das edificações a partir de 2004, ano de referência do mapeamento do Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização. A ausência de informações quanto ao tipo de material das construções e a delimitação dos núcleos familiares em 2004, restringiu a análise ao aumento das edificações verificado no período entre 2004 e 2007.

A área do POTU apresentava, em 2004, 16 construções dispersas nos 4,1 hectares do terreno. Em 2007, esse número aumentou para 36 construções, das quais 72% eram feitas de materiais frágeis (caniço e pau-a-pique). Nota-se, porém, que os 28% das construções restantes, feitas de material resistente (tijolo cru ou queimado), representam mais da metade dos núcleos familiares presentes na área (17 núcleos familiares).

Em 2004, a área da alternativa 1 apresentava 17 construções, passando a 49 construções em 2007, que correspondem a 31 núcleos familiares. As construções são em sua maioria feitas de tijolo cru ou queimado, e apenas 47% em caniço ou pau-a-pique.

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A alternativa 2 apresentava 2 edificações em 2004, aumentando para 12 em 2007. O aumento verificado, porém, é representado pelas edificações presentes nos terrenos da área do POTU e da alternativa 1, que fazem parte da área que compõem a alternativa 2.

A tabela e os mapas a seguir caracterizam o crescimento das edificações no período e localizam as novas construções.

Tabela 6 Pesquisa de Campo

CARACTERISTICAS AREA POTU ALTERNATIVA 1 ALTERNATIVA 2 Dimensão 4,1 ha 4 ha 3,2 ha Construções em 2004 16 17 2 Construções em 2007 36 49 12

AREA POTU

AREA ALTERNATIVA 1

AREA ALTERNATIVA 2

AREA POTU FERROVIA

PHAZA

AREA POTU

AREA POTU

FERROVIA

FERROVIA

PHAZA

PHAZA 12

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3.3.3 Adequação Urbana

Após a aprovação do plano em novembro de 2006, iniciaram-se os Projetos de Recuperação Urbana 1 e 2, e o projeto de expansão A1/1 (ver figura 21). Iniciou-se o mapeamento destes projetos de forma a possibilitar uma visão integrada das ações que estão sendo realizadas e de suas implicações em todo o contexto urbano.

Os Projetos de Recuperação Urbana promoveram a abertura de vias e a adequação dos terrenos às novas áreas comuns. O deslocamento da população, que antes ocorria por dentro dos terrenos, passou a ser orientado e planejado. De acordo com as prioridades do POTU, os projetos foram implantados na área PRU 1 ao sul da pista do aeroporto no bairro da Vila, e na área PRU 2 a oeste da estação ferroviária e limítrofe à área de realização do novo mercado.

O projeto de expansão A1/1, por sua vez, tratava-se da abertura de novas áreas para ocupação, com isso um grande loteamento foi realizado. A existência porém, de uma inadequação do mapa de propostas do POTU com referência aos limites da Escola Agrária, provocou a realização do loteamento em uma área maior e mais afastada da região central da vila, englobando também a área de expansão A2/1.

Figura 31 Projeto de Expansao A1/1 antes e depois modificação dos limites da escola

Tendo em vista os projetos realizados e a nova área definida para o mercado da vila, foi realizada uma proposta de adequação da malha viária principal, que possibilitasse a conexão entre o loteamento projetado nas áreas de expansão A1/1 e A2/1, as novas vias implantadas do PRU1 e PRU2 e o novo mercado.

A proposta de adequação urbana levou em consideração também a transposição da margem leste da rodovia EN1 (bairros Nhampunga, Nhamomba, Malocoterra, Chirimba) para a margem oeste (áreas de expansão) sem a necessidade da abertura de uma via internamente à estação ferroviária.

Destaca-se a proposta de uma via paralela à rodovia EN1, que conecta o bairro Daf e o bairro da Vila, passando atrás da estação ferroviária e nos limites da área de influência do mercado (tema abordado no item a seguir).

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38 mapaus V

Figura 32 Mapa da Proposta Urbana

3.3.4 Projeto Arquitetônico

A definição do programa do projeto de arquitetura foi realizada a partir de uma pesquisa quantitativa e qualitativa a respeito dos usos e melhorias para o mercado. Tal pesquisa foi realizada por meio de entrevistas com comerciantes, fornecedores e usuários do mercado, e da participação dos técnicos do Gabinete do Plano. A tabela a seguir traz a síntese desta pesquisa setorizada por usos.

Tabela 7 Tabela de Usos do novo Mercado

ALIMENTOS ROUPAS OUTROS PRODUTOS SERVICOSRESTAURANTE E

BAR

LUGARES 110 lugares 150 lugares 40 lugares 10 a 15 lugares 10 lugares

DIMENSAO média de 15m2 média de 15m2 média de 15m2 de 6m2 a 15m2 VARIAVEL

TIPOS AGRICOLA CONSTRUçAO BARBEIRO RESTAURANTE

FRIOS CASA ARTESANATO BAR

COZINHA BICICLETA

ETC SAPATARIA

ETC MECANICA ETC

ALIMENTOS

INDUSTRIALIZADOS

As três áreas de relevância para o mercado, localizadas ao longo das vias de acesso ao mesmo, destinam-se ao apoio e complementação das atividades do mercado. São elas:

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39 mapaus V

� Área de relevância norte: função de estacionamento e área de carga e descarga de mercadorias;

� Área de relevância sul: possível área de expansão do mercado; � Área de relevância leste: função de abrigar pequenos espaços de descanso e

lazer.

O projeto arquitetônico considerou a articulação do terreno em quatro áreas menores aproveitando-as para a setoriazação dos produtos e dos serviços do mercado. Uma grande área foi destinada ao descanso e alimentação no local, prevendo a construção de um edifício ‘ícone’ do mercado, destinado à função de restaurante. Este edifício representa uma grande machesa, local de encontro e socialização também fora do horário de venda de produtos. As demais áreas são destinadas à venda de produtos alimentícios, roupas entre outros como mostra o esquema a seguir. As barracas de prestação de serviços porém, localizam-se nos limites do terreno, fazendo frente para ambos os lados (interno e externo).

Figura 33 Implantação do novo Mercado

Foram idealizados vários modelos de barracas para facilitar a adaptação dos diversos usos. O material utilizado e as técnicas de construção são locais, o que possibilita a autoconstrução, a construção por etapas e futuras ampliações. O desenho a seguir mostra as possibilidades de construção das barracas.

Figura 34 Modelos de barracas do novo Mercado

RESTAURANTE LAZER E DESCANSO

OUTROS PRODUTOS SERVIÇOS

ALIMENTOS MATADOURO SERVIÇOS

ROUPAS SERVIÇOS

ESTACIONAMENTO CARGA E DESCARGA

LAZER

EXPANSAO

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40 mapaus V

3.4 O processo participativo

De acordo com o programa de atividades estabelecido durante a reunião com o administrador distrital Lucas Simão Renço, foi realizada uma reunião com o Conselho Consultivo, no dia 24 de agosto de 2007, às 14 horas, no Centro Social da Vila de Caia. Além da presença dos membros do conselho e do administrador Lucas Renço, participaram do evento os técnicos do Serviço Distrital Planificação e Infra-estruturas; e representantes do Consórcio Associações com Moçambique.

A abertura da reunião foi desempenhada pela coordenadora do CAM em Moçambique, Francesca Luchi, que ressaltou o projeto do novo mercado como resultado das determinações do Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização, o qual foi realizado com a participação periódica do Conselho Consultivo. Na seqüência tomou a palavra o engenheiro responsável do CAM pela abertura e implantação das vias nas áreas de recuperação urbana, Massimiliano Zandomeneghi, que acompanhou e participou de todas as atividades da missão.

A apresentação teve inicio com a arquiteta Renata Akiyama, que contextualizou a área do novo mercado em relação às orientações do POTU (ver item 3.2); apresentou as considerações quando aos projetos dos mercados públicos das localidades vizinhas estudadas (ver item 3.3.1); e expôs os resultados da pesquisa e os terrenos alternativos avaliados (ver item 3.3.2). Na seqüência o Professor Arquiteto Corrado Diamantini justificou o projeto como elemento fundamental na construção de uma nova centralidade para a vila de Caia e a sua capacidade de integração dos bairros (ver item 3.1); e apresentou a proposta de reurbanização do entorno do mercado e estação ferroviária (ver item 3.3.3). Na última parte da apresentação a arquiteta Cristina Mattiucci apresentou o pré-projeto do mercado (ver item 3.3.4).

Ao final da apresentação o administrador do distrito de Caia ressaltou a importância do projeto e especialmente a função centralizadora e integradora das propostas expostas, garantindo o seu apoio e esforços para a realização do mercado.

Após os comentários do senhor Lucas Simão Renço, a palavra foi aberta aos representantes do Conselho Consultivo, que demonstraram interesse e entusiasmo pela obra, concordando com a localização central do mercado e esperançosos na sua capacidade de “transformar” a vila de Caia. Receiam porém que por questões financeiras o projeto seja tardiamente realizado, correndo o risco de relocar muitas famílias ou mesmo transferir o local da obra em função das contínuas ocupações na área do projeto.

Figura 35 Reunião com Conselho Consultivo – Comentários administrador e conselheiros

Autor: Mattiucci 2007

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CONCLUSAO

A dinâmica urbana ocasionada pelas migrações internas durante o período colonial, de independência, de guerra civil e de atual período de paz, vivenciadas em todo Moçambique, foi também presenciada em Caia. A Vila de Caia apresentou um aumento de sua população no período de independência (4,10% a.a.), com a ocupação da área urbana pela população que habitava ao redor do sitio colonial. A partir de 1980, passou a desempenhar um papel de ‘repulsora’ da população dentro do contexto nacional. Os grandes centros urbanos incharam e a Vila de Caia, como centro de pequeno porte e com pouca atratividade, foi perdendo seus moradores. A taxa de crescimento anual entre 1980 e 1997 foi de 0,34%.

Com o advento de grandes infra-estruturas de transporte, como a construção da ponte sobre o rio Zambeze e a recuperação da linha ferroviária Beira-Malawi, esperava-se que Caia sofresse um grande aumento de sua população. Passando, assim, a desempenhar um papel oposto daquele que vinha exercendo, e transformando-se em um centro ‘atrativo’ de pessoas e investimentos. O Plano de Ordenamento Territorial e Urbanização aprovado em 2006 previu este crescimento e estabeleceu diretrizes e propostas para atendê-lo.

Os dados preliminares do Censo Demográfico de 2007, entretanto, apontam para uma taxa de crescimento anual médio de 0,79% entre 1997 e 2007. Estes números confirmam a vila de Caia como centro ‘repulsor’ da população, contrariando as previsões de grande crescimento populacional em função das grandes obras em realização. Estes números podem ser justificados por razões diversas: (i) a ausência de dados de anos intermediários a 1997 e 2007 produz uma taxa de crescimento uniforme entre os 10 anos passados, o que pode camuflar picos de crescimento nos últimos anos; (ii) as empresas construtoras das grandes obras criaram estruturas próprias (e temporárias) para seus funcionários, afastadas do centro da vila e próximas ao local das atividades; (iii) as tecnologias utilizadas para as obras tendem a utilizar um menor número de funcionários.

Contudo, este aumento moderado da população durante o período de realização das obras, não deve anular as expectativas de crescimento previstas para a conclusão das obras. A Vila de Caia exercerá um importante papel no cenário de transportes nacional e internacional, sendo o ponto de conexão entre a ferrovia Beira-Malawi (importação e exportação) e o eixo rodoviário norte-sul. Cabe a Caia, preparar-se em âmbito espacial, social e econômico para esta transformação, aproveitando efetivamente as oportunidades relacionadas e não ficando à margem deste crescimento como apenas um ponto de paragem de mercadorias e pessoas.

A proposta de reurbanização da nova área central da Vila de Caia e a proposta arquitetônica do novo Mercado Público vêm atender as exigências de planejamento sócio-espacial-econômico, potencializando as oportunidades verificadas. O posicionamento estratégico do mercado, possibilitará uma maior coesão urbana e suas funções permitirão usufruir das infra-estruturas de transporte para o desenvolvimento da vila.

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