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O ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E O DIREITO À EDUCAÇÃO Rosinei da Silva Cantuário Rodrigues 1 Orientadora: Maria Eunice França Volsi² Resumo: Este artigo objetiva compreender a concepção de direito à educação estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de desmistificar a (não) intervenção disciplinar do professor durante o processo de ensino e aprendizagem. Para alcançar tal objetivo, a pesquisa terá como fonte principal o Estatuto da Criança e do Adolescente. Busca-se com a investigação entender a percepção dos educadores a respeito dessa lei, seus limites e suas possibilidades por meio da literatura que versa sobre a temática e a concepção de direito subjacente em seus artigos que requer dos educadores intervenções necessária ao processo de formação do cidadão. Constata-se com a investigação bibliográfica, que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é pouco compreendido pelos educadores, que atribuem a ele os recorrentes casos de indisciplina e Atos Infracionais cometidos no ambiente escolar. Palavras-Chave: Direito a Educação, Estatuto da Criança e Adolescente, Indisciplina, Ato Infracional. INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo refletir sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o direito á educação. Para tanto, faz-se necessário primeiramente, explicitar o conceito de direitos à educação para crianças e adolescentes que foi se constituindo ao longo da história. Ressaltamos que o direito à educação, é um aspecto que deve ser compreendido em todas as demandas, sociais, culturais e econômicas, pois estes aspectos são interdependentes e indivisíveis. Não há como compreender, analisar somente um desses aspectos, excluindo o outro. Nesse sentido, destacamos a educação como um direito social (art. 6º Constituição Federal) fundamental para que o cidadão usufrua dos demais direitos sociais, civis e políticos. Como encaminhamento metodológico, o presente artigo apresenta primeiramente o histórico do direito à educação das crianças e adolescentes no Brasil, expressos em lei. Em seguida apresenta o Estatuto da Criança e do Adolescente como expressão da ampliação dos direitos do cidadão no contexto de abertura democrática dos anos de 1 Acadêmica 4° ano de Pedagogia / noturno da Universidade Estadual de Maringá ² Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá

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O ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E O DIREITO À EDUCAÇÃO

Rosinei da Silva Cantuário Rodrigues1

Orientadora: Maria Eunice França Volsi²

Resumo: Este artigo objetiva compreender a concepção de direito à educação estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de desmistificar a (não) intervenção disciplinar do professor durante o processo de ensino e aprendizagem. Para alcançar tal objetivo, a pesquisa terá como fonte principal o Estatuto da Criança e do Adolescente. Busca-se com a investigação entender a percepção dos educadores a respeito dessa lei, seus limites e suas possibilidades por meio da literatura que versa sobre a temática e a concepção de direito subjacente em seus artigos que requer dos educadores intervenções necessária ao processo de formação do cidadão. Constata-se com a investigação bibliográfica, que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é pouco compreendido pelos educadores, que atribuem a ele os recorrentes casos de indisciplina e Atos Infracionais cometidos no ambiente escolar. Palavras-Chave: Direito a Educação, Estatuto da Criança e Adolescente, Indisciplina, Ato Infracional. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo refletir sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o

direito á educação. Para tanto, faz-se necessário primeiramente, explicitar o conceito de

direitos à educação para crianças e adolescentes que foi se constituindo ao longo da

história.

Ressaltamos que o direito à educação, é um aspecto que deve ser compreendido em

todas as demandas, sociais, culturais e econômicas, pois estes aspectos são

interdependentes e indivisíveis. Não há como compreender, analisar somente um desses

aspectos, excluindo o outro. Nesse sentido, destacamos a educação como um direito

social (art. 6º Constituição Federal) fundamental para que o cidadão usufrua dos demais

direitos sociais, civis e políticos.

Como encaminhamento metodológico, o presente artigo apresenta primeiramente o

histórico do direito à educação das crianças e adolescentes no Brasil, expressos em lei.

Em seguida apresenta o Estatuto da Criança e do Adolescente como expressão da

ampliação dos direitos do cidadão no contexto de abertura democrática dos anos de 1Acadêmica 4° ano de Pedagogia / noturno da Universidade Estadual de Maringá ² Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá

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1980, estabelecendo, neste caso, a criança e o adolescente como sujeitos de direito. E

como sujeitos de direitos, destaca-se então, o direito à educação a partir da aprovação da

Lei nº8.069, de 13 de julho de 1990. Finalizando nossas reflexões sobre a temática,

chamamos a atenção para a compreensão dos educadores quanto as determinações

legais previstas no ECA, e conseqüentemente, os encaminhamentos que o sistema

escolar tem dado ao atendimento dos atos de indisciplina e infração.

DIREITO A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL:

TRAJETÓRIA HISTÓRICA

No final do século XIX o direito a infância começa a ser debatido a partir da ideia de

que a criança é um ser em desenvolvimento, que necessita ser moldado para definir o

cidadão que será no futuro. O direito a educação das crianças e dos adolescentes no

Brasil está amparado em uma concepção moderna de infância e adolescência,

relativamente recente na história da humanidade na qual vem acompanhando as

mudanças históricas observadas em relação à visão da criança, da infância e

adolescência como períodos diferenciados da vida adulta (ARIÈS, 1891; SANTOS,

1996).

Conforme Marshall (1967) a trajetória da história do direito à educação escolar é

semelhante à luta por uma legislação protetora dos trabalhadores da indústria nascente,

pois, em ambos os casos, foi no século XIX que se lançaram as bases para os direitos

sociais como integrantes da cidadania. (...) "a educação é um pré-requisito necessário da

liberdade civil" e, como tal, um pré-requisito do exercício de outros direitos. Como

explica o autor,

(...) A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança freqüentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado (MARSHALL, 1967, p. 73).

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Nesse momento de intensa transformação social e que surge em 1927, o Código Mello

Mattos – Código de Menores, voltado para uma parcela socialmente excluída. A

elaboração do Código teve como orientação a noção higienista presente naquele

período. Segundo Santos,

[...] com a efervescência do final do séc. XIX, a produção de novos saberes científicos (Medicina Pediátrica e Sanitária, Sociologia, Pedagogia, dentre outras) e o dinamismo econômico, a sociedade brasileira cria uma nova visão sobre a infância. [...] A infância passa a ser considerada como possível de ser moldada dentro dos padrões sociais. Para isso, deve-se usar técnicas pedagógicas rígidas e disciplinares que impinjam nas crianças as condutas, as regras e os princípios morais burgueses para manutenção da ordem (SANTOS, 2007, p. 231).

De acordo com Santos (2007), essa nova visão sobre a criança e o adolescente,

objetivava controlar e disciplinar crianças e adolescentes, de maneira a evitar uma

possível cólera ou revolta pela situação decadente em que viviam. Nesse sentido, o

discurso não se aplicava às crianças oriundas das famílias ricas ou com mínimas condições

para sua criação que não se encaixavam na categoria discursiva e prática social do menor

abandonado.

Portanto estas medidas eram apenas para as crianças pobres, que ocupavam as ruas seja pelo

motivo que fosse. A estas crianças, consideradas menores, restava à intervenção do estado.

“(...) O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18

annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistência e

proteção contidas neste Código” (CODIGO DE MENORES 1927 Art. 1º,).

Esses cuidados deveriam permanecer sob a guarda do Estado, que conferindo a si o

papel de proteção se desresponsabilizava pela produção do abandono, que recaía apenas

sobre a família. Nessa perspectiva, o Estado era responsável por zelar pelo bem-estar

das crianças ainda em situação de abandono.O discurso da exposição carregava

implícita a noção de perigo que as ruas poderiam oferecer às crianças (...) “são

considerados expostos os infantes até sete annos de idade, encontrados em estado de

abandono, onde quer que seja” (CODIGO DE MENORES, 1927 ART. 17).

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Partindo deste contexto que se expressa no artigo 17 foram criadas normas que definiam

a maneira adequada de a família educar e proteger a criança desde o cuidado com a

alimentação até a educação sexual.

O Código de Menores consolidou o aparato legal existente e incluiu novos pontos, uma

vez que estabelecia que todos os menores de 18 anos, desde que abandonados ou

delinquentes, estariam submetidos à tutela da autoridade competente, deixando de ser

uma questão de polícia, e passariam a sujeitos às medidas de assistência e proteção.

O referido Código consolidou leis de assistência e proteção o menor de 18 anos de idade

consagrou um sistema dual no atendimento à criança ao entender que cabia ao Estado o

papel de tutelar crianças que estivessem fora de uma família considerada padrão com

base em critérios de saúde, higiene e moralidade. Com relação a escola e o direito a

educação dos menores de ambos os sexos o Código previa o seguinte::

Art. 198. É criada uma escola de preservação para menores do sexo feminino, que ficarem sob a proteção da autoridade publica. Essa escola é destinada a dar educação phiysica, moral, profissional e literária ás menores. Que a ela forem recolhidas por ordem do juiz competente. Art. 204. Haverá uma escola de reforma. Destinada a receber, para regenerar pelo trabalho, educação e instrução, os menores do sexo masculino, de mais de 14 anos e menos de 18, que forem julgados pelo juiz de menores e por este mandados internar. Art. 209. As escolas de qualquer dos sexos, em todas as secções, observarão no seu funcionamento as regras estipuladas nos artigos seguintes. Art. 210. Cada turma ficará sob a regência de um professor, que tratará paternalmente os menores, morando com estes, partilhando de seus trabalhos e divertimentos, ocupando-se de sua educação individual, incutindo-lhes os princípios e sentimentos de moral necessários á sua regeneração, observando cuidadosamente em cada um seus vícios, tendências, affeições, virtudes, os efeitos da educação que recebem, e o mais que seja digno de atenção, anotando suas observações em livro especial (CÓDIGO DE MENORES, 1927).

Os internatos se adequavam a um modelo de atendimento ao menor, pautados no

controle social, isto é, o menor seria moldado, corrigido de acordo com as diretrizes

estabelecidas pelas entidades de internação.

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A ideia era de que a responsabilidade pela educação desses menores era de suas

famílias, logo, se essas falhassem, seja pela impossibilidade de provê-los material e

emocionalmente, seja pela inviabilidade de afastar-lhes da delinqüência e

marginalidade, caberia ao Estado, amparado no Código de Menores, a responsabilidade

de corrigir esses estados de patologia social mediante a internação dos menores.

Esse Código vigorou no país durante 50 anos, passou por algumas alterações, porém

sem ser modificado em seu caráter higienista e repressor. No entanto com o término da

Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 1948,

uma declaração que ampliou os direitos constantes no texto de 1924 (aprovado pela 5ª

Assembléia da Sociedade das Nações).

Foi somente em 1959 que a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal

dos Direitos da Criança, ampliando de cinco para dez os princípios aplicados à infância.

Nesse ano, as Nações Unidas proclamaram sua Declaração Universal dos Direitos da

Criança, de significativo e profundo impacto nas atitudes de cada nação diante da

infância. Nela, a ONU reafirmava a importância de se garantir a universalidade,

objetividade e igualdade na consideração de questões relativas aos direitos da criança.

A Declaração enfatiza a importância de se intensificar esforços nacionais para a

promoção do respeito dos direitos da criança à sobrevivência, proteção e ao

desenvolvimento dos mesmos.

Em meio à trajetória de debates acerca dos direitos da criança e adolescente é que em

1979 o Código Mello Mattos de 1927, foi suprimido e substituído pela lei nº

6.697/1979, com a justificativa de que ele não mais condizia com o período político e

social do país e a partir desse novo código, os menores deixariam de ser titulados de

acordo com a sua situação de carente, delinqüente, abandonado, e outras caracterizações

e passariam a enquadrar o grupo dos “menores em situação irregular” o que segundo a

nova legislação legitimava e consolidava o aparato institucional existente para atender

os menores infratores.

Apesar da emergência dos movimentos sociais, a vigência da ditadura tornava a agenda

governamental menos permeável a outros diagnósticos. O novo código dispunha sobre

“assistência, proteção e vigilância a menores de 18 anos de idade, que se encontrem em

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situação irregular, e entre 18 e 21 anos, nos casos expressos em lei” (CÓDIGO DE

MENORES, 1979, art. 1º, I e II).

A crise econômica no início dos anos 1980 favoreceu a distensão do aparato repressor e

a emergência de novos atores sociais. A Constituição de 1988, num processo de

reconstrução democrática, reconheceu crianças e adolescentes como cidadãos, pessoas

em condição de desenvolvimento, substituindo o paradigma da Doutrina da Situação

Irregular pela Doutrina da Proteção Integral, ou seja, fez da criação do direito ao nível

da lei a explicitação do direito ao nível dos fatos (SEDA, 1998).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 já trazia o espírito da Convenção

Internacional dos Direitos da Criança (1989), mostrando as conexões entre os debates

interno e externo e entre os atores do Brasil e de outros países. Com efeito, os preceitos

estabelecidos pela Convenção estão presentes no artigo 227 da referida Constituição.

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL. Constituição Federal, 1988).

Foi adotada a doutrina da proteção integral, reconhecendo crianças e adolescentes como

sujeitos de direito na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, assegurando-

lhes, portanto, os direitos fundamentais já reconhecidos para a população adulta.

Essa é uma síntese das transformações nas Convenções Internacionais no campo da

infância e da adolescência ocorridas no século XX. Tais transformações resultaram em

uma nova concepção de direitos da criança e do adolescente, entendidos como cidadãos

de direitos e na atenção integral por parte do Estado. No entanto, no Brasil as políticas

públicas somente convergiriam para o conceito da Doutrina Integral com o fim da

ditadura. Antes disso, o que se verificou foi o aprofundamento da Doutrina da Situação

Irregular.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 seguido da aprovação do Estatuto da

Criança e do Adolescente em 1990 amplia os direitos e garantias fundamentais do

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cidadão, a criança e o adolescente, a partir de então, são considerados sujeitos de

direitos.

O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A leitura cuidadosa sobre a forma como cada legislação caracterizou a infância e

situações consideradas irregulares são fundamentais para que se compreendam algumas

decisões adotadas ainda hoje e que destoam da legislação do Estatuto da Criança e

Adolescente (ECA), alimentando debates sobre a efetividade da legislação atual.

No entanto o Código de Menores, de 1979, tinha como foco o menor em situação

irregular, que se tornou incompatível com os valores expressos na Convenção e na nova

Constituição, sendo substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei

nº 8.069, de julho de 1990, que regulamentou a Constituição Federal e ratificou a

Convenção.

Ao contrário das políticas focalizadas a que se propunham as duas legislações

anteriores, o ECA foi concebido para ser universal, ou seja, destinado a todas as

crianças e adolescentes, sem distinção de raça, classe social, ou qualquer outra forma de

discriminação. Reconhecendo a criança e adolescente como “sujeitos de direitos”,

considerados em sua “peculiar condição de pessoas em desenvolvimento” e a quem se

deve “prioridade absoluta” na formulação das políticas públicas e destinação

privilegiada de recursos nas dotações orçamentárias das diversas instâncias político-

administrativas do país.

O ECA regulamentou a Constituição brasileira, referendando um novo paradigma em

relação aos direito das crianças e adolescentes, substituindo legalmente o conceito de

situação irregular pelo de proteção integral e inserindo nova forma de operacionalizar as

políticas públicas. O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) se constitui em um

instrumento jurídico social de plena legitimidade histórica, em primeiro lugar porque se

configura como uma ferramenta de cidadania, pois viabiliza a todo cidadão os meios de

defesa de direitos.

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Este processo consagrou, à época de sua formulação, com a defesa dos direitos a

Educação prevista no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que procura garantir

direitos a todas as crianças (de 0 a 12 anos incompletos) e todos os adolescentes (de 12

a 18 anos) sejam pobres ou ricos, do campo ou da cidade, negros, brancos, indígenas,

imigrantes, outros. O Estatuto da Criança e do Adolescente preza pela família, sua

estruturação e condições necessárias para que possa garantir as necessidades básicas.

Aos pais fica a responsabilidade pela formação, orientação e acompanhamento da

criança/e adolescente, portanto, pode-se perceber que os pais/responsáveis são

contemplados no (ECA) tanto em forma de direitos assegurados, quanto na questão de

responsabilidades junto à criança/adolescente.

Com relação à educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 53

estabelece que:

Art. 53 A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais (BRASIL, 1990).

O ECA assegura que a criança e adolescente tenha o direito a educação sistematizada,

exigindo um repensar do planejamento pedagógico de cada Instituição de ensino este

planejamento pedagógico deve ser repensado de maneira que aborde investigações e

compreensão dos acontecimentos históricos, sociais, culturais, e econômicos vistos

sobre o prisma do respeito, da defesa e da proteção à vida, como também devem

abranger a compreensão e o estudo do homem e da sociedade amplamente, sem

dicotomias ou seleções.

Portanto, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) garante direitos fundamentais e

permite um pensar a conhecer a realidade de cada criança e adolescente buscando

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soluções para que todos tenham educação com dignidade, eliminando as disparidades

sociais existentes no mundo moderno e contemporâneo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também tem sido apontado, de forma

equivocada, como um dos fatores determinantes da indisciplina escolar, pelo fato de

contemplar apenas os direitos e de não prever expressamente os deveres dos educando.

Sobre essa questão o promotor Drº Murillo Digiácomo explica que;

[...] O Estatuto em momento algum entra em conflito com a Constituição, não conferindo à criança ou ao adolescente qualquer "super-direito" ou "imunidade" que lhes dê um "salvo-conduto" para não terem de também respeitar os direitos constitucionais a todos garantidos. Apenas reproduz alguns desses direitos individuais já relacionados pela Constituição a todo cidadão, independentemente de sua idade e, em alguns casos, lhes dá uma "nova roupagem", sem, no entanto lhes alterar a essência, deixando claro que crianças e adolescentes também deles são titulares (DIGIÁCOMO, s/d, p.1).

Nesse sentido faz-se necessário realizar uma breve distinção do que vem a ser ato

infracional e ato indisciplinar, pois embora todo ato infracional seja uma forma de

manifestação da indisciplina, nem todo ato de indisciplina constitui em um ato

infracional. O ato infracional está definido no artigo 103 do Estatuto da Criança e do

Adolescente: “Art.103 considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou

contravenção penal” (ECA/1990).

Já a indisciplina pode ser entendida como um comportamento contrário a uma norma

explícita no Projeto Político Pedagógico da escola, ou implícito em termos escolares e

sociais, que em sua maioria se manifesta em forma de cochicho, troca de bilhetes,

discussões e na forma de agressões a colegas e professores.

No entanto, cabe ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, desde a sua

vigência, sempre foi taxado como uma lei permissiva e que de certo modo, teria

contribuído para o aumento dos atos de indisciplina e infração ocorridos dentro e fora

do ambiente escola.

Essa visão ainda é encontrada nos dias de hoje, quando a referida lei completou 20 anos

de existência. Para que haja uma total compreensão da referida norma e torná-la

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executável, o Estatuto da Criança e do Adolescente tratou, em capítulo específico, do

direito à educação estabelecendo seus objetivos, os direitos dos educandos, as

obrigações do Estado, dos pais e dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino

fundamental (ECA/1990, art. 53-59).

No referido capítulo, não há qualquer referência à questão disciplinar envolvendo o

educando. O Estatuto apenas executou a norma constitucional quanto ao direito à

educação.

O ato infracional se diferencia da indisciplina, pois esta é concebida como sendo uma

atitude que compromete a convivência democrática e ordeira do ambiente escolar,

portanto, toda e qualquer ação com relação à indisciplina é de total responsabilidade da

escola. Desta forma, a primeira conclusão a que se pode chegar é que nem todo ato

indisciplinar corresponde a um ato infracional.

A conduta do aluno pode caracterizar uma indisciplina, que não corresponda a uma

infração prevista na legislação. Um mesmo ato pode ser considerado como indisciplina

ou ato infracional, dependendo do contexto em que foi praticado. Uma ofensa verbal

dirigida ao professor pode ser caracterizada como ato de indisciplina, no entanto,

dependendo do tipo de ofensa e da forma como foi dirigida, poderá ser caracteriza como

ato infracional, ameaça injúria ou difamação e para cada caso, os encaminhamentos são

diferentes (DIGIÁCOMO, s/d, p.1).

No caso da indisciplina praticado por criança ou adolescente, a competência para

apreciá-lo é da própria escola. A falta disciplinar deve ser apurado pelo Conselho da

Escola que, em reunião específica deverá deliberar sobre as sanções a que os mesmos

estariam sujeitos, mediante o regulamento previsto no Regimento (VANDRE, 2010). Já

em caso do ato infracional o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) estabelece que o

adolescente que cometer ato infracional estará sujeito às seguintes medidas

socioeducativas

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional;

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VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI

O ato infracional em obediência ao princípio da legalidade, somente se verifica quanto

à conduta do infrator se enquadra em algum crime ou contravenção previsto na

legislação em vigor. Se o ato infracional foi cometido por criança o estatuto estabelece

medidas específicas de proteção tais como:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta (ECA, 1990, art. 101).

Conforme o (ECA) fica estabelecido se quando o ato infracional for cometido por

adolescente e este, se encontrar em circunstância de flagrância e se tiver 12 a18 anos

deverá ser encaminhado a autoridade policial especializada nas questões de infância e

adolescência. O adolescente deverá ser levado à presença do juiz, (ECA/1990), (...)

segundo o (ECA) os adolescentes não são igualados a réus ou indiciados e não são

condenados a penas reclusão e detenção como ocorre com os maiores de 18 anos, e é

totalmente ilegal a apreensão do adolescente para "averiguação". Estes ficam

apreendidos e não presos a apreensão somente ocorrerá quando for em flagrância ou por

ordem judicial e em ambos os casos esta apreensão será comunicada, de imediato, ao

juiz competente, bem como à família do adolescente (art. 107). Conforme Digiácomo

em seu texto: O Direito de ser corrigido

[...] toda criança e/ou adolescente têm o direito a receber, em primeiro lugar (e acima de tudo) de seus pais ou responsável, demais familiares adultos, educadores e autoridades e geral, as orientações necessárias sobre seus direitos - e conseqüentes deveres para com os demais cidadãos, cabendo a todos, na mais pura dicção do art.227, caput da Constituição Federal e arts.4º caput, 53 e 70 do Estatuto, o dever de corrigir aqueles quando da prática de atos de indisciplina e/ou infracionais, devendo sua ação ser realizada em regime de colaboração e com a utilização de recursos sócio-pedagógicos que venham a ser disponibilizados pela comunidade ou pelo Poder Público, na forma do

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estabelecido pela política de atendimento local (DIGIÁCOMO, s/d, p.2).

No entanto, tanto a indisciplina como o ato infracional transita indistintamente nas

escolas e em ambientes sociais, não é um problema específico da escola, é oriundo da

questão econômica ou social.

A escola se constitui em espaços na qual a cultura e as experiências dos alunos e dos

professores sejam os pontos fundamentais para a efetivação de uma educação que

concretize um projeto de emancipação dos indivíduos. A conquista da cidadania e de

uma escola de qualidade é projeto comum, sendo que no seu caminho, haverá tanto

problemas de indisciplina como de ato infracional, enfrentá-los e superá-los é o grande

desafio.

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente a lei e clara e prevê políticas de

atendimento e define as diretrizes dessas políticas de atendimento dos direitos da

criança e do adolescente em situação de risco social e pessoal, dispondo sobre as

entidades e as formas de atendimento, as orientações, estruturais e funcionamento das

entidades, e as instâncias colegiadas com a participação da comunidade (ECA, 1990,

arts. 86-88).

O ECA estabelece a criação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CMDCA), de modo a assegurar a participação da comunidade local na

formulação, no controle e na execução das ações que visem à promoção e à proteção das

crianças e dos jovens (art. 88, II). Esse Conselho, da qual a cidadania é organizada em

favor da criança é parte integrante, e atua de forma articulada com os vários setores

públicos e privados responsáveis pela saúde, educação, lazer, cultura, segurança, justiça

da infância e da juventude, defensoria pública, trabalho e outros.

Estas ações são executadas juntamente com a parceira do poder legislativo e a

população, para garantir a concretização de políticas sociais globais e básicas voltadas

de fato, para a melhoria da qualidade de vida das crianças e dos jovens brasileiros.

Segundo o ECA para consolidar a implantação das diretrizes contidas no ECA, além

dos Conselhos de Direito da Criança e Adolescente em nível Municipal (CMDCA),

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foram criados o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA), responsável pela coordenação da política nacional da criança e

adolescente, e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CEDCA), responsável, em nível estadual, pela adaptação e aplicação das normas

federais a sua realidade.

De posse deste referencial, obtém-se uma organicidade ao conjunto das ações

governamentais com relação à infância e adolescência (VANDRE, 2010).

Quanto à responsabilidade pela garantia de direitos da criança e do adolescente o ECA

estabelece que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e

à convivência familiar e comunitária (Art. 4º)”.

E na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), “educação, dever

da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (Art. 2

LDB/96).

Em todas as leis que se configuram após a ditadura e se consolidaram em regime

democrático estas, exprimem total envolvimento da família, da sociedade e o Estado em

torno de um objetivo comum (a educação), ressaltando-se, entretanto a importância do

professor e da escola neste contexto.

CONCEPÇÃO DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE SOB A

PERSPECTIVA DOS EDUCADORES

A questão indisciplinar é atualmente uma das dificuldades fundamentais quanto ao

trabalho escolar, este fato tão eminente não ocorre somente nas escolas públicas, eles

também fazem parte do contexto das instituições privadas. A indisciplina hoje esta

sendo o inimigo número um dos educadores cujo manejo das correntes teóricas não

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consegue propor uma temática disciplinar que configure em solucionar o problema

indisciplinar no interior das escolas e na sociedade em geral.

Anteriormente a palavra disciplina era sinônimo de silêncio, obediência e resignação,

hoje esta conduta requer do professor muito dialogo, pois é ele quem determina a

intervenção pedagógica, uma vez que o conhecimento só se realiza pela relação

professor-aluno e aluno-professor onde ambos são o foco do trabalho pedagógico.

De acordo com Aquino (1996, p. 43) no contexto escolar e social atual o que mais se

ouve por parte dos educadores quando da descrição do cotidiano escolar e um (...)

“certo saudosismo de uma suposta educação de antigamente” (...) “Também neste

mesmo ambiente ocorria de o professor ou o diretor infringir um castigo ou corretivo

em alguém tais como medo, coação, subserviência”.

Mas conforme o Estatuto toda crianças e o adolescentes tem o direito de ser respeitados

por seus educadores (art. 53, II). Segundo o ECA os professores e dirigentes que

"submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou

a constrangimento", bem como à "tortura", pode sofrer pena de, no mínimo, seis meses

de detenção a 2 anos de reclusão (art.232 e 233).

No caso do Ensino Fundamental, o ECA é explícito quanto à obrigação de os gestores

escolares protegerem os alunos dos maus-tratos, das faltas injustificadas, da evasão e da

repetência exagerada, tendo que comunicar aos Conselhos Tutelares tais casos (art.56).

Estabelece ainda, que a criança e adolescente têm o direito de estudar em uma "escola

pública e gratuita próxima de sua residência" (art.53, V).

Tais preceitos legais são fundamentais para garantir a criança e ao adolescente o direito

à cidadania. Neste sentido Aquino diz que:

(…) temos que reconhecer que alguém a margem da escolarização não pode (e nem mesmo o sabe) aceder ao status de cidadão na sua plenitude, seus direitos, mesmos que em tese sejam iguais aos dos outros, na pratica serão mais escassos. O acesso pleno a educação é, sem duvida, o passaporte mais seguro da cidadania (AQUINO, 1996, p. 48).

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Ainda conforme o autor é impossível negar a importância e o impacto que a educação

familiar tem (do ponto de vista cognitivo, afetivo e moral) sobre o indivíduo.

Entretanto, seu poder não é absoluto e irrestrito para resguardar a efetividade de sua

função educativa, a estrutura familiar precisa adaptar-se às circunstâncias novas e

transformar determinadas normas, sem deixar, no entanto, de constituir um modelo de

referência para os seus membros.

A escola e a família são dois sistemas que, tradicionalmente, têm estado bastante

afastados, apesar de possuírem freqüentes relações ou interações, seja em nível

institucional (associação de pais, conselho escolar, etc.) ou em nível individual (relação

família/professor/escola) (AQUINO, 1996).

Tratando especificamente do contexto escolar é preciso nos perguntar sobre o real

conhecimento que professores e funcionários tem em relação ao estatuto da criança e do

adolescente. Sobre essa questão foram entrevistados pela repórter Jéssika Torrezan da

Revista Educação, alguns profissionais da educação como professor, diretor,

coordenadora pedagógica e o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança

e do Adolescente (Conanda).

Esta reportagem foi feita nos estados de (São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal,

Sergipe, Maranhão, Ceará e Santa Catarina).

A repórter inicia perguntando se todos conhecem o Estatuto da Criança e Adolescente

(ECA), todos responderam que sim. Mas somente cinco respondeu afirmativamente, e

entre os poucos professores que leram o Estatuto, houve reclamação sobre a

"subjetividade" da lei.

No decorrer da entrevista os educadores queixaram-se de que há falta de uma rede de

atendimento que evolva a garantia e a efetivação dos direitos da criança e do

adolescente, e que a falta deste atendimento mais direcionado acaba sobrecarrendo a

escola e os professores, que por sua vês têm que cumprir as funções de pais e assistentes

sociais e que em muitos casos eles não têm condições de resolver e saber dos problemas

de todas as crianças.

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Segundo a repórter, os professores reclamam que os adolescentes "jogam na cara" o

ECA, e que os educadores já não sabem mais como lidar com os adolescentes e que não

conseguem impor mais limites, por não saberem até onde podem chegar, os professores

se sentem inseguros e tímidos na hora de exercer suas atividades.

Os professores relatam a reporte, que os alunos se sentem no direito de fazer o que bem

entendem sem o mínimo de respeito por eles (professores), e que alunos são muito

protegidos pelo ECA, e muitas das vezes a lei exime os alunos de seus atos somente

por eles serem menores de 18 anos.

Ainda conforme a reporte os professores mencionam que eles mal têm tempo para

cuidar das aulas, provas e trabalhos, e conclui dizendo que segundo os educadores, na

maioria das vezes o Conselho Tutelar exige medidas que as escolas não são capazes de

cumprir e que os conselheiros não atuam em parceira com a escola para ouvir a versão

que eles têm sobre os problemas, e que a escola realiza suas ações com base no ECA, e

que não desrespeitam a lei.

Quanto aos conselheiros na exposição dos professores, defendem-se, dizendo que são

encarregados da fiscalização, e que suas deliberações precisam ser acatadas. Eles

afirmam que a escola desconhece a função do Conselho Tutelar.

De acordo com o ECA não se proíbe o professor em nenhum momento de adotar

medidas de caráter disciplinar em sala de aula e dentro do ambiente escolar. O Estatuto

da Criança e Adolescente coíbe práticas violentas e agressivas contra crianças e

adolescentes em qualquer ambiente, entretanto não permite, em momento algum, que os

alunos faltem com o respeito a seus educadores. É preciso esclarecer que, embora não

tenha no estatuto um item ou capítulo específico, que explicite claramente “deveres”, é

preciso atentar para o fato de que cada direito corresponde a um dever. Se, o estatuto

entende as crianças e adolescentes como sujeito de direitos, esses certamente, não são

dispensados dos deveres que lhes compete no exercício pleno da cidadania.

O Estatuto aposta na capacidade das crianças e adolescentes assumirem

posicionamentos participativos dentro da escola, mas isso não anula a função

fundamental do corpo docente. Entendendo que é papel da educação no

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desenvolvimento da Criança e Adolescente a formação para a cidadania foi

acrescentado no artigo 32 da LDB a inclusão de conteúdo que trate dos direitos das

crianças e dos adolescentes no currículo do ensino fundamental.

Desde 2007, a Lei nº 11.525 torna obrigatório o conteúdo sobre direitos da criança e do

adolescente no Ensino Fundamental. Portanto, cabe ressaltar que a instituição escolar

juntamente com os atores que a compõe, contribuem para que as sociedades se

perpetuem, pois a escola transmite valores morais que integram as sociedades e também

exerce um papel decisivo nas mudanças sociais integrando o conceito social de um

conjunto de imagens e representações que as revelam como uma pequena comunidade

que realiza o trânsito entre o aconchego do núcleo familiar e a vida cotidiana.

Para Aquino (1996, p. 40) “embora o fenômeno da indisciplina seja um velho conhecido

de toda sua relevância teórica não é tão nítida”. A origem dos comportamentos ditos

indisciplinares pode estar em diversos fatores: uns ligados a questões relacionadas ao

professor, principalmente na sala de aula, outros centrados nas famílias dos alunos,

outros verificados nos alunos, outros gerados no processo pedagógico escolar, e outros

alheios ao contexto escolar.

E neste processo o papel do professor é importante não como figura central, mas como

coordenador do processo educativo, já que usando de sua autoridade cria, em conjunto

com os alunos, espaços pedagógicos interessantes, estimulantes e desafiadores, para que

neles ocorra a construção de um conhecimento escolar significativo e democrático. É

necessário que entre os pares estabeleça-se a forma de comunicação necessária para que

a aprendizagem significativa ocorra realmente. E de acordo com Vasconcellos (2003,

p.58)

O professor desempenha neste processo o papel de modelo, guia referência (seja para ser seguido ou contestado); mas os alunos podem aprender a lidar com o conhecimento também com os colegas. Uma coisa é o conhecimento “pronto”, sistematizado, outro, bem diferente, é este conhecimento em movimento, tencionado pelas questões da existência, sendo montado e desmontado (engenharia conceitual). Aprende-se a pensar, ou, se quiserem, aprende-se a aprender.

Em suma, o ofício docente exige a negociação constante, quer com relação à definição e

objetivos e às estratégias de ensino e de avaliação, quer com relação à disciplina, pois

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esta, se imposta autoritariamente, jamais será aceita pelos alunos. No cotidiano escolar

nos defrontamos com vários questionamentos e afirmações sobre as possíveis melhorias

do processo educacional.

É necessário que seja definido um projeto de sociedade que contemple a escola com

função de transformação da realidade na qual está inserida, e que considere a prática

educativa como momento da prática social.

A partir desse projeto a sociedade vai buscar uma resposta aos seus questionamentos

frente às relações da escola com o Estatuto da Criança e Adolescente.

A questão da autoridade é para além da qualificação do professor, e passa a ser

configurada como o ponto da ética docente, reguladora primordial do trabalho

pedagógico, e, portanto, como o único antídoto possível contra a violência escolar.

Segundo Aquino (1996) o entendimento disciplinar com relação a idéia de absoluta falta

de ausência de limites e do desrespeito por parte dos alunos com relação as regras posta

pelo professor dentro da sala de aula é justificada pela falta de regras que este já traz

consigo no momento que adentra no interior da escola, pois as crianças já quando

ingressam na escola conhecem muito bem as regras de funcionamento de uma

coletividade, mesmo porque elas são inerentes a qualquer tipo de atividade humana,

deste modo não se pode sustentar nem na teoria nem na prática que as crianças padeçam

da falta de regras e de limites.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estatuto da Criança e Adolescente se expressa, como sendo uma lei universal

atendendo a todas as crianças e adolescentes sem distinção. Todos os avanços em torno

da garantia dos direitos da criança e adolescente a uma educação, mais justa e

democrática, envolveram vários discursos, até conseguir atender a todos as classes

sociais sem distinção.

O percurso desse caminho iniciou-se em 1927 com o Código Mello Mattos e passando

por 1979 com a criação do Código de Menores. E somente em 1989 a Convenção

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Internacional dos Direitos da Criança das Organizações das Nações Unidas marcou

definitivamente a transformação das políticas públicas voltando sua atenção aos direitos

da criança e adolescente, culminando assim na criação do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA).

Criado em 13 de julho de 1990, o ECA instituiu-se como Lei Federal n.º 8.069

(obedecendo ao artigo 227 da Constituição Federal), adotando a chamada Doutrina da

Proteção Integral, cujo pressuposto básico afirma que crianças e adolescentes devem ser

vistos como pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e destinatários de

proteção integral.

Apesar desse aparente reconhecimento, o Estatuto da Criança e Adolescente busca

compreensão efetiva enquanto marco e referencial para uma mudança estrutural das

práticas educativas com a possibilidade de ainda ser desvelado.

No entanto, a busca por uma compreensão mais elaborada acerca do ECA, deve partir

tanto das escolas e de seus educadores, como dos órgãos de apoio presentes na

comunidade, como é o caso dos Conselhos Tutelares (CT), Conselhos de Direito da

Criança e Adolescente em nível Nacional, Estadual e Municipal. Entidades públicas

presentes em caráter obrigatório, cujo objetivo é receber denúncias de violação dos

direitos a educação e as práticas dos atos infracionais e indisciplinar, cometidos pelas

crianças e adolescentes.

Mais que promover políticas de proteção a direitos violados compete a essas entidades

públicas, desenvolver políticas de atendimento a garantia dos direitos das crianças e

adolescentes, requerendo junto ao executivo municipal e estadual, principalmente, ações

que promovam a efetivação desses direitos.

Finalizando essas breves considerações a respeito da concepção de direito a educação

prevista no Estatuto da criança e do adolescente, entendemos que apesar de amplamente

divulgado na sociedade, o estatuto ainda é pouco conhecido, mesmo pelos educadores.

Não há uma compreensão do que essa lei estabelece como sendo direito à educação das

crianças e adolescentes. Em função dessa não compreensão a referida lei é taxada de

permissiva, inadequada e empecilho para ações mais efetivas no trato desses cidadãos.

Consideramos, portanto, que é necessário não só a divulgação do ECA, mas um estudo

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efetivo, nos cursos de formação inicial e continuada dos professores para tentar reverter

esse quadro.

REFERÊNCIAS

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