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HSM Management 29 novembro-dezembro 2001 PENSAMENTO NACIONAL Mais do que publicidade... Em entrevista exclusiva, Júlio Ribeiro, presidente do Grupo Talent, afirma que a empresa de hoje deve pensar menos em publicidade e mais em comunicação. E ela precisa mudar seu modelo de negócio marketing hoje está evoluindo dentro das empresas brasileiras? Como você vê a questão da construção da marca, do posicionamento de produto e de outros conceitos fundamentais sendo tratados por seus clientes e pelo mer- Com a globalização, o poder de fazer marketing mudou de mãos. Ele saiu do fabricante e passou para o distribuidor. E isso mudou tudo no marketing. Essa afirmação, que convida a uma reflexão profunda, é de Júlio Ribeiro, presidente do Grupo Talent, o segundo maior do ranking brasileiro de agências de publicidade e o 50º no ranking mundial da revista Advertising Ag e . Em entrevista exclusiva a José Salibi Neto e Sérgio Santos, diretore s de HSM Management , Ribeiro comenta qual foi a grande transformação do marketing que algumas empresas ainda têm dificuldade de entender. “É a empresa que tem de se adequar para atender às necessidades de seus públicos”, diz categoricamente. A situação é preocupante. As empresas brasileiras reduziram drasticamente seus investimentos em marca nos últimos dez anos, segundo pesquisa realizada pelo Grupo Talent, e ainda não perceberam que, se a mar ca morre r , elas ficam sujeitas a morrer também. Precisam de uma solução rápida. Ribeiro conta ainda como está se dando a transformação da publicidade na comunicação no mundo inteiro, além de comentar novidades da área, como a tecnologia de diagnóstico de problemas –que busca explicações para o fracasso dos planos de marketing. Sinopse cado de modo geral? Deixe-me traçar um pequeno quadro evolutivo. O marketing foi uma invenção da Procter O & Gamble nos EUA . Na década de 1920, ela criou a ge- rência de produto e os conceitos centrais de marketing  , que foram na época a coisa mais moderna que existia. Antes dessa visão mercadológica, havia a visão industrial, deri-  vada da v isão agrár ia. U m e xemp lo brasileiro de visão in- dustrial foi o Conde Matarazzo, que, tendo um tear para tecer algodão, possuía uma indústria têxtil. O que aconte- ceu depois de ele ter cerca de 430 empresas? Em 15 anos, seu império se desfez. Por quê? Porque ele tinha as 430 empresas, mas nenhuma marca importante. Com o marketing da P&G, a marca passou a valer mais do que a indústria, que é a parte física do patrimônio líquido da empresa. A marca Coca-Cola vale mais de dez  vezes o ativo da empr esa Coca-Cola. F oram descobertas as possibilidades que os meios de comunicação ofereci- am para influir no comportamento do consumidor; a em- presa passou a agir sobre o mercado. E os instrumentos de distribuição –que eram as organizações de varejo– apenas aproveitavam a metodologia que as grandes cor- porações adotavam. E agora? Com a globalização, o poder de fazer marke- ting mudou de mãos. Ele saiu do fabricante e passou para o distribuidor. De repente, os distribuidores se fortalece- ram –no Brasil, o Carrefour é duas vezes maior do que a Nestlé. Cresceram quanticamente, com a aquisição de outras empresas. Atualmente os cinco maiores distribui- dores do Brasil comercializam metade dos produtos ali- mentícios industrializados; na França ou na Alemanha, eles chegam a responder por 70%. E as empresas fabri- cantes recuaram.

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PENSAMENTO NACIONAL

Mais do que

publicidade...Em entrevista exclusiva, Júlio Ribeiro, presidente do Grupo

Talent, afirma que a empresa de hoje deve pensar menos em

publicidade e mais em comunicação. E ela precisa mudar

seu modelo de negócio

marketing hoje está evoluindo dentro das empresas brasileiras? Como vocêvê a questão da construção da marca, do posicionamento de produto e deoutros conceitos fundamentais sendo tratados por seus clientes e pelo mer-

Com a globalização, o poder de fazer marketingmudou de mãos. Ele saiu do fabricante e passou parao distribuidor. E isso mudou tudo no marketing.Essa afirmação, que convida a uma reflexãoprofunda, é de Júlio Ribeiro, presidente do GrupoTalent, o segundo maior do ranking brasileiro deagências de publicidade e o 50º no ranking mundialda revista Advertising Age. Em entrevista exclusiva aJosé Salibi Neto e Sérgio Santos, diretores de HSM

Management, Ribeiro comenta qual foi a grandetransformação do marketing que algumas empresasainda têm dificuldade de entender. “É a empresa quetem de se adequar para atender às necessidades deseus públicos”, diz categoricamente.A situação é preocupante. As empresas brasileirasreduziram drasticamente seus investimentos emmarca nos últimos dez anos, segundo pesquisarealizada pelo Grupo Talent, e ainda não perceberamque, se a marca morrer, elas ficam sujeitas a morrertambém. Precisam de uma solução rápida. Ribeiroconta ainda como está se dando a transformação dapublicidade na comunicação no mundo inteiro, alémde comentar novidades da área, como a tecnologiade diagnóstico de problemas –que busca explicaçõespara o fracasso dos planos de marketing.

Sinopse

cado de modo geral?Deixe-me traçar um pequeno quadro evolutivo. O marketing foi uma invenção da Procter

O& Gamble nos EUA . Na década de 1920, ela criou a ge-rência de produto e os conceitos centrais de marketing ,que foram na época a coisa mais moderna que existia. Antesdessa visão mercadológica, havia a visão industrial, deri- vada da visão agrária. Um exemplo brasileiro de visão in-

dustrial foi o Conde Matarazzo, que, tendo um tear paratecer algodão, possuía uma indústria têxtil. O que aconte-ceu depois de ele ter cerca de 430 empresas? Em 15 anos,seu império se desfez. Por quê? Porque ele tinha as 430empresas, mas nenhuma marca importante.

Com o marketing da P&G, a marca passou a valer maisdo que a indústria, que é a parte física do patrimôniolíquido da empresa. A marca Coca-Cola vale mais de dez vezes o ativo da empresa Coca-Cola. Foram descobertasas possibilidades que os meios de comunicação ofereci-am para influir no comportamento do consumidor; a em-presa passou a agir sobre o mercado. E os instrumentos

de distribuição –que eram as organizações de varejo–apenas aproveitavam a metodologia que as grandes cor-porações adotavam.

E agora? Com a globalização, o poder de fazer marke-ting mudou de mãos. Ele saiu do fabricante e passou parao distribuidor. De repente, os distribuidores se fortalece-ram –no Brasil, o Carrefour é duas vezes maior do que aNestlé. Cresceram quanticamente, com a aquisição deoutras empresas. Atualmente os cinco maiores distribui-dores do Brasil comercializam metade dos produtos ali-mentícios industrializados; na França ou na Alemanha,eles chegam a responder por 70%. E as empresas fabri-cantes recuaram.

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Há ainda uma segunda grande mudança no marketing: os distribuidores se tornarammuito mais modernos do que as empresas fabricantes. Passaram a fazer banco de dados, aanalisar o perfil do consumidor, a monitorar comportamentos de compra. De modo geral,investiram em aquisição de informações e de tecnologia para utilizá-las. A modernidadedeles vai do layout da loja até a identificação dos grupos de produtos que mais contribuem

para suas margens de lucro.Os distribuidores assumiram o papel das empresas industriais no marketing. Hoje, elessabem o que os consumidores comprarão e por quanto. Em muitos casos determinam ospreços e os produtos a ser fabricados. Também cobram contribuições das empresas indus-triais para a propaganda e a promoção que eles fazem. E vão além, assumindo parte dafunção industrial com as marcas próprias, que em alguns países já representam 50% detudo que é comercializado e aqui no Brasil mais ou menos 20%.

Esses distribuidores poderosos levam à comoditização. Veja os comerciais de TV dossupermercados, por exemplo: a maior parte dos anúncios traz só produto e preço, não há valorização de marca.

Com isso, as empresas industriais praticamente deixaram de ter o marketing como uminstrumento que podiam operar. Agora, elas precisam transformar-se para recuperar tal

poder.Mas tudo isso não é uma incoerência? Nunca se falou tanto da importância da marca...

Nós fizemos um estudo na Talent que demonstra uma queda de mais de 45% nos inves-timentos em marca das empresas brasileiras entre 1990 e 2000 (veja o quadro na página 12).O que está acontecendo é claro: os varejistas descobriram sua importância para a sobrevi- vência da empresa industrial e estão cobrando por isso. Hoje, é o grande supermercadoque define que preço você, executivo da área industrial, pode pedir por seu produto. Se você tem insumos cotados em dólar e a moeda norte-americana sobe, azar o seu. Os super-mercados provavelmente não aceitarão um aumento. O varejo de bens duráveis tambémtem o mesmo poder.

 Você está dizendo que o varejo, então, é o grande vilão? E o que as empresas industriais

podem fazer contra isso?O vilão não é o varejo, não. É papel da loja vender barato e ser mais competitiva. Sua

resistência ao aumento de preços tem sido também um dos grandes fatores de contençãoda inflação no Brasil. Os varejistas não têm nada contra marcas fortes: ao contrário, adora-riam fazer o mesmo que fazem hoje com marcas fortes. O problema está nas empresasfabricantes. Nos últimos dez anos, elas se retraíram e pararam de anunciar. E não enten-dem que, na medida em que elas matam a marca, matam o próprio negócio. Não existeuma grande empresa sem uma grande marca. Cabe aos fabricantes encontrar uma novasolução para investir nas marcas.

E que solução é essa?Deixe-me antes fazer um paralelo com a física. Na física do Newton, o tempo era fixo no

espaço, então todas as coisas se explicavam a partir do conceito de que o tempo era fixo eque o espaço era reto, euclidiano. A partir de Einstein demonstrou-se que, conforme a velocidade em que um corpo viaja, o tempo encolhe e o espaço se curva. Isso fez com quetodas as visões da física mudassem porque o elemento imutável, o tempo, passou a ser mutá- vel. Eu acho que o mesmo acontece com as empresas. Elas tinham uma configuração tradici-onal imutável e de agora em diante essa configuração precisa ser mutável, para que ela fique“posicionada” em relação à realidade daquele momento.

O que acontece é o seguinte: percebe-se que, ao longo do tempo, a necessidade que aspessoas têm de comprar coisas varia a partir de alguns elementos centrais. Se você pegar asnecessidades de se vestir, elas continuam existindo atualmente como existiam nos séculosXVIII, XIX, XX. Só que as lojas de armarinhos e de tecidos acabaram sendo substituídaspelas lojas que vendem roupas prontas, por sua vez substituídas pelas lojas de departamen-tos e mais tarde pelos shopping centers. A necessidade básica de se vestir é a mesma, o que

“Elas não

entendem que,

na medidaem que matam a

marca, matam o

 próprio negócio.

Não existe uma

 grande empresa

sem uma

 grande marca” 

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mudou foi o formato de empresa que satisfaz a necessidade.Hoje sabe-se no mundo inteiro que o formato de empresa precisa mudar. A empresa

tradicional, com produtos tradicionais, estrangulada pelo varejo em sua rentabilidade, ten-ta resolver suas dificuldades experimentando técnicas de marketing. Não dá certo, e ela dizque as técnicas foram inadequadas. O problema do marketing atual está no modelo das

empresas, não nas ferramentas. É a empresa que tem de se adequar para atenderàs necessidades de seus públicos.Nós estamos fazendo isso neste exato momento em nossa empresa. No momento, esta-

mos demolindo 100% do modelo da Talent de dez anos atrás. Estamos construindo umaempresa completamente diferente, quanto ao modelo, ao que a gente faz, ao perfil etc.

O que muda na essência na Talent?Tudo. O perfil de competência das pessoas envolvidas, as estruturas operacionais, o

tamanho da empresa. Hoje a necessidade de comunicação dos clientes continua existindo,

“Fizemos na Talent uma pesqui-sa, cruzando dados estatísticos deinvestimento em mídia por catego-ria de produtos, nos últimos dezanos, com entrevistas em profun-didade feitas com executivos daárea de marketing de grandesempresas de produtos industriaisde consumo. Foram analisadas 19

categorias de produtos a saber:biscoitos e bolachas; carne ederivados; chocolates, balas, doces;derivados de tomates; iogurtes;leites puros e aditivados; margari-nas e manteigas; panificação econfeitaria; sorvetes; aparelhos desom e acessórios; eletrodomésticoslinha branca; televisão e vídeo;colônias e perfumes; higiene bucal;higiene e beleza capilar; sabonetese espuma de banho; tratamento

para pele; limpeza de louça;limpeza de vestuário. Atribuímos peso 100, simulta-

neamente, a dois elementos:a) o investimento total da categoria(por exemplo: margarinas) emmídia no ano de 1990;b) o custo de uma programaçãopadrão anual de mídia para acategoria.

Usando dólares constantes foi verificada ano a ano, por um

período de dez anos (1990 a 2000),a evolução dos investimentos e docusto da mesma programação noperíodo. Os resultados são bastan-te eloquentes: das 19 categorias deprodutos industrializados de consu-mo pesquisadas, 16 diminuíram seusesforços de comunicação. Somenteleites puros e derivados, tratamen-

to para pele e limpeza de vestuárioaumentaram seus investimentos.

Por outro lado, categorias comoderivados de tomate, TV e vídeo eaparelhos de som, em 2000, esta- vam veiculando somente 25% damídia que realizaram há dez anos.No conjunto, o investimento médiode mídia para o suporte de marcasdiminuiu, nas categorias pesquisa-das, 45,6% nos últimos dez anos.

Qual a razão para essa mudança

estratégica tão surpreendente e tãoperigosa? Metade dos executivosentrevistados –foram 32, todosresponsáveis pelas áreas de marke-ting e comunicação– afirmou que apropaganda de marca não garantea sobrevivência da empresa. Vejamos alguns depoimentos:

 “Hoje em dia o dinheiro parapropaganda está pequeno, estamosdirecionando mais verbas paraoutras ações... Os investimentos

 Júlio Ribeiro revela resultados de pesquisa de dez anos realizada pela Talent 

em TV e revistas são muito caros,não que não exista retorno, mas aempresa quer retorno em curtoprazo... e esses meios não corres-pondem a essa expectativa.”

 “A propaganda já não é mais tãoimprescindível. Hoje existemoutras ações de ponto-de-vendaque podem conquistar clientes

muito mais de imediato...” “As metas têm de ser cumpri-das... Não existe isso de nãocumprir metas...”

O que se deduz é que os orça-mentos e as verbas de marketingdas empresas não diminuíram. Osinvestimentos foram, isto sim,deslocados da área de propagandadas marcas para a área de subven-ção de vendas, ou seja, para apoiarfinanceiramente as promoções e

propagandas realizadas pelasorganizações de varejo com afinalidade de conseguir colocarseus produtos nessas redes.

E as marcas? Já estão sofrendoas consequências: uma pesquisarealizada pela Nielsen em marçode 2001 demonstra que as marcaslíderes estão perdendo participa-ção em seus respectivos mercados,diminuindo de importância para oconsumidor.

A S E M P R E S A S VÊM A B A N D O N A N D O S U A S M A R C A SA S E M P R E S A S VÊM A B A N D O N A N D O S U A S M A R C A S

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mas o modelo de empresa que tem de atender a essa necessidade deve ser muito disciplina-do. O grande nó que existe no marketing moderno é o modelo estrutural. Hoje, se vocêabrir uma loja de armarinhos, você vai quebrar, não importa sua competência ou a qualida-de das coisas que você põe lá dentro.

Mais especificamente, o que um executivo de marketing deve pensar em relaçãoà publicidade hoje no Brasil, diante dessa nova realidade de mídia segmentada,Internet etc.?

Em primeiro lugar, eu acho que ele não deve mais pensar em publicidade ou apenas empublicidade. Ele deve pensar em comunicação, algo que é constituído de três elementosessenciais: um é o emissor da mensagem, outro é o meio que a transporta, o terceiro é oreceptor. Historicamente, a publicidade tem sido um processo só de emissão. As empresascontratavam uma agência para “bolar” peças criativas; depois gastavam semanas ou mesespensando na estratégia de mídia, fazendo combinações e possíveis simulações; e deixavampouquíssimo tempo para o estudo do receptor da mensagem.

 Voltando ao paralelo com a física newtoniana, o receptor era ou é visto pela publicidadecomo um elemento fixo. Ou seja, ele estaria obrigatoriamente na outra ponta, obrigatori-

amente receberia a mensagem e obrigatoriamente reagiria a partir daí, comprandoo produto.O que se descobriu posteriormente é que o receptor da mensagem é mutável –aliás, ele

é a grande variável do processo. Por isso, deve haver um processo de comunicação que sejaum processo orgânico com o receptor. Um exemplo: temos um cliente do setor de distri-buição de combustível, que é a rede de postos Ipiranga. Uma das mudanças essenciais emseu processo de marketing foi a constatação de que a empresa não estava apenas em umnegócio de distribuição de combustível e sim num negócio de varejo.

Ela possuía 5,5 mil postos cuja soma representava a receita de vendas global da compa-nhia. Cada um desses postos tinha um proprietário independente, cuja motivação, compe-tência e disposição de fazer coisas criava uma variável de enorme peso, muito maior que apublicidade. Então, descobrimos que às vezes morria o dono de posto, assumia umfilho e as vendas dobravam. Sem que houvesse mudança de lugar, de produto ou de preço

praticado. Então, a variável “receptor” –no caso da Ipiranga, o dono do posto de gasolina–era fundamental.

 A partir daí foi inciado um trabalho de aproximação e motivação dos postos da rede.Isso deu um resultado fenomenal na operação da empresa. A Ipiranga foi a empresa decombustível que mais cresceu no Brasil e bateu a Shell, tornando-se a segunda maior em-presa do Brasil. Isso é comunicação, não publicidade.

Estamos desenvolvendo agora novas tecnologias para diagnóstico e comunicação. A  Art Company, empresa do Grupo Talent, está criando um produto chamado “marketingatitudinal”. Conforme a atitude das pessoas que estão em sua empresa, você pode ter odobro do tamanho ou a metade. Por exemplo, um dos fenômenos estudados pelos espe-cialistas nessa área é o da escola de samba. É quase um milagre que as pessoas do morroda Mangueira produzam um enredo, pesquisa histórica, linguagens cenográficas, com-

posições musicais, soluções de logística etc. tudo gratuitamente. O diretor da escola nãoprecisa convencer o sambista que deve sambar bem, ou dizer à porta-bandeira que éimportante desfilar bem. As pessoas fazem isso automaticamente, por conta própria,porque estão motivadas e, por tal razão, a escola da samba funciona muito melhor que aGeneral Motors.

Fale mais sobre essa nova empresa de seu grupo. Ela é o novo caminho do marketing? A Art Company e está desenvolvendo processos de comunicação que não sejam propagan-

da, entre eles o marketing atitudinal. Descobriu-se que a mudança de atitude nas empresasprovoca transformações importantíssimas para que as metas sejam atingidas. Numa empre-sa, quando o funcionário está motivado e compartilha os valores de toda a organização, elefaz o que a empresa gostaria que fizesse, sem que ninguém precise pressioná-lo para tanto ousem que precise ganhar bônus no final do mês. Eu sempre me perguntei por que razão uma

“Precisamos

de bom senso,

discernimento,

capacidade

de avaliação” 

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estudante de medicina lava de graça os banheiros do navio do Greenpeace ou apanha dapolícia nos protestos? Quanto ela ganha para fazer isso?

 Aliás, já foi dito que as empresas com fins lucrativos têm muito a aprender com asorganizações sem fins lucrativos...

Concordo plenamente. Peguemos hipoteticamente um componente de uma escola desamba que também trabalhe numa repartição pública. Na repartição ele pode chegar maistarde do que deve, conseguir o maior número possível de dispensas médicas, trabalhar omínimo estritamente necessário e às vezes até protesta contra recomendações da direção,como atender bem o público etc. E essa mesma pessoa sai de lá, vai para a escola de samba eage de forma absolutamente contrária: acata todas as recomendações da chefia, fica até maistarde para limpar a quadra, ensaia em casa e assim por diante.

Como você aplica o “marketing atitudinal” dentro do Grupo Talent? Treinando seus funci-onários?

Sim, com treinamento apenas. Muitas empresas confundem treinamento com adestra-mento. Adestramento é fazer com as pessoas a mesma coisa que sefaz com os cachorros do

circo para que atravessem o cír-culo de fogo. Você os ensina comameaças ou estímulos a fazer umacoisa que eles não fariam espon-taneamente, e passado o fatormotivador, a coisa decai outra vez. As pessoas precisam desejar amesma coisa que a empresa de-seja. Aí elas se esforçam sozinhas,têm interesse, acreditam queaquilo é um valor.

O que nós temos no GrupoTalent é a procura de valores que

sejam comuns à empresa e aosfuncionários. O valor principal éa capacidade de se apaixonarpelos problemas, da paixão porresolvê-los. Em nossas empresas,a cultura é de paixão por aquiloque vem fazendo.

O Grupo Talent deixou, então,de ser um grupo de agências depropaganda?

Sim, porque os problemas não

são mais de propaganda; são decomunicação. Hoje nenhumaempresa pode basear sua conexãocom o mercado em propaganda.Todos os grupos de comunicação,incluindo a Talent, estão deixan-do de ser agências de propagan-da. Nós somos agência de propa-ganda, empresa de Internet, fir-ma de planejamento estratégico,temos muitos galhos nessa árvo-re. E propaganda nem é mais oaspecto da comunicação em que

O Grupo Talent começou coma agência homônima, fundada há21 anos com o objetivo de trazerpara o mercado um modelo inédi-to de operação: em vez de oferecerserviços de propaganda, pretendia“prestar talento” e “alugar inteli-gência”. Para manter a qualidade

do trabalho, a Talent adotou, des-de sua fundação, uma estruturamodular de crescimento. Novasagências seriam criadas quandoatingissem o limite de dez clientes. Assim, em 1989, nasceu a TalentBiz com uma estrutura indepen-dente, mas baseada no mesmoconceito de “empregar tempopara pensar”. Depois, por meiode aquisições, passaram a integraro grupo as agências QG e Lage& Magy, a Tríade-Comm (empresa

de Internet) e a Art Company(especializada em marketingpromocional).

Entre os principais clientes dasempresas do Grupo Talent estãoIntelig, Ipiranga, Tigre, SempToshiba, Banco Real, Consul,Brastemp, Lojas Americanas,Santista, Aché, Niasi, Fotoptica,União, CPM, Bandeirante Energia,Boticário, Estadão, Jornal daTarde, Native, Santher, Caloi,

Saiba mais sobre o Grupo Talent  Yakult, Emporio Armani, Unilevere Continental Airlines.O grupo responde por cases demarketing que ficaram famosos,como Brastemp (“Não é assimuma Brastemp”), Semp Toshiba(“Nossos japoneses são maiscriativos que os outros”), e Estadão

(“Com cara de conteúdo”).Com faturamento de US$ 56milhões em 2000 –e aumento de119% em relação ao ano anterior–,o Grupo Talent registrou o maiorcrescimento entre as cem maioresagências do mundo. Isso lhe valeuo 50º lugar no ranking de 2000 dapublicidade mundial, preparadopela publicação norte-americana

 Advertising Age, 

bíblia do setor.Também tornou-se o maior grupopublicitário de capital nacional,

pulando do décimo para o segun-do posto do ranking do jornal

 Meio & Mensagem no Brasil. Além do presidente Júlio Ribei-

ro, são sócios do grupo Talent JoséFrancisco Eustachio (vice-presiden-te de operações), Ana CarmenLongobardi (vice-presidente decriação), Rubens Ribeiro (vice-presidente de novos negócios) e Antônio Lino Pinto (vice-presiden-te administrativo).

“O vilão não

é o varejo, não.

O problema está

nas empresas

 fabricantes. Nos

últimos dez anos,

elas se retraíram

e pararam de

anunciar” 

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se aplica o maior volume de dinheiro –em alguns grupos internacionais, as receitas dasagências estão representando 40% das receitas de outras atividades de comunicação. A modificação das empresas é realmente o grande fenômeno do marketing contemporâneo.Hoje não existe uma empresa que seja igual ao que era, ou que possa operar eficazmenteno mercado da mesma forma que operava há dez anos.

Queremos puxar a conversa para os efeitos da globalização, como o acirramento daconcorrência. Como você acha que isso está afetando a estratégia de comunicação nocurto e no longo prazos?

Eu acho que não faz sentido você procurar principalmente os resultados de longo prazo,porque já dizia Keynes que no longo prazo todos estaremos mortos. Hoje o marketing deve visar o curto e o longo prazo simultaneamente. Todos os clientes que me procuram, semexceção, buscam formas de solucionar um problema. Tal solução sempre tem de servir parao curto e para o longo prazo. Na Escola do Estado Maior do Exército, se ensina que osoldado combate de vez em quando, mas come três vezes por dia.

 As empresas precisam sobreviver no longo prazo –pensando na marca, na empresa, nosfuncionários, nos consumidores etc.– e no curto prazo também –enfrentando o concorrente

que está batendo a sua porta. A solução de comunicação passa por uma visão que deve ser nocurto prazo uma visão tática e no longo prazo uma visão estratégica. Ou seja, a visão táticatem de ser estratégica no longo prazo.

O que eu vejo hoje é que as empresas estão se flexibilizando e se tornando mais adapta-das para resolver problemas pontuais e operar local e regionalmente, a partir do aprovei-tamento de investimentos no marketing de relacionamento com seus consumidores, reven-dedores e funcionários. A visão do marketing, hoje, está muito ligada à visão do modelo de

 Júlio Ribeiro é o fundador epresidente do Grupo Talent, o 50ºmaior grupo publicitário do mundosegundo a revista Advertising Age,um dos poucos com capital aindatotalmente brasileiro. Formadoem direito, ele fez vários cursos deaperfeiçoamento profissional noBrasil e exterior, entre eles o debusiness management da HarvardBusiness School e de criatividadena University of New York.

Ribeiro iniciou sua carreirano departamento de pesquisa daMcCann Erickson, foi diretorda Denison Propaganda e da Alcântara Machado Publicidade e,em 1967, fundou sua primeiraagência, a Júlio Ribeiro MihanovichPublicidade. É autor de três livrossobre técnicas de publicidade demarketing, entre eles Fazer Aconte-cer. Ribeiro recebeu por quatro vezes o prêmio Caboré de MelhorProfissional de Planejamento.

Saiba mais sobre Júlio Ribeiro

empresa que vai enfrentar os problemas do mercado –os quais, de modogeral, não são previsíveis.

É correto afirmar, então, que hoje o publicitário tem de entender tantode comunicação como de empresa?

 Acho que a essência da atividade publicitária não mudou. Ela continua

sendo uma atividade de caráter inovador e criativo. Publicitários costu-mam levar para seus clientes um lado que estes não têm, que é a criativi-dade, a visão inédita sobre algo. Como já dizia Ogilvy, publicidade é comoópera: se você não tem voz, não pode fazer parte do espetáculo; se vocênão é criativo, não fará carreira em publicidade.

Hoje a velha agência precisa ter equipes capazes de resolver uma gamamais complexa de solicitações. O publicitário brilhante mas superficialainda tem lugar nas agências, mas não constitui mais a essência do ne-gócio delas.

Hoje, é comum substituir o gênio pela equipe, porque a diversidade deaptidões que se tem na equipe a torna capaz de entender de muitas coisasao mesmo tempo. O negócio de comunicação ficou muito mais complexo.

Hoje inclui, por exemplo, uma área de diagnóstico, na qual se descobrepor que a maioria dos planos de marketing fracassa.

E por que fracassam?Fracassam por falta de definição do que é preciso acontecer e não por

falta de recursos ou de talentos. Nós descobrimos nessa área também queas técnicas tradicionais de pesquisa geralmente não respondem aos pro-blemas por si sós. Com elas, você corre o risco de atacar o problema naárea em que ele não é realmente problema e deixar a parte verdadeira-mente crucial sem solução. A tecnologia de diagnóstico é uma coisa abso-lutamente nova, até hoje nunca foi um item importante.

E quais são as técnicas de diagnóstico utilizadas?

“Já dizia Keynes

que no longo

 prazo todos

estaremos

mortos. Hoje o

marketing deve

visar o curto

e o longo

 prazo simulta-

neamente” 

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Muitas. Na Talent, desenvolvemos uma tecnologia de diagnóstico chamada Scaner, quetem subprodutos. Por exemplo, um permite localizar as duas linhas de força do marketing–a necessidade do cliente em direção ao produto e o direcionamento do fabricante paraseu consumidor. Outro produto de diagnóstico parte do pressuposto de que todo produtotem uma determinada virtude que provoca mais venda que as outras virtudes e tenta desco-

brir qual é ela. Para isso, em vez de se perguntar ao consumidor por que comprou certoproduto, você lhe pede que descreva as circunstâncias em que a compra ocorreu. Se vocêtem uma amostra suficiente, acaba tendo o quadro completo. Às vezes, uma virtude é im-portante para o fabricante, mas não o é para o cliente. E vice-versa.

Descobrimos também que existem elementos não-objetivos com enorme influência nodesenvolvimento da empresa, como fatores de responsabilidade social, éticos. Por exem-plo, o New York Times fez uma pesquisa com empresas que tinham mais de cem anos nosEstados Unidos e a característica mais comum a essas empresas é que todas elas se caracte-rizaram por dar muita importância a valores éticos e sociais. Aparentemente esses nãoteriam importância alguma, mas fizeram com que as empresas chegassem a ter mais decem anos. Então, como é que o público percebe o social e o ético em sua empresa? Como osfuncionários vêem isso? E os fornecedores? Isso tem mais peso do que propaganda para

obter resultados.Por isso eu insisto neste ponto: o grande fator de marketing hoje, a grande oportunida-de de desenvolvimento, está muito mais nas empresas do que nos mercados.

Como um grupo de comunicação atende hoje a todas as necessidades do cliente? Háestrutura suficiente para isso?

O cliente vai pedindo a estrutura e os grupos vão criando. O fenômeno é mundial. Osprincipais grupos de comunicação são muito grandes e poderosos, têm recursos, porte eestrutura para fazer qualquer coisa. E são empresas também globalizadas, com escritóriosem várias cidades do mundo.

Nós terminamos uma pesquisa que mostra que, na opinião dos empresários, as empre-sas de assessoria e consultoria são muito boas para diagnosticar problemas mas não paraaplicar soluções. Há um vácuo, e eles estão descobrindo que empresas especializadas de

relações públicas, promoções, pesquisas, treinamento etc. aplicam, sim, as soluções, masnão basta que apliquem isso isoladamente. Por isso, muitos clientes estão preferindo traba-lhar com grandes organizações que possam fornecer-lhes os diferentes tiposde ajuda de que necessitam. Daí se explica esse aumento da abrangência de atividades dosgrupos de comunicação.

 As empresas precisam de soluções novas e preferem uma fonte confiável e inovadorapara tal. Isso favorece os grupos de comunicação.

“O negócio de

comunicação

 ficou muito mais

complexo. Hoje

inclui uma área

de diagnóstico,

na qual se

descobre por 

que os planos

de marketing

 fracassam”