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Kardec - Transnacionalização do espiritismo
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A TRAVESSIA
ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO
DO ESPIRITUALISMO MODERNO
JOHN WARNE MONROE
HISTORIADOR E ESCRITOR
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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A TRAVESSIA
ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO
DO ESPIRITUALISMO MODERNO
JOHN WARNE MONROE
HISTORIADOR E ESCRITOR
entro dos cinco anos desde sua emergência no Estado de
Nova York, o Espiritualismo Moderno tornou-se transna-
cional. Ele espalhou-se pela Grã-Bretanha no fim de 1852, de-
pois da chegada da médium americana Sra. W. R. Hayden.1
Aproximadamente ao mesmo tempo, os fenômenos de sessões
espíritas tiveram intenso interesse no continente.
Desde o início de 1851, os praticantes do Mesmerismo na
França tomaram conhecimento das “misteriosas batidas da Améri-
ca”; na primavera de 1853, notícias dos Estados Unidos inflama-
ram a difundida fascinação com mesas que se movem na Alema-
1 Ver Russell M. e Clare R. Goldfarb, Spiritualism in Nineteenth-Century Letters (Rutherford,
NJ: Fairleigh Dickinson University Press, 1978), 68-87.
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A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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nha, França, Itália, e Rússia, entre outros países.2 Sentar em volta
de uma mesa com amigos, colocando as mãos no seu topo, e sen-
tindo-a rodar, estalar ou bater, aparentemente sem nenhum impul-
so físico direto, tornou-se um simples jogo de festa de Bruxelas a
Moscou. Enquanto o grande interesse popular diminuía rapida-
mente, pequenos grupos na Europa adotaram a convicção ameri-
cana que estes fenômenos e outros similares poderiam servir como
um meio de conversar com os espíritos dos mortos, e começaram a
refletir sobre a significância metafísica deste diálogo.
Na próxima década e meia, estes grupos isolados cresceram e
se juntaram. Primeiramente na França, e depois na Itália, Espanha, e
Rússia, tornou-se comum distinguir Espiritualismo de Espiritismo,
um sistema religioso que compartilhava elementos fundamentais
com seu progenitor americano, mas diferia em pontos-chave que
pareciam tê-lo feito mais atrativo aos crentes para quem as expecta-
tivas eram moldadas pelo catolicismo e, em menor medida, pela or-
2 A citação vem de um artigo de Louis-Alphonse Cahagnet em seu diário Le Magnétiseur Spiri-
tualiste, 2:1 (janeiro de 1851): 53. Considerações sobre a onda das mesas girantes nos vários
países da Europa aparecem em Massimo Biondi, Tavoli e medium, Storia dello Spiritismo in
Italia (Roma: Gremese, 1988); John Warne Monroe, Laboratories of Faith: Mesmerism, Spirit-
ism and Occultism in Modern France (Ithaca: Cornell University Press, 2008); Corinna Treitel, A
Science for the Soul: Occultism and the Genesis of the German Modern (Baltimore: The Johns
Hopkins University Press, 2004); e Ilya Vinitsky, Ghostly Paradoxes: Modern Spiritualism and
Russian Culture in the Age of Realism (Toronto: University of Toronto Press, 2009).
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todoxia oriental.3 Nos anos 70 e 80 do século dezenove, o Espiritis-
mo fez seu próprio caminho no oeste, na América Latina e Caribe,
onde ele posteriormente tornou-se parte de uma mistura sincrética
típica do que Paul Gilroy chamou de “Atlântico negro”.4 Este traba-
lho procura lançar alguma luz no crucial ponto de virada desse pro-
cesso de transmissão global: a codificação inicial da filosofia e prática
do Espiritismo pelo escritor e editor francês Hippolyte Léon Deni-
zard Rivail, que publicou seus trabalhos mais importantes sob o
pseudônimo de Allan Kardec. Além de considerar como as ideias de
Kardec surgidas de um francês se deparam com o Espiritualismo
Americano no fim dos anos 50 e início dos anos 60 do século deze-
nove, eu usarei um estudo de caso – aquele do infeliz advogado de
3 Além de Monroe, Biondi and Vinitsky, ver Lisa Abend, “Specters of the Secular: Spiritism in
Nineteenth-Century Spain,” em European History Quarterly 34:4 (2004): 507-534. 4 Ver Alexander Moreira-Almeida et al., “History of ‘Spiritist Madness’ in Brazil”, in History of
Psychiatry 16:1 (2005): 5-25, e Edil Torres Rivera, “Espiritismo: The Flywheel of the Puerto
Rican Spiritual Traditions”, em Interamerican Journal of Psychology, 39:2 (2005): 295-300. Para
“Atlântico negro” ver Paul Gilroy, The Black Atlantic: Modernity and Double Consciousness
(London: Verso, 1993). Para sincretismo e os complexos significados sociais que a "doutrina" de
Kardec adquiriu na América Latina e no Caribe, ver Marion Aubrée and François Laplantine, La
Table, le livre et les esprits, naissance, evolution et actualité du mouvement social spirite entre
France et Brésil (Paris: Lattès, 1990); Diana DeGroat Brown, Umbanda: Religion and Politics in
Urban Brazil (New York: Columbia University Press, 1986); David J. Hess, Spirits and Scientists:
Ideology, Spiritism and Brazilian Culture (University Park: Pennsylvania State University Press,
1991); and Diana Espirito Santo, “Spiritist Boundary-Work and the Morality of Materiality in
Afro-Cuban Religion,” in Journal of Material Culture 15:1 (2010): 64-82.
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Bordeaux, Jean-Baptiste Roustaing – para analisar a diferente dinâ-
mica que caracterizou o Espiritismo Kardecista, e marcou uma das
mais salientes diferenças de sua contraparte americana.
Torna-se cada vez mais comum para historiadores – especi-
almente nos Estados Unidos – dizer que seus assuntos passaram
por uma “virada transnacional”.5 Acadêmicos estão examinando a
relação dos estados-nações individuais que têm tipicamente estrutu-
rado a busca histórica como potencialmente arbitrária e restritiva, e
estão procurando outras formas de enquadrar seus assuntos. De-
senvolvimentos que marcam época social, econômica, intelectual e
religiosa, acima de tudo, têm frequentemente sido notáveis pela
facilidade com a qual eles atravessam fronteiras políticas. A abor-
dagem transnacional privilegia tal premência de cruzar fronteiras,
privilegiando migrações, diásporas, e movimento de ideias entre
nações e através de fronteiras culturais e linguísticas. Historiadores
que adotam uma abordagem transnacional autoconscientemente
são primariamente afetados com o estudo dos intercâmbios – rela-
5 Ver, por ex., C.A. Bayly et al., “AHR Conversation: On Transnational History”, em American
Historical Review 111:5 (December 2006): 1441-1464; Mary Louise Roberts, “The Transna-
tionalization of Gender History”, em History and Theory 44:3 (October 2005): 456-468; e
Micol Seigel, “Beyond Compare: Comparative Method after the Transnational Turn”, em
Radical History Review 91 (Winter 2005): 62-90.
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ções de contato nas quais cada parte pega algo de outra enquanto
simultaneamente se distinguem entre si por compreender suas pró-
prias diferenças. Analisar o processo pelo qual indivíduos e grupos
descobrem, inventam e definem suas similaridades e diferenças, por
outro lado, transforma-se em objeto primário da pesquisa acadêmi-
ca. Esta abordagem tem o propósito salutar de revelar a construção
das identidades nacionais e culturais, que emergem não como con-
juntos materiais de características definidas, mas como assunto de
termos instáveis para continuar a renegociação, constantemente
permeada pela influência das outras partes.
Apesar do alcance global do Espiritualismo Moderno, e sua
consequente implicação em numerosas e complexas relações recí-
procas, acadêmicos têm sido notavelmente lentos em considerá-lo
como um fenômeno transnacional. Historiadores dos Estados
Unidos, que têm produzido talvez o maior e mais bem desenvolvi-
do material literário sobre o assunto, tendem a apresentar o Espiri-
tualismo como um movimento religioso distintamente americano.
Seus esforços para fazer assim têm tomado diversas formas. Em
vários graus, muitos têm enfatizado a conexão do Espiritualismo
com um tsunami de interesses em reformas radicais, que vão desde
os direitos das mulheres até ao abolicionismo, que historiadores
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dos Estados Unidos têm considerado por muito tempo um aspecto
definidor do “1848 Americano”.6 Muitos têm colocado o Espiri-
tualismo no panorama de um protestantismo expandido, embora,
às vezes, mais dramaticamente heterodoxo, diversidade sectária que
caracterizou os Estados Unidos antes da Guerra Civil, ao lado do
Swedenborguianismo, Universalismo, Quakerismo, Unitarismo,
Mormonismo etc.7 Um terceiro grupo tem feito uma abordagem
baseada na história cultural, enfatizando a forma do Espiritualismo
revelar especificamente mudanças americanas na prática do luto,
ambivalência sobre raça, e maiores esforços para a própria defini-
ção da cultura nacional.8 A literatura sobre Espiritualismo na Grã-
Bretanha, na França, na Alemanha, na Itália, na Espanha e na Rús-
6 Ver, por ex., Ann Braude, Radical Spirits: Spiritualism and Women’s Rights in Nineteenth-
Century America (Bloomington: Indiana University Press, 1989); e R. Laurence Moore, In
Search of White Crows: Spiritualism, Parapsychology and American Culture (New York:
Oxford University Press, 1977). “The American 1848,” um termo artístico amplamente utilizado
entre os historiadores norte-americanos, foi cunhado por Michael Paul Rogin. Ver Rogin, Sub-
versive Genealogies: The Politics and Art of Herman Melville (New York: Knopf, 1983). 7 Embora Braude e Moore façam isso em algum grau, os exemplos mais desenvolvidos desta cor-
rente são Bret E. Carroll, Spiritualism in Antebellum America (Bloomington: Indiana University Press,
1997), e, dentro de um projeto muito maior, Catherine L. Albanese, A Republic of Mind and Spirit: A
Cultural History of American Metaphysical Religion (New Haven: Yale University Press, 2007). 8 Ver Robert S. Cox, Body and Soul: A Sympathetic History of American Spiritualism (Char-
lottesville, VA: University of Virginia Press, 2003); Molly McGarry, Ghosts of Futures Past:
Spiritualism and the Cultural Politics of Nineteenth-Century America (Berkeley: University of
California Press, 2008); e Cathy Gutierrez, Plato’s Ghost: Spiritualism in the American Renais-
sance (New York: Oxford University Press, 2009).
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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sia tem tendido a passar relativamente rápido sobre a questão das
origens americanas, com o objetivo de mapear o desdobramento
específico dessas ideias seja lá o que for o contexto nacional no
foco primário.9 Bridget Bennett chamou atenção para esta miopia,
e fez uma tentativa de corrigir pela ênfase do caráter “transatlânti-
co” do Espiritualismo – tanto em termos das ideias preexistentes
como em práticas que ela obteve, e nos termos de sua difusão –
9 Além de textos já citados, ver Janet Oppenheim, The Other World: Spiritualism and Psychi-
cal Research in England, 1850-1914 (Cambridge: Cambridge University Press, 1988); Alex
Owen, The Darkened Room: Women, Spiritualism and Power in Late Victorian England (Chi-
cago: University of Chicago Press, 1989); e o trabalho acadêmico de língua alemã citado em
Heather Wolffram, The Stepchildren of Science: Psychical Research and Parapsychology in
Germany, c.1870-1939 (Amsterdam: Rodopi, 2009). A literatura acadêmica de língua france-
sa sobre correntes derivadas do Espiritualismo Moderno Americano é escassa. A monografia
histórica chave é Nicole Edelman, Voyantes, Guerisseuses et Visionnaires en France, 1785-
1914 (Paris: Albin Michel, 1995). Edelman trata o assunto como um problema em história
social, enquanto outros estudiosos franceses, de que os escritores deste campo chamam
ésotérisme, tendem a abordar o assunto do ponto de vista da história intelectual. Visto por
esse ângulo, a preocupação do Espiritismo do século dezenove com simplicidade e senti-
mento pode se tornar uma espécie de desvantagem. Estudiosos franceses do ésotérisme,
em qualquer caso, tendem a passar sobre o Espiritismo rapidamente, e dedicar a maior
parte de sua atenção para as mais filosoficamente recônditas formas de inovação religiosa
do século dezenove - particularmente aquelas moldadas sobre a tradição hermética da
Renascença. Ver, por exemplo, Antoine Faivre, Philosophie de la nature, physique sacrée et
théosophie, XVIIIe-XIXe siècle (Paris: Albin Michel, 1996); e Jean-Pierre Laurant, L’Esotérisme
Chrétien en France au XIXe siècle (Lausanne: L’Age d’Homme, 1992).
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mas seu projeto fica artificialmente limitado pelo seu foco exclusi-
vo no mundo de língua inglesa.10
Claramente, uma cuidadosa e extensa consideração do
Espiritualismo como fenômeno transnacional é, para usar uma
metáfora familiar a qualquer acadêmico neste tópico, uma nova
fronteira amadurecida para a exploração por estudiosos do assun-
to. Até agora, como os úteis estudos de Bennett revelam, a barrei-
ra da linguagem tem sido um obstáculo primário a este esforço.
Corporações literárias sobre o Espiritualismo e outras formas
heterodoxas na Europa do século dezenove emergiram em fran-
cês, alemão e outras línguas, mas cada uma dessas tem inclinado a
permanecer desligadas das outras. Historiadores da língua inglesa
da Europa continental, por sua parte, somente começaram a des-
viar suas atenções para este assunto em meados dos anos 90 do
século vinte. As monografias iniciais que eles publicaram – e aqui
incluo meu próprio trabalho – embora informadas de alguma
forma pela rica literatura sobre o Espiritualismo anglo-saxão,
permanecem mais preocupadas com os fundamentos que jazem
na base empírica do que com questões sutis do intercâmbio
10 Bridget Bennett, Transatlantic Spiritualism and Nineteenth-Century American Literature
(New York: Palgrave McMillan, 2007).
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transnacional.11 Como este material fundamental está no lugar
certo, entretanto, ele possibilitará ao acadêmico começar a usar a
literatura existente para construir mais descrições pormenorizadas
da expansão do Espiritualismo nas últimas cinco décadas do sécu-
lo dezenove, primeiro cruzando o Atlântico dos Estados Unidos
para a Europa, daí para o leste através do continente, então de
volta pelo Atlântico ao Caribe e à América Latina. Ao invés de
simplesmente assumir que “Espiritualismo” foi sempre o mesmo
em qualquer lugar, ou limitar nosso foco a uma única nação, po-
demos começar a nos mover para um sentido mais matizado dos
caminhos em que ideias e práticas inventadas nos Estados Unidos
foram, ora gradualmente ora dramaticamente, modificadas em
cada estação na sua jornada global, e que estas modificações po-
deriam dizer-nos sobre grandes similaridades e diferenças na vida
religiosa do século dezenove através do mundo Atlântico.
A carreira de Allan Kardec ilustra o potencial interpretativo de
um enfoque transnacional com especial proximidade. Espiritismo, o
termo adotado em 1857 para substituir o termo americano Espiritua-
11 Além dos textos de Abend, Monroe, Treitel e Vinitsky já citados, ver Thomas A. Kselman,
Death and the Afterlife in Modern France (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1993),
esp. 125-162; e Lynn L. Sharp, Secular Spirituality: Reincarnation and Spiritism in Nineteenth-
Century France (Lanham, MD: Lexington, 2006).
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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lismo, tornou-se palavra normal em francês e em outras línguas lati-
nas, para a crença que os vivos podem entrar em contato direto com
os mortos. Enquanto muitos acadêmicos de língua inglesa tratam o
Espiritismo e o Espiritualismo como sinônimos, em línguas latinas
cada termo tem, de fato, um significado distinto enraizado em seu
desenvolvimento histórico. O surgimento e a continuada existência
destas distinções, por outro lado, diz-nos muito a respeito de como o
Espiritualismo americano mudou quando ele se moveu do mundo
anglo-fônico para o sul da Europa e além. O Espiritismo de Kardec
foi baseado na adaptação e alteração das ideias americanas distinta-
mente adequadas aos requerimentos do contexto no qual ele mesmo
se encontrava no fim dos anos 50 e início dos anos 60 do século de-
zenove, este contexto, definido por quatro elementos muito diferentes
daqueles presentes nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha: o legado
do pensamento visionário cosmológico e moral derivado dos escrito-
res Socialistas Românticos franceses tais como Charles Fourier, Pierre
Leroux, e Henri Reynaud; uma concepção do desenvolvimento histó-
rico teleológico e o valor do empirismo baseado no Positivismo de
Auguste Comte; um ambiente religioso ortodoxo dominado pela Igre-
ja Católica, que mantinha ligações próximas com o estado; e um go-
verno autoritário que impunha controles rigorosos sobre o discurso
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público, especialmente em matérias concernentes à política, à econo-
mia e à religião.12 Embora a chave dos princípios teológicos do Espiri-
tualismo americano fossem conhecidos e discutidos no Mesmerismo
francês e nos círculos do Socialismo Romântico desde o início dos
anos 50 do século dezenove, a prática das sessões espíritas como ati-
vidade religiosa só ocorreu de fato na França com a propagação das
ideias de Kardec nos anos 60 do mesmo século. No início dos anos
90 do século dezenove, o Espiritismo de Kardec já tinha se tornado o
modelo dominante que sustenta a filosofia e prática da urbana comu-
nicação com os espíritos por todo sul da Europa e América Latina.
Investigar as origens francesas do Espiritismo, portanto, é
colocar-se no cerne da transnacionalização do Espiritualismo
Moderno como um todo: um momento em que uma ideologia
religiosa largamente Protestante, altamente individualista e muitas
vezes radicalmente reformista assumiu uma forma mais agradável
para audiências que eram compartilhadas pelos americanos ansi-
ando por uma prática espiritual que aparentava reconciliar fé e
12 Ao longo deste ensaio, eu sigo o exemplo de Jonathan Beecher, usando o termo "românti-
co", em vez de "utópico", como uma caracterização do pensamento socialista pré-marxista.
A palavra "utópico", enquanto ainda comumente usada, reflete a própria postura polêmica
de Marx sobre a questão, em vez de um esforço para aproximar essas ideias em seus pró-
prios termos. Veja Jonathan Beecher, Victor Considerant and the Rise and Fall of French
Romantic Socialism (Berkeley: University of California Press, 2001), 1-8.
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ciência, mas cujas assunções religiosas, visões sociais, e situações
políticas pareciam muito diferentes. Esta análise será feita em três
partes. As duas primeiras colocarão o aspecto filosófico do Espi-
ritismo em um contexto de troca transnacional examinando como
as ideias de Kardec emergiram do fermento causado pela chegada
das ideias do Espiritualismo Americano na França. A terceira usa-
rá um estudo de caso do início dos anos 60 do século dezenove,
primeiramente para obter um claro entendimento da importância
da consistência doutrinária no Espiritismo Kardecista, e daí tirar
algumas conclusões mais amplas que podem ajudar a explicar a
ascendência da versão modificada de Kardec do Espiritualismo
Americano no mundo católico do fim do século dezenove.
O ESPIRITUALISMO AMERICANO NA FRANÇA: 1848 - 1855
Quando H. L. D. Rivail participou de sua primeira ses-
são espírita, em maio de 1855, os princípios filosóficos do
Espiritualismo Americano haviam circulado na França por um
pouco mais de cinco anos. Mesmo depois da moda das mesas
girantes em meados de 1853, entretanto, o conhecimento des-
sas ideias estava primariamente confinado a uma boemia ur-
bana de mesmeristas e apoiadores da esquerda política. Mui-
tos desses novos partidários franceses adotaram uma concep-
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ção swedenborguiana do mundo espiritual que Bret E. Carroll
tinha identificado como uma típica pré-guerra civil do Espiri-
tualismo Americano.13 Contudo, Paris que tinha um pequeno
e formalmente organizado grupo de pessoas que venerava os
textos do visionário sueco, da forma padronizada da nova
Igreja Americana e de espiritualistas franceses, como eles se
autodenominavam, tomou uma diferente abordagem. 14 O
Swedenborg deles, como o Swedenborg dos americanos, o
vidente Andrew Jackson Davis, era menos autoridade doutr i-
nária que espírito dirigente, uma fonte de contínua revelação e
inspiração para uma visão de mundo que enfatizava as cone-
xões entre o terreno e o além. Louis-Alphonse Cahagnet, um
mesmerista idiossincrático (ou magnetizador) foi o primeiro
pensador francês a elaborar uma cosmologia nesta linha. No
13 Carroll, 16-34. 14 Esta pequena congregação parisiense se chamava La Nouvelle Jérusalem, e data do final dos
anos 20 do século dezenove. Várias outras congregações swedenborguianas existiam em
outros lugares na França, a mais importante na cidade central francesa de Saint-Amand (Cher).
Para mais informações, consulte Alexandre André Jacob, Alexandre Erdan, pseud., La France
mistique, tablau des excentricités religieuses de ce tems [sic], Vol.1 (Paris: Coulon Pineau,
1855), 15-20; as diversas citações em "France" no Carl Theophilus Odhner, Annals of the New
Church (Philadelphia: Academy of the New Church, 1898), e K. E. Sjödén, "Balzac et Sweden-
borg", em Cahiers de l'association internationale des études françaises, 15 (1963): 295-307. O
jornalista Jules Bois fornece uma descrição da Nouvelle Jérusalem, tal como existia no final do
século dezenove. Veja Bois, Les Petites Religions de Paris (Paris: Léon Chailley, 1894), 23-25.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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início de 1848, ele publicou o volume inicial de Arcanes de la
Vie Future Devoilés, uma vasta compilação de conversações
transcritas entre espíritos e sonambulistas.15 No fim do tercei-
ro volume, que surgiu em 1854, Cahagnet apresentou uma
lista de cinco princípios gerais filosóficos que poderiam ser
derivados das centenas de páginas que ele apresentou:
1. A existência espiritual é uma continuação da existência
terrestre;
2. Existem tantos grupos de espíritos como de variedades
de afeições espirituais concernentes às práticas, aos estu-
dos e às crenças filosóficas e religiosas;
3. Há um paraíso superior, ou estado, para onde todos de-
sejam ir, independentemente das circunstâncias, como
aqui embaixo aspiramos uma situação melhor;
4. O paraíso é uma esfera divina na qual cada pessoa sente
e entende Deus, sem vê-lo em qualquer outra forma que
aquela de um sol radiante;
5. Em oposição a este céu, um lugar ou lugares, um sombrio
estado ou estados, que são chamados locais de purificação, nos
15 Louis-Alphonse Cahagnet, Arcanes de la vie future dévoilés, Vol.1 (Paris: author pub-
lished, 1848).
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quais a alma sofre somente a ardente aspiração de desfrutar da
doce felicidade dos escolhidos, e apagar de seus pensamen-
tos mesmo a menor memória dos seus erros passados.16
As entrevistas espíritas de Cahagnet, em outras palavras, de-
linearam uma visão moral e cosmológica muito similar daquela que
Carrol associa com Davis e outros pensadores espiritualistas ameri-
canos que tiraram inspirações dos seus escritos.17 O mundo espiritu-
al e o mundo material não eram radicalmente separados, mas pelo
contrário, pontos de um continuum, limitados por linhas de “afei-
ções”. O céu aparecia como um conjunto de esferas a vários níveis
de distância de uma divindade impessoal central; após a morte, almas
individuais eram engajadas em um processo dinâmico de melhora-
mento, primeiramente “purificando” elas mesmas dos males residu-
ais da existência material, então progredindo – embora em várias
proporções – para um estado final de comunhão com o divino.
As ideias de Cahagnet e as dos espiritualistas americanos
tinham tão forte afinidade que, no início de 1851, traduções dos
dois primeiros volumes dos Arcanes foram publicadas tanto em
16 Louis-Alphonse Cahagnet, Arcanes de la vie future dévoilés , Vol.3 (Paris: Germer-
Baillière, 1854), 380. 17 Carroll, 60-84.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
16
Nova York como em Rochester sob o título O Telégrafo Celestial, ou
Segredos da Próxima Vida.18 Cahagnet ansiosamente assumiu o cré-
dito à popularidade do crescimento do Espiritualismo nos Esta-
dos Unidos, afiançando que a tradução inglesa do seu livro tinha
“dado nascimento a Davis” e, daí “às manifestações espirituais de
todos os tipos que hoje abrangem a terra”. Apesar da influência
notável que ele acreditava que suas palavras tinham manifestado
em suas praias, Cahagnet sarcasticamente censurou a “poderosa
América” por sua falta de gratidão, que na sua visão a fez uma
nação “selvagem”: “você se lembra do promotor destes estudos?
Você enviou a ele uma única das suas numerosas publicações?
Você adquiriu um único dele? Você disse qualquer coisa sobre ele
em suas especulações metafísicas? Não, você só pensava nele para
roubar a prioridade do seu trabalho. Obrigado, mil vezes obriga-
do, terra benevolente da liberdade”.19
18 Louis-Alphonse Cahagnet, The Celestial Telegraph, or Secrets of the Life to Come Revealed
through Magnetism, 2 Vols. (New York: J.S. Redfield, 1851). 19 Louis-Alphonse Cahagnet, Révélations d’outre-tombe (Paris: Germer-Baillière, 1856), 9-10.
Observe que a cronologia dos escritos de Davis, tal como apresentada por Carroll e outros,
faz com que seja improvável que os americanos tivessem plagiado Cahagnet. Em vez disso,
os dois homens provavelmente desenvolveram seus sistemas filosóficos simultaneamente.
Para obter informações sobre o caso em favor deste ponto de vista, ver L’Union magnétique,
4:62 (25 de julho de 1857): 2.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
17
Como a injúria antiamericana de Cahagnet indica, ele era
uma figura combatente e excêntrica. No fim de 1847 ele apare-
ceu como um expoente daquilo que a França já denominava o
magnetismo espiritualista, juntando-se a uma contínua polêmica
entre aqueles que viam o Mesmerismo como uma ferramenta
para conhecer o mundo espiritual, e aqueles que preferiam pen-
sar nele como uma técnica terapêutica melhor entendida em
termos médicos do que metafísicos.20 Um autodidata da classe
trabalhadora, Cahagnet conjugou seus experimentos mesméri-
cos e numerosas publicações com seu trabalho de tornear pés
de cadeira e fazer colarinhos de camisas. Diferentemente de
Davis ele próprio não entrava em estado de transe. Pelo con-
20 Para uma visão global do desenvolvimento do mesmerismo francês na primeira metade
do século dezenove e outras questões pertinentes a este ensaio, ver Auguste Viatte, "Les
origines françaises du spiritisme", em Revue de l' histoire de l' Eglise de France, 21:90 (1935):
35-58. Viatte observa que o praticante J. P. F. Deleuze usou o termo "magnetismo espiritua-
lista" já em 1818 para se referir a uma preocupação já estabelecida no mesmerismo francês
em relação "a comunicação com seres espirituais" (página 37). As origens desta preocupa-
ção remontam a figuras do final do século dezoito, como Louis-Claude de Saint Martin, Jean-
Baptiste Willermoz, e Martinès de Pasqually. Veja Christine Bergé, L’Au-delà et les Lyonnais,
mages, médiums et Francs-Maçons du XVIIIe au XXe siècle (Lyon: LUGD, 1995); Antoine
Faivre, Access to Western Esotericism (Albany: State University of New York Press, 1993),
esp. 71-81; David Allen Harvey, Beyond Enlightenment: Occultism and Politics in Modern
France (DeKalb: University of Northern Illinois Press, 2005); René Le Forestier, La Franc-
Maçonnerie occultiste au XVIIIe siècle et l’ordre des Élus Coens (Paris: La Table d’Emeraude,
1987). Na polêmica entre mesmeristas "espiritualistas" e "materialistas", nos anos 40 e 50
do século dezenove, ver Monroe, 64-94.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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trário, da maneira típica da prática mesmerista francesa neste
período, ele usava “a simples imposição de mãos sobre a testa”
para levar ao transe uma variedade de sonâmbulos, todos eles
tirados daquilo que um observador chamou de “classe de ana l-
fabetos”.21 Uma vez que um sonâmbulo atingia o nível de luci-
dez requerido para ver e conversar com os espíritos, Cahagnet
começava a fazer as questões, primeiramente sobre a aparência
do espírito, e depois sobre outros assuntos. Um pequeno círcu-
lo de seguidores comparecia às sessões, cada uma começava
com uma cerimônia de comunhão com pão e vinho magneti-
camente influenciado pelo espírito de Swedenborg, seguida por
prece invocatória. Cahagnet sempre presidia, mas cada membro
do círculo – em 1848 havia nove – tinha oportunidade de colo-
car suas questões ao objeto da sessão.22
O círculo de Cahagnet era pequeno, e sua situação era mar-
ginal mesmo entre os mesmeristas praticantes, mas mesmo assim
tinha um papel importante ao introduzir na França a visão do além
21 Cahagnet, Arcanes 3:372; para “classe de analfabetos” ver Jacob, France mistique [sic], 1:37. 22 Os detalhes sobre a carreira de Cahagnet e as práticas de seu círculo vêm de dois artigos
biográficos em L’Union magnétique, 4:61 (10 de Julho, 1857): 1-2; e 4:62 (25 de julho, 1857):
1-2. De acordo com Jules Bois, seguidores de Cahagnet continuaram suas reuniões após a
sua morte em 1885. Veja Bois, Petites Religions, 36-37.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
19
que sustentava o Espiritualismo Americano Moderno. Em meados
dos anos 50 do século dezenove, outros escritores franceses começa-
ram a produzir separadamente suas próprias discussões swedenbor-
guianas das implicações metafísicas dos fenômenos das sessões espí-
ritas.23 O mais acessível destes textos foi Lumière, espíritos e mesas giran-
tes de 1854, um pequeno livro de Paul Louisy, baseado na interpreta-
ção de comunicações recebidas através de um não mencionado mé-
dium francês. Um homem de letras parisiense mais conhecido hoje por
suas traduções de Walter Scott e James Fenimore Cooper, Louisy
mostrou uma considerável familiaridade com o discurso do Espiritu-
alismo Americano, mas modificou sua apresentação da nova religião
da forma que ela era sugerida pela política francesa de esquerda.24
Diferentemente de Cahagnet – que de outra forma compartilhava
23 Além do texto de Louisy discutido aqui, ver D. Buret, Esprit de vérité, ou métaphysique des
esprits (Paris: A. Petit-Pierre, 1856), que não cita, mas, no entanto, retrata bem a "filosofia
harmônica" de A. J. Davis; e Louis Goupy, L’Ether, l’électricité et la matière (Paris: Ledoyen,
1854), um largo e idiossincrático trabalho que fica a meio caminho entre Cahagnet e Louisy
na sua abordagem política. 24 O catálogo da Bibliothèque Nationale de France lista o autor de Lumière separadamente
dos outros dois Paul Louisys, um o tradutor de Scott e Cooper, o outro tradutor de vários
textos de língua inglesa, mas o serviço de Louisy como tradutor de artigos da imprensa
espiritualista americana no final dos anos 50 do século dezenove e uma breve menção de
sua posição na equipe de escritores de La Biographie contemporaine, uma espécie de 'Quem
é Quem' do século dezenove, me levam a suspeitar que todas as três entradas se referem à
mesma pessoa. Ver Enciclopédia magnétique spiritualiste 4 (1859): 116-117.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
20
muitas outras convicções da linha de esquerda – Louisy enfatizava a
origem americana do Espiritualismo, que ele apresentava como uma
defesa divina do governo democrático. Era claro, escreveu Louisy,
que “o mesmo berço no qual a verdadeira liberdade nasceu” seria
também “testemunha do crescimento da verdadeira fé destinada a
regenerar o mundo”.25 Na França de 1854, presa pelo cerceamento
autoritário que se seguiu à breve florescência da revolução democrá-
tica de fevereiro de 1848, declarações deste tipo eram explosivas.
Nas mentes de muitos franceses neste período, particularmente
aqueles que apoiavam a ditadura de Napoleão III, defender a demo-
cracia era menos uma marca da moderação liberal do que um apoio
para o socialismo redistributivo.
O texto de Louisy aumentava a conexão entre o Espiritua-
lismo e o pensamento socialista francês introduzindo um forte des-
vio do precedente americano. Ao invés de conceber a jornada das
almas depois da morte como um movimento progressivo através
de esferas celestes etéreas, como fez Davis, Louisy afirmou que
este progresso tomaria a forma da “metempsicose humana”, na
qual almas individuais eram fisicamente reencarnadas na Terra e em
outros planetas. Estes mundos eram “organizados em uma imensa
25 Paul Louisy, Lumière! Esprits et tables tournantes (Paris: Garnier Frères, 1854), 6.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
21
escala de perfectibilidade”, uns muito e outros menos confortá-
veis.26 Bom comportamento em uma existência física seria recom-
pensado por encarnação em um planeta melhor; mau comporta-
mento seria punido por encarnação em planeta pior. Leitores fran-
ceses de meados do século dezenove teriam facilmente reconheci-
do esta raiz cosmológica em várias forças do pensamento Român-
tico Socialista que chegou ao seu pico de influência durante a pri-
meira fase da Revolução de 1848.27 Enfatizando a conexão do Es-
piritualismo com democracia e transformando a ideia swedenbor-
guiana de progresso através de esferas etéreas em progresso por
meio de reencarnação, portanto, Louisy deu à nova religião um
lugar claro em seu contexto francês: ele era essencialmente progres-
sista no sentido político, a contraparte espiritual que os esquerdistas
daquele tempo chamaram la sociale – a república social e democráti-
ca que os mais ardentes revolucionários em 1848 esperavam esta-
belecer. Louisy de forma alguma era a única figura a fazer conexões
deste tipo. Um grupo de seguidores de Charles Fourier, o mais
influente dos teóricos socialistas franceses da reencarnação, fez
26 Ibid., 9. 27 Ver Jean-Pierre Laurant, "Esotérisme et socialisme, 1830-1914", em Revue Française
d'histoire des idées politiques 23:1 (primeiro semestre de 2006): 129-147; e Sharp, Secular
Spirituality, 1-47.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
22
sessões espíritas regulares em 1853, transformando-se em minice-
lebridade no mundo literário parisiense.28 Vários sonambulistas
neste período também parecem ter baseado suas opiniões sobre a
estrutura do mundo dos espíritos em ideias derivadas da tradição
Socialista Romântica.29
Paralelamente a esta corrente de esquerda, um grupo de
escritores franceses pensou em redefinir a comunicação de es-
píritos baseada no transe de forma a permitir que ela funcio-
nasse explicitamente como um tipo de prática religiosa católica.
Esta abordagem também tinha raízes no Mesmerismo Espiritu-
28 O núcleo desse grupo era formado por escritores de La Démocratie pacifique, um jornal
criado pelo líder fourierista Victor Considerant e banido após o golpe de 1851 de Louis-
Napoléon Bonaparte ter posto fim à Segunda República. As explicações que este grupo
elaborou para os fenômenos das sessões espíritas e suas implicações metafísicas devem
muito pouco ao precedente americano, mas, ao contrário, se desenharam quase exclusiva-
mente sobre o pensamento de Fourier. Ver Monroe, 53-56. 29 Provavelmente o exemplo mais influente dessa tendência é a sonâmbula Célina Japhet.
Ver também o médium J. Roze, que publicou seus próprios três volumes de comunicações
espíritas cosmológicas, J. Roze, Révélations du Monde des Esprits, 3 vols. (Paris: Ledoyen,
1862). Roze, tipógrafo de profissão, era ativo como sonâmbulo pelo menos já em meados da
década de 50 do século dezenove (quando estava com seus setenta anos), e trabalhou com
Kardec quando o manuscrito que se tornaria o Livre des Esprits estava em seus estágios
iniciais. Os dois homens mais tarde tiveram uma briga. Veja a carta de Camille Flammarion
para "M. Rose" de 9 de dezembro de 1861, no caderno manuscrito Miscellanées de 1861, e
a carta de Flammarion a Sabô, presidente da Société Spirite de Bordeaux (n.d.), no início do
caderno Miscellanées de 1863, ambos encontrados no Fonds Camille Flammarion de l'Ob-
servatoire de Juvisy-sur-Orge.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
23
alista, e seu mais prolífero expoente era Henri Delaage, um mag-
netizador que escreveu numerosos livros enfatizando as cone-
xões entre as visões de sonâmbulos em transe e aquelas dos
extáticos católicos. Para Delaage, conversar com sonâmbulos
era uma forma de “andar com passos firmes, no caminho da
unidade da fé que o conde Joseph de Maistre aludiu, quando
seus pensamentos voaram sobre as montanhas como uma
águia, vigorosa, soberana e forte, para cair e prostrar-se, humil-
de e submisso, ante as decisões augustas do velho homem do
Vaticano”.30 No fim dos anos 40 do século dezenove, uns pou-
cos membros liberais do clero evidenciaram também simpatia
pelo Mesmerismo. Do púlpito de Notre Dame, o eminente
clérigo Henri Lacordaire confessou sua crença nos “fenômenos
magnéticos”, e especulou que eles poderiam ser um “protesto
divino contra a ciência”, oferecendo prova tangível “que há
algo além da morte”.31 Um sacerdote da paróquia parisiense nas
vizinhanças de Batignolles, o abade Almignana, pensou de
forma similar. Com autorização do arcebispo de Paris, ele em-
30 Henri Delaage, L’Eternité dévoilée, ou vie future des âmes après la mort (Paris: Dentu,
1854), 242. 31 Este sermão, proferido em 6 de dezembro de 1846, é citado em Viatte, "Origines
françaises", 43.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
24
preendeu esforços no seu interesse pelo assunto, conduzindo
seus próprios experimentos mesméricos e frequentando reuni-
ões do círculo de Cahagnet.32 Henri Carion e Girard de Cau-
demberg, dois escritores católicos cujo interesse no assunto
começou com a moda das mesas girantes de 1853, seguiram o
exemplo do Espiritualismo Americano enfatizando a importân-
cia da comunicação pessoal com os espíritos dos mortos, mais
do que o diálogo mediado por um magnetizador e um sonâmbulo.33
Ambos apresentaram a mediunidade como uma prática espir i-
tual essencialmente católica, com potencial de não somente
aliviar dúvidas e consolar dores, mas também prover um novo
canal para as almas no purgatório para fazer apelos diretos aos
vivos por preces. Embora a hierarquia tenha os rejeitado enfa-
32 Para a autorização, veja a carta de Almignana de 17 de junho de 1852 em Archives histori-
ques de l’archevêché de Paris, Carton 4E21, dossier M12bis. Para evidências de sua ligação
com Cahagnet, consulte Abbé A. Almignana, Du somnambulisme, des tables tournantes, et
des mediums, considérés dans leurs rapports avec la théologie et la physique (Paris: Dentu,
1854), 28-36; Jacob (pseud. Erdan), France mistique [sic], 1:62-63; e Louis-Alphonse Cahag-
net, Sanctuaire du Spiritualisme, etude de l’âme humaine et de ses rapports avec l’univers,
d’après le somnambulisme et l’extase (Paris: Germer Baillière, 1850), 152-158, que descreve
as visões do abade Almignana, após tomar "três gramas de haxixe", experienciadas no de-
correr de uma "discussão metafísica" com o autor do livro em 1848. 33 Henri Carion, Lettres sur l’évocation des esprits (Paris: Dentu, 1853); Girard de Caudem-
berg, Le Monde spirituel ou science chrétienne de communiquer intimement avec les puis-
sances célestes et les âmes heureuses (Paris: Dentu, 1857).
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
25
ticamente em meados dos anos 50 do século dezenove, estes
esforços para transformar o Espiritualismo em algo católico
repercutiu fortemente na nova ênfase em experiência religiosa
tangível que caracterizava a Igreja neste período – como, por
exemplo, no caso das aparições de Lourdes.34
DO ESPIRITUALISMO AO ESPIRITISMO
Isto, então, era o clima intelectual turbulento no qual H. L.
D. Rivail começou seus próprios estudos dos fenômenos das ses-
sões espíritas: pequenos grupos de escritores estavam adaptando as
ideias do Espiritualismo Americano ao contexto francês subme-
tendo-as a uma variedade de modificações estratégicas, frequente-
mente procurando ou associando-as com as correntes mais radicais
de 1848, ou as assimilando na estrutura católica. Rivail não era ex-
clusivamente movido por um ou outro desses pontos de vista. Ao
contrário, seu temperamento e educação parecem tê-lo disposto a
pesquisar por uma nova síntese. Nascido em Lion de uma família
34 Para cópias de muitas das condenações oficiais ao movimento das mesas, que começou a
aparecer em 1854, ver os apêndices em Ambroise Matignon, S.J., Les Morts et les vivants,
entretiens sur les communications d’outre-tombe (Paris: Adrien Le Clere, 1862), 106-139. Em
julho de 1856, o Papa Pio IX publicou a encíclica Adversus magnetismi abusus, que oficial-
mente proibia católicos de assistir sessões ou realizar experimentos mesméricos que envol-
viam conversas com o mundo espiritual.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
26
de advogados, cresceu católico, mas educado na famosa e progres-
sista escola de Johann Heinrich Pestalozzi em Yverdun, Suíça, Ri-
vail reuniu um respeito por dignidade profissional e um gosto por
moderação com uma tardia atração para os valores do Socialismo
Romântico. Depois de completar seus estudos e serviços militares
em 1832, ele e sua esposa fundaram uma escola técnica privada em
Paris, que fechou depois de alguns anos. Ele tornou-se um conta-
dor independente, e no início dos anos 50 do século dezenove es-
tava ganhando suficiente dinheiro para viver a vida confortável de
um burguês. Ao mesmo tempo, ele mantinha seu interesse na edu-
cação, publicando um conjunto de textos pedagógicos e ensinando
física, psicologia e astronomia por breve período em 1849. Como
muitos outros homens progressistas franceses do período, Rivail
era também um estudante ocasional do Mesmerismo, que ele co-
meçou explorar nos anos 20 do século dezenove.35 Embora ele
estivesse ciente da moda das mesas girantes de 1853, e tivesse ami-
gos que lhe informavam sobre os fenômenos esquisitos que eles
tinham testemunhado nas sessões espíritas, ele permaneceu cético.
Sua opinião somente mudou em 1855, depois de uma conversa
com M. Pâtier, “um funcionário público, de certa idade, um ho-
35 Henri Sausse, Biographie d’Allan Kardec (Paris: Jean Meyer, 1927), 18-24.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
27
mem muito bem educado, com um caráter frio e grave”, cujas opi-
niões altamente sustentadas por testemunho dos fenômenos das
sessões espíritas, persuadiram Rivail que tais coisas podiam de fato
merecer investigação séria.36
No fim de 1855, Rivail encontrou um lugar no pequeno
mundo dos espiritualistas parisienses, e começou no caminho que
o levaria a proeminência. Ele era um frequentador regular nas
sessões espíritas semanais da família Baudin, onde madame Bau-
din e suas duas filhas adolescentes serviam como médiuns. Na
casa dos Baudin, os espíritos se comunicavam via escrita automá-
tica, inicialmente produzida com um lápis atado a um cesto ou a
uma prancheta. Estas reuniões tinham pouco conteúdo quando
Rivail começou a frequentá-las. O espírito chamado Zéphyr res-
pondia às questões com uma mistura de sábia advertência e “gra-
cejo bem humorado” – uma situação que Rivail, um homem in-
tensamente sério, achava desconcertante e improdutivo. Gradu-
almente, ele trabalhou para levar as sessões espíritas a uma direção
mais rigorosa. Baseando no seu treinamento com Pestalozzi no
“método experimental”, ele planejava uma série de perguntas in-
36 Allan Kardec, Pierre-Gaëtan Leymarie, ed., Oeuvres posthumes (Paris: Dervy, 1978), 241. O
material citado aqui vem de um livro de memórias que Kardec escreveu no final dos anos 60
do século dezenove.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
28
terligadas antes de cada reunião, e as colocava de uma forma mo-
derada e metódica, “não aceitando uma explicação como válida
até que ela resolvesse todas as dificuldades da questão”. Os outros
participantes das sessões espíritas começaram a apoiar o projeto
de Rivail, abandonando seus interesses prévios em “questões tri-
viais”. Zéphyr e seus amigos espíritos apoiaram este exame minu-
cioso, elaborando um conjunto de material que, nas palavras de
Rivail, “formaram um todo e tomou a proporção de doutrina”.37
Ele começou a ordenar as comunicações do grupo e editá-las para
publicação. Enquanto ele fazia isso, outros membros do grupo,
incluindo o dramaturgo Victorien Sardou, o escritor René Tail-
landier e o editor Alfred Didier, contribuíram com a pesquisa de
Rivail dando a ele cadernos adicionais de escritas automáticas de
outros médiuns.38 Para posterior ajuda no seu projeto, Rivail co-
meçou a consultar o magnetizador profissional, Roustan, e sua so-
nâmbula Célina Japhet. Os espíritos de Japhet compartilhavam as
inclinações de Rivail por coerência filosófica, ajudando a clarificar
ambiguidades e reconciliar inconsistências entre as várias comuni-
cações.39 Um dia em 1856, quando este processo estava bem en-
37 Ibid., 242-244. 38 Sausse, 30. 39 Kardec, Oeuvres posthumes, 245.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
29
caminhado, Rivail recebeu uma comunicação, do grupo de Baudin
ou do grupo de Japhet e de um médium chamado J. Roze, suge-
rindo que ele publicasse seu livro sob o pseudônimo de Allan
Kardec.40 Na primavera de 1857, sua primeira compilação das
comunicações, o Livro dos Espíritos, apareceu impresso.
O livro de Kardec foi um dos muitos textos em linguagem
francesa sobre o Espiritualismo publicado mais ou menos ao mes-
mo tempo, um sinal do entusiasmo que a viagem do médium an-
glo-americano D. D. Home gerou entre os leitores franceses.41 En-
tretanto, o Livro dos Espíritos rapidamente se distinguiu dos seus
competidores. Onde antes os livros espiritualistas em francês ti-
nham tendido a ser digressivos, em compilações mal organizadas
de anedotas e especulações, os espíritos de Kardec conduziram
suas ideias em termos simples, respondendo diretamente, em for-
mato de catecismo, a questões claramente formuladas. Talvez
mesmo mais importante, as respostas que os espíritos forneciam
eram notáveis pela falta de originalidade. Ao contrário de vaga ex-
40 O pseudônimo de Rivail tem duas possíveis histórias de origem. Veja Le Spiritisme 5
(1888): 233, para uma história que o atribui a um médium no círculo dos Baudin; e La Lumiè-
re 10 (janeiro 1899-dezembro 1900): 38-40, para a que o atribui a Japhet e Roze. 41 Para discussões sobre a cobertura da imprensa de Home e a onda de publicações espiritu-
alistas de 1857, ver Monroe, 83-90, 102-104.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
30
ploração, fantasticamente parecida com o território intelectual, as
comunicações no Livro dos Espíritos sintetizavam seletos elementos
dos diversos sistemas que tinham emergido nos primeiros textos
espiritualistas franceses. Como Cahagnet, Kardec reforçou a conti-
nuidade dos mundos material e espiritual; ele também dividiu com
o Mesmerismo Espiritualista a noção de um “fluido” penetrante
que ligava os dois. Kardec similarmente mantinha a concepção da
jornada das almas como a jornada da continuação do progresso,
presente em Cahagnet e muito no pensamento espiritualista ameri-
cano. Ao invés de considerar a vida do além como uma série de
esferas imateriais, no entanto, ele tomou a abordagem de Louisy,
descrevendo um cosmos no qual as almas individuais expiavam
pecados e colhiam recompensas por bons procedimentos através
da reencarnação física em uma série de planetas progressivamente
mais confortáveis. Entre encarnações, as almas viviam em variáveis
períodos de tempo como espíritos errantes; as entidades que visita-
vam as sessões espíritas eram deste tipo ou eram almas que tinham
alcançado estados etéreos que marcavam os mais altos níveis de
evolução espiritual. Ao mesmo tempo, os espíritos de Kardec, de
forma nenhuma ortodoxos em seus raciocínios, eram frequente-
mente, no mínimo, nominalmente católicos, e enfaticamente cris-
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
31
tãos em sua sensibilidade moral: o livro incluiu comunicações assi-
nadas por Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luis, e Féli-
cité de Lammenais, entre outros.
Os outros livros espiritualistas de 1857 foram rapidamente
esquecidos, mas o Livro dos Espíritos tornou-se um campeão de
vendas. Seu sucesso baseava-se não somente nas suas incomuns
coerência e acessibilidade lógica, mas também em uma caracterís-
tica mais fundamental: as ideias que ele apresentava eram nota-
velmente bem ajustadas a sua pretendida audiência. Muito do ma-
terial do Livro dos Espíritos, como já mencionado, tinha anteceden-
tes no trabalho de escritores espiritualistas anteriores, mas os ele-
mentos específicos da síntese de Kardec se emaranhavam de uma
forma única com a mais extensa sensibilidade intelectual e a situa-
ção política dos homens e mulheres alinhados à esquerda progres-
sista da França, especialmente nas classes médias urbanas. A visão
moral e escatológica delineada pelos espíritos de Kardec, com sua
ênfase na caridade como expressão primária da conduta moral e
sua concepção de reencarnação interplanetária, repercutiu bem
fortemente o pensamento do socialista romântico de Fourier,
Henri de Saint Simon, Etienne Cabet, Jean Reynaud e Pierre Le-
roux. O senso do valor das comunicações espirituais de Kardec
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
32
como uma forma de dar uma base empírica para a fé, e a visão
teleológica do progresso histórico que ele esposava – com sua
suposição que a humanidade era movida para uma época na qual
a ciência triunfante resolveria um sempre crescente número de
questões fundamentais – se devia claramente ao Positivismo de
Auguste Comte. Na verdade, esta fusão da metafísica romântico-
socialista e da epistemologia positivista era talvez a contribuição
intelectual mais original de Kardec. Politicamente, o Livro dos Es-
píritos tinha uma inspiração no Socialismo Romântico, mas dis-
pensou sua mensagem explicitamente revolucionária. Os espíritos
de Kardec, por exemplo, deixaram claro que a reencarnação não
era um incentivo para criar o paraíso na Terra através de uma
reorganização social radical, como muitos socialistas românticos o
tinham visto, mas pelo contrário, justificava resignação à injustiça
atual com a promessa de uma recompensa futura em um planeta
mais iluminado. Isto serviu ao duplo propósito de distanciar as
ideias de Kardec da violência e da revolta de 1848, e de acomodar
a realidade repressiva do estado autoritário de Napoleão III, sob a
qual os defensores da política de esquerda eram na melhor hipó-
tese censurados ou presos e exilados na pior hipótese. Como re-
sultado deste ato cuidadosamente pensado, a filosofia de Kardec
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
33
atingiu aqueles que a abraçavam como familiar e consoladora: ele
tomou exatamente a forma de um leitor de meados do século
dezenove que com inclinações progressistas esperaria ter de um
sistema alternativo religioso, mas fez isso numa forma que dissi-
pava as intensas paixões político-sociais que tinham causado mui-
to tumulto durante a Segunda República.
Kardec pretendia que o Livro dos Espíritos fosse um texto
fundamental de um movimento organizado. Seu primeiro passo
nesta direção foi terminológico: para substituir o previamente
comum spiritualisme, ele cunhou um novo termo, spiritisme. Como
ele coloca na introdução do Livro dos Espíritos, em Francês a pa-
lavra espiritualismo já atribuída a uma ampla e bem estabelecida
tradição filosófica, fazendo-a aplicável a qualquer um “que acre-
dita que tem nele mesmo alguma coisa a mais do que matéria”,
de Descartes e Victor Cousin a Cahagnet e Delaage. Espiritismo,
em contraste, era mais preciso: ele se referia a uma “doutrina”
estabelecida na “relação entre o mundo material e os espíritos ou
seres do mundo invisível”.42 Crentes desta doutrina eram espíri-
tas; os princípios cosmológicos, escatológicos e morais nos quais
42 Allan Kardec, Le Livre des Esprits, contenant les principes de la doctrine spir ite (Paris:
Dervy 1996), I.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
34
ela era baseada eram aqueles definidos no Livro dos Espíritos. Em
1858 Kardec fundou um jornal, a Revue spirite, para dar sustenta-
ção posterior a suas ideias, e brevemente depois disso estabele-
ceu uma sociedade para o estudo das manifestações dos espíri-
tos, a Société parisienne des études spirites. Este grupo, composto,
como a Revue o descreveu era de, “exclusivamente pessoas sé-
rias”, incluindo muitos “homens tornados eminentes pelos seus
conhecimentos e posições sociais”, fez sua primeira reunião na
primavera de 1858.43
O TRIUNFO DA CODIFICAÇÃO
Kardec não usou o termo “doutrina” levianamente. Para
ele, como para muitos dos crentes que adotaram suas ideias na
metade final do século dezenove, o Espiritismo adquiriu conside-
rável poder por sua consistência e coerência lógica. As páginas da
Revue spirite e as suas compilações das comunicações dos espíritos
eram polifônicas, juntando escritas automáticas de uma grande
variedade de diferentes grupos e médiuns. Ainda assim havia
sempre um comentário editorial para juntar as várias partes, onde
ele frequentemente enfatizava esta diversidade usando diferentes
43 La Revue spirite, 1 (1858): 148.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
35
tamanhos de tipos e – especialmente na Revue – incluía assinaturas
de espíritos no fim de suas comunicações. Esta impressão de mul-
tiplicidade, por seu turno, causava subjacente unidade filosófica
para manifestar isto muito mais claramente. Como Kardec colo-
cou isso em seu segundo livro, um manual detalhado sobre como
dirigir as sessões espíritas e a interpretação das mensagens dos
espíritos, “a linguagem dos espíritos é sempre idêntica, se não na
forma, ao menos na substância. Os pensamentos são os mesmos,
qualquer que seja o tempo e o lugar; eles podem ser mais ou me-
nos desenvolvidos, de acordo com as circunstâncias, necessidades
e a capacidade de se comunicar, mas eles não serão contraditó-
rios”.44 Coerência deste tipo, para Kardec, era elemento crucial
para o reconhecimento do Espiritismo. Enquanto uma filosofia
especulativa convencional era meramente “uma teoria, um siste-
ma inventado para sustentar uma causa primeira”, o Espiritismo
tinha “sua fonte nos fatos da própria natureza, em fatos positivos
que frequentemente apareciam aos nossos olhos”.45 Ele não era
simplesmente uma possível visão do universo, ele era a única vi-
são verdadeira, construída com base na evidência empírica – co-
44 Allan Kardec, Le Livre des mediums, ou guide des médiums et des évocateurs (Boucherville,
QC: Editions de Mortagne, 1986), 337. 45 Revue spirite 7 (1864): 325.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
36
municações espirituais – que através de exame racional era consi-
derado inabalável.
Esta ênfase na coerência doutrinária colocou Kardec em
desacordo aos valores individualistas que muitos historiadores
consideram ter sido um aspecto definidor do Espiritualismo
Americano. Carrol anota que nos Estados Unidos, espiritualistas
nos anos 50 e 60 do século dezenove tendiam a ver contradições
e inconsistências entre comunicações como uma consequência da
novidade do seu empreendimento. Teorias concorrentes, de acor-
do com esta visão, eram simplesmente participantes recentes no
mercado de ideias, das quais a verdade emergiria com a mesma
inevitabilidade que Adam Smith bradava por preços justos.46 No
fim dos anos 50 do século dezenove, muitos franceses espiritualis-
tas – como eles se chamavam – compartilhavam esta visão, pondo
obstáculos contra o esforço de codificação de Kardec. O mais
eloquente desses oponentes era Zéphyre-Joseph Piérart, antigo
editor chefe do Journal du magnétisme, periódico mesmerista líder da
França.47 Logo depois que a Revue spirite iniciou, Piérart fundou
46 Carroll, 45. 47 Para um notável estudo biográfico de Pierart, consulte os artigos de Marc Court, Pierre
Gillon, et al. publicado em Le Vieux Saint-Maur, Bulletin de la société d’hisotire et
d’archéologie de Saint-Maur-des-Fossés 71-72 (1998-1999): 3-69.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
37
um jornal concorrente, propositalmente denominado Revue spiritu-
aliste. Seu primeiro lançamento começou com um manifesto criti-
cando “alguns espiritualistas isolados” por seus presunçosos es-
forços para “escrever o código dos espíritos”. Este grupo, Piérart
escreveu, “pensará sem dúvida em logo formar uma ortodoxia a
qual todos os sinais indicam que eles terão a pretensão de usar
para explicar estes fenômenos, e fora disso, de acordo com eles,
haverá somente erro, heresia”. Tal movimento, na visão de Pié-
rart, era um grave erro. A abordagem apropriada era evitar con-
clusões prematuras, ao invés de procurar “estabelecer relações
com todos espiritualistas convictos, para colher todas as opiniões,
pesá-las, e julgá-las”. O que o Espiritualismo necessitava, em re-
sumo, era uma “academia”, um corpo imparcial que avaliaria to-
das as reivindicações igualmente. Este processo de reflexão, ar-
gumentava Piérart, teria também uma dimensão democrática: a
“academia”, sugeria ele, poderia solicitar comunicações de um
grande conjunto de círculos espiritualistas sobre “Deus, Provi-
dência, cosmogonias, mundos, eternidade, almas, humanidade, a
vida futura, grandes verdades religiosas, morais, filosóficas, psico-
lógicas, históricas, científicas, etc. etc.” Então, poder-se-ia subme-
ter estes documentos ao escrutínio racional e à análise quantitati-
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
38
va, dando precedência a ideias compartilhadas por um grande
número de grupos.48 Este apelo à democracia, por seu turno, era
um disfarçado golpe à defesa de Kardec da reencarnação, um
princípio irresistivelmente rejeitado pelos espíritos no mundo
anglo-americano. Enquanto Piérart nunca teve sucesso em estabe-
lecer sua Académie spiritualiste, seu jornal – ao menos nos seus pri-
meiros anos – empenhou-se em conseguir meta similar, solicitan-
do informações dos Estados Unidos, argumentando contra a re-
encarnação, e aceitando artigos dos principais autores franceses
espiritualistas do começo dos anos 50 do século dezenove.
Kardec deu pouca atenção às críticas de Piérart, e tratou as
objeções americanas à reencarnação com pouco caso. Na sua visão,
o fato que a maioria dos espíritos americanos não mencionava a
reencarnação era simplesmente uma concessão sobrenatural ao ra-
cismo. Os espíritos, ele escreveu, desejavam acreditar na possibilida-
de do diálogo com aqueles que “emergiam no país com absoluta
liberdade em relação a expressão de opinião”, e então nada diziam
sobre reencarnação, a qual eles sabiam que “ficaria contra os precon-
ceitos da escravatura e da cor. A ideia que um negro poderia se tor-
nar um branco; que um branco poderia ter sido negro; que um se-
48 Revue spiritualiste, 1 (1858): 1-11.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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nhor poderia ter sido um escravo, pareceria tão monstruoso que isto
teria levado à rejeição de toda a ideia” da comunicação espiritual. Na
França, onde este preconceito não existia, de acordo com Kardec, os
espíritos podiam revelar livremente a verdade. Afinal, ele argumenta-
va, “a unidade emergirá neste ponto como em todos os outros”.49
Certamente, o sucesso decisivo da abordagem de Kardec
na França apoiava sua confiança: em 1866, a Revue spirite ostentava
1800 assinaturas e a Revue spiritualiste, 500.50 Na prática, entretanto,
este sucesso somente aumentou o desafio de manter a coerência
filosófica que Kardec procurava. Enquanto as sociedades espíritas
eram criadas na França, um crescente número de médiuns produ-
zia revelações que poderiam variar consideravelmente de grupo
para grupo. Kardec explicava esta situação enfatizando a diversi-
dade do mundo dos espíritos. Fazer a sessão espírita, particular-
mente se ela não invoca explicitamente um espírito particular, era
como fazer uma reunião pública aberta a todos os visitantes. Es-
píritos elevados podiam visitar, mas também o podiam os menos
evoluídos.51 Os espíritos mais inferiores, ele explicava, eram cla-
49 Revue spirite, 5 (1862): 50. 50 Archives nationales de France, carton F/18/294, “Etat du tirage des journaux (politiques et
non politiques) 1er semestre 1866.” 51 Livre des médiums, 352-353.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
40
ramente identificáveis: eles falavam de uma maneira menos inteli-
gente, podiam ser rudes e danosos, e frequentemente exibiam
uma inclinação para os fenômenos físicos espetaculares embora
grosseiros. Espíritos elevados, em contraste, comunicavam sobre
matérias importantes calmamente, seriamente e em tons modera-
dos.52 Perante esta situação, os espíritos mais enganadores eram
aqueles que mantinham comunicações com todas as marcas esti-
lísticas da elevação, não obstante contradiziam aspectos da Dou-
trina Espírita já aceitos como verdade. Estas comunicações hete-
rodoxas decepcionantes, Kardec argumentava, eram o trabalho de
uma classe insidiosa de almas desencarnadas: os espíritos pseudo-
sábios, ou espíritos impostores.53 Estes seres não eram maliciosos;
eles simplesmente não conseguiram ainda ultrapassar as noções
preconceituosas que tinham limitado seus pensamentos quando
eram vivos. O conceito de espíritos pseudo-sábios, em outras pala-
vras, deu a Kardec uma válvula de segurança – uma forma de des-
legitimar as comunicações convincentes e lógicas, mas inconveni-
entemente divergentes que alguns médiuns produziam.
52 Ibid., 326-351, 407-419. Veja também Livre des esprits, 43-61. 53 Para uma descrição concisa das características do espírito pseudo-sábio, consulte Livre des
esprits, 48-49.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
41
Apesar de ter sido essencial para a manutenção da coerência
doutrinária do Espiritismo, a efetiva identificação e denúncia de
comunicações deste tipo poderia gerar considerável conflito. Na
verdade, o problema de manter médiuns em seus lugares parece ter
estado entre as maiores dificuldades que Kardec enfrentou logo
que o Espiritismo se tornou um movimento totalmente estabeleci-
do no início dos anos 60 do século dezenove. Sua autoridade pes-
soal como um juiz cheio de discernimento da verdade, e a predo-
minância de seus livros, organização e jornal apreciados no mundo
da ortodoxia francesa, fez muitos médiuns ansiosos por ver suas
comunicações publicadas com sua aprovação. Mesmo quando es-
critas automáticas chegavam à Societé parisienne aos milhares, todavia,
Kardec concluiu que médiuns poderiam ser bastante relutantes em
ter suas comunicações criticadas.54 Apesar das seguidas advertên-
cias de Kardec, muitos médiuns e crentes, quando apresentavam
comunicações para sua avaliação, parecem tê-lo feito já convenci-
dos que eles receberam sabedoria de seres superiores. Estes reque-
rentes ficavam geralmente decepcionados por ouvir o maître pro-
clamar que desvios dos pontos já estabelecidos da doutrina traziam
54 Em 1863, Kardec afirmou estar trabalhando com um conjunto de 3.600 comunicações
espíritas escritas. Além disso, houve "um certo número de manuscritos mais ou menos
volumosos". Revue spirite 6 (1863): 156.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
42
à questão a origem de suas revelações. Da perspectiva dos médiuns
e dos participantes das sessões espíritas, sobretudo, uma comunica-
ção espiritual era um traço físico de uma poderosa e, profundamen-
te pessoal experiência de inspiração e transcendência. Aprovando a
comunicação, Kardec verificava a autenticidade deste momento de
inspiração; uma rejeição, ao contrário, indicava que o solicitante
tinha se enganado com as fantasias de um espírito de cultura inferi-
or. A posterior inferência de Kardec que tais comunicações inferio-
res eram consequências da própria “fraqueza e credulidade” do
médium teria feito esta recusa duplamente penosa.55
Para a maior parte, estes médiuns recalcitrantes somente
existem no relato histórico como alvos despersonalizados das
admoestações de Kardec.56 O caso do advogado de Bordeaux
Jean-Baptiste Roustaing e sua médium, Madame Emile Collig-
non, entretanto, é uma exceção bem documentada desta regra. A
história de Roustaing fornece uma reveladora ilustração da for-
ma que a autoridade funcionava no Espiritismo Francês, e daí,
da divergência surpreendente entre sua contraparte anglo-
55 Revue spirite 2 (1859): 33. 56 Para discussões sobre alguns outros casos bem documentados em que é possível identifi-
car médiuns específicos, o mais notável dos quais foi Honorine Huet, consulte Monroe,
Laboratories of Faith, 90-94, 133-139.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
43
americana. Nascido em uma família de advogados de classe mé-
dia, Roustaing começou sua vida profissional como professor de
escola pública em Toulouse, onde trabalhou de 1823 a 1826.
Durante este período ele estudou advocacia nas horas de folga.
Em 1826, ele mudou-se para Paris, onde ele fez seu aprendizado
formal.57 Após terminar seu treinamento em 1829, ele retornou a
sua cidade natal de Bordeaux e começou a trabalhar como advo-
gado. Ele fez uma carreira de sucesso, trabalhando por 30 anos
“no escritório e nos julgamentos”.58 Em 1858, Roustaing con-
traiu uma doença séria, que o obrigou a parar de trabalhar; mes-
mo depois de sua recuperação em 1861, ele não teve força para
reassumir sua “amada profissão”.59
Felizmente, justamente quando Roustaing recuperou, ele
encontrou uma nova vocação: o estudo do Espiritismo. Ele pri-
meiramente soube da nova doutrina por um médico local e por
57 Jean-Baptiste Roustaing, Spiritisme chrétien, ou révélation de la révélation, les quatre
Evangiles suivis des commandements, expliqués en esprit et en vérité par les évangelistes
assistés des apôtres – Moïse, Vol. 1 (Paris: Librairie centrale, 1866), iii-iv. 58 Ibid., iv. 59 Ibid.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
44
um amigo advogado chamado André Pezzani.60 Inicialmente
Roustaing era cético, mas depois de ler o Livro dos Espíritos, ele
mudou de opinião, por razões que parece ter sido típica entre os
convertidos franceses – homens especialmente educados – neste
período.61 A doutrina de Kardec ofereceu a Roustaing uma pode-
rosa solução para dúvidas metafísicas que o tinham aborrecido
durante sua doença. Antes de encontrar o Livro dos Espíritos, Rous-
taing não podia aceitar os ensinamentos da Igreja Católica. Os
Evangelhos pareciam “obscuros e incompreensíveis” a ele, e as
interpretações que a Igreja oferecia eram patentemente irracionais
para satisfazer os requerimentos de sua mente bem afiada.62 Ao
mesmo tempo, entretanto, o advogado de Bordeaux sentia um
poderoso desejo de acreditar. Ele admirava a moralidade cristã,
mesmo quando se recusava a aceitar a realidade da espetacular
“transgressão das leis naturais” que parecia ocorrer tão frequen-
temente nos Evangelhos.63 O Espiritismo, com ênfase nos fatos, e
sua proposta em prover uma explicação para os milagres de acor-
60 Ibid. Pezzani era um defensor entusiasta da idéia da reencarnação. Veja sua defesa da
cosmologia kardecista contra as objeções de Piérart em André Pezzani, Une philosophie
nouvelle, ce qu’elle doit être devant la science (Paris: Didier, 1872), 93-96. 61 Ibid., iv, vi. Para outros exemplos, ver Monroe, Laboratories of Faith, 123-127. 62 Ibid., vi. 63 Ibid.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
45
do com as demandas da ciência moderna, finalmente permitiu
Roustaing trocar sua dúvida por uma certeza definitiva. Seu entu-
siasmo com a nova doutrina o inspirou a mandar uma declaração
de fé para Kardec, que foi publicada na Revue spirite em 1861.64
Depois de sua conversão, Roustaing abordou seus estudos
do além com uma intensidade cada vez maior. Ele começou por
assistir uma variedade de reuniões espíritas, nunca servindo ele
mesmo como médium, mas, em vez disso, seguindo ambas: a prá-
tica Mesmerista precedente e a prática usual de Kardec, observando
e colocando questões aos espíritos que apareciam.65 Em dezembro
de 1861, ele encontrou a médium Emile Collignon. Diferentemente
dos médiuns que Roustaing havia consultado previamente, Collig-
non não tinha somente a vontade, mas também a habilidade e paci-
ência para produzir volumosas escritas automáticas suficientemente
ambiciosas para satisfazer o exigente ex-advogado. No fim da sua
segunda reunião com Roustaing, Collignon recebeu uma longa
64 La Revue Spirite, Vol.4 (1861): 169. 65 No início da década de 60 do século dezenove, este modelo tornou-se típico em círculos
espíritas franceses. De acordo com Carroll, médiuns tendem a dominar círculos espiritualis-
tas americanos, mas na França, especialmente a partir da década de 50 até a década de 70
do século dezenove, a figura dominante era o homem presidente da sociedade, que liderava
as reuniões, fazia questões aos espíritos, mas nunca, ele próprio, entrava num transe. Ver
Carroll, 120-151; e Monroe, 132-133.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
46
comunicação espontânea escrita em colaboração pelos espíritos
Mateus, Marcos, Lucas e João, “ajudados pelos apóstolos”.66 Nesta
carta, os espíritos anunciavam suas intenções de usar Collignon
como um veículo para uma nova série dramática de novas comuni-
cações: “Ao fim, queridos amigos, nós tentaremos explicar os
evangelhos em espírito e verdade, e assim colocar o cenário para a uni-
dade de crenças entre os homens; vocês podem chamar isso de “a
revelação da revelação”.67 A tarefa de Roustaing, como questionador de
Collignon, seria de ordenar estas revelações e prepará-las para pu-
blicação. Reunindo-se regularmente pelos próximos cinco anos,
Collignon e Roustaing produziram um enorme compêndio de co-
mentários sobre os Evangelhos, seguidos por uma similarmente
detalhada explicação dos Dez Mandamentos, fornecida pelo espíri-
to de Moisés. Roustaing publicou estes textos em 1866 – prova-
velmente às suas custas – em três grossos volumes com o incômo-
do título Spiritisme chrétien ou révélation de la révélation, les quatre Evangi-
les suivis des commandements, expliqués en esprit et en vérité.
As ideias de Roustaing e que os Evangelistas de Collignon
expunham eram idiossincráticas e potencialmente explosivas.
66 Ibid., xxiii. 67 Ibid., xxii. Ênfase no original.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
47
Mais surpreendente, elas ofereciam uma nova explicação para a
divindade de Cristo e o nascimento de virgem. A nova “revelação
da revelação”, que Roustaing explicava com uma combinação
típica de legalidade tortuosa e exuberância tipográfica visionária,
mostra que esta concepção e gestação da virgem, e deste
modo, esta gravidez e o parto – os quais podiam não ter sido
reais, por que eles poderiam ter contrariado as leis da nature-
za, imutáveis como o desejo de Deus, de onde eles emanaram
– na nossa Terra, requeria a ligação de dois sexos para a con-
cepção da fêmea (e em consequência, gestação, gravidez e
parto), e não pode, por consequência e necessariamente, ser
qualquer coisa MAS simplesmente aparente – era, de fato,
simplesmente aparente como funciona inteiramente fora de
toda ação humana – como trabalho do Espírito Santo, quer di-
zer, dos espíritos do Senhor e ASSIM puramente Espírita. 68
Cristo, em outras palavras, não tinha um corpo no sentido
humano, de acordo com os evangelistas de Collignon e Roustaing.
Ao contrário, ele tinha um “corpo fluídico, de natureza perispiri-
68 Ibid., 48. Ênfase no original.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
48
tual, visível e tangível como uma aparição corporal humana”.69 O
corpo aparentemente físico de Cristo era de fato uma extraordina-
riamente poderosa e duradoura “forma completa” de materializa-
ção espiritual. Seu nascimento e a gravidez de Maria, entretanto,
na verdade não ocorreu, mas foram, em vez disso, simulações, tão
reais que elas convenceram a própria Maria.
Esta noção do corpo de Cristo e o nascimento como “pura-
mente obra dos espíritos”, Roustaing afirmava, era o único meio
racional de relatar a categoria do Messias como um ser divino. A
velha história do nascimento de uma virgem contradizia as “leis da
natureza”, que cada pessoa moderna, cientificamente treinada sabia
ser imutável. Para que a ideia de um Cristo divino seja racionalmente
defensável, entretanto, ela precisa ser explicada em termos dessas
leis. Espiritismo e Mesmerismo, introduzindo a ideia que a alma po-
deria usar o “fluido universal” para que sua presença fosse sentida
no mundo material, davam esta explicação. Cristo, como Roustaing
e Collignon o retratavam, era uma entidade espiritual com um corpo
tangível, mas não de carne. Ele não era um ser humano comum,
então, mas uma manifestação física direta da vontade de Deus; sua
69 Ibid., Vol.3, 131. A palavra perispírito, cunhado por Kardec no Livre des esprits, refere-se
ao "envelope fluídico" etéreo que envolve um espírito quando ele está no estado desencar-
nado, e serve como meio de influenciar o mundo material.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
49
aparente humanidade era somente uma ilusão para fazê-lo mais atra-
tivo aos menos evoluídos intelectos dos tempos bíblicos.70
Kardec não recebeu a magnum opus de Roustaing com o
mesmo entusiasmo que tinha concedido à carta de 1861. Uma bre-
ve revisão dos Quatre Evangiles apareceu na Revue Spirite em meados
de 1866. “Para os espíritas”, anota Kardec, esta nova coleção de
comunicações dos espíritos “tinha o mérito de em nenhuma forma
contradizer a doutrina ensinada no Livro dos Espíritos”.71 Esta orto-
doxia doutrinária, entretanto, era acidental: ela era ligada nos dese-
jos dos espíritos de Roustaing de fazer perguntas às mais elevadas
entidades que tinham decidido não responder, no interesse de per-
petuar algumas medidas de harmonia entre Espiritismo e Catoli-
cismo – se não aos olhos do clero, que categoricamente rejeitava as
ideias de Kardec, ao menos aos olhos dos leigos de mente aberta.
Na visão de Kardec, então, as falhas do trabalho não provi-
nham das suas contradições com os já publicados textos espíritas,
mas antes da forma de salvaguardar as ideias que ele adiantava.
Mais importante, a descrição do livro da natureza espiritual do Cris-
to contradizia perturbadoramente o ponto chave do dogma católi-
70 Ibid., 578. 71 La Revue Spirite, Vol.9 (1866): 190. Os itálicos são meus.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
50
co, e pior, lembrava a velha heresia do Docetismo. Em vez de
abraçar de coração o trabalho de Roustaing, Kardec enfatizava sua
relutância em endossar suas mais dramáticas conclusões. “Até nós
recebermos posteriores informações”, ele escreveu, “nós nem
aprovamos nem desaprovamos as teorias (de Roustaing)”. Em vez
disso, os crentes fariam bem em considerar estes volumes como
“uma opinião pessoal dos espíritos que a forneceram”, não como
“parte integral da Doutrina Espírita”.72 Com esta instrução Kardec
deu a entender que Moisés, Mateus, Marcos, Lucas e João de Rous-
taing podiam de fato ter sido espíritos pseudos-sábios, que levaram
o eminente advogado pelo mau caminho. Com receio de que al-
guns leitores vissem esta cautelosa avaliação como muito afirmati-
va, Kardec passou a indicar que vários espíritos contatados para
confirmação já tinham manifestado “sérias objeções a esta teo-
ria”.73 O livro de Roustaing, de acordo com Kardec, era meramente
um documento curioso e hipotético.
A recusa de Kardec de aceitar os Quatre Evangiles como um
texto espírita canônico deixou Roustaing amargamente desapon-
tado. O advogado de Boudeaux respondeu à rejeição de Kardec
72 Ibid., 191. 73 Ibid.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
51
com uma longa carta, que acabou sendo publicada na forma de
um panfleto no início de 1880. Neste texto, Roustaing denunciou
Kardec por seu autoritarismo. Kardec, ele escreveu, rendendo-se
a uma abjeta sede de poder transformou a doutrina dos espíritos
revelada a ele de uma simples hipótese em um “sistema precon-
ceituoso” inflexível.74 Esta rigidez, Roustaing escreveu, causou
grave dano à causa espiritualista na França. Apresentando-se co-
mo um “juiz infalível”, Kardec “repeliu (...) todos os homens de
porte científico e literário que não queriam ser seus seguidores, os
que desejavam manter sua independência e o critério de suas ra-
zões”.75 Na América, onde o Espiritualismo mantinha-se livre de
dogmas e descentralizado, ele teve sucesso em fazer prosélitos
“aos milhões”.76 Na França, ao contrário, o movimento pareceu
interessar a uma pequena minoria. Pessoas distintas, educadas e
inteligentes, afirmava Roustaing, rejeitavam o Espiritismo francês
porque elas rapidamente percebiam suas contradições. Em teoria,
o Espiritismo era a doutrina que prometia liberdade, reforma so-
74 Jean-Baptiste Roustaing, "Les Quatre Evangiles de J-B Roustaing, réponse à ses critiques et
à ses adversaires" (Bordeaux: J. Durand, 1882), 18. Esta brochura é um manuscrito que
Roustaing escreveu em 1866, e revisou antes da sua morte em 1879. O núcleo do documen-
to é a carta que Roustaing escreveu a La Revue Spirite. 75 Ibid., 29. 76 Ibid.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
52
cial e a transformação das relações humanas com o além. Na prá-
tica, ele era uma seita autoritária que “exauria e aprisionava” as
mentes de seus adeptos forçando-os a curvarem-se à implacável
vontade de Kardec. O Espiritismo francês, Roustaing concluía,
poderia somente ganhar influência se ele tivesse sucesso em liber-
tar-se das coações do “sistema” opressivo de Kardec.
No final, entretanto, o autoritarismo contra o qual Rousta-
ing se lançava serviu bem a Kardec. Na época em que os volumes
do advogado de Bordeaux apareceram, a esmagadora maioria dos
grupos franceses devotados aos contatos com os espíritos con-
cordaram com o papel central dos textos de Kardec, e reconhece-
ram a proeminência do seu jornal e da sociedade parisiense que
ele liderou. Grupos espíritas tinham também começado a aparecer
na Catalunha e Itália. Esta posição de eminência deu a Kardec
uma considerável soma de poder para determinar quais ideias
eram ou não eram aceitáveis para serem admitidas nos princípios
da doutrina espírita – e criou uma percepção geral que tais “prin-
cípios” existiam antes de tudo. A popularidade dos livros de Kar-
dec, a simplicidade das ideias neles contidas, e seu acessível estilo
fizeram da “doutrina” espírita a lente filosófica através da qual os
franceses – crédulos e céticos, igualmente – entendessem as ses-
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
53
sões espíritas e os contatos do outro mundo que ocorriam nelas.
Um número continuamente crescente de sociedades espíritas
através da França organizou-se de acordo com o modelo de Kar-
dec; as comunicações que os médiuns recebiam refletiam este
crescente consenso tomando sempre mais a doutrina e a termino-
logia do Livro dos Espíritos como seus pontos de partida.77 Entre
os espíritos que falavam através dos médiuns franceses, por
exemplo, a ideia das reencarnações progressivas tinha se tornado
“senso comum” no início dos anos 70 do século dezenove. Ao
tempo da morte de Kardec, em 1869, o Espiritismo kardecista
assumiu um lugar importante na imaginação visionária francesa,
que continuaria a ocupar também no século vinte.
Ainda que Roustaing tivesse discordado, o triunfo do Espiri-
tismo na França, e subsequentemente em outros lugares no mundo
católico, não era provavelmente uma simples consequência de procura
sem escrúpulos de poder. Ao contrário, a versão diferente de Kardec
do Espiritualismo Moderno teve sucesso em grande parte porque ela
repercutia tão fortemente com sua pretendida audiência. Esta reper-
cussão, por outro lado, leva-nos de volta à questão maior do desen-
volvimento transnacional do Espiritualismo Moderno. Na França,
77 Para uma descrição mais detalhada deste processo, ver Monroe, 112-118.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
54
como nós temos visto, esta força da heterodoxia colocava uma ênfase
muito maior na centralização da estrutura organizacional e coerência
doutrinária do que fez as correspondentes anglo-americanas. Os espi-
ritualistas britânicos e americanos, como uma rica literatura nestes
assuntos mostra, organizaram-se em uma coleção de “associações”
descentralizadas, e eram consideravelmente mais tolerantes com as
diferenças filosóficas entre médiuns e grupos. Em grande parte, como
a resposta ambivalente de Kardec a Roustaing, a preferência francesa
pela autoridade e codificação foi um produto do contexto religioso
que o Espiritismo tomou forma. A maioria dos espíritas, mesmo
quando eles abandonaram o catolicismo, tinham se educado na Igreja,
e continuaram a conceber a legitimidade religiosa em termos católicos.
Kardec mesmo tomou cuidado em apresentar o Espiritismo como
intimamente conectado ao Catolicismo. O Espiritismo, ele escreveu,
parece ainda mais — e com mais autoridade — com a reli-
gião católica do que com outras. No (Catolicismo) nós en-
contramos todos os importantes princípios: Espíritos de vá-
rios graus, suas relações ocultas e visíveis com os homens,
anjos da guarda, reencarnação, separação da alma do cor-
po, segunda vista, visões, manifestações de todos os tipos,
e mesmo tangíveis aparições.78
78 Livre des esprits, 486.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
55
Enquanto numerosos clérigos críticos e frequentemente
insultuosos do Espiritismo discordavam enfaticamente deste pro-
nunciamento, particularmente quando ele chegava à reencarnação,
parece, contudo ter atingido certo número de leigos como digno
de confiança. De acordo com a própria avaliação de Kardec, ba-
seada em dez anos de correspondência do jornal e da sociedade
espírita, algo como setenta por cento dos espíritas franceses eram
“católicos não amarrados a dogmas”; “católicos amarrados a
dogmas” são estimados em dez por cento mais.79
A centralização relativa do Espiritismo na França e a
confiança na doutrina codificada, contudo, poderiam talvez ser
consideradas uma criação colaborativa, o produto de uma intera-
ção entre as ideias de Kardec e as expectativas de seu público.
Mesmo que o papel do Catolicismo fosse importante para a his-
tória, ele não era o único elemento a fazer esta colaboração, con-
tudo. Como nós vimos, muitos dos distintos elementos “não
católicos” do Espiritismo, incluindo o conceito de reencarnação
expiatória interplanetária e a tendência de dar autoridade nas
reuniões ao “presidente” homem e não-médium, também emer-
giam desta reciprocidade entre ideias e expectativas. Desenvol-
79 Revue spirite 12 (1869): 5.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
56
ver um entendimento mais claro deste tipo de diferenciação de
como ele acontecia não somente na França, mas em outros paí-
ses desde que o Espiritismo começou sua própria jornada trans-
nacional, fará mais para estimular nosso senso de significância
do processo de inovação religiosa que as irmãs Fox começaram
na sua casa de campo em 1848.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
57
SUGESTÕES PARA POSTERIORES LEITURAS
ESPIRITISMO E MESMERISMO CONTINENTAL DO SÉCULO XIX:
Abend, Lisa. “Specters of the Secular: Spiritism in Nineteenth-Century
Spain.” In European History, Quarterly. 34:4 (2004): 507-534.
Aubrée, Marion and François Laplantine. La Table, le Livre et les
Esprits, Naissance, Évolution et Acutalité du Mouvement Social Spirite
entre France et Brésil (Paris: Lattès, 1990).
Bergé, Christine. La Voix des Esprits, Ethnologie du Spiritisme. Paris :
Métailié, 1990.
Biondi, Massimo. Tavoli e Medium, Storia dello Spiritismo in Italia.
Rome: Gremese, 1988.
Brower, M. Brady. Unruly Spirits: The Science of Psychic Phenomena
in Modern France. Urbana: University of Illinois Press, 2010.
Brown, Diana DeGroat. Umbanda: Religion and Politics in Urban
Brazil. New York: Columbia University Press, 1986.
Edelman, Nicole. Voyantes, Guérisseuses et Visionnaires en France,
1785-1914 (Paris: Albin Michel, 1995).
Hess, David J. Spirits and Scientists: Ideology, Spiritism and Brazilian
Culture. University Park: Pennsylvania State University Press, 1991.
Kselman, Thomas A. Death and the Afterlife in Modern France.
Princeton: Princeton University Press, 1993.
Lantier, Jacques. Le Spiritisme, ou l’Aventure d’une Croyance. Paris:
Culture, Arts, Loisirs, 1971.
Laurant, Jean-Pierre. L’Esotérisme Chrétien en France au XIXe
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Le Maléfan, Pascal. Folie et Spiritisme, Histoire du Discours
Psychopathologique sur la Pratique du Spiritisme, ses Abords et ses
Avatars (1850-1950). Paris: L’Harmattan, 1999.
A TRAVESSIA: ALLAN KARDEC E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO ESPIRITUALISMO MODERNO JOHN WARNE MONROE
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Méheust, Bertrand. Somnambulisme et Médiumnité. 2 vols. Le
Plessis-Robinson: Institut Synthélabo, 1999.
Monroe, John Warne. Laboratories of Faith: Mesmerism, Spiritism and
Occultism in Modern France. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2008.
Sharp, Lynn L. Secular Spirituality: Reincarnation and Spiritism in
Nineteenth-Century France. Lanham, MD: Lexington, 2006.
Treitel, Corinna. A Science for the Soul: Occultism and the Genesis of the
German Modern. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004.
Vinitsky, Ilya. Ghostly Paradoxes: Modern Spiritualism and Russian
Culture in the Age of Realism. Toronto: University of Toronto Press, 2009.
John Warne Monroe, PhD em História da Europa pela
Universidade de Yale (2002) e escritor norte-americano, é
autor de Laboratories of Faith: Mesmerism, Spiritism and
Occultism in Modern France. Atualmente é professor do
departamento de história da Universidade de Iowa, EUA.
Email: [email protected]
Título Original:
Crossing Over: Allan Kardec and the Transnationalization of Modern Spiritualism.
Tradução e Revisão:
Swami Villela e Vital Cruvinel.
Edição e Produção Gráfica:
PENSE - Pensamento Social Espírita [www.viasantos.com/pense].
São Vicente-SP, Brasil - setembro de 2014.