“Boa sorte menina além mar.” Foram as palavras de um amigo ao despedir-se no Brasil. Fez-me pensar co- mo seria o mar de cá. Se as ondas seriam maiores, o tempo mais cruel, ou até, se as ressacas seriam mais fortes. Como seriam enfim, os portugueses, aqueles que certo dia fize- ram da minha terra um país, do meu país uma nação que aprendeu a andar sozinha, mesmo que tenha ficado por muito tempo com as pernas um pouco bambas. Seriam amáveis com sua tão anti- ga cria? Ou olhariam torto como a mãe que vigia o filho que tenta andar lon- ge de suas asas? O que, portanto, seria de mim além dos limites do meu mar não sabia ao certo. Mas ao pegar um avião para Lisboa, direto da minha terra grande com ares de cidade peque- na – Belo Horizonte, Minas Gerais – o sentimento de euforia acobertou qual- quer receio ou arrependi- mento. E assim, continua desde o dia que cheguei. No princípio, tudo me pa- receu ao mesmo tempo familiar e diferente. Me peguei falando inglês nas ruas, pois meu pensamen- to, talvez cansado, remetia à lógica de que ao mudar de país deveria mudar de idioma. As primeiras pala- vras de um legítimo portu- guês me soaram estranhas e me exigiam atenção re- dobrada para entender – logo eu que me distraio tão facilmente. Aos poucos me habituo. Me esforço para dizer metro e não metrô, me policio para pedir um saco e não uma sacola ao supermercado enquanto estou na bicha e não na fila. Devagar, vou me sentindo absorvida por palavras novas. Porém não só palavras, mas costumes, conheci- mentos, cultura. Estranho como, para mim, o Brasil e Portugal se misturam cons- tantemente em Lisboa. Como me remeto ao som da viola quando escuto o fado, me sinto à vontade em um pequeno bar em uma esquina apertada de Alfama e até, como não me assustam tanto as la- deiras, como se estivesse nas minhas montanhas gerais. Talvez porque a tendência é procurar o familiar quando estamos em ambiente desconheci- do. E encontrá-lo pode ser delicioso enquanto, não achá-lo, é essencial. Assim, aguardo ansiosa para o dia em que familiar será viver por aqui - quando eu já estiver inundada nesse velho mundo novo. Espero, portanto, que seja esse um bom espaço de desabafo para jogar todas essas palavras iguais e di- ferentes e relatar, em um português brasileiro que começa a ter ares de por- tuguês lusitano, minhas descobertas e absorções desse novo lar. Vou me vestir ora de estudante, familiar da cidade, ora de turista cheia de olhares curiosos. E espero dicas, sugestões e impressões. Aceitos roteiros, lugares novos, livros, música, e- ventos – tudo que me aju- de a perceber essa terra mãe para, enfim, poder dizer que tenho formada a minha opinião sobre a ci- dade. Até então, me sinto segura em dizer que é bela a Lis- boa e, como boa pessoana, que só vou sentir essa ci- dade se me aventurar em perder-me entre morros e ruelas, afinal, “sentir é estar distraído” e quando eu menos perceber, esta- rei distraidamente a andar como se estivesse peram- bulando pelos assoalhos da minha própria casa. Além Mar. Vivendo as (in) diferenças. Volume 0 Edição Gratuita.
1. Volume 0Edio Gratuita. Alm Mar.receu ao mesmo tempo em que
familiar ser viverfamiliar e diferente. Me por aqui - quando eu
jpeguei falando ingls nasestiver inundada nesse Vivendo as (in)
diferenas. ruas, pois meu pensamen- velho mundo novo.to, talvez
cansado, remetiaEspero, portanto, que seja lgica de que ao mudar
esse um bom espao dede pas deveria mudar de desabafo para jogar
todasidioma. As primeiras pala- essas palavras iguais e di-vras de
um legtimo portu- Boa sorte menina alm mar. gus me soaram estranhas
ferentes e relatar, em um portugus brasileiro que Foram as palavras
de ume me exigiam ateno re- comea a ter ares de por- amigo ao
despedir-se nodobrada para entender tugus lusitano, minhas Brasil.
Fez-me pensar co-logo eu que me distraiodescobertas e absores mo
seria o mar de c. Se to facilmente. Aos poucos desse novo lar. Vou
me as ondas seriam maiores, me habituo. Me esforo vestir ora de
estudante, o tempo mais cruel, ou para dizer metro e no familiar da
cidade, ora de at, se as ressacas seriam metr, me policio para
turista cheia de olhares mais fortes. Como seriam pedir um saco e
no umacuriosos. E espero dicas, enfim, os portugueses, sacola ao
supermercado sugestes e impresses. aqueles que certo dia
fize-enquanto estou na bicha eAceitos roteiros, lugares ram da
minha terra umno na fila. Devagar, vounovos, livros, msica, e- pas,
do meu pas umame sentindo absorvida porventos tudo que me aju- nao
que aprendeu a palavras novas.de a perceber essa terra andar
sozinha, mesmo que Porm no s palavras, me para, enfim, poder tenha
ficado por muito mas costumes, conheci- dizer que tenho formada a
tempo com as pernas um mentos, cultura. Estranhominha opinio sobre
a ci- pouco bambas. Seriam como, para mim, o Brasil e dade. amveis
com sua to anti-Portugal se misturam cons- At ento, me sinto segura
ga cria? Ou olhariam torto tantemente em Lisboa.em dizer que bela a
Lis- como a me que vigia o Como me remeto ao somboa e, como boa
pessoana, filho que tenta andar lon- da viola quando escuto o que s
vou sentir essa ci- ge de suas asas? fado, me sinto vontade dade se
me aventurar em O que, portanto, seria deem um pequeno bar em
perder-me entre morros e mim alm dos limites douma esquina apertada
deruelas, afinal, sentir meu mar no sabia ao Alfama e at, como no
estar distrado e quando certo. Mas ao pegar um me assustam tanto as
la- eu menos perceber, esta- avio para Lisboa, diretodeiras, como
se estivesserei distraidamente a andar da minha terra grandenas
minhas montanhas como se estivesse peram- com ares de cidade
peque-gerais. Talvez porque abulando pelos assoalhos na Belo
Horizonte, Minas tendncia procurar o da minha prpria casa. Gerais o
sentimento de familiar quando estamos euforia acobertou qual-em
ambiente desconheci- quer receio ou arrependi-do. E encontr-lo pode
ser mento. E assim, continua delicioso enquanto, no desde o dia que
cheguei. ach-lo, essencial. Assim, No princpio, tudo me pa-aguardo
ansiosa para o dia
2. VIVENDO AS (IN) DIFERENAS. Sou um evadido.Sou um
evadido.Logo que nasciFecharam-me em mim, Ah, mas eu fugi.Se a
gente se cansa Do mesmo lugar,Do mesmo serPor que no se cansar?
Minha alma procura-me Mas eu ando a monte,Oxal que elaNunca me
encontre.Ser um cadeia, Ser eu no ser.Viverei fugindo Mas vivo a
valer.Fernando Pessoa Seja l o que for. (Tu que consolas, que no
exis-com uma nitidez absoluta. tes e por isso consolas, Vejo as
lojas, vejo os passeios, vejo os carrosOu deusa grega, concebida
co- que passam,mo esttua que fosse viva, Vejo os entes vivos
vestidos que se cruzam, Ou patrcia romana, impossivel- Vejo os ces
que tambm existem,mente nobre e nefasta, E tudo isto me pesa como
uma condenao aoOu princesa de trovadores,degredo, gentilssima e
colorida, E tudo isto estrangeiro, como tudo.) Ou marquesa do sculo
dezoito, lvaro de Camposdecotada e longnqua, Ou cocote clebre do
tempodos nossos pais, Ou no sei qu moderno - no concebo bem o qu -
Tudo isso, seja o que for, quesejas, se pode inspirar que ins-
pire! Meu corao um balde despe-jado.Como os que invocam espritos 2
invocam espritos invoco A mim mesmo e no encontro nada.Chego janela
e vejo a rua
3. VOLUME 0Entre Cantos.Lisboa cada dia mais familiar eao mesmo
tempo mais estranhapara mim. Fico contente que j meaventuro em ruas
estreitas e jdecorei, como um caminho da ro-a, as curvas ngremes
que mese juntam com a nova decorao de Natal.levam at em casa.
CumprimentoRoupas dependuradas nas varandas esto alguns vizinhos,
reconheo os ca-mo de quem passa entre as caladas que sechorros que
perambulam nas cal-entortam, crescem e depois diminuem aoadas e j
decorei os preos detamanho de um corpo s.supermercados e do quilo
de fru-tas nos inmeros pequenos merca-No sei muito bem identificar
os vestgiosdos da minha freguesia. Entretan-ditos das ocupaes
Romanas e rabes deto, ao mesmo tempo, se me pegooutrora, talvez nos
ptios e largos, mas, no largo da Graa e me debruo nacerto, que
Alfama repleta de passado, vista defronte a igreja, em questofeita
de memria percebe-se na arquitetu-de segundos me dou conta de
que,ra, nos odores, nos sons. Como se escondes-do topo onde vivo,
vejo um mar dese segredos mas nem por isso se fechassefreguesias
que sequer passei per-em seus becos escuros. Ao contrrio,
pareceto.que se abre, abraa turistas curiosos `a pro-cura das casas
de fado e com mapas inteisPorm, digo certa de que, at ondenas mos,
pois neles no esto listadas asoa fui, j tenho meus cantos preferi-
omo a m sperar, ctravessas e caladas, muito menos dizem E e dos e
dentre os recantos, me en-rrumarque para descer preciso subir e
descer emespera acontro sempre encantada com um solteira queridasem
particular, Alfama. Confessoseguida. E quando consegue-se descer,
se fitas colo o, que asestiver no ponto certo jogado perto do
marmarid diasem vergonha que em questo deela que e por mais belo
que este seja, d uma nos- anunciem da jansegundos me perco por l e
ficotalgia instantnea, do aconchego, da visoAntnio.sem saber para
onde ir e se j esti- de Santo ve ou no em tal lugar. Mas sem-mida,
tambm porque l ameniza-se o ven-to frio e, ao menos no inverno,
esse calorpre me impressiono. Incrvel comohumano se aventurando em
ruas estreitasuma confuso de ruas tortas, ba-parece-me uma sada
esperta.res, casas, casos e inmeros ou-Mas h tambm um pouco de
tristeza quetros tropeos se misturam em umatorna Alfama ainda mais
peculiar. Surpreen-harmonia nica. Resqucios da de-dem os prdios
esquecidos, com suas portascorao da Festa de Santo Antnioe janelas
fadadas ao silncio, fechadas por tijolos e cimento. Casas que pedem
socorro, becos que no conhecem um feixe de luz,azulejos que j no se
aguentam na parede. Porm essa tristeza logo perde fora, poisbasta
ir um pouco adiante e l esto as varandas floridas, os candeeiros
acesos e osazulejos intactos que gritam histria e cultura. No
percurso esbarra-se em igrejas, emcafs nos quais parecem frequentar
s o dono e seus amigos convidados no fim da tar-de para uma xcara
de caf, o pastel de nata e o po quentinho. Depois, basta
subir,descer, perambular por arcos, becos e vielas. Andar at as
pernas pedirem sossego eento descansar onde a rua alarga-se e a
conversa rende, ou sentar-se em um banco deesquina apertado onde as
pernas mal cabem. E da, ver a vida passar, como se o tempono
tivesse permisso de subir morros. E esperar, como a moa solteira
que espera ar-rumar marido, que as fitas coloridas anunciem da
janela que dia de Santo Antnio. 3Pois dizem que, seja pela tradio,
pelo milagre ou apenas pela boa desculpa de brindare danar, quando
toda Alfama veste-se de alegria. No vejo a hora. At l, me aventu-ro
ansiosa em freguesias alheias.
4. VIVENDO AS (IN) DIFERENAS.Jogados. Rita de Podest. Algo
incomodava. Pequeno mas que em pequenas frases clichs, a melhor
Ensino DistnciaPs- graduao em Estudos cutucava forte, que remexia,
agitava e maneira de viver o que ora assusta ou Literrios
Comparados. confundia. At que de repente elaincomoda.Universidade
Nova deLisboa. ouviu o otimismo alheio: vou fazer esseE foi assim
que ela resolveu encarar a Professora: Helena lugar ficar bom! E,
sem muito pensar,aventura de vez. Abarrotada de
tantoBarbasLisboa.Maio de 2010.gostou do som daquelas palavras
espe-passado achou que seus trajes de presenteranosas e resolveu
plagiar a simplici-agregados a um pouco de futuro poderiamdade
desse pensamento alto pois, a cair-lhe bem. Vestiu-os e saiu a rua
paraesperana, direito igual que ningum comear tudo outra vez com um
novo etira do outro, ela precisa de existirverde olhar.para
catalisar a ao, sustentar ootimismo e que, mesmo quando afogada19
de maio de 2010.Acesso aqui o site ou clique para contato:
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