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O Projeto como Instrumento para a Materialização da Arquitetura: ensino, pesquisa e prática Salvador, 26 a 29 de novembro de 2013 MODO DE HABITAR AMAZÔNICO EM SISTEMAS: APROXIMAÇÕES COM O TIPO PALAFITA MODO DE HABITAR AMAZÓNICO EN SISTEMAS: APROXIMACIONES COM EL TIPO PALAFITO SYSTEMS OF HABITATION IN AMAZON SYSTEMS: APPROACHES WITH THE TYPE PALAFITA Eixo 3 Interfaces entre universidade e sociedade através do projeto: ensino, pesquisa e extensão. Tainá Marçal dos Santos Menezes Mestranda PPGAU/UFPA Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão Doutora, docente FAU/PPGAU/UFPA Resumo: Aborda-se o modo de vida dos ribeirinhos em habitações tradicionais do tipo palafita da Amazônia. A ênfase aos aspectos culturais será contextualizada pela teoria sistêmica, especialmente o sistema cibernético e suas relações/interações espaciais. Busca-se compreender a importância cultural destas moradias teoricamente explicitadas por um ponto de vista cibernético-arquitetônico, com base na análise de tipos, para subsidiar intervenções arquitetônicas que valorizem permanências na paisagem amazônica e na cultura local. Palavras-chave: habitar; tipo; sistema; Amazônia. Resumen: Se aborda el modo de vida de los ribereños em habitaciones tradicionales del tipo palafito en Amazônia. La énfasis a los aspectos culturales será contextualizada por la teoría sistémica, especialmente el sistema cibernético e sus relaciones/interaciones espaciales. Se busca comprender la importancia cultural de estas viviendas teoricamente explicitadas por un punto de vista cibernético- arquitetónico, con base em la análisis de tipos, para subsidiar intervenciones arquitetónicas que valorizen permanencias em el paisaje amazónica y em la cultura local. Palabras clave: habitar; tipo; sistema; Amazónia. Abstract: This article studies the way of living of ribeirinhos on traditional houses, know as palafitas, in Amazônia. The cultural aspects will be contextualized with the Systemic Theory, especially the cybernetic system and their spatial relationships. Searching for understand the cultural importance of those buildings with a cybernetic-architectonic point of view, using the analyse of types for subsidize architectonic interventions, that enriches the Amazon landscape and the local culture. Keywords: reside; type; systems; Amazon.

Modo de Habitar Amazonico

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Aborda-se o modo de vida dos ribeirinhos em habitações tradicionais do tipo palafita daAmazônia. A ênfase aos aspectos culturais será contextualizada pela teoria sistêmica, especialmenteo sistema cibernético e suas relações/interações espaciais. Busca-se compreender a importânciacultural destas moradias teoricamente explicitadas por um ponto de vista cibernético-arquitetônico,com base na análise de tipos, para subsidiar intervenções arquitetônicas que valorizem permanênciasna paisagem amazônica e na cultura local.

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  • O Projeto como Instrumento para a Materializao da Arquitetura: ensino, pesquisa e prtica Salvador, 26 a 29 de novembro de 2013

    MODO DE HABITAR AMAZNICO EM SISTEMAS: APROXIMAES COM O TIPO PALAFITA

    MODO DE HABITAR AMAZNICO EN SISTEMAS: APROXIMACIONES COM EL TIPO PALAFITO

    SYSTEMS OF HABITATION IN AMAZON SYSTEMS: APPROACHES WITH THE TYPE PALAFITA

    Eixo 3 Interfaces entre universidade e sociedade atravs do projeto: ensino, pesquisa e extenso.

    Tain Maral dos Santos Menezes Mestranda PPGAU/UFPA

    Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigo Doutora, docente FAU/PPGAU/UFPA

    Resumo: Aborda-se o modo de vida dos ribeirinhos em habitaes tradicionais do tipo palafita da Amaznia. A nfase aos aspectos culturais ser contextualizada pela teoria sistmica, especialmente o sistema ciberntico e suas relaes/interaes espaciais. Busca-se compreender a importncia cultural destas moradias teoricamente explicitadas por um ponto de vista ciberntico-arquitetnico, com base na anlise de tipos, para subsidiar intervenes arquitetnicas que valorizem permanncias na paisagem amaznica e na cultura local. Palavras-chave: habitar; tipo; sistema; Amaznia.

    Resumen: Se aborda el modo de vida de los ribereos em habitaciones tradicionales del tipo palafito en Amaznia. La nfasis a los aspectos culturales ser contextualizada por la teora sistmica, especialmente el sistema ciberntico e sus relaciones/interaciones espaciales. Se busca comprender la importancia cultural de estas viviendas teoricamente explicitadas por un punto de vista ciberntico-arquitetnico, con base em la anlisis de tipos, para subsidiar intervenciones arquitetnicas que valorizen permanencias em el paisaje amaznica y em la cultura local. Palabras clave: habitar; tipo; sistema; Amaznia.

    Abstract: This article studies the way of living of ribeirinhos on traditional houses, know as palafitas, in Amaznia. The cultural aspects will be contextualized with the Systemic Theory, especially the cybernetic system and their spatial relationships. Searching for understand the cultural importance of those buildings with a cybernetic-architectonic point of view, using the analyse of types for subsidize architectonic interventions, that enriches the Amazon landscape and the local culture. Keywords: reside; type; systems; Amazon.

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    MODO DE HABITAR AMAZNICO EM SISTEMAS: APROXIMAES COM O

    TIPO PALAFITA

    INTRODUO

    A teoria sistmica sob o enfoque da ciberntica contribui para a compreenso do

    projeto arquitetnico de modo mais ampliado, pois segundo Bateson (1972) esta

    teoria facilita o entendimento de relaes entre variveis atravs de interaes

    sistmicas que possibilitam atuar sob uma perspectiva mais humana e, neste caso,

    ainda no nvel do processo de projeto pelo tipo.

    Pela teoria da ciberntica, um sistema age por meio de interaes de comunicao e

    controle estabelecidas entre as partes, ou subsistemas visando um equilbrio global,

    visto que o mundo natural que nos rodeia tem estrutura geral sistmica.

    (BATESON, 1972, p. 490) No entanto, ao receber informaes de outro sistema

    pode sofrer distrbios quando no h compatibilidade, mas ao mesmo tempo pode

    solucion-los a partir da anulao da informao ou de adaptaes ao sistema, as

    quais muitas vezes provocam a evoluo ou alterao do mesmo.

    A casa ribeirinha representa uma arquitetura verncula ao ser entendida como uma

    arquitetura annima, sem interferncia do arquiteto e/ou engenheiro, exprimindo

    atravs de uma rede de interaes aspectos simblicos do ambiente em que est

    inserido que determinam o carter regional e as aspiraes pessoais e coletivas de

    determinadas populaes, conforme Barda (2009) descreve a arquitetura construda

    de maneira espontnea. Age como um sistema ao dialogar com as condies

    fsicas, ambientais e com os usurios ao mesmo tempo controlando as adaptaes

    recorrentes de maneira que a tradio cultural no se perca.

    A moradia construda e habitada pelo no arquiteto que, segundo Rudofsky (1964),

    socialmente e culturalmente produzida, apresenta uma natureza complexa; no

    so apenas espaos que se realizam necessidades humanas bsicas, como o

    abrigar-se; existem significados diversos para quem habita.

    O estudo do tipo palafita justifica-se ao permitir a compreenso do padro espacial

    da casa ribeirinha no contexto da cultura amaznica, aprofundando o conhecimento

    deste tradicional tipo de assentamento e sua importncia cultural, alm do fator

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    tratado por Oliver (2006), de que somente com a ajuda deste tipo tradicional de

    arquitetura que se resolver o desafio das construes sociais sustentveis.

    Cabe destacar que apesar de seu valor cultural, observa-se o constante rompimento

    com o modo de vida em casas ribeirinhas na Amaznia por meio de projetos

    habitacionais elaborados por arquitetos via poder pblico, contexto que sugere

    alguns questionamentos que devem ser explorados: como o arquiteto deve agir em

    ambientes que mantm modos de vida tradicionais como as casas do tipo palafita da

    Amaznia? Como relacionar o conhecimento emprico do caboclo ribeirinho com o

    conhecimento tcnico do arquiteto? Uma proposta o uso do tipo, instrumento

    arquitetnico que, ao agir como ponto de partida do processo projetual, acentua as

    vivncias espaciais dos usurios, resgatando aspectos da cultura tradicional de um

    povo. (PERDIGO, 2009)

    A Ciberntica como uma teoria consolidada e que atua atravs de

    relaes/interaes em sistemas apresenta mecanismos que possam dar conta de

    uma prtica de arquitetura que tenha como ponto de partida o tipo, visto que se

    manifesta no mbito das relaes espaciais. Aponta nesta direo, pois alm de

    atuar de maneira pontual (em subsistemas), no rompendo drasticamente com os

    indcios fsicos do ambiente, foca no processo de projeto em sua complexidade e

    permite uma aproximao do usurio na produo espacial pela abrangncia de

    operaes e interaes prprias de sua constituio terica.

    CARACTERSTICAS SISTMICAS SOB A TICA DA CIBERNTICA

    A Ciberntica caracteriza-se como um campo terico transdisciplinar absorvendo

    domnios de outras teorias, como a Teoria Geral dos Sistemas e interdisciplinar, por

    surgir da aproximao entre diversas reas do conhecimento como a engenharia, a

    biologia, a qumica, a sociologia, etc. Foi introduzida no contexto moderno por

    Norbert Wiener (1894-1964), em 1948, a partir do desenvolvimento de uma teoria de

    relaes sistmicas. Esta cincia volta-se para o estudo da comunicao,

    organizao e controle (regulao) de sistemas complexos, sejam estes orgnicos

    ou construdos para dar conta do seu funcionamento de maneira equilibrada.

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    Um sistema ciberntico de primeira ordem estrutura-se por meio de interaes entre

    as partes desse sistema, os subsistemas, agindo de maneira circular, ou seja, no

    obedecendo a uma hierarquia linear de aes, visando uma meta ou objetivo. Para

    isto, adota processos de feedback (realimentao) e autorregulao para

    compreender os fluxos de informaes e comunicaes estabelecidas nestas

    interaes atravs da anlise do estado atual e o objetivo do sistema. Este processo

    ocorre atravs da regulao das interferncias do ambiente e dos sistemas

    circunvizinhos. (GLANVILLE, 2007 apud PASCHOALIN, 2012)

    A busca pelo entendimento das interaes entre sistemas (sistemas de observao)

    levou ao surgimento de uma ciberntica de segunda ordem. Por volta de 1960,

    Heinz Von Foerster (1911-2002) reconhece a inseparabilidade entre sistema e

    observador, inserindo-o ao processo atravs da ampliao das noes de

    comunicao e regulao pela segunda volta ao sistema ou duplo feedback. O

    observador conduz o processo resoluo do problema atravs do primeiro

    feedback, depois refaz o percurso para confirmar se o sistema atingiu o equilbrio.

    Alm de um maior controle do sistema, este processo aproxima-se de temas como a

    autonomia, auto-organizao e cognio, aprendendo como suas aes afetam o

    ambiente.

    Instigado pela maneira que os sistemas relacionam-se por meio de interaes

    comportamentais, o ciberneticista ingls Gordon Pask (1928-1996) adentra o campo

    arquitetnico e formula uma teoria de interao comunicativa entre sistemas

    denominada de Teoria da Conversao. Pask prope uma teoria reflexiva em que

    os participantes da conversa dialogam para que atravs de uma interao

    lingustica ocorra troca e/ou compartilhamento de conceitos afim de que os conflitos

    sejam solucionados. Os participantes dessa conversa, os sistemas, so

    organizacionalmente fechados, mas informacionalmente abertos e as trocas de

    informaes constroem uma malha de vnculos a partir das coerncias.

    Para Pask, os conceitos abstratos da ciberntica podem ser interpretados no mbito

    da arquitetura a fim de gerar uma teoria ciberntica arquitetnica mais consolidada

    que as teorias arquitetnicas existentes, (PASK, 1969) onde o projetar passa a ser

    uma atividade essencialmente dialgica, baseada em trocas, convencimentos e

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    acordos, no mais um processo linear, sequenciado e unidirecional. (PASK, 1980

    apud PASCHOALIN, 2012)

    Cabe destacar que as conversaes podem ocorrer em diferentes nveis de

    organizao a partir de interaes espontneas, seja entre indivduos, entre

    individuo e cultura, sociedade e cultura, etc. (PASK, 1987 apud PASCHOALIN,

    2012) As interaes cognitivas entre os sistemas que compem a realidade

    existencial refora a importncia de estudos que resgatem as relaes espaciais

    entre homem e ambiente.

    O TIPO PALAFITA COMO SISTEMA

    A palavra tipo representa no a imagem de uma coisa a ser copiada ou perfeitamente imitada, mas a ideia de um elemento que deva servir como regra para o modelo. (MAHFUZ, 1984, p. 93)

    A noo de tipo como uma construo abstrata de repertrio a partir de relaes

    espaciais e programticas originou-se em Quatrmere de Quincy (1755-1849) no

    devendo ser confundido com Tipologia, a qual a sua representao em termos

    geomtricos. (OLIVEIRA, 2010) O tipo um principio geral que atua na organizao

    das relaes espaciais a partir de precedentes que possuem valores culturais

    agregados. (PERDIGO, 2009) Como um instrumento cognitivo de carter operativo

    ele age como ponto de partida e fio condutor do processo projetual, podendo criar

    diversos objetos totalmente diferentes com variaes formais e estruturais, ou seja,

    a partir de um tipo pode-se obter inmeros modelos ou tipologias.

    Verifica-se que o tipo est presente na arquitetura verncula por meio de um

    conhecimento vivo e compartilhado, de um saber tradicional que perdura no

    ambiente atual e constitui a linguagem prpria de uma regio. Ele atua no espao da

    vivncia, o qual possui carter perceptivo. (PERDIGO, 2009) Comparando-o a um

    sistema ciberntico, identifica-se que as interaes ocorrem a partir das relaes

    espaciais, a comunicao pertinente entre os usurios e o ambiente, sendo que o

    controle que mantm a tradio viva. A aproximao do tipo a uma abordagem

    projetual possibilita o resgate da tradio de uma cultura sob o enfoque das

    premissas humanistas de espaos significativos.

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    Como uma civilizao tradicional espontnea, as comunidades ribeirinhas

    reproduzem de maneira peculiar o tipo palafita s margens de igaraps, rios e furos

    da Amaznia indicando a resistncia de uma cultura que se adaptou s terras baixas

    e alagveis dominantes na Pan Amaznia1 e a uma floresta densa. Sob pernas

    finas de madeira, as habitaes amaznicas2 do tipo palafita, dialogam com o corpo

    dgua durante a enchente e vazante dos rios, muitas vezes no existindo contato

    entre o caboclo ribeirinho e o cho.

    Alexander (1971) afirma que exemplares informais pertencem a complexos sistemas

    de observao, no sendo contestadas pelos seus construtores e devido aos fortes

    laos de tradio fixam-se a redes de significados, resistindo a mudanas. Desta

    forma, o tipo palafita surge como um sistema que estabelece relaes com materiais

    e tcnicas construtivas locais, um dialogo com o rio, com o conhecimento emprico

    herdado dos antepassados e com a adaptao ao ambiente natural. Pode-se afirmar

    que as interaes ocorrem entre subsistemas e de maneira circular por no haver

    uma regra rgida de aes quanto ao controle e adaptaes a esse sistema.

    Diversos autores afirmam que este modo de vida surgiu pela juno das culturas

    indgena, nordestina e europeia. A planta retangular, o telhado em duas guas, uma

    varanda rodeando a construo e janelas cegas com duas folhas so algumas

    similaridades que Oliveira Junior (2009) evidencia entre a casa ribeirinha com a casa

    popular nordestina. No que tange cultura indgena, o uso de jiraus3 e a adaptao

    de materiais construtivos locais (como a madeira para a estrutura, o cip para as

    amarraes e a palha para fechamentos e coberturas), alm da identidade que os

    indgenas possuem com a aldeia, com o ciclo hidrolgico e espaos de vrzea so

    elementos ainda vistos nas comunidades ribeirinhas, (SIMONIAN, 2010; OLIVEIRA

    JUNIOR, 2009) como mostra a Figura 1.

    1 Amaznia Internacional. Abrange os pases: Brasil, Bolvia, Peru, Equador, Colmbia, Venezuela e as Guianas

    Inglesa, Holandesa e Francesa. 2 Existem dois tipos de habitaes tradicionais ribeirinhas na Amaznia, as palafitas e as casas flutuantes, estas

    ltimas so construdas sobre toras de madeira e adaptadas para boiar nos rios. 3 Espcie de grade de varas sob esteio fixado no cho que serve como cama, ou grelha externa cozinha para

    expor ao sol alimentos, roupas, etc. (DICIONRIO INFORMAL)

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    O madeiramento abundante contribuiu para a proliferao dessa tipologia que

    permanece at hoje no cenrio amaznico como um organismo adaptativo que se

    multiplica de maneira aparentemente desordenada, mas que estabelece uma lgica

    com as questes culturais, geogrficas e climticas. Derivada de solues mais

    simples, como exemplificado anteriormente, atualmente as palafitas atingem um

    maior grau de complexidade formal vista atravs da variao construtiva das casas,

    do arranjo comunitrio e das necessidades e aspiraes individuais de cada famlia.

    Basicamente podemos dividir o tipo palafita em duas categorias: em palafitas

    urbanas e palafitas rurais, estas ltimas localizadas em ilhas adjacentes. Mas de

    maneira geral, Oliveira Junior (2009) descreve as construes da seguinte forma: os

    fechamentos das paredes das casas so executados em pranchas de madeira,

    atravs de um sistema de encaixe que permite que o ribeirinho construa, reforme ou

    amplie as habitaes e com pequenas frestas que permitem a ventilao no seu

    interior. Na parte externa as tbuas so sobrepostas e fixadas aos caibros que

    sustentam a cobertura, a qual varia entre palha de palmeira (ainda evidente em

    palafitas rurais) e fibrocimento ou de outro material construtivo que diminua a

    manuteno. O banheiro, normalmente separado do corpo da casa, ou nos fundos,

    chamado de casinha e abriga uma pequena rea sanitria que despeja os dejetos

    diretamente no rio; este um dos fatores mais crticos a serem resolvidos neste tipo

    de soluo habitacional. A Figura 2 exemplifica as tipologias.

    Figura 01: Habitao nordestina, habitao indgena e palafita amaznica.

    Fonte: Oliveira Junior, 2009; Simonian, 2010.

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    O arranjo comunitrio varia em cada localidade. Em culturas de subsistncia (em

    reas rurais) h formao de cidades inteiras sob palafitas, como a cidade de Afu

    no Par, em que a populao desloca-se atravs do rio e de estivas, assim como em

    outras comunidades mais afastadas percebe-se uma distancia maior entre as casas,

    preservando a tranquilidade e o contato com a natureza. Nas reas urbanas, as

    palafitas so mais apinhadas4, produzindo os impactos negativos, como a

    insalubridade, que so destacados como indicadores da erradicao deste modo de

    vida. Esta diferena do arranjo comunitrio vista na Figura 3.

    4 Termo regional para designar concentradas em pequenas reas, adensadas.

    Figura 02: Palafitas urbanas na Vila da Barca (PA) e Palafitas rurais na Ilha do Combu (PA).

    Fonte: Laboratrio Espao e Desenvolvimento Humano LEDH/PPGAU/UFPA

    Figura 03: Arranjo comunitrio das palafitas na ilha do Combu e na Vila da Barca (PA).

    Fonte: Sampaio, 2013.

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    O complexo sistema descrito representa o espao da vivencia dos ribeirinhos

    amaznicos e de acordo com Norberg-Shulz (1983), estes lugares so constitudos

    por elementos ou smbolos que do significado ao espao e so bases de

    orientao e percepo. Malard (2006) complementa afirmando que eles remetem

    s relaes entre sujeito e ambiente, sendo determinadas pela tradio cultural e

    pelas experincias cotidianas j vividas, as quais esto impregnadas de emoes,

    sejam boas ou ruins. Por isso estes lugares so significativos, transmitem

    sensaes. Rapoport (1978) afirma que um grupo de pessoas de uma mesma

    cultura constri seu espao perceptivo, ou seja, decodifica elementos no espao que

    fazem sentido para o seu habitar.

    Em algumas comunidades tradicionais do mundo observa-se uma maior

    padronizao formal, como os iglus dos esquims devido o processo de regulao

    do sistema ser mais rgido, mas nas palafitas amaznicas evidente a variedade

    formal nas casas, principalmente quando so comparadas habitaes de

    comunidades diferentes. Neste sistema, o controle se d nas estruturas bsicas que

    formam o complexo habitacional, que dialogam com a natureza e mantm as

    caractersticas tradicionais, pois nota-se que as comunidades ribeirinhas adaptam-se

    ao meio, mas dificilmente abandonam o tipo palafita como modo de vida.

    Cabe destacar que de acordo com Alexander (1971) as formas de ambientes

    tradicionais so vivas e no estticas, logo sofrem adaptaes. O sistema identifica

    a necessidade de mudana para manter-se em equilbrio, como ocorre nos

    recorrentes ajustes de materiais, principalmente no ambiente urbano em que h

    escassez de materiais naturais, ficando evidente que a partir do tipo podem-se obter

    diversos modelos.

    Atualmente vem crescendo o numero de projetos habitacionais destinados a

    comunidades tradicionais na Amaznia, os quais rompem com a familiaridade do

    antigo espao a partir da no considerao do tipo natural das palafitas. Quando o

    arquiteto age nesses ambientes confronta-se com inmeras variveis, muitas vezes

    desconhecidas e tenta process-las todas juntas ou, muitas vezes, cria conceitos

    para definir categorias ou grupos de requisitos; (ALEXANDER, 1971) mas

    dificilmente atua no tipo.

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    Evidncias so apontadas no conflito arquitetnico existente entre a casa anterior

    tipo palafita e a nova moradia produzida por arquitetos (MENEZES ET. AL, 2012;

    SAMPAIO, 2013; SILVA, 2013) com estudos de configurao espacial das palafitas

    e dos sobrados na rea da Vila da Barca (Belm-PA) que investigam

    comparativamente solues geomtricas e topolgicas da habitao social com e

    sem arquitetos. Os estudos demonstram que h ausncia de identificao do

    morador com o novo espao habitacional que reforado pelas falas dos mesmos

    por meio de consultas verbais.

    Um projeto arquitetnico que busca se aproximar do tipo palafita da Amaznia o

    Instituto Tecnolgico Vale (ITV) projetado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha em

    conjunto com o escritrio Piratininga Arquitetos no Parque de Cincia e Tecnologia

    do Par - UFPA na cidade de Belm. Apesar do carter institucional e no

    habitacional, o projeto resgata algumas caractersticas desse modo de vida

    amaznico pelo tipo palafita.

    Sob o Rio Guam, o ITV dialogar com o regime das guas e a floresta interferindo

    minimamente no meio ambiente. A configurao longitudinal do bloco principal cria

    circulaes lineares, muito semelhante disposio dos cmodos em algumas

    habitaes em palafitas na Amaznia, como Silva (2013) e Menezes et. al (2012)

    evidenciam. O contato entre os blocos se d por longos caminhos que tambm

    podem ser comparados s estivas, alm do uso de estacas sob as guas, neste

    caso de ao galvanizado, como mostra a Figura 4.

    Figura 04: Instituto de Tecnologia Vale ITV.

    Fonte: ArcoWeb, 2012 (adaptado pelas autoras).

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    Projetar pelo mtodo tipolgico, ou seja, pelo uso de tipos, (MAHFUZ, 1986) revela a

    utilizao de um principio que rege a criao da diversidade, incluindo referncias

    no geomtricas do usurio, essas que permanecem vivas na vivncia do usurio,

    um avano como ponto de partida do projeto de arquitetura. (PERDIGO, 2009) A

    adoo do tipo palafita como repertrio permite ao arquiteto agir pelas adaptaes

    ao sistema e ao mesmo tempo atende as particularidades de cada grupo de

    usurios.

    CONSIDERAES FINAIS

    O tipo palafita na Amaznia dialoga no s com o ambiente fsico, mas com os

    aspectos culturais e a vivncia cotidiana dos ribeirinhos, o que torna essas

    construes espontneas uma tradio na regio amaznica, revelando traos

    significativos da cultura amaznica pelo modo de vida. O tipo palafita se reproduz de

    modo espontneo no ambiente amaznico, mas tambm pode ser apropriado pelo

    arquiteto a partir da compreenso das relaes espaciais socialmente produzidas,

    evidenciando uma linguagem do espao caracterstica entre morador e ambiente

    fsico, e assim as caractersticas culturais desse povo podem ser mantidas para que

    no se perca o significado do lugar.

    A vivncia humana no espao fsico, principalmente nos lugares de longa

    permanncia humana, como a casa, necessita ser considerada durante o processo

    de projeto. (PERDIGO 2010) Alm de um objeto construdo, seja com materiais

    tradicionais ou tcnicas modernas, o espao arquitetnico acima de tudo abriga o

    homem em sua totalidade, abrangendo suas necessidades, aspiraes e desejos e

    para que este espao seja utilizado pelo prprio homem, necessita ter significado

    para ele.

    O apoio da teoria da ciberntica permite a reflexo e construo de conhecimento

    perante a proposio arquitetnica. A sntese dos condicionantes abordados em

    forma de raciocnio projetual abre caminhos para este tipo de pensamento crtico e

    para novas propostas que quando atreladas ao conhecimento terico possuem

    embasamento para a justificativa projetual, o que torna a prtica profissional mais

    reflexiva e controlvel.

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    Buscando responder os questionamentos levantados a respeito do papel do

    arquiteto e a proposio pelo tipo, acredita-se que o projeto de arquitetura que parte

    do tipo como um sistema, tende a analisar a natureza do ambiente, dos signos e as

    interelaes necessrias para o bom desempenho da proposta. Desta forma, o

    arquiteto como o gestor desse sistema compensa a organizao de espaos e

    ambientes que considerem os aspectos culturais e as relaes espaciais, alm de

    tornar o ribeirinho um agente ativo na construo do repertrio projetual, atravs de

    uma troca dialtica, como prope Pask (1969), entre o saber operativo e o saber

    emprico enraizado no tipo palafita.

    Como h a insero do observador, neste caso o arquiteto, h interaes

    cibernticas de segunda ordem, logo o arquiteto deve dialogar com o tipo palafita a

    fim de entender o seu funcionamento e assim identificar nos subsistemas a

    demanda de solues necessrias para atingir o equilbrio nas propostas projetuais.

    Como isto pode culminar em modos de ver desconhecidos pelo mesmo, o segundo

    feedback afere se o resultado atendeu o objetivo.

    A insero deste observador ao sistema pode trazer resultados bastante

    satisfatrios. Atravs do seu conhecimento tcnico e cientifico ele controla as

    adaptaes insatisfatrias ao bom funcionamento do sistema, como as recorrentes

    modificaes de material construtivo nas palafitas, que muitas vezes so feitas de

    forma inequvoca e sugere solues para os recorrentes problemas, como a questo

    da insalubridade os quais so responsveis pela imagem negativa dessas reas. No

    ITV, mesmo que de maneira generalizada, h uma preocupao quanto ao

    funcionamento do ambiente amaznico e com isso uma aproximao do modo de

    apropriao desse espao.

    importante perceber que a erradicao do tipo palafita, do cenrio amaznico, ou

    seja, ao no sistema de maneira global, no a melhor soluo. Atualmente os

    projetos realizados para reas em palafitas visam o aterramento e a substituio do

    tipo de moradia, mas tem gerado insatisfao e a recorrente mobilidade para outras

    reas alagveis, porm cada vez mais com maior precariedade. Desta forma, fica

    evidente a importncia do tipo que possibilita a permanncia desse tradicional modo

    de vida na Amaznia.

  • O Projeto como Instrumento para a Materializao da Arquitetura: ensino, pesquisa e prtica Salvador, 26 a 29 de novembro de 2013

    AGRADECIMENTOS

    A CAPES pela bolsa de mestrado junto ao PPGAU-UFPA. Ao PROCAD/Casadinho

    cujos recursos auxiliaram minha participao na disciplina de ps-graduao

    Concepo Arquitetnica e Cultura Digital, ministrada pela professora Dra. Anja

    Pratschke no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo -

    So Carlos (SP). professora Anja Pratschke pelo apoio e contedo ministrado.

    minha orientadora Klaudia Perdigo pelo amadurecimento do conhecimento

    adquirido atravs das orientaes da pesquisa de mestrado.

    REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALEXANDER, C. De la synthse de la forme, essai. Paris: Dunod, 1971. BARDA, M. Espao (meta)vernacular na cidade contempornea. So Paulo: Perspectiva, 2009. BATESON, G. Steps to an Ecology of Mind. San Francisco: Chandler Pub. Co., 1972. MAHFUZ, Edson da Cunha. Nada provm do nada. So Paulo: Projeto n. 69, 1984. p. 90-95). MAHFUZ, E. C. Tradio e Inveno: uma dialtica fundamental. In: 2 Encontro nacional sobre ensino de projeto, 1986. Porto Alegre. Anais do 2 Encontro nacional sobre ensino de projeto. Porto Alegre: FAU/UFRGS, 1986 v. 2 p. 56-78 MALARD, Maria Lucia. As aparncias em arquitetura. Belo Horizonte: UFMG, 2006. MENEZES, T. M. S.; PERDIGAO, A. K. A. V.; FELISBINO, D. A. Abordagem geomtrica entre a informalidade e a formalidade da habitao amaznica. In: NUTAU, 2012, So Paulo. BRICS e a Habitao coletiva sustentvel, 2012. NORBERG-SHULZ, C. Arquitectura Occidental. Barcelona: Gustavo Gili, 1983. OLIVER, Paul. Built to meet needs: Cultural Issues in Vernacular Architecture. Amsterdam: Elsevier, 2006. OLIVEIRA, R. Construo, composio, proposio: o projeto como campo de investigao epistemolgica. In: CANEZ, A. P.; SILVA, C. (Orgs.) Composio, partido e programa: uma reviso crtica de conceitos em mutao. Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2010. OLIVEIRA JUNIOR, Jair Antonio. Arquitetura Ribeirinha sobre s guas da Amaznia: o habitat em ambientes complexos. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo, 2009. PASCHOALIN, D. M. O horizonte da conversao: concepes do processo projetual arquitetnico. Dissertao (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2012. PASK, G. The architectural relevance of cybernetics. Architectural Design. Londres, 1969. PERDIGO, A. K. A. V. Consideraes sobre o tipo e seu uso em projetos de arquitetura. Arquitextos (SP), v. 114, p. 257, 2009. Disponvel em: www.vitruivius.com.br/arquitexto/arq000/esp527.asp.

  • O Projeto como Instrumento para a Materializao da Arquitetura: ensino, pesquisa e prtica Salvador, 26 a 29 de novembro de 2013

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