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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Promotoria de Justiça de Jaguapitã 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE JAGUAPITÃ/PR. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça que ao final subscreve, embasado no Inquérito Civil nº 0071.14.000009-3, e com fulcro nos artigos 6º, “caput”, 23, inciso V, 127, 129, inciso III, 205, 206, 208 211, § 3º, e 227, todos da Constituição Federal; artigos 12, inciso V, 165, 177, 178, inciso I, e 216, todos da Constituição do Estado do Paraná; artigos 4º, 53 e 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente; além das normas estabelecidas no microssistema de tutela jurisdicional coletiva, insculpido na Lei nº 7.347/1985, agindo na tutela de interesse difuso e individual homogêneo de crianças e adolescentes do Município de Jaguapitã/PR, vem perante Vossa Excelência, propor a presente: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (Educação) em face do ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelo senhor Procurador-Geral do Estado, com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, nº 561, 13º andar, CEP 80.060-100, Centro, Curitiba/PR, pelos seguintes motivos fáticos e jurídicos:

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

Promotoria de Justiça de Jaguapitã

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE JAGUAPITÃ/PR.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ,

por seu Promotor de Justiça que ao final subscreve, embasado no Inquérito Civil nº 0071.14.000009-3, e com fulcro nos artigos 6º, “caput”, 23, inciso V, 127, 129, inciso III, 205, 206, 208 211, § 3º, e 227, todos da Constituição Federal; artigos 12, inciso V, 165, 177, 178, inciso I, e 216, todos da Constituição do Estado do Paraná; artigos 4º, 53 e 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente; além das normas estabelecidas no microssistema de tutela jurisdicional coletiva, insculpido na Lei nº 7.347/1985, agindo na tutela de interesse difuso e individual homogêneo de crianças e adolescentes do Município de Jaguapitã/PR, vem perante Vossa Excelência, propor a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA (Educação)

em face do ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de

direito público interno, representada pelo senhor Procurador-Geral do Estado, com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, nº 561, 13º andar, CEP 80.060-100, Centro, Curitiba/PR, pelos seguintes motivos fáticos e jurídicos:

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1. Fatos: No Município de Jaguapitã/PR funciona uma única

escola estadual que oferece o ensino médio do 6º ao 9º ano, com distribuição de turmas nos períodos matutino, vespertino e noturno, sendo ela a “Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso”.

No período noturno, até o ano letivo 2013, eram

ofertadas uma turma para os 6º, 7º, 8º e 9º anos no período noturno com a finalidade de atender adolescentes e adultos com problemas de evasão escolar, repetência por faltas e baixo rendimento na aprendizagem, que em geral encontram-se em disparidade ano/idade.

Ocorre que segundo informações da Diretora da

mencionada escola recebida por este Membro do Ministério Público, através do Ofício nº 31/2014, a Secretaria de Estado da Educação não autorizou a abertura da turma do 6º ano para o período noturno no ano letivo de 2014.

A negativa veio acompanhada de fundamentação que

ofende o direito à educação de jovens e adultos. Num primeiro momento o Estado argumentou que dos 11 (onze) alunos matriculados para esse ano/período, 09 (nove) são multi-repetentes e 02 (dois) não tem idade adequada.

A direção da escola, discordando, reiterou o pedido

argumentando ser a única instituição que oferece os anos finais do ensino médio no município e que os alunos matriculados para o 6º ano trabalham e contam com mais de 15 (quinze) anos. Contudo, o Estado mais uma vez ignorando o direito à educação indeferiu o pedido de abertura do 6º ano noturno e argumentou que o 6º ano de 2012 tiveram 19 (dezenove) alunos matriculados, dos quais apenas 03 (três) foram aprovados; e o 6º ano de 2013 tiveram 15 (quinze) alunos matriculados, dos quais 05 (cinco) foram aprovados.

Foi informado que para o 6º ano, período noturno, ano

letivo 2014, tiveram 14 (catorze) matrículas, todos trabalham, alguns já são pais mesmo na adolescência, e o perfil de idade e compleição física difere em muito dos alunos matriculados para o 6º ano matutino e vespertino, que estão na idade correta. Não seria prudente que alunos de 15 (quinze) anos de idade, ou mais velhos, estudarem junto de crianças com idade média de 11 (onze) anos. Ademais, o Estado do Paraná não oferece em Jaguapitã o EJA – Educação de Jovens e Adultos, para garantir a continuidade do ensino aos matriculados no período noturno.

Da relação encaminhada verifica-se que houve 14

(catorze) alunos matriculados para o 6º ano/noturno, dos quais 10 (dez) são adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 17 (dezessete) anos, e 04 (quatro) já alcançaram a maioridade.

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Verifica-se, portanto, que o Estado do Paraná, através da Secretaria de Estado da Educação, ao negar autorização de abertura do 6º ano/noturno, ofendeu o direito universal à educação de adolescentes e adultos que não estão em idade escolar adequada para frequentar a escola nos períodos matutino e vespertino, ao argumento de que se tratam de repetentes e desistentes de anos anteriores.

Nesses termos fica evidenciado o absurdo da decisão

administrativa ora combatida, porque aniquila qualquer possibilidade de escolarização desses adolescentes e adultos que durante o dia, por questões sociais e familiares, precisam trabalhar.

Dessa forma, visando assegurar a urgente oferta do

ensino fundamental gratuito no Município de Jaguapitã/PR é que se maneja a presente ação civil pública.

2. Fundamentos: 2.1. Educação: direito fundamental: A educação é um direito fundamental do homem

insculpido pelo artigo 6º da Constituição Federal dentre aqueles direitos humanos de segunda geração que impõe um facere do Estado, que, por sua vez, por ordem constitucional, tem o dever de concretizar, dentre outros, a educação.

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

É certo que o direito à educação constitui prerrogativa

deferida a todos pela Carta Constitucional, consubstanciando-se em um dos direitos sociais de maior expressão, cuja concretização é imposta, primordialmente ao Poder Público, o qual é responsável pela criação de condições objetivas ao efetivo acesso ao sistema educacional.

Prevê a Constituição Federal:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Idêntica é a Constituição do Estado do Paraná:

Art. 177. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

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É preciso assinalar, nesse ponto, por relevante, que o direito à educação – que representa prerrogativa constitucional deferida a todos – qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção e categoria dos direitos de segunda geração ou dimensão, cujo adimplemento impõe, ao Poder Público, a satisfação de um dever de prestação positiva, pois o Estado dele só se desincumbirá criando condições objetivas que propiciem, aos titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema educacional.

Nesses termos, a educação está inserida no conceito de

universalidade dos direitos fundamentais, fulcrada no princípio da dignidade da pessoa humana. Se a Carta Polícia de 1988 reconheceu-a como direito de todos e obrigação do Estado, não há como afastar a obrigatoriedade do Estado em oferecer educação segundo as necessidades de cada educando.

Para CELSO LAFER,1 o direito à educação – que se mostra

redutível à noção dos direitos de segunda geração – exprime, de um lado, no plano do sistema jurídico-normativo, a exigência de solidariedade social, e pressupõe, de outro, a asserção de que a dignidade humana, enquanto valor impregnado de centralidade em nosso ordenamento político, só se afirmará com a expansão das liberdades públicas, quaisquer que sejam as dimensões em que estas projetem:

“É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo ‘welfare state’, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los. O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua individualidade. Daí a complementaridade, na perspectiva ‘ex parte populi’, entre os direitos de primeira e de segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas. Por isso, os direitos de crédito, denominados direitos econômico-sociais e culturais, podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais: procuraram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo, impedindo, desta maneira, a invasão do todo em relação ao indivíduo, que também resulta da escassez dos meios de vida e de trabalho.”

Nesses termos, a Constituição Federal optou pelo

ensino público, pois incumbe ao Poder Público prestar esse serviço público essencial mediante a organização dos sistemas de ensino, inclusive com previsão infraconstitucional expressa de ser direito da criança e do adolescente, bem como dos adultos que não tiveram acesso ao tempo apropriado, o acesso à educação (artigos 4º e 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente; artigos 2º e 37 da Lei nº 9.394/1996).

1 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 1ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, pág. 127-131.

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Incumbe ao Poder Público tornar real o direito à educação, mediante concreta efetivação da promessa constitucional que garante de acesso irrestrito de todos aos bancos escolares.

Cabe referir, nesse ponto, a observação de PINTO

FERREIRA,2 quando adverte – considerada a ilusão que o caráter meramente retórico das proclamações constitucionais muitas vezes pode sugerir – sobre a necessidade de se conferir efetiva concretização a esse direito essencial, cuja eficácia não pode ser comprometida pela inação do Poder Público:

“O direito à educação necessita ter eficácia. Sendo considerado como um direito público subjetivo do particular, ele consiste na faculdade que tem o particular de exigir do Estado o cumprimento de determinadas prestações. Para que fosse cumprido o direito à educação, seria necessário que ele fosse dotado de eficácia e acionabilidade...”

Nesses termos, pode-se afirmar que a educação, em

seu caráter de universalidade, somente pode ser um direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas.

Portanto, se há direito público subjetivo à

educação, o Estado não pode menosprezá-lo; tem a obrigação de entregar a prestação educacional, sob pena de grave e injusta frustração de um compromisso constitucional. Fora daí, é iludir o povo com artigos de Constituição ou de leis.

Resolver o problema da educação não é fazer leis,

ainda excelentes; é abrir escolas, ter professores e admitir todos os alunos, seja em qual período for: matutino, vespertino ou noturno, sob pena de grave violação à Constituição Federal.

2.2. Educação: ensino noturno: Enquanto a Constituição Federal manter o princípio da

igualdade entre os brasileiros e estrangeiros residentes no país, inclusive com previsão específica de igualdade no acesso e permanência na escola, não poderá o Estado do Paraná reduzir o alcance do texto:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

O que aqui se prevê, a exemplo do artigo 5º, “caput”, da

Constituição Federal, é a igualdade material, isto é, aquela que trata as pessoas em condições díspares de forma desigual aos demais, no intuito de garantir-lhe o 2 FERREIRA, Pinto. Educação e Constituinte. Revista de informação legislativa, v.23, nº 92, p. 171-194, out./dez. de 1986, pág. 171-173 [disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181734/000427044.pdf?sequence=3]

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efetivo acesso às políticas públicas envoltas ao direito à educação e à escola pública segundo suas condições peculiares.

Salienta ALEXANDRE DE MORAES3 que “o que se veda são as

diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”.

De nada adianta o Estado oferecer o 6º ano do ensino

fundamental durante o dia enquanto parcela dos alunos, por conta de suas necessidades especiais – seja pela idade, seja pelo trabalho –, apenas podem estudar a noite.

Negar acesso à educação implica em negar tratamento

isonômico àqueles que não têm possibilidade de estudar durante o dia. Ademais, a educação, enquanto condição para a

formação do homem constitui tarefa fundamental do Estado. É um de seus deveres primordiais. Por isso, o Poder Público deve organizar os sistemas de ensino de modo a cumprir o respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais que garantam, no mínimo:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Na hipótese, o ensino fundamental gratuito no 6º ano

foi assegurado pelo Estado através da abertura de turma no período diurno, no ano de 2014; contudo, nos anos anteriores a efetivação desse direito também era 3 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002, pág. 64.

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assegurada no período noturno, inclusive para os alunos atualmente matriculados, estigmatizados pela Secretaria de Estado da Educação de multi-repetentes e que estudam o 6º ano no ano letivo de 2013 no período noturno.

Logo a ausência de oferta de turma do 6º ano noturno

caracteriza ofensa direta ao texto constitucional, seja em relação aos alunos repetentes, seja em relação aos eventuais alunos transferidos de turno na própria escola ou transferidos de estabelecimento de ensino durante o transcorrer do ano.

Se a Carta Maior impõe a obrigatoriedade da educação

básica, o faz sob duplo aspecto: primeiro, dirigido ao cidadão maior, aos pais e responsáveis das crianças e adolescente, que tem a obrigação de concluir o ensino fundamental; segundo, dirigido ao Estado que é obrigado assegurar as crianças e adolescentes dos 04 aos 17 anos de idade e para todos aqueles que a ela não tiveram acesso na idade própria, inclusive com oferta de ensino noturno regular e adequado às condições dos educandos, que não possuem condições de frequentar a escola durante o dia.

A Constituição Estadual também contém norma

semelhante, em que se verifica nitidamente a intensão do constituinte: assegurar a oferta de ensino público noturno, adequando às condições do aluno, com a mesma qualidade do ensino ministrado no período diurno.

Art. 179. O dever do Poder Público, dentro das atribuições que lhe forem conferidas, será cumprido mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tenham tido acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - ensino público noturno, fundamental e médio, adequado às necessidades do educando, assegurado o mesmo padrão de qualidade do ensino público diurno; IV - atendimento educacional especializado gratuito aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - organização do sistema estadual de ensino; VII - assistência técnica e financeira aos Municípios para o desenvolvimento do ensino fundamental, pré-escolar e de educação especial; VIII - Atendimento ao educando, no ensino pré-escolar, fundamental, médio e de educação especial, através de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - atendimento em creche e pré-escola às crianças de até seis anos de idade; X - ampliação e manutenção da rede de estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio, independentemente da existência de escola mantida por entidade privada.

Conclui-se, portanto, que o Estado do Paraná, ao negar

a abertura do 6º ano do ensino fundamental no período noturno, apesar de existirem 14 (catorze) matrículas realizadas, violou norma constitucional, pois se absteve de cumprir com o dever de prestação que lhe é imposto pela Constituição.

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Tratando-se de típico direito de prestação positiva, a

educação tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Estado-Membro (artigo 211, § 3º, da Constituição Federal), disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar com base em simples alegação de conveniência e oportunidade, a nulificação do ensino fundamental noturno, mesmo que parcialmente.

O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em

tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompensável sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.

Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar

uma constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito de torna-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

Violou ainda o artigo 4º da Lei das Diretrizes e Bases

da Educação (Lei nº 9.394/1996), que também prevê a obrigatoriedade do ensino fundamental para crianças e adolescentes e àqueles que não tiveram acesso na idade adequada (incisos I e IV), inclusive com oferta de ensino noturno regular à jovens e adultos, adequado às condições do educando, segundo suas necessidades e disponibilidades, garantindo inclusive aos trabalhadores o acesso e permanência à escola (incisos VI e VII).

Não se duvide que a mais inquestionável forma de

abuso do Poder Público é negativa de oferta regular de ensino obrigatório nos moldes que já vinham sendo disponibilizados, com sumária cassação do direito subjetivo dos alunos fulcrada em argumentos inaceitáveis.

A educação é obrigatória para o Estado como

serviço público que deve ser posto em quantidade e qualidade necessárias para atendimento universal da população em condições de igualdade de conteúdo e aproveitamento.

Por isso, não se trata de faculdade do Estado oferecer

o ensino fundamental, inclusive noturno e adequado às necessidades do aluno. É uma obrigação imposta pela Constituição (artigo 208, inciso I, da Constituição Federal; artigo 179, inciso I, da Constituição Estadual) e elevada ao grau de direito fundamental da pessoa (artigo 6º da Constituição Federal).

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CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ABERTURA DE TURMAS DO 3º ANO DO ENSINO MÉDIO, NO PERÍODO DIURNO. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSENTE, NAS RAZÕES DO RECURSO, QUALQUER ARGUMENTAÇÃO SOBRE A QUESTÃO. NÃO CONHECIMENTO. INTERESSE DE AGIR. PRESENÇA. DESNECESSIDADE DE EXAUSTÃO DA VIA ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO (ART. 5º, XXXV, DA CF). VIA PROCESSUAL ADEQUADA. DEFESA DO DIREITO À EDUCAÇÃO, DE NATUREZA DIFUSA. ART. 1º, IV, DA LEI N. 7347/85. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. NÃO CABIMENTO. HIPÓTESE EM QUE SE DISCUTE DIREITO FUNDAMENTAL, DE APLICABILIDADE IMEDIATA (ART. 5º, §1º, DA CF). INTERESSE DE AGIR QUE CONTINUA HÍGIDO QUANTO Á NECESSIDADE FUTURA DE OFERTA DE NOVAS VAGAS. SENTENÇA ULTRA PETITA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO INICIAL (3º ANO DO ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DIURNO). DIREITO À EDUCAÇÃO. ART. 205, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRERROGATIVA DEFERIDA A TODOS. DEVER DO ESTADO. INTERPRETAÇÃO CORRETA DO ART. 208, II, DA CF. UNIVERSALIZAÇÃO PROGRESSIVA DO ENSINO MÉDIO GRATUITO. TURMA ABERTA NO ANO DE 2002. OFENSA À NORMA CONSTITUCIONAL CASO AUSENTE A OFERTA NOS ANOS SUBSEQUENTES. OFERTA DE ENSINO NO PERÍODO DIURNO. OBRIGATORIEDADE. OMISSÃO DO ESTADO DO PARANÁ EM CUMPRIR DEVER DE PRESTAÇÃO IMPOSTO PELA CARTA MAGNA. ILEGALIDADE. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. NÃO OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DIREITO FUNDAMENTAL (ART. 6º, CAPUT, DA CF). LIMITE À MARGEM DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE PROVA DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS. INAPLICABILIDADE. DEMANDA. PROCURA PELO 3º ANO DO ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DIURNO, AINDA QUE POR UM ALUNO APENAS. RESOLUÇÃO N. 864/2001 DA SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. NORMA EDITADA COM O OBJETIVO DE OTIMIZAR O ENSINO PÚBLICO ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO PARA OBSTAR A OFERTA DE ENSINO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. VALOR DESTINADO AO FUNDO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, CRIADO COM A FINALIDADE DE ABSORVER TAIS VERBAS (ART. 3º, XV, DA LEI ESTADUAL N. 12.241/98). FONTE E FINALIDADE DIVERSAS DO ORÇAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO, MANTIDA A SENTENÇA QUANTO AOS DEMAIS PONTOS, INCLUSIVE EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - ACR - 468521-2 - Paraíso do Norte - Rel.: Josély Dittrich Ribas - Unânime - - J. 25.11.2008). MANDADO DE SEGURANÇA. TERMO DE CONVÊNIO CELEBRADO ENTRE O ESTADO DO PARANÁ E MUNICÍPIO. REPASSE DE VERBAS PARA PRESTAÇÃO, PELO MUNICÍPIO, DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE ESCOLAR DOS ALUNOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL RESIDENTES NA ÁREA RURAL. CERTIDÃO NEGATIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS. EXIGÊNCIA. ILEGALIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. "O acesso à educação, no ensino fundamental, foi alçada pelo legislador constituinte à condição de serviço público essencial e direito público subjetivo, sendo que os Estados e os Municípios tem a obrigação de definir formas de colaboração de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. Por disposição legal, o transporte dos alunos da rede pública estadual de ensino, compete aos Estados. Assim, se o Termo de Convênio visa única e exclusivamente o repasse ao Município, pelo Estado do Paraná, de recursos financeiros com vistas a fornecer meios daquele realizar serviço público que cabe a este, tal verba tem natureza de transferência voluntária, afigurando-se ilegal condicionar tal repasse à apresentação de

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certidão negativa do Tribunal de Contas. Se assim não fosse estar-se-ia prejudicando somente aos alunos da rede pública de ensino estadual, em detrimento a tudo o que a Constituição Federal dispõe acerca do universal acesso à educação. Segurança concedida. (TJPR - Mandado de Segurança nº nº 164.231-0, Rel. Des. Bonejos Demchuk)." (TJPR - 6ª C.Cível em Composição Integral - MS - 312476-1 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Prestes Mattar - Unânime - - J. 31.01.2006).

Em resumo: basta o Estado cumprir com as

determinações constitucionais. 2.3. Princípio da Proibição do Retrocesso: Há que se considerar, ainda, que em se tratando de

direito social fundamental, uma vez implementado não se admite retrocesso. Incide aqui o princípio da proibição do retrocesso, que

na definição do mestre de Coimbra, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, implica em afirmar que “o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas [...] deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estatais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial”.4

A cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social

traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à educação e à saúde, p.ex.), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos pelo Estado, exceto nas hipóteses – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.

Nos termos postos no voto do eminente Ministro CELSO

DE MELO (STF, Ag.Rg. no RE nº 639.377), ao comentar a proibição do retrocesso:

“Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de segurança social, etc.). enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não obrigam apenas cria-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, pág. 339-340.

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Quer isso dizer que, a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social”.

Dessa forma, não se pode retroceder e excluir uma

estrutura existe – oferta de vagas do ensino fundamental no período noturno quando existem estudantes interessados e matriculados – quando a efetivação dos direitos fundamentais caminham no sentido da dilatação e do avanço da educação no, que deverá alcançar a todos, sem qualquer distinção.

A inoperância funcional dos gestores públicos, a falta

de visão e compreensão do valor educação, na concretização das imposições constitucionais estabelecidas em favor das pessoas não podem nem devem representar obstáculos à execução da norma insculpida no artigo 208, inciso VI, da Constituição Federal (artigo 179, inciso III, da Constituição Estadual), que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena desse desastroso ato governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental da cidadania, que é o direito à educação, cuja amplitude conceitual abrange também o fornecimento dos nove anos do ensino fundamental também no período noturno.

A única possibilidade de se extirpar o ensino

fundamental noturno nos moldes em que vinha sendo prestado até o ano de 2013, mesmo que seja apenas o 6º ano, é a implementação de políticas públicas compensatórias, isto é, a criação e efetivo funcionamento do EJA para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) no período noturno, pois em Jaguapitã o EJA agasalha apenas as séries iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), sendo a escola Dr. Waldemiro Pedroso a única instituição pública de ensino de Jaguapitã que oferta as séries finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano).

Sem essa estrutura a ausência de oferta do ensino

noturno pelo Estado do Paraná implica em ofensa direita ao artigo 208 da Constituição Federal e artigo 179 da Constituição Estadual, além de implicar no odioso retrocesso dos direitos fundamentais.

A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em

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consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. (STF, ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125).

No caso vertente, a única forma possível de garantir

com efetividade o direito à educação é a imposição ao Estado do Paraná o dever constitucional de assegurar a abertura e funcionamento do 6º ano do ensino fundamental no período noturno na Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso de Jaguapitã/PR, para atender a população, jovens e adultos, excluídos do acesso ao Ensino Fundamental.

Nesses termos não há dúvidas que o ato do Poder

Público é abusivo e inconstitucional. Via de consequência não poderá gerar efeitos e cabe ao Poder Judiciário garantir o acesso à educação dos alunos matriculados.

2.4. Separação de Poderes: ausência de violação: O Estado do Paraná ao não abrir o 6º ano do ensino

fundamental no período noturno, apesar de existirem matrículas, violou norma constitucional, pois se absteve de cumprir um dever de prestação que lhe é imposto pela Carta Magna.

Por conseguinte, face à inércia do aparelho estatal, é

possível incumbir ao Poder Judiciário, mesmo que excepcionalmente, a tarefa de zelar pela aplicabilidade dos postulados inscritos na Constituição Federal, mediante a adoção de medidas que viabilizem a concreção destas prerrogativas, sem que isso importe em violação ao princípio da separação dos poderes.

Ressalte-se que o caráter de fundamentalidade do qual

se reveste o direito ora em apreço limita a margem de discricionariedade do administrador, o qual deve se vincular às políticas públicas estabelecidas na Carta da República. Isso porque o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência da implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.

Encontra-se pacificado no STF o entendimento de que

o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da educação, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, uma vez que não se trata de ingerência ilegítima de um Poder na esfera do outro.

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Essa excepcionalidade decorre de a formulação e implementação de políticas públicas relativas aos direitos sociais residir, primariamente, na esfera de atribuição dos Poderes Legislativo e Executivo; contudo, em caso de indevida omissão em implementa-las ou abuso ao extingui-las, compete ao Poder Judiciário exercer o devido controle dentro do sistema do “checks and balances” (sistema de freios e contrapesos no qual o poder controla o poder), para que se dê efetiva eficácia ao texto constitucional.

Não há dúvidas que compete ao Poder Judiciário fazer

prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada pelos Poderes Públicos, tudo visando restaurar a Constituição violada por ato abusivo do Estado. E assim o atuando nada mais faz senão em cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.

A ofensa direta ao texto constitucional pelo Estado do

Paraná não pode ser aceita e reduzida a uma posição de pura e simples passividade do Ministério Público e do Poder Judiciário.

DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. (STF, ARE 639.337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARÊNCIA DE PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO PÚBLICO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E 211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da

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Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental [...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 594.018 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009, DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-11 PP-02360 RTJ VOL-00211- PP-00564 RMP n. 43, 2012, p. 217-225). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO PARA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. MELHORIA DA QUALIDADE DO ENSINO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 2. Agravo regimental não provido. (STF, ARE 635.679 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-025 DIVULG 03-02-2012 PUBLIC 06-02-2012). CONSTITUCIONAL. ATENDIMENTO EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA. I. - Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário. II. - Agravo não provido. (STF, RE 463.210 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 06/12/2005, DJ 03-02-2006 PP-00079 EMENT VOL-02219-11 PP-02181 RT v. 95, n. 849, 2006, p. 199-202 RMP n. 31, 2009, p. 187-191).

Dessa forma, o objeto da demanda além de não ofender

a Tripartição dos Poderes busca que o Judiciário cumpra estritamente com sua parcela de atribuição deferida pela Constituição da República.

2.5. Obrigação de Fazer: Dos fundamentos alinhavados decorre a conclusão

lógica de que os danos difusos e individuais homogêneos praticados pelo Estado somente serão superados mediante a imposição de uma obrigação de fazer, consistente na emissão de autorização/ordem estatal à Escola Estadual Dr. Valdemiro Pedroso de Jaguapitã/PR para que abra uma turma do 6º ano do ensino fundamental no período noturno.

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Trata-se de obrigação positiva visando dar cumprimento dos comandos constitucionais violados, que encontra amparo no artigo 287 do Código de Processo Civil, inclusive para as ações coletivas nos termos do artigo 3º da Lei nº 7.347/1985, que remetem à tutela específica das obrigações de fazer e/ou de não fazer estabelecidas no artigo 11 da Lei nº 7.347/1985 e artigo 461 do Código de Processo Civil:

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4o, e 461-A). Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Nos termos ressaltados por LUIZ GUILHERME MARINONI5

“os arts. 461 do CPC e 84 do CDC devem ser compreendidos como normas que permitem ao juiz (i) impor um não-fazer ou um fazer, sob pena de multa, e (ii) determinar uma modalidade executiva capaz de dar ao autor um resultado equivalente àquele que poderia ser obtido com a imposição e o adimplemento do fazer ou do não-fazer”.

Trata-se da tutela específica para as obrigações de

fazer e não fazer, também chamada de tutela inibitória da qual se busca, mediante ordem judicial com imposição de multa pecuniária, influir na vontade do Estado para que autorize o funcionamento do 6º ano noturno, inclusive assegurando o resultado prático equivalente em caso de inadimplemento, em preferência à tutela geral que garantiria aos lesados o equivalente em dinheiro.

A importância da tutela inibitória positiva no campo

dos direitos coletivos lato sensu também não passou despercebida por LUIZ GUILHERME MARINONI6 que destacou “em se tratando de direitos difusos e coletivos, a situação ilícita configura-se, em regra, como atividade de natureza continuada ou 5 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2001, pág. 71. 6 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2001, pág. 82-83.

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como pluralidade de atos suscetíveis de repetição, bastando pensar na poluição ambiental ou no uso reiterado de cláusulas abusivas em contratos pactuados com os consumidores. Ora, a tutela inibitória, instrumentalizando-se através de uma ordem que impõe um não-fazer ou um fazer sob pena de multa, volta-se exatamente a evitar a prática, a continuação ou a repetição do ilícito”.

Dessa forma, ao tempo que se demonstra a ilicitude do

ato administrativo nos moldes pelos quais foi editado, necessário se faz impor obrigação de fazer, consistente em determinar a reabertura do 6º ano do ensino fundamental, período noturno, na Escola Estadual Dr. Valdemiro Pedroso de Jaguapitã/PR para o ano letivo de 2014, cominando-se multa por dia de descumprimento, sem prejuízo da adoção de medidas que assegurem o resultado prático equivalente.

Cabe observar a viabilidade de imposição de multa

diária contra o Estado do Paraná em demanda coletivas, pois objetiva compeli-lo a cumprir, de modo efetivo e integral, o comando emergente da tutela antecipadas e de sentença confirmatória.

Vale salientar que inexiste qualquer obstáculo jurídico-

processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 4º do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor e do § 5º do artigo 461 do Código de Processo Civil:

§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Precedentes do STF existem nesse sentido:

LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES”. - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A “astreinte” - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência. (STF, ARE 639.337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125). TUTELA ANTECIPATÓRIA - POSSIBILIDADE, EM REGRA, DE SUA OUTORGA CONTRA O PODER PÚBLICO, RESSALVADAS AS LIMITAÇÕES PREVISTAS NO ART. 1º DA LEI Nº 9.494/97 - VEROSSIMILHANÇA DA

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PRETENSÃO DE DIREITO MATERIAL - OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DO "PERICULUM IN MORA" - ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS (CPC, ART. 273, INCISOS I E II) - CONSEQÜENTE DEFERIMENTO, NO CASO, DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS "ASTREINTES" CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - DECISÃO REFERENDADA EM MAIOR EXTENSÃO - TUTELA ANTECIPATÓRIA INTEGRALMENTE DEFERIDA. POSSIBILIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DE OUTORGA, CONTRA O PODER PÚBLICO, DE TUTELA ANTECIPATÓRIA. - O ordenamento positivo brasileiro não impede, em regra, a outorga de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional contra o Poder Público, uma vez atendidos os pressupostos legais fixados no art. 273, I e II do CPC, na redação dada pela Lei nº 8.952/94, ressalvadas, no entanto, as situações de pré-exclusão referidas, taxativamente, no art. 1º da Lei nº 9.494/97, cuja validade constitucional foi integralmente confirmada, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC 4/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO. Existência, no caso, de decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu, em favor do menor impúbere, o direito em seu nome vindicado. Ocorrência, ainda, de situação configuradora de "periculum in mora" (preservação das necessidades vitais básicas do menor em referência). LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS "ASTREINTES". - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A "astreinte" - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito. Doutrina. Jurisprudência. (STF, RE 495.740 TAR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/06/2009, DJe-152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-07 PP-01452 RTJ VOL-00214- PP-00526 RT v. 98, n. 889, 2009, p. 186-193 RSJADV out., 2009, p. 56-59).

Portanto, compete ao Judiciário impor obrigações ao Estado de abrir a turma sumaria e abusivamente fechada, inclusive com a imposição de multa diária por atraso no cumprimento da obrigação constitucionalmente imposta pelo artigo 208 da Carta Política.

2.6. Antecipação de Tutela: Analisando os elementos perfunctórios trazidos aos

autos, em sede de cognição vertical sumária, constata-se a presença da “prova inequívoca da verossimilhança da alegação”, pois demonstrado que o Estado faz cessar o funcionamento do 6º ano do ensino fundamental noturno na Escola Estadual Dr. Valdemiro Pedroso de Jaguapitã/PR sem qualquer fundamento idôneo.

Presente também o “perigo de dano irreparável ou de

difícil reparação” relativo aos danos decorrente da ausência de acesso à de escolarização dos jovens e adultos matriculados poderão provocar, ainda mais se

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considerado que o ano letivo de 2014 já iniciou em 10/02/2014, não sendo exigível que os alunos matriculados fiquem sem estudar enquanto esperam pelo provimento final do processo com amparo na cognição exauriente.

Sobre os requisitos da tutela antecipada, MARCUS

VINICIUS RIOS GONÇALVES7 esclarece quanto a existência de prova inequívoca da verossimilhança que “a lei estabelece que o juiz faça um exame não da certeza do direito, mas da plausibilidade de sua existência, trazida pelos elementos que constam dos autos. A prova inequívoca não é do direito, pois, se tal já existisse, o caso seria de julgamento antecipado da lide. Esse requisito assemelha-se ao fumus boni iuris, necessário para a concessão das tutelas cautelares, em que também a cognição do juiz é feita com base em mera probabilidade. Costuma-se distinguir a exigência de verossimilhança das tutelas antecipadas do fumus boni iuris das cautelares argumentando que, no exame do primeiro, o juiz deve ser mais rigoroso. A plausibilidade haveria de ser maior para a concessão da tutela antecipada do que para a cautelar. No entanto, fica muito difícil estabelecer uma linha divisória entre os dois níveis de plausibilidade. Ou o que se alega é verossímil e suficiente para a concessão de uma tutela de urgência, ou não. Essa linha de distinção torna-se ainda mais tênue diante da adoção da fungibilidade entre as tutelas de urgência”. Quanto ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ensina que se trata de “um perigo de prejuízo irreparável. O requerente encontra-se em uma situação tal que não pode aguardar o desfecho do processo, sob pena de sofrer graves consequências. A concessão da medida serve para que seja evitado um dano, ou que ele persista, ou se agrave. Dano irreparável é aquele que não pode ser revertido, tendo ou não conteúdo patrimonial”.

Diante das presenças dos requisitos da tutela urgente,

devidamente respaldados no arcabouço probatório até então reunidos no inquérito civil, como consequência necessária, a antecipação de tutela merece ser deferida liminarmente, nos termos permitidos pelo microssistema das ações coletivas formado basicamente pela Lei nº 7.347/1985 e pelo Código de Defesa do Consumidor, o que vem repetido pelo Código de Processo Civil:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado

7 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento (1ª parte). Volume 1. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 295.

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prático equivalente ao do adimplemento. § 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

Portanto, é clara a necessidade de se conceder o pedido

liminar por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade de tal medida: prova inequívoca da verossimilhança e receio de dano irreparável. Inequívoco o interesse difuso consistente em assegurar eventuais interessados em transferência de turno na escola ou transferência de outro município, bem como interesse individual homogêneo dos alunos já matriculados.

A desnecessidade de justificação prévia, no caso de

concessão de liminar, no presente caso, se impõe e prevalece, uma vez que a parte requerida está agindo contra o interesse público e social, posto que se almeja o acautelamento e a salvaguarda do direito fundamental à educação, e a demora na concessão da medida liminar pode levar ao perecimento do direito – os alunos poderão ficar sem estudar no ano letivo de 2014 –, estando a concessão de liminar “inaudita altera parte” autorizada pelo artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor e artigo 461, § 3º, do Código de Processo Civil.

Portanto, presentes motivos suficientes para se deferir

liminarmente “inaudita altera parte” a determinação de abertura do 6º ano do ensino fundamental noturno e cominada obrigação de fazer consistente na emissão, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, de autorização de funcionamento do 6º ano do ensino fundamental noturno da Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso de Jaguapitã/PR.

Sobre a possibilidade de impor obrigação de fazer ou

não fazem em sede de medida cautelar, inclusive liminarmente e previsão de multa diária ou cominatória, prevê o artigo 11 da Lei nº 7.347/1985:

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Dessa forma, para a garantia do cumprimento da

obrigação de fazer (autorizar o funcionamento), entende o Ministério Público pela necessidade de impor multa em valor razoável, sugerindo-se em R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso.

Diante do exposto e pelo mais que dos autos de

inquérito consta, a liminar é medida necessária e que se impõe.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

Promotoria de Justiça de Jaguapitã

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3. Pedidos: Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO

ESTADO DO PARANÁ, por meio de seu Promotor de Justiça, diante dos fundamentos trazidos à demanda, requer:

a) Seja a presente inicial recebida e autuada como Ação

Civil Pública, prosseguindo-se nos termos postos pela Lei nº 7.347/1985; b) Seja concedida liminarmente a determinação de

abertura do 6º ano do ensino fundamental noturno, impondo ao requerido ESTADO DO PARANÁ a obrigação de fazer consistente na emissão, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas de autorização, de funcionamento do 6º ano do ensino fundamental noturno da Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso de Jaguapitã/PR para o ano letivo de 2014 e para os subsequentes quando existam matrículas, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, em caso de descumprimento da ordem judicial, que deverá ser destinado ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985;

c) Seja o réu ESTADO DO PARANÁ citado para, caso

queira, apresentar respostas, sob pena de revelia e aceite dos fatos afirmados pelo Ministério Público como verdadeiros;

d) Sejam julgados procedentes os pedidos para

DETERMINAR a abertura do 6º ano do ensino fundamental noturno, IMPOR OBRIGAÇÃO DE FAZER ao ESTADO DO PARANÁ consistente na emissão de autorização de funcionamento do 6º ano do ensino fundamental noturno da Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso de Jaguapitã/PR para o ano letivo de 2014 e para os subsequentes quando existam matrículas, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, em caso de descumprimento da ordem judicial, que deverá ser destinado ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985;

e) Seja dispensado o pagamento das custas e despesas

processuais nos termos do artigo 18 da Lei nº 7.347/1985 e artigo 27 do Código de Processo Civil;

f) A produção de todos os meios de prova admitidos

em direito, notadamente documental, oral e pericial; h) Seja o requerido condenado ao pagamento das

custas e despesas processuais e honorários em favor do Ministério Público, que serão revertidos ao “Fundo Especial do Ministério Público” regido pela Lei Estadual nº 12.241/1998), nos termos do artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte final, da Constituição do Estado do Paraná;

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

Promotoria de Justiça de Jaguapitã

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Dá-se à causa, para fins do artigo 282, inciso V, c.c.

artigo 258, ambos do Código de Processo Civil, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Jaguapitã, 26 de fevereiro de 2014. ERINTON CRISTIANO DALMASO Promotor de Justiça