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v.17, n.2, abr.-jun. 2010, p.289-305 289 A cerebralização da fadiga: uma análise da hipótese cerebral no caso da síndrome da fadiga crônica The cerebralization of fatigue: an analysis of the cerebral hypothesis in the case of chronic fatigue syndrome Francisco Ortega Professor do Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj) Rua São Francisco Xavier, 524, pavilhão João Lyra Filho, 7 o andar, bl. D/E 20550-900 – Rio de Janeiro – Brasil [email protected] Rafaela Zorzanelli Pós-doutoranda do IMS/Uerj Rua São Francisco Xavier, 524 Pavilhão João Lyra Filho, 7 o andar, bl. D/E 20550-900 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil [email protected] Recebido para publicação em maio de 2008. Aprovado para publicação em julho de 2009. ORTEGA, Francisco; ZORZANELLI, Rafaela. A cerebralização da fadiga: uma análise da hipótese cerebral no caso da síndrome da fadiga crônica. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.2, abr.-jun. 2010, p.289-305. Resumo Analisam-se algumas condições que permitiram ao cérebro estabelecer-se como hipótese etiológica, no caso da síndrome da fadiga crônica (SFC), junto com outras hipóteses relacionadas a causas orgânicas, como os vírus e a imunidade. Aborda-se, a partir do uso de neuroimageamento para pesquisa e fins diagnósticos, o processo de cerebralização da identidade, segundo o qual o cérebro se constitui como lugar preferencial para a busca de causa das doenças – incluída a SFC – no contexto de uma cultura somática, acirrada no final do século XX. Palavras-chave: síndrome da fadiga crônica; sujeito cerebral; neuroimageamento. Abstract The article analyzes a number of conditions that allowed the brain to become established as an etiological hypothesis in the case of chronic fatigue syndrome (CFS), together with other hypotheses related to organic causes, such as viruses and immunity. It also addresses the process of cerebralization of personhood, which grew out of the use of neuroimaging for research and diagnostic purposes and according to which the brain constitutes the prime place for looking for the cause of the diseases – including CFS – within the context of a somatic culture, intensified at the end of the twentieth century. Keywords: chronic fatigue syndrome; cerebral subject; neuroimaging.

Ortega Zorzanelli Cerebralizacion Fatiga Cronica

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Analisam-se algumas condições quepermitiram ao cérebro estabelecer-secomo hipótese etiológica, no caso dasíndrome da fadiga crônica (SFC), juntocom outras hipóteses relacionadas acausas orgânicas, como os vírus e aimunidade. Aborda-se, a partir do usode neuroimageamento para pesquisa efins diagnósticos, o processo decerebralização da identidade, segundoo qual o cérebro se constitui comolugar preferencial para a busca de causadas doenças – incluída a SFC – nocontexto de uma cultura somática,acirrada no final do século XX.

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  • v.17, n.2, abr.-jun. 2010, p.289-305 289

    A cerebralizao da fadiga

    A cerebralizao dafadiga: uma anlise

    da hiptese cerebral nocaso da sndrome da

    fadiga crnica

    The cerebralization of fatigue:an analysis of the cerebralhypothesis in the case ofchronic fatigue syndrome

    Francisco OrtegaProfessor do Instituto de Medicina Social/Universidade

    do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj)

    Rua So Francisco Xavier, 524, pavilhoJoo Lyra Filho, 7o andar, bl. D/E

    20550-900 Rio de Janeiro [email protected]

    Rafaela ZorzanelliPs-doutoranda do IMS/Uerj

    Rua So Francisco Xavier, 524Pavilho Joo Lyra Filho, 7o andar, bl. D/E20550-900 Rio de Janeiro RJ Brasil

    [email protected]

    Recebido para publicao em maio de 2008.

    Aprovado para publicao em julho de 2009.

    ORTEGA, Francisco; ZORZANELLI,Rafaela. A cerebralizao da fadiga: umaanlise da hiptese cerebral no caso dasndrome da fadiga crnica. Histria,Cincias, Sade Manguinhos, Rio deJaneiro, v.17, n.2, abr.-jun. 2010,p.289-305.

    Resumo

    Analisam-se algumas condies quepermitiram ao crebro estabelecer-secomo hiptese etiolgica, no caso dasndrome da fadiga crnica (SFC), juntocom outras hipteses relacionadas acausas orgnicas, como os vrus e aimunidade. Aborda-se, a partir do usode neuroimageamento para pesquisa efins diagnsticos, o processo decerebralizao da identidade, segundoo qual o crebro se constitui comolugar preferencial para a busca de causadas doenas includa a SFC nocontexto de uma cultura somtica,acirrada no final do sculo XX.

    Palavras-chave: sndrome da fadigacrnica; sujeito cerebral;neuroimageamento.

    Abstract

    The article analyzes a number of conditionsthat allowed the brain to become establishedas an etiological hypothesis in the case ofchronic fatigue syndrome (CFS), togetherwith other hypotheses related to organiccauses, such as viruses and immunity. Italso addresses the process of cerebralizationof personhood, which grew out of the use ofneuroimaging for research and diagnosticpurposes and according to which the brainconstitutes the prime place for looking forthe cause of the diseases including CFS within the context of a somatic culture,intensified at the end of the twentiethcentury.

    Keywords: chronic fatigue syndrome;cerebral subject; neuroimaging.

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    Francisco Ortega, Rafaela Zorzanelli

    A histria da sndrome da fadiga crnica (SFC) comeou com a publicao, nos anos1980, de algumas sries de casos clnicos que descreviam doena com sintomassemelhantes aos efeitos retardados de infeco viral, manifestada por fadiga e outros

    sintomas, em grande parte subjetivos e aparentemente associados a evidncias serolgicas

    de infeces prolongadas pelo vrus Epstein-Barr (Wessely, 1989).

    A SFC, alm de ser considerada uma reatualizao da entidade novecentista da

    neurastenia1, encontra-se situada no cenrio mais abrangente das chamadas sndromes

    funcionais emergentes no final do sculo XX, tais como a sndrome fibromilgica, a do

    intestino irritvel, a pr-menstrual, a temporomandibular, a da dor no corao, bem como

    a cistite intersticial e a sensibilidade qumica mltipla. No que se refere aos sintomas,

    de acordo com definio de Fukuda et al. (1994), o diagnstico de SFC requer a presena de

    fatiga persistente ou recorrente, com incio definido, e, no mnimo, de quatro a oito

    queixas subjetivas especficas (prejuzo substancial na memria de curto prazo e na

    concentrao, dor de garganta, sensibilidade nos linfonodos cervicais ou axilares, dor

    muscular, dor nas articulaes sem evidncia de artrite, dores de cabea de tipo diferente

    em relao ao padro e severidade do que costumeiramente o paciente apresentava

    antes de ser acometido, sono no restaurador, mal-estar ps-exerccio de durao superior

    a 24 horas). A manifestao dos sintomas deve estar ocorrendo h no mnimo seis meses.

    Ainda no houve, para a SFC, apesar de sua lista de sintomas, marcador ao qual se pudesse

    associar sua causa, que , por isso, considerada um transtorno na(s) funo(es) e no na

    estrutura do organismo.

    Alguns transtornos emergentes no final do sculo XX tm pontos comuns, o que permite

    agrup-los no que Dumit (2000) denomina novos transtornos sociomdicos.2 Apesar de

    diferentes entre si, eles se situam no limite entre o mental e o biolgico; apresentam cau-

    salidade indeterminada; geram debates e disputas jurdicas; e se adota o uso de neuroima-

    geamento ainda que de modo controverso na tentativa de produo de objetividade

    sobre cada uma dessas sndromes. Este ltimo ponto o que torna mais explcito o lugar

    do crebro como hiptese etiolgica na SFC.

    O fato de a sndrome no ter sua causa identificada d margem preponderncia de

    certas hipteses etiolgicas, cuja motivao se localiza principalmente na luta dos pacientes

    pelo reconhecimento e pela legitimidade de sua doena, com base na busca de fatores

    orgnicos que possam justificar o quadro e, no caso dos especialistas, que lhes sirvam

    para indicar teraputica eficaz e com valor preditivo para o diagnstico.

    Mais da metade dos estudos sobre a SFC, entre 1980 e 1995, concentrou-se exclusivamente

    na sua etiologia fsica, e nos anos seguintes pouca enfse tambm foi dada pesquisa de

    fatores psicolgicos e psiquitricos (Prins, Van der Meer, Bleijenberg, 2006). As explicaes

    para a fadiga foram procuradas, por exemplo, nas infeces virais, no sistema imunolgico,

    nas respostas neuroendcrinas, em disfunes do sistema nervoso e processos neuro-

    psicolgicos, na estrutura muscular, nos padres de sono e na constituio gentica. Embora

    muitos estudos tenham apontado irregularidades nos padres investigados, poucos as

    encontravam em nmero significativo de pacientes e as confirmavam por estudos bem

    controlados.

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    A cerebralizao da fadiga

    O crebro sempre esteve entre as hipteses etiolgicas dos transtornos ligados fadiga.No caso da neurastenia, era ele que nutria o indivduo de energia nervosa e, ao mesmotempo, o rgo que se exauria. Durante a emergncia dessa categoria nosolgica, nas duasltimas dcadas do sculo XIX, acreditava-se ser a demanda excessiva de energia em certasreas do corpo (estmago ou rgos sexuais, por exemplo) que trazia como efeito, a retiradade energia do crebro e, em consequncia, sua exausto. De modo anlogo, tambm asobrecarga intelectual (leia-se, cerebral) poderia produzir sintomas em outras partes doorganismo, como o sistema digestivo ou reprodutivo.

    Na SFC, as hipteses explicativas reinventam o crebro como lugar etiolgico. Se naneurastenia ele era o rgo da depleo, na SFC um dos lugares em que se deve procurara doena, mediante as tecnologias de visualizao disponveis.

    A contribuio especfica do neuroimageamento para a elucidao do mecanismoetiopatognico da fadiga comeou no final da dcada de 1990. Muitos dos sintomasrelatados na SFC, tais como dificuldade de concentrao, ateno e memorizao, sugeremo envolvimento do sistema nervoso central (Afari, Buchwald, 2003). Com base nessa suspeita,os pesquisadores tm investigado a relao entre o sistema nervoso central e a SFC fazendouso de mtodos estruturais e funcionais de neuroimageamento. Utilizam, sobretudo, aressonncia magntica (funcional ou no), a tomografia por emisso de psitrons (PET,na sigla em ingls) e a tomografia computadorizada por emisso de fton nico (Spect, nasigla em ingls).

    H, no caso espefco da SFC, no mnimo dois aspectos centrais em consonncia quenos interessam destacar nesta anlise dos usos dos mtodos de visualizao cerebral. Oprimeiro consiste nas condies que fazem do crebro hiptese explicativa plausvel paraos transtornos relacionados fadiga que, no caso, se aplicam tanto neurastenia quanto SFC, ainda que de modos diferentes. Essas condies dizem respeito ao status peculiaroutorgado ao crebro, no Ocidente, durante o sculo XIX e acirrado no decorrer do seguinte,como lcus da identidade pessoal, o que demonstrado pela relevncia e aceitao socialdas hipteses que o tomam como etiologia de doenas e comportamentos humanos. Osegundo o papel das neuroimagens como fontes poderosas no processo de produosimultnea de objetividade da doena e do paciente. No caso da SFC, o processo de produoda doena carece de objetividade, pois no h marcador somtico a que se associe suacausa, sendo os instrumentos imagticos considerados uma alternativa para reific-la; quantoao paciente, objetificado como doente ou so, o que na linguagem cerebralista significaportador de crebro saudvel ou no. Este artigo se dedica especificamente ao primeirodesses pontos, a partir do exemplo gerado pelo segundo, que o uso das neuroimagens,embora seja difcil delimitar os limites em que um comea e o outro termina.

    A hiptese cerebral nos parece reatualizar o crebro como lugar etiolgico, tal comoocorria inicialmente na neurastenia, ainda que com outra roupagem. Alm disso, situa-seem contexto mais amplo de desenvolvimento de estudos neurocientficos, desde as ltimasdcadas do sculo XX, que estendem as investigaes do crebro s perturbaes mentais,comportamentais e outras condies alm das doenas consideradas neurolgicas.3 A issose soma o poder de convencimento das neuroimagens na produo de objetividadecientfica (Beaulieu, 2001, 2002; Dumit, 2004; Alac, 2004), o que nos interessa abordar.

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    Francisco Ortega, Rafaela Zorzanelli

    O primeiro estudo utilizando imageamento por ressonncia magntica foi realizadopor Buchwald et al. (1992) e relatou anormalidades em 78% dos 144 pacientes nele includos,pertencentes epidemia do lago Tahoe, em Nevada, comparados com 21% de anormalidadesnos sujeitos-controle. Cabe destacar que essas alteraes foram, em sua maioria, pontos debrilho mais intenso que pareciam anormais, embora no houvesse leso. Esses pontos sodenominados UBOs (unidentified bright objects) e aparecem em uma variedade de doenas emesmo em sujeitos saudveis. Os pesquisadores concluram que podiam estar relacionadosa processos inflamatrios no sistema nervoso central, mediados pelo sistema imunolgico.Depois desse primeiro estudo, realizaram-se incontveis outros4, dos quais destacamos aquelesque consideramos exemplares da problemtica de que estamos tratando. Um deles o deCosta, Tannock e Brostoff (1995), que concluiu terem os pacientes com SFC um padroparticular de hipoperfuso do tronco cerebral, e do qual resultou uma imagem conjugandotrs tipos de crebros: um normal, um com depresso e o ltimo portador de SFC, com asreas mais ou menos ativadas em cada um deles.

    Costa et al. (1995), por sua vez, propuseram sua pesquisa a partir de um estudo pilotoque revelou uma reduo disseminada da perfuso regional cerebral no tronco enceflicoem 24 pacientes com SFC, comparados com controles saudveis. A partir da, investigou-sese a perfuso nesse local, nos pacientes com SFC, diferia dos controles normais, de pacientescom depresso maior e de pacientes com epilepsia. A hipoperfuso no tronco enceflicofoi confirmada nos pacientes com SFC, sem transtornos psiquitricos. Concluiu-se que ospacientes com SFC tm um padro especfico de hipoperfuso do tronco cerebral.

    Tirelli et al. (1998) investigaram especificamente o metabolismo cerebral de 18 pacientesafetados pela SFC, sem diagnsticos psiquitricos associados, por meio de PET scans. Essespacientes foram comparados com seis outros afetados por depresso, bem como com seiscontroles saudveis. As imagens examinaram 22 reas corticais e subcorticais. Os PET scansmostraram hipometabolismo no crtex mediofrontal direito e no tronco cerebral dospacientes de SFC, em comparao com controles saudveis. Quando os pacientes de SFCforam comparados aos de depresso, este ltimo grupo mostrou um severo hipometabolismobilateral das regies frontais superiores, ao passo que o metabolismo do tronco enceflicoestava normal. O principal achado foi a hipoperfuso do tronco enceflico, consideradopor esse grupo de autores, um marcador da SFC.

    O impacto das imagens produzidas por esses estudos quase nos leva a crer que a causada SFC est mesmo ali, onde se pode v-la em cores primrias, mas tal impresso de realidademerece ser debatida com mais cuidado. Pesquisas centradas na investigao cerebral, comoas descritas, apresentam como ponto em comum o uso de imagens cerebrais no intuito dedemonstrar o padro alterado, deixando-o inquestionavelmente visvel e centrando-se,como vimos, na investigao de anormalidades e pontos estranhos na matria cerebral ena perfuso regional do crebro.

    Em geral, anormalidades relacionadas perfuso cerebral, principalmente nas reasfrontal, parietal, temporal e occipital, tm sido detectadas, sobretudo por Spect, em pacientesfatigados, quando comparados com sujeitos depressivos ou saudveis. No tem sido encon-trado, entretanto, qualquer padro de alterao especfico e digno de predio diagnstica.Estudos envolvendo ressonncia magntica e Spect demonstram essas anormalidades sutis

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    A cerebralizao da fadiga

    em casos de SFC, mas a significncia funcional e a utilidade clnica desses achados perma-necem incertas e ainda aguardam melhor esclarecimento.

    A clareza dos tipos cerebrais no to evidente quanto quer parecer. A doena e seuprogresso so muitas vezes invisveis em um caso individual e s podem ser apreendidaspor meio da comparao de diversos scans. A nfase posta ento na comparao dasvariaes individuais, para que, desse modo, a suposta essncia da doena possa emergir. Areunio de informaes sobre as leses no crebro leva construo de um novo objeto,que a representao em trs dimenses de uma doena, e ao mesmo tempo crena napatologia como algo que se pode concentrar em uma representao visual, objetivamente.

    Interessa-nos destacar o modo como as imagens cerebrais e os indcios que elas produzemtendem a funcionar como prova demonstrativa de marcadores biolgicos para a doena,como critrio objetivo para sua definio, ou como evidncia para que se possa relacion-la a uma patologia. No caso da SFC, trata-se, at o momento, da hipoperfuso do troncocerebral. As imagens cerebrais produzidas ainda so consideradas incertas, porque realizadasa partir de estudos preliminares, plenas de UBOs (unidentified bright objects) sobre os quaispouco se pode esclarecer, e no entanto so iconicamente usadas como prova da naturezaneurobiolgica e mesmo como demonstrao da causa dessas condies. Alm disso, essaimagem final uma sntese de diversos casos e no o modo como a doena provavelmenteaparece em um caso tpico. Ainda assim, sustenta-se a ideia de que a essncia da doenapode ser visualizada em um scan, bem como as diferenas entre crebros doentes e saudveis.A fcil migrao desses resultados, provenientes de um campo ainda em progresso, para odiagnstico e a construo de novas categorias de doena talvez decorra desse poder depersuaso das imagens do crebro, que no encontrado em outros testes diagnsticos. Oque se v um salto em meio aos resultados incontestavelmente incipientes do campo e otom determinista que seus achados ganham na boca de especialistas, leigos, advogados epacientes.

    A reduo da causa da SFC a um possvel achado como a hipoperfuso do tronco ence-flico ou qualquer outro nos parece, no mnimo, soluo insuficiente para a riqueza devariveis psicossociais que perpassam a doena. Ware e Kleinman (1992) e Wessely, Hotopfe Sharpe (1998) vm analisando as relaes entre o desenvolvimento da sndrome e asalteraes do sentido de sucesso profissional, o excesso de comprometimento e o excesso-de-atividades-como-estilo-de-vida dos pacientes, acrescentando dados que compem umquadro psicossocial de entendimento dessa condio. Esses elementos para os quais osautores chamam a ateno nos foram a questionar o entendimento da SFC como fen-meno reduzido apenas aos achados somticos, como se estes fossem o substrato exclusi-vamente necessrio para a configurao do quadro.

    Ocupamo-nos, a seguir, de situar o contexto que condio para a legitimidade dessasexplicaes reduzidas ao crebro, e os fundamentos a partir dos quais o crebro e suasdisfunes so considerados hiptese etiolgica convincente a respeito dos transtornosligados especificamente fadiga e sobre os transtornos mentais de forma geral. Interessa-nos, diante do at aqui exposto, compreender a autoridade adquirida pela hiptese cerebral,partindo da anlise do modo como o crebro se tornou objeto privilegiado de estudo namedicina e como assim se tem sustentado.

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    Francisco Ortega, Rafaela Zorzanelli

    Fundamentos do crebro como hiptese etiolgica

    A partir de 1980, as neurocincias produzem duas mudanas importantes e intimamenteinter-relacionadas, com influncias diretas sobre a compreenso das relaes entre fsico emental, tais como a incluso dos comportamentos sociais e morais em seu campo depesquisa e o desenvolvimento de tendncia a homogeneizar a abordagem das doenasneurolgicas e mentais. Pode-se observar, a partir da, uma subdiviso no projeto de talcampo em programa fraco e programa forte (Ehrenberg, 2004). O primeiro visa, entreoutros aspectos, previso de doenas neurolgicas como Parkinson e Alzheimer e aoprogresso em seu tratamento, por meio da descoberta de aspectos neuropatolgicos. Oprograma forte, por sua vez, identificaria, em termos fisiolgicos, o conhecimento docrebro com o conhecimento de si, fusionando, no plano clnico, neurologia e psiquiatria.Deste segundo ponto decorre o fato de as psicopatologias passarem paulatinamente a sertratadas como neuropatologias, o que gera a expectativa coletiva de viabilizar a ao sobrea mquina cerebral, aumentando sua capacidade de performance e tratando indistintamentesuas molstias mentais ou neurolgicas.

    O deslocamento do chamado programa fraco para o forte bem ilustrado pelos estudosque investigaram o modo como a imprensa escrita apresentou as pesquisas utilizandoimageamento por ressonncia magntica funcional, entre 1994 (quando nenhum artigoera encontrado) e 2004. O nmero de pesquisas a utilizar essa tecnologia na abordagem deassuntos relevantes nas cincias humanas aumentou assombrosamente na dcada de 1990(Racine, Bar-Ilan, Illes, 2005, 2006; Illes, Kirschen, Gabrieli, 2003), trazendo tona temascomo culpa, vergonha, religiosidade e cujos resultados contribuem para a transformaodas ideias e prticas nos campos moral, legal, social, poltico, entre outros.

    A tendncia forte das neurocincias elege como foco privilegiado um polo da pro-blemtica relao mente/corpo, que sem dvida o ltimo, representado de forma aindamais restrita pelo crebro. Os avanos nas tcnicas de neuroimagem e da biologia celulartm impulsionado essa viso e contribudo para esse processo, j que nunca se obtevetanto acesso ao funcionamento cerebral como se possui atualmente, mediante tcnicascomo a tomografia de ressonncia magntica e a tomografia por emisso de psitrons.Hoje, passados alguns anos da declarada dcada do crebro, dela ainda no samos, pois acomunidade cientfica empreende seus esforos na direo de desvelar os segredos da menteno crebro aplicando essa ideia aos transtornos com traos comportamentais ou no,indiscriminadamente.

    importante, contudo, atentar para a ironia histrica que vivenciamos ao atravessarum momento de tantas esperanas reducionistas, mas tambm de tamanho criticismo emrelao a esses pressupostos. De modo contnuo presumimos causaes somticas para oscomportamentos, ainda que, simultaneamente, estejamos mais reflexivos, crticos e relati-vistas em nossa abordagem das classificaes das doenas e das modalidades teraputicas.Segundo Rosenberg (2006, p.417): Nunca estivemos to conscientes da arbitrariedade eda caracterstica forjada dos diagnsticos teraputicos, ainda que, em era caracterizadapelo aumentado gerenciamento burocrtico do cuidado com a sade e pelo reducionismodisseminado das explicaes do comportamento normal e patolgico, nunca tenhamosestado to dependentes deles.5

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    A cerebralizao da fadiga

    Um ponto a enfatizar no desenvolvimento das neurocincias diz respeito ao fato de aadeso que ela tem recebido no ser proporcional a alguma inovao ou descoberta defi-nitiva do campo. Assim, o processo de cerebralizao da identidade no resultado doprogresso cientfico, de avanos definitivos no conhecimento da estrutura e do funciona-mento do crebro, ou de grandes descobertas sobre as quais se tenha edificado um lugar deautoridade para o crebro (Hagner, Borck, 2001). Isso no significa que o desenvolvimentodesse campo no tenha relao com o alcance a que chegaram as tcnicas de visualizao,visto ser inegvel que o acesso visual e no intervencionista sobre o crebro aumentou acota de conhecimento a seu respeito e a iluso de controle sobre seus processos. Destaca-seaqui que a legitimidade do crebro como ator social e polo de convergncia de explicaessocialmente disponveis sobre as doenas no ocorreu devido exclusivamente a esses avanos,situando-se no tecido social no restrito ao saber mdico. Talvez seja precisamente ocontrrio: a pesquisa e o avano das tcnicas de neuroimageamento tm alcanado grandedesenvolvimento porque ocupam lugar privilegiado de interesse na comunidade cientfica,onde brotam respostas consideradas plausveis para muitos dos dilemas debatidos no campoda sade. porque se sustentam em um solo de cultura somtica e de cerebralizao dasexplicaes mdicas que a essas tcnicas se endeream perguntas sobre a essncia de certasdoenas. Os mtodos de neuroimageamento sofisticaram o discurso da cerebralizao daidentidade, dando-lhe estofo e propulso. Nesse contexto, necessrio compreender omodo pelo qual o crebro tem funcionado como explicao considerada suficiente,socialmente dotada de poder de convencimento e, por consequncia, como fator etiolgicopara transtornos sociomdicos. Que foras, ento, sustentam o sentido do programa forte?

    Primeiramente, preciso destacar o contexto da compreenso de processos de sade edoena como disfunes exclusivamente somticas, que vm transformando nosso senti-mento de identidade. O sentido de ns mesmos como indivduos psicolgicos, habitadospor espao interno, formados pela biografia e pela experincia como fonte de individualidadee lugar de nossos descontentamentos vem sofrendo processo de somatizao segundo oqual tendemos a definir aspectos-chave da subjetividade em termos corporais, tendo comoparmetro a concepo biomdica de corpo. Essa tendncia bem ilustrada pelo surgimentorecente de termos que remetem a esse processo de somatizao da experincia subjetiva bioidentidade (Ortega, Vidal, 2007), biossociabilidade (Rabinow, 1996) ou individualidadesomtica (Novas, Rose, 2000), por exemplo. Essa individualidade somtica se expressa pelacodificao de medos e esperanas em termos de um corpo biomdico e pela tentativa dereform-lo, cur-lo ou aperfeio-lo, agindo sobre ele pela utilizao de manancial(psico)farmacolgico.

    Da metade do sculo XX em diante, temos apelado cada vez mais intensamente paraexplicaes que enfatizam caractersticas biolgicas dos transtornos mentais e, de formamais genrica, dos comportamentos humanos. Passamos a falar sobre ns e agir uns comos outros pressupondo que nossas caractersticas sejam preponderantemente formatadaspela biologia. Nosso humor, nossos desejos, nossas condutas e personalidades so pensadoscomo configurao neuroqumica particular, que pode ser moderada ou modulada pelaao sobre a qumica cerebral. Esse processo descrito por Rose (2006, 2003), que denominaneurochemical selves os indivduos que emergem como resultado desse processo e que

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    Francisco Ortega, Rafaela Zorzanelli

    compreendem suas tristezas e agruras como desequilbrios qumicos cerebrais, tratveis pordrogas que restauram o equilbrio perdido.

    A distino estabelecida, a partir do final do sculo XIX, entre o sujeito da neurologia,cujo sintoma est em algum ponto de seu sistema nervoso a sua revelia , e o sujeitofalante da psicopatologia, da psiquiatria e da psicanlise, cujo sintoma lhe singular, vemsendo apagada em prol de explicaes que equacionam o sujeito falante e o sujeito somticoe, em casos mais especficos, o sujeito cerebral. Leses cerebrais e deficits neuroqumicospassam a ser os verdadeiros atores das patologias, e a experincia pessoal torna-se derivaofosca, desencarnada e acessria de processos bioqumicos moleculares.

    nesse contexto de cultura somtica cada vez mais acirrada que se desenvolve o processode cerebralizao da identidade ou, em outras palavras, a construo da ideia de que ocrebro e seu funcionamento definem as propriedades pessoais dos seres humanos. Aolongo do sculo XIX, o crebro ganhou o lugar da alma como rgo definidor da identidade(Hagner, 1997). Poucos fenmenos, no campo das cincias da vida, exerceram fascnio toforte e contnuo como o crebro e suas funes. Sua transformao em rgo da alma trazcomo consequncia o fato de a pesquisa das funes mentais, lidas a partir do funcio-namento cerebral, ser uma das pedras angulares da pesquisa neurocientfica. A nfase nocrebro para compreender a mente tem constitudo a dobradia entre as duas substncias mente e corpo , ou o ponto em que, supostamente, os processos psquicos e fsicos setransformam um no outro.

    A esse respeito, Changeux (1985, p.274) argumenta a partir de seu olhar de entusiastada reduo entre fenmenos fsicos e psicolgicos que [a] identificao de acontecimentosmentais com acontecimentos fsicos nunca se apresenta como uma tomada de posioideolgica, mas simplesmente como a mais lgica e principalmente mais frutuosa hiptesede trabalho. O autor chama a ateno para o que considera a anulao das teorias vitalistaspelas constataes da biologia molecular. Assim, de esperar, segundo ele, que o mesmoacontea s teses espiritualistas e, por que no incluir, segundo o raciocnio do autor, asteses psicolgicas e psicanalticas, j que, em sua opinio (p.275), a separao entreatividades mentais e neuronais no se justifica ... . A identidade entre estados mentais eestados fisiolgicos ou fsico-qumicos do crebro impe-se com toda a legitimidade. H,portanto, no programa forte das neurocincias, uma aspirao a oferecer, aos transtornosfuncionais, o substrato orgnico que ainda no foi desvelado. A posio desse autor encontraressonncia nas pesquisas mais recentes relacionadas busca de correlatos neurais para aexperincia subjetiva (Crick, 1994; Crick, Koch, 1990), cujos objetivos ultrapassam aspesquisas neurocientficas e tm levado constituio de campo denominado neurofilosofia(Churchland,1986).

    J desde o sculo XVIII, o crebro vem lentamente assumindo papel de destaque naformao da identidade pessoal e de seu substrato exclusivo (Vidal, 2005). Esse processoest em marcha desde o desenvolvimento das primeiras pesquisas frenolgicas, mas, aomenos no Ocidente industrializado, desenvolveu-se mais acirradamente a partir da segundametade do sculo XX, fazendo emergir o que se denomina sujeito cerebral ou cerebralidade(Ehrenberg, 2004; Ortega, Vidal; 2007; Ortega, 2008; Vidal, 2005, 2009) a um conjunto deprticas, discursos, formas de pensar acerca de si e do outro, sobre sade e doena, que

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    A cerebralizao da fadiga

    tomam como base a ideia de que o crebro o rgo exclusivamente necessrio para

    construir nossa identidade saudvel ou doente.

    O sujeito cerebral no existe como entidade autnoma que tem efeitos sobre as coisas.

    So as manifestaes (tericas, prticas e visuais) que permitem postul-lo como uma viso

    de ser humano a partir da qual se desdobram prticas de si. Duas reas so consideradas

    paradigmticas para seu desenvolvimento: os debates sobre a definio de morte cerebral e

    o uso dos scans cerebrais no estabelecimento de correlatos neurais de experincias,

    comportamentos e doenas. O processo de cerebralizao tem desdobramentos dentro e

    fora dos campos filosfico, psicolgico e neurocientfico, e condio de emergncia de

    projetos de articulao das neurocincias com reas das cincias humanas que as reformulam

    luz do conhecimento sobre o crebro, tais como a neuropsicanlise, neuroeducao,

    neurodidtica, neuroteologia, e para a atual aplicao das pesquisas neurocientficas ao

    campo dos transtornos mentais.

    Certamente o sujeito cerebral no a nica figura antropolgica com origens nas

    cincias naturais, haja vista a gentica, que inspirou vrias formas de essencialismos

    orgnicos, e a imunologia, definida como a cincia da discriminao self/non-self. A narrativa

    que compete mais diretamente com o sujeito cerebral certamente o sujeito genmico, a

    julgar pela presena nos meios miditicos. No entanto, questes ligadas ao sujeito cerebral

    trazem consigo dilemas mais diretamente relacionados identidade pessoal, o que no se

    encontra na narrativa genmica.

    O genoma pode ter-se tornado a metfora moderna para a alma (Nelkin, Lindee, 1995;

    Mauron, 2001), mas, ainda assim,

    comparando-se as explicaes do eu e do comportamento com base no genoma e aquelascom base no crebro, resulta que os aspectos neurais da natureza humana so maisdiretamente relevantes. Muitas questes filosficas e ticas tradicionalmente produzidaspela gentica e pela genmica adquirem mais relevncia e urgncia quando reexaminadasno contexto das neurocincias (Mauron, 2003, p.204).

    H algumas razes empricas para isso os genomas so replicveis; os crebros, no

    e outras filosficas j que as influncias genticas sobre a personalidade e o comportamento

    precisam ser mediadas pelo crebro, o determinismo cerebral no pode ser refutado. Portanto,

    a despeito da convergncia cada vez maior da gentica e das neurocincias, os problemas

    do self e da individualidade continuam primariamente relacionados estrutura e ao

    funcionamento do crebro.

    Ningum contesta que o crebro rgo necessrio para o desenvolvimento de funes

    vitais e o exerccio das capacidades humanas. Digno de crtica que particularidades de seu

    funcionamento sejam consideradas suficientes para a formao de certas caractersticas do

    agir humano: escolhas morais, patologias mentais, prticas sexuais, entre outras. O uso

    dessa perspectiva consiste em colocar sobre o mesmo plano o ser considerado a partir de

    seu corpo e o ser como um todo, agente e pensante.

  • 298 Histria, Cincias, Sade Manguinhos, Rio de Janeiro

    Francisco Ortega, Rafaela Zorzanelli

    Neuroimageamento e seus efeitos de verdade

    Aps discutir algumas linhas que compem o papel de legitimidade que o crebro vemadquirindo desde o sculo XIX como resposta a transtornos mentais, cabe-nos retomarmais especificamente o modo como esse rgo ganha destaque e poder de convencimentona atualidade. A anlise do papel das imagens cerebrais na mdia e seu poder persuasivo naformao do que as pessoas pensam a respeito de seus prprios corpos e de si mesmaspermitem perceber, nas imagens cerebrais, fatos e ideias sobre quem somos e sobre nossasdoenas, sobretudo as mentais. As pesquisas e seus resultados imagticos vo lentamentecontribuindo para produzir, naquele que v, a sensao de que o crebro visto a prpriapessoa. Com base nessa colagem da identidade daquele que tem o crebro visualizado e daimagem cerebral, Dumit (2003, 2004) descreve a formao da crena na existncia de tiposcerebrais doentes, sadios, inteligentes, deprimidos, obsessivos.

    Se os pesquisadores s estivessem interessados em medidas estatsticas, o crebro repre-sentado visualmente seria suprfluo, e os dados matemticos e comparativos dos diferentescrebros seriam suficientes. Sua representao visual, porm, melhora a visibilidade do queantes no era mais do que nmeros e comparaes: A tcnica do imageamento porressonncia magntica funcional assim torna visvel e espacial o que de outra formainvisvel e temporal (Alac, 2004, p.203). H, portanto, codependncia entre o modo quan-titativo e o modo visual-espacial de representao, e as imagens de ressonncia magnticafuncional materializam simultaneamente ambos os aspectos. Nesse processo de trans-formao dos dados numricos em dados visuais, aquilo que invisvel ou, no mximo,visualizvel por grficos transformado em dado visual, possvel de ser vivenciado (Joyce,2005; Beaulieu, 2002).

    Nesse contexto, as imagens de tipos cerebrais, pelo apelo inelutvel de, em tese, mostraraquilo que existe no caso, a doena , so tomadas como fatos indubitveis e tm contri-budo para a categorizao dos indivduos com base em seus crebros. A apresentao deimagens de crebros tpicos de esquizofrnicos, deprimidos ou normais produz a sensaode que h diferena categrica entre trs tipos de humanos, que correspondem essen-cialmente a seus tipos de crebros, construindo a impresso de diferena biolgica e positivaentre os crebros, que pode servir como evidncia cientfica. Uma das consequncias dasconcepes de corpos provenientes dessas imagens recebidas como evidncias cientficasincontestveis consiste em supor que nosso crebro , exclusivamente, o elemento necessriopara que sejamos ns mesmos.

    So muitas as linhas de uso dessas tecnologias de imageamento. Os pesquisadoresconduzem seus estudos quase exclusivamente com amostras reduzidas, e os detalhes dosexperimentos so com frequncia deixados para trs, restando deles no mais do que duasimagens com padres ideais, tais como pessoa deprimida e controle normal (Dumit,2003), que unem uma anormalidade cerebral a um diagnstico. Sendo imagens de extremadiferenciao, elas do um sentido visual de clara distino entre o crebro normal e odoente, embora haja esquizofrnicos e outros pacientes com transtornos mentais cujoscrebros parecem com os de pessoas consideradas saudveis e vice-versa, e haja tambm,certamente, fatigados crnicos sem quaisquer alteraes do crebro. A imagem, no entanto,

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    A cerebralizao da fadiga

    rotula e mostra a pretensa doena em si mesma, bem como o doente objetificado. O riscode tais prticas a separao dessas imagens do contexto que as acompanha, o que contribuipara que sirvam como argumento da existncia da diferena definitiva de um tipo cerebralpara outro e, no limite, para que se considere determinado achado ainda em processo deinvestigao a causa suficiente da doena (Dumit, 2000). Alm disso, os pacientes passama ver-se como algum que partilha com outros, alm do sofrimento, um tipo cerebral.6

    No caso da SFC, observamos que justamente esse risco de serem biologicamenteestereotipados que os pacientes querem assumir, posto ser mais compensador do que orisco de serem mal diagnosticados leia-se, receber diagnstico de transtorno mental ouno ser diagnosticado. A adeso dos pacientes s pesquisas de orientao biolgica se d aver nos stios da Internet. Quais so os objetivos dessas organizaes? Os grupos de apoionotaram que a ausncia de pesquisas constitua obstculo para a legitimao da SFC etentaram reverter esse processo (Wessely, Hotopf, Sharpe, 1998). Por isso, h uma tendncianotvel busca de causas biolgicas, que so as consideradas teis, e paralelo rechao spesquisas de orientao psicossocial, consideradas inimigas da causa. Outro objetivo superar a ignorncia dos mdicos sobre o assunto, fazendo circularem pacotes de informaesbiologicamente orientadas em meio aos profissionais e nos encontros acadmicos.

    O processo de agrupamento de pacientes em stios virtuais, lutando em prol das explicaesbiolgicas para doenas mentais, mostra-se de forma enftica no caso especfico da SFC,mas j foi notado de modo mais geral no caso dos transtornos mentais (Ehrenberg, 2004).A National Alliance on Mental Illness (Nami)7, por exemplo, advoga nova definiobiolgica para a doena mental, que contribua para eliminar o estigma da doena. Maisprecisamente, defende uma concepo de doena mental como doena do crebro, com oque concorda o National Institute of Mental Health (NIHM)8.

    H razes prticas para o endosso popular da equalizao das doenas mentais s docrebro. No caso dos EUA, por exemplo, o sistema de seguro favorece essa escolha,estimulando uma concepo materialista do adoecimento, j que uma doena consideradaverdadeira, que atinge o corpo, mais bem remunerada do que doenas psicognicas oudoenas sem explicao mdica.

    A Internet, nesses casos, oferece a possibilidade de os sofredores geograficamente dispersospartilharem experincias, novidades, referncias, fontes e, sobretudo, estratgias para lidarcom mdicos, seguros e outras burocracias. No caso especfico da SFC, um grupo de discussode pacientes, o CFS Patients Discussion Group9, recebeu 54 mil mensagens de seus usuriosentre meados de 1995 e 1997 (Dumit, 2000). A invisibilidade da doena sem achadosorgnicos e sem legitimidade social encontra nesses stios um modo de ser superada eganhar alguma materialidade. Cria-se um sentimento de comunidade entre os portadores,que partilham dilemas, dividem informaes de tratamentos pouco convencionais ouno atestados pela biomedicina e financiam, mediante donativos, pesquisas em busca deum fator determinante da doena. Assim, as comunidades virtuais tornaram-se participantesativos tanto da disseminao de achados de pesquisas, quanto do direcionamento doapoio financeiro a alguns estudos.

    interessante notar que muitos grupos de apoio esto focados em discutir as implicaesde a doena ser rotulada como transtorno orgnico ou mental. O amparo biolgico da

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    Francisco Ortega, Rafaela Zorzanelli

    doena , declaradamente, uma luta dos pacientes, pois supe-se que a causa biolgicaresolveria, a um s tempo, dois grandes obstculos que eles enfrentam: a estigmatizao ea falta de seriedade com que so tratados socialmente e por alguns profissionais da sade que, na ausncia de causas somticas, percebem-nos como fingidores e no lhes oferecemabordagem teraputica adequada; e a falta de amparo legal para a obteno de benefciosrelativos a auxlios-doena, como aposentadoria por invalidez e outros. A demonstraode um transtorno no crebro significa a no implicao da mente, que desaparece comofonte de ao e responsabilidade individual. Entra-se, ento, na seara de um transtornosem sujeito, sem ningum a ser implicado a no ser o crebro, ao qual se atribui o poder deinfligir a doena ao indivduo.

    Os advogados desses grupos tambm defendem a tese de que a doena decorrncia dealgum dano fsico, porque assim as sndromes e os seus pacientes no sero censurados etero mais chances de receber os direitos dos seguros de sade, como no caso de qualqueroutra doena com agente etiopatolgico claro. Alguns stios virtuais ilustram bem osprocessos aqui apontados. Um deles o The CFIDS Association of America, h vinte anosno ar contribuindo para a construo da histria da SFC. J o The National CFIDSFoundation tem o objetivo de obter fundos para pesquisas que procuram a causa efetivada SFC, seu tratamento e sua cura, bem como oferecer apoio, informao e educao parapacientes e profissionais da sade envolvidos com a doena. H tambm o stio da Trans-NIH Working Group for Research on Chronic Fatigue Syndrome, financiado pelo Officeof Research on Womens Health dos Estados Unidos, com os mesmos objetivos. O SupportME vinculado ME Association , fundada em 1976 e situada em Glaslow, na Esccia, comaproximadamente dez mil membros. Essa associao oferece servio telefnico de aconse-lhamento aos pacientes sobre como agir com relao doena e quais benefcios pleitear. 10

    Como se pode observar, a luta pela aceitao social e legitimidade ocorre sobretudo emdois eixos interligados: a busca de etiologia orgnica e o amparo do seguro social aospacientes. A solicitao que a doena possa ser segurada como as orgnicas, e para isso preciso uma demonstrao objetiva de seus agentes. Diante desse panorama, os pacientestornaram-se ativistas, e o clima em torno da questo permeado por atmosfera e retricade batalha entre adversrios. Os estudos de Wessely, Hotopf e Sharpe (1998) demonstramque tais grupos se pautam sobretudo pela falta de tolerncia com conceitualizaes e estra-tgias de enfrentamento que no estejam de acordo com as hipteses biolgicas, e adotamuma retrica antissade mental e antipsicognese.

    No contexto da doena crnica, cabe atentar para as inabilidades do indivduo emfunes valorizadas e esperadas socialmente (pelo cnjuge, por parentes, empregados,amigos), o que diminui as oportunidades de manter relaes desvinculadas do fato de serportador de uma doena, restringindo-se os contatos aos profissionais da sade o quecontribui para que ele se perceba como inadequado e disfuncional, e formate a identidadede doente. Essa identidade partilhada, preferencialmente, nesses grupos, em que tambmso comungadas regras para o bem-viver dos participantes, incluindo desde cuidadoscorporais, mdicos e higinicos at as lutas pela comprovao da base biolgica da doena,sendo este um exemplo emblemtico das formas de biossociabilidade a cujo desenvolvimentoassistimos na atualidade (Rabinow, 1996).

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    A cerebralizao da fadiga

    Saber fazer as perguntas adequadas

    Ao analisarmos o uso de tcnicas de neuroimageamento, importante munir-nos dequestes que nos permitam tirar vantagens delas, endereando-lhes perguntas que estejamde acordo com o que esse tipo de tecnologia pode responder (Kosslyn, 1999). um cuidadoimportante, para que esse uso no leve a simplificar questes complexas, que dependem devariveis no contempladas naquilo que a visualizao cerebral oferece.

    A maioria das pesquisas atuais com essas tcnicas tenta revelar a arquitetura funcionalsubjacente a determinada habilidade, isto , o cenrio de processos e estruturas usadospara realizar um tipo especfico de tarefas. As reas ativadas enquanto um sujeito utilizauma habilidade refletem supostamente o uso de tais estruturas, e cada rea caracterizadapor sua funo na implementao de um processo particular. Na maior parte dos estudos,revela-se um aglomerado de reas ativadas ou desativadas, sem informaes a respeito dofluxo entre elas.

    A ativao e sua variao nas reas diversas so importantes indicadores, usados paraconcluir sobre o envolvimento de um processo ou estrutura em alguma tarefa. No casoideal, supondo-se que os processos e estruturas responsveis por determinada tarefa soimplementados numa dada parte do crebro, pode-se argumentar que a ativao naquelarea, enquanto o sujeito realiza uma tarefa, evidncia de que esses processos foram usadosenquanto o sujeito a realizava. Posto que um processo identificado com um lugaranatmico especfico, a lgica vlida. O problema que uma dada parte do crebro podeimplementar mais do que um processo, e por isso os resultados devem ser consideradosapenas mais uma fonte de convergncia das evidncias, e no sinal conclusivo.11 Portanto,o simples achado de ativao de uma rea, mesmo uma com caractersticas funcionais bemdefinidas, no suficiente para inferir nada alm do fato de que as propriedades daquelarea contribuem para a performance. essa a razo por que a demonstrao de que umpadro particular de atividade cerebral acompanha a performance de tipos particulares detarefas no , por si, de grande interesse. Simplesmente constatar que certas reas do cre-bro so ativas quando algum realiza uma tarefa no suficiente (Kosslyn, 1999, p.1293).Dados assim s so interpretveis no contexto de teorias que conduzem a hipteses especficas.

    Os cuidados necessrios na utilizao de neuroimagens, no entanto, no lhes retiram autilidade como ferramenta para a investigao da natureza dos processos cerebrais. Maisdo que para a construo de padres eletroqumicos aos quais se pode associar uma doena,elas servem para a construo de evidncias convergentes ou divergentes de outras hiptesesmdicas sobre os fenmenos em estudo. O desdobramento mais interessante da indicaode Kosslyn a constatao de que algumas questes endereadas s tecnologias deneuroimageamento esto alm daquilo a que elas podem responder, principalmente porqueainda so incipientes as ideias a que se pode chegar a partir da verificao de que uma reaest mais ativada do que outra, em determinada tarefa funcional.

    No caso especfico da SFC, ainda que venham a ser encontrados padres de alteraocerebral nos pacientes, cabe questionar se esses achados podem ser considerados suficientespara o entendimento da doena. No limite, ainda que encontremos alteraes cerebraisindubitveis em todos os pacientes acometidos pela SFC, poderamos chegar ao equa-

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    Francisco Ortega, Rafaela Zorzanelli

    cionamento simples desses achados e suas manifestaes? A SFC seria a mera expresso dealteraes cerebrais, ou essas alteraes apenas comporiam um mosaico de variveis, comoestilo de vida, adeso a padres excessivos de eficcia no trabalho e na vida, entre outrosaspectos?

    Como vimos, buscar a objetividade de certas patologias tem significado buscar suasomaticidade por meio de mtodos e instrumentos de diagnstico visuais que possamultrapassar os limites dos sentidos humanos. A busca de um achado orgnico torna-se lutatambm dos pacientes, que desejam ser tratados, receber benefcios sociais e principalmenteser acolhidos como doentes, e no como fingidores. Vimos com destaque o papel do usode neuroimagens com esse intuito. Ainda que o achado visual seja inconclusivo, ele setorna potencialmente eleito como a essncia da doena. A expressividade visual , ento,utilizada para construir aquilo que pretende ser mostrado, e no apenas para mostrar oque j est naturalmente ali. Por isso cremos que o uso das neuroimagens aponta no spara a objetivao dos indivduos e no caso dos transtornos em questo, de um indivduodoente ou so , mas tambm para uma objetivao da prpria molstia, j que, pelaautoridade atribuda s tecnologias mdicas, um padro fisiolgico encontrado torna-sepotencial atestado da objetividade da condio clnica, que justamente aquilo de que elacarece.

    NOTAS

    1 A categoria neurastenia surgiu a partir de 1869, inicialmente em solo norte-americano, nos escritos doneurologista George Beard. Atribua-se aos neurastnicos um funcionamento deficitrio do sistemanervoso, supostamente devido a alteraes submicroscpicas relativas nutrio das clulas do crebroe, portanto, invisveis, embora reais. A condio neurastnica era caracterizada por enfraquecimento dafora nervosa, com graus diferenciados de severidade. Os sintomas se apresentavam de modo bastantevariado, incluindo os gstricos, oculares, ginecolgicos e neurolgicos. No cerne do quadro estava aexausto nervosa, caracterizada pela fadiga geral injustificada. Os neurastnicos apresentavam rpidafatigabilidade e demorada recuperao, que no era aliviada pelo sono ou descanso. Paradoxalmente,os sofredores gozavam de boa sade, eram bem nutridos e apresentavam musculatura bem desenvolvida.2 O autor destaca o transtorno de deficit de ateno, a sndrome da fadiga crnica, a sndrome da Guerrado Golfo, a sensibilidade qumica mltipla e, em menor extenso, o transtorno do estresse ps-traumtico,a depresso e a esquizofrenia. A definio desses transtornos passa pelas caractersticas explicitadas etambm pelo fato de que traz desdobramentos de mbito mdico, social, legal, cientfico e econmico,configurando uma problemtica para aquele que afligido, mas tambm para mdicos, agnciasadministrativas de seguro em sade e pesquisadores.3 A bibliografia sobre o tema da homogeneizao de pesquisas neurolgicas e os estudos relativos acomportamentos humanos vasta, mas sugerimos especificamente Healy, 1999, 2002; Rose 2006, 2007;e Valenstein, 1998.4 H extensa bibliografia sobre a utilizao de mtodos de neuroimagem no caso da SFC, bem como incessante a produo de novos estudos sobre o tema. Para compreender alguns dos caminhos e resultadosnesse campo, ver Buchwald et al., 1992; Schwartz et al., 1994; Costa, Tannock, Brostoff, 1995; Greco etal., 1997; Tirelli et al., 1998; Lange et al., 1999; Cook et al., 2001; e Schmaling et al., 2003.5 Nesta e nas demais citaes em outros idiomas, a traduo livre.6 A problemtica dos tipos cerebrais tambm analisada por Ortega (2009), em estudo sobre o movimentode neurodiversidade autista. Segundo o autor, os tericos dos estudos sobre deficincia auditivademonstraram o modelo irreal de perfeio corporal, no qual a discusso sobre a deficincia se insere.Partindo dessas discusses, tem origem a retrica anticura baseada, sobretudo, na ideia do autismo como

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    A cerebralizao da fadiga

    modo de vida, e no como doena. O autor chama a ateno para o fato de que essa posio se sustentapreponderantemente na pressuposio da neurodiversidade (e no na psicodiversidade) dos acometidosou, em outros termos, em um padro neurolgico que lhes seria tpico.7 A Nami uma das mais importantes organizaes americanas dedicadas aos portadores de doenasmentais. Foi fundada em 1979 e representada em cada estado americano e em mais de 1.100 comunidadespor todo o pas. Visa advogar, pesquisar, apoiar, educar e, sobretudo, erradicar a doena mental,melhorando a qualidade de vida daqueles que so acometidos e de suas famlias. Ver http://www.nami.org.8 O NIHM um dos principais rgos federais americanos para pesquisa e tratamento de transtornosmentais. parte do Departamento de Sade e Servios Humanos dos EUA e concentra-se na pesquisabiomdica sobre mente, crebro e comportamento, com vistas a melhorar a sade mental dos americanos.Compe-se de 27 unidades e tem por misso reduzir a incidncia da doena mental e dos transtornos decomportamento, por meio de pesquisas que criem ferramentas para a aquisio de melhor tratamento,compreenso e eventualmente preveno das condies incapacitantes que afetam milhes de americanos.Ver http://www.nimh.nih.gov.9 Ver http://cfs-l.home.att.net.10 Ver The CFIDS Association of America (http://www.cfids.org/); Trans-NIH Working Group for Researchon Chronic Fatigue Syndrome (http://orwh.od.nih.gov/cfs/cfsReportsFeb00.html); Support ME (http://www.supportme.co.uk/index2.htm); e The ME Association (http://www.meassociation.org.uk/).11 Alm disso, necessrio considerar outra questo: diferentes estratgias para o cumprimento de umatarefa produzem padres de ativao diferentes. Por exemplo, se esto sendo analisadas as reas ativadaspor ocasio de uma rotao mental de objetos, preciso levar em conta que h vrias formas de movermentalmente objetos em rotao: uma que implica processos motores como quando imaginamosalgum girando um objeto em determinada direo e outra que no como quando imaginamos umobjeto sendo girado por uma fora externa, como o vento. Uma tarefa pesquisada pode, portanto, terdiversas variaes em sua execuo, implicando o uso de reas e habilidades no previstas.

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